Language of document : ECLI:EU:T:2002:61

ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DE PRIMEIRA INSTÂNCIA

(Terceira Secção Alargada)

6 de Março de 2002 (1)

«Auxílios de Estado - Conceito de auxílio de Estado - Medidas fiscais - Natureza selectiva - Justificação pela natureza ou pela economia do sistema fiscal - Desvio de poder»

Nos processos apensos T-92/00 e T-103/00,

Territorio Histórico de Álava - Diputación Foral de Álava, representado por A. Creus Carreras e B. Uriarte Valiente, advogados,

recorrente no processo T-92/00,

Ramondín SA, com sede em Logroño (Espanha),

Ramondín Cápsulas SA, com sede em Laguardia (Espanha),

representadas por J. Lazcano-Iturburu, advogado,

recorrentes no processo T-103/00,

contra

Comissão das Comunidades Europeias, representada por F. Santaolalla, G. Rozet e G. Valero Jordana, na qualidade de agentes, com domicílio escolhido no Luxemburgo,

recorrida,

que tem por objecto um pedido de anulação da Decisão 2000/795/CE da Comissão, de 22 de Dezembro de 1999, relativa ao auxílio estatal concedido pela Espanha a favor da Ramondín SA e Ramondín Cápsulas SA (JO 2000, L 318, p. 36),

O TRIBUNAL DE PRIMEIRA INSTÂNCIA

DAS COMUNIDADES EUROPEIAS (Terceira Secção Alargada),

composto por: J. Azizi, presidente, K. Lenaerts, V. Tiili, R. M. Moura Ramos e M. Jaeger, juízes,

secretário: J. Plingers, administrador,

vistos os autos e após a audiência de 26 de Junho de 2001,

profere o presente

Acórdão

Enquadramento jurídico

Intensidade máxima admitida no País Basco

1.
    Segundo o mapa espanhol de auxílios com finalidade regional proposto pela Comissão (JO 1996, C 25, p. 3), o limite máximo aplicável aos auxílios no País Basco é de 25% em equivalente-subvenção líquido (ESL).

Benefícios fiscais em vigor no Território Histórico de Álava

2.
    O quadro fiscal em vigor no País Basco é regulado pelo regime da concertação económica, instituído pela Lei espanhola n.° 12/1981, de 13 de Maio de 1981, posteriormente modificada pela Lei n.° 38/1997, de 4 de Agosto de 1997. Nostermos desta legislação, a Diputación Foral de Álava pode, sob certas condições, organizar o regime fiscal aplicável no seu território.

3.
    A este título, a Diputación Foral de Álava tomou diversas medidas de auxílios fiscais sob a forma, designadamente, de um crédito fiscal de 45% e de uma redução da matéria colectável do imposto sobre as sociedades.

Crédito fiscal de 45%

4.
    A sexta disposição adicional da Norma Foral n.° 22/1994, de 20 de Dezembro de 1994, relativa à execução do orçamento do Território Histórico de Álava para o ano de 1995 [Boletín Oficial del Territorio Histórico de Álava (a seguir «BOTHA») n.° 5, de 13 de Janeiro de 1995] tem a seguinte redacção:

«Os investimentos em imobilizações corpóreas novas, efectuados entre 1 de Janeiro e 31 de Dezembro de 1995, que excedam 2,5 mil milhões de [pesetas espanholas (ESP)] segundo o Acordo da Diputación Foral de Álava, beneficiarão de um crédito fiscal de 45% do montante do investimento fixado pela Diputación Foral de Álava, aplicável ao montante final do imposto a pagar.

A dedução não aplicada por insuficiência de imposto pode ser aplicada nos nove anos seguintes ao ano em que foi celebrado o acordo da Diputación Foral de Álava.

Este Acordo da Diputación Foral de Álava fixará os prazos e restrições aplicáveis em cada caso.

Os benefícios reconhecidos ao abrigo da presente disposição são incompatíveis com qualquer outro benefício fiscal existente em razão destes mesmos investimentos.

A Diputación Foral de Álava determinará igualmente a duração do processo de investimento, que poderá incluir investimentos realizados durante a fase de preparação do projecto que está na base dos investimentos.»

5.
    A validade da referida disposição foi prorrogada, para o ano de 1996, através da quinta disposição adicional da Norma Foral n.° 33/1995, de 20 de Dezembro de 1995 (BOTHA n.° 4, de 10 de Janeiro de 1996), conforme alterada pelo n.° 2.11 da disposição derrogatória única da Norma Foral n.° 24/1996, de 5 de Julho de 1996 (BOTHA n.° 90, de 9 de Agosto de 1996). Para o ano de 1997, a medida fiscal foi prorrogada pela sétima disposição adicional da Norma Foral n.° 31/1996, de 18 de Dezembro de 1996 (BOTHA n.° 148, de 30 de Dezembro de 1996). O crédito fiscal de 45% do montante dos investimentos foi mantido, com modificações, para os anos de 1998 e 1999, respectivamente, através da décima primeira disposição adicional da Norma Foral n.° 33/1997, de 19 de Dezembro de 1997 (BOTHA n.° 150, de 31 de Dezembro de 1997), e através da sétimadisposição adicional da Norma Foral n.° 36/1998, de 17 de Dezembro de 1998 (BOTHA n.° 149, de 30 de Dezembro de 1998).

Redução da matéria colectável do imposto sobre as sociedades

6.
    O artigo 26.° da Norma Foral n.° 24/1996, de 5 de Julho de 1996, referida no número anterior, determina o seguinte:

«1. As empresas que iniciam as suas actividades beneficiam de uma redução de 99%, 75%, 50% e 25%, respectivamente, da matéria colectável positiva correspondente ao seu resultado de exploração, antes da compensação com as matérias colectáveis negativas dos exercícios de tributação anteriores, ao longo dos quatro períodos de tributação consecutivos, a partir do primeiro exercício durante o qual, nos quatro anos seguintes ao início da sua actividade, registem matérias colectáveis positivas.

[...]

2. Para beneficiar da presente redução, os sujeitos passivos devem respeitar as seguintes condições:

a) Iniciar a sua actividade com um capital mínimo liberado de 20 milhões de ESP;

b) [...]

c) [...]

d) Não ter exercido anteriormente a nova actividade, de forma directa ou indirecta, sob dominação diferente;

e) Exercer a nova actividade num local ou num estabelecimento onde não seja exercida qualquer outra actividade por outras pessoas singulares ou colectivas;

f) Investir em imobilizações corpóreas durante os dois primeiros anos de actividade pelo montante mínimo de 80 milhões de ESP, devendo todos os investimentos ser destinados a bens afectados à actividade, com exclusão dos que são objecto de locação ou cessão a terceiros para sua utilização. Para este efeito, consideram-se investimentos em imobilizações corpóreas os bens adquiridos por locação financeira, desde que o adquirente se comprometa a exercer a sua opção de compra;

g) Criar, pelo menos, dez postos de trabalho nos seis meses seguintes ao início da sua actividade e manter neste número a média anual do pessoal a partir desse momento e até ao exercício em que o direito de aplicar a redução da matéria colectável chegue ao seu termo;

h) [...]

i) Dispor de um plano de actuação empresarial por um período de, pelo menos, cinco anos.

3. [...]

4. O montante mínimo dos investimentos a que se refere o n.° 2, alínea f), referido supra, bem como o número de postos de trabalho referido no n.° 2, alínea g), são incompatíveis com qualquer outro benefício fiscal instituído para estes investimentos ou para esta criação de postos de trabalho.

5. A redução prevista no presente artigo é solicitada à Administração Fiscal que, após ter apurado que foram respeitadas as condições inicialmente exigidas, comunicará, se for o caso, a sua autorização provisória à sociedade requerente, autorização que deve receber o aval da Diputación Foral de Álava.

[...]».

Factos na origem do litígio

7.
    A Ramondín SA é uma sociedade de direito espanhol, especializada no fabrico de cápsulas para selar garrafas de vinho, champanhe e outras bebidas de qualidade. Desde 1971 está estabelecida na Comunidade Autónoma de La Rioja.

8.
    Em 1997, a Ramondín decidiu transferir as suas instalações industriais de Logroño para Laguardia, situada no Território Histórico de Álava, no País Basco. Para tal, a Ramondín constituiu, em 15 de Dezembro de 1997, a nova sociedade Ramondín Cápsulas SA, da qual detém 99,8% do capital. Está previsto que a Ramondín Cápsulas retome todas as actividades da Ramondín.

9.
    Por força de Decisão n.° 738/1997 de 21 de Outubro de 1997, da Diputación Foral de Álava, a Ramondín obteve o crédito fiscal de 45% referido nos n.os 4 e 5, supra. A Ramondín Cápsulas, enquanto sociedade recém-criada, beneficia igualmente da redução da matéria colectável referida no n.° 6, supra.

Procedimento administrativo

10.
    Por carta de 2 de Outubro de 1997, a Comissão recebeu do presidente da comunidade autónoma de La Rioja uma denúncia relativa aos auxílios de Estado alegadamente concedidos à Ramondín por ocasião da transferência das actividades desta para o País Basco.

11.
    Por carta de 30 de Abril de 1999, a Comissão notificou às autoridades espanholas a sua decisão de dar início ao procedimento previsto no artigo 88.°, n.° 2, relativamente aos auxílios fiscais concedidos pelas autoridades bascas à Ramondín (JO C 194, p. 18). Na mesma carta, a Comissão intimou a Espanha a comunicar determinadas informações bem como a suspender o pagamento dos auxílios fiscais já concedidos à Ramondín.

12.
    Em 22 de Dezembro de 1999, a Comissão adoptou a Decisão 2000/795/CE, relativa ao auxílio estatal concedido pela Espanha a favor da Ramondín e da Ramondín Cápsulas (JO 2000 L 318, p. 36, a seguir «decisão impugnada»).

13.
    A decisão impugnada contém o dipositivo seguinte:

«Artigo 1.°

1.    O auxílio estatal, executado pela Espanha a favor da [Ramondín] e que consistiu na concessão de um crédito fiscal a favor da [Ramondín] num montante correspondente a 45 % do custo do investimento determinado pelo Conselho Municipal de Álava no seu Acordo n.° 738/1997, de 21 de Outubro de 1997, é compatível com o mercado comum no que respeita à parte do auxílio que, em aplicação das normas relativas à cumulação de auxílios, não exceda o limite máximo de 25% ESL para os auxílios com finalidade regional no País Basco.

2.    A Espanha apresentará relatórios anuais durante todo o período de vigência do crédito fiscal, com a finalidade de permitir à Comissão verificar se o auxílio a favor da Ramondín SA é concedido no respeito das normas relativas à cumulação e se não excede o limite máximo de 25% ESL para os auxílios com finalidade regional no País Basco.

Artigo 2.°

São incompatíveis com o mercado comum os auxílios estatais executados pela Espanha:

a)    A favor da [Ramondín Cápsulas] e que consistem na redução da matéria colectável para as empresas recém-criadas, prevista no artigo 26.° da Norma Foral n.° 24/1996 de 5 de Julho de 1996;

b)    A favor da [Ramondín] e que consistem na concessão de um crédito fiscal a seu favor num montante correspondente a 45% do custo de investimento determinado pelo Conselho Municipal de Álava no seu Acordo n.° 738/1997 de 21 de Outubro de 1997, no que respeita à parte do auxílio que, em aplicação das normas relativas à cumulação de auxílios, exceda o limite máximo de 25% ESL para os auxílios com finalidade regional no País Basco.

Artigo 3.°

1.    A Espanha adoptará todas as medidas necessárias para suprimir os benefícios decorrentes dos auxílios previstos no artigo 2.°, que foram ilegalmente colocados à disposição dos beneficiários e, se for caso disso, para recuperá-los junto dos mesmos.

2.    A recuperação será feita imediatamente e nos termos do direito nacional, sempre que estes permitam a execução imediata e efectiva da presente decisão. O auxílio a ser recuperado vencerá juros desde a data em que foi colocado à disposição dos beneficiários até à da sua recuperação. Os juros são calculados com base na taxa de referência utilizada para o cálculo do equivalente-subvenção no quadro dos auxílios regionais.

Artigo 4.°

A Espanha informará a Comissão, no prazo de dois meses a partir da data de notificação da presente decisão, das medidas adoptadas em cumprimento da mesma.

Artigo 5.°

O destinatário da presente decisão é o Reino de Espanha.»

Tramitação processual e pedidos das partes

14.
    Por petições apresentadas na Secretaria do Tribunal, respectivamente, em 19 e 26 de Abril de 2000, as recorrentes nos processos T-92/00 e T-103/00 interpuseram os presentes recursos de anulação da decisão impugnada.

15.
    Por despacho de 5 de Junho de 2001, os processos T-92/00 e T-103/00 foram apensos para efeitos da audiência e do acórdão.

16.
    Com base no relatório do juiz relator o Tribunal decidiu dar início à fase oral.

17.
    As partes foram ouvidas em alegações e nas suas respostas às questões orais do Tribunal de Primeira Instância na audiência de 26 de Junho de 2001.

18.
    A recorrente no processo T-92/00 conclui pedindo que o Tribunal se digne:

-    declarar o presente recurso admissível e procedente;

-    anular a decisão impugnada, na medida em que declara incompatíveis com o mercado comum as medidas fiscais previstas nas Normas Forais de Álavan.os 22/1994 e 24/1996 e intima o Estado Espanhol a recuperar o seu montante;

-    condenar a Comissão nas despesas.

19.
    As recorrentes no processo T-103/00 concluem pedindo que o Tribunal se digne:

-    anular a decisão impugnada, na medida em que declara incompatíveis com o mercado comum as medidas fiscais previstas nas Normas Forais de Álava n.os 22/1994 e 24/1996 e intima o Estado Espanhol a recuperar o seu montante;

-    condenar a Comissão nas despesas.

20.
    Nos processos T-92/00 e T-103/00, a Comissão conclui pedindo que o Tribunal se digne:

-    negar provimento aos recursos;

-    condenar as recorrentes nas despesas.

Enquadramento jurídico

21.
    As recorrentes invocam quatro fundamentos em apoio dos seus recursos. O primeiro fundamento consiste em violação do artigo 87.°, n.° 1, CE. O segundo em desvio de poder. O terceiro em violação do princípio da igualdade de tratamento e o quarto em violação do artigo 253.° CE.

Primeiro fundamento: violação do artigo 87.°, n.° 1, CE

22.
    Este fundamento é constituído por quatro partes. As duas primeiras baseiam-se no alegado carácter geral das medidas fiscais relativas, por um lado, ao crédito fiscal e, por outro, à redução da matéria colectável. A terceira baseia-se em apreciação errada da excepção baseada na natureza e na economia do sistema fiscal. A quarta baseia-se na falta de distorção da concorrência e da afectação das trocas comerciais intracomunitárias.

Primeira parte, baseada no alegado carácter geral da medida fiscal que institui o crédito fiscal

23.
    Deve recordar-se que o artigo 87.°, n.° 1, do Tratado exige que uma medida, para que possa ser qualificada de auxílio de Estado, favoreça «certas empresas ou certas produções». A especificidade ou a selectividade de uma medida constitui, portanto, uma das características do conceito de auxílio de Estado (acórdão do Tribunal de Justiça de 1 de Dezembro de 1998, Ecotrade, C-200/97, Colect., p. I-7907, n.° 40;acórdão do Tribunal de Primeira Instância de 29 de Setembro de 2000, CETM/Comissão, T-55/99, Colect., p. II-3207, n.° 39).

24.
    Ora, na decisão impugnada (ponto VII.3.1), a Comissão explica que o carácter específico da Norma Foral n.° 22/1994 que institui o crédito fiscal de 45% do montante do investimento, resulta de quatro elementos, isto é, o poder discricionário de que dispõe, em seu entender, a Diputación Foral «para determinar os investimentos em imobilizações corpóreas, de valor superior a 2500 milhões de [ESP], que poderiam beneficiar do crédito fiscal, para decidir a parte dos investimentos à qual poderia ser aplicável a redução de 45% e para estabelecer os prazos e limites máximos aplicáveis em cada caso» (considerandos 79 a 87); o montante mínimo de investimento (2,5 mil milhões de ESP) que limitaria de facto a aplicabilidade do crédito fiscal aos grandes investidores sem que esta limitação seja justificada pela natureza ou pela economia do regime fiscal objecto de derrogação (considerandos 88 a 97); o carácter temporal do crédito fiscal, que deixa «à mercê das autoridades a sua concessão a determinadas empresas» (considerandos 98 a 101) e o «o paralelismo total entre [a] medida [fiscal] e o regime [de auxílios com carácter regional] Ekimen, tanto no que se refere aos respectivos objectivos (financiamento de novos investimentos) como ao âmbito geográfico (região autónoma num caso, província noutro)» (considerandos 102 a 104).

25.
    Deve, portanto, examinar-se, à luz dos argumentos invocados pelas recorrentes, se os elementos nos quais a Comissão se baseou efectivamente na decisão impugnada permitem concluir que o crédito fiscal instituído pela Norma Foral n.° 22/1994 constitui uma medida específica que beneficia «certas empresas ou certas produções» na acepção do artigo 87.°, n.° 1, CE.

26.
    As recorrentes alegam, em primeiro lugar, que a Norma Foral n.° 22/1994 reflecte uma opção de política fiscal efectuada pelas autoridades bascas. Defendem que estas autoridades possuem plena competência em matéria fiscal por força da Constituição espanhola e do regime de concertação económica. A Comissão, que considera que a Norma Foral n.° 22/1994 é selectiva por se aplicar apenas a uma parte do território espanhol, isto é, Álava, põe em causa a capacidade normativa das autoridades bascas. Segundo as recorrentes, uma medida fiscal regional pode qualificar-se de selectiva e de auxílio de Estado unicamente se se demonstrar que esta medida não se aplica de maneira geral no território da região em causa, é claramente arbitrária ou discricionária e afecta, além disso, manifestamente, a concorrência entre os contribuintes desse regime fiscal regional. Não estando preenchidas estas condições no caso vertente, a Comissão devia ter recorrido a um processo de harmonização fiscal se tivesse intenção de fazer modificar a medida fiscal em causa.

27.
    A este respeito, o Tribunal observa que a argumentação da recorrentes assenta numa leitura errada da decisão impugnada. Com efeito, nesta última, a Comissão não se referiu de modo nenhum, a um critério de selectividade regional parademonstrar que a medida fiscal em causa constitui um auxílio de Estado na acepção do artigo 87.°, n.° 1, CE (v. n.° 24, supra). Assim, a decisão impugnada em nada afecta a competência do Território Histórico de Álava para tomar medidas fiscais gerais aplicáveis em todo o território da região em causa.

28.
    A primeira acusação deve, portanto, ser julgada improcedente.

29.
    Em segundo lugar, as recorrentes alegam que a Diputación Foral de Álava não dispõe de nenhum poder discricionário ao conceder um crédito fiscal. Apenas verifica se as condições previstas na legislação estão preenchidas, com o objectivo de evitar quaisquer concessões fraudulentas do crédito fiscal. Não tem poder para escolher as empresas beneficiárias ou modular a percentagem de crédito fiscal. A medida fiscal foi, desta forma, aplicada a todas as empresas abrangidas pelo âmbito de aplicação material das normas em questão.

30.
    As recorrentes acrescentam que, tanto nas legislações nacionais como na legislação comunitária, existem vários exemplos em que a aplicação de uma disposição exige uma verificação ou um controlo prévio da administração sem que isso implique que esta disponha de um poder discricionário.

31.
    O Tribunal recorda que medidas de alcance puramente geral não são abrangidas pelo artigo 87.°, n.° 1, CE. Todavia, a jurisprudência já afirmou que mesmo as medidas de intervenção que, à primeira vista, são aplicáveis à generalidade das empresas podem apresentar uma certa selectividade e, portanto, ser consideradas medidas destinadas a favorecer certas empresas ou produções. É o que acontece, nomeadamente, quando a administração chamada a aplicar a regra geral dispõe de um poder discricionário quanto à aplicação do acto (acórdãos do Tribunal de Justiça de 26 de Setembro de 1996, França/Comissão C-241/94, Colect., p. I-4551, n.os 23 e 24; Ecotrade, referido no n.° 23, supra, n.° 40, e de 17 de Junho de 1999, Piaggio, C-295/97, Colect., p. I-3735, n.° 39; conclusões do advogado-geral A. La Pergola no processo que culminou no acórdão de 29 de Abril de 1999, Espanha/Comissão, C-342/96, Colect., p. I-2641, n.° 8). Assim, no seu acórdão França/Comissão (já referido, n.os 23 e 24), o Tribunal de Justiça considerou que o sistema de participação do Fond français de l'emploi no acompanhamento dos planos sociais de empresas em dificuldades era «susceptível de colocar certas empresas numa situação mais favorável do que outras e de preencher, assim, as condições de um auxílio» na acepção do artigo 87.°, n.° 1, CE, uma vez que o Fundo em questão «disp[unha] [por força das normas regulamentares relativas à participação do Estado no acompanhamento dos planos sociais] de um poder discricionário que lhe permit[ia] modular a intervenção financeira em função de diversas considerações, tais como, nomeadamente, a escolha dos beneficiários, o montante da intervenção financeira e as condições da intervenção».

32.
    Ora, deve reconhecer-se que, por força das disposições da Norma Foral n.° 22/1994, a Diputación Foral de Álava dispõe de um certo poder discricionário quanto à aplicação do crédito fiscal. Com efeito, resulta da Norma Foraln.° 22/1994 (v. n.° 4 supra), que o crédito fiscal é igual a 45% «do montante do investimento fixado pela Diputación Foral de Álava». Ora, a Norma Foral n.° 22/119 que permite à Diputación Foral fixar o montante do investimento elegível permite, ao mesmo tempo, a esta última modular o montante da intervenção financeira. Além disso, há que reconhecer que, nos termos da Norma Foral da Álava n.° 22/1994, a Diputación Foral pode fixar os «prazos e as restrições aplicáveis em cada caso».

33.
    Ao conceder à Diputación Foral de Álava um poder discricionário, as disposições da Norma Foral n.° 22/1994 relativas ao crédito fiscal são susceptíveis de colocar certas empresas numa situação mais favorável do que outras. Consequentemente, deve considerar-se que a medida fiscal em causa preenche a condição relativa à especificidade.

34.
    As referidas recorrentes acrescentam ainda que o poder discricionário de que dispõe a Diputación Foral de álava não pode, de qualquer forma, consistir num poder para tomar decisões arbitrárias. Com efeito, a arbitrariedade dos poderes públicos é proibida pelo artigo 9.° da Constituição espanhola.

35.
    Todavia, como a Comissão sublinha, para afastar a qualificação de medida geral, não é necessário verificar se o comportamento da Administração Fiscal reveste um carácter arbitrário. Basta demonstrar, como aconteceu no caso presente, que essa administração dispõe de um poder discricionário que lhe permite, nomeadamente, modular o montante ou as condições de concessão do benefício fiscal em questão em função das características dos projectos de investimento submetidos à sua apreciação.

36.
    A segunda acusação deve, pois, ser igualmente julgada improcedente.

37.
    Em terceiro lugar, as recorrentes alegam que o facto de um investimento mínimo de 2,5 mil milhões de ESP ser exigido para poder beneficiar do crédito fiscal não implica que a medida seja selectiva. Trata-se, segundo as recorrentes, de um critério quantitativo objectivo. Todos os sistemas fiscais contêm medidas cuja concessão ou respeito está sujeito a um critério quantitativo.

38.
    As recorrentes acrescentam que o facto de, na prática, a aplicação da medida fiscal ser limitada às grandes empresas é a consequência normal da limitação do campo de aplicação da medida fiscal. Outras disposições aplicam-se apenas às pequenas empresas. Se fosse seguida a tese da Comissão, uma regra que impusesse um limite de investimento seria sempre selectiva, mesmo se o limite indicado fosse reduzido, por exemplo, a 10 milhões de ESP, pois existiriam sempre sujeitos passivos que não atingiriam este limite mínimo. O facto de não fixar limites prejudica, para as recorrentes, a eficácia da regra. Com efeito, é necessário fixar limites a fim de permitir ou estimular um esforço de investimento criador de riqueza ou de bem-estar colectivos.

39.
    Impõe-se concluir que, ao limitar a aplicação do crédito fiscal aos investimentos em em imobilizações corpóreas novas que excedam 2,5 mil milhões de ESP, as autoridades bascas reservaram de facto o benefício fiscal em questão às empresas que dispõem de recursos financeiros importantes. A Comissão podia, portanto, com razão, concluir que o crédito fiscal previsto na Norma Foral n.° 22/1994 se destina a ser aplicado de maneira selectiva a «certas empresas» na acepção do artigo 87.°, n.° 1, CE.

40.
    Além disso, o facto de os regimes fiscais recorrerem frequentemente a critérios normativos em proveito das pequenas e médias empresas (a seguir «PME») não permite concluir que a Norma Foral n.° 22/1994, ao instituir um benefício fiscal unicamente a favor das empresas que dispõem de recursos financeiros importantes, escapa à aplicação do artigo 87.°, n.° 1, CE. Deve sublinhar-se ainda que as medidas selectivas a favor das PME também não escapam à qualificação de auxílio de Estado (v. Enquadramento comunitário dos auxílios estatais às pequenas e médias empresas, JO 1996, C 213, p. 4).

41.
    Resulta das considerações precedentes que a Norma Foral n.° 22/1994 que institui o crédito fiscal constitui um benefício a favor de «certas empresas» na acepção do artigo 87.°, n.° 1, CE. Nestas condições, já não tem cabimento examinar se o carácter temporário da Norma Foral n.° 22/1994 e o alegado paralelismo entre o crédito fiscal e o regime de auxílios com finalidade regional Ekimen também são susceptíveis de atribuir um carácter específico à medida examinada.

42.
    Consequentemente, a primeira parte não pode ser acolhida.

Quanto à segunda parte, baseada no alegado carácter geral da medida fiscal que institui a redução da matéria colectável

43.
    Na decisão impugnada, a Comissão considera que a redução da matéria colectável instituída pelo artigo 26.° da Norma Foral n.° 24/1996 é uma medida específica na acepção do artigo 87.°, n.° 1, CE. O carácter específico ou selectivo resulta, nomeadamente, do facto de apenas as empresas recém-criadas poderem tirar proveito do benefício fiscal. A especificidade desta medida é igualmente reforçada pelo facto de, apenas as empresas que investem 80 milhões de ESP e criam 10 postos de trabalho poderem beneficiar da redução da matéria colectável (considerando 111). A Comissão acrescenta ainda que «A especificidade desta medida é igualmente reforçada pelo seu fundamento, conforme enunciado na Norma Foral [...] que a estabelece». Com efeito, após ter enumerado os objectivos gerais do regime fiscal, a exposição de motivos da Norma Foral enuncia outra série de objectivos, principalmente do foro da política industrial, sendo especificamente referido o de 'incentivar a criação de novas iniciativas empresariais', objectivo subsequentemente prosseguido com as medidas destinadas à categoria específica de empresas recém-criadas» (decisão impugnada, considerando 112).

44.
    As recorrentes criticam, primeiramente, o facto de a Comissão qualificar a medida fiscal em causa de auxílio de Estado na acepção do artigo 87.°, n.° 1, CE, em razão da sua selectividade regional.

45.
    Resulta, porém, da decisão impugnada que a Comissão não se baseou nesse critério para qualificar o artigo 26.° da Norma Foral n.° 24/1996 de medida específica na acepção do artigo 87.°, n.° 1, CE. A argumentação, que assenta numa leitura errada da decisão impugnada, deve, portanto, ser afastada.

46.
    Seguidamente, as recorrentes alegam que a redução da matéria colectável prevista no artigo 26.° da Norma Foral n.° 24/1996 não pode ser considerada uma medida fiscal que beneficia certas empresas ou produções. Com efeito, a medida fiscal em questão aplica-se a qualquer empresa que invista, pelo menos, 80 milhões de ESP e crie, pelo menos, 10 postos de trabalho, independentemente do sector de actividade no qual a empresa opera. Explicam que o objectivo da medida controvertida consiste em favorecer os investimentos no território basco. Ora, a limitação do campo de aplicação da medida fiscal em causa é necessária para realizar o objectivo prosseguido.

47.
    Referindo-se à Decisão 96/369/CE da Comissão, de 13 de Março de 1996, relativa a um auxílio fiscal na forma de amortização em benefício das companhias aéreas alemãs (JO L 146, p. 42), a recorrente no processo T-92/00 acrescenta que as condições de aplicação do artigo 26.° da Norma Foral n.° 24/1996 são horizontais e objectivas.

48.
    O Tribunal recorda que a especificidade de uma medida estatal isto é, o seu carácter selectivo, constitui uma das características da noção de auxílio de estado na acepção do artigo 87.°, n.° 1, CE. A este título, importa verificar se a medida em questão dá origem, ou não, a benefícios em proveito exclusivo de certas empresas ou de certos sectores de actividade (acórdãos França/Comissão, referido no n.° 31, supra, n.° 24, Ecotrade, referido no n.° 23, supra, n.os 40 e 41, e CETM/Comissão, referido no n.° 23, supra, n.° 39).

49.
    Ora, no caso presente, a selectividade do benefício fiscal previsto no artigo 26.° da Norma Foral n.° 24/1996 resulta de diferentes elementos. Em primeiro lugar, o direito à redução da matéria colectável só é reconhecido às empresas recém-criadas, excluindo, assim, qualquer outra empresa do benefício em questão. Além disso, estas empresas recém-criadas devem realizar um certo investimento (80 milhões de ESP, pelo menos) e assegurar a criação de pelo menos, 10 postos de trabalho.

50.
    Daqui resulta que, mesmo se, como sustenta a recorrente no processo T-92/00, a medida fiscal em causa determina o seu campo de aplicação com base em critérios objectivos e horizontais, deve considerar-se que a redução da matéria colectável instituída pelo artigo 26.° da Norma Foral n.° 24/1996 constitui uma vantagemconcedida unicamente a certas empresas. Trata-se, portanto, de uma medida específica na acepção do artigo 87.°, n.° 1, CE.

51.
    Seguidamente, se devesse considerar-se que a prossecução de um objectivo de política económica e industrial, como o incentivo ao investimento, pode fazer escapar uma medida selectiva à aplicação do artigo 87.°, n.° 1, CE, esta disposição perderia qualquer efeito útil. Em conformidade com jurisprudência assente, deve observar-se que o objectivo prosseguido pela medida em causa não lhe permite escapar à qualificação de auxílio de Estado na acepção do artigo 87.°, n.° 1, do Tratado (acórdãos do Tribunal de Justiça França/Comissão, referido no n.° 31, supra, n.os 20 e 21, e de 17 de Junho de 1999, Bélgica/Comissão, C-75/97, Colect., p. I-3671, n.° 25; acórdão CETM/Comissão, referido no n.° 23, supra, n.° 53).

52.
    Por último, as recorrentes assinalam que a legislação do País Basco (Norma Foral n.° 18/1993) e a legislação espanhola (Lei n.° 22/1993, de 29 de Dezembro de 1993, relativa às medidas de natureza fiscal, de reforma do regime jurídico da função pública e de protecção contra o desemprego (BOE de 31 de Dezembro de 1993), incluíam, antes da adopção da Norma Foral n.° 24/1996, medidas fiscais análogas à redução da matéria colectável visada pela decisão impugnada. Uma vez que a Comissão não pôs em causa a regulamentação espanhola nem a Norma Foral n.° 18/1993, o Territorio Histórico de Álava e a Ramondín Cápsulas podiam, com razão, acreditar que o artigo 26.° da Norma Foral n.° 24/1996 não incluía nenhum elemento selectivo susceptível de conduzir à aplicação do artigo 87.° CE.

53.
    A este respeito, deve considerar-se que a circunstância de a Comissão não se ter pronunciado sobre medidas fiscais semelhantes, aplicáveis na mesma região ou no plano nacional, não afecta a conclusão segundo a qual a redução da matéria colectável instituída pelo artigo 26.° da Norma Foral n.° 24/1996 constitui uma medida selectiva na acepção do artigo 87.°, n.° 1, CE.

54.
    Além disso, a alegada inércia da Comissão não podia criar às partes qualquer confiança legítima, uma vez que a redução da matéria colectável foi instituída pela Norma Foral n.° 24/1996 sem notificação prévia, em violação do artigo 88.°, n.° 3, CE. O reconhecimento de uma confiança legítima pressupõe, com efeito, que o auxílio tenha sido concedido no respeito do procedimento previsto no artigo 88.° CE (acórdãos do Tribunal de Justiça de 20 de Setembro de 1990, Comissão/Alemanha, C-5/89, Colect., p. I-3437, n.° 17; acórdão do Tribunal de Primeira Instância de 15 de Setembro de 1998, BFM e EFIM/Comissão, T-126/96, Colect., p. II-3437, n.° 69).

55.
    Resulta das considerações precedentes que a segunda parte também não pode ser acolhida.

Quanto à terceira parte, baseada na apreciação errada da excepção baseada na natureza e na economia do sistema fiscal

56.
    As recorrentes sustentam que, a supor que as medidas fiscais controvertidas têm natureza selectiva, elas escapam à aplicação do artigo 87.°, n.° 1, CE, uma vez que são justificadas pela natureza e pela economia do sistema fiscal em causa. Em apoio da sua argumentação fazem referência à comunicação da Comissão sobre a aplicação das regras relativas aos auxílios estatais às medidas que respeitam à fiscalidade directa das empresas (JO 1998 C 384, p. 3) e à Decisão 96/369, referida no n.° 47, supra. Por um lado, explicam que o sistema fiscal basco, que encontra o seu fundamento na Constituição espanhola, é justificado, enquanto tal, pela natureza e pela economia do sistema geral espanhol. Por outro lado, as medidas fiscais controvertidas respondem a condições e a critérios objectivos, aplicáveis de maneira uniforme a todos os operadores económicos que os observem, independentemente dos seus sectores de actividade.

57.
    O Tribunal sublinha, em primeiro lugar, que o facto de o Território Histórico de Álava dispor de autonomia fiscal reconhecida e protegida pela Constituição do reino de Espanha não dispensa, no entanto, esta região do respeito das disposições do Tratado em matéria de auxílios de Estado. Recorde-se, a este respeito, que o artigo 87.°, n.° 1, CE, ao mencionar os auxílios concedidos «pelos Estados ou provenientes de recursos estatais, independentemente da forma que assumam», visa todos os auxílios financiados por fundos públicos. Daqui resulta que as medidas tomadas por entidades intraestatais (descentralizadas, federadas, regionais ou outras), dos Estados-Membros, independentemente do estatuto jurídico e da designação destas, estão sujeitas ao mesmo título que as medidas tomadas pelo poder federal ou central, ao campo de aplicação do artigo 87.°, n.° 1, CE, se as condições previstas nesta disposição estiverem preenchidas (acórdão do Tribunal de Justiça de 14 de Outubro de 1987, Alemanha/Comissão, 248/84, Colect., p. 4013, n.° 17).

58.
    Seguidamente, deve recordar-se que, mesmo que as medidas fiscais em causa determinem o seu campo de aplicação com base em critérios objectivos, não deixa de ser verdade que revestem carácter selectivo (v. n.os 41 a 50, supra).

59.
    É certo que, como, aliás, a Comissão reconheceu na comunicação e na decisão a que as recorrentes fazem referência (referidas respectivamente nos n.os 56 e 47, supra), o carácter selectivo de uma medida pode ser justificado pela «natureza ou economia do sistema». Se é esse o caso, a medida escapa à aplicação do artigo 87.°, n.° 1, CE (acórdãos do Tribunal de Justiça de 2 de Julho de 1974, Itália/Comissão, 173/73, Colect., p. 709, e Bélgica/Comissão, referido no n.° 51, supra, n.° 34; acórdão CETM/Comissão, referido no n.° 23, supra, n.° 52).

60.
    Todavia, a justificação baseada na natureza ou na economia do sistema fiscal remete para a coerência de uma medida fiscal específica com a lógica interna do sistema fiscal em geral (v., neste sentido, acórdão Bélgica/Comissão, referido no n.° 51, supra, n.° 39, e as conclusões do advogado-geral A. La Pergola sob este acórdão, Colect., p. I-3675, n.° 8; v. igualmente as conclusões do advogado-geral Ruiz-Jarabo Colomer sob o acórdão do Tribunal de Justiça de 19 de Maio de 1999,Itália/Comissão, C-6/97, Colect., pp. I-2981 e I-2983, n.° 27). Assim, uma medida fiscal específica que é justificada pela lógica interna do sistema fiscal - tal como a progressividade do imposto, que é justificada pela lógica redistributiva deste - escapará à aplicação do artigo 87.°, n.° 1, CE.

61.
    As recorrentes explicam que o objectivo prosseguido pelas medidas fiscais controvertidas consiste em incentivar os investimentos no Território Histórico de Álava. Acrescentam que, quando um Estado incentiva o investimento e consegue fazer com que empresas se instalem no seu território, assegura-se da obtenção de receitas fiscais para o futuro, uma vez que estas empresas serão tributadas neste Estado. O objectivo prosseguido pelas medidas fiscais em causa é, portanto, o de recolher o máximo possível de receitas fiscais.

62.
    Impõe-se, porém, observar que as recorrentes não apresentam qualquer prova em apoio da sua argumentação de que o verdadeiro objectivo prosseguido pelas medidas fiscais controvertidas é o aumento das receitas fiscais. Esta explicação revela-se, além disso, dificilmente conciliável com a concessão de reduções fiscais. Mesmo supondo que foi visado - o que não está demonstrado -, esse objectivo poderia igualmente ter sido atingido por medidas fiscais de carácter geral. Nestas condições, as medidas fiscais específicas em causa não se podem considerar justificadas pela natureza ou a economia do sistema fiscal.

63.
    Por último, as recorrentes sustentam ainda que a pressão fiscal global no País Basco é superior à que existe no resto da Espanha.

64.
    Este argumento não é, porém, susceptível de demonstrar que medidas fiscais que reservam benefícios específicos a certas empresas se justificam pela lógica interna do sistema fiscal do Território Histórico de Álava.

65.
    Resulta do exposto que a terceira parte deve ser igualmente afastada.

Quarta parte, baseada na ausência de distorção da concorrência e de afectação das trocas comerciais intracomunitárias

66.
    As recorrentes observam que o mercado no qual a Ramondín e a Ramondín Cápsulas (a seguir «Ramondín») operam não é altamente competitivo. No sector do fabrico de cápsulas de estanho para garrafas, a Ramondín é o número um na Europa e detém uma grande quota do mercado mundial. A Ramondín não tem concorrentes em Espanha e muito poucos na Europa.

67.
    Sublinham que a decisão de transferir as actividades da Ramondín para o País Basco foi tomada, não em razão de eventuais benefícios fiscais aplicáveis no Território Histórico de Álava, mas devido à política urbanística levada a cabo pelas autoridades de La Rioja, que impedia qualquer possibilidade de extensão da empresa.

68.
    Nestas condições, as recorrentes consideram que o estabelecimento da Ramondín no território de Álava e a concessão dos benefícios fiscais não puderam ter repercussões negativas nem sobre a concorrência nem sobre as trocas comerciais entre Estados-Membros. Com efeito, a quota de mercado da Ramondín, já muito importante antes da transferência das actividades para o Território Histórico de Álava, não resultou aumentada em detrimento de outras empresas. Assinalam ainda que, no caso presente, não foi apresentada nenhuma queixa por qualquer concorrente da Ramondín.

69.
    O Tribunal recorda que apenas os auxílios de Estado que «afectem as trocas comerciais entre Estados Membros» e que «falseiem ou ameacem falsear a concorrência» são abrangidos pelo campo de aplicação do artigo 87.°, n.° 1, CE. Se pode resultar, em certos casos, das próprias circunstâncias em que o auxílio foi concedido que este é susceptível de afectar as trocas comerciais entre Estados-Membros e de falsear ou ameaçar falsear a concorrência, compete à Comissão evocar, no mínimo, essas circunstâncias nos fundamentos da sua decisão (acórdão do Tribunal de Justiça de 19 de Outubro de 2000, Italia e Sardegna Lines/Comissão, processos C-15/98 e C-105/99, Colect., p. I-8855, n.° 66, e as referências feitas).

70.
    Na decisão impugnada, a Comissão observa que a «Ramondín detém quase 40% do mercado da produção mundial de cápsulas de estanho para selar garrafas» (considerando 18). Refere os seis concorrentes europeus da Ramondín e as respectivas quotas de mercado. Seguidamente, a Comissão explica que a Ramondín realizou, em 1997, «um volume de negócios de 24 milhões de euros, dos quais 70% advinha de vendas efectuadas no exterior da Espanha» (considerando 19) e acrescenta que «estes dados, juntamente com o número limitado de fornecedores no mercado mundial, demonstra a existência de trocas intracomunitárias deste produto» (considerando 19).

71.
    Esta fundamentação sumária, e não contestada, basta para demonstrar que os auxílios em questão são abrangidos pelo campo de aplicação do artigo 87.°, n.° 1, CE.

72.
    Deve recordar-se, para este efeito, que resulta da jurisprudência (acórdãos do Tribunal de Justiça de 17 de Setembro de 1980, Philip Morris/Comissão, 730/79, Colect., p. 2671, n.os 11 e 12, e Bélgica/Comissão, referido no n.° 51, supra, n.os 47 e 48; acórdão do Tribunal de Primeira Instância, Vlaams Gewest/Comissão, T-214/95, Colect., p. II-717, n.os 48 a 50) que qualquer concessão de auxílios a uma empresa que exerce as suas actividades no mercado comunitário é susceptível de provocar distorções de concorrência e afectar as trocas comerciais entre Estados-Membros.

73.
    Ora, no caso vertente, os auxílios de que beneficiou a Ramondín melhoraram os meios de acção e, portanto, a posição concorrencial de uma empresa que, como as próprias recorrentes confessaram, já era a primeira empresa europeia do sector.É, pois, manifesto que estes auxílios correm o risco de falsear a concorrência na acepção do artigo 87.°, n.° 1, CE. Além disso, em resposta a uma questão escrita do Tribunal, as recorrentes no processo T-103/00 explicaram que 24% da produção da Ramondín é exportada para países da União Europeia.

74.
    As recorrentes não podem extrair qualquer argumento do facto de a Ramondín não ter aumentado a suas quotas de mercado. Com efeito, se a Ramondín tivesse que ter suportado todos os custos da transferência das suas actividades para o País Basco, não é de excluir que a Ramondín devia ter aumentado os seus preços de vendas dos seus produtos e que os seus concorrentes podiam ter aproveitado esta oportunidade para aumentarem as suas próprias quotas de mercado.

75.
    O facto de nenhum dos concorrentes da Ramondín ter apresentado queixa é irrelevante, uma vez que está demonstrado, no caso presente, que os auxílios em questão são susceptíveis de afectar as trocas comerciais entre Estados-Membros e de falsear ou ameaçar de falsear a concorrência.

76.
    Finalmente, as recorrentes sustentam que, para que as medidas controvertidas possam ser consideradas auxílios de Estado abrangidas pelo campo de aplicação do artigo 87.°, n.° 1, CE, a Comissão devia ter demonstrado que as referidas medidas afectam a concorrência e as trocas comerciais entre Estados-Membros de maneira real e sensível. A recorrente no processo T-92/00 faz ainda referência à comunicação da Comissão relativa aos auxílios de minimis (JO 1996 C 68, p. 9) e à publicação da Comissão «Explication des règles applicables aux aides d'État, Situation en décembre 1996», Droit de la concurrence dans les Communautés européennes, volume II B.

77.
    Recorde-se que a Comissão não é obrigada a demonstrar o efeito real que os auxílios provocaram na concorrência e nas trocas comerciais entre os Estados-Membros (acórdão CETM/Comissão, referido no n.° 23, supra, n.° 103). Com efeito, se a Comissão devesse, na sua decisão, demonstrar o efeito real de auxílios já concedidos, isso levaria a favorecer os Estados-Membros que pagam auxílios em violação do dever de notificação previsto no artigo 88.°, n.° 3, CE em detrimento daqueles que notificam os auxílios em fase de projecto (acórdão de 14 de Fevereiro de 1990, França/Comissão, C-310/87, Colect., p. I-307, n.° 33).

78.
    Além disso, contrariamente ao que as recorrentes sustentam, a jurisprudência não exige que a distorção da concorrência, ou a ameaça dessa distorção, e a afectação das trocas comerciais intracomunitárias sejam sensíveis ou substanciais (acórdãos do Tribunal de Justiça de 21 de Março de 1990, Bélgica/Comissão, C-142/87, Colect., p. I-959, n.os 42 e 43; acórdãos de Tribunal de Primeira Instância Vlaams Gewest/Comissão, referido no n.° 72, supra, n.° 46, e CETM/Comissão, referido no n.° 23, supra, n.° 94).

79.
    Mesmo que a Comissão tenha reconhecido na sua publicação «Explication des règles applicables aux aides d'État», referida no n.° 76, supra, que «o auxílio deveter um efeito sensível sobre a concorrência» para estar abrangido pelo âmbito de aplicação do artigo 87.°, n.° 1, CE, não deixa de ser verdade que a Comissão, fazendo referência à sua comunicação relativa aos auxílios de minimis, referida no n.° 76, supra, fixou esse limite num nível de auxílio de 100 000 euros, limite manifestamente ultrapassado no caso vertente (v., neste sentido, acórdão do Tribunal de Justiça de 19 de Setembro de 2000, Alemanha/Comissão, C-156/98, Colect., p. I-6857, n.os 39 a 41).

80.
    Daqui resulta que a terceira parte também não pode ser acolhida.

81.
    Portanto, o primeiro fundamento deve ser julgado improcedente na sua integralidade.

Segundo fundamento: desvio de poder

82.
    As recorrentes alegam que a Comissão incorreu em desvio de poder, uma vez que utilizou poderes que os artigos 87.° CE e 88.° CE lhe atribuem para prosseguir, na realidade, objectivos de harmonização fiscal.

83.
    Explicam que a decisão impugnada se inscreve num processo global encetado pela Comissão no sentido de pôr em causa o regime fiscal basco no seu conjunto. Recordam, para esse efeito, que foram iniciados diferentes procedimentos nos termos do artigo 88.°, n.° 2, CE relativos a medidas fiscais bascas. Em vez de recorrer ao procedimento previsto nos artigos 96.° CE e 97.° CE, a Comissão tentou, desta forma, realizar uma certa harmonização fiscal através da política de auxílios de Estado.

84.
    O Tribunal recorda que uma decisão só está ferida de desvio de poder se se verificar, com base em indícios objectivos, pertinentes e concordantes, ter sido tomada com a finalidade exclusiva, ou pelo menos determinante, de atingir objectivos diferentes dos invocados (acórdãos do Tribunal de Primeira Instância de 23 de Outubro de 1990, Pitrone/Comissão, T-46/89, Colect., p. II-577, n.° 71, e de 15 de Março de 2000, Cimenteries CBR e o./Comissão, T-25/95, T-26/95, T-30/95 a T-32/95, T-34/95 a T-39/95, T-42/95 a T-46/95, T-48/95, T-50/95 a T-65/95, T-68/95, T-69/95 a T-71/95, T-87/95, T-88/95, T-103/95 e T-104/95, Colect. p. II-491, n.° 779).

85.
    Ora, as recorrentes não apresentam nenhum indício objectivo que permita concluir que o verdadeiro objectivo prosseguido pela Comissão ao adoptar a decisão impugnada era obter uma harmonização fiscal. Com efeito, toda a sua argumentação assenta em especulações a propósito de eventuais motivos subjacentes à decisão impugnada. Além disso, as recorrentes nem sequer demonstram a existência de uma qualquer harmonização de facto eventualmente realizada a nível comunitário pela decisão impugnada.

86.
    A recorrente no processo T-92/00 refere-se ainda às observações feitas pela Comissão no quadro dos processos que deram culminaram no despacho do presidente do Tribunal de Justiça de 16 de Fevereiro de 2000, Juntas Generales de Guipúzcoa e o. (C-400/97, C-401/97 e C-402/97, Colect., p. I-1073) segundo as quais as Normas Forais constituem auxílios de Estado uma vez que são exclusivamente aplicáveis numa zona especial de um Estado-Membro. Seguir este raciocínio equivaleria a pôr em causa a capacidade normativa das autoridades bascas em matéria fiscal, reconhecida pela Constituição espanhola.

87.
    Este argumento deve ser afastado. Com efeito, deve recordar-se que a Comissão não se baseou, na decisão impugnada, no critério da selectividade regional para demonstrar que os benefícios fiscais a favor da Ramondín são auxílios de Estado abrangidos pelo campo de aplicação do artigo 87.°, n.° 1, CE (v. n.os 27 e 45, supra).

88.
    Resulta das considerações precedentes que o segundo fundamento deve ser igualmente julgado improcedente.

Terceiro fundamento: violação do princípio da igualdade de tratamento

89.
    As recorrentes sustentam que a Ramondín e a Daewoo Electronics Manufacturing España SA (Demesa), outra empresa envolvida num processo em matéria de auxílios relativos ao Território Histórico de Álava, não são as únicas empresas que beneficiaram do crédito fiscal e da redução da matéria colectável instituídas pelas Normas Forais do Território Histórico de Álava. Todavia, a Comissão tomou decisões unicamente no que respeita à aplicação destas medidas fiscais à Ramondín e à Demesa. Ao agir desta forma, a Comissão violou o princípio da igualdade de tratamento.

90.
    O Tribunal observa, em primeiro lugar, que as recorrentes no processo T-103/00 invocaram uma violação do princípio da igualdade de tratamento pela primeira vez na sua réplica. Trata-se de um fundamento novo que é inadmissível por força do artigo 48.°, n.° 2, do Regulamento de Processo do Tribunal.

91.
    De qualquer forma, o fundamento não é procedente.

92.
    Com efeito, o sistema previsto no Tratado é um sistema de controlo prévio aos auxílios. Por esta razão, os Estados-Membros são obrigados a notificar, em conformidade com o artigo 88.°, n.° 3, CE, quaisquer auxílios novos à Comissão. Ora, as recorrentes não demonstram de modo nenhum e nem sequer alegam que o estado espanhol notificou à Comissão a execução das medidas fiscais controvertidas em benefício de outras empresas, sem que a Comissão tenha tomado uma decisão de incompatibilidade de auxílios relativamente às mesmas.

93.
    A recorrente no processo T-92/00, igualmente recorrente no processo T-127/00, que relativo à Demesa, alega, no entanto, que resulta de um ponto da tréplica da Comissão neste último processo, que a Comissão conhecida a identidade de váriasempresas que beneficiaram, como a Ramondín e a Demesa, das medidas fiscais controvertidas.

94.
    A este propósito, o Tribunal observa que o ponto em causa da tréplica da Comissão no processo T-127/00 apenas refere a concessão de um auxílio pelas autoridades de Vizcaya, e não de Álava, a uma empresa ao abrigo da legislação de Vizcaya. De qualquer forma, mesmo que no momento da apresentação da sua tréplica no processo T-127/99, em 21 de Fevereiro de 2000, a Comissão tinha conhecimento de que várias empresas beneficiavam das medidas fiscais controvertidas de Álava, tal conclusão não demonstra que a Comissão, ao adoptar a decisão impugnada, em 22 de Dezembro de 1999, violou o princípio da igualdade de tratamento. Deve recordar-se, para este efeito, que a legalidade de um acto comunitário deve ser apreciada em função dos elementos de facto e de direito existentes na data em que o acto foi adoptado (acórdão do Tribunal de Primeira Instância de 12 de Dezembro de 2000, Alitalia/Comissão, T-296/97, Colect., p. II-3871, n.° 86).

95.
    De qualquer forma, mesmo que tivesse sido provado que a Comissão conhecia, no momento em que adoptou a decisão impugnada, a identidade de outras empresas que beneficiaram dos mesmos auxílios que a Ramondín, o presente fundamento não poderia colher. Com efeito, tal verificação não permitiria afastar a ilegalidade e a incompatibilidade com o mercado comum dos auxílios de que beneficiou a Ramondín (v., por analogia, acórdão Cimenteries CBR e o./Comissão, referido no n.° 84, supra, n.° 4428).

96.
    Finalmente, deve recordar-se que a Comissão, por cartas de 17 de Agosto e de 29 de Setembro de 1999, notificou às autoridades espanholas as suas decisões de dar início a procedimentos que visam, de maneira geral, o crédito fiscal e a redução da matéria colectável previstos nas Normas Forais de Álava (resumos publicados, respectivamente, no JO 2000 C 71, p. 8 e no JO 2000 C 55, p. 2). Estes procedimentos visam indirectamente todas as empresas que beneficiaram das medidas fiscais em questão.

97.
    Daqui resulta que o terceiro fundamento deve ser julgado improcedente.

Quarto fundamento: violação do artigo 253.° CE

98.
    As recorrentes alegam que a Comissão não fundamentou suficientemente, na decisão impugnada, o facto de as medidas qualificadas de auxílios de Estado terem afectado a concorrência e as trocas comerciais entre Estados-Membros. Sublinham que a única informação que a Comissão fornece a este propósito na decisão impugnada é uma lista das empresas que operam no mesmo sector que a Ramondín e a quota de mercado de cada uma delas.

99.
    Resulta, todavia, da análise feita nos n.os 66 a 81, supra que a fundamentação da decisão impugnada relativa à afectação da concorrência e das trocas comerciaisentre Estados-Membros foi suficiente de forma a permitir aos interessados defenderem os seus direitos e ao juiz comunitário exercer o seu controlo (v., neste sentido, acórdão do Tribunal de Justiça de 29 de Fevereiro de 1996, Bélgica/Comissão, C-56/93, Colect., p. I-723, n.° 86).

100.
    O último fundamento também não pode, portanto, ser julgado procedente.

101.
    Das considerações precedentes resulta que deve ser negado provimento aos recursos.

Quanto às despesas

102.
    Por força do disposto no artigo 87.°, n.° 2, do Regulamento de Processo, a parte vencida é condenada nas despesas se a parte vencedora o tiver requerido. Tendo os recorrentes sido vencidos, são condenadas a suportar as suas próprias despesas, bem como as que foram efectuadas pela Comissão, em conformidade com o pedido desta última.

Pelos fundamentos expostos,

O TRIBUNAL DE PRIMEIRA INSTÂNCIA (Terceira Secção Alargada)

decide:

1)    É negado provimento aos recursos.

2)     As recorrentes suportarão as suas próprias despesas bem como as efectuadas pela Comissão.

Azizi
Lenaerts
Tiili

Moura Ramos

Jaeger

Proferido em audiência pública no Luxemburgo, em 6 de Março de 2001.

O secretário

O presidente

H. Jung

M. Jaeger


1: Língua do processo: espanhol.