CONCLUSÕES DA ADVOGADA‑GERAL
TAMARA ĆAPETA
apresentadas em 26 de outubro de 2023 (1)
Processo C‑670/22
Staatsanwaltschaft Berlin
contra
M.N.
[pedido de decisão prejudicial apresentado pelo Landgericht Berlin (Tribunal Regional de Berlim, Alemanha)]
«Reenvio prejudicial — Cooperação judiciária em matéria penal — Diretiva 2014/41/UE — Decisão europeia de investigação — Artigo 6.o, n.o 1 — Condições de emissão de uma decisão europeia de investigação — Transferência de elementos de prova já na posse de outro Estado‑Membro — Conceito de autoridade de emissão — Artigo 2.o, alínea c), subalínea i) — Admissibilidade dos elementos de prova»
I. Introdução
1. A decisão europeia de investigação (a seguir «DEI») é um instrumento da UE que permite a cooperação transfronteiriça em investigações criminais. É regulada pela Diretiva DEI (2). O presente reenvio prejudicial convida o Tribunal de Justiça, pela primeira vez, a interpretar esta diretiva numa situação em que foi emitida uma DEI para a transferência de elementos de prova já na posse de outro Estado.
2. Para efeitos de uma investigação criminal na Alemanha, o Generalstaatsanwaltschaft Frankfurt am Main (Ministério Público de Frankfurt am Main, Alemanha) emitiu várias DEI solicitando a transferência de elementos de prova obtidos durante uma investigação criminal conjunta franco‑neerlandesa relativa a utilizadores da EncroChat, que era uma rede de telecomunicações encriptada que oferecia aos seus utilizadores um anonimato quase perfeito (3).
3. O presente reenvio prejudicial resulta de um dos processos penais instaurados no Landgericht Berlin (Tribunal Regional de Berlim, Alemanha) contra M.N. com base numa série de dados de telecomunicações intercetados, transferidos com base nas DEI acima referidas. A questão que se colocou ao órgão jurisdicional de reenvio é a de saber se as DEI foram emitidas em violação da Diretiva DEI e, em caso afirmativo, quais as consequências que daí advêm para a utilização desses elementos de prova no processo penal.
II. Factos na origem do litígio no processo principal, questões prejudiciais e processo no Tribunal de Justiça
4. Na origem do processo penal no processo principal está uma investigação criminal iniciada em França, que prosseguiu sob a forma de uma operação conjunta entre a França e os Países Baixos, no âmbito da qual foram intercetados os dados de localização, tráfego e comunicação, incluindo textos e imagens transmitidos nos chats (conversas) em curso dos utilizadores da rede EncroChat.
5. Esta operação conjunta desenvolveu um software troiano que, na primavera de 2020, foi carregado no servidor em Roubaix (França) e, a partir daí, foi instalado nos dispositivos móveis através de uma atualização simulada. O tribunal correctionnel de Lille (Tribunal Penal de Lille, França) autorizou a operação de recolha de dados de comunicação. Esta interceção de comunicações afetou os utilizadores da EncroChat em 122 países, dos quais cerca de 4 600 na Alemanha.
6. Na videoconferência, realizada em 9 de março de 2020, a Agência da União Europeia para a Cooperação Judiciária Penal (Eurojust) forneceu informações a países sobre as medidas de vigilância planeadas pela polícia francesa e a transferência de dados prevista. Os representantes do Bundeskriminalamt (Serviço Federal de Polícia Judiciária, Alemanha) e do Ministério Público de Frankfurt manifestaram o seu interesse na recolha de dados dos utilizadores alemães.
7. O Ministério Público de Frankfurt abriu uma investigação preliminar contra pessoas desconhecidas em 20 de março de 2020. Os dados recolhidos pela equipa de investigação franco‑neerlandesa foram disponibilizados às autoridades alemãs através de um servidor da Agência Europeia para a Cooperação Policial (Europol) a partir de 3 de abril de 2020.
8. Em 2 de junho de 2020, no âmbito de uma investigação preliminar alemã contra pessoas desconhecidas, o Ministério Público de Frankfurt solicitou, através de uma DEI, autorização às autoridades francesas para utilizar os dados da EncroChat para fins de processo penal. Este pedido baseava‑se na suspeita de tráfico ilícito de estupefacientes em quantidade significativa por pessoas que ainda não tinham sido identificadas. No entanto, existiam suspeitas que essas pessoas faziam parte de um grupo criminoso organizado na Alemanha, que utilizava telemóveis EncroChat. O Tribunal Penal de Lille autorizou a DEI para a transferência e a utilização judicial dos dados do EncroChat dos utilizadores alemães. Posteriormente, foram transmitidos dados adicionais em resposta a duas DEI complementares de 9 de setembro de 2020 e de 2 de julho de 2021, respetivamente.
9. Com base nos elementos de prova recebidos, o Ministério Público de Frankfurt separou as investigações a realizar em relação aos utilizadores individuais da EncroChat e remeteu‑as às delegações locais do Ministério Público. O Staatsanwaltschaft Berlin (Ministério Público de Berlim, Alemanha) imputa ao arguido no presente processo vários casos de tráfico ilícito de estupefacientes em quantidade significativa e de posse ilícita de estupefacientes em quantidade significativa na Alemanha.
10. Este processo penal está atualmente pendente no órgão jurisdicional de reenvio. Mesmo que tal não esteja claramente explicado na decisão de reenvio, parece que, nesse processo, se colocou a questão de saber se as DEI emitidas pelo Ministério Público de Frankfurt foram emitidas em violação da Diretiva DEI e, em caso afirmativo, se deviam ser excluídas como elementos de prova no processo penal instaurado contra o arguido.
11. Tendo em conta estes factos, o órgão jurisdicional de reenvio, o Landgericht Berlin (Tribunal Regional de Berlim), submeteu ao Tribunal de Justiça as seguintes questões prejudiciais:
«1. Quanto à interpretação do elemento «autoridade de emissão» segundo o artigo 6.o, n.o 1, em conjugação com o artigo 2.o, alínea c), da [Diretiva DEI],
a) Deve uma [“DEI”] destinada a obter provas que já estão na posse do Estado de execução (no caso vertente, a França) ser emitida por um juiz se, por força do direito do Estado de emissão (no caso vertente, a Alemanha), num caso interno semelhante a obtenção de provas subjacente devesse ser ordenada por um juiz?
b) A título subsidiário, o mesmo é válido pelo menos no caso de o Estado de execução ter executado a medida subjacente no território do Estado de emissão a fim de disponibilizar posteriormente os dados obtidos às autoridades de investigação do Estado de emissão, que têm interesse nos dados para efeitos de procedimento criminal?
c) Deve uma DEI destinada à obtenção de provas ser emitida por um juiz (ou por um organismo independente que não participe na investigação criminal), independentemente das regras de competência nacionais do Estado de emissão, quando a medida implicar uma ingerência grave em direitos fundamentais de grau superior?
2. Quanto à interpretação do artigo 6.o, n.o 1, alínea a), da [Diretiva DEI]
a) O artigo 6.o, n.o 1, alínea a), da [Diretiva DEI] opõe‑se a uma DEI relativa à transferência de dados que já estão na posse do Estado de execução (no caso vertente, a França), obtidos em resultado de uma interceção de telecomunicações, em especial dados de tráfego e de localização, bem como gravações dos conteúdos de comunicações, se a interceção pelo Estado de execução tiver abrangido todos os utilizadores de uma rede de comunicações, se for pedida, através da DEI, a transferência dos dados de todas as conexões utilizadas no território do Estado de emissão e não houver indícios concretos da prática de crimes graves pelos mesmos utilizadores individuais à data em que foi ordenada ou executada a medida de interceção ou à data da emissão da DEI?
b) O artigo 6.o, n.o 1, alínea a), da [Diretiva DEI] opõe‑se à referida DEI se a integridade dos dados obtidos através da medida de interceção não puder ser verificada pelas autoridades no Estado de execução devido à sua absoluta confidencialidade?
3. Quanto à interpretação do artigo 6.o, n.o 1, alínea b), da [Diretiva DEI]
a) O artigo 6.o, n.o 1, alínea b), da [Diretiva DEI] opõe‑se a uma DEI que tem por objeto a transferência de dados de telecomunicações que já estão na posse do Estado de execução (no caso vertente, França) se, num caso interno semelhante, a medida de interceção do Estado de execução que está na base da recolha dos dados tivesse sido inadmissível por força do direito do Estado de emissão (no caso vertente, Alemanha)?
b) A título subsidiário, o mesmo é, de qualquer modo, válido se o Estado de execução tiver levado a cabo a interceção no território do Estado de emissão e no interesse deste último?
4. Quanto à interpretação do artigo 31.o, n.os 1 e 3, da [Diretiva DEI]
a) Uma medida ligada à infiltração de dispositivos móveis para recolha de dados de tráfego, de localização e de comunicação de um serviço [de comunicações] por Internet constitui uma interceção de telecomunicações na aceção do artigo 31.o, da [Diretiva DEI]?
b) Deve a notificação prevista no artigo 31.o, n.o 1, da [Diretiva DEI] ser dirigida sempre a um juiz ou pelo menos quando, num caso interno semelhante, a medida planeada pelo Estado de interceção (no caso vertente, França), com base na legislação do Estado notificado (no caso vertente, Alemanha), só pudesse ser ordenada por um juiz?
c) Na medida em que o artigo 31.o, da [Diretiva DEI] visa igualmente a proteção individual dos utilizadores das telecomunicações afetados, é essa proteção igualmente extensiva à utilização dos dados no âmbito de procedimentos criminais no Estado notificado (no caso vertente, Alemanha) e, na afirmativa, tem esse objetivo o mesmo valor que o objetivo mais amplo de proteção da soberania do Estado‑Membro notificado?
5. Consequências jurídicas de uma obtenção de provas em violação do direito da União
a) Em caso de obtenção de provas através de uma DEI em violação do direito da União, pode resultar diretamente do princípio da efetividade do direito da União a proibição da utilização das provas?
b) Em caso de obtenção de provas através de uma DEI em violação do direito da União, o princípio da equivalência do direito da União implica a proibição da utilização das provas se a medida em que se baseia a obtenção das provas no Estado de execução não pudesse ter sido ordenada num caso interno semelhante no Estado de emissão e as provas obtidas através dessa medida interna ilegal não pudessem ter sido utilizadas por força do direito do Estado de emissão?
c) É contrário ao direito da União, em especial ao princípio da efetividade, o facto de a utilização, num processo penal, de provas cuja obtenção tenha sido feita em violação do direito da União, precisamente por não haver suspeita de crime, ser justificada, no âmbito de uma ponderação de interesses, pela gravidade dos factos de que se tomou conhecimento pela primeira vez ao proceder à avaliação da prova?
d) A título subsidiário: resulta do direito da União, em especial do princípio da efetividade, que as violações do direito da União em matéria de obtenção de provas num processo penal nacional também não possam deixar totalmente de ter consequências, mesmo em caso de crimes graves, e que, por conseguinte, devem ser tidas em conta em benefício do arguido, pelo menos na fase da apreciação da prova ou da fixação da pena?»
12. Foram apresentadas observações escritas pelo Ministério Público, de Berlim, pelos Governos Alemão e Estónio, Francês, Neerlandês, Polaco e Sueco, e Irlanda, bem como pela Comissão Europeia.
13. Em 4 de julho de 2023, realizou‑se uma audiência em que H. N., o Ministério Público, os Governos Checo, Alemão, Espanhol, Francês, Húngaro, Neerlandês, Sueco e Irlanda, bem como a Comissão, apresentaram observações orais.
III. Análise
A. Observações preliminares
14. Os recursos contra as condenações penais resultantes da interceção de dados EncroChat estão a fazer furor nos órgãos jurisdicionais superiores europeus (4), e o Tribunal de Justiça não é uma exceção nesta matéria.
15. A maior parte desses recursos põe em causa as medidas de interceção adotadas pela França. Embora essa questão seja obviamente relevante nos processos penais instaurados com base em elementos de prova obtidos por essa interceção, importa esclarecer que o presente reenvio prejudicial não diz respeito à validade das medidas de interceção francesas.
16. Pelo contrário, o presente processo diz respeito à eventual incompatibilidade das DEI emitidas pelo Ministério Público de Frankfurt com a Diretiva DEI e às consequências de tal conclusão. Estas DEI não estiveram na origem das medidas francesas de interceção das telecomunicações entre os utilizadores da EncroChat. As interceções ocorreram independentemente das DEI em causa. A impugnação destas medidas de interceção incumbe aos órgãos jurisdicionais franceses competentes.
17. As DEI em causa no presente processo não visavam a recolha de dados em França através da interceção de telecomunicações, mas apenas a transferência dos elementos de prova já obtidos pela interceção em França.
18. Este conjunto de factos deve ser devidamente qualificado à luz da Diretiva DEI. Com efeito, o artigo 1.o, n.o 1, da Diretiva DEI prevê que uma DEI pode ser emitida, por um lado, «para que sejam executadas noutro Estado‑Membro […] uma ou várias medidas de investigação específicas», e, por outro lado, «para obter elementos de prova que já estejam na posse das autoridades competentes do Estado de execução» (5).
19. Simplificando, pode ser emitida uma DEI para obter novos elementos de prova ou para transferir elementos de prova existentes. Utilizarei esta terminologia para me referir a estes dois tipos de DEI.
20. No processo principal, as DEI foram emitidas com esta última finalidade: o Ministério Público de Berlim solicitou a transferência de elementos de prova que a França já tinha na sua posse.
21. No entanto, resulta claramente da decisão de reenvio que o órgão jurisdicional de reenvio em primeiro lugar, considera, que, apesar da distinção entre os dois tipos de DEI previstos no artigo 1.o, n.o 1, da Diretiva DEI, não pode ser emitida uma DEI destinada à transferência de elementos de prova existentes sem ter em conta a forma como esses elementos de prova foram inicialmente obtidos. Em segundo lugar, o órgão jurisdicional de reenvio questiona a proporcionalidade e, por conseguinte, a legalidade das medidas iniciais de recolha de elementos de prova em França, que foram posteriormente transferidos para a Alemanha. Por último, o órgão jurisdicional de reenvio discorda do Supremo Tribunal Federal alemão (6), que considerou que os dados intercetados da EncroChat podiam ser utilizados como elementos de prova na Alemanha (7).
22. Atendendo ao que precede, o Tribunal de Justiça deve esclarecer se as condições para a emissão de uma DEI destinada à transferência de elementos de prova existentes exigem a avaliação das medidas subjacentes de recolha de elementos de prova no Estado de execução. Quero deixar claro desde já, e desenvolverei este ponto mais tarde, que, neste cenário, a autoridade de emissão não pode questionar a legalidade das medidas através das quais o Estado de execução obteve elementos de prova. A proporcionalidade da medida francesa que ordena a interceção dos telefones EncroChat não é, portanto, o objeto do presente processo.
B. Reorganização das questões do órgão jurisdicional de reenvio e da estrutura das conclusões
23. O órgão jurisdicional de reenvio considera que as DEI se emitiram em violação da Diretiva DEI, porque (i) não cumpriam as condições previstas no seu artigo 6.o, n.o 1, e (ii) foram emitidas por um magistrado do Ministério Público e não por um tribunal. Além disso, as autoridades francesas deveriam, em conformidade com o artigo 31.o da Diretiva DEI, ter notificado as medidas de interceção ao órgão jurisdicional alemão competente. Por último, esse órgão jurisdicional considera que o direito da União, mais concretamente os princípios da equivalência e da efetividade, deve ser interpretado de forma a proibir a utilização, no âmbito do processo penal, dos elementos de prova obtidos em violação da Diretiva DEI.
24. Assim, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta, no essencial, se o seu entendimento da Diretiva DEI e as consequências daí decorrentes são corretas. Agrupou as suas questões em cinco grupos, que, para efeitos da minha análise, reorganizei da seguinte forma.
25. Os três primeiros grupos de questões centram‑se na interpretação da autoridade competente para emitir uma DEI destinada à transferência de elementos de prova existentes e nas condições que regem a emissão dessa DEI. As questões relativas às condições enunciadas no artigo 6.o, n.o 1, alíneas a) e b), da Diretiva DEI, estão interligadas com as questões relativas à autoridade de emissão competente. Por conseguinte, tratá‑los‑ei em conjunto na secção C.
26. O quarto grupo de questões, relativo à interpretação do artigo 31.o, n.os 1 e 3, da Diretiva DEI, pode ser tratado separadamente. Assim farei na secção D.
27. Por último, analisarei o último grupo de questões, relacionadas com as consequências de uma eventual violação da Diretiva DEI, na secção E. Estas questões podem ser qualificadas como hipotéticas se das respostas dadas às questões anteriores não resultar qualquer violação da Diretiva DEI. No entanto, dado que esta conclusão depende da interpretação do direito nacional aplicável, o que compete ao órgão jurisdicional de reenvio, proponho ao Tribunal de Justiça que responda igualmente a estas questões.
C. Condições para a emissão de uma DEI destinada à transferência de elementos de prova existentes e a autoridade de emissão competente
28. As condições a avaliar pela autoridade de emissão para emitir uma DEI (8) estão estabelecidas no artigo 6.o, n.o 1, da Diretiva DEI. Esta disposição tem a seguinte redação:
«A autoridade de emissão só pode emitir uma DEI se estiverem reunidas as seguintes condições:
a) A emissão da DEI é necessária e proporcionada para efeitos dos processos a que se refere o artigo 4.o, tendo em conta os direitos do suspeito ou do arguido; e
b) A medida ou medidas de investigação indicadas na DEI poderiam ter sido ordenadas nas mesmas condições em processos nacionais semelhantes.»
29. A Diretiva DEI impõe, assim, duas condições para a emissão de uma DEI. Estas condições têm por objetivo assegurar que a DEI não é emitida em violação do direito do Estado de emissão (9). Uma vez que a investigação criminal ou o processo penal subsequente tem lugar no Estado de emissão, estas condições visam, em última análise, proteger os direitos dos arguidos ou suspeitos. O não cumprimento destas condições só pode ser impugnado no Estado de emissão, de acordo com o artigo 14.o, n.o 2, da Diretiva DEI.
30. Para alcançar estes objetivos, o artigo 6.o, n.o 1, da Diretiva DEI, exige à autoridade de emissão uma avaliação abstrata e uma avaliação concreta.
31. A avaliação abstrata está prevista no artigo 6.o, n.o 1, alínea b), da Diretiva DEI, e exige que a autoridade de emissão determine se a medida de investigação que será objeto de uma DEI existe no seu direito nacional e em que condições pode ser ordenada.
32. A avaliação concreta prevista no artigo 6.o, n.o 1, alínea a), da Diretiva DEI, impõe à autoridade de emissão a obrigação de estabelecer se uma determinada DEI é necessária e proporcionada para efeitos de um processo penal concreto.
33. Só depois de a autoridade de emissão ter determinado, ao abrigo do artigo 6.o, n.o 1, alínea b), da Diretiva DEI, que o direito nacional permite, em princípio, uma determinada medida de investigação, pode debruçar‑se sobre o caso concreto que lhe foi submetido e proceder à avaliação da necessidade e da proporcionalidade prevista no artigo 6.o, n.o 1, alínea a), da Diretiva DEI. Parece‑me, portanto, mais lógico explicar estas duas condições na ordem inversa.
34. Tanto as condições abstratas como as concretas estão relacionadas com a questão de saber qual é a autoridade competente para emitir uma DEI num caso concreto. O órgão jurisdicional de reenvio considera que o Ministério Público não era, nas circunstâncias do caso em apreço, a autoridade competente para emitir as DEI para a transferência, a partir de França, de elementos de prova que consistiam em dados de telecomunicações intercetados.
35. O artigo 2.o, alínea c), da Diretiva DEI, estabelece quais as autoridades que podem emitir uma DEI. A disposição em causa tem a seguinte redação:
«“Autoridade de emissão”:
i) um juiz, tribunal, juiz de instrução ou magistrado do Ministério Público competente no processo em causa (10);»
36. O artigo 2.o, alínea c), i), da Diretiva DEI, enumera, assim, as autoridades que podem emitir autonomamente, sem qualquer autorização adicional, uma DEI. Contrariamente à Decisão‑Quadro relativa ao mandado de detenção europeu (11), a Diretiva DEI enumera explicitamente os magistrados do Ministério Público entre essas autoridades (12). Assim, contrariamente à Decisão‑Quadro relativa ao mandado de detenção europeu, no Acórdão Staatsanwaltschaft Wien (ordens de transferência falsificadas), o Tribunal de Justiça considerou que um magistrado do Ministério Público pode ser uma autoridade de emissão de uma DEI, mesmo que não seja totalmente independente do poder executivo (13).
37. No entanto, a atribuição de poderes de princípio aos magistrados do Ministério Público não significa que estes sejam a autoridade de emissão competente em todos os casos. Pelo contrário, tal dependerá das circunstâncias do caso concreto e está relacionado com as condições impostas pelo artigo 6.o, n.o 1, da Diretiva DEI. Por conseguinte, apreciarei não só o que exigem estas condições de uma autoridade de emissão, mas também a forma como essas condições influenciam a questão relativa a quais possam ser essas autoridades de emissão.
1. Artigo 6.o, n.o 1, alínea b), da Diretiva DEI, e um processo nacional semelhante
38. O artigo 6.o, n.o 1, alínea b), da Diretiva DEI, exige que uma DEI seja emitida na condição de a medida de investigação estar disponível nas mesmas condições em processos nacionais semelhantes.
39. É, por conseguinte, necessário interpretar o que é um processo nacional semelhante se for emitida uma DEI para efeitos de transferência de elementos de prova existentes.
40. É necessário fazer uma observação preliminar antes de interpretar a expressão «processos nacionais semelhantes». Esta questão foi suscitada e discutida pelos participantes no presente processo devido à posição do Supremo Tribunal Federal (14), segundo a qual o artigo 6.o, n.o 1, alínea b), da Diretiva DEI, não se aplica de todo a uma DEI destinada à transferência de elementos de prova existentes. Segundo esse órgão jurisdicional, a transferência de elementos de prova não constitui uma medida de investigação propriamente dita, pelo que não é abrangida pelo âmbito de aplicação dessa disposição.
41. Não subscrevo este entendimento. O artigo 6.o, n.o 1, alínea b), da Diretiva DEI, define as condições de emissão de uma DEI sem distinguir os dois tipos de medidas mencionados no artigo 1.o da Diretiva DEI. A sua redação não exclui do seu âmbito de aplicação as medidas de investigação que requeiram a transferência de elementos de prova já existentes. Por conseguinte, o artigo 6.o, n.o 1, alínea b), da Diretiva DEI, também se aplica a uma DEI destinada à transferência de elementos de prova existentes, como no caso em apreço (15).
42. Um processo nacional semelhante relevante para determinar se uma DEI pode ser emitida difere consoante seja emitida uma DEI para recolher novos elementos de prova ou para transferir elementos de prova já existentes. Por conseguinte, tal como sugerido pela Comissão, pelo Ministério Público e pelo Governo Alemão, um processo nacional semelhante é aquele em que os elementos de prova são transferidos de um processo penal para outro na Alemanha (por exemplo, do Ministério Público de Munique para o seu homólogo de Berlim).
43. Esta interpretação é confirmada pela redação do artigo 6.o, n.o 1, alínea b), da Diretiva DEI que dispõe que «[a] medida ou medidas de investigação indicadas na DEI»(16) são as que a autoridade deve poder ordenar a nível nacional. No caso em apreço, a medida indicada nas DEI é a transferência de elementos de prova já na posse das autoridades francesas.
44. A questão de saber se é possível transferir elementos de prova que consistem numa comunicação intercetada obtidos no âmbito de uma investigação criminal ou de um processo penal para outra investigação ou processo penal é regulada pelo direito alemão. Não se trata de uma questão que a própria Diretiva DEI resolva. Pelo contrário, a referida diretiva remete para o direito do Estado de emissão.
45. As medidas subjacentes através das quais os elementos de prova foram obtidos em França desempenham algum papel nesta apreciação?
46. Na medida em que o direito nacional estabeleça condições para a transferência de elementos de prova entre processos penais, a medida subjacente pode tornar‑se relevante. Se, por exemplo, o direito alemão proibisse uma transferência nacional de telecomunicações intercetadas de um processo penal para outro no plano interno, a autoridade de emissão estaria igualmente impedida de ordenar essa transferência transfronteiriça.
47. Não parece ser esse o caso no presente processo. Na audiência, o Governo Alemão confirmou que a transferência de elementos de prova entre dois processos penais é possível ao abrigo do direito alemão, incluindo elementos de prova obtidos através da interceção de comunicações. As condições dessa transferência estão previstas no Strafprozessordnung (Código de Processo Penal alemão, a seguir «StPO»). Compete ao órgão jurisdicional de reenvio interpretar o direito alemão para determinar se é efetivamente esse o caso (17).
48. No entanto, a Diretiva DEI não exige que a autoridade de emissão aprecie se as medidas subjacentes adotadas no Estado‑Membro de execução foram obtidas legalmente, estando mesmo impedida de o fazer. Ao emitir uma DEI para a transferência de elementos de prova existentes, a autoridade de emissão está vinculada pelo princípio do reconhecimento mútuo, que está subjacente à cooperação em matéria penal na União Europeia. A menos que as medidas subjacentes sejam consideradas ilegais em processos judiciais em França, que a pessoa em causa deve poder iniciar (18), a autoridade de emissão não está em condições de pôr em causa a sua legalidade.
49. M.N. alegou que uma distinção entre a transferência dos elementos de prova e as medidas através das quais estes foram obtidos permite contornar a proteção dos suspeitos ou acusados ao abrigo do direito do Estado de emissão. Na sua opinião, as autoridades alemãs recorreram às suas congéneres francesas para obter elementos de prova contrários ao direito alemão.
50. As circunstâncias do presente caso não levam a suspeitar de um abuso dos procedimentos de investigação transfronteiriços. A França tomou posse dos elementos de prova em causa no âmbito da sua própria investigação criminal. Mesmo que esses elementos de prova pudessem interessar à Alemanha, a França não começou a recolhê‑los para efeitos da investigação criminal alemã. Assim, mesmo que fosse verdade que um juiz alemão não autorizaria tal interceção se esta fosse efetuada na Alemanha, as autoridades francesas adotaram tais medidas em conformidade com o direito francês e com a autorização de um tribunal francês competente.
51. Embora os sistemas de direito penal dos Estados‑Membros difiram consideravelmente (19), isso não significa que um sistema proteja os direitos fundamentais dos suspeitos e arguidos enquanto outros os violam. Pelo contrário, a cooperação judiciária da União em matéria penal assenta no pressuposto de que todos os Estados‑Membros respeitam os direitos fundamentais. Embora esta presunção possa ser afastada num caso específico ante o tribunal competente, tal não pode pôr em causa o princípio da confiança mútua subjacente à DEI e a outros instrumentos de cooperação em matéria penal.
52. Por conseguinte, de acordo com o artigo 6.o, n.o 1, alínea b), da Diretiva DEI, a autoridade de emissão deve verificar se, na Alemanha, os dados obtidos através da interceção de telecomunicações para efeitos de um processo penal podem ser transferidos para outro processo penal. Nesse caso, essa autoridade pode emitir uma DEI para a transferência de elementos de prova obtidos através da interceção de telecomunicações noutro Estado‑Membro da União. Ao emitir essa DEI, a autoridade de emissão não pode pôr em causa a legalidade das medidas através das quais se obtiveram os elementos de prova no Estado‑Membro de execução.
53. Por último, na sua questão subsidiária 3, alínea b), o órgão jurisdicional de reenvio pergunta se é relevante o facto de a interceção efetuada pelo Estado de execução incluir dados relativos a telemóveis de utilizadores na Alemanha, ou o facto de essa interceção ser do interesse de processos penais neste último Estado. Considero que estas circunstâncias, mesmo que corretas, não são relevantes para a interpretação do artigo 6.o, n.o 1, alínea b), da Diretiva DEI.
54. Em primeiro lugar, o facto de a interceção ter sido efetuada em relação a telemóveis de utilizadores no território alemão não tem qualquer relevância para a aplicabilidade do artigo 6.o, n.o 1, alínea b), da Diretiva EID: independentemente do local onde se obtiveram os elementos de prova, para que possam ser transferidos de França para a Alemanha através de uma EID, é necessário respeitar as regras alemãs aplicáveis a um processo nacional semelhante.
55. Em segundo lugar, a suposição de que as autoridades francesas intercetaram a comunicação no interesse da Alemanha é uma suposição factual não fundamentada na decisão de reenvio e sobre a qual o Tribunal de Justiça não pode tirar conclusões. Mais importante ainda, nada no artigo 6.o, n.o 1, alínea b), da Diretiva EID, permite concluir que o interesse do Estado de emissão seja relevante para a sua interpretação.
Conclusão provisória
56. Quando se emite uma DEI para a transferência de elementos de prova já na posse de outro Estado, a referência a um processo nacional semelhante ao abrigo do artigo 6.o, n.o 1, alínea b), da Diretiva DEI, exige que a autoridade de emissão determine se e em que condições a legislação nacional pertinente permite a transferência de elementos de prova obtidos através da interceção de comunicações entre processos penais nacionais.
57. Ao decidir se pode emitir uma DEI para a transferência de elementos de prova existentes, a autoridade de emissão não pode apreciar a legalidade da recolha de elementos de prova subjacente no Estado de execução cuja transferência seja exigida através de uma DEI.
58. O facto de as medidas subjacentes terem sido adotadas no território do Estado de emissão, ou de terem sido do interesse desse Estado, não afeta a resposta anterior.
2. Artigo 6.o, n.o 1, alínea b), da Diretiva DEI, e a autoridade de emissão competente
59. O órgão jurisdicional de reenvio considera que as DEI no presente processo deveriam ter sido emitidas por um tribunal e não por um magistrado do Ministério Público. A este respeito, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta, por um lado, se tal conclusão decorre da leitura conjugada dos artigos 2.o, alínea c), subalínea i), e 6.o, n.o 1, alínea b), da Diretiva DEI, e, por outro lado, se o facto de as autoridades francesas terem intercetado telemóveis no território alemão influencia a resposta a esta questão.
60. O Tribunal de Justiça já explicou que o artigo 6.o, n.o 1, alínea b), da Diretiva DEI, é efetivamente relevante para determinar a autoridade de emissão competente num caso específico. No Acórdão Spetsialisirana Prokuratura (Traffic and location data), o Tribunal de Justiça associou o artigo 2.o, alínea c), subalínea i), da Diretiva DEI, ao seu artigo 6.o, n.o 1, alínea b) (20). Explicou que uma DEI deve ser emitida por um tribunal se tal for exigido pelo direito do Estado‑Membro de emissão relativamente à mesma medida num contexto nacional (21). Nesse caso, a autoridade de emissão competente é um tribunal apesar de se mencionar o magistrado do Ministério Público no artigo 2.o, alínea c), subalínea i), dessa Diretiva (22).
61. Em suma, um magistrado do Ministério Público pode ser, em princípio, autoridade de emissão, mas o direito nacional aplicável num processo nacional semelhante determina a autoridade de emissão competente num caso concreto.
62. Tendo em conta a minha análise anterior do que se deve entender como um processo nacional semelhante ao abrigo do artigo 6.o, n.o 1, alínea b), da Diretiva DEI, quando uma DEI é emitida para a transferência de elementos de prova existentes, a DEI deveria ter sido emitida por um tribunal se o direito alemão assim o exigisse numa transferência interna dos dados de telecomunicações intercetados.
63. Assim, para determinar a autoridade de emissão competente, é indiferente que, por força do direito alemão, um tribunal deva autorizar as medidas de interceção. A única pergunta a colocar é se um tribunal teria de autorizar uma transferência interna semelhante. Não parece ser esse o caso no direito alemão.
64. Dito isto, subsiste uma preocupação importante. Se a transferência dos elementos de prova existentes tivesse ocorrido no plano interno, de um magistrado do Ministério Público para outro (por exemplo, de Munique para Berlim), a medida subjacente de interceção de telecomunicações teria sido ordenada, no direito alemão, por um tribunal. Assim, a proporcionalidade da ingerência nos direitos fundamentais teria sido fiscalizada por um tribunal. Tal torna aceitável, do ponto de vista da proteção dos direitos dos suspeitos e dos arguidos, permitir a utilização desses elementos de prova noutro processo penal, sem a necessidade de recorrer a um tribunal.
65. No entanto, quando a medida subjacente é regida por um sistema jurídico diferente, uma regra que não exige o controlo jurisdicional da transferência de elementos de prova existentes opera num contexto diferente e desconhecido (23).
66. No entanto, no caso em apreço, a interceção de telecomunicações foi autorizada pelos tribunais franceses (24). O princípio do reconhecimento mútuo, em que assenta o sistema DEI, exige que as autoridades alemãs atribuam a esta fase processual o mesmo valor que lhe atribuiriam no plano interno. É esse o caso, mesmo quando, num caso concreto, um tribunal alemão decida de forma diferente.
67. Todavia, e se o direito francês não exigisse uma autorização judicial para as medidas de interceção? Na audiência, a Comissão declarou que, nesse caso, a situação seria diferente, e alegou que, se os tribunais franceses não tivessem autorizado a medida subjacente, a DEI que requer a transferência de elementos de prova existentes poderia ser considerada contrária ao direito da União. Isso sugere que o artigo 6.o, n.o 1, alínea b), da Diretiva DEI, não é totalmente indiferente à medida subjacente quando uma DEI é emitida para a transferência de elementos de prova existentes.
68. Quando o direito nacional habilita um magistrado do Ministério Público a requerer a transferência de elementos de prova pelo facto de a obtenção inicial desses elementos de prova ter sido autorizada por um tribunal, na minha opinião, essa norma nacional torna‑se relevante ao abrigo do artigo 6.o, n.o 1, alínea b), da Diretiva DEI. Isto significa que a autoridade de emissão deve verificar se a medida subjacente foi objeto de autorização judicial, conforme exigido pelo direito nacional. Todavia, a autoridade de emissão não está em condições de pôr em causa a qualidade dessa autorização, sendo antes obrigada a aceitar a autorização judicial no Estado de execução da mesma forma que o faria com uma autorização nacional.
69. No entanto, se o Estado de execução não tiver envolvido um tribunal na autorização da medida subjacente, ao passo que o Estado de emissão o exigiria num processo interno semelhante, este último Estado pode exigir uma autorização judicial para a emissão de uma DEI para a transferência de elementos de prova existentes. É esse o caso mesmo que não seja necessária essa autorização para a transferência interna de elementos de prova.
70. No caso em apreço, todas as diligências empreendidas para recolher dados através do servidor EncroChat em França foram autorizadas pelos tribunais franceses competentes (25). Por conseguinte, não vejo nenhuma razão para que um magistrado do Ministério Público alemão não possa emitir uma DEI para a transferência desses elementos de prova.
71. O órgão jurisdicional de reenvio submeteu uma Questão subsidiária 1, alínea b), que assenta na premissa de que as autoridades alemãs desencadearam a recolha de dados pela França no interesse da Alemanha, recolha essa que teve lugar em território alemão (26).
72. Esta questão é, em parte, hipotética, uma vez que a recolha de elementos de prova foi uma iniciativa francesa empreendida para a sua própria investigação. A descoberta dos utilizadores alemães da EncroChat foi a consequência, e não a causa, da interceção de telecomunicações.
73. A circunstância de alguns utilizadores da EncroChat se encontrarem em território alemão não tem, a meu ver, qualquer relevância sobre o conceito de autoridade de emissão. Uma vez que uma DEI só pode ser emitida para medidas disponíveis em processos internos semelhantes, aplicam‑se as mesmas regras nacionais relativas à autoridade de emissão independentemente do local onde a medida de investigação foi executada e por quem. A única diferença consiste em saber se será utilizada uma DEI ou uma decisão nacional de investigação (27).
Conclusão provisória
74. Quando uma medida subjacente no Estado de execução tiver sido autorizada por um juiz, uma DEI para a transferência desses elementos de prova não tem de ser emitida por um juiz, mesmo que, ao abrigo do direito do Estado de emissão, a recolha de elementos de prova subjacente tenha de ser ordenada por um juiz.
75. O facto de a interceção ter sido efetuada no território de outro Estado‑Membro não tem qualquer incidência na determinação da autoridade de emissão.
3. Artigo 6.o, n.o 1, alínea a), da Diretiva DEI, e proporcionalidade
76. De acordo com o artigo 6.o, n.o 1, alínea a), da Diretiva DEI, uma DEI deve ser necessária e proporcionada para efeitos do processo penal, tendo em conta os direitos do suspeito ou do arguido (28).
77. Essa avaliação da proporcionalidade é orientada tanto pelo direito da União como pelo direito do Estado de emissão (29).
78. A autoridade de emissão deve estar convencida de que a DEI é necessária e proporcionada à luz das circunstâncias existentes no momento da emissão da DEI. A este respeito, é com razão que M.N. alega que, para efeitos da avaliação da proporcionalidade de uma DEI, é certamente irrelevante o facto de a investigação criminal ter sido bem-sucedida e ter resultado em várias condenações por crimes graves.
79. A questão relevante é, antes, a de saber se o nível de intromissão na vida privada, que implica o acesso do Ministério Público aos elementos de prova transferidos, pode ser justificado pela importância do interesse público na investigação ou no processo penal em causa, tendo em conta as circunstâncias do caso concreto.
80. A este respeito, na sua jurisprudência relativa à Diretiva Privacidade Eletrónica (30), o Tribunal de Justiça considerou que o acesso das autoridades públicas aos dados de tráfego e de localização constitui sempre uma ingerência grave na vida privada das pessoas em causa (31).
81. Embora a Diretiva Privacidade Eletrónica não se aplique enquanto tal ao caso em apreço (32), as conclusões sobre a ingerência grave nos direitos fundamentais causada pelo acesso aos dados de tráfego e de localização são igualmente relevantes para o caso em apreço: o acesso das autoridades públicas alemãs aos dados de comunicação transferidos de França pode ser caracterizado como uma grave ingerência nos direitos fundamentais. No entanto, mesmo uma ingerência grave pode ser justificada por um interesse público de particular importância (33).
82. Esse interesse só pode ser apreciado pela autoridade de emissão (ou pelo órgão jurisdicional nacional de fiscalização, de acordo com o artigo 14.o, n.o 2, da Diretiva DEI) à luz de todas as circunstâncias do caso, que é regido principalmente pelo direito nacional (34). Como já expliquei, o direito nacional relevante é o que regula a transferência de elementos de prova de um processo penal para outro.
83. O Tribunal de Justiça não pode substituir‑se à autoridade de emissão ou ao órgão jurisdicional nacional de fiscalização na apreciação da proporcionalidade de uma DEI concreta. Além de não ser competente para o fazer, o Tribunal de Justiça também não tem pleno conhecimento de todos os elementos de direito e de facto relevantes que envolvem uma determinada investigação criminal. Por conseguinte, não cabe ao Tribunal de Justiça decidir se é desproporcionado ordenar a transferência dos dados de todos os utilizadores da EncroChat para a Alemanha na falta de elementos de prova concretos dos crimes cometidos.
84. Com a sua Questão 2, alínea b), o órgão jurisdicional de reenvio pergunta se o caráter secreto do método de interceção dos dados deve ser tomado em consideração na avaliação da proporcionalidade, quando a integridade dos dados recolhidos não puder ser verificada pelas autoridades do Estado de execução.
85. Na minha opinião, o caráter secreto pode efetivamente influenciar a possibilidade de defesa do suspeito ou do arguido. Todavia, tal é relevante para a admissibilidade dos elementos de prova, abordada no quinto grupo de questões do órgão jurisdicional de reenvio.
Conclusão provisória
86. A avaliação da necessidade e da proporcionalidade de uma DEI que requer a transferência dos elementos de prova existentes é da competência da autoridade de emissão, com a possibilidade de fiscalização pelo órgão jurisdicional nacional competente. Esta avaliação deve ter em consideração o facto de o acesso da autoridade nacional aos dados de comunicação intercetados constituir uma ingerência grave na vida privada das pessoas em causa. Esta ingerência deve ser contrabalançada por um interesse público sério na investigação e na repressão de crimes.
4. O Direito da União exige que a proporcionalidade seja avaliada por um tribunal em casos de ingerência grave nos direitos fundamentais?
87. Com a sua Questão 1, alínea c), o órgão jurisdicional de reenvio pergunta se o direito da União, independentemente do direito nacional aplicável, exige que um tribunal autorize o acesso de um magistrado do Ministério Público aos elementos de prova obtida através da interceção de comunicações.
88. O órgão jurisdicional de reenvio sugeriu que a emissão de uma DEI para a transferência de elementos de prova que consistem em telecomunicações intercetadas requer sempre uma autorização judicial. Esse órgão jurisdicional referiu‑se ao Acórdão Prokuratuur.
89. Nesse acórdão, o Tribunal de Justiça considerou que o facto de permitir o acesso das autoridades públicas aos dados conservados pelos prestadores de serviços de telecomunicações exige a autorização prévia de um tribunal ou de outro órgão imparcial (35). O Tribunal de Justiça baseou‑se no argumento convincente do seu advogado‑geral (36), segundo o qual o magistrado do Ministério Público, que é parte no processo penal, não pode ser considerado imparcial. Por esta razão, é questionável se esse organismo pode efetuar a avaliação da proporcionalidade sem colocar os interesses da acusação à frente dos interesses da vida privada e da proteção de dados dos suspeitos e dos arguidos.
90. Uma vez que o artigo 6.o, n.o 1, alínea a), da Diretiva DEI, também exige que uma DEI seja proporcionada, coloca‑se a questão de saber se, seguindo a lógica do Prokuratuur, um magistrado do Ministério Público pode alguma vez ser habilitado a efetuar essa avaliação da proporcionalidade.
91. A Diretiva DEI deixou a questão de saber se um magistrado do Ministério Público pode emitir uma DEI às ordens jurídicas nacionais. Isto faz sentido tendo em conta as diferenças na organização dos sistemas de justiça penal nos Estados‑Membros. Esta apreciação pelas ordens jurídicas nacionais implica a questão de saber se o magistrado do Ministério Público pode efetuar uma avaliação imparcial da proporcionalidade. Se enquanto parte no processo penal o magistrado do Ministério Público tornasse inadequado emitir uma DEI, o artigo 2.o, alínea c), subalínea i), da Diretiva DEI, deixaria de fazer sentido.
92. No entanto, o órgão jurisdicional de reenvio quis sugerir que o direito da União deve intervir e exigir uma autorização judicial apenas quando as medidas implicam uma ingerência grave nos direitos fundamentais. Era esse o caso no Prokuratuur e noutros processos relativos à Diretiva Privacidade Eletrónica.
93. A resposta breve é que a Diretiva Privacidade Eletrónica e a jurisprudência relevante não se aplicam à presente situação. Só são relevantes quando os prestadores de serviços de telecomunicações são obrigados, por força do direito nacional, a conservar os dados de tráfego e de localização associados a telecomunicações e quando as autoridades públicas exigem o acesso aos dados assim conservados. Quando a interceção é efetuada diretamente pelos Estados‑Membros sem que sejam impostas quaisquer obrigações aos prestadores de serviços de telecomunicações, não é aplicável a Diretiva Privacidade Eletrónica, mas sim o direito nacional (37).
94. No entanto, se aprofundarmos a lógica do Acórdão Prokuratuur, como foi sugerido pelo órgão jurisdicional de reenvio, podemos perguntar‑nos porque é que o Tribunal de Justiça considerou que, pela natureza das suas funções, um magistrado do Ministério Público não está em condições de efetuar uma avaliação imparcial da proporcionalidade quando se trata de pedir dados de telecomunicações aos prestadores de serviços de rede.
95. No contexto da Diretiva Privacidade Eletrónica, os dados a que um magistrado do Ministério Público tem acesso são sempre os que estão na posse dos operadores de telecomunicações que, por força do direito nacional, são obrigados a conservar os dados de tráfego e de localização da população em geral. Os dados assim conservados não dizem respeito a um caso específico, mas a uma vigilância em massa. O pedido de acesso de um magistrado do Ministério Público a uma investigação criminal concreta é a primeira ocasião em que podem ser tidas em consideração circunstâncias individuais. Por conseguinte, justificava‑se exigir a um tribunal que avaliasse a proporcionalidade desse acesso; a intervenção de um tribunal é necessária para evitar a utilização abusiva de um acesso generalizado e massivo aos dados conservados.
96. Este facto distingue as conclusões do Prokuratuur da situação em apreço. No caso vertente, os dados a transferir não são recolhidos de forma indiscriminada junto de toda a população, mas para efeitos de uma investigação criminal concreta em França. Nesta primeira etapa, que disponibilizou esses dados, a recolha dos mesmos estava sob o controlo de um tribunal.
97. Por conseguinte, o nível de intromissão nos direitos fundamentais à vida privada e à proteção de dados, na origem do Acórdão Prokuratuur, não coincide com o nível de intromissão no contexto do caso dos autos. Os dados, cuja transferência foi solicitada pelas três DEI emitidas pelo Ministério Público de Frankfurt, limitavam‑se aos utilizadores da EncroChat na Alemanha, no contexto em que existia uma suspeita de que este serviço é principalmente utilizado para a prática de infrações.
98. Isto não significa que a intromissão na vida privada destas pessoas não seja importante. No entanto, não pode comparar‑se com a vigilância massiva da população em geral.
99. Além de obrigar a autoridade de emissão a realizar e explicar a sua avaliação da proporcionalidade, a Diretiva DEI prevê garantias adicionais. Se os magistrados do Ministério Público violarem os direitos fundamentais, o artigo 14.o, n.o 1, da Diretiva DEI, exige que os Estados‑Membros assegurem vias de recurso equivalentes às existentes em processos internos semelhantes. Por conseguinte, o suspeito ou o arguido deve poder impugnar a avaliação da proporcionalidade efetuada pelo magistrado do Ministério Público aquando da emissão de uma DEI para a transferência de elementos de prova (38). Não é esse o caso no contexto da Diretiva Privacidade Eletrónica.
100. Por último, gostaria de abordar brevemente a relevância da Diretiva Proteção de Dados na Aplicação da Lei (39) para a determinação da autoridade de emissão. Esta questão colocou‑se porque o Tribunal de Justiça, no seu Acórdão La Quadrature du Net, explicou que a Diretiva Privacidade Eletrónica não se aplica à interceção direta de dados. Em vez disso, aplica‑se o direito nacional, «sem prejuízo da aplicação da [Diretiva Proteção de Dados na Aplicação da Lei]»(40). A questão consiste, portanto, em saber se da Diretiva Proteção de Dados na Aplicação da Lei decorre a obrigação de um tribunal emitir uma DEI para a transferência dos elementos de prova existentes, quando estes consistem em dados intercetados.
101. Com efeito, a Diretiva Proteção de Dados na Aplicação da Lei, que protege os dados pessoais no domínio das investigações criminais, é aplicável às circunstâncias do caso em apreço (41). No entanto, a meu ver, esta diretiva não contém nenhuma regra que permita ao Tribunal de Justiça concluir que o direito da União impõe aos Estados‑Membros a obrigação de garantir uma autorização judicial prévia de acesso direto do magistrado do Ministério Público aos dados obtidos através da interceção de comunicações.
102. Esta diretiva regula as obrigações das autoridades públicas que atuam como responsáveis pelo tratamento de dados, as quais são obrigadas, nomeadamente, a proceder a uma avaliação da proporcionalidade (42), mas não determina de que autoridades se trata.
Conclusão provisória
103. O direito da União não exige que uma DEI para a transferência dos elementos de prova existentes recolhidos através da interceção de telecomunicações seja emitida por um tribunal, se o direito nacional previr que um magistrado do Ministério Público pode ordenar essa transferência no âmbito de um processo interno semelhante.
D. Artigo 31.o da Diretiva DEI e a obrigação de notificação
104. Com o seu quarto grupo de questões, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta se a interceção de comunicações efetuada pelas autoridades francesas devia ter sido sujeita à obrigação de notificação prevista no artigo 31.o da Diretiva DEI. Em caso afirmativo, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta igualmente se essa notificação devia ter sido dirigida a um juiz, uma vez que, segundo o direito alemão, só um juiz poderia autorizar a interceção de comunicações.
105. As disposições pertinentes do artigo 31.o da Diretiva DEI têm a seguinte redação:
«1. Caso seja autorizada, para efeitos da realização de uma medida de investigação, a interceção de telecomunicações pela autoridade competente de um Estado‑Membro («Estado‑Membro intercetante»), e o endereço de comunicação do sujeito que é alvo da interceção especificado no mandado de interceção estiver a ser utilizado no território de outro Estado‑Membro («Estado‑Membro notificado»), cuja assistência técnica não é necessária para efetuar a interceção, o Estado‑Membro intercetante informa dessa interceção a autoridade competente do Estado‑Membro notificado:
a) Antes da interceção, se a autoridade competente do Estado‑Membro intercetante souber, ao pedir a interceção, que o sujeito que é alvo da interceção está ou estará no território do Estado‑Membro notificado;
b) Durante a interceção ou depois de esta ter sido feita, logo que tenha conhecimento de que o sujeito que é alvo da interceção está ou esteve, durante a interceção, no território do Estado‑Membro notificado.
2. A notificação referida no n.o 1 é efetuada utilizando o formulário que consta do anexo C.»
[…]»
106. O artigo 31.o da Diretiva DEI diz respeito às situações em que um Estado‑Membro procede à interceção de telecomunicações no território de outro Estado‑Membro, sem necessidade de assistência técnica deste último Estado (43).
107. Esta disposição prossegue dois objetivos. Em primeiro lugar, enquanto continuação da cortesia internacional dos anteriores acordos em matéria de auxílio judiciário mútuo (44), o papel da obrigação de notificação consiste em reforçar a confiança mútua entre os participantes no espaço de liberdade, segurança e justiça (45). Em segundo lugar, o papel da notificação é permitir ao Estado‑Membro notificado proteger os direitos fundamentais dos indivíduos no seu território (46).
108. O artigo 31.o da Diretiva DEI aplica‑se a uma situação em que uma medida transfronteiriça está em curso, embora na ausência de uma DEI, porque está a ser realizada unilateralmente por um Estado‑Membro (47).
109. Esta interpretação decorre da redação do artigo 31.o, da Diretiva DEI, que não faz qualquer referência à emissão de uma DEI, ao contrário do artigo 30.o da mesma diretiva. Do mesmo modo, o artigo 31.o não utiliza as expressões «de emissão» e «de execução», mas Estados‑Membros «intercetante» e «notificado» (48).
110. Na minha opinião, esta disposição visa precisamente situações como a interceção pela França de dados de telecomunicações em telemóveis na Alemanha no âmbito da investigação criminal francesa. Por conseguinte, a França deveria ter informado as autoridades alemãs logo que se apercebesse de que uma parte dos dados intercetados provinha de telemóveis na Alemanha (49).
111. Que autoridade alemã deveria ter sido notificada pela França? A Diretiva DEI não impõe aos Estados‑Membros a obrigação de designarem a autoridade nacional competente para receber estas notificações, como o faz em algumas outras situações (50). Por conseguinte, o Estado intercetante não pode saber qual é o organismo competente para receber essa notificação no Estado‑Membro notificado.
112. Assim, a França não era obrigada a notificar um tribunal alemão competente, mas poderia igualmente ter notificado, por exemplo, um magistrado do Ministério Público. Cabe aos Estados‑Membros notificados receber essa notificação e transmiti‑la à autoridade competente nos termos do direito nacional.
Conclusão provisória
113. Um Estado‑Membro que, no âmbito da sua investigação ou do seu processo penal unilateral, intercete telecomunicações no território de outro Estado‑Membro deve notificar a este a interceção.
114. Esta notificação pode ser apresentada a qualquer autoridade que o Estado‑Membro intercetante considere adequada, uma vez que esse Estado não pode saber qual a autoridade competente num processo interno semelhante.
115. O artigo 31.o da Diretiva DEI tem por objetivo proteger os utilizadores individuais de telecomunicações em causa e a soberania do Estado‑Membro notificado.
E. Admissibilidade dos elementos de prova
116. Com o seu quinto grupo de questões, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta essencialmente se a constatação de que uma DEI foi emitida em violação dos requisitos previstos na Diretiva DEI implica a inadmissibilidade desses elementos de prova no processo penal no Estado‑Membro de emissão. Esse órgão jurisdicional baseia‑se nos princípios da equivalência e da efetividade. Esta última é invocada de modo que, se os elementos de prova obtidos em violação da Diretiva DEI fossem, ainda assim, utilizados no Estado de emissão, isso prejudicaria a efetividade desta diretiva.
117. A resposta a este grupo de perguntas pode ser concisa: o direito da União não regula a admissibilidade dos elementos de prova em processos penais.
118. Embora, nos termos do artigo 82.o, n.o 2, alínea a), TFUE, a União Europeia esteja habilitada a introduzir uma harmonização mínima da admissibilidade mútua dos elementos de prova, tal ainda não ocorreu (51).
119. A única referência à apreciação dos elementos de prova obtidos através de uma DEI é feita no artigo 14.o, n.o 7, segunda frase, da Diretiva DEI: «Sem prejuízo do disposto no direito processual nacional, os Estados‑Membros asseguram‑se de que, no processo penal no Estado de emissão, quando da avaliação dos elementos de prova obtidos através da DEI, são respeitados os direitos da defesa e a equidade do processo» (52).
120. Na audiência, interrogada sobre o eventual impacto desta disposição nas regras de admissibilidade dos elementos de prova nos Estados‑Membros, a Comissão indicou que formular uma conclusão do género seria excessivo. Explicou que esta frase se limita a recordar que os direitos protegidos pelos artigos 47.o e 48.o da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia («Carta») devem ser respeitados. Inclino‑me para esta interpretação, que reconhece que, atualmente, o processo político da União não está a avançar quanto à disciplina da admissibilidade dos elementos de prova.
121. Tanto quanto é do meu conhecimento, o mais próximo que o direito da União chegou de disciplinar a admissibilidade dos elementos de prova é o artigo 37.o, n.o 1, do Regulamento sobre a Procuradoria Europeia (53): «Os meios de prova apresentados ao órgão jurisdicional pela Procuradoria Europeia ou pelo demandado não devem ser recusados unicamente pelo facto de terem sido recolhidos noutro Estado‑Membro ou em conformidade com o direito de outro Estado‑Membro.»
122. No entanto, esta disposição apenas nos diz que os elementos de prova não devem ser excluídos pelo facto de terem sido recolhidos no estrangeiro ou ao abrigo da legislação de outro Estado‑Membro; não impõe outras restrições ao juiz nacional quanto à forma como deve apreciar a admissibilidade dos elementos de prova.
123. A mesma abordagem pode ser encontrada na jurisprudência do TEDH. Esse órgão jurisdicional indicou claramente que a admissibilidade dos elementos de prova é da competência do direito nacional (54), ao passo que, no âmbito da apreciação de uma eventual violação do artigo 6.o do TEDH, «o Tribunal de Justiça analisará o processo no seu todo, tendo em conta os direitos de defesa, mas também os interesses do público e das vítimas no âmbito da ação penal adequada e, se for caso disso, os direitos das testemunhas» (55).
124. Embora a doutrina critique a insuficiência de tal norma, em particular, tendo em consideração as diferenças existentes entre as legislações processuais dos Estados‑Membros (56), tal não altera o facto de que, atualmente, a admissibilidade dos elementos de prova não está disciplinada a nível da União.
125. Em resumo, no estado atual de desenvolvimento do direito da União, a questão de saber se os elementos de prova obtidos em violação do direito nacional ou do direito da União são admissíveis é regida pelo direito dos Estados‑Membros.
126. As consequências do eventual incumprimento das condições de emissão de uma DEI na Diretiva DEI são raras: o artigo 6.o, n.o 3, da Diretiva DEI prevê que, se a autoridade de execução tiver razões para considerar que o artigo 6.o, n.o 1, não foi cumprido, pode consultar a autoridade de emissão quanto à importância de execução de uma DEI e, após essa consulta, a autoridade de emissão pode decidir retirar a DEI.
127. Em conclusão, a questão da admissibilidade dos elementos de prova é atualmente da competência do direito nacional. No entanto, nas matérias em que se aplica o direito da União, as disposições nacionais pertinentes não devem violar os artigos 47.o e 48.o da Carta (57).
128. Os princípios processuais da equivalência e da efetividade aplicam‑se às situações em que o direito da União confere direitos aos particulares sem vias de recurso. Os Estados‑Membros devem assegurar que um direito da União possa ser obtido nas mesmas condições que um direito nacional comparável e que as regras processuais aplicáveis não tornem praticamente impossível a aplicação desses direitos (58).
129. No entanto, não existe qualquer direito em matéria de (in)admissibilidade dos elementos de prova conferido aos particulares com base no direito da União. Os princípios da equivalência e da efetividade não são aplicáveis.
130. Por último, mesmo que a inadmissibilidade dos elementos de prova como consequência da violação da Diretiva DEI pudesse (presumivelmente) reforçar o seu efeito útil, isso não habilita o Tribunal de Justiça a criar tal regra.
Conclusão provisória
131. O direito da União não regula, nesta fase do seu desenvolvimento, a admissibilidade dos elementos de prova recolhidos através de uma DEI emitida em violação das exigências da Diretiva DEI. A admissibilidade dos elementos de prova rege‑se pelo direito nacional, que deve, todavia, respeitar as exigências dos direitos de defesa previstos nos artigos 47.o e 48.o da Carta.
IV. Conclusão
132. Tendo em conta as considerações precedentes, proponho que o Tribunal de Justiça responda às questões prejudiciais submetidas pelo Landgericht Berlin (Tribunal Regional de Berlim, Alemanha) do seguinte modo:
(1) Em resposta ao primeiro grupo de questões prejudiciais:
Quando uma medida subjacente no Estado de execução tiver sido autorizada por um juiz, não é necessário que uma DEI para a transferência desses elementos de prova seja também emitida por um juiz, mesmo que, ao abrigo do direito do Estado de emissão, a recolha de elementos de prova subjacente tenha de ser ordenada por um juiz.
O facto de a interceção ter sido efetuada no território de outro Estado‑Membro não é relevante na determinação da autoridade de emissão.
O direito da União não exige que uma DEI para a transferência dos elementos de prova existentes recolhidos através da interceção de telecomunicações seja emitida por um tribunal, se o direito nacional previr que um magistrado do Ministério Público pode ordenar essa transferência no âmbito de um processo interno semelhante.
(2) Em resposta ao segundo grupo de questões prejudiciais:
A avaliação da necessidade e da proporcionalidade de uma DEI que requer a transferência dos elementos de prova existentes é da competência da autoridade de emissão, com a possibilidade de fiscalização pelo tribunal nacional competente. Esta avaliação deve ter em consideração o facto de o acesso da autoridade nacional aos dados de comunicação intercetados constituir uma ingerência grave na vida privada das pessoas interessadas. Esta ingerência deve ser contrabalançada por um interesse público sério na investigação e na repressão de crimes.
(3) Em resposta ao terceiro grupo de questões prejudiciais:
Quando uma DEI é emitida para a transferência de elementos de prova já na posse de outro Estado, a referência a um caso interno semelhante ao abrigo do artigo 6.o, n.o 1, alínea b), da Diretiva 2014/41/EU do Parlamento Europeu e do Conselho, de 3 de abril de 2014, relativa à decisão europeia de investigação em matéria penal, exige que a autoridade de emissão determine se e em que condições a legislação nacional pertinente permite a transferência de elementos de prova obtidos através da interceção de comunicações entre processos penais internos.
Ao decidir se pode emitir uma DEI para a transferência de elementos de prova existentes, a autoridade de emissão não pode apreciar a legalidade da recolha de elementos de prova subjacente no Estado de execução cuja transferência seja exigida através de uma DEI.
É irrelevante para a resposta anterior o facto de as medidas subjacentes terem sido adotadas no território do Estado de emissão, ou no interesse desse Estado.
(4) Em resposta ao quarto grupo de questões prejudiciais:
Um Estado‑Membro que, no âmbito da sua investigação ou do seu processo penal unilateral, intercete telecomunicações no território de outro Estado‑Membro deve notificar a este a interceção.
Esta notificação pode ser apresentada a qualquer autoridade que o Estado‑Membro intercetante considere adequada, uma vez que esse Estado não pode saber qual a autoridade competente num caso interno semelhante.
O artigo 31.o da Diretiva 2014/41 tem por objetivo proteger os utilizadores individuais de telecomunicações em causa e a soberania do Estado‑Membro notificado.
(5) Em resposta ao quinto grupo de questões prejudiciais:
O direito da União Europeia não disciplina, na fase atual do seu desenvolvimento, a admissibilidade dos elementos de prova recolhidos através de uma DEI emitida em violação das exigências da Diretiva 2014/41. A admissibilidade dos elementos de prova é uma questão de direito nacional, que deve, todavia, respeitar as exigências dos direitos de defesa previstos nos artigos 47.o e 48.o da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia.