Language of document : ECLI:EU:T:2016:60

Processo T‑287/11

Heitkamp BauHolding GmbH

contra

Comissão Europeia

«Auxílios de Estado — Legislação fiscal alemã relativa ao reporte de prejuízos para os anos fiscais futuros (Sanierungsklausel) — Decisão que declara o auxílio incompatível com o mercado interno — Recurso de anulação — Afetação individual — Admissibilidade — Conceito de auxílio de Estado — Caráter seletivo — Natureza e estrutura do sistema fiscal»

Sumário — Acórdão do Tribunal Geral (Nona Secção) de 4 de fevereiro de 2016

1.      Recurso de anulação — Pessoas singulares ou coletivas — Atos que lhes dizem direta e individualmente respeito — Afetação individual par um ato de caráter geral — Requisitos — Decisão da Comissão que proíbe um regime de auxílios setorial — Recurso de uma empresa que tem um direito adquirido a realizar uma economia de imposto ao abrigo desse regime — Admissibilidade

(Artigo 263.°, quarto parágrafo, TFUE)

2.      Recurso de anulação — Pessoas singulares ou coletivas — Interesse em agir — Decisão da Comissão que declara a incompatibilidade de um auxílio com o mercado interno — Suspensão da aplicação do regime de auxílios em causa na sequência da decisão da Comissão de dar abertura ao procedimento formal de exame — Recurso interposto por um beneficiário desse regime de auxílios — Admissibilidade

(Artigo 263.°, quarto parágrafo, TFUE)

3.      Auxílios concedidos pelos Estados — Conceito — Caráter seletivo da medida — Medida de desagravamento fiscal — Critérios de apreciação — Justificação assente na natureza ou na estrutura geral do sistema fiscal

(Artigo 107.°, n.° 1, TFUE)

4.      Auxílios concedidos pelos Estados — Decisão da Comissão — Fiscalização jurisdicional — Limites — Apreciação da legalidade em função dos elementos de informação disponíveis no momento da adoção da decisão — Fundamento assente em factos não invocados no procedimento administrativo — Admissibilidade

(Artigos 108.° TFUE e artigos 263.° TFUE)

5.      Auxílios concedidos pelos Estados — Conceito — Caráter seletivo da medida — Medida de desagravamento fiscal — Medida fiscal que permite um reporte de perdas no caso de aquisição de uma empresa em dificuldade para efeitos de reestruturação — Inclusão — Justificação assente na natureza ou na estrutura geral do sistema fiscal — Inexistência

(Artigo 107.° TFUE)

6.      Processo jurisdicional — Dedução de novos fundamentos no decurso da instância — Requisitos — Novo fundamento — Conceito — Solução análoga quanto aos argumentos invocados em apoio de um fundamento

[Regulamento de Processo do Tribunal Geral (1991), artigo 48.°, n.° 2]

1.      Em princípio, uma empresa não tem legitimidade para impugnar uma decisão da Comissão que proíbe um regime de auxílios setorial, se essa decisão apenas lhe disser respeito por pertencer ao setor em questão e pela sua qualidade de potencial beneficiário do referido regime. Em contrapartida, quando uma decisão afeta um grupo de pessoas que estavam identificadas ou eram identificáveis no momento em que esse ato foi adotado, em função de critérios específicos dos membros do grupo, o referido ato pode dizer individualmente respeito a essas pessoas, na medida em que fazem parte de um círculo restrito de operadores económicos.

Assim, uma empresa que tenha um direito adquirido a realizar uma economia de imposto ao abrigo de uma regulamentação nacional, qualificada de auxílio de Estado pela decisão que proíbe o regime de auxílios setorial, deve ser considerada parte de um círculo fechado de operadores económicos, que já estavam identificados ou pelo menos eram facilmente identificáveis no momento da adoção da decisão recorrida, na aceção do acórdão de 15 de julho de 1963, Plaumann/Comissão, 25/62. Esta conclusão não é posta em causa pelo facto de, na sequência da decisão de abertura e, mais tarde, da decisão recorrida, as autoridades alemãs terem adotado medidas destinadas a deixar inaplicada a regulamentação nacional em causa.

Por outro lado, os elementos em que a jurisprudência baseia a afetação individual na aceção do artigo 263.°, quarto parágrafo, TFUE não coincidem necessariamente com os elementos constitutivos de um auxílio de Estado na aceção do artigo 107.°, n.° 1, TFUE.

(cf. n.os 61, 62, 70, 71, 76 e 77)

2.      V. texto da decisão.

(cf. n.os 82 a 87)

3.      A qualificação de uma medida fiscal nacional como «seletiva» pressupõe a identificação e o exame prévios do regime fiscal comum ou «normal» aplicável no Estado‑Membro em causa. Num segundo momento, é face a esse regime fiscal comum ou «normal» que se deve apreciar e determinar o eventual caráter seletivo do benefício concedido pela medida fiscal em causa, demonstrando que esta derroga o referido sistema comum, na medida em que introduz diferenciações entre operadores que, à luz do objetivo prosseguido por esse regime, estão numa situação de facto e de direito comparável, o que cabe à Comissão demonstrar. No final dessas duas primeiras etapas do exame, uma medida pode ser qualificada de seletiva prima facie.

Contudo, não preenche esse pressuposto da seletividade uma medida que, não obstante constituir uma vantagem para um beneficiário, se justifica pela natureza ou pela estrutura geral do sistema em que se insere, o que cabe ao Estado‑Membro demonstrar. No termo dessa eventual terceira etapa do exame, uma medida é qualificada de seletiva.

Quanto à justificação de uma medida fiscal nacional pela natureza ou pela estrutura geral do sistema fiscal, deve ser feita uma distinção entre, por um lado, os objetivos fixados a um regime fiscal particular e que lhe são externos e, por outro, os mecanismos inerentes ao próprio sistema fiscal que são necessários à realização desses objetivos, uma vez que esses objetivos e mecanismos, enquanto princípios fundadores ou diretores do sistema fiscal em causa, podem servir de base a essa justificação.

(cf. n.os 91 a 93 e 159)

4.      V. texto da decisão.

(cf. n.° 102)

5.      Uma medida de desagravamento fiscal que, a título de exceção a uma regra que limita a possibilidade de reporte de prejuízos nos casos de aquisição de 25% ou mais das participações de sociedades, permite, em certas condições, um reporte dos prejuízos quando a aquisição de uma empresa em dificuldade tenha sido efetuada para efeitos de reestruturação, é seletiva prima facie, uma vez que não se dirige a todas as empresas cujo tecido acionista tenha sido substancialmente alterado, mas aplica‑se a uma categoria bem determinada de empresas, a saber, às empresas que, segundo a redação da cláusula de reestruturação, estão ou é provável que venham a estar insolventes ou sobre‑endividadas. Essa medida, da qual algumas condições não estão ligadas ao objetivo de evitar os abusos e que não abrange todas as empresas que estejam numa situação de facto e de direito comparável à luz do objetivo do regime fiscal em causa, tem por efeito favorecer as empresas em dificuldade. Assim, a Comissão não errou ao entender que essa medida introduzia diferenciações entre operadores que, à luz do objetivo do sistema fiscal, estavam numa situação de facto e de direito comparável.

Esta medida fiscal também não é justificada pela natureza ou pela estrutura geral do sistema fiscal, dado que o seu objetivo principal, que é facilitar a reestruturação das empresas em dificuldade, não faz parte dos princípios fundadores ou diretores do sistema fiscal e, portanto, não lhe é interno, mas sim externo, sem que seja necessário verificar se a medida controvertida é proporcionada ao objetivo prosseguido.

(cf. n.os 130, 131, 133, 134, 165 e 166)

6.      V. texto da decisão.

(cf. n.° 117)