Language of document : ECLI:EU:C:2019:520

CONCLUSÕES DO ADVOGADO‑GERAL

HENRIK SAUGMANDSGAARD ØE

apresentadas em 20 de junho de 2019 (1)

Processo C212/18

Prato Nevoso Termo Energy Srl

contra

Provincia di Cuneo,

ARPA Piemonte,

sendo interveniente:

Comune di Frabosa Sottana

[pedido de decisão prejudicial apresentado pelo Tribunale Amministrativo Regionale per il Piemonte (Tribunal Administrativo Regional do Piemonte, Itália)]

«Reenvio prejudicial — Ambiente — Diretiva 2008/98/CE — Resíduos — Óleos vegetais usados submetidos a um tratamento químico — Artigo 6.o, n.os 1 e 4 — Fim do estatuto de resíduo — Condições — Margem de apreciação dos Estados‑Membros — Diretiva 2009/28/CE — Promoção da energia produzida a partir de fontes renováveis — Pedido de autorização para utilizar, numa instalação de produção de energia térmica e elétrica sem sujeição à regulamentação nacional em matéria de valorização energética de resíduos, um biolíquido produzido a partir de óleos vegetais usados submetidos a um tratamento químico — Indeferimento — Artigo 13.o, n.o 1 — Procedimento de autorização — Proporcionalidade»






I.      Introdução

1.        Com o seu pedido de decisão prejudicial, o Tribunale Amministrativo Regionale per il Piemonte (Tribunal Administrativo Regional do Piemonte, Itália) pede ao Tribunal de Justiça que se pronuncie sobre a interpretação do artigo 6.o da Diretiva 2008/98/CE relativa aos resíduos e que revoga certas diretivas (2) e do artigo 13.o da Diretiva 2009/28/CE relativa à promoção da utilização de energia proveniente de fontes renováveis que altera e subsequentemente revoga as Diretivas 2001/77/CE e 2003/30/CE (3).

2.        Este pedido foi apresentado no âmbito de um litígio que opõe a sociedade Prato Nevoso Termo Energy S.r.l. (a seguir «PNTE») à Provincia de Cuneo (Província de Cuneo, Itália) relativa ao indeferimento de um pedido apresentado pela PNTE destinado a obter a autorização para alterar a fonte de alimentação de uma central de produção de energia térmica e elétrica que explora, substituindo o gás metano por um combustível obtido a partir do tratamento químico de óleos vegetais usados.

3.        O órgão jurisdicional de reenvio pergunta, em substância, se o artigo 6.o, n.os 1 e 4, da Diretiva 2008/98 e o artigo 13.o, n.o 1, da Diretiva 2009/28 se opõem a uma regulamentação nacional segundo a qual a utilização de tal combustível numa instalação que produz emissões para a atmosfera está sujeita às exigências normativas aplicáveis à valorização energética de resíduos, a não ser e até que um decreto ministerial, ato interno de alcance geral, disponha em contrário.

II.    Quadro jurídico

A.      Direito da União

4.        O artigo 3.o, n.o 1, da Diretiva 2008/98 define o conceito de «[r]esíduos» como «quaisquer substâncias ou objetos de que o detentor se desfaz ou tem intenção ou obrigação de se desfazer».

5.        O artigo 6.o desta diretiva, sob a epígrafe «[f]im do estatuto de resíduo», dispõe:

«1.      Determinados resíduos específicos deixam de ser resíduos na aceção do ponto 1 do artigo 3.o caso tenham sido submetidos a uma operação de valorização, incluindo a reciclagem, e satisfaçam critérios específicos a estabelecer nos termos das seguintes condições:

a)      A substância ou objeto ser habitualmente utilizado para fins específicos;

b)      Existir um mercado ou uma procura para essa substância ou objeto;

C)      A substância ou objeto satisfazer os requisitos técnicos para os fins específicos e respeitar a legislação e as normas aplicáveis aos produtos; e

d)      A utilização da substância ou objeto não acarretar impactos globalmente adversos do ponto de vista ambiental ou da saúde humana.

Se necessário, os critérios incluem valores‑limite para os poluentes e têm em conta eventuais efeitos ambientais adversos da substância ou objeto.

2.      As medidas que têm por objeto alterar elementos não essenciais da presente diretiva, completando‑a, relativas à adoção dos critérios enunciados no n.o 1 e que especificam o tipo de resíduos a que esses critérios se aplicam, são aprovadas pelo procedimento de regulamentação com controlo a que se refere o n.o 2 do artigo 39.o Deverão ser considerados critérios específicos para o estabelecimento do fim do estatuto de resíduo, nomeadamente, pelo menos para agregados, papel, vidro, metal, pneus e têxteis.

[…]

4.      Caso não tenham sido definidos critérios a nível comunitário nos termos dos n.os 1 e 2, os Estados‑Membros podem decidir caso a caso se determinado resíduo deixou de ser um resíduo tendo em conta a jurisprudência aplicável. […]»

6.        O artigo 2.o, alínea h), da Diretiva 2009/28 define o conceito de «[b]iolíquidos» como «combustíveis líquidos para fins energéticos, com exceção dos destinados aos transportes, incluindo eletricidade, aquecimento e arrefecimento, produzidos a partir de biomassa».

7.        O artigo 13.o desta diretiva, com a epígrafe «[p]rocedimentos administrativos, regulamentos e códigos», prevê no seu n.o 1:

«Os Estados‑Membros devem assegurar que as regras nacionais relativas aos processos de autorização, certificação e licenciamento aplicáveis a instalações e infraestruturas associadas da rede de transporte e distribuição destinadas à produção de eletricidade, aquecimento ou arrefecimento a partir de fontes de energia renováveis e ao processo de transformação de biomassa em biocombustíveis ou outros produtos energéticos sejam proporcionadas e necessárias.

Os Estados‑Membros devem, em especial, tomar as medidas adequadas para assegurar que:

a)      Sem prejuízo das diferenças entre Estados‑Membros no que se refere às suas estruturas e organização administrativas, as responsabilidades respetivas dos organismos administrativos nacionais, regionais e locais pelos processos de autorização, certificação e licenciamento, nomeadamente o planeamento espacial, sejam claramente coordenadas e definidas, com calendários transparentes para a determinação dos pedidos de planeamento e construção;

b)      Sejam disponibilizadas ao nível adequado informações exaustivas sobre o processamento dos pedidos de autorização, certificação e licenciamento de instalações de energias renováveis e sobre a assistência à disposição dos requerentes;

c)      Os procedimentos administrativos sejam simplificados e acelerados ao nível administrativo adequado;

d)      As regras que regem a autorização, certificação e licenciamento sejam objetivas, transparentes, proporcionadas, não estabeleçam discriminações entre os requerentes e tenham plenamente em conta as particularidades de cada uma das tecnologias energéticas renováveis;

e)      Os encargos administrativos a pagar pelos consumidores, urbanistas, arquitetos, construtores e instaladores e fornecedores de equipamento e sistemas sejam transparentes e proporcionais aos custos; […]

f)      Sejam estabelecidos procedimentos de autorização menos pesados e simplificados, nomeadamente mediante simples notificação, se o enquadramento regulamentar o permitir, para os projetos de menores dimensões e, se for caso disso, para os dispositivos descentralizados de produção de energia a partir de fontes renováveis.»

B.      Direito italiano

8.        O artigo 184.oter, n.o 1, do Decreto Legislativo n.o 152, de 3 de abril de 2006, relativo às normas em matéria ambiental, transpõe para o direito italiano o artigo 6.o, n.o 1, da Diretiva 2008/98 (4).

9.        O artigo 268.o, alínea eeebis), deste decreto define o conceito de «combustível» como «qualquer matéria sólida, líquida ou gasosa, incluída no anexo X da parte quinta, com utilização prevista para a produção de energia por combustão com exceção dos resíduos […]».

10.      O artigo 293.o, n.o 1, do referido decreto dispõe que «[n]as instalações abrangidas pelo título I e título II da parte quinta, incluindo as instalações térmicas civis cuja potência seja inferior ao valor‑limite, apenas se podem utilizar os combustíveis previstos para essas categorias de instalações do anexo X da parte quinta, nas condições aí previstas. As matérias e as substâncias enumeradas no anexo X, à parte V, do presente decreto não podem ser utilizadas como combustíveis para aquecimento na aceção do presente título desde que constituam resíduos na aceção da parte IV do presente decreto. Está sujeita à legislação vigente em matéria de resíduos, a combustão de materiais e substâncias que não estejam em conformidade com o anexo X da parte quinta deste decreto ou que, de qualquer forma, constituam resíduos […].»

11.      O anexo X da parte V do Decreto Legislativo n.o 152/2006 enumera, no seu título II, secção 4, os combustíveis provenientes da biomassa, cuja utilização é autorizada para a produção de energia nos seguintes termos:

«a)      Material vegetal produzido a partir de culturas dedicadas;

b)      Material vegetal produzido por tratamento exclusivamente mecânico, lavagem com água ou secagem de culturas agrícolas não dedicadas;

c)      Material vegetal produzido a partir de intervenções de silvicultura, de manutenção florestal e de poda;

d)      Material vegetal produzido por transformação exclusivamente mecânica e por tratamento com ar, vapor ou água sobreaquecida de madeira virgem e composto por casca, serradura, lascas, aparas, desperdícios e toros de madeira virgem, granulados e impurezas de madeira virgem, granulados e impurezas de cortiça virgem, toros, não contaminados por poluentes;

e)      Material vegetal produzido por tratamento exclusivamente mecânico, lavagem com água ou secagem de produtos agrícolas;

f)      Bagaço de azeitona […];

g)      Licor negro obtido nas fábricas de papel […];

h)      produtos em bruto ou refinados constituídos predominantemente por glicéridos de origem animal qualificados […] como subprodutos animais ou produtos derivados que podem ser utilizados nos processos de combustão […]»

12.      Em conformidade com o artigo 281.o, n.os 5 e 6, deste decreto, as alterações e aditamentos aos anexos da parte quinta do referido decreto «são adotados por decreto do Ministro dell’ambiente e della tutela del territorio e del mare [Ministro do Ambiente e da Proteção do Território e do Mar], conjuntamente com o Ministro della salute [Ministro da Saúde], o Ministro dello sviluppo economico [Ministro do Desenvolvimento Económico] e, para as matérias da sua competência, o Ministro delle infrastrutture e dei trasporti [Ministro das Infraestruturas e Transportes], após consulta da Conferenza unificata [Conferência Conjunta] […]».

13.      O artigo 2.o, n.o 1, alínea h), do Decreto Legislativo n.o 28, de 3 de março de 2011 (5), transpõe para o direito italiano o artigo 2.o, alínea h), da Diretiva 2009/28.

14.      Nos termos do artigo 5.o, n.o 1, deste decreto, «[…] a construção e a exploração das instalações de produção de eletricidade alimentadas por fontes renováveis, as obras conexas e as infraestruturas indispensáveis para a construção e a exploração dessas instalações, bem como alterações substanciais das mesmas instalações, estão sujeitas à autorização única a que se refere o artigo 12.o do Decreto Legislativo n.o 387, de 29 de dezembro de 2003 [(6)]».

III. Litígio no processo principal, questões prejudiciais e tramitação do processo no Tribunal de Justiça

15.      A PNTE explora uma central de produção de energia térmica e elétrica alimentada a gás metano. Em 8 de novembro de 2016, a referida sociedade requereu à Província de Cuneo, com base no artigo 12.o, n.o 3, do Decreto Legislativo n.o 387/2003, uma autorização para alterar a fonte de alimentação da referida central. A PNTE pretende substituir o gás metano por óleo vegetal produzido pela sociedade ALSO s.r.l. que resulta da recolha e tratamento químico de óleos de fritura usados, resíduos de refinação de óleos vegetais e resíduos de lavagem dos reservatórios para o seu armazenamento. (a seguir «óleo vegetal»).

16.      A ALSO dispõe de uma autorização de comercialização do óleo vegetal como produto que deixou de ter estatuto de resíduo na aceção do artigo 184.oter do Decreto Legislativo n.o 152/2006, desde que apresente as características físico‑químicas indicadas nessa autorização e que, nos documentos comerciais, figure a menção «produto obtido a partir da recuperação de resíduos para utilização exclusiva na produção de biodiesel».

17.      A autorização solicitada pela PNTE foi recusada com fundamento no facto de o óleo vegetal não estar compreendido em nenhuma das categorias de combustíveis autorizados nas instalações que produzem emissões para a atmosfera constantes da lista prevista no anexo X, parte II, secção IV, da parte quinta do Decreto Legislativo n.o 152/2006. Com efeito, os únicos óleos vegetais incluídos nessas categorias são os que são provenientes de culturas dedicadas ou obtidos através de processos de tratamento exclusivamente mecânicos. A Província de Cuneo concluiu que, em conformidade com o artigo 293.o, n.o 1, desse decreto, o óleo vegetal devia ser considerado um resíduo.

18.      A PNTE interpôs recurso desta decisão para o Tribunale Amministrativo Regionale per il Piemonte (Tribunal Administrativo Regional do Piemonte). Em apoio do seu recurso, a PNTE alega que o indeferimento viola certas disposições da Diretiva 2008/98 e da Diretiva 2009/28.

19.      Neste contexto, esse órgão jurisdicional observa que a administração a quem a PNTE apresentou o pedido de autorização estava obrigada, por força do artigo 293.o, n.o 1, do Decreto Legislativo n.o 152/2006, lido em conjugação com o anexo X da parte V deste decreto, a tratar o óleo vegetal como um resíduo.

20.      Esta conclusão impôs‑se apesar de, em primeiro lugar, o óleo vegetal respeitar a norma técnica UNI/TS 11163: 2009 relativa aos «biocombustíveis líquidos, óleos e gorduras animais e vegetais seus produtos intermédios e derivados — Classificação e especificações para fins de utilização energética», facto que a administração não contestou (7).

21.      Em seguida, o óleo vegetal tem, segundo o referido órgão jurisdicional, o seu próprio mercado enquanto combustível, como demonstra a vontade da PNTE em adquiri‑lo para alimentar a central em causa no processo principal.

22.      Por último, o órgão jurisdicional de reenvio considera que a substituição, para esse efeito, do gás metano pelo óleo vegetal não parece, globalmente, suscetível de prejudicar o ambiente. A PNTE apresentou, no âmbito do procedimento de autorização, um relatório técnico que revela que o balanço ambiental dessa substituição é globalmente positivo, facto que a administração não contesta.

23.      Por outro lado, esse órgão jurisdicional observa que o procedimento de autorização das instalações de produção de energia a partir da biomassa, previsto pelas disposições conjugadas dos Decretos Legislativos n.os 28/2011 e 387/2003, não é coordenado com o procedimento de modificação do anexo X da parte V do Decreto Legislativo n.o 152/2006. Por força do artigo 281.o, n.os 5 e 6, do referido decreto, este anexo apenas pode ser revisto por decreto do Ministro do Ambiente, em concertação com os outros ministérios competentes.

24.      A definição do conceito de «combustível» previsto no artigo 268.o, alínea eeebis), do referido decreto também não está harmonizada com a do conceito de «biolíquido» previsto no artigo 2.o, alínea h), do Decreto Legislativo n.o 28/2011, que transpõe o artigo 2.o, alínea h), da Diretiva 2009/28.

25.      Tendo em conta estas considerações, o Tribunale Amministrativo Regionale per il Piemonte (Tribunal Administrativo Regional do Piemonte), por decisão de 14 de fevereiro de 2018, entrada no Tribunal de Justiça em 26 de março de 2018, suspendeu a instância e submeteu ao Tribunal de Justiça as seguintes questões prejudiciais:

«1)      O artigo 6.o da Diretiva [2008/98] e, em qualquer caso, o princípio da proporcionalidade, opõem‑se a uma disposição nacional, como a constante do artigo 293.o […] e do artigo 268.o, alínea eeebis), do Decreto Legislativo n.o 152/2006, que obriga a considerar como resíduo, mesmo no âmbito de um procedimento de autorização de uma central de energia elétrica alimentada por biomassa, um biolíquido que cumpre os requisitos técnicos para o efeito e que é pedido para fins de produção como combustível, se e enquanto o referido biolíquido não figurar no anexo X, parte II, secção 4, parágrafo 1, da parte V do Decreto Legislativo [n.o 152/2006], independentemente da avaliação de impacto ambiental negativa ou de qualquer contestação relativa às características técnicas do produto, no âmbito do procedimento de autorização?

2)      O artigo 13.o da Diretiva [2009/28] e, em qualquer caso, os princípios da proporcionalidade, transparência e simplificação opõem‑se a uma disposição nacional, como a constante do artigo 5.o do Decreto Legislativo n.o 28/2011, na parte em que, no momento em que o requerente pede autorização para utilizar a biomassa como combustível numa instalação que produz emissões para a atmosfera, não prevê nenhum tipo de coordenação com o procedimento de autorização da referida utilização como combustível previsto no Decreto Legislativo n.o 152/2006, anexo X da parte V, nem a possibilidade de apreciar, in concreto, a solução proposta no âmbito de um único procedimento de autorização e à luz de especificações técnicas predefinidas?»

26.      A PNTE, a Província de Cuneo, os Governos italiano e neerlandês e a Comissão Europeia apresentaram observações escritas ao Tribunal de Justiça. A PNTE, o Governo italiano e a Comissão estiveram representados na audiência de 13 de fevereiro de 2019.

IV.    Análise

A.      Considerações preliminares

27.      Como resulta da decisão de reenvio e dos autos submetidos ao Tribunal de Justiça, o óleo vegetal é produzido a partir do tratamento químico, por esterificação, nomeadamente, de certos óleos alimentares usados (8). É pacífico que esses óleos eram, antes desse tratamento, resíduos na aceção do artigo 3.o, n.o 1, da Diretiva 2008/98.

28.      A ALSO obteve uma autorização nos termos da qual o óleo vegetal, obtido na sequência do referido tratamento, pode ser comercializado, enquanto produto que perdeu a qualidade de resíduo, para utilização na produção de biodiesel (isto é, um biocombustível utilizado nos motores diesel) (9). Sempre segundo as indicações fornecidas pela decisão de reenvio, a PNTE obteve o óleo vegetal e pretende usá‑lo para outro fim, a saber, como combustível numa instalação de cogeração pertencente à categoria das instalações que produzem emissões para a atmosfera.

29.      Em conformidade com o artigo 268.o, alíneas eeebis), e com o artigo 293.o, n.o 1, do Decreto Legislativo n.o 152/2006, conjugados com o anexo X na parte V do referido decreto (a seguir, conjuntamente, «legislação nacional em causa no processo principal»), a combustão de óleos vegetais derivados do tratamento químico de resíduos nas instalações dessa categoria está sujeita à regulamentação nacional em matéria de valorização energética de resíduos. É assim a não ser e até que um decreto ministerial inclua os óleos deste tipo na lista que figura nesse anexo. A Província de Cuneo salientou que a valorização energética de resíduos requer uma autorização específica e está sujeita a regras estritas relativas, nomeadamente, aos limites das emissões para a atmosfera.

30.      A omissão dos óleos vegetais usados tratados quimicamente na lista das categorias de combustíveis utilizáveis, numa instalação que produz tais emissões, fora da regulamentação em matéria da valorização energética de resíduos, tem como consequência excluir qualquer apreciação caso a caso para a determinação de fim do estatuto de resíduo desses óleos quando se destinem a uma utilização semelhante. A decisão de reenvio não especifica as razões que justificam essa exclusão apesar do fim do estatuto de resíduo dos referidos óleos poder ser declarado no termo de um exame individual quando são utilizados para produzir biodiesel. As explicações fornecidas pelo órgão jurisdicional de reenvio parecem indicar que considera que esta escolha não se baseia numa apreciação dos riscos para o ambiente e ou a saúde associados à combustão de óleos deste tipo numa instalação que produz emissões para a atmosfera.

31.      Em contrapartida, a Província de Cuneo e o Governo italiano alegam razões de natureza ambiental e sanitária em apoio da falta de inscrição dos óleos vegetais usados tratados quimicamente na lista acima referida. No essencial, alegam que, quando esses óleos são queimados numa instalação deste tipo, os reagentes químicos que contêm são libertados na atmosfera em proporções muito maiores do que quando são consumidos como componentes do biodiesel num motor diesel. Os trabalhos científicos disponíveis não excluem a inexistência de riscos para o ambiente ou a saúde humana associados à combustão de óleos vegetais esterificados numa instalação que produz emissões para a atmosfera. Esses riscos são potencialmente superiores aos que se prendem com a utilização de óleos deste tipo para produzir biodiesel. A PNTE e a Comissão contestam a procedência desta justificação.

32.      Estas considerações constituirão o pano de fundo da minha análise das questões prejudiciais.

B.      Quanto à primeira questão, relativa à interpretação do artigo 6.o, n.os 1 e 4, da Diretiva 2008/98

1.      Observações preliminares

33.      A primeira questão prejudicial diz respeito à conformidade com o artigo 6.o, n.os 1 e 4, da Diretiva 2008/98, de uma legislação nacional que impede as autoridades competentes para conhecer o pedido de autorização para utilizar enquanto combustível, numa instalação que produz emissões para a atmosfera, uma substância obtida a partir do tratamento de resíduos provenientes da biomassa, como um óleo vegetal usado tratado quimicamente, de apreciar, à luz das suas características técnicas e do seu impacto ambiental, se essa substância perdeu o estatuto de resíduo, quando não se enquadra em nenhuma das categorias inscritas na lista dos combustíveis autorizados numa instalação desse tipo ao abrigo dessa legislação.

34.      A este respeito, recordo que se pode chegar à conclusão de que um resíduo perdeu essa qualidade de três maneiras distintas. Em primeiro lugar, esta conclusão pode assentar na aplicação de critérios de fim do estatuto de resíduo, para determinadas categorias de resíduos, definidos a nível da União nos termos do artigo 6.o, n.o 2, da Diretiva 2008/98 (10). Em segundo lugar, na ausência de tais critérios, esta conclusão pode assentar numa decisão «caso a caso» — ou seja, numa decisão individual que visa fluxos de resíduos específicos valorizados numa instalação determinada — adotada por um Estado‑Membro ao abrigo do artigo 6.o, n.o 4, desta diretiva. Em terceiro lugar, como resulta do Acórdão Tallinna Vesi (11), esta disposição habilita os Estados‑Membros a definirem, na ausência de critérios definidos a nível da União, os critérios de acordo com os quais os resíduos pertencentes a uma dada categoria perdem a qualidade de resíduos, através de um ato interno de caráter geral (12).

35.      No caso em apreço, não foram definidos critérios para determinação de fim do estatuto de resíduo para os óleos vegetais usados, nem ao nível da União nem à escala nacional. A legislação nacional em causa no processo principal constitui, por outro lado, um obstáculo a qualquer apreciação caso a caso para determinar o fim do estatuto de resíduo desses óleos tratados quimicamente e destinados a servir de combustível numa instalação que produz emissões para a atmosfera (13). Com efeito, a perda do estatuto de resíduo pressupõe a adoção de um decreto ministerial que os inscreva na lista dos combustíveis autorizados para essa utilização fora do regime aplicável à incineração de resíduos, devendo especificar, se for caso disso, os critérios que devem ser preenchidos para o efeito.

36.      Neste contexto, a primeira questão prejudicial insta o Tribunal de Justiça a determinar se, e em caso afirmativo, em que medida, um Estado‑Membro está obrigado, na falta de critérios para determinação de fim do estatuto de resíduo definidos à escala da União ou a nível nacional relativamente a um determinado tipo de resíduos, a permitir a apreciação caso a caso do fim do estatuto de resíduo fluxo de resíduos desse tipo. Se é certo que o Tribunal de Justiça já declarou que o artigo 6.o, n.o 4, da Diretiva 2008/98 impõe aos Estados‑Membros mais do que uma simples faculdade de examinar se determinados resíduos perderam essa qualidade e, eventualmente, declarar o fim do estatuto de resíduo (secção 2), o alcance da margem de apreciação de que dispõem para esse efeito deverá ser precisado (secção 3), com vista a permitir ao órgão jurisdicional de reenvio avaliar a conformidade da legislação nacional em causa no processo principal com essa disposição (secção 4).

2.      Quanto à obrigação que incumbe aos EstadosMembros de não tratar como resíduo uma substância que deixou de o ser

37.      A redação do artigo 6.o, n.o 4, da Diretiva 2008/98 pode levar a pensar, pela utilização do termo «podem», que o reconhecimento da perda do estatuto de resíduo de resíduos que não pertençam a uma categoria abrangida por critérios definidos ao nível da União insere‑se no poder discricionário de cada Estado‑Membro. Como o Tribunal de Justiça sublinhou recentemente no Acórdão Tallinna Vesi (14), os Estados‑Membros estão obrigados, na falta de tais critérios, de declarar o fim do estatuto de resíduo de um resíduo «que tenha sido submetido a uma operação de valorização que permite torná‑lo utilizável sem pôr em perigo a saúde humana e sem prejudicar o ambiente».

38.      Esta abordagem inscreve‑se na esteira da jurisprudência anterior à introdução, aquando da adoção da Diretiva 2008/98, do conceito de «[f]im do estatuto de resíduo». Esta jurisprudência, que tem origem no Acórdão ARCO Chemie Nederland e o. (15), já enunciava um critério, baseado na interpretação do conceito de «resíduo» (16) — que pressupõe uma ação, uma intenção ou uma obrigação de se desfazer da substância em causa — visando distinguir um resíduo de uma substância que perdeu essa qualidade na sequência de operações de valorização (17).

39.      Nesse acórdão e posteriormente, o Tribunal de Justiça declarou que quando um resíduo foi objeto de uma valorização completa e adquire assim as mesmas propriedades e características que uma matéria‑prima, de modo que é utilizável nas mesmas condições de precaução para o ambiente, esta substância perde a qualidade de resíduo. No entanto, isto só acontece na medida em que o seu detentor, por sua vez, não se desfaça dela nem tenha a intenção ou a obrigação de se desfazer dela (18). Em vários acórdãos subsequentes, o Tribunal de Justiça aplicou esses princípios para determinar a partir de que momento a valorização de um resíduo — como a sua reciclagem (19) ou o seu reprocessamento tendo em vista uma utilização como combustível (20)— é considerada completa.

40.      A abordagem segundo a qual o reconhecimento do fim do estatuto de resíduo de um resíduo que não foi objeto de uma operação de valorização completa constitui mais do que uma mera faculdade à disposição dos Estados‑Membros compreende‑se à luz da finalidade da Diretiva 2008/98. Como resulta, em especial, do seu artigo 1.o e dos seus considerandos 6 a 9, o objetivo de proteção do ambiente prosseguido por esta diretiva divide‑se em dois aspetos, a saber, por um lado, a prevenção e a redução dos impactos adversos causados pelos resíduos, e, por outro, a melhoria da eficiência da gestão dos recursos. Nesta ótica, é certo que o Tribunal de Justiça declarou reiteradamente que o conceito de «resíduo» deve ser interpretado de forma lata (21), com o objetivo de proteger o ambiente. O alcance deste conceito não deve, todavia, ser alargado até ao ponto de desencorajar a valorização dos resíduos e impedir, assim, a realização do objetivo ambiental sob o segundo aspeto. Ora, a incerteza que rodeia o estatuto dos resíduos submetidos a uma operação de valorização pode incitar os detentores de resíduos a eliminá‑los, sem ter em consideração a hierarquia dos resíduos (22), em vez de os valorizar (23).

41.      O artigo 6.o, n.o 1, da Diretiva 2008/98, conforme alterada pela Diretiva 2018/851, que não é aplicável, precisa agora a obrigação que recai sobre os Estados‑Membros de «tomar medidas adequadas» para assegurar que os resíduos que tenham sido objeto de uma operação de valorização deixem de ser considerados resíduos mediante o cumprimento das condições que enuncia (24).

42.      Na minha opinião, esta alteração legislativa não consubstancia, uma rutura em relação ao sistema anterior, mas antes um reforço da obrigação que já incumbia aos Estados‑Membros de reconhecer o fim do estatuto de resíduo das substâncias que foram objeto de uma valorização completa (25). Como resulta em especial do considerando 17 da Diretiva 2018/851, este reforço visa aumentar a segurança jurídica no interesse dos intervenientes no mercado das matérias‑primas secundárias, a fim de facilitar a transição para uma economia circular.

43.      Contudo, deve‑se clarificar o âmbito da margem de manobra de que os Estados‑Membros dispõem para avaliar, nos termos do artigo 6.o, n.o 4, da Diretiva 2008/98, se um determinado tipo de resíduos ou um fluxo específico de resíduos é suscetível, na sequência de operações de valorização, de ser utilizável sem pôr em perigo a saúde humana nem prejudicar o ambiente.

3.      Quanto ao âmbito da margem de apreciação dos EstadosMembros para determinar o fim do estatuto de resíduo

44.      A letra do artigo 6.o, n.o 4, da Diretiva 2008/98 indica, como o Tribunal de Justiça salientou no Acórdão Lapin ELY‑keskus, liikenne ja infrastruktuuri (26), que, na falta critérios para determinação de fim do estatuto de resíduo definidos a nível da União, é apenas à luz da «jurisprudência» que os Estados‑Membros decidem se determinados resíduos perderam essa qualidade (27). Todavia, o Tribunal de Justiça declarou posteriormente, no Acórdão Tallinna Vesi (28), que tanto os critérios para determinação de fim do estatuto de resíduo como as decisões caso a caso proferidas nos Estados‑Membros devem igualmente assegurar o cumprimento das condições previstas no artigo 6.o, n.o 1, da Diretiva 2008/98. Observo, a este respeito, que, embora o n.o 4 deste artigo se refira apenas à «jurisprudência», as condições previstas no n.o 1 do referido artigo são elas próprias inspiradas nos acórdãos do Tribunal de Justiça (29), como alegou a Comissão na audiência.

45.      Esta interpretação corresponde, aliás, ao que prevê agora expressamente o artigo 6.o, n.o 4, desta diretiva, na redação dada pela Diretiva 2018/851 (30).

46.      Dito isto, proponho que se reconheça aos Estados‑Membros uma ampla margem de apreciação no que respeita tanto ao exame do cumprimento das condições enunciadas no artigo 6.o, n.o 1, da Diretiva 2008/98 como à escolha do método — e ao procedimento seguido.

47.      No que respeita, antes de mais, às regras relativas aos procedimentos, às autoridades competentes e ao ónus da prova dos elementos definidos na Diretiva 2008/98, resulta da jurisprudência que, na falta de disposições específicas para o efeito nesta diretiva, a determinação dessas regras é deixada ao critério do direito nacional dos Estados‑Membros, desde que não ponha em causa o objetivo e a eficácia da referida diretiva. Em particular, um Estado‑Membro pode fazer recair o ónus da prova desses elementos sobre aquele que os invoca, desde que não torne a produção da prova excessivamente difícil (31). Estes princípios norteiam, nomeadamente, a escolha das regras processuais para a apreciação do cumprimento das condições do fim do estatuto de resíduo previstas no artigo 6.o, n.o 1, da mesma.

48.      Em seguida, o artigo 6.o, n.o 4, da Diretiva 2008/98 não explicita a natureza das medidas que um Estado‑Membro deve privilegiar para determinar o momento em que um resíduo perde essa qualidade na falta de critérios definidos a nível da União. Nestas condições, a escolha dessas medidas — critérios de alcance geral relativos ao tipo de resíduos em causa ou decisões individuais para os fluxos de resíduos deste tipo — é também, na minha opinião, abrangida pela autonomia dos Estados‑Membros (32).

49.      No que respeita, por fim, à apreciação do cumprimento das condições enunciadas no artigo 6.o, n.o 1, da Diretiva 2008/98, o Tribunal de Justiça decidiu, no Acórdão Tallinna Vesi (33), que, pelo menos em determinadas circunstâncias (34), um Estado‑Membro pode, a respeito de um determinado tipo de resíduos, decidir não prever critérios ou a possibilidade de decisão individual que declare o fim do estatuto de resíduo. Tal decisão pressupõe que o Estado‑Membro em causa tenha apreciado, tendo em conta «todos os elementos relevantes e os mais recentes conhecimentos científicos e técnicos», que não se pode considerar que este tipo de resíduos foi submetido a uma operação de valorização que permite torná‑lo utilizável sem prejudicar o ambiente e a saúde humana — nem, portanto, que preenche as condições acima referidas (35).

50.      Para efetuar essa apreciação, parece‑me que se impõe reconhecer aos Estados‑Membros uma margem de manobra considerável, ainda que não absoluta.

51.      A este propósito, recordo que, como o Tribunal de Justiça já declarou, as condições enumeradas no artigo 6.o, n.o 1, da Diretiva 2008/98 não permitem, per se, na falta de concretização através de critérios gerais ou de decisão caso a caso, provar diretamente que os resíduos perderam essa qualidade (36). Uma vez que está formulado em termos ainda mais gerais, o critério enunciado pela «jurisprudência» referida no n.o 4 desse artigo, que serve de inspiração a essas condições, é ainda menos suscetível de permitir diretamente determinar que um resíduo deixou de o ser.

52.      Os critérios para determinação de fim do estatuto de resíduo, definidos a nível da União e dos Estados‑Membros, bem como as decisões individuais adotadas por estes, são também, em geral, acompanhados de um enquadramento muito preciso, nomeadamente, das modalidades do procedimento de valorização dos resíduos, para garantir o cumprimento das referidas condições.

53.      Assim, os regulamentos que estabelecem critérios para determinação de fim do estatuto de resíduo ao nível da União, instituem critérios pormenorizados para os resíduos que entram no procedimento de valorização, os materiais obtidos após esse processo, os processos de tratamento, bem como as condições a preencher pelas pessoas responsáveis por esses processos. Um esquema comparável caracteriza, em particular, os instrumentos, adotados em França (37) e no Reino Unido (38), que fixam critérios para determinação de fim do estatuto de resíduo para os óleos vegetais usados. O artigo 6.o, n.os 2 e 3, da Diretiva 2008/98, conforme alterada pela Diretiva 2018/851, prevê agora que os critérios para determinação de fim do estatuto de resíduo a adotar a nível da União ou dos Estados‑Membros se baseiem numa estrutura similar (39).

54.      A elaboração de tais critérios constitui, na prática, um exercício técnico que requer frequentemente consultas com a indústria e as outras partes interessadas, bem como a realização de estudos de avaliação do impacto no ambiente e na saúde humana do fim do estatuto de resíduo para as substâncias em causa. Na falta de critérios definidos para um determinado tipo de resíduos, a avaliação caso a caso do cumprimento das condições de fim do estatuto de resíduo para fluxos específicos de resíduos deste tipo carece também de uma fiscalização estrita das características desses fluxos que permita garantir a reunião dessas condições (40).

55.      Em suma, a adoção de critérios, bem como de decisões individuais, relativas ao fim do estatuto de resíduo implicam, por parte das autoridades nacionais competentes, avaliações técnicas e científicas complexas (41). Tais avaliações podem igualmente ser subjacentes à opção de um Estado‑Membro de não prever critérios ou a possibilidade de apreciação caso a caso do fim do estatuto de resíduo para determinados resíduos. Nem o Tribunal de Justiça nem os órgãos jurisdicionais nacionais podem substituí‑la pela sua própria decisão.

56.      Nesta ótica, considero que, por um lado, na falta de critérios harmonizados, um Estado‑Membro não deve, em princípio, ser obrigado a dar início a um procedimento de adoção de critérios ou a prever uma apreciação individual do fim do estatuto de resíduo quando o legislador nacional considerar que não se encontram reunidas as condições previstas no artigo 6.o, n.o 1, da Diretiva 2008/98 para um determinado tipo de resíduos (42). Na minha opinião, o mesmo é válido a fortiori quando a falta de critérios e a recusa de qualquer apreciação caso a caso diga respeito aos resíduos deste tipo unicamente quando foram submetidos a um tratamento específico e se destinam a uma utilização particular, sem prejuízo da possibilidade de deixarem de ser resíduos na sequência de um tratamento distinto e/ou de outras utilizações.

57.      Em meu entender, a decisão de não prever a elaboração de critérios ou a possibilidade de apreciação caso a caso do fim do estatuto de resíduo, deve, todavia, ser punida quando a premissa em que assenta — relativa ao incumprimento das condições enunciadas no artigo 6.o, n.o 1, da Diretiva 2008/98 — resulta de um erro manifesto de apreciação. Essa fiscalização jurisdicional restrita parece‑me necessária para conciliar a necessária margem de manobra dos Estados‑Membros com o objetivo de promoção da economia circular prosseguido por esta diretiva (43). Além disso, essa margem de manobra deve ser enquadrada tendo em conta o risco, que inevitavelmente a acompanha, de divergências entre as práticas nacionais relativas à apreciação do momento em que os resíduos perdem essa qualidade, que podem entravar as trocas comerciais entre Estados‑Membros (44).

58.      Por maioria de razão, por outro lado, um Estado‑Membro pode, igualmente sem prejuízo da fiscalização do erro manifesto de apreciação (45), considerar, para um determinado tipo de resíduos, que, apesar de o respeito das condições previstas no artigo 6.o, n.o 1, da Diretiva 2008/98 não se poder razoavelmente excluir ab inicio, o seu cumprimento só pode ser garantido através da definição de critérios num ato interno de alcance geral a adotar no termo de um processo que implica consultas e estudos adequados.

59.      Assim sendo, neste último caso, as autoridades nacionais competentes não podem, a meu ver, adotar uma atitude de passividade que constitua obstáculo à adoção de tais critérios ou, pelo menos, à abertura de um procedimento que permita examinar os elementos apresentados pelos detentores de resíduos interessados. A realização do objetivo de promoção da valorização dos resíduos requer que a elaboração de critérios para a determinação de fim do estatuto de resíduo possa ser examinada no âmbito de um procedimento cujas modalidades, previstas pelo direito nacional, respeitem o princípio da efetividade do direito da União. Este princípio implica, na minha opinião, que os detentores de resíduos interessados possam requerer a abertura do procedimento de adoção de tais critérios e dispor de vias de recurso em caso de indeferimento desse pedido ou de omissão das autoridades nacionais competentes. O princípio da efetividade pressupõe igualmente que esse procedimento esteja sujeito a prazos razoáveis (46).

4.      Quanto à fiscalização do erro manifesto de apreciação no caso em apreço

60.      É ao órgão jurisdicional de reenvio, o único competente para apreciar os factos pertinentes, que incumbe apreciar se a legislação nacional em causa no processo principal cometeu um erro manifesto de apreciação na aplicação do artigo 6.o, n.os 1 e 4, da Diretiva 2008/98.

61.      A constatação desse erro implica que esse órgão jurisdicional declare que o legislador nacional se enganou manifestamente ou ao considerar que pelo menos uma das condições enunciadas no n.o 1 deste artigo não podia ser preenchida no que se refere aos óleos vegetais usados tratados quimicamente e utilizados como combustíveis numa instalação que gera emissões para a atmosfera, ou ao considerar que a verificação da reunião dessas condições só podia ser efetuada mediante a adoção prévia, pela via regulamentar, de critérios para a determinação de fim do estatuto de resíduo para os óleos deste tipo.

62.      As considerações relativas ao alcance destas condições, a seguir expostas (47), são suscetíveis de esclarecer o referido órgão jurisdicional no âmbito dessa apreciação. Antes de as desenvolver, afigura‑se‑me útil fazer duas precisões de ordem geral.

63.      Em primeiro lugar, o facto de a autoridade nacional competente constatar que, desde que determinados critérios sejam satisfeitos, um determinado resíduo perde a qualidade de resíduo para uma certa utilização não implica que esse resíduo deixe de ser um resíduo quando seja utilizado para outros fins. Com efeito, o cumprimento das condições enunciadas no artigo 6.o, n.o 1, da Diretiva 2008/98 depende das utilizações específicas previstas e deve, portanto, ser verificado separadamente para cada uma dessas utilizações (48).

64.      Nesta perspetiva, o facto de a autoridade competente ter, em aplicação do n.o 4 deste artigo, declarado na autorização concedida à ALSO que o óleo vegetal deixa de ser um resíduo quando é utilizado para produzir biodiesel, não indica, de modo algum, que o legislador italiano ultrapassou os limites do seu poder de apreciação ao excluir a apreciação individual para determinação de fim do estatuto de resíduo desse mesmo óleo para um uso numa instalação que produz emissões para a atmosfera.

65.      Em segundo lugar, os critérios para determinação de fim do estatuto de resíduo dos óleos vegetais usados elaborados em França e no Reino Unido (49) permitem, salvo erro da minha parte, constatar o fim do estatuto de resíduo dos óleos deste tipo, quando são tratados quimicamente, unicamente para utilização como biocombustível e, no Reino Unido, como combustível de aquecimento doméstico (50). Se o cumprimento das condições de fim do estatuto de resíduo deve ser avaliado por cada Estado‑Membro no exercício da margem de apreciação de que dispõe, os critérios e decisões adotados noutros Estados‑Membros podem, no entanto, fornecer algumas indicações úteis.

a)      Quanto à aplicação do artigo 6.o, n.o 1, alíneas a) e b), da Diretiva 2008/98

66.      As alíneas a) e b) do artigo 6.o, n.o 1, da Diretiva 2008/98 subordinam o fim do estatuto de resíduo ao caráter corrente da utilização dos resíduos em causa para fins específicos e à existência de um mercado ou de uma procura para os mesmos. Estas condições parecem fazer eco à jurisprudência segundo a qual a qualidade de resíduo de uma determinada substância depende do grau de probabilidade da sua reutilização, sendo este mais elevado quando é acompanhado de uma vantagem económica (51).

67.      A este respeito, o documento da Comissão intitulado «Guidance on the Interpretation of Key Provisions of Directive 2008/98/EC on Waste» (52) indica, em meu entender corretamente, que o cumprimento das referidas condições, ligadas entre si, pode ser verificado através de indícios tais como a existência de condições de mercado firmemente estabelecidas relativas à oferta e à procura, de um preço de mercado verificável para a substância em causa ou ainda de especificações ou níveis comerciais.

68.      Contrariamente ao que sugerem a PNTE, o Governo neerlandês e a Comissão, o facto de a PNTE ter adquirido o óleo vegetal para o utilizar como combustível numa instalação que produz emissões para a atmosfera não justifica necessariamente, per se, a conclusão de que estão preenchidas as condições aqui examinadas. Tal conclusão implica que se demonstre ou que o pedido de um único utilizador basta, tendo em conta o seu alcance, para garantir o respeito dessas condições, ou que existe, para os óleos vegetais usados tratados quimicamente, um mercado ou uma procura mais vasta relacionados com essa utilização.

b)      Quanto à aplicação do artigo 6.o, n.o 1, alínea c), da Diretiva 2008/98

69.      A condição prevista no artigo 6.o, n.o 1, alínea c), da Diretiva 2008/98 reflete a jurisprudência segundo a qual um resíduo perde essa qualidade quando se torna, na sequência de uma operação de valorização, utilizável nas mesmas condições que uma matéria‑prima. O respeito desta condição implica, com efeito, que o resíduo, uma vez valorizado, seja conforme com as normas aplicáveis às matérias‑primas virgens que servem os mesmos fins que este (53).

70.      A este propósito, o facto de o óleo vegetal respeitar a norma técnica UNI aplicável aos biocombustíveis líquidos, embora constitua um indício do cumprimento da referida condição, não pode, per se, forçar a constatação nesse sentido.

71.      O cumprimento da condição enunciada no artigo 6.o, n.o 1, alínea c), da Diretiva 2008/98 depende, a meu ver, amplamente da questão de saber se um óleo vegetal esterificado que não foi obtido a partir de resíduos está abrangido pelas categorias de combustíveis incluídos no anexo X da parte V do Decreto Legislativo n.o 152/2006. Uma resposta afirmativa a esta questão confirma a conclusão de que o óleo vegetal respeita as normas relativas aos produtos, na aceção do artigo 6.o, n.o 1, alínea c), da Diretiva 2008/98. Em contrapartida, na hipótese de todos os óleos vegetais tratados quimicamente, resultantes da refinação de óleos virgens (provenientes de culturas dedicadas ou não) ou do tratamento de óleos usados, serem proibidos para esse uso, essa circunstância pode indicar que a condição prevista não está preenchida (54).

72.      Nesta última hipótese, as pretensões da PNTE equivaleriam a contestar a norma aplicável aos produtos que constitui essa proibição. Ora, em minha opinião, o artigo 6.o, n.o 1, da Diretiva 2008/98 não constitui uma base jurídica para pôr em causa as opções regulamentares relativas, nomeadamente, ao nível de proteção do ambiente e da saúde, subjacentes à regulamentação dos produtos.

73.      A questão da compatibilidade de tal norma com o direito da União não se colocaria então à luz da Diretiva 2008/98, mas da liberdade de circulação das mercadorias consagrada no artigo 34.o TFUE. Com efeito, como alega a PNTE, poderia entravar a livre circulação dos óleos vegetais tratados quimicamente, submetendo a sua utilização nas instalações acima referidas às limitações severas do direito dos resíduos. Tal entrave só seria admitido na medida em que seja justificado, tendo em conta a ampla margem de apreciação de que os Estados‑Membros dispõem para avaliar, em particular, os riscos associados à utilização e à gestão de resíduos (55).

74.      A meu ver, a decisão de reenvio não contém elementos suficientes para permitir que o Tribunal de Justiça tome posição sobre esta questão particularmente complexa. Em especial, o Governo italiano não precisou se a omissão dos óleos vegetais tratados quimicamente da lista que figura no anexo X da parte V do Decreto Legislativo n.o 152/2006 é motivada unicamente pelos riscos associados às emissões de combustão ou responde igualmente a outros objetivos, como o de respeitar a hierarquia dos resíduos (ao incentivar, sendo caso disso, a sua reciclagem, em vez do seu reprocessamento com vista a uma valorização energética (56)), ou ainda promover a utilização de óleos vegetais usados como biocombustíveis em vez de combustíveis (57). O Tribunal de Justiça também não está suficientemente esclarecido para determinar se a legislação em causa no processo principal é proporcionada à luz da finalidade única ou das várias finalidades prosseguidas.

c)      Quanto à aplicação do artigo 6.o, n.o 1, alínea d), da Diretiva 2008/98

75.      O artigo 6.o, n.o 1, alínea d), da Diretiva 2008/98, na medida em que prevê que um resíduo só pode deixar de ser um resíduo se a sua utilização não tiver efeitos globais nocivos para o ambiente ou para a saúde humana, reflete igualmente a jurisprudência anterior à sua adoção (58).

76.      Na minha opinião, a circunstância da Província de Cuneo não ter contestado a apreciação formulada pela PNTE segundo a qual o balanço ambiental da substituição da fonte de alimentação da central de cogeração em causa no processo principal, do gás metano por óleo vegetal é globalmente positivo, não pode, per se, atestar o cumprimento dessa condição.

77.      É certo que, como salientou a PNTE, a valorização energética de óleos vegetais usados pode apresentar benefícios ecológicos, na medida em que permite desfazerem‑se de resíduos, substituindo um combustível fóssil ou um biolíquido proveniente de culturas dedicadas, cujo balanço ambiental é controverso devido à alteração indireta do uso do solo que podem implicar (59).

78.      Todavia, tenho dúvidas de que baste comparar o balanço da utilização do biocombustível proveniente de resíduos com o da utilização do combustível a substituir no que respeita às emissões normalmente associadas à combustão deste último. Esta problemática está relacionada com a identificação do comparador pertinente no âmbito da aplicação do artigo 6.o, n.o 1, alínea d), da Diretiva 2008/98.

79.      Nos termos do documento de orientação da Comissão, o cumprimento desta condição pressupõe que se demonstre que a utilização da substância à margem do regime aplicável aos resíduos não causa um impacto ambiental e sanitário negativo superior ao da sua utilização ao abrigo desse regime (60). Trata‑se, assim, de comparar o risco para o ambiente e a saúde incorrido considerando a substância em causa como um resíduo ou como um produto que já não tem essa qualidade.

80.      No caso em apreço, resulta dos documentos anexos às observações escritas da PNTE e da Província de Cuneo que as autoridades nacionais competentes admitiram que o balanço ambiental da alteração de combustível era positivo, na medida em que essa alteração implicaria uma redução das emissões associadas à combustão de gás metano (61). Todavia, nos termos desses documentos e sob reserva de verificação pelo órgão jurisdicional de reenvio, este balanço não aborda as eventuais incidências ambientais resultantes da combustão do óleo vegetal no que respeita às possíveis emissões de outras substâncias poluentes que possam estar associadas à incineração de resíduos. Do mesmo modo, o facto de o óleo vegetal respeitar a norma técnica UNI aplicável aos biocombustíveis líquidos não garante necessariamente que não apresente riscos ambientais ou sanitários especificamente ligados ao facto de ser o resultado de tratamento de resíduos (62).

81.      Nestas circunstâncias, a Província de Cuneo e o Governo italiano invocam o princípio da precaução. Segundo estes, não se pode excluir com um grau razoável de certeza científica um impacto globalmente negativo no ambiente ou na saúde humana da utilização do óleo vegetal como combustível numa instalação de cogeração, pelas razões expostas no n.o 31 das presentes conclusões.

82.      Em contrapartida, a PNTE e a Comissão alegam que as autoridades italianas não demonstraram que a combustão de óleo vegetal esterificado prejudica mais o ambiente do que a combustão de óleo vegetal tratado mecanicamente, nem que a utilização de óleo vegetal esterificado como combustível numa central de cogeração é mais nociva do que a sua utilização como biocombustível. Na sua opinião, esta falta de prova implicaria, no essencial, considerar que a condição prevista no artigo 6.o, n.o 1, alínea d), da Diretiva 2008/98 está preenchida.

83.      Neste contexto, recordo que os Estados‑Membros dispõem, na minha opinião, de uma ampla margem de apreciação para avaliar se estão reunidas as condições para determinar o fim do estatuto de resíduo. Em especial, na falta de critérios definidos à escala da União, essa avaliação depende das escolhas feitas por cada Estado‑Membro relativamente ao nível de proteção do ambiente que deseja atingir (63), bem como à arbitragem entre os dois objetivos que este artigo prossegue (64).

84.      Além disso, tal avaliação inscreve‑se frequentemente num contexto caracterizado por um certo grau de incerteza científica relativo aos riscos ambientais associados à determinação de fim do estatuto de resíduo de certas substâncias. Ora, na minha opinião, um Estado‑Membro está habilitado — em virtude, precisamente, do princípio da precaução (65) —, a definir o grau de certeza da inexistência de um risco de efeitos negativos significativos para o ambiente ou para a saúde humana, bem como o nível de risco considerado aceitável para autorizar o fim do estatuto de resíduo. A sua decisão deve, contudo, basear‑se num exame dos elementos técnicos e científicos pertinentes, devendo ter‑se em conta que os Estados‑Membros podem fazer recair o ónus da prova do cumprimento das condições para determinar o fim do estatuto de resíduo sobre os detentores de resíduos que as invocam (66).

5.      Conclusão intercalar

85.      As considerações precedentes levam‑me a concluir que o artigo 6.o, n.os 1 e 4, da Diretiva 2008/98 não se opõe à legislação nacional em causa no processo principal na hipótese do órgão jurisdicional de reenvio entender que o legislador nacional pôde considerar, sem cometer um erro manifesto de apreciação, que os óleos vegetais usados tratados quimicamente não podiam reunir as condições enunciadas no n.o 1 deste artigo quando utilizados como combustíveis numa instalação que produz emissões para a atmosfera.

86.      O mesmo sucede na hipótese de o referido órgão jurisdicional declarar que o legislador nacional podia, sem que esta conclusão padeça de um erro manifesto de apreciação, considerar que a verificação do cumprimento dessas condições, tendo em conta o seu caráter complexo e técnico, pressupunha a adoção de critérios para determinação de fim do estatuto de resíduo para os óleos deste tipo num ato interno de alcance geral, sob reserva de que o procedimento de adoção desse ato garanta a efetividade do artigo 6.o, n.o 1, da Diretiva 2008/98.

C.      Quanto à segunda questão, relativa à interpretação do artigo 13.o, n.o 1, da Diretiva 2009/28

87.      Com a sua segunda questão, o órgão jurisdicional de reenvio pretende saber, em substância, se o artigo 13.o, n.o 1, da Diretiva 2009/28 se opõe à legislação nacional em causa no processo principal, na medida em que a lista de categorias de combustíveis provenientes da biomassa que podem ser utilizados numa instalação que produz emissões para a atmosfera sem ter de obedecer às regras em matéria de valorização energética de resíduos só pode ser alterada por um decreto ministerial cujo procedimento de adoção não é coordenado com o procedimento administrativo de autorização da utilização de uma substância proveniente da biomassa como combustível (67). Este órgão jurisdicional salienta que, além disso, o processo de adoção desse decreto ministerial não se faz acompanhar de calendários definidos e transparentes.

88.      A problemática assim suscitada diz respeito à articulação entre, por um lado, os procedimentos nacionais de reconhecimento do fim do estatuto de resíduo, nos termos do artigo 6.o, n.o 4, da Diretiva 2008/98, e, por outro, as exigências decorrentes do artigo 13.o, n.o 1, da Diretiva 2009/28. Com efeito, o Tribunal de Justiça é chamado a determinar se, for caso disso, em que medida, o facto de a substância, relativamente a qual o detentor pretende obter o reconhecimento do fim do estatuto de resíduo, constituir um biolíquido na aceção do artigo 2.o, alínea h), desta diretiva afeta os requisitos que incumbem aos Estados‑Membros no que respeita à avaliação do cumprimento das condições previstas no artigo 6.o, n.o 1, da Diretiva 2008/98.

89.      Contextualizado a nível da análise proposta em resposta à primeira questão prejudicial, esta problemática implica, por um lado, determinar se o artigo 13.o, n.o 1, da Diretiva 2009/28 põe em causa a conclusão de que os Estados‑Membros podem, sem prejuízo de a fiscalização do erro manifesto de apreciação, excluir qualquer possibilidade de reconhecimento do fim do estatuto de resíduo para um resíduo de um certo tipo, eventualmente quando tenham sido objeto de um tratamento específico e/ou se destinem a uma determinada utilização.

90.      Por outro lado,  importa precisar se, quando um Estado‑Membro considera que, apesar de essa possibilidade não poder razoavelmente ser excluída à partida, o cumprimento das condições de fim do estatuto de resíduo só pode ser verificado se existirem critérios definidos para este tipo de resíduos, o artigo 13.o, n.o 1, da Diretiva 2009/28 impõe‑lhe obrigações além da instituição de um procedimento que respeite o princípio da efetividade que permita a elaboração desses critérios.

91.      Considero que devo dar uma resposta negativa a estas questões.

92.      Assim é quando, por um lado, as disposições de direito nacional por força das quais certas categorias de resíduos provenientes da biomassa não perdem o estatuto de resíduo após terem sido submetidas a um determinado tratamento com vista a uma utilização como combustíveis devem, em minha opinião, ser entendidas como condições substanciais que enquadram o recurso a determinados tipos de energia renovável. Essas disposições não obstam à autorização de utilização dos resíduos em causa como fontes de energia renováveis. Limitam‑se a subordinar esta utilização aos condicionalismos regulamentares aplicáveis à valorização energética de resíduos. Ora, pelas razões a seguir expostas, considero que as condições substanciais relativas à utilização de energias renováveis não estão abrangidas pelo âmbito de aplicação do artigo 13.o, n.o 1, da Diretiva 2009/28.

93.      Por outro lado,  as dúvidas do órgão jurisdicional de reenvio dizem respeito à compatibilidade do procedimento de autorização de exploração de uma instalação alimentada à biomassa com esta disposição apenas na medida em que não é coordenado com o procedimento de elaboração de um ato interno de alcance geral que permita o reconhecimento do fim do estatuto de resíduo do biolíquido que pretende autorizar. Além disso, este órgão jurisdicional interroga‑se sobre o caráter necessário e proporcionado deste último procedimento. Na minha opinião, também pelas razões expostas a seguir, os procedimentos regulamentares de adoção de critérios para determinação de fim do estatuto de resíduo também não são regulados pelo artigo 13.o, n.o 1, da Diretiva 2009/28.

94.      A este respeito, antes de mais, resulta da redação do primeiro parágrafo desta disposição que as regras nacionais relativas aos «processos de autorização, certificação e licenciamento» aplicáveis às instalações que produzam, transportam ou distribuem a energia proveniente de fontes renováveis, bem como a transformação da biomassa em produto energético devem ser «proporcionadas e necessárias» (68). O seu segundo parágrafo obriga os Estados‑Membros a adotarem um conjunto de medidas destinadas, de forma não exaustiva, a concretizar essa exigência. Estas obrigações específicas, entendidas à luz do primeiro parágrafo da referida disposição, não podem ser interpretadas no sentido de têm um âmbito de aplicação mais vasto do que o da exigência geral de proporcionalidade e de necessidade que materializam (69).

95.      Em seguida, a interpretação segundo a qual esta exigência geral se aplica exclusivamente às disposições de natureza processual decorre igualmente da génese da adoção do artigo 13.o, n.o 1, da Diretiva 2009/28. Com efeito, os trabalhos preparatórios evidenciam que esta disposição pretendia reduzir as barreiras administrativas ligadas aos atrasos, aos custos administrativos e às incertezas relativas aos procedimentos de concessão de autorização e de licenças para projetos de exploração de energias renováveis (70).

96.      Por último, os objetivos e a sistemática geral da Diretiva 2009/28 corroboram esta interpretação.

97.      Conforme resulta do seu artigo 1.o, a Diretiva 2009/28 este limita‑se a estabelecer um quadro comum para a promoção da produção de energia proveniente de fontes renováveis. Fixa, nomeadamente, para este efeito, objetivos nacionais obrigatórios para a quota global de energia proveniente de fontes renováveis no consumo final bruto de energia e no consumo pelos transportes. A própria realização destes objetivos visa permitir a realização da finalidade global que consiste em assegurar que a quota de energia proveniente de fontes renováveis dentro da União seja de, pelo menos, 20% até 2020 (71).

98.      A este respeito, os trabalhos preparatórios evidenciam que o legislador pretendia preservar a liberdade dos Estados‑Membros de desenvolverem o setor das energias renováveis mais adaptado à sua situação e de comporem assim o seu cabaz energético segundo as suas próprias prioridades (72), desde que atingissem os objetivos nacionais obrigatórios que lhes estão atribuídos.

99.      Esta descrição dos objetivos e da sistemática geral da Diretiva 2009/28 está subjacente à abordagem seguida no Acórdão Elecdey Carcelen e o. (73). O Tribunal de Justiça declarou aí que o artigo 13.o, n.o 1, alínea e), desta diretiva visa unicamente enquadrar os custos relativos aos procedimentos administrativos de autorização, certificação e licenciamento e não tem por objeto limitar a possibilidade de os Estados‑Membros aplicarem impostos como uma taxa que incide sobre os aerogeradores. Salientou que, embora estes estejam vinculados por uma obrigação de resultado nos termos do artigo 3.o, n.os 1 e 2, da referida diretiva, a saber, atingir os seus objetivos nacionais obrigatórios, os Estados‑Membros dispõem de uma margem de apreciação quanto à escolha dos meios utilizados para esse efeito. Nesta ótica, o Tribunal de Justiça reconheceu que não se pode excluir que essa taxa possa tornar menos atrativa ou até comprometer o desenvolvimento da energia eólica. Todavia, segundo o Tribunal de Justiça, mesmo supondo que a taxa em causa fosse suscetível de impedir o Estado‑Membro em causa de atingir o seu objetivo nacional obrigatório, daí resultaria, quanto muito, uma violação desta obrigação de resultado. Por essa razão, a medida que institui a taxa não pode, no entanto, ser considerada em si mesma contrária a essa diretiva. No entanto, esta medida deve respeitar as liberdades fundamentais garantidas pelo Tratado FUE (74).

100. Parece‑me que a lógica que inspira esse acórdão confirma que o artigo 13.o, n.o 1, da Diretiva 2009/28 não pode ser interpretado no sentido de que limita a faculdade dos Estados‑Membros enquadrarem, através de medidas regulamentares de natureza não processual, o desenvolvimento das energias renováveis.

101. A meu ver, o referido acórdão põe em causa a abordagem adotada no Acórdão Azienda Agrozootécnica Franchini e Eolica di Altamura (75), que a Comissão invocou em apoio da interpretação contrária à que preconizo. No âmbito de um litígio em que a Diretiva 2009/28 ainda não era aplicável ratione temporis, o Tribunal de Justiça declarou que o artigo 13.o desta diretiva representava uma expressão do princípio geral da proporcionalidade no direito da União. Por conseguinte, examinou a conformidade com esse princípio de uma regulamentação nacional que proíbe a instalação nos sítios Natura 2000 de aerogeradores não destinados ao autoconsumo. Enquanto esse acórdão sugeria que o princípio da proporcionalidade enunciado nesta disposição visava todas as regras, tanto processuais como substanciais, que regulam a produção de energias renováveis, esta abordagem parece‑me ter sido afastada no Acórdão Elecdey Carcelen e o. (76).

102. Concluo daqui que o artigo 13.o, n.o 1, da Diretiva 2009/28 não se opõe a uma regulamentação nacional que faz depender a utilização, como combustíveis numa instalação que produz emissões para a atmosfera, de óleos vegetais usados tratados quimicamente do respeito das normas em matéria de incineração de resíduos, a não ser e até que um decreto ministerial disponha em contrário. Ainda que essa regulamentação colocasse em perigo a realização do objetivo nacional vinculativo atribuído à Itália (o que de forma alguma sugere a decisão de reenvio), daí resultaria unicamente um incumprimento da obrigação de resultado que lhe incumbe.

103. Esta conclusão não é infirmada pela argumentação, apresentada pela PNTE, segundo a qual a regulamentação em causa no processo principal viola o artigo 13.o, n.o 1, da Diretiva 2009/28, na medida em que a lista dos combustíveis autorizados que aí figura não é coordenada com a definição do conceito de «biolíquidos» previsto na disposição de direito nacional de transposição do artigo 2.o, alínea h), desta diretiva.

104. Também não é posta em causa pela argumentação, invocada pela Comissão na audiência, segundo a qual o artigo 17.o, n.o 8, da referida diretiva se opõe a que um Estado‑Membro submeta à regulamentação em matéria de resíduos a combustão de um biolíquido, como o óleo vegetal, que cumpre os critérios de sustentabilidade definidos no n.o 1 deste artigo.

105. Observo, a este respeito, que o artigo 2.o, alínea h), da Diretiva 2009/28 se limita a definir o conceito de «biolíquidos», utilizado noutras disposições desta diretiva. Em especial, o artigo 17.o, n.o 1, da referida diretiva prevê os «critérios de sustentabilidade» aplicáveis aos biocombustíveis e aos biolíquidos.

106. Contrariamente ao que sustenta a Comissão, a harmonização operada pelo artigo 17.o da Diretiva 2009/28, como resulta da redação do seu n.o 8 e como o Tribunal de Justiça já declarou (77), limita‑se a precisar os critérios de sustentabilidade que os biocombustíveis e biolíquidos devem cumprir «[p]ara os efeitos das alíneas a), b) e c) do n.o 1» deste artigo. Esses efeitos indicam, por um lado, a tomada em consideração da energia produzida a partir desses para verificar em que medida um Estado‑Membro cumpre os seus objetivos nacionais obrigatórios e as suas obrigações em matéria de energias renováveis, e, por outro, a eventual elegibilidade para apoio financeiro nacional ao consumo de biocombustíveis.

107. Daqui decorre, segundo o Tribunal de Justiça, que o artigo 17.o da Diretiva 2009/28 não obriga os Estados‑Membros a autorizarem incondicionalmente as importações de biocombustíveis sustentáveis provenientes de outros Estados‑Membros (78). Seguindo a mesma lógica, esta disposição também não exige, na minha opinião, que um Estado‑Membro permita a utilização de biocombustíveis e biolíquidos duradouros sem restrições, quer sejam produzidos no seu território quer sejam produzidos noutro Estado‑Membro.

V.      Conclusão

108. Tendo em conta o exposto, proponho que se responda às questões prejudiciais submetidas pelo Tribunale Amministrativo Regionale per il Piemonte (Tribunal Administrativo Regional do Piemonte, Itália) do seguinte modo:

1)      O artigo 6.o, n.os 1 e 4, da Diretiva 2008/98/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 19 de novembro de 2008, relativa aos resíduos e que revoga certas diretivas, não se opõe a uma legislação nacional, como a que está em causa no processo principal, que obriga a considerar como resíduo, quando utilizada como combustível numa instalação de produção de energia térmica e elétrica, uma substância derivada do tratamento químico de óleos vegetais usados que não figure na lista das categorias de substâncias provenientes da biomassa autorizadas para o efeito, podendo esta lista ser alterada mediante a adoção de um ato interno de alcance geral. No entanto, tal sucede apenas na medida em que o legislador nacional tenha decidido, sem cometer qualquer erro manifesto de apreciação:

–        que as condições previstas no artigo 6.o, n.o 1, desta diretiva não podiam ser cumpridas no que se refere aos óleos vegetais usados quando submetidos a esse tratamento para efeitos dessa utilização, o que compete ao órgão jurisdicional de reenvio apreciar, ou então

–        que o cumprimento destas condições só podia ser verificada mediante a adoção prévia de critérios para determinação de fim do estatuto de resíduo para as substâncias desse tipo num ato interno de alcance geral e que o processo de adoção de tal ato previsto no direito nacional garantisse a efetividade do artigo 6.o, n.o 1, desta diretiva, nomeadamente prevendo prazos razoáveis, podendo ser iniciado a pedido dos detentores de resíduos interessados e estabelecendo vias de recurso contra o indeferimento das autoridades nacionais competentes, o que cabe ao órgão jurisdicional de reenvio apreciar.

2)      O artigo 13.o, n.o 1, da Diretiva 2009/28/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 23 de abril de 2009, relativa à promoção da utilização de energia proveniente de fontes renováveis que altera e subsequentemente revoga as Diretivas 2001/77/CE e 2003/30/CE, não se opõe a uma legislação nacional, como a que está em causa no processo principal, que sujeita à regulamentação nacional em matéria de valorização energética de resíduos a utilização, como combustível numa instalação de produção de energia térmica e elétrica, de um biolíquido derivado de resíduos que não se enquadra em nenhuma das categorias inscritas na lista dos combustíveis autorizados a esse título nos termos dessa legislação, podendo essa lista ser alterada por um ato interno de alcance geral cujo processo de adoção não é coordenado com o processo de autorização de exploração da instalação em causa.


1      Língua original: francês.


2      Diretiva do Parlamento Europeu e do Conselho, de 19 de novembro de 2008 (JO 2008, L 312, p. 3).


3      Diretiva do Parlamento Europeu e do Conselho, de 23 de abril de 2009 (JO 2009, L 140, p. 16).


4      Suplemento ordinário ao GURI n.o 96, de 14 de abril de 2006 (a seguir «Decreto Legislativo n.o 152/2006»).


5      GURI n.o 71 de 28 de março de 2011, suplemento ordinário n.o 81 (a seguir «Decreto Legislativo n.o 28/2011»).


6      Decreto Legislativo que transpõe a Diretiva 2001/77/CE relativa à promoção da eletricidade produzida a partir de fontes de energia renováveis no mercado interno da eletricidade (a seguir «Decreto Legislativo n.o 387/2003»). (suplemento ordinário n.o 17 ao GURI n.o 25, de 31 de janeiro de 2004).


7      Observo que a Ente Nazionale di Normazione (UNI) (Instituto Nacional de Normalização, Itália) é um organismo privado sem fins lucrativos que elabora, publica e promove normas técnicas voluntárias nos setores da indústria, do comércio e dos serviços. A UNI representa a Itália no Comité Europeu de Normalização (CEN) e da Organização internacional de normalização (ISO) (v., http://www.uni.com/e https://www.iso.org/fr/member/1823.html).


8      A PNTE sustenta que o óleo vegetal é fabricado a partir de uma matéria‑prima que deixou de ser um resíduo, denominada óleo ácido limpo (a seguir «OAL»), que a própria ALSO fabrica a partir de resíduos. Esta versão dos factos difere sensivelmente da que resulta tanto da decisão de reenvio como da autorização concedida à ALSO. Esta autorização indica, sem prejuízo de verificação pelo órgão jurisdicional de reenvio — o único competente para apreciar os factos relevantes — que a ALSO produz, numa primeira instalação, o OAL a partir de diversos resíduos que não são óleos alimentares usados. O OAL é utilizado, numa segunda instalação, para a produção de óleo vegetal esterificado. Numa terceira instalação, a ALSO produz um óleo vegetal distinto a partir de óleos de fritura usados. Segundo as indicações fornecidas pelo órgão jurisdicional de reenvio e sempre sob o seu controlo, o óleo vegetal em causa no processo principal parece não corresponder ao que é produzido a partir do OAL. De qualquer modo, como exporei nos n.os 63 e 64 das presentes conclusões, o facto de um resíduo ter deixado de ser um determinado resíduo para uma determinada utilização (como a produção de biocombustível) não implica que tenha perdido esse estatuto para outras utilizações (por exemplo, como combustível numa instalação de cogeração.


9      A PNTE alega que esta restrição relativa à utilização do produto diz unicamente respeito ao OAL. Em contrapartida, a autorização concedida à ALSO prevê que o óleo vegetal pode ser comercializado sem restrições no setor energético. Esta versão dos factos não corresponde à apresentada na decisão de reenvio. Observo, a este respeito, que esta autorização não parece, sob reserva de verificação pelo órgão jurisdicional de reenvio, limitar ao OAL a obrigação de indicar nos documentos comerciais que os produtos produzidos nas instalações de ALSO se destinam a uma utilização como biodiesel.


10      Foram, até à data, adotadas com base nesta disposição o Regulamento (UE) n.o 333/2011 do Conselho, de 31 de março de 2011, que estabelece os critérios que permitem determinar em que momento é que certos tipos de sucata metálica deixam de constituir um resíduo, nos termos da [Diretiva 2008/98] (JO 2011, L 94, p. 2), o Regulamento (UE) n.o 1179/2012 da Comissão, de 10 de dezembro de 2012, que estabelece os critérios para determinar em que momento o casco de vidro deixa de constituir um resíduo na aceção da [Diretiva 2008/98] (JO 2012, L 337, p. 31), bem como o Regulamento (UE) n.o 715/2013 da Comissão, de 25 de julho de 2013, que estabelece os critérios para determinar em que momento a sucata de cobre deixa de constituir um resíduo na aceção da [Diretiva 2008/98] (JO 2013, L 201, p. 14).


11      Acórdão de 28 de março de 2019 (C‑60/18, EU:C:2019:264, n.os 24 e 25).


12      Esta faculdade está atualmente prevista no artigo 6.o, n.o 3, da Diretiva 2008/98, conforme revista pela Diretiva (UE) 2018/851 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 30 de maio de 2018, que altera a [Diretiva 2008/98] (JO 2018, L 150, p. 109), que entrou em vigor posteriormente aos factos do litígio no processo principal.


13      Os autos submetidos ao Tribunal de Justiça não contêm nenhum elemento que indique que a regulamentação em causa no processo principal produz, na prática, esse mesmo efeito no que respeita a outros combustíveis «candidatos» à perda do estatuto de resíduo. A este respeito, o órgão jurisdicional de reenvio observa que as categorias de combustíveis incluídas no anexo X da parte V do Decreto Legislativo n.o 152/2006 são definidas em termos particularmente amplos. Se a PNTE considera que a inclusão nesta lista dos óleos vegetais esterificados mediante um decreto ministerial demorou demasiado tempo, nada indica se essa alegação se estenda a outros combustíveis provenientes de resíduos.


14      Acórdão de 28 de março de 2019 (C‑60/18, EU:C:2019:264, n.o 27).


15      Acórdão de 15 de junho de 2000 (C‑418/97 e C‑419/97, EU:C:2000:318, n.os 94 e 96).


16      V. artigo 3.o, n.o 1, da Diretiva 2008/98, que reproduz no essencial a definição do conceito de «resíduo» prevista nos instrumentos que precederam essa diretiva.


17      Segundo o artigo 3.o, n.o 15, da Diretiva 2008/98, o conceito de «[v]alorização» engloba «qualquer operação cujo resultado principal seja a transformação dos resíduos de modo a servirem um fim útil, substituindo outros materiais que, caso contrário, teriam sido utilizados para um fim específico, ou a preparação dos resíduos para esse fim». O anexo II desta diretiva contém uma lista não exaustiva de operações de valorização, entre as quais consta a utilização como combustível. O conceito de «[r]eciclagem», por sua vez, é definido no artigo 3.o, n.o 17, da referida diretiva como «qualquer operação de valorização através da qual os materiais constituintes dos resíduos são novamente transformados em produtos, materiais ou substâncias para o seu fim original ou para outros fins», entendendo‑se que este conceito «não inclui a valorização energética nem o reprocessamento em materiais que devam ser utilizados como combustível ou em operações de enchimento».


18      V. Acórdãos de 18 de abril de 2002, Palin Granit e Vehmassalon kansanterveystyön kuntayhtymän hallitus (C‑9/00, EU:C:2002:232, n.o 46), e de 22 de dezembro de 2008, Comissão/Itália (C‑283/07, não publicado, EU:C:2008:763, n.o 61). Esta interpretação do conceito de «resíduo» explica‑se, a meu ver, pelo facto de a ação de se desfazer de uma substância poder consistir na sujeição a uma operação de valorização (aproveitamento) [v., nomeadamente, Acórdão de 18 de dezembro de 1997, Inter‑Environnement Wallonie (C‑129/96, EU:C:1997:628, n.os 26 e 27)]. Quando essa operação estiver concluída e a substância daí resultante for utilizável sem qualquer risco para o ambiente ou para a saúde, em princípio, o seu detentor não já não se desfaz da referida substância. Se o facto de um resíduo ter sido submetido a uma valorização completa constitui assim um forte indício e, muitas vezes, resulta no fim do estatuto de resíduo, o Tribunal de Justiça assinalou, no entanto, que não pode ser excluído — apesar de essa possibilidade ser relativamente teórica. [v. Conclusões do advogado‑geral S. Alber no processo Mayer Parry Recycling (C‑444/00, EU:C:2002:420, n.o 104)] —, que o seu detentor queira desfazer‑se dele ou seja obrigado a fazê‑lo apesar dessa valorização.


19      V. Acórdãos de 19 de junho de 2003, Mayer Parry Recycling (C‑444/00, EU:C:2003:356, n.os 67 e 68 e n.o 75) e de 11 de novembro de 2004, Niselli (C‑457/02, EU:C:2004:707, n.o 52).


20      V. Acórdãos de 4 de dezembro de 2008, Lahti Energia (C‑317/07, EU:C:2008:684, n.os 35 e 36), e de 25 de fevereiro de 2010, Lahti Energia (C‑209/09, EU:C:2010:98, n.os 18 a 21), lidos conjuntamente. V., igualmente, a contrario, Acórdão de 22 de dezembro de 2008, Comissão/Itália (C‑283/07, não publicado, EU:C:2008:763, n.o 62).


21      V., nomeadamente, Acórdãos de 18 de abril de 2002, Palin Granit e Vehmassalon kansanterveystyön kuntayhtymän hallitus (C‑9/00, EU:C:2002:232, n.o 23); de 24 de junho de 2008, Commune de Mesquer (C‑188/07, EU:C:2008:359, n.o 44); e de 12 de dezembro de 2013, Shell Nederland (C‑241/12 e C‑242/12, EU:C:2013:821, n.o 53).


22      V. artigo 4.o da Diretiva 2008/98.


23      V., neste sentido, Commission Staff Working Document — Annex the Proposal for a Directive of the European Parliament and of the Council on Waste and Communication from the Commission Taking Sustainable Use of Resources forward: A Thematic Strategy on the Prevention and Recycling of Waste — Impact Assessment on the Thematic Strategy on the Prevention and Recycling of Waste and the Immediate Implementing Measures, 21 de dezembro de 2005 [SEC(2005) 1681, p. 9 e 17].


24      Segundo o considerando 17 da Diretiva 2018/851, essas medidas podem incluir «a adoção de legislação de transposição dessas condições, apoiada em procedimentos para a sua aplicação, como a definição de critérios para determinação de fim do estatuto de resíduo específicos por material e por utilização, documentos de orientação, decisões caso a caso e outros procedimentos para a aplicação ad hoc das condições harmonizadas estabelecidas a nível da União».


25      Sempre salvo se o seu detentor se desfizer dele, por sua vez, ou que outras circunstâncias demonstrem uma intenção, ou mesmo de uma obrigação, de se desfazer dele.


26      Acórdão de 7 de março de 2013 (C‑358/11, EU:C:2013:142, n.os 56 e 57).


27      A jurisprudência em questão abrange, segundo o Tribunal de Justiça, os acórdãos referidos no n.o 39 das presentes conclusões.


28      Acórdão de 28 de março de 2019 (C‑60/18, EU:C:2019:264, n.o 23).


29      V. n.os 66, 69 e 75 das presentes conclusões.


30      Esta disposição enuncia que, caso não tenham sido estabelecidos critérios para determinação de fim do estatuto de resíduo definidos a nível da União ou a nível do Estado‑Membro em causa, as decisões caso a caso adotadas se baseiam nas condições estabelecidas no artigo 6.o, n.o 1, da Diretiva 2008/98.


31      V., neste sentido, Acórdãos de 15 de junho de 2000, ARCO Chemie Nederland e o. (C‑418/97 e C‑419/97, EU:C:2000:318, n.os 41 e 70); de 11 de novembro de 2004, Niselli (C‑457/02, EU:C:2004:707, n.o 34); bem como, por analogia, de 3 de outubro de 2013, Brady (C‑113/12, EU:C:2013:627, n.o 62). V., também, considerando 17 da Diretiva 2018/851.


32      V., neste sentido, Acórdão de 28 de março de 2019, Tallinna Vesi (C‑60/18, EU:C:2019:264, n.o 25).


33      Acórdão de 28 de março de 2019 (C‑60/18, EU:C:2019:264, n.os 26 e 28).


34      Observo que, no Acórdão de 28 de março de 2019, Tallinna Vesi (C‑60/18, EU:C:2019:264, n.o 30), o Tribunal de Justiça declarou que o artigo 6.o, n.o 4, da Diretiva 2008/98 não permitia a um detentor de resíduos exigir a declaração do fim do estatuto de resíduo pela autoridade ou pelo órgão jurisdicional nacional competente «em circunstâncias como as do processo [que deu origem a esse acórdão]». Também o Tribunal de Justiça parece indicar que a situação poderia ser diferente noutras circunstâncias ou, pelo menos, parece deixar a questão em aberto.


35      Esta conclusão decorre, a meu ver, do n.o 27 do Acórdão de 28 de março de 2019, Tallinna Vesi (C‑60/18, EU:C:2019:264).


36      V. Acórdãos de 7 de março de 2013, Lapin ELY‑keskus, liikenne ja ja infrastruktuuri (C‑358/11, EU:C:2013:142, n.o 55), e de 28 de março de 2019, Tallinna Vesi (C‑60/18, EU:C:2019:264, n.o 29).


37      Decreto de 24 de agosto de 2016 que fixa os critérios para determinação de fim do estatuto de resíduo para os resíduos oleosos e os óleos alimentares usados para utilização como combustível numa instalação de combustão classificada na rubrica 2910‑B ao abrigo da nomenclatura das instalações classificadas para a proteção do ambiente e com uma potência superior a 0,1 [MW (mega watts)] e os ésteres metílicos de ácidos gordos fabricados a partir desses resíduos destinados a serem incorporados num produto petrolífero (JORF n.o 0234 de 7 de outubro de 2016, a seguir «decreto de 24 de agosto de 2016»).


38      Guidance, Biodiesel: Quality Protocol, versão atualizada em 12 de junho de 2015, https://www.gov.uk/government/publications/biodieselqualityprotocol/biodieselqualityprotocolhttps://www.gov.uk/government/publications/biodieselqualityprotocol/biodieselqualityprotocolhttps://www.gov.uk/government/publications/biodieselqualityprotocol/biodieselqualityprotocolhttps://www.gov.uk/government/publications/biodieselqualityprotocol/biodieselqualityprotocolhttps://www.gov.uk/government/publications/biodieselqualityprotocol/biodieselqualityprotocolhttps://www.gov.uk/government/publications/biodieselqualityprotocol/biodieselqualityprotocolhttps://www.gov.uk/government/publications/biodieselqualityprotocol/biodieselqualityprotocolhttps://www.gov.uk/government/publications/biodieselqualityprotocol/biodieselqualityprotocolhttps://www.gov.uk/government/publications/biodieselqualityprotocol/biodieselqualityprotocol.


39      Deve‑se acrescentar que, quando elabora os critérios, a Comissão se baseia nos critérios mais estritos e mais respeitadores do ambiente considerados nos Estados‑Membros.


40      No caso em apreço, a autorização concedida a ALSO prevê as características técnicas, físico‑químicas e de desempenho energético que as substâncias resultantes das suas atividades devem revestir para efeitos da determinação de fim do estatuto de resíduo, ao mesmo tempo que especificam que essas características estão estritamente ligadas à utilização a que essas substâncias se destinam nos termos dessa autorização.


41      V., neste sentido, Acórdão de 28 de março de 2019, Tallinna Vesi (C‑60/18, EU:C:2019:264, n.o 27).


42      No que respeita aos resíduos tratados para servir de combustíveis, a sua valorização não se considerará concluída, na sequência desse tratamento, mas muito depois de terem sido incinerados respeitando a regulamentação aplicável à valorização energética de resíduos.


43      V., neste sentido, Acórdão de 28 de março de 2019, Tallinna Vesi (C‑60/18, EU:C:2019:264, n.o 27).


44      V., neste sentido, por analogia, Acórdão de 19 de junho de 2003, Mayer Parry Recycling (C‑444/00, EU:C:2003:356, n.os 78 e 79).


45      Na mesma ordem de ideias, a advogada‑geral J. Kokott considerou, nas suas Conclusões no processo Tallinna Vesi (C‑60/18, EU:C:2018:969), que os Estados‑Membros dispõem de uma ampla margem de apreciação para regulamentar as operações de valorização e definir o nível de proteção aplicável nos termos do artigo 6.o, n.o 4, da Diretiva 2008/98 (n.o 43). Considerou, em substância, que um Estado‑Membro, ao excluir qualquer possibilidade de apreciação caso a caso para determinação do fim de estatuto de resíduo de determinados resíduos na falta de critérios definidos num ato interno (nacional) de alcance geral, ultrapassaria essa margem de apreciação apenas na hipótese em que os resíduos em causa se tornaram, «para além de qualquer dúvida razoável», utilizáveis através de uma operação de valorização, sem pôr em perigo a saúde humana e sem prejudicar o ambiente (n.o 52).


46      A decisão de reenvio indica, a este respeito, que os operadores económicos em causa podem, quando muito, solicitar ao Ministério do Ambiente que exerça o seu poder discricionário para iniciar o processo de alteração da lista que figura no anexo X da Parte V do Decreto Legislativo n.o 152/2006. O Governo italiano sustenta que estes operadores dispõem de vias de recurso jurisdicionais contra uma resposta negativa a esta solicitação ou contra a inércia deste ministério. A PNTE contesta esta afirmação. Segundo o órgão jurisdicional de reenvio, o processo de alteração em causa não inclui, além disso, prazos definidos e transparentes.


47      V. n.os 66 a 84 das presentes conclusões.


48      O artigo 6.o, n.o 1, alínea a), da Diretiva 2008/98 precisa, aliás, que a substância em causa deve ser habitualmente utilizada «para fins específicos». O cumprimento das condições enumeradas nas alíneas a) a d) desta disposição está, também ele, intrinsecamente ligado a cada utilização específica dessa substância.


49      V. n.o 53 das presentes conclusões.


50      A regulamentação francesa prevê que os óleos vegetais tratados mecanicamente podem, em contrapartida, deixar de ser resíduos com vista a servir de combustíveis em determinadas instalações de combustão. V. artigo 3.o, alínea b), do Decreto de 24 de agosto de 2016, lido em conjugação com o anexo I, secção 2, pontos 2.1 e 2.2 deste decreto.


51      V., por analogia, Acórdão de 18 de abril de 2002, Palin Granit e Vehmassalon kansanterveystyön kuntayhtymän hallitus (C‑9/00, EU:C:2002:232, n.os 36 e 37).


52      Junho de 2012, p. 23 (a seguir «documento de orientação da Comissão»). Embora seja desprovido de caráter vinculativo, este documento fornece indicações suscetíveis de orientar o Tribunal de Justiça para efeitos da interpretação da Diretiva 2008/98.


53      V., igualmente, neste sentido, documento de orientação da Comissão, p. 23.


54      Segundo as indicações que figuram nos autos entregues ao Tribunal de Justiça, o Decreto ministerial n.o 264, de 13 de outubro de 2016, que estabelece critérios indicativos destinados a facilitar a demonstração da existência das condições para a qualificação dos resíduos de produção como subprodutos e não como resíduos (GURI n.o 38 de 15 de fevereiro de 2017), precisa, na sua secção 2, que os subprodutos do tratamento ou da refinação de óleo vegetal só são abrangidos pelo anexo X da parte V do Decreto Legislativo n.o 152/2006 se forem objeto de tratamento físico. Esta regra parece, sob reserva de verificação pelo órgão jurisdicional de reenvio aplicável aos óleos virgens. Em contrapartida, os autos não indicam se um óleo vegetal proveniente de culturas dedicadas pode ser utilizado numa instalação que gera emissões para a atmosfera quando foi tratada quimicamente.


55      V. n.o 83 das presentes conclusões.


56      V. artigo 4.o, n.o 1, da Diretiva 2008/98.


57      Sublinho que, nos termos do artigo 3.o, n.o 4, da Diretiva 2009/28, os Estados‑Membros estão obrigados a velar por que a quota de energia proveniente de fontes renováveis no setor dos transportes seja, pelo menos, igual a 10% do seu consumo final de energia nesse setor. V., igualmente, por analogia, Acórdão de 26 de setembro de 2013, IBV (C‑195/12, EU:C:2013:598, n.os 81 e 82), do qual resulta que os Estados‑Membros dispõem de uma ampla margem de apreciação para selecionar as fontes de biomassa cuja utilização como combustíveis pretendem encorajar com medidas de auxílio.


58      V. n.os 38 e 39 das presentes conclusões.


59      V., a este respeito, em especial, considerandos 4 e 5 da Diretiva (UE) 2015/1513 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 9 de setembro de 2015, que altera a Diretiva 98/70/CE relativa à qualidade da gasolina e do combustível para motores diesel e a Diretiva [2009/28] (JO 2015, L 239, p. 1) e considerando 81 da Diretiva (UE) 2018/2001 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 11 de dezembro de 2018, relativa à promoção da utilização de energia de fontes renováveis) (JO 2018, L 328, p. 82).


60      Documento de orientação da Comissão, p. 24.


61      A saber, as emissões de monóxido de enxofre (SOx), monóxido de azoto (NOx), monóxido de carbono (CO), amoníaco (NH3) e poeiras.


62      V., neste sentido, Acórdão de 22 de dezembro de 2008, Comissão/Itália (C‑283/07, não publicado, EU:C:2008:763, n.o 62).


63      V., neste sentido, Acórdão de 16 de dezembro de 2004, EU‑Wood‑Trading (C‑277/02, EU:C:2004:810, n.o 46).


64      V. n.o 40 das presentes conclusões.


65      V., nomeadamente, por analogia, Acórdãos de 22 de dezembro de 2010, Gowan Comércio Internacional e Serviços (C‑77/09, EU:C:2010:803, n.os 60 e 82); de 11 de julho de 2013, França/Comissão (C‑601/11 P, EU:C:2013:465, n.o 143); e de 9 de junho de 2016, Pesce e o. (C‑78/16 e C‑79/16, EU:C:2016:428, n.o 49).


66      V. n.o 44 das presentes conclusões.


67      No caso em apreço, este procedimento está previsto no artigo 5.o, n.o 1, do Decreto Legislativo n.o 28/2011, que remete para o artigo 12.o do Decreto Legislativo n.o 387/2003. O procedimento de alteração da lista constante do anexo X da parte V do Decreto Legislativo n.o 152/2006, por sua vez, instituído pelo artigo 281.o, n.os 5 e 6, deste decreto.


68      De resto, o artigo 15.o, n.o 1, da Diretiva 2018/2001 reproduz no essencial esta redação. Esta diretiva não é aplicável ratione temporis aos factos do litígio no processo principal.


69      Contrariamente ao que alega a Comissão, esta leitura não é posta em causa pela referência, na epígrafe do artigo 13.o da Diretiva 2009/28, aos «regulamentos e códigos». Com efeito, resulta dos n.os 4 a 6 deste artigo que essa referência visa as disposições regulamentares e os códigos em matéria de construção, nos quais os Estados‑Membros devem introduzir medidas adequadas para aumentar a quota das energias renováveis nos edifícios e para promover a utilização deste tipo de energias. Não implica que o n.o 1 do referido artigo imponha uma condição geral de proporcionalidade a todas as regulamentações nacionais que regulam a produção e a utilização de energias renováveis.


70      V., em especial, Commission Staff Working Document, The Support of Electricity from Renewable EnergySources — Accompanying Document to the Proposal for a Directive of the European Parliament and of the Council on the Promotion of the Use of Energy from Renewable Sources, 23 de janeiro de 2008 [SEC(2008) 57 final, p. 7]. V., igualmente, documento de trabalho dos serviços da Comissão — Avaliação de impacto — Documento que acompanha o Pacote de Medidas de Execução dos Objetivos da UE sobre as Alterações Climáticas e as Energias Renováveis para 2020 [SEC(2008) 85 final, p. 12].


71      Artigo 3.o, n.o 1, e anexo I, parte A, da Diretiva 2009/28. Por força do artigo 3.o, n.o 2, desta diretiva, cada Estado‑Membro deve introduzir medidas eficazes para assegurar que a sua quota de energia proveniente de fontes renováveis no seu consumo final seja igual ou superior à fixada na trajetória indicativa fixada na parte B do anexo I. O artigo 4.o, n.o 1, da referida diretiva exige a adoção de planos nacionais que descrevem essas medidas.


72      V. Proposta de Diretiva do Parlamento Europeu e do Conselho relativa à promoção da utilização da energia proveniente de fontes renováveis, de 23 de janeiro de 2008 [COM (2008) 19 final, p. 12].


73      Acórdão de 20 de setembro de 2017 (C‑215/16, C‑216/16, C‑220/16 e C‑221/16, EU:C:2017:705, n.os 32 a 35 e n.os 39 e 40).


74      No âmbito do tratamento da primeira questão prejudicial, já expus a opinião de que o Tribunal de Justiça não dispõe de elementos suficientes para determinar se uma legislação nacional que submete a utilização de óleos vegetais esterificados como combustíveis numa instalação que produz emissões para a atmosfera respeita a regulamentação em matéria de incineração de resíduos constitui um entrave injustificado à livre circulação de mercadorias consagrado no artigo 34.o TFUE (v. n.os 73 e 74 das presentes conclusões).


75      Acórdão de 21 de julho de 2011 (C‑2/10, EU:C:2011:502, n.o 73).


76      V. Acórdão de 20 de setembro de 2017 (C‑215/16, C‑216/16, C‑220/16 e C‑221/16, EU:C:2017:705).


77      V. Acórdãos de 22 de junho de 2017, E.ON Biofor Sverige (C‑549/15, EU:C:2017:490, n.os 28, 32 e 33), e de 4 de outubro de 2018, L.E.G.O. (C‑242/17, EU:C:2018:804, n.o 28). V., igualmente, considerando 94 da Diretiva 2009/28.


78      Acórdão de 22 de junho de 2017, E.ON Biofor Sverige (C‑549/15, EU:C:2017:490, n.o 35).