Language of document : ECLI:EU:T:2011:738

ACÓRDÃO DO TRIBUNAL GERAL (Terceira Secção)

14 de Dezembro de 2011 (*)

«Medicamentos para uso humano – Autorização de introdução de um medicamento no mercado – Regulamento (CE) n.° 1901/2006 – Pedido de isenção da obrigação de apresentar um plano de investigação pediátrica – Decisão de indeferimento da EMA − Desvio de poder»

No processo T‑52/09,

Nycomed Danmark ApS, com sede em Roskilde (Dinamarca), representada inicialmente por C. Schoonderbeek e H. Speyart van Woerden, advogados, e em seguida por C. Schoonderbeek,

recorrente,

contra

Agência Europeia de Medicamentos (EMA), representada por V. Salvatore e N. Rampal Olmedo, na qualidade de agentes,

recorrida,

apoiada por:

República Portuguesa, representada por L. Inez Fernandes e P. Antunes, na qualidade de agentes,

Reino da Bélgica, representado por T. Materne e C. Pochet, na qualidade de agentes,

Reino Unido da Grã‑Bretanha e da Irlanda do Norte, representado por S. Ossowski e H. Walker, na qualidade de agentes, assistidos por J. Stratford, barrister,

República Francesa, representada por G. de Bergues, A. Adam, R. Loosli Surrans e J.‑S. Pilczer, na qualidade de agentes,

e

Comissão Europeia, representada por P. Oliver e M. Šimerdová, na qualidade de agentes,

intervenientes,

que tem por objecto um pedido de anulação da decisão da Agência Europeia de Medicamentos (EMA) de 28 de Novembro de 2008, que indefere o pedido da recorrente de isenção específica relativa ao perflubutane, nos termos do Regulamento (CE) n.° 1901/2006 do Parlamento Europeu e do Conselho, conforme alterado,

O TRIBUNAL GERAL (Terceira Secção),

composto por: O. Czúcz, presidente, I. Labucka e D. Gratsias (relator), juízes,

secretário: V. Nagy, administradora,

vistos os autos e após a audiência de 12 de Julho de 2011,

profere o presente

Acórdão

 Quadro jurídico

 Directiva 2001/83

1        Os artigos 6.° e 8.° da Directiva 2001/83/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 6 de Novembro de 2001, que estabelece um código comunitário relativo aos medicamentos para uso humano (JO L 311, p. 67), conforme alterada, nomeadamente, pelo Regulamento (CE) n.° 1901/2006 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 12 de Dezembro de 2006, relativo a medicamentos para uso pediátrico e que altera o Regulamento (CEE) n.° 1768/92, a Directiva 2001/20/CE, a Directiva 2001/83 e o Regulamento (CE) n.° 726/2004 (JO L 378, p. 1), e pela Directiva 2004/27/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 31 de Março de 2004 (JO L 136, p. 34), dispõem:

«Artigo 6.°

1.      Não pode ser introduzido um medicamento no mercado de um Estado‑Membro sem que para tal tenha sido emitida pela autoridade competente desse Estado‑Membro uma autorização de introdução no mercado, em conformidade com a presente directiva, ou sem que tenha sido concedida uma autorização em conformidade com o Regulamento (CE) n.° 726/2004, em conjugação com o Regulamento (CE) n.° 1901/2006 […].

Artigo 8.°

1.      Tendo em vista a concessão da autorização de introdução de um medicamento no mercado [...], deve ser apresentado um pedido à autoridade competente do Estado‑Membro em causa.

[...]

3.      O pedido deve ser acompanhado das informações e documentos apresentados em conformidade com o anexo I:

[...]

e)      Indicações terapêuticas, contra‑indicações e reacções adversas;

[...]

i)      Resultado dos ensaios:

–        farmacêuticos, (físico‑químicos, biológicos ou microbiológicos),

–        pré‑clínicos (toxicológicos e farmacológicos),

–        clínicos;

[...]»

 Regulamento n.° 726/2004

2        O artigo 3.° do Regulamento (CE) n.° 726/2004 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 31 de Março de 2004, que estabelece procedimentos comunitários de autorização e de fiscalização de medicamentos para uso humano e veterinário e que institui uma Agência Europeia de Medicamentos (JO L 136, p. 1), conforme alterado pelo Regulamento n.° 1901/2006, dispõe:

«Artigo 3.°

1.      Nenhum medicamento constante do anexo pode ser introduzido no mercado comunitário sem que a Comunidade tenha concedido uma autorização de introdução no mercado, em conformidade com o disposto no presente regulamento.

2.      Qualquer medicamento não constante do anexo pode ser sujeito a uma autorização de introdução no mercado concedida pela Comunidade, em conformidade com o disposto no presente regulamento, se:

a)      Esse medicamento contiver uma substância activa nova que, até à data de entrada em vigor do presente regulamento, não era autorizada na Comunidade [...]»

 Regulamento n.° 1901/2006

3        Os artigos 1.°, 2.°, 3.°, 6.°, 7.°, 11.°, 13.°, 15.° e 16.° do Regulamento n.° 1901/2006 têm a seguinte redacção:

«Artigo 1.°

O presente regulamento estabelece as regras relativas ao desenvolvimento de medicamentos para uso humano, a fim de dar resposta às necessidades terapêuticas específicas da população pediátrica sem submeter essa população a ensaios clínicos, ou outros, que sejam desnecessários, e em conformidade com a Directiva 2001/20/CE.

Artigo 2.°

Além das definições previstas no artigo 1.° da Directiva 2001/83/CE, são aplicáveis, para efeitos do presente regulamento, as seguintes definições:

1)      ‘População pediátrica’: os indivíduos com idade compreendida entre o nascimento e os 18 anos;

2)      ‘Plano de investigação pediátrica’: um programa de investigação e desenvolvimento que visa garantir a produção dos dados necessários para determinar os termos em que um medicamento pode ser autorizado para tratar a população pediátrica;

[...]

Artigo 3.°

1.      [S]erá instituído um Comité Pediátrico no quadro da Agência Europeia de Medicamentos criada pelo Regulamento (CE) n.° 726/2004, a seguir denominada ‘Agência’. [...]

Artigo 6.°

1.      Compete ao Comité Pediátrico, nomeadamente:

a)      Apreciar o conteúdo de todos os planos de investigação pediátrica de um medicamento que lhe sejam apresentados ao abrigo do presente regulamento e emitir parecer a seu respeito;

b)      Apreciar as isenções e os diferimentos e emitir parecer a seu respeito;

[...]

2.      No exercício das suas competências, o Comité Pediátrico deve analisar se os estudos propostos são susceptíveis de proporcionar benefícios terapêuticos significativos para a população pediátrica e/ou preenchem uma necessidade terapêutica dessa população. O Comité Pediátrico tomará em consideração qualquer informação de que disponha, incluindo os pareceres, decisões ou conselhos das autoridades competentes de países terceiros.

Artigo 7.°

1.      O pedido de autorização de introdução no mercado, nos termos do artigo 6.° da Directiva 2001/83/CE, de um medicamento para uso humano não autorizado na Comunidade à data de entrada em vigor do presente regulamento só pode ser considerado válido se, para além dos dados e da documentação mencionados no n.° 3 do artigo 8.° da Directiva 2001/83/CE, incluir um dos seguintes elementos:

a)      Os resultados de todos os estudos realizados e os pormenores de toda a informação recolhida em conformidade com um plano de investigação pediátrica aprovado;

b)      Uma decisão da Agência concedendo uma isenção relativa a um medicamento específico;

c)      Uma decisão da Agência concedendo uma isenção por classe nos termos do artigo 11.°;

d)      Uma decisão da Agência concedendo um diferimento.

Para efeitos da alínea a), deve também incluir‑se no pedido a decisão da Agência de aprovação do plano de investigação pediátrica em causa.

[...]

Artigo 11.°

1.      No que diz respeito a determinados medicamentos ou classes de medicamentos, a apresentação da informação referida na alínea a) do n.° 1 do artigo 7.° não é exigida se houver provas de uma das seguintes situações:

[...]

b)      A doença ou patologia a que o medicamento ou classe de medicamentos em questão se destina ocorre apenas na população adulta;

[...]

2.      A isenção concedida nos termos do n.° 1 pode dizer respeito apenas a um ou mais subgrupos específicos da população pediátrica, apenas a uma ou mais indicações terapêuticas específicas ou a uma combinação de ambas as situações.

[...]

Artigo 13.°

1.      Com base nos motivos previstos no n.° 1 do artigo 11.°, o requerente pode solicitar à Agência a concessão de uma isenção relativamente a um medicamento específico.

[...]

Artigo 15.°

1.      Se pretender apresentar um pedido de autorização de introdução no mercado nos termos das alíneas a) ou d) do n.° 1 do artigo 7.°, do artigo 8.° ou do artigo 30.°, o requerente deve elaborar e apresentar à Agência um plano de investigação pediátrica, acompanhado do pedido de aprovação.

2.      O plano de investigação pediátrica deve precisar o calendário e as medidas propostas para avaliar a qualidade, a segurança e a eficácia do medicamento em todos os subgrupos destinatários da população pediátrica. Além disso, deve descrever quaisquer medidas de adaptação da formulação de um medicamento para que a sua utilização seja mais aceitável, fácil, segura ou eficaz para os diversos subgrupos da população pediátrica.

Artigo 16.°

1.      No caso dos pedidos de autorização de introdução no mercado previstos nos artigos 7.° e 8.°, ou dos pedidos de isenção previstos nos artigos 11.° e 12.°, o plano de investigação pediátrica ou o pedido de isenção[…] deve, salvo em casos devidamente justificados, ser apresentado juntamente com o pedido de aprovação, o mais tardar aquando da conclusão dos estudos farmacocinéticos realizados com adultos, tal como estabelecido no ponto 5.2.3. da [p]arte I do anexo I à Directiva 2001/83/CE, a fim de garantir a emissão de um parecer sobre o uso do medicamento em questão na população pediátrica no momento da avaliação da autorização de introdução no mercado ou de qualquer outro pedido em causa.

[...]»

 Antecedentes do litígio

4        A recorrente, Nycomed Danmark ApS, elaborou um agente de imagem ultra sónica para ecocardiografia (perflubutane) para comercialização sob a marca Imagify (a seguir «agente Imagify»).

5        Em 3 de Março de 2008, a recorrente, com base no artigo 11.°, n.° 1, alínea b), e no artigo 13.°, n.° 1, do Regulamento n.° 1901/2006, pediu à Agência Europeia de Medicamentos (EMA) para beneficiar, no respeitante ao agente Imagify, de uma isenção da obrigação de apresentar os resultados de um plano de investigação pediátrica. Em apoio do seu pedido, indicou que esse agente de imagem ultra sónica tinha por finalidade o diagnóstico de doenças das artérias coronárias unicamente existentes na população adulta. Admitindo que os processos fisiopatológicos que levam ao desenvolvimento de doenças das artérias coronárias começam logo na pequena infância, alega que, na criança, essas doenças têm apenas o carácter de patologias incipientes e, no essencial, apenas respeitam a indivíduos que sofram de hipercolesterolemia ou de diabetes «mellitus» de tipo 1. Salientou ainda que, mesmo nessas duas populações de pacientes pediátricos de alto risco, os sinais e sintomas clínicos, tais como dores no peito, falta de ar ou ainda a angina de peito e o enfarte do miocárdio, não surgem antes do início da idade adulta.

6        Segundo o pedido da recorrente, no âmbito dos ensaios clínicos, a eficácia e a segurança do agente Imagify foram comparadas à dos métodos actualmente utilizados no diagnóstico das doenças das artérias coronárias. Segundo esse mesmo pedido, a vantagem da técnica de diagnóstico aplicada na utilização do agente Imagify prende‑se com o facto de não implicar qualquer exposição às radiações, sendo, portanto, relativamente inofensiva.

7        Em 8 de Maio de 2008, o comité pediátrico da EMA (a seguir «comité pediátrico»), num parecer preliminar, pediu à recorrente que alterasse o seu pedido de isenção para abordar a questão do potencial benefício do agente Imagify na ecocardiografia pediátrica. Em 10 de Julho de 2008, a recorrente indicou que não tinha a intenção de proceder à alteração pedida.

8        Após uma reunião com a recorrente, o comité pediátrico deu um primeiro parecer em 19 de Setembro de 2008 (a seguir «primeiro parecer»). Recomendou à EMA que recusasse a isenção pedida, entendendo que a recorrente tinha erradamente restringido o alcance do seu pedido de isenção ao diagnóstico das doenças das artérias coronárias, apesar de o agente de imagem ultra sónica em causa ser também susceptível de utilização no diagnóstico de outras doenças.

9        Por carta de 20 de Outubro de 2008, a recorrente apresentou um pedido fundamentado no sentido de o comité pediátrico dar novo parecer. Nesse pedido, salientou, por um lado, que cabe ao requerente definir o alcance da indicação do medicamento objecto do pedido de autorização de introdução no mercado e, por outro, que o comité pediátrico não tinha o poder de exigir uma alteração a esse pedido.

10      Em 3 de Novembro de 2008, a recorrente foi notificada de um projecto de novo parecer desfavorável do comité pediátrico. Depois de recordar que o agente de imagem ultra sónica elaborado pela recorrente era concebido para identificar as anomalias da perfusão do miocárdio, o comité pediátrico indicou, em especial, que essas anomalias podiam ainda ser provocadas por doenças existentes nas crianças. Nesse projecto de parecer, o comité pediátrico propôs à recorrente que, nomeadamente, apresentasse, de acordo com os artigos 20.° e 21.° do Regulamento n.° 1901/2006, um pedido de diferimento do início ou da conclusão das medidas constantes do plano de investigação pediátrica previsto no artigo 15.° do dito regulamento.

11      Por carta de 6 de Novembro de 2008, a recorrente contestou essa apreciação do comité pediátrico. Em 14 de Novembro de 2008, este último adoptou a versão definitiva do seu segundo parecer (a seguir «segundo parecer»). Aí se pronunciou contra a concessão de uma isenção. Por carta de 19 de Novembro de 2008, a recorrente convidou a EMA a reconsiderar esse parecer.

12      Em 28 de Novembro de 2008, a EMA indeferiu o pedido da recorrente no sentido de lhe ser concedida a isenção pedida (a seguir «decisão impugnada»). Essa decisão remete para o segundo parecer do comité pediátrico em anexo. Por seu turno, o segundo parecer refere o relatório de síntese em anexo. Esse relatório, por sua vez, contém duas partes, a primeira das quais corresponde ao primeiro parecer (v. n.° 8 supra), sendo a segunda dedicada ao reexame desse primeiro parecer.

13      A decisão impugnada foi notificada à recorrente em 2 de Dezembro de 2008.

 Tramitação processual e pedidos das partes

14      Por petição apresentada na Secretaria do Tribunal Geral em 11 de Fevereiro de 2009, a recorrente interpôs o presente recurso.

15      Por requerimento separado apresentado na Secretaria do Tribunal Geral no mesmo dia, a recorrente pediu, por um lado, a suspensão da execução da decisão impugnada e, por outro, a adopção de medidas provisórias.

16      Por requerimento separado apresentado na Secretaria do Tribunal Geral em 18 de Fevereiro de 2009, a recorrente, com base no artigo 76.°‑A do Regulamento de Processo do Tribunal Geral, apresentou um pedido de tramitação acelerada, que foi indeferido por decisão do Tribunal Geral (Quinta Secção) de 1 de Abril de 2009.

17      Por despacho do presidente do Tribunal Geral de 24 de Abril de 2009, o pedido de medidas provisórias apresentado pelo recorrente foi indeferido, reservando‑se para final a decisão quanto às despesas.

18      Por requerimento apresentado na Secretaria do Tribunal Geral em 13 de Maio de 2009, a República Portuguesa pediu para intervir no presente processo, em apoio dos pedidos da EMA.

19      Por requerimentos apresentados na Secretaria do Tribunal Geral em 15 de Maio de 2009, o Reino da Bélgica e o Reino Unido da Grã‑Bretanha e da Irlanda do Norte pediram para intervir no presente processo em apoio dos pedidos da EMA.

20      Por requerimentos separados apresentados na Secretaria do Tribunal Geral, respectivamente, em 19 e 20 de Maio de 2009, a República Francesa e a Comissão das Comunidades Europeias pediram para intervir no presente processo em apoio dos pedidos da EMA.

21      Os pedidos de intervenção foram notificados às partes nos termos do artigo 116.°, n.° 1, do Regulamento de Processo.

22      Por despacho de 9 de Julho de 2009, o presidente da Quinta Secção do Tribunal Geral admitiu a intervenção da República Portuguesa em apoio dos pedidos da EMA. A República Portuguesa apresentou as suas alegações de intervenção em 27 de Julho de 2009.

23      Por despacho de 2 de Setembro de 2009, o presidente da Quinta Secção do Tribunal Geral admitiu a intervenção do Reino da Bélgica, do Reino Unido, da República Francesa e da Comissão em apoio dos pedidos da EMA. O Reino Unido apresentou as suas alegações de intervenção em 18 de Novembro de 2009. O Reino da Bélgica, a República Francesa e a Comissão apresentaram as suas alegações de intervenção em 19 de Novembro de 2009.

24      A recorrente apresentou as suas observações sobre as alegações de intervenção em 22 de Março de 2010.

25      Por requerimentos separados, apresentados na Secretaria do Tribunal Geral em 22 de Junho e 22 de Julho de 2009, a recorrente requereu nomeadamente o tratamento confidencial de certos pontos da petição, da contestação da EMA e da réplica, relativamente a todos os intervenientes.

26      Por carta apresentada na Secretaria do Tribunal Geral em 25 de Setembro de 2009, o Reino Unido emitiu objecções a esses pedidos de tratamento confidencial.

27      Por despacho de 26 de Março de 2010, o presidente da Quinta Secção do Tribunal Geral indeferiu os pedidos de tratamento confidencial na medida em que eram contestados pelo Reino Unido.

28      Tendo a composição das Secções do Tribunal Geral sido alteradas, o juiz‑relator inicialmente designado foi afectado à Terceira Secção, à qual o presente processo foi, por conseguinte, distribuído. Na sequência da renovação parcial da composição do Tribunal Geral, o processo foi atribuído a um novo juiz‑relator da mesma Secção.

29      Foram ouvidas as alegações das partes e as suas respostas às perguntas colocadas pelo Tribunal Geral na audiência de 12 de Julho de 2011.

30      A recorrente conclui pedindo que o Tribunal se digne:

–        anular a decisão impugnada;

–        condenar a EMA nas despesas.

31      A EMA, apoiada pela República Portuguesa, pelo Reino da Bélgica, pelo Reino Unido, pela República Francesa e pela Comissão, conclui pedindo que o Tribunal se digne:

–        julgar improcedente o recurso;

–        condenar a recorrente nas despesas.

 Quanto ao mérito

32      A recorrente invoca dois fundamentos de recurso. O primeiro fundamento é relativo a uma interpretação errada do conceito de «doença ou patologia a que o medicamento [...] se destina», empregado no artigo 11.°, n.° 1, alínea b), do Regulamento n.° 1901/2006. O segundo fundamento é relativo à existência de desvio de poder.

 Quanto ao primeiro fundamento, relativo a uma interpretação errada do conceito de «doença ou patologia a que o medicamento [...] se destina», empregado no artigo 11.°, n.° 1, alínea b), do Regulamento n.° 1901/2006

33      Refira‑se que o artigo 11.°, n.° 1, alínea b), do Regulamento n.° 1901/2006, cuja interpretação proposta pela EMA é contestada pela recorrente, se insere num quadro jurídico definido principalmente por três actos normativos.

34      Em primeiro lugar, a Directiva 2001/83 codificou e fundiu num único texto as directivas de aproximação das disposições legislativas, regulamentares e administrativas relativas aos medicamentos para uso humano.

35      Segundo o artigo 1.°, n.° 2, alínea a), da Directiva 2001/83, conforme alterado pela Directiva 2004/27, é um medicamento «toda a substância ou composição apresentada como possuindo propriedades curativas ou preventivas relativas a doenças humanas». Segundo o artigo 1.°, n.° 2, alínea b), é também considerada medicamento «toda a substância ou associação de substâncias que possa ser utilizada ou administrada em seres humanos com vista a estabelecer um diagnóstico médico ou a restaurar, corrigir ou modificar funções fisiológicas ao exercer uma acção farmacológica, imunológica ou metabólica, ou a estabelecer um diagnóstico médico». Um produto é um medicamento se for abrangido por qualquer destas definições, que, segundo jurisprudência assente, são de interpretação lata (v. acórdão do Tribunal de Justiça de 20 de Setembro de 2007, Antroposana e o., C‑84/06, Colect., p. I‑7609, n.° 31 e jurisprudência aí referida).

36      Nos termos do artigo 6.°, n.° 1, da Directiva 2001/83, nenhum medicamento pode ser introduzido no mercado num Estado‑Membro sem que para tal tenha sido emitida pela autoridade competente desse Estado‑Membro uma autorização de introdução no mercado, nos termos dessa directiva, ou sem que tenha sido concedida uma autorização nos termos do Regulamento n.° 726/2004, em conjugação com o Regulamento n.° 1901/2006.

37      Em segundo lugar, o Regulamento n.° 726/2004 prevê, em particular, um procedimento centralizado de autorização de introdução no mercado na União Europeia, aplicável, nomeadamente, aos medicamentos mencionados no seu anexo e aos que contenham uma nova substância activa não autorizada na União. A autorização de introdução no mercado é passada pela Comissão, após parecer do Comité dos Medicamentos para Uso Humano integrado na EMA. Segundo esse procedimento, o pedido de autorização de introdução no mercado é dirigido à EMA, a quem cabe coordenar a avaliação científica da qualidade, da segurança e da eficácia do medicamento em causa.

38      Em terceiro lugar, o Regulamento n.° 1901/2006 define regras especiais sobre os medicamentos para uso pediátrico.

39      À data da sua publicação, mais de 50% dos medicamentos administrados às crianças na Europa não tinham beneficiado de uma autorização nesta acepção nem tinham sido sujeitos a ensaios adequados [v. parecer do Comité Económico e Social Europeu sobre a «Proposta de Regulamento do Parlamento Europeu e do Conselho relativa a medicamentos para uso pediátrico e que altera o Regulamento (CEE) n.° 1768/92, a Directiva 2001/83 e o Regulamento n.° 726/2004» (JO 2005, C 267, p. 1, ponto 2.1)].

40      Ora, nos termos do considerando 3 do Regulamento n.° 1901/2006, entre os problemas decorrentes da inexistência de medicamentos devidamente adaptados ao uso pediátrico figuram a informação inadequada relativa à dosagem que contribui para aumentar o risco de reacções adversas, incluindo a morte, o tratamento ineficaz em virtude da subdosagem, a indisponibilidade para a população pediátrica dos progressos terapêuticos e de fórmulas e vias de administração adequadas, bem como o recurso a fórmulas magistrais ou fórmulas oficinais, que se poderão revelar de baixa qualidade.

41      O considerando 2 do Regulamento n.° 1901/2006 indica que, por si só, as forças de mercado se revelaram insuficientes para incentivar a investigação, o desenvolvimento e a autorização adequados de medicamentos para uso pediátrico.

42      Neste contexto, como resulta do seu considerando 4, o Regulamento n.° 1901/2006 tem por objectivo, em primeiro lugar, facilitar o desenvolvimento e o acesso a medicamentos para uso pediátrico, em segundo lugar, garantir que esses medicamentos sejam objecto de uma investigação de elevada qualidade que tenha em conta os princípios éticos e estejam adequadamente autorizados para uso pediátrico e, em terceiro lugar, melhorar a informação disponível sobre o uso de medicamentos nos diferentes grupos da população pediátrica. Esse mesmo considerando refere que esses objectivos deverão ser alcançados sem que se submetam as crianças a ensaios clínicos desnecessários e sem atrasar a autorização de medicamentos para outras faixas etárias da população.

43      Para concretizar esses objectivos, o Regulamento n.° 1901/2006 prevê um mecanismo para obrigar as empresas farmacêuticas a preverem sistematicamente a possibilidade de uso pediátrico dos medicamentos que desenvolvem.

44      O elemento central desse mecanismo é o plano de investigação pediátrica, definido no artigo 2.°, n.° 2, do Regulamento n.° 1901/2006.

45      Nos termos do artigo 7.°, n.° 1, alínea a), do Regulamento n.° 1901/2006, todo o pedido de autorização de introdução de um medicamento no mercado deve, em princípio, incluir os resultados de todos os estudos realizados e os pormenores de toda a informação recolhida em conformidade com um plano de investigação pediátrica aprovado. Assim, o requerente que tenha a intenção de apresentar um pedido de autorização de introdução no mercado de um medicamento tem a obrigação de elaborar um plano de investigação pediátrica e de o apresentar à EMA para aprovação, de acordo com o artigo 15.°, n.° 1, do Regulamento n.° 1901/2006.

46      A fim de evitar que esse mecanismo entrave a investigação e o desenvolvimento de novos medicamentos, o Regulamento n.° 1901/2006 prevê nomeadamente um sistema de isenções a essa obrigação, incluindo a isenção controvertida prevista no artigo 11.°, n.° 1, alínea b), do Regulamento n.° 1901/2006.

47      De acordo com esse artigo, pode existir uma excepção à obrigação de apresentar as informações previstas no artigo 7.°, n.° 1, alínea a), no caso de medicamentos específicos ou de certas classes de medicamentos, se se demonstrar que a doença ou patologia para cujo tratamento se destina esse medicamento ou classe de medicamentos só existe nas populações adultas. Com efeito, seria ilógico exigir um plano de investigação pediátrica para um medicamento destinado unicamente a doenças ou patologias que nunca surgem na população pediátrica.

48      É à luz destas considerações que se deve proceder ao exame da argumentação da recorrente segundo a qual, ao adoptar a decisão impugnada, a EMA se baseou numa interpretação errada do conceito de «doença ou patologia a que o medicamento [...] se destina», empregado no artigo 11.°, n.° 1, alínea b), do Regulamento n.° 1901/2006.

49      A título preliminar, há que recordar que resulta da definição do termo «medicamento», que figura no artigo 1.°, n.° 2, alínea b), da Directiva 2001/83, que esse termo designa, nomeadamente, uma substância ou associação de substâncias que possa ser utilizada ou administrada em seres humanos com vista a estabelecer um diagnóstico médico. A esse respeito, há que ter em conta que o diagnóstico constitui, como aliás resulta de toda a argumentação da recorrente, a identificação de uma ou mais doenças ou patologias de acordo com os seus sinais.

50      É certo que o Regulamento n.° 1901/2006 não faz nenhuma distinção entre os medicamentos e que, por conseguinte e como acertadamente alega a recorrente, os medicamentos destinados a diagnóstico estão sujeitos às mesmas condições que qualquer outro medicamento no que respeita à obtenção de uma isenção da obrigação de apresentação de um plano de investigação pediátrica. Não é menos certo, contudo, que, por sua natureza, os medicamentos destinados a diagnóstico diferem dos medicamentos com finalidades terapêuticas. Com efeito, só indirectamente servem para tratamento de uma doença ou de uma patologia, uma vez que o seu objectivo imediato é a detecção dos sinais de uma doença ou de uma patologia.

51      Tendo em conta esta particularidade dos medicamentos com finalidade de diagnóstico, há que considerar que, quando a isenção prevista no artigo 11.°, n.° 1, alínea b), do Regulamento n.° 1901/2006 se dirige, como no caso, a um medicamento como esse, deve ser concedida se se demonstrar que a doença ou a patologia a cujo diagnóstico se destina o medicamento ou a classe de medicamentos em causa só ocorre na população adulta.

52      Lida assim, a disposição em causa coloca a questão da identificação da doença ou da patologia a cujo diagnóstico «se destina» o medicamento ou a classe de medicamentos em causa. Mais em particular, trata‑se de determinar se o destino de um medicamento deve ser apreciado objectivamente, depois de se terem tido em conta unicamente as propriedades desse medicamento, ou se corresponde à indicação de diagnóstico definida pelo promotor desse medicamento, tendo, assim, carácter subjectivo.

53      No primeiro caso, um medicamento de finalidade de diagnóstico deverá ser considerado destinado ao diagnóstico de qualquer doença ou patologia associada a um sinal que é susceptível de detectar. No segundo caso, a indicação definida pelo promotor do medicamento é vinculativa; um medicamento não pode ser considerado destinado ao diagnóstico de doenças ou de patologias diferentes daquelas que correspondem à indicação escolhida pelo seu promotor.

54      Não se pode deixar de observar, como resulta dos seus fundamentos, que a decisão impugnada assenta na primeira interpretação da disposição em causa.

55      A esse respeito, refira‑se que a decisão impugnada não contém fundamentação autónoma, mas remete para o segundo parecer em anexo, nos termos do artigo 25.°, n.° 5, segundo período, do Regulamento n.° 1901/2006. A fundamentação desse parecer figura no relatório de síntese em anexo (v., também, n.° 12 supra). Ao remeter para o segundo parecer, a decisão impugnada faz manifestamente seus os fundamentos desse parecer. Por conseguinte, há que concluir que os fundamentos da decisão impugnada correspondem aos do relatório de síntese.

56      Esse relatório assume a forma de apresentação das teses do coordenador pediátrico da EMA, do relator e do supervisor do comité pediátrico, com os quais os outros membros desse comité estiveram de acordo. Assim, na parte do relatório dedicada ao reexame do primeiro parecer, o coordenador pediátrico referiu o seguinte: «[a] ecocardiografia realizada com o [agente Imagify] é proposta pelo requerente como um método destinado a revelar as anomalias da perfusão do miocárdio. As causas possíveis dessas anomalias podem residir em diversas doenças cardíacas que existem tanto nas crianças como nos adultos. Entre essas anomalias, encontra‑se não só a aterosclerose coronária mas também anomalias cardíacas congénitas, anomalias coronárias, cardiomiopatias, problemas coronários subsequentes a uma intervenção cirúrgica por anomalias cardíacas congénitas e problemas coronários adquiridos na sequência de uma vascularidade como a síndroma de Kawasaki. Seguramente que o objectivo estratégico do requerente é obter uma autorização de introdução no mercado para a indicação específica do diagnóstico das doenças das artérias coronárias no adulto unicamente, sem dúvida por se tratar da causa mais frequente de anomalias de perfusão do miocárdio no adulto. Visto que as anomalias da perfusão do miocárdio existem efectivamente na população pediátrica, o regulamento não permite conceder uma isenção com o fundamento de que uma das patologias subjacentes, a saber, as doenças das artérias coronárias, não existe na criança». O relator do comité pediátrico aprovou esse entendimento, referindo o seguinte: «[s]e o produto for benéfico para os adultos como alega o requerente, mais tarde ou mais cedo será aplicado em pediatria. Com efeito, um certo número de pacientes com problemas de perfusão do miocárdio poderão beneficiar desta técnica e assim evitar técnicas mais invasivas.» O supervisor, por seu turno, referiu, em conclusão, que «o produto é um meio de diagnóstico para avaliar a perfusão do miocárdio e pode ser utilizado na criança para esse fim. Não é adequado conceder uma isenção».

57      Resulta, assim, do segundo parecer que o comité pediátrico considerou que o agente Imagify visava detectar anomalias da perfusão do miocárdio. Ora, essas anomalias não constituem unicamente um sinal da possibilidade de doenças das artérias coronárias mas também um sinal de outras doenças ou patologias, algumas das quais se manifestam na população pediátrica. Tendo seguido a primeira das interpretações acima referidas no n.° 52, o comité pediátrico concluiu que o pedido de isenção apresentado pela recorrente devia ser indeferido.

58      A este respeito, há que rejeitar a tese apresentada nas alegações de intervenção do Reino Unido, segundo a qual o comité pediátrico rejeitou o pedido de isenção pelo facto de as doenças das artérias coronárias, embora raras, não serem inexistentes nas crianças. Embora esse facto seja efectivamente mencionado de forma incidental no relatório de síntese, resulta da leitura global desse relatório que o segundo parecer e, por conseguinte, a decisão impugnada se baseiam nos fundamentos mencionados no número anterior.

59      Também não se pode aceitar a tese da recorrente de que a decisão impugnada se baseia no fundamento errado de que as anomalias da perfusão do miocárdio constituem uma patologia, na acepção do artigo 11.°, n.° 1, alínea b), do Regulamento n.° 1901/2006, susceptível de ocorrer nas crianças, apesar de constituírem, na realidade, um sinal comum a diversas doenças.

60      É certo que o relatório de síntese utiliza por vezes o termo «patologia» para designar as anomalias da perfusão do miocárdio. Contudo, em face dos excertos do relatório de síntese acima referidos no n.° 56, é manifesto que o comité pediátrico e, por conseguinte, a EMA, ao adoptar a decisão impugnada, estavam bem conscientes de que as anomalias da perfusão do miocárdio constituem um sinal comum a várias doenças e não uma patologia autónoma, na acepção da referida disposição. Isso está suficientemente demonstrado, em primeiro lugar, pela afirmação do supervisor de que «um certo número de patologias na criança se traduzem em anomalias da perfusão do miocárdio» e, em segundo lugar, pela referência feita pelo relator à «[...] patologia ligada aos problemas de perfusão do miocárdio [...]». Daqui resulta que a decisão impugnada assenta no fundamento acima indicado no n.° 57 e não no fundamento referido pela recorrente na sua argumentação exposta no número anterior.

61      Apesar de, como já se referiu, a decisão impugnada se basear na primeira das interpretações do artigo 11.°, n.° 1, alínea b), do Regulamento n.° 1901/2006 acima referidas no n.° 52, a recorrente pugna pela segunda dessas interpretações e assim critica a EMA por ter baseado a sua decisão numa interpretação errada da disposição aplicável. Mais especificamente, a recorrente alega que o artigo 11.°, n.° 1, alínea b), do Regulamento n.° 1901/2006 deve ser interpretado à luz do artigo 2.°, n.° 2, e dos artigos 7.°, 8.° e 15.° do mesmo regulamento. Resulta da leitura conjugada dessas disposições que o plano de investigação pediátrica está ligado à indicação terapêutica mencionada no pedido de isenção.

62      Para efeitos de análise dessa argumentação, em primeiro lugar, há que observar que o artigo 11.°, n.° 1, alínea b), do Regulamento n.° 1901/2006 se refere à doença ou à patologia a cujo tratamento (ou ao diagnóstico no caso dos medicamentos com finalidade de diagnóstico) o medicamento «se destina», sem que seja mencionado o termo «indicação». Esta diferença de terminologia aponta no sentido contrário à interpretação defendida pela recorrente, tanto mais que o termo «indicação» é empregado noutros contextos pelo mesmo regulamento, como, nomeadamente, no caso do seu artigo 11.°, n.° 2.

63      Em segundo lugar, numa abordagem teleológica, refira‑se que a tese da recorrente, a ser seguida, daria às empresas farmacêuticas a possibilidade de contornarem facilmente as obrigações que lhes são impostas pelo Regulamento n.° 1901/2006. Com efeito, para beneficiarem de uma isenção dessas obrigações, bastar‑lhes‑ia restringir suficientemente o âmbito da indicação dos medicamentos que produzem. Em particular, uma empresa que tivesse concebido um medicamento que permitisse detectar um sinal de doenças que simultaneamente afectassem as populações adulta e pediátrica só teria de propor uma indicação cujo âmbito excluísse a população pediátrica para beneficiar, de certa forma, de uma isenção. Ora, nessa eventualidade, não se poria fim à falta de medicamentos, pelo menos com finalidade de diagnóstico, adaptados à população pediátrica, apesar de esse ser um dos objectivos prosseguidos pelo Regulamento n.° 1901/2006.

64      Em terceiro lugar, a interpretação seguida na decisão impugnada está em conformidade com o papel e com as competências atribuídas pelo Regulamento n.° 1901/2006 ao comité pediátrico. Com efeito, segundo o considerando 8 do dito regulamento, esse comité é o único órgão que dispõe dos «conhecimentos especializados e competência em matéria de desenvolvimento e avaliação de todos os aspectos dos medicamentos destinados ao tratamento da população pediátrica». Por outro lado, nos termos do artigo 6.°, n.° 2, segundo período, do mesmo regulamento, o comité pediátrico tomará em consideração qualquer informação de que disponha, o que vai novamente contra a tese de que se deve basear exclusivamente na indicação mencionada no pedido de isenção.

65      Em quarto lugar, há que salientar que a interpretação seguida na decisão impugnada em nada significa que a indicação feita pelo promotor de um medicamento no seu pedido de isenção da obrigação de apresentação de um plano de investigação pediátrica não será tida em conta pelo comité pediátrico e, em definitivo, pela EMA na análise desse pedido. Pelo contrário, essa indicação constituirá necessariamente o ponto de partida da avaliação do comité pediátrico.

66      Assim, a isenção pedida será concedida se o comité pediátrico verificar que o medicamento em causa permite o diagnóstico de um sinal imputável unicamente a doenças ou patologias que apresentem a dupla característica de, por um lado, estarem abrangidas pela indicação proposta pelo requerente e, por outro, só existirem na população adulta.

67      Contudo, ao invés da interpretação da disposição em causa defendida pela recorrente, a interpretação adoptada na decisão impugnada permite ao comité pediátrico considerar, por meio de parecer fundamentado e baseado em dados objectivos cientificamente justificados, que o medicamento com finalidade de diagnóstico em causa permite detectar um sinal susceptível de ser associado não apenas às doenças ou às patologias referidas na indicação proposta pelo promotor mas também a outras doenças ou patologias que existam, nomeadamente, na população pediátrica. Nesse caso, a EMA tem de indeferir o pedido de isenção, a menos que o requerente consiga, no procedimento administrativo instituído pelo Regulamento n.° 1901/2006, refutar essa tese, demonstrando ao comité pediátrico, com base em dados objectivos, que o medicamento em causa permite unicamente detectar sinais imputáveis a doenças ou a patologias que só existem na população adulta.

68      Em quinto lugar, refira‑se que os outros argumentos da recorrente em apoio da sua tese não convencem.

69      Em primeiro lugar, a recorrente alega que não cabe à EMA alargar a indicação terapêutica prevista pelo requerente de uma isenção. Considera que a indicação mencionada no pedido de autorização de introdução no mercado pode perfeitamente ser compatível com a prevista no plano de investigação pediátrica. De resto, a autoridade que confere a autorização de introdução no mercado nunca, ou só em circunstâncias muito especiais, alargaria a indicação proposta pelo requerente. Com efeito, a indicação aprovada deve assentar nos dados fornecidos pelo requerente, que são específicos da população a que se destina.

70      Impõe‑se observar que esta argumentação da recorrente procede de uma confusão entre, por um lado, a indicação referida pelo promotor de um medicamento no seu pedido de isenção da obrigação de apresentar um plano de investigação pediátrica e, por outro, a indicação que será posteriormente referida por esse promotor no pedido de autorização de introdução desse medicamento no mercado. A recorrente não tem, portanto, em conta a circunstância de o pedido de isenção ser apresentado numa fase precoce do procedimento que, no final, conduzirá, se for esse o caso, à obtenção de uma autorização de introdução no mercado.

71      A este respeito, refira‑se que, segundo os artigos 8.°, n.° 3, alínea e), e 11.° da Directiva 2001/83, igualmente aplicáveis aos pedidos de autorização de introdução no mercado previstos no artigo 6.° do Regulamento n.° 726/2004, esses pedidos devem fazer referência à indicação (terapêutica ou diagnóstico) para a qual é pedida a autorização de introdução no mercado. De acordo com o artigo 13.°, n.° 1, segundo parágrafo, do Regulamento n.° 726/2004, em conjugação com o artigo 21.°, n.° 1, da Directiva 2001/83, a concessão de uma autorização de introdução no mercado implica a aprovação do resumo das características do produto, o qual, segundo o artigo 11.°, ponto 4.1, da Directiva 2001/83, menciona a indicação do produto. Do mesmo modo, o artigo 26.°, n.° 1, da Directiva 2001/83 refere que a autorização de introdução no mercado é recusada quando se verificar, nomeadamente, que a relação benefício/risco não é favorável. Essa relação definida pelo artigo 1.°, n.os 28 e 28‑A da mesma directiva é, evidentemente, avaliada à luz, nomeadamente, das indicações para as quais a autorização de introdução no mercado é pedida.

72      Daqui resulta que a indicação (terapêutica ou diagnóstico) de um medicamento, escolhida pelo seu promotor, é determinante, tanto no que respeita à definição do alcance dos ensaios farmacêuticos, pré‑clínicos e clínicos que devam ser levados a cabo para a obtenção de uma autorização de introdução no mercado como no que respeita à determinação dos direitos conferidos por essa autorização, uma vez concedida.

73      Ora, mesmo que a aprovação de um plano de investigação pediátrica, na acepção do Regulamento n.° 1901/2006, ou a obtenção de uma isenção da obrigação de apresentar esse plano constituísse um pressuposto necessário à apresentação de um pedido de autorização de introdução de um dado medicamento no mercado, não é menos certo que essa aprovação ou isenção está sujeita a regras específicas de procedimento e de tratamento substantivo. De resto, intervém muito antes do início do procedimento de autorização de introdução no mercado.

74      Com efeito, nos termos do artigo 16.°, n.° 1, do Regulamento n.° 1901/2006, o plano de investigação pediátrica ou o pedido de isenção da obrigação de apresentar esse plano deve ser apresentado numa fase pouco avançada do desenvolvimento do produto e, de qualquer forma, antes da apresentação do pedido de autorização de introdução no mercado.

75      Além disso, embora seja verdade que, como assinala a recorrente, o formulário normalizado a utilizar, nomeadamente, no pedido de aprovação de um plano de investigação pediátrica ou de uma isenção da obrigação de apresentar esse plano, prevê a menção da indicação (terapêutica ou diagnóstico) do medicamento em causa, essa indicação servirá unicamente para o comité pediátrico e, em definitivo, a EMA analisarem o bem‑fundado desse pedido e, como já se referiu (n.° 65 supra), mais não constituirá que o ponto de partida dessa análise.

76      Por conseguinte, essa indicação não pode ser confundida com a que, no momento próprio, será mencionada pelo promotor do medicamento em causa no seu pedido de autorização de introdução no mercado. Nenhuma disposição do Regulamento n.° 1901/2006 autoriza o comité pediátrico a determinar, em sede de análise de um pedido de isenção da obrigação de apresentar um plano de investigação pediátrica, a indicação a constar da autorização de introdução no mercado desse medicamento. Assim, a indicação referida no pedido de isenção não prejudica aquela pela qual o interessado pedirá posteriormente uma autorização de introdução no mercado.

77      Por outro lado, se, em caso de indeferimento do pedido de isenção, os estudos previstos no plano de investigação pediátrica forem realizados e justificarem que o âmbito da indicação de um medicamento inicialmente previsto seja alargado à população pediátrica, nada impede o promotor desse medicamento de, na apresentação do seu pedido de autorização de introdução no mercado, alargar por si próprio nesse sentido a indicação do seu medicamento, ainda mais quando esse alargamento se revelar concordante com o seu interesse comercial.

78      Isto não é posto em causa pela referência da recorrente à Comunicação da Comissão – Linhas directrizes sobre o formato e o conteúdo dos pedidos de aprovação ou alteração de um plano de investigação pediátrica e dos pedidos de isenção ou de diferimento, bem como sobre as modalidades de verificação da conformidade e os critérios de avaliação de estudos significativos (JO 2008, C 243, p. 1).

79      A recorrente refere, mais em particular, os primeiros números dos pontos 2.3, 2.3.1 e 2.3.2 dessa comunicação, que mencionam, todos, o termo «indicação». Ora, nada nesses números aponta no sentido de que a indicação (terapêutica ou diagnóstico) mencionada na fase do pedido de isenção da obrigação de apresentar um plano de investigação pediátrica deva ser a mesma que irá constar do pedido de autorização de introdução no mercado. Pelo contrário, a mesma comunicação distingue, na parte 1 «Introdução», por um lado, respectivamente, alíneas c) e b), a indicação terapêutica proposta e tida em conta no plano de investigação pediátrica e, por outro, alínea d), a indicação terapêutica concedida, que consta da autorização de introdução no mercado.

80      Por último, a recorrente sustenta que o plano de investigação pediátrica deve ser considerado acessório relativamente à série de estudos exigidos pelo artigo 8.°, n.° 3, alínea i), da Directiva 2001/83. Acrescenta que os estudos e ensaios efectuados por si ou por sua conta para a obtenção de uma autorização de introdução no mercado respeitam exclusivamente às indicações para as quais o produto foi desenvolvido.

81      Ora, basta observar a este respeito que o argumento da alegada acessoriedade do plano de investigação pediátrica não se baseia em nenhuma disposição do Regulamento n.° 1901/2006 e que, de qualquer forma, à luz da redacção do artigo 15.°, n.° 2, deste regulamento, de modo nenhum está excluída a possibilidade de esse plano prever a realização de estudos adicionais, para além dos previstos no artigo 8.°, n.° 3, alínea i), da Directiva 2001/83.

82      Em segundo lugar, a recorrente alega que a exposição de adultos a ensaios clínicos adicionais para que um produto possa ser administrado a crianças é contrária ao espírito das disposições do direito da União em matéria de medicamentos. Esses ensaios podem igualmente ser considerados contrários aos princípios enunciados na declaração de Helsínquia da Associação Médica Mundial de Junho de 1964, conforme alterada, referida no artigo 3.°, segundo parágrafo, da Directiva 2005/28/CE da Comissão, de 8 de Abril de 2005, que estabelece princípios e directrizes pormenorizadas de boas práticas clínicas no que respeita aos medicamentos experimentais para uso humano, bem como os requisitos aplicáveis às autorizações de fabrico ou de importação desses produtos (JΟ L 91, p. 13). Segundo essa disposição, «[o]s ensaios clínicos devem ser realizados em conformidade com os Princípios éticos aplicáveis à investigação médica em seres humanos». Entende ainda que esses ensaios constituiriam uma violação do considerando 4 do Regulamento n.° 1901/2006.

83      Não se pode deixar de observar que qualquer ensaio clínico previsto num plano de investigação pediátrica deve ser efectuado no respeito das disposições aplicáveis do direito da União, incluindo as disposições da Directiva 2005/28 supramencionada e da Directiva 2001/20/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 4 de Abril de 2001, relativa à aproximação das disposições legislativas, regulamentares e administrativas dos Estados‑Membros respeitantes à aplicação de boas práticas clínicas na condução dos ensaios clínicos de medicamentos para uso humano (JO L 121, p. 34), cujo artigo 4.° dispõe:

«Em complemento de quaisquer outras restrições relevantes, um ensaio clínico apenas pode ser realizado em menores, se:

[...]

e)      O ensaio clínico comportar benefícios directos para o grupo de pacientes e apenas quando a investigação for essencial para validar dados obtidos em ensaios clínicos realizados em pessoas capazes de dar o seu consentimento esclarecido ou através de outros métodos de investigação. Além disso, a investigação deve ter uma relação directa com uma condição clínica de que sofra o menor em causa ou ser de natureza tal que apenas pode ser realizada em menores;

[...]»

84      Ora, nada nessas directivas ou na declaração de Helsínquia, para a qual remete a primeira dessas directivas, suporta a tese da recorrente de que as regras éticas aplicáveis proíbem, em todos os casos, a exposição de adultos a ensaios clínicos unicamente para a obtenção de um benefício para as crianças. Do mesmo modo, o considerando 4 do Regulamento n.° 1901/2006 não contém, seja como for, nenhuma indicação capaz de apoiar essa tese.

85      Além disso, ao invés do que alega a recorrente, o artigo 4.°, alínea e), da Directiva 2001/20 não exige necessariamente que sejam primeiro efectuados ensaios clínicos em adultos para poderem seguidamente ser efectuados na população pediátrica. Com efeito, essa disposição prevê nomeadamente a possibilidade de efectuar esses ensaios na população pediátrica quando forem essenciais para validar dados obtidos por «outros métodos de investigação» diferentes dos realizados nos adultos.

86      Por último, embora admitindo que as anomalias da perfusão do miocárdio não constituem unicamente um sinal de doenças das artérias coronárias mas também um sinal de outras doenças ou patologias, a recorrente alega que essas anomalias se manifestam tão raramente na população pediátrica que não são susceptíveis de ser sujeitas a ensaios ou estudos estatisticamente fiáveis.

87      Contudo, mesmo que fosse esse o caso, não se pode deixar de observar que isso não tem influência na decisão do presente litígio. Com efeito, o mecanismo do plano de investigação pediátrica, instituído pelo Regulamento n.° 1901/2006, visa (com excepção das categorias de medicamentos taxativamente enumeradas no seu artigo 9.°) todos os medicamentos de uso pediátrico, tendo como objectivo facilitar o seu desenvolvimento e a sua acessibilidade. Ora, esse objectivo não poderia ser plenamente atingido se um medicamento fosse dispensado a priori do plano de investigação pediátrica unicamente pelo facto de permitir detectar sinais raros na população pediátrica e, por conseguinte, diagnosticar doenças raras nessa mesma população.

88      Em terceiro lugar, a recorrente considera que a interpretação do artigo 11.°, n.° 1, alínea b), do Regulamento n.° 1901/2006 que defende é a única que respeita os princípios gerais da liberdade de empresa, da proporcionalidade, da segurança jurídica e do Estado de Direito.

89      Quanto aos dois primeiros princípios evocados pela recorrente, há que recordar que o direito ao livre exercício de uma actividade profissional é reconhecidamente parte dos princípios gerais do direito comunitário (acórdãos do Tribunal de Justiça de 5 de Outubro de 1994, Alemanha/Conselho, C‑280/93, Colect., p. I‑4973, n.° 78, e do Tribunal Geral de 29 de Janeiro de 1998, Dubois et Fils/Conselho e Comissão, T‑113/96, Colect., p. II‑125, n.° 74). De resto, foi consagrado no artigo 16.° da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia, proclamada em 7 de Dezembro de 2000, em Nice (JO C 364, p. 1), à qual, desde a entrada em vigor do Tratado de Lisboa, em 1 de Dezembro de 2009, o artigo 6.°, n.° 1, primeiro parágrafo, TUE confere o mesmo valor jurídico dos Tratados. Contudo, é jurisprudência assente que podem ser introduzidas restrições, desde que respondam efectivamente a objectivos de interesse geral prosseguidos pela União e não constituam, à luz do objectivo prosseguido, uma intervenção desmesurada e intolerável que ponha em causa a própria essência do direito garantido (v., neste sentido, acórdãos do Tribunal de Justiça, Alemanha/Conselho, já referido, n.° 78; de 17 de Julho de 1997, Affish, C‑183/95, Colect., p. I‑4315, n.° 42; e Dubois et Fils/Conselho e Comissão, já referido, n.° 74). A importância dos objectivos prosseguidos pode justificar restrições com consequências negativas, mesmo consideráveis, para certos operadores económicos (v., neste sentido, acórdão do Tribunal de Justiça de 13 de Novembro de 1990, Fedesa e o., C‑331/88, Colect., p. I‑4023, n.° 17, e acórdão Affish, já referido, n.° 42).

90      Além disso, segundo jurisprudência assente, o princípio da proporcionalidade, que faz parte dos princípios gerais do direito da União, exige que os meios postos em prática por um acto da União sejam aptos a realizar o objectivo prosseguido e não vão além do necessário para o alcançar (v. acórdão do Tribunal de Justiça de 8 de Junho de 2010, Vodafone e o., C‑58/08, Colect., p. I‑4999, n.° 51, e de 9 de Novembro de 2010, Volker und Markus Schecke e Eifert, C‑92/09 e C‑93/09, ainda não publicado na Colectânea, n.° 74 e jurisprudência aí referida).

91      No caso, é certo que a interpretação dada ao artigo 11.°, n.° 1, alínea b), do Regulamento n.o 1901/2006 na decisão impugnada limita a possibilidade de obtenção de uma isenção da obrigação de apresentar um plano de investigação pediátrica, assim constituindo, em definitivo, uma restrição do direito de as empresas farmacêuticas exercerem livremente a sua actividade profissional.

92      Contudo, impõe‑se observar que a restrição desse direito, que visa assegurar um objectivo de interesse geral prosseguido pelo Regulamento n.o 1901/2006, a saber, a melhoria dos cuidados médicos da população pediátrica, deixa intacta a própria essência desse direito, uma vez que, com efeito, as possibilidades de obter uma autorização de introdução no mercado não são reduzidas a nada nem mesmo excessivamente diminuídas.

93      Além disso, como já acima se referiu no n.° 63, a interpretação do artigo 11.°, n.° 1, alínea b), do Regulamento n.o 1901/2006 defendida pela recorrente pode facilitar a possibilidade de contornar a obrigação de apresentar um plano de investigação pediátrica. Em contrapartida, a interpretação alternativa da disposição em causa, seguida na decisão impugnada, tem as condições para assegurar a realização do objectivo de interesse geral prosseguido por este regulamento. Nestas condições, na medida em que não existe qualquer outra alternativa menos restritiva, não se pode alegar que a interpretação dada à disposição em causa na decisão impugnada é contrária ao princípio da proporcionalidade.

94      Isto é ainda mais assim quando o artigo 20.°, n.° 1, do Regulamento n.o 1901/2006 prevê, em certas condições, a possibilidade de diferimento do início ou da conclusão de algumas ou de todas as medidas constantes de um plano de investigação pediátrica. Desse modo, não existe o risco de a obrigação de apresentar dados resultantes de estudos pediátricos efectuados no âmbito de um plano de investigação pediátrica ter o efeito de bloquear ou atrasar a autorização de medicamentos destinados a outras populações (v. considerando 14 do Regulamento n.o 1901/2006).

95      A prorrogação, prevista no artigo 36.°, n.° 1, do Regulamento n.o 1901/2006, da protecção, no âmbito da propriedade industrial, de um medicamento que tenha sido sujeito a um plano de investigação pediátrica constitui igualmente um fundamento apto a atenuar os inconvenientes resultantes, para a empresa em causa, da imposição da obrigação de realizar esse plano. Com efeito, essa disposição prevê que, sempre que um pedido nos termos dos artigos 7.° ou 8.° do Regulamento n.° 1901/2006 incluir os resultados de todos os estudos realizados em conformidade com um plano de investigação pediátrica aprovado, o titular da patente ou do certificado complementar de protecção tem direito a uma prorrogação de seis meses do período referido nos n.os 1 e 2 do artigo 13.° do Regulamento (CEE) n.° 1768/92 do Conselho, de 18 de Junho de 1992, relativo à criação de um certificado complementar de protecção para os medicamentos (JO L 182, p. 1).

96      Por último, as disposições do artigo 22.° do Regulamento n.° 1901/2006 também atenuam esses inconvenientes. Com efeito, dispõem que, se, na sequência da decisão de aprovação do plano de investigação pediátrica, o requerente se deparar com dificuldades de aplicação que inviabilizem a realização do plano ou o tornem inadequado, pode propor alterações ou solicitar um diferimento ou uma isenção ao comité pediátrico.

97      A recorrente alega que os princípios da segurança jurídica e do Estado de Direito que também invoca exigem que as empresas farmacêuticas saibam antecipadamente o que podem esperar quando pedem a aprovação de um plano de investigação pediátrica ou uma isenção, nos termos do artigo 11.°, n.° 1, alínea b), do Regulamento n.o 1901/2006. Os mesmos princípios implicam igualmente que a EMA siga um conjunto de regras suficientemente precisas quando aplica esse artigo. Para que um «regime de autorização administrativa prévia», como o que está em causa, seja justificado, deverá de qualquer modo basear‑se em critérios objectivos, não discriminatórios e conhecidos de antemão pelas empresas em causa, de forma a enquadrar o exercício do poder de apreciação das autoridades competentes para não ser utilizado de forma arbitrária.

98      Sublinhe‑se desde logo que está errada a referência da recorrente a um poder de apreciação, no contexto do artigo 11.°, n.° 1, alínea b), do Regulamento n.° 1901/2006. As decisões que a EMA toma ao abrigo dessa disposição integram‑se no exercício de uma competência vinculada e não de um poder discricionário. Com efeito, depois de tomar em conta o parecer fundamentado do comité pediátrico, que, como já acima se referiu no n.° 67, se limita a proceder a um apuramento dos factos, baseado em dados objectivos cientificamente justificados, a EMA tem de conceder a isenção pedida se as condições previstas para esse efeito estiverem preenchidas. No caso contrário, tem de a indeferir.

99      Daqui resulta que, se a interpretação seguida na decisão impugnada for aceite, os princípios da segurança jurídica e do Estado de Direito em nada serão afectados. Com efeito, neste caso, o indeferimento de um pedido de isenção da obrigação de apresentar um plano de investigação pediátrica basear‑se‑á em elementos objectivos de carácter científico, conhecidos do interessado. De resto, este dispõe da possibilidade de impugnar esses elementos de modo eficaz antes da adopção de uma decisão definitiva, no âmbito do procedimento administrativo previsto nos artigos 13.° e 25.° do Regulamento n.o 1901/2006.

100    Resulta do exposto que a interpretação dada à disposição controvertida na decisão impugnada é correcta. Assim, há que julgar improcedente o primeiro fundamento.

 Quanto ao segundo fundamento, relativo à existência de desvio de poder

101    Com o seu segundo fundamento, a recorrente sustenta que a EMA cometeu um desvio de poder uma vez que a verdadeira razão do indeferimento da isenção pedida assenta na vontade de a obrigar a apresentar um plano de investigação pediátrica com vista à utilização do agente Imagify no diagnóstico de todos os tipos de anomalias da perfusão do miocárdio na população pediátrica. Esse objectivo resulta, nomeadamente, da evolução dos pareceres do comité pediátrico.

102    Este fundamento não pode ser acolhido.

103    Resulta de jurisprudência assente que o conceito de desvio de poder se refere ao facto de uma autoridade administrativa usar os seus poderes para fim diferente daquele para o qual lhe foram conferidos. Uma decisão só está ferida de desvio de poder se se verificar, com base em indícios objectivos, relevantes e concordantes, ter sido tomada para fins diferentes dos invocados (v. acórdão do Tribunal Geral de 13 de Dezembro de 2005, Cwik/Comissão, T‑155/03, T‑157/03 e T‑331/03, ColectFP, pp. I‑A‑411 e II‑1865 e jurisprudência aí referida). Daqui resulta que o risco de desvio de poder só surge quando a autoridade em causa dispõe de um amplo poder de apreciação (v., neste sentido, acórdão do Tribunal Geral de 15 de Dezembro de 1994, Unifruit Hellas/Comissão, T‑489/93, Colect., p. II‑1201, n.° 84). Em contrapartida, não se concebe um desvio de poder no exercício de uma competência vinculada.

104    Ora, como acima se referiu no n.° 98, por um lado, as intervenções do comité pediátrico, que se limitam à formulação de pareceres em que se procede a um apuramento dos factos, baseado em dados objectivos cientificamente justificados, e, por outro, as decisões da EMA em resposta a pedidos de isenção da obrigação de apresentar um plano de investigação pediátrica prevista no artigo 11.°, n.° 1, alínea b), do Regulamento n.o 1901/2006 integram‑se, precisamente, no exercício de uma competência vinculada. Assim, não se coloca a questão, no seu caso, de um desvio de poder.

105    Daqui resulta que o segundo fundamento deve ser julgado improcedente e com ele todo o recurso.

 Quanto às despesas

106    Nos termos do artigo 87.°, n.° 2, do Regulamento de Processo, a parte vencida é condenada nas despesas se a parte vencedora o tiver requerido. Tendo a recorrente sido vencida, há que condená‑la nas despesas da EMA, incluindo nas relativas ao processo de medidas provisórias, de acordo com o pedido desta última.

107    Nos termos do artigo 87.°, n.° 4, primeiro parágrafo, do mesmo regulamento, os Estados‑Membros e as instituições que intervenham no processo devem suportar as respectivas despesas. Por conseguinte, a República Portuguesa, o Reino da Bélgica, o Reino Unido, a República Francesa e a Comissão suportarão as suas próprias despesas, incluindo as relativas ao processo de medidas provisórias.

Pelos fundamentos expostos,

O TRIBUNAL GERAL (Terceira Secção)

decide:

1)      É negado provimento ao recurso.

2)      A Nycomed Danmark ApS é condenada nas suas próprias despesas e nas despesas da Agência Europeia de Medicamentos (EMA), incluindo nas relativas ao processo de medidas provisórias.

3)      A República Portuguesa, o Reino da Bélgica, o Reino Unido da Grã‑Bretanha e da Irlanda do Norte, a República Francesa e a Comissão Europeia suportarão as respectivas despesas, incluindo as relativas ao processo de medidas provisórias.

Czúcz

Labucka

Gratsias

Proferido em audiência pública no Luxemburgo, em 14 de Dezembro de 2011.

Assinaturas


* Língua do processo: inglês.