Language of document : ECLI:EU:C:2018:975

CONCLUSÕES DA ADVOGADA‑GERAL

ELEANOR SHARPSTON

apresentadas em 29 de novembro de 2018(1)

Processos apensos C582/17 e C583/17

Staatssecretaris van Veiligheid en Justitie

contra

H. (C582/17)

R. (C583/17)

[pedido de decisão prejudicial apresentado pelo Raad van State (Conselho de Estado, em formação jurisdicional, Países Baixos)]

«Reenvio prejudicial — Regulamento (UE) n.o 604/2013 — Determinação do Estado‑Membro responsável por apreciar um pedido de proteção internacional apresentado num dos Estados‑Membros por um nacional de um país terceiro — Pedidos sucessivos apresentados em dois Estados‑Membros — Pedido de retomada a cargo — Aplicação dos critérios de determinação do Estado‑Membro responsável por parte do Estado‑Membro requerente — Artigo 27.o — Possibilidade de o âmbito da fiscalização judicial abranger a aplicação incorreta dos critérios previstos no capítulo III por parte do Estado‑Membro requerente»






1.        Através dos dois presentes pedidos de decisão prejudicial, o Raad van State [Conselho de Estado, em formação jurisdicional, Países Baixos)] pretende obter orientação sobre a aplicação do Regulamento (UE) n.o 604/2013, que estabelece os critérios e mecanismos de determinação do Estado‑Membro responsável pela análise de um pedido de proteção internacional apresentado num dos Estados‑Membros por um nacional de um país terceiro ou por um apátrida (2). Quando nacionais de países terceiros se deslocam de um Estado‑Membro para outro Estado‑Membro e apresentam pedidos de proteção internacional em cada um, o segundo Estado‑Membro envia um pedido de retomada a cargo e adota uma decisão de transferência da pessoa em causa para o primeiro Estado‑Membro. O órgão jurisdicional de reenvio pretende saber: (i) se o segundo Estado‑Membro pode (ou é mesmo obrigado) aplicar os critérios estabelecidos no Regulamento Dublim III (nomeadamente, os que respeitam à unidade da família) para determinar qual é o Estado‑Membro responsável; e (ii) se os direitos de revisão ou de recurso garantidos por este regulamento podem ser exercidos para contestar a aplicação incorreta dos referidos critérios.

 Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia

2.        O artigo 7.o da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia (a seguir «Carta») (3) garante o respeito pela vida familiar (4). O primeiro parágrafo do artigo 47.o estabelece que toda a pessoa cujos direitos e liberdades garantidos pelo direito da União Europeia tenham sido violados tem direito a uma ação perante um tribunal (5).

3.        O artigo 52.o, n.o 3, da Carta dispõe que, na medida em que esta «[…] contenha direitos correspondentes aos direitos garantidos pela [CEDH], o sentido e o âmbito desses direitos são iguais aos conferidos por essa [CEDH]. Esta disposição não obsta a que o direito da União confira uma proteção mais ampla».

 Regulamento Dublim III

4.        O sistema de Dublim estabelece os critérios e mecanismos para determinar o Estado‑Membro responsável pela apreciação dos pedidos de proteção internacional (6).

5.        Os considerandos do Regulamento Dublim III estabelecem o seguinte:

–        O SECA inclui um método claro e operacional para determinar o Estado‑Membro responsável pela análise dos pedidos de asilo (7).

–        Este método deverá basear‑se em critérios objetivos e equitativos, tanto para os Estados‑Membros como para as pessoas em causa. Deverá, permitir, nomeadamente, uma determinação rápida do Estado‑Membro responsável […] (8).

–        De acordo com a CEDH, reconhecida pela Carta, o respeito pela vida familiar deve constituir uma preocupação fundamental dos Estados‑Membros ao aplicarem o Regulamento Dublim III (9).

–        A fim de garantir a proteção efetiva dos direitos das pessoas em causa, deverão ser previstas garantias legais e o direito efetivo de recurso contra as decisões de transferência para o Estado‑Membro responsável, nos termos, nomeadamente, do artigo 47.o da Carta. A fim de garantir o respeito do direito internacional, o direito efetivo de recurso contra essas decisões deverá abranger a análise da aplicação do presente regulamento e da situação jurídica e factual no Estado‑Membro para o qual o requerente é transferido (10).

–        No que se refere ao tratamento das pessoas abrangidas pelo âmbito de aplicação do Regulamento Dublim III, os Estados‑Membros encontram‑se vinculados pelas obrigações que lhes incumbem por força de instrumentos de direito internacional, nomeadamente pela jurisprudência pertinente do Tribunal Europeu dos Direitos do Homem (11). O Regulamento Dublim III é conforme com os direitos fundamentais e visa assegurar o pleno respeito do direito de asilo garantido pelo artigo 18.o da Carta, bem como, entre outros, dos direitos nela reconhecidos nos artigos 4.o, 7.o e 47.o (12).

6.        O artigo 1.o dispõe que o Regulamento Dublim III «[…] estabelece os critérios e mecanismos para a determinação do Estado‑Membro responsável pela análise dos pedidos de proteção internacional apresentados num dos Estados‑Membros por um nacional de um país terceiro ou por um apátrida (a seguir designado “Estado‑Membro responsável”).» (13)

7.        Os seguintes termos são definidos no artigo 2.o:

«(c) “Requerente” um nacional de um país terceiro ou um apátrida que apresentou um pedido de proteção internacional pendente de decisão definitiva;

(d) “Análise de um pedido de proteção internacional” o conjunto das medidas de análise, das decisões ou das sentenças relativas a um pedido de proteção internacional tomadas pelas autoridades competentes ou delas emanadas em conformidade com [a Diretiva Procedimentos] e com [a Diretiva Qualificação], com exceção dos procedimentos de determinação do Estado‑Membro responsável nos termos do Regulamento [Dublim III];

(e) “Retirada de um pedido de proteção internacional” as ações através das quais, explícita ou tacitamente, o requerente põe termo ao procedimento desencadeado pela introdução do seu pedido de proteção internacional, em conformidade com [a Diretiva Procedimentos];

[…]

(g) “Membros da família” desde que a família tenha sido constituída previamente no país de origem, os seguintes membros do grupo familiar do requerente, presentes no território dos Estados‑Membros:

–        o cônjuge do requerente ou o seu companheiro numa relação duradoura, se a lei ou a prática do Estado‑Membro em causa tratar de forma comparável os casais que contraíram e os casais que não contraíram matrimónio na sua legislação sobre os nacionais de países terceiros,

[…]»

8.        O artigo 3.o tem por epígrafe «Acesso ao procedimento de análise de um pedido de proteção internacional». Estabelece que:

«(1)      Os Estados‑Membros analisam todos os pedidos de proteção internacional apresentados por nacionais de países terceiros ou por apátridas no território de qualquer Estado‑Membro, inclusive na fronteira ou nas zonas de trânsito. Os pedidos são analisados por um único Estado‑Membro, que será aquele que os critérios enunciados no capítulo III designarem como responsável.

(2)      Caso o Estado‑Membro responsável não possa ser designado com base nos critérios enunciados no [Regulamento Dublim III], é responsável pela análise do pedido de proteção internacional o primeiro Estado‑Membro em que o pedido tenha sido apresentado.

Caso seja impossível transferir um requerente para o Estado‑Membro inicialmente designado responsável por existirem motivos válidos para crer que há falhas sistémicas no procedimento de asilo e nas condições de acolhimento dos requerentes nesse Estado‑Membro, que impliquem o risco de tratamento desumano ou degradante na aceção do artigo 4.o da [Carta], o Estado‑Membro que procede à determinação do Estado‑Membro responsável prossegue a análise dos critérios estabelecidos no capítulo III a fim de decidir se algum desses critérios permite que outro Estado‑Membro seja designado responsável.

Caso não possa efetuar‑se uma transferência ao abrigo do presente número para um Estado‑Membro designado com base nos critérios estabelecidos no capítulo III ou para o primeiro Estado‑Membro onde foi apresentado o pedido, o Estado‑Membro que procede à determinação do Estado‑Membro responsável passa a ser o Estado‑Membro responsável.

[…]»

9.        O capítulo III do Regulamento Dublim III («Critérios de determinação do Estado‑Membro responsável») inicia‑se no artigo 7.o, que estabelece a hierarquia dos «critérios do capítulo III» e dispõe:

«(1)      Os critérios de determinação do Estado‑Membro responsável aplicam‑se pela ordem em que são enunciados no presente capítulo.

(2)      A determinação do Estado‑Membro responsável em aplicação dos critérios enunciados no presente capítulo é efetuada com base na situação existente no momento em que o requerente tiver apresentado pela primeira vez o seu pedido de proteção internacional junto de um Estado‑Membro.

(3)      Para a aplicação dos critérios referidos nos artigos 8.o, 10.o, e 16.o, os Estados‑Membros devem ter em consideração todos os elementos de prova disponíveis que digam respeito à presença, no território de um Estado‑Membro, de membros da família, de familiares ou de outros parentes do requerente, na condição de tais elementos de prova serem apresentados antes de outro Estado‑Membro ter aceitado o pedido de tomada ou retomada a cargo da pessoa em causa, nos termos dos artigos 22.o e 25.o, respetivamente, e de os anteriores pedidos de proteção internacional do requerente não terem sido ainda objeto de uma primeira decisão quanto ao mérito.» (14)

10.      O artigo 9.o (inserido no capítulo III) é relativo a membros da família beneficiários de proteção internacional. Estabelece que, «[s]e um membro da família do requerente, independentemente de a família ter sido constituída previamente no país de origem, tiver sido autorizado a residir como beneficiário de proteção internacional num Estado‑Membro, esse Estado‑Membro é responsável pela análise do pedido de proteção internacional, desde que os interessados manifestem o seu desejo por escrito.»

11.      O artigo 17.o, n.o 1, estabelece que, «[e]m derrogação do artigo 3.o, n.o 1, cada Estado‑Membro pode decidir analisar um pedido de proteção internacional que lhe seja apresentado por um nacional de um país terceiro ou por um apátrida, mesmo que essa análise não seja da sua competência por força dos critérios definidos no [Regulamento Dublim III]» (15).

12.      As obrigações do Estado‑Membro responsáveis constam do capítulo V. Incluem a obrigação prevista no artigo 18.o, n.o 1, alínea a), de «[t]omar a cargo, nas condições previstas nos artigos 21.o, 22.o e 29.o, o requerente que tenha apresentado um pedido noutro Estado‑Membro» e, na alínea b), de «[r]etomar a cargo, nas condições previstas nos artigos 23.o, 24.o, 25.o e 29.o, o requerente cujo pedido esteja a ser analisado e que tenha apresentado um pedido noutro Estado‑Membro, ou que se encontre no território de outro Estado‑Membro sem possuir um título de residência» (16).

13.      O capítulo VI estabelece os procedimentos de tomada e retomada a cargo de requerentes de proteção internacional. Nos termos do artigo 20.o que figura na secção I:

«(1)      O processo de determinação do Estado‑Membro responsável tem início a partir do momento em que um pedido de proteção internacional é apresentado pela primeira vez a um Estado‑Membro.

(2)      Considera‑se que um pedido de proteção internacional foi apresentado a partir do momento em que as autoridades competentes do Estado‑Membro em causa recebam um formulário apresentado pelo requerente ou um auto lavrado pela autoridade. No caso de um pedido não escrito, o período que medeia entre a declaração de intenção e a elaboração de um auto deve ser tão breve quanto possível.

[…]

(5)      O Estado‑Membro a que tiver sido apresentado pela primeira vez o pedido de proteção internacional é obrigado, nas condições previstas nos artigos 23.o, 24.o, 25.o e 29.o e a fim de concluir o processo de determinação do Estado‑Membro responsável pela análise do pedido de proteção internacional, a retomar a cargo o requerente que se encontre presente noutro Estado‑Membro sem título de residência ou aí tenha formulado um pedido de proteção internacional, após ter retirado o seu primeiro pedido apresentado noutro Estado‑Membro durante o processo de determinação do Estado responsável.

[…]».

14.      A secção II do capítulo VI é relativa aos procedimentos aplicáveis aos pedidos de tomada a cargo. O artigo 21.o, n.o 1, estabelece que «[o] Estado‑Membro ao qual tenha sido apresentado um pedido de proteção internacional e que considere que a responsabilidade pela análise desse pedido cabe a outro Estado‑Membro pode requerer a este último, o mais rapidamente possível e, em qualquer caso, no prazo de três meses a contar da apresentação do pedido na aceção do artigo 20.o, n.o 2, que proceda à tomada a cargo do requerente.»

15.      A secção do III do capítulo VI estabelece os procedimentos aplicáveis aos pedidos de retomada a cargo. O artigo 23.o é aplicável em caso de apresentação de um novo pedido no Estado‑Membro requerente. Dispõe que:

«(1)      Se o Estado‑Membro ao qual foi apresentado um novo pedido de proteção internacional pela pessoa referida no artigo 18.o, n.o 1, alíneas b), c) ou d), considerar que o responsável é outro Estado‑Membro, nos termos do artigo 20.o, n.o 5, e do artigo 18.o, n.o 1, alíneas b), c) ou d), pode solicitar a esse outro Estado‑Membro que retome essa pessoa a seu cargo.

(2)      O pedido de retomada a cargo é apresentado o mais rapidamente possível e, em qualquer caso, no prazo de dois meses após a receção do acerto do Eurodac, nos termos do artigo 9.o, n.o 5, do Regulamento [Eurodac].

Se o pedido de retomada a cargo se basear em elementos de prova diferentes dos dados obtidos através do sistema Eurodac, deve ser enviado ao Estado‑Membro requerido no prazo de três meses a contar da data de apresentação do pedido de proteção internacional, na aceção do artigo 20.o, n.o 2.

(3)      Se o pedido de retomada a cargo não for apresentado nos prazos previstos no n.o 2, a responsabilidade pela análise do pedido de proteção internacional cabe ao Estado‑Membro em que o pedido tiver sido apresentado.

[…]» (17).

16.      O artigo 27.o, n.o 1, estabelece que o requerente de proteção internacional tem direito a uma via de recurso efetiva, sob a forma de recurso ou de pedido de revisão, de facto e de direito, da decisão de transferência, para um órgão jurisdicional.

 Diretiva Procedimentos

17.      O artigo 27.o, n.o 1, da Diretiva Procedimentos estabelece que, na medida em que o seu direito interno preveja a possibilidade expressa de retirada de pedidos de proteção internacional, os Estados‑Membros asseguram que o órgão de decisão profira uma decisão de pôr termo à apreciação ou de indeferimento do pedido. Em conformidade com o artigo 28.o, quando haja motivos razoáveis para considerar que um requerente retirou tacitamente o seu pedido ou dele tacitamente desistiu, os Estados‑Membros devem igualmente assegurar que o órgão de decisão decida suspender a sua apreciação ou indeferir o pedido. Uma lista não exaustiva indica as circunstâncias em que um Estado‑Membro pode presumir que houve desistência de um pedido de proteção internacional (18).

18.      O artigo 33.o estabelece as condições em que os Estados‑Membros podem considerar não admissíveis os pedidos de proteção internacional. Estas incluem a concessão de proteção internacional por outro Estado‑Membro e o pedido ser um pedido subsequente, em que não surgiram nem foram apresentados pelo requerente novos elementos ou dados relacionados com a análise do cumprimento das condições para o requerente beneficiar da proteção internacional nos termos da Diretiva Qualificação (19).

 Direito neerlandês

19.      O Vreemdelingenwet 2000 (Lei dos estrangeiros de 2000) estabelece que um estrangeiro só é legalmente residente nos Países Baixos se possuir uma autorização de residência temporária. Um pedido de autorização de residência temporária não é apreciado se tiver sido determinado, com base no Regulamento Dublim III, que outro Estado‑Membro é responsável pela análise do pedido do nacional de um país terceiro em causa.

 Matéria de facto, tramitação processual e questões prejudiciais

 H

20.      Em 21 de janeiro de 2016, H apresentou um pedido de proteção internacional nos Países Baixos. Após um acerto positivo na base de dados do Eurodac, as autoridades neerlandesas constataram que H tinha sido registada na Grécia em 27 de dezembro de 2015 e que tinha apresentado um pedido de proteção internacional na Alemanha em 5 de janeiro de 2016. H contesta esta conclusão. Alega que foi aconselhada a fornecer as suas impressões digitais para permitir às autoridades alemãs determinar os antecedentes do seu processo e que a informação no Eurodac não deveria ter consequências para o seu pedido de proteção internacional nos Países Baixos. Em 21 de março de 2016, as autoridades neerlandesas enviaram um pedido de retomada a cargo para as suas homólogas alemãs, nos termos do artigo 18.o, n.o 1, alínea b), do Regulamento de Dublim III. As autoridades alemãs não responderam ao seu pedido no prazo de duas semanas, o que, segundo os Países Baixos, significa que a Alemanha era o Estado‑Membro responsável pela apreciação do pedido de proteção internacional de H (20). H alegou então que as autoridades neerlandesas não aplicaram adequadamente o critério do capítulo III previsto no artigo 9.o do Regulamento Dublim III e que deveria ser autorizada a pedir proteção internacional nos Países Baixos, uma vez que já tinha sido concedido asilo ao seu marido neste país e que pretendia juntar‑se a ele. Por decisão de 6 de maio de 2016, as autoridades nacionais consideraram este fundamento inválido e confirmaram que H deveria ser transferida para a Alemanha. Esta decisão foi anulada em primeira instância pelo Rechtbank Den Haag Zittingsplaats Groningen (Tribunal de Primeira Instância de Haia, com sede em Groningen, Países Baixos) com base noutros fundamentos, tendo o tribunal declarado que as autoridades competentes deveriam adotar uma nova decisão (21).

21.      H interpôs recurso no órgão jurisdicional de reenvio no qual alegou que a sentença de primeira instância estava errada, na medida em que julgou improcedente o seu pedido baseado na aplicação incorreta do critério do artigo 9.o do capítulo III.

 R

22.      Em 9 de março de 2016, R, nacional síria, apresentou um pedido de proteção internacional nos Países Baixos.

23.      R apresentou anteriormente um pedido de proteção internacional na Alemanha. As autoridades neerlandesas consideraram que a Alemanha era o Estado‑Membro responsável pela apreciação do seu pedido e, por conseguinte, efetuaram um «pedido de retomada a cargo» nos termos do artigo 18.o, n.o 1, alínea b), do Regulamento Dublim III. Inicialmente, as autoridades alemãs indeferiram este pedido com o fundamento de que R era casada com uma pessoa que beneficiava de proteção internacional nos Países Baixos.

24.      Em seguida, as autoridades neerlandesas solicitaram às suas homólogas alemãs para reconsiderarem o «pedido de retomada a cargo» com o fundamento de que a certidão de casamento de R tinha sido considerada falsa, pelo que o casamento não tinha, assim, sido considerado verdadeiro. Em 1 de junho de 2016, a Alemanha aceitou o pedido de retomada a cargo (22).

25.      Por conseguinte, as autoridades neerlandesas recusaram apreciar o pedido de proteção internacional de R.

26.      R alegou que, nos termos do artigo 9.o do Regulamento Dublim III, os Países Baixos eram o Estado‑Membro responsável pela apreciação do seu pedido de proteção internacional, uma vez que era aí que vivia o seu marido (beneficiário de proteção internacional).

27.      Por decisão de 14 de julho de 2016, as autoridades neerlandesas declararam que, uma vez que o casamento de R não devia ser considerado verdadeiro, o seu suposto marido não era um membro da família na aceção do artigo 2.o, alínea g), do Regulamento de Dublim III. Por conseguinte, R não poderia invocar o artigo 9.o deste regulamento em apoio do seu pedido. Além disso, uma vez que o processo de R envolvia um pedido de retomada a cargo em vez de um pedido de tomada a cargo, não era necessário aplicar o artigo 9.o dos critérios do capítulo III.

28.      Por sentença de 11 de agosto de 2016, o Rechtbank Den Haag (Tribunal de Primeira Instância de Haia, Países Baixos) anulou esta decisão com base em dois fundamentos. Em primeiro lugar, declarou que as autoridades neerlandesas não apreciaram se R tinha uma relação duradoura com o seu companheiro na aceção do artigo 2.o, alínea g), do Regulamento Dublim III e, em segundo lugar, que um nacional de um país terceiro podia invocar o artigo 9.o deste regulamento se as autoridades competentes tiverem efetuado um pedido de retomada a cargo ou um pedido de tomada a cargo.

29.      As autoridades neerlandesas interpuseram recurso no órgão jurisdicional de reenvio.

30.      O despacho de reenvio no processo C‑582/17 refere que os factos e circunstâncias são, em substância, idênticos aos do processo C‑583/17. Assim, o raciocínio subjacente ao pedido de decisão prejudicial nesse processo corresponde ao despacho de reenvio no processo C‑583/17. A mesma secção do Raad van State (Conselho de Estado, em formação jurisdicional) apreciou ambos os casos e proferiu os respetivos despachos de reenvio no mesmo dia.

31.      O órgão jurisdicional de reenvio considera que, por força do Regulamento Dublim III, um requerente de proteção internacional pode contestar uma decisão de transferência com o fundamento de que os critérios para determinar a responsabilidade estabelecidos no capítulo III foram aplicados erradamente apenas no Estado‑Membro onde o primeiro pedido foi apresentado. Quando esta decisão resulta de um pedido de retomada a cargo, tal contestação apenas pode ser efetuada no Estado‑Membro requerente (no caso em apreço, os Países Baixos) em circunstâncias excecionais: ou seja (i) se o pedido for incompleto ou incluir informação incorreta; (ii) se o pedido não for enviado atempadamente; (iii) se a regra estabelecida no segundo parágrafo do n.o 2, do artigo 19.o do Regulamento de Dublim III tiver sido incorretamente aplicada (23); (iv) se existirem falhas sistémicas no procedimento de asilo e nas estruturas de acolhimento para os requerentes de asilo no Estado‑Membro responsável, que constituam fundamentos sérios e factuais para presumir que o requerente corre o risco real de tratamento desumano e degradante na aceção do artigo 4.o da Carta, como referido no artigo 3.o, n.o 2, do Regulamento de Dublim III; ou (v) se a transferência for contrária ao artigo 4.o da Carta.

32.      No entanto, o órgão jurisdicional de reenvio pretende saber se a sua interpretação do Regulamento Dublim III é coerente com esta interpretação que o Tribunal de Justiça faz do artigo 27.o do mesmo regulamento (24). Recorda que este tribunal ainda não se pronunciou sobre a questão de saber se um requerente pode contestar uma decisão de transferência com base no facto de os critérios do capítulo III terem sido incorretamente aplicados apenas no primeiro Estado‑Membro onde foi apresentado um pedido de proteção internacional. Por conseguinte, o órgão jurisdicional de reenvio procura respostas às seguintes questões:

«(1)      Deve [o Regulamento Dublim III] ser interpretado no sentido de que o Estado‑Membro onde o pedido de proteção internacional foi apresentado pela primeira vez é o único que procede à determinação do Estado‑Membro responsável, daí resultando que um estrangeiro só pode invocar nesse Estado‑Membro, ao abrigo do artigo 27.o [deste regulamento], a errada aplicação de um critério de responsabilidade enunciado no capítulo III do [Regulamento de Dublim III], nomeadamente no artigo 9.o[(25)]

(2)      Qual é a relevância, para a resposta à questão 1, do facto de, no Estado‑Membro onde o pedido de proteção internacional foi apresentado pela primeira vez, este pedido já ter sido objeto de uma decisão ou ter sido prematuramente retirado pelo estrangeiro?»

33.      R, os Governos neerlandês, alemão, finlandês, do Reino Unido e suíço e a Comissão Europeia apresentaram observações escritas. H, os Governos neerlandês, alemão, finlandês e do Reino Unido, bem como a Comissão, participaram na audiência de 4 de setembro 2018 e apresentaram observações.

 Apreciação

 Observações preliminares

34.      O órgão jurisdicional de reenvio declara que as autoridades competentes consideraram que os respetivos casamentos de H e R com nacionais de países terceiros aos quais tinha sido concedida proteção internacional nos Países Baixos não eram verdadeiros. Pelo menos no processo de R, concluiu‑se em primeira instância que esta não apresentou provas do seu casamento que satisfizessem as autoridades competentes.

35.      Nos termos do artigo 2.o, alínea g), do Regulamento Dublim III, o conceito de «membros da família» abrange não só cônjuges mas também companheiros numa relação duradoura (26). Assim, é necessário que as autoridades competentes apreciem se o suposto marido em cada um dos casos é um membro da família na aceção desta disposição, de modo a determinar se o artigo 9.o deste regulamento pode ser aplicável a H ou a R.

 Pedido de retomada a cargo

36.      A base do procedimento de retomada nos processos de H e de R não é clara. O órgão jurisdicional de reenvio declara que as autoridades neerlandesas efetuaram o pedido de retomada a cargo para H e para R com base no artigo 18.o, n.o 1, alínea b), do Regulamento Dublim III. No entanto, na audiência, o Governo neerlandês afirmou que estes pedidos deviam ter sido efetuados com base no artigo 20.o, n.o 5, do mesmo regulamento, uma vez que tanto H como R se encontravam nos Países Baixos sem título de residência e o que o processo de determinação do Estado‑Membro responsável ainda não estava completo.

37.      O disposto no artigo 18.o, n.o 1, alíneas b), c) e d), e no artigo 20.o, n.o 5, do Regulamento Dublim III abrange as diferentes circunstâncias em que um requerente de proteção internacional apresenta um primeiro pedido e, em seguida, se desloca para outro Estado‑Membro e aí apresenta um segundo pedido (27). Estas disposições referem expressamente as condições de retomada a cargo de requerentes de proteção internacional previstas, inter alia, no artigo 23.o do mesmo regulamento.

38.      De acordo com a definição de «análise de um pedido de proteção internacional» que figura no artigo 2.o, alínea d), do Regulamento Dublim III, o artigo 18.o, n.o 1, alínea b), é aplicável quando tal deslocação se verifica durante a avaliação material do pedido de asilo (na aceção da Diretiva Qualificação). Não é aplicável se o processo de determinação do Estado‑Membro responsável não tiver sido completado no caso concreto. O artigo 18.o, n.o 1, alínea c), é a disposição pertinente quando os requerentes de proteção internacional retiram o pedido de asilo na aceção do artigo 27.o (retirada expressa) ou do artigo 28.o (retirada tácita ou desistência) da Diretiva Procedimentos enquanto um pedido material está sob consideração (28). O artigo 18.o, n.o 1, alínea d), é aplicável se o pedido material de proteção internacional tiver sido indeferido no primeiro Estado‑Membro (29). O procedimento de retomada a cargo é aberto nos termos do artigo 20.o, n.o 5, se a avaliação material do pedido de proteção internacional ainda não tiver começado e o processo ainda esteja na fase de determinação do Estado‑Membro responsável por força do Regulamento Dublim III.

39.      Determinar qual destas disposições constitui a base correta de cada um dos dois procedimentos de retomada a cargo irá depender dos factos. À data em que cada requerente apresentou um pedido subsequente nos Países Baixos, as autoridades alemãs encontravam‑se ainda no processo de determinação do Estado‑Membro responsável? Tinham iniciado a avaliação material de cada pedido? (30) Foram os primeiros pedidos na Alemanha retirados ou indeferidos? Assim, cabe ao órgão jurisdicional de reenvio decidir se o procedimento de retomada a cargo se baseia adequadamente no artigo 18.o, n.o 1, alíneas b), c) e d), ou no artigo 20.o, n.o 5, à luz das necessárias constatações de facto.

40.      As questões específicas submetidas pelo órgão jurisdicional de reenvio têm por objeto a interpretação do Regulamento Dublim III no que respeita à questão geral de saber como é que os critérios do capítulo III devem ser aplicados no âmbito de um procedimento de retomada a cargo. Embora a base jurídica destes procedimentos de retomada a cargo ainda não seja evidente, considero que o Tribunal de Justiça dispõe de informações suficientes para apreciar tais questões (31).

 Primeira questão prejudicial

41.      Com a sua primeira questão prejudicial, o órgão jurisdicional de reenvio pretende saber se o Regulamento Dublim III deve ser interpretado no sentido de que apenas o Estado‑Membro onde um pedido de proteção internacional foi apresentado pela primeira vez pode determinar o Estado‑Membro responsável. Se assim for, daí resulta que um nacional de um país terceiro só pode invocar nesse Estado‑Membro, nos termos do artigo 27.o do Regulamento Dublim III, a errada aplicação dos critérios do capítulo III.

 Observações gerais sobre o sistema de Dublim

42.      A sistemática geral do Regulamento Dublim III abrange o processo de determinação do Estado‑Membro responsável pela apreciação dos pedidos de proteção internacional, tais como designados pelos critérios enumerados no capítulo III (32). Os pedidos materiais são (em princípio) apreciados por um único Estado‑Membro que tais critérios estabelecem como responsável (33). A finalidade principal do sistema de Dublim consiste em determinar rapidamente qual é este Estado‑Membro (34). Quando um requerente de proteção internacional apresenta pedidos em diferentes Estados‑Membros, o Regulamento Eurodac ajuda os Estados‑Membros em causa a determinar qual é o Estado‑Membro responsável nos termos do Regulamento Dublim III (35).

43.      As alterações ao anterior sistema introduzidas pelo Regulamento Dublim III indicam que o legislador da União decidiu envolver os requerentes de proteção internacional neste processo (36). Assim, os requerentes devem ser informados dos critérios que determinam a responsabilidade e ter a oportunidade de apresentar informação relevante para a interpretação correta destes critérios (37). Tais direitos têm como fundamento o direito a um recurso efetivo da decisão de transferência adotada no termo desse processo (38).

44.      Embora o processo de designação do Estado‑Membro responsável se baseie essencialmente nos critérios do capítulo III, o capítulo VI (relativo aos pedidos de tomada a cargo e de retomada a cargo) e a observância dos prazos estritos estabelecidos em relação a estas disposições também são pertinentes para o desfecho deste processo. Considera‑se que um Estado‑Membro que não responde no prazo fixado a um pedido, aceitou esse pedido e que, por isso, se torna responsável pela apreciação do pedido de proteção internacional material (39).

45.      O Regulamento Dublim III também inclui algumas exceções expressas ao princípio geral de que o Estado‑Membro responsável é determinado apenas com base nos critérios do capítulo III. Assim, o artigo 3.o, n.o 2, segundo parágrafo, do Regulamento Dublim III substitui estes critérios quando há motivos fundamentados para crer que existem falhas sistémicas no procedimento de asilo e nas condições de acolhimento dos requerentes no Estado‑Membro em causa, que resultam num risco de tratamento desumano ou degradante na aceção do artigo 4.o da Carta (40). O objetivo do artigo 16.o, n.o 2, é alcançado quando o requerente que é dependente de um membro da sua família se encontra num Estado‑Membro distinto do Estado‑Membro responsável por força dos critérios estabelecidos no capítulo III e, inversamente, quando é este membro da família que depende da assistência do requerente (41). O artigo 17.o, n.o 1, do Regulamento Dublim III prevê igualmente, derrogando o artigo 3.o, n.o 1, que cada Estado‑Membro pode decidir analisar um pedido de proteção internacional que lhe seja apresentado mesmo que não seja o Estado‑Membro responsável por força dos critérios do capítulo III.

46.      Resumindo, o sistema de Dublim baseia‑se principalmente na aplicação dos critérios do capítulo III, mas um Estado‑Membro diferente pode tornar‑se o Estado‑Membro responsável por não ter cumprido os prazos para responder a um pedido de tomada a cargo ou de retomada a cargo ou quando o Regulamento Dublim III prevê uma exceção expressa ao sistema «normal» (42).

 Critérios do capítulo III — pedidos subsequentes de proteção internacional em diferentes EstadosMembros — mesmo requerente

47.      Os Governos neerlandês, finlandês, do Reino Unido e suíço alegam, em substância, que quando as mesmas pessoas singulares apresentam pedidos consecutivos de proteção internacional no Estado‑Membro A e no Estado‑Membro B e este efetua um pedido de retomada a cargo ao Estado‑Membro A, o Estado‑Membro B não está obrigado a aplicar os critérios do capítulo III no âmbito do pedido de retomada a cargo.

48.      Os Governos finlandês e suíço consideram que o Estado‑Membro A tem a obrigação de retomar a cargo a pessoa singular em causa em conformidade com o capítulo VI do Regulamento Dublim III e, em seguida, de aplicar os critérios do capítulo III.

49.      O Governo neerlandês alega que decorre da redação do artigo 7.o, n.o 2, do Regulamento Dublim III que o Estado‑Membro responsável é determinado com base na situação existente no momento da apresentação do primeiro pedido de proteção internacional. Isto sugere que apenas o Estado‑Membro A aplica os critérios do capítulo III. No entanto, há alguns casos excecionais previstos no artigo 7.o, n.o 3, em que outro Estado‑Membro pode aplicar os critérios do capítulo III, nomeadamente quando são aplicáveis os artigos 8.o, 10.o ou 16.o

50.      O Governo do Reino Unido alega que o Regulamento Dublim III efetua uma distinção clara entre pedidos de tomada a cargo e de retomada a cargo. Relativamente aos casos de tomada a cargo, o Estado‑Membro A determina o Estado‑Membro responsável em conformidade com os critérios do capítulo III [artigo 18.o, n.o 1, alínea a)]. Os casos de retomada a cargo baseiam‑se no princípio de que existiu um pedido anterior no Estado‑Membro A [artigo 18.o, n.o 1, alíneas b), c) e d), e artigo 20.o, n.o 5)]. Este Estado‑Membro está, assim, obrigado a retomar a cargo o requerente. Em tais casos, a responsabilidade nos termos do sistema de Dublim já foi determinada no momento em que foi efetuado o pedido posterior.

51.      H e R, o Governo alemão e a Comissão têm uma perspetiva diferente. H e R alegam que a redação do Regulamento Dublim III não permite uma interpretação restritiva segundo a qual apenas o Estado‑Membro A pode aplicar os critérios do capítulo III. A Comissão apoia esta perspetiva. Invocando o artigo 7.o, n.o 3, alega que os Estados‑Membros devem ter em conta todos os elementos de prova que digam respeito à presença no seu território de membros da família envolvidos num pedido de proteção internacional quando apreciam a aplicação dos critérios do capítulo III. O facto de o artigo 7.o, n.o 3, não remeter expressamente para o artigo 9.o constitui uma lacuna legislativa. o Governo alemão alega que as disposições referentes à tomada a cargo e à retomada a cargo previstas no capítulo VI tornam bastante claro que quer o Estado‑Membro A quer o Estado‑Membro B são obrigados a verificar se os critérios do capítulo III foram adequadamente aplicados num determinado caso.

52.      Afigura‑se que a redação do Regulamento Dublim III não é definitiva de uma forma ou de outra. O regulamento não estabelece que apenas o Estado‑Membro A pode aplicar os critérios do capítulo III. Também não prevê expressamente que ambos os Estados devem efetuar esta análise.

53.      É jurisprudência constante que, para a interpretação de uma disposição do direito da União, há que ter em conta não só os termos desta, mas também o seu contexto e os objetivos prosseguidos pela regulamentação em que se integra (43). As regras do direito derivado da União, incluindo as disposições do Regulamento Dublim III, devem ser interpretadas e aplicadas com respeito pelos direitos fundamentais garantidos pela Carta (44). Além disso, sempre que as disposições do direito da União estejam sujeitas a várias interpretações, deve ser dada preferência à interpretação que assegure que a legislação em causa mantém a sua eficácia (45).

54.      O Regulamento Dublim III utiliza uma redação expressa quando um único Estado‑Membro ou o primeiro Estado‑Membro onde é apresentado um pedido de proteção internacional tem uma obrigação (46). Assim, o artigo 3.o, n.o 1, estabelece que o pedido de proteção internacional material deve ser apreciado por um único Estado‑Membro. De igual modo, o primeiro parágrafo do n.o 2, do artigo 3.o estabelece que se nenhum Estado‑Membro puder ser designado responsável com base nos critérios do capítulo III, considera‑se responsável pela sua apreciação o primeiro Estado‑Membro em que o pedido tenha sido apresentado. O artigo 7.o, n.o 2, estabelece expressamente que o Estado‑Membro responsável deve ser determinado com base na situação existente no momento em que o requerente tiver apresentado pela primeira vez um pedido de proteção internacional. Em conformidade com o artigo 20.o, n.o 1, o processo de determinação do Estado‑Membro responsável inicia‑se assim que tal pedido for apresentado pela primeira vez no Estado‑Membro (47).

55.      Não é surpreendente que a redação expressa seja utilizada para impor obrigações a um único Estado‑Membro ou ao primeiro Estado‑Membro nas referidas instâncias. Os regulamentos são diretamente aplicáveis. Por conseguinte, é especialmente importante que estas obrigações sejam expressas de forma clara e inequívoca. A história legislativa — que demonstra que o legislador rejeitou a opção de instituir um sistema em que a responsabilidade seria apenas do Estado‑Membro onde um pedido de asilo foi apresentado pela primeira vez — também é pertinente (48).

56.      O sistema de Dublim tem sido baseado desde a sua origem em dois componentes distintos, cada um dos quais com uma finalidade específica para alcançar o objetivo geral de determinação do Estado‑Membro responsável, e as características essenciais deste sistema mantêm‑se no Regulamento Dublim III (49). O primeiro componente são os critérios do capítulo III; o segundo, são as regras de retomada a cargo que se aplicam quando um requerente que apresentou um pedido de proteção internacional num Estado‑Membro se encontra posteriormente presente num segundo Estado‑Membro (50). Somente no caso de nenhum dos critérios do capítulo III ser aplicável é que o primeiro Estado‑Membro onde é apresentado um pedido de asilo é responsável pela apreciação do seu mérito. O objetivo das regras de retomada a cargo é garantir que um requerente de proteção internacional não apresente um pedido num Estado‑Membro distinto do Estado‑Membro designado responsável, ao abrigo do regulamento, pela apreciação do mesmo.

57.      A nova questão que surge no presente processo consiste em saber se o Estado‑Membro B deve ter em conta os critérios do capítulo III quando apresenta um pedido de retomada a cargo ao Estado‑Membro A ou se existe um grau de automaticidade (como alegam os Governos finlandês e suíço) e o Estado‑Membro B pode não ter em conta estes critérios simplesmente por o requerente se ter deslocado do Estado‑Membro A para o Estado‑Membro B.

58.      Afigura‑se demasiado simplista abordar esta questão em termos de uma opção binária.

59.      Pode frequentemente suceder que o Estado‑Membro B obtenha um acerto do Eurodac, não tenha mais informação sobre as circunstâncias do requerente e, por conseguinte (legitimamente), apresente um pedido de retomada a cargo ao Estado‑Membro A com base no referido acerto do Eurodac. No entanto, quando o Estado‑Membro B tem informação que indique que é efetivamente o Estado‑Membro responsável em conformidade com os critérios do capítulo III, afigura‑se contrário ao objetivo do Regulamento Dublim III este Estado recusar automaticamente aplicar os critérios do capítulo III, uma vez que pretende efetuar um pedido de retomada a cargo. Em particular, nada na redação apoia o ponto de vista de que o Estado‑Membro B pode ignorar o critério da unidade da família, quando, prima facie, a sua aplicação torná‑lo‑ia responsável pela apreciação do pedido material, em vez de efetuar um pedido de retomada a cargo que, no caso de ser deferido, transferirá o requerente para longe dos membros da família.

60.      Esta leitura é contrária ao compromisso expresso no considerando 32 do referido regulamento de tratar as pessoas abrangidas pelo âmbito de aplicação do regulamento em conformidade com os instrumentos do direito internacional e a jurisprudência do Tribunal Europeu dos Direitos do Homem (51). Também viola os direitos fundamentais referidos no considerando 39, incluindo o direito à vida familiar consagrado no artigo 7.o da Carta. Por conseguinte, entendo que o Regulamento Dublim III não pode ser interpretado no sentido de que sempre que um requerente de proteção internacional apresenta pedidos de asilo consecutivos no Estado‑Membro A e no Estado‑Membro B, este tem o direito de enviar um pedido de retomada a cargo ao Estado‑Membro A sem ter em conta a aplicação dos critérios do capítulo III.

61.      Constitui esta perspetiva um incentivo ao abuso do sistema de Dublim?

62.      Todos os Estados‑Membros que apresentaram observações no Tribunal de Justiça sublinharam que o Regulamento Dublim III não deve ser interpretado numa forma que incentive o abuso. Destacaram a importância de dissuadir os requerentes de proteção internacional de se deslocaram de um Estado‑Membro para outro e apresentarem pedidos sucessivos de proteção internacional em cada Estado‑Membro. Por conseguinte, é necessário apreciar estes argumentos com cautela.

63.      O objetivo primordial do Regulamento Dublim III é a determinação célere do Estado‑Membro responsável. Não é (per se) uma medida de aplicação da lei no sentido de que o seu objetivo principal declarado não é a introdução de restrições impostas aos requerentes de asilo que se deslocam entre Estados‑Membros (52). As disposições de retomada a cargo, que visam garantir que os requerentes não apresentam pedidos de asilo num Estado‑Membro distinto do Estado‑Membro responsável, constitui o método escolhido para combater a utilização abusiva dos procedimentos de asilo (53).

64.      Conforme referi (54), na falta de informação que indique a presença de outro critério concorrente do capítulo III, um Estado‑Membro poderá apresentar um pedido de retomada a cargo com base num acerto do Eurodac. A interpretação que sugeri apenas exige que um Estado‑Membro, quando possui informação relevante adicional para efeitos da aplicação dos critérios do capítulo III, não ignore intencionalmente essa informação.

65.      Foi também suscitada a questão de saber como lidar com um requerente de asilo que viaja através de vários Estados‑Membros e apresenta pedidos de proteção internacional em cada um deles. Não é esta a situação nos presentes processos e afigura‑se que as regras da retomada a cargo em conjugação com o Regulamento Eurodac determinam que um requerente de proteção internacional não pode apresentar vários pedidos em simultâneo.

66.      O Governo neerlandês alega que existem situações excecionais identificadas no artigo 7.o, n.o 3, do Regulamento de Dublim III em que o Estado‑Membro que apresenta o pedido de retomada a cargo pode efetivamente aplicar os critérios do capítulo III. Afirmam, porém, que o artigo 9.o não se encontra entre as disposições enumeradas no artigo 7.o, n.o 3, que estabelecem estas situações excecionais e que, assim, H e R não o podem invocar.

67.      Afigura‑se que os artigos 8.o, 10.o e 16.o são referidos no artigo 7.o, n.o 3, do Regulamento de Dublim III como manifestação do objetivo (expresso no considerando 14) de que o respeito pela vida familiar deve constituir uma preocupação fundamental dos Estados‑Membros ao aplicarem o regulamento (55).

68.      A história legislativa demonstra que na proposta da Comissão o atual artigo 9.o estava originalmente incluído nas disposições enumeradas naquele que se tornou o artigo 7.o, n.o 3, do Regulamento Dublim III (56). A inclusão do artigo 9.o nesta lista revelou‑se muito controversa. Durante as negociações no Conselho, alguns Estados‑Membros manifestaram a preocupação de que os procedimentos de Dublim fossem instrumentalizados: «no entanto, existe o risco de potencial abuso no que respeita ao artigo 9.o da proposta [artigo 7.o do Regulamento Dublim III], relativo à reunificação com um membro da família que é refugiado, independentemente de a família se ter constituído no país de origem ou não. Neste caso, é possível alegar que um requerente de asilo pode casar‑se com um refugiado noutro Estado‑Membro apenas para evitar a aplicação das regras de Dublim e para escolher o Estado‑Membro de residência» (57). Por conseguinte, o artigo 9.o estava excluído da lista.

69.      Considero que, a contrario, quando não existir prova de abuso, o requerente de proteção internacional e o membro da família permanecem abrangidos pelo âmbito material das disposições do Regulamento Dublim III em matéria de unidade da família no que diz respeito à aplicação dos critérios do capítulo III. Este entendimento corresponde aos objetivos do Regulamento Dublim III e garante a sua eficácia (58). Interpretar este regulamento de outro modo seria contrário à Carta e aos objetivos e garantias expressos nos considerandos 14, 32 e 39 do Regulamento Dublim III.

70.      Caberá às autoridades competentes verificar, sob fiscalização dos órgãos jurisdicionais nacionais, se, num determinado caso, existem fatores que indicam que um casamento foi planeado com vista à escolha do Estado‑Membro de residência, contornando assim a aplicação dos critérios do capítulo III do Regulamento Dublim III que não dizem respeito à unidade da família (59). O mesmo é válido para pedidos baseados numa relação duradoura.

71.      O Governo neerlandês alega que, ao adotar o Regulamento Dublim III, o legislador tinha em mente que a unidade da família estava prevista na Diretiva 2003/86/CE do Conselho, relativa ao direito ao reagrupamento familiar (60). Afirmam que não é necessário que um Estado‑Membro que efetua um pedido de retomada a cargo tenha em consideração o artigo 9.o do capítulo III, uma vez que as regras da referida diretiva estabelecem garantias adequadas para a unidade da família em casos como os de H e R.

72.      Embora seja verdade que a Diretiva 2003/86 estabelece disposições relativas à unidade da família, esta diretiva tem como objetivo principal assegurar um tratamento equitativo aos nacionais de países terceiros que (já) residam legalmente no território dos Estados‑Membros e promover estabilidade sociocultural (61). As regras de designação do Estado‑Membro responsável pela apreciação de um pedido de proteção internacional têm uma finalidade bastante distinta. Essas regras foram introduzidas para melhorar a eficácia do sistema de Dublim em geral (62). A determinação do Estado‑Membro responsável é a fase inicial do processo, antes da apreciação do mérito do próprio pedido. Embora os critérios da unidade da família previstos no Regulamento Dublim III visem inquestionavelmente a tomada em consideração das relações familiares, estas disposições não têm o mesmo objetivo da Diretiva 2003/86 e centram‑se no requerente de proteção internacional e não no membro da família que já é legalmente residente.

73.      Contrariamente ao entendimento do Governo neerlandês, considero, assim, que esta diretiva não deve ser tomada em consideração na determinação do Estado‑Membro responsável para efeitos do Regulamento Dublim III.

74.      Também rejeito o argumento de que cabe ao primeiro Estado‑Membro apresentar um pedido de tomada a cargo ao segundo Estado‑Membro quando tal for adequado para garantir que este se torne o Estado‑Membro responsável pela apreciação dos pedidos do asilo. Este argumento simplesmente não aborda a questão de princípio, nomeadamente, saber se o segundo Estado‑Membro é capaz de aplicar os critérios do capítulo III nos termos do Regulamento Dublim III.

75.      Em muitos casos, a necessidade de cumprimento de prazos estritos para apresentação de um pedido de tomada a cargo previsto no artigo 21.o do Regulamento Dublim III significará, na prática, que o primeiro Estado‑Membro (no presente processo, a Alemanha) não pode apresentar tal pedido (63). A matéria de facto do processo de H ilustra esta situação. O pedido de proteção internacional na Alemanha foi apresentado em 5 de janeiro de 2016 (64). Nos termos do primeiro parágrafo do artigo 21.o, n.o 1, qualquer pedido de tomada a cargo tinha de ser apresentado até 5 de abril de 2016. As impressões digitais e os dados de H foram registados no Eurodac e nos casos de acerto do Eurodac este período é reduzido para dois meses (5 de março de 2016). As autoridades alemãs receberam um pedido de retomada a cargo das suas homólogas dos Países Baixos em 21 de março de 2016. O prazo para apresentação de um pedido de tomada a cargo já tinha expirado antes de as autoridades alemãs receberem o pedido de retomada a cargo. Em tais circunstâncias, o mecanismo de tomada a cargo não poderia ser utilizado para resolver a situação do requerente de asilo ou do Estado‑Membro em causa mediante designação do Estado‑Membro responsável em conformidade com o critério da unidade da família estabelecido no capítulo III do Regulamento Dublim III.

76.      À luz da redação e dos objetivos do Regulamento Dublim III, a melhor leitura das disposições de retomada a cargo consiste em interpretar o texto de uma forma que seja conforme com as garantias previstas na Carta que protegem o direito à vida familiar. Assim, quando um requerente de proteção internacional possa demonstrar uma relação com um membro da família na aceção do artigo 2.o, alínea g), do Regulamento Dublim III e invoca o artigo 9.o do mesmo, o Estado‑Membro que pretende apresentar um pedido de retomada a cargo deve ter em conta o critério da unidade da família para determinar o Estado‑Membro responsável, nos termos do artigo 3.o, n.o 1, exceto se as autoridades competentes forem capazes de demonstrar que a pessoa em causa entrou numa relação familiar com vista a fim de evitar a aplicação do Regulamento Dublim III.

 Artigo 27.o do Regulamento Dublim III

77.      O artigo 27.o do Regulamento Dublim III não efetua uma distinção entre o recurso ou a revisão de decisões de transferência consoante se trate de pedidos de tomada a cargo ou de retomada a cargo. Daqui decorre que em ambas as instâncias um requerente de proteção internacional deve poder exercer o direito a uma via de recurso efetiva no Estado‑Membro onde os critérios do capítulo III foram aplicados de forma alegadamente incorreta (65). Esta interpretação garante que o direito de recurso ou de revisão previsto no artigo 27.o não é privado do seu efeito prático (66).

78.      No Acórdão Ghezelbash, o Tribunal de Justiça declarou que resulta da redação do artigo 27.o, n.o 1, do Regulamento Dublim III que o recurso previsto nesta disposição deve ser efetivo e incidir sobre as questões de facto e de direito. Além disso, a redação desta disposição não menciona nenhuma limitação dos argumentos suscetíveis de serem invocados pelo requerente de proteção internacional no âmbito desse recurso (67). O Tribunal de Justiça também salientou que o considerando 19 do regulamento estabelece que, a fim de garantir o respeito do direito internacional, o recurso efetivo instaurado pelo Regulamento Dublim III contra decisões de transferência deverá abranger quer a análise da aplicação deste regulamento quer a análise da situação jurídica e factual no Estado‑Membro para o qual o requerente é transferido (68). No caso em apreço, é a primeira parte dessa análise que é aqui pertinente e, a meu ver, a decisão anterior do Tribunal de Justiça pode, e deve, ser aplicada às presentes circunstâncias. Isso parece estar em total conformidade com o objetivo expresso do Regulamento Dublim III, que consiste em permitir a fiscalização judicial da implementação do regulamento (69).

79.      Acrescento que o aspeto aqui em questão não é saber se os requerentes de proteção internacional devem ter o direito de recorrer de todas as decisões de transferência na sequência de um Estado‑Membro ter concordado com um pedido de retomada a cargo. A necessidade de tal direito surge apenas nos casos em que um requerente pode basear‑se num critério concorrente enumerado no capítulo III, nomeadamente no critério da unidade da família, e em que, assim, a aplicação incorreta destes critérios pode ser relevante.

80.      Por conseguinte, concluo que o Regulamento Dublim III deve ser interpretado no sentido de que, quando uma pessoa apresenta um pedido de proteção internacional num Estado‑Membro e posteriormente viaja para outro Estado‑Membro onde apresenta outro pedido e pretende contestar uma decisão de transferência resultante de um pedido de retomada a cargo, com o fundamento de que o segundo Estado‑Membro aplicou erradamente os critérios do capítulo III, em particular as disposições relativas à unidade da família, incluindo o artigo 9.o deste regulamento, as autoridades competentes são obrigadas a aplicar os critérios pertinentes do capítulo III. Nos termos do artigo 27.o, n.o 1, deste regulamento, tais decisões estão sujeitas à fiscalização dos órgãos jurisdicionais nacionais de modo a garantir a aplicação correta dos referidos critérios.

 Segunda questão prejudicial

81.      Com a segunda questão, o órgão jurisdicional de reenvio pretende saber, em substância, se nas circunstâncias abrangidas pela primeira questão, é relevante que o primeiro Estado‑Membro já tenha adotado uma decisão sobre este primeiro pedido de proteção internacional ou que a recorrente tenha retirado este pedido.

82.      Em primeiro lugar, não é claro, com base no despacho de reenvio, de que forma a segunda questão está relacionada com os factos e circunstâncias dos presentes processos. O órgão jurisdicional de reenvio não especifica se a decisão do primeiro Estado‑Membro a que alude se refere a uma decisão que designa o Estado‑Membro responsável ou à decisão material sobre o pedido de proteção internacional em causa.

83.      Em segundo lugar, no processo de H não se constatou que as autoridades alemãs adotaram qualquer tipo de decisão. No que diz respeito a R, o Governo alemão confirmou na audiência que, à data em que as autoridades neerlandesas apresentaram o pedido de retomada a cargo (23 de abril de 2016), as suas homólogas alemãs não tinham adotado nenhuma decisão material relativamente ao seu processo. Apenas lhe foi concedida proteção subsidiária em 6 de outubro de 2016. Não há constatações de facto no sentido de que o requerente retirou o pedido de proteção internacional na aceção dos artigos 27.o ou 28.o da Diretiva Procedimentos.

84.      Assim, embora a base factual da segunda questão seja pouco clara, devo, não obstante, apreciá‑la sucintamente por uma questão de rigor.

85.      As disposições do artigo 7.o, n.o 2, do Regulamento Dublim III estabelecem que o Estado‑Membro responsável deve ser determinado com base na situação existente no momento em que o requerente tiver apresentado pela primeira vez o pedido de proteção internacional. Isto estabelece o ponto de referência. O Estado‑Membro responsável deve ser designado com base nas circunstâncias factuais existentes à data, mediante aplicação dos critérios do capítulo III, incluindo o critério da unidade da família (primeira fase). Em seguida, procede‑se à avaliação material do pedido para efeitos da Diretiva Qualificação (segunda fase) (70).

86.      Quando os factos revelarem que o pedido no primeiro Estado‑Membro a ser apreciado ou foi retirado ou indeferido neste Estado‑Membro e se o segundo Estado‑Membro concluir que não é o Estado‑Membro responsável, o estatuto do pedido de proteção internacional no primeiro Estado‑Membro é relevante para efeitos da referida primeira fase de apreciação, na medida em que as circunstâncias factuais fornecem a base para qualquer pedido de retomada a cargo que o segundo Estado‑Membro possa apresentar, nos termos do artigo 18.o, n.o 1, alíneas b), c) ou d) (71). No entanto, caso este Estado‑Membro se considere o Estado‑Membro responsável e prossiga para a segunda fase (avaliação material), será relevante uma decisão sobre o pedido de proteção internacional ou a sua retirada no primeiro Estado‑Membro para avaliar a admissibilidade do pedido em conformidade com as normas nacionais de execução do artigo 33.o da Diretiva Procedimentos (72). Para ser exaustivo, acrescento que se o primeiro Estado‑Membro já tiver concedido proteção internacional ao requerente à data da apresentação de um pedido consecutivo num segundo Estado‑Membro, esta pessoa não se encontra abrangida pelo âmbito de aplicação do Regulamento Dublim III, uma vez que não é um «requerente» para efeitos do artigo 2.o, alínea c).

87.      Assim, a questão de saber se foi adotada uma decisão relativa ao pedido no primeiro Estado‑Membro ou se o requerente retirou tal pedido não determina necessariamente a avaliação das autoridades competentes sobre a aplicação correta dos critérios do capítulo III no segundo Estado‑Membro a fim de estabelecer se este Estado‑Membro é o Estado‑Membro responsável para efeitos do Regulamento Dublim III.

 Conclusão

88.      À luz do exposto, considero que o Tribunal de Justiça deve responder às questões submetidas pelo Raad van State (Conselho de Estado, em formação jurisdicional, Países Baixos) o seguinte:

–        O Regulamento (UE) n.o 604/2013 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 26 de junho 2013, que estabelece os critérios e mecanismos de determinação do Estado‑Membro responsável pela análise de um pedido de proteção internacional apresentado num dos Estados‑Membros por um nacional de um país terceiro ou por um apátrida, deve ser interpretado no sentido de que, quando uma pessoa apresenta um pedido de proteção internacional num Estado‑Membro e posteriormente viaja para outro Estado‑Membro onde apresenta outro pedido e pretende contestar uma decisão de transferência resultante de um pedido de retomada a cargo, com o fundamento de que o segundo Estado‑Membro aplicou erradamente os critérios do capítulo III, em particular as disposições relativas à unidade da família, incluindo o artigo 9.o deste regulamento, as autoridades competentes estão obrigadas a aplicar os critérios pertinentes do capítulo III. Nos termos do artigo 27.o, n.o 1, deste regulamento, tais decisões estão sujeitas à fiscalização dos órgãos jurisdicionais nacionais de modo a garantir a correta aplicação dos referidos critérios.

–        A questão de saber se uma decisão foi adotada sobre o pedido no primeiro Estado‑Membro ou se o requerente retirou esse pedido não é necessariamente determinante para a apreciação das autoridades competentes sobre a aplicação correta dos critérios do capítulo III no segundo Estado‑Membro a fim de estabelecer se este Estado‑Membro é o Estado‑Membro responsável para efeitos do Regulamento n.o 604/2013.


1      Língua original: inglês.


2      Regulamento do Parlamento Europeu e do Conselho, de 26 de junho de 2013 (JO 2013, L 180, p. 31) («Regulamento Dublim III»). Este regulamento faz parte do Sistema Europeu Comum de Asilo (SECA). Outras medidas incluem a Diretiva 2011/95/UE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 13 de dezembro de 2011, que estabelece normas relativas às condições a preencher pelos nacionais de países terceiros ou por apátridas para poderem beneficiar de proteção internacional, a um estatuto uniforme para refugiados ou pessoas elegíveis para proteção subsidiária e ao conteúdo da proteção concedida (JO 2011, L 337, p. 9, a seguir «Diretiva Qualificação») e Diretiva 2013/32/UE do Parlamento Europeu e do Conselho de 26 de junho de 2013, relativa a procedimentos comuns de concessão e retirada do estatuto de proteção internacional (JO 2013, L 180, p. 60, a seguir «Diretiva Procedimentos»).


3      JO 2010, C 83, p. 391.


4      O artigo 7.o corresponde aos direitos estabelecidos pelo artigo 8.o da Convenção Europeia dos Direitos do Homem (a seguir «CEDH»).


5      Os direitos correspondentes ao que constam do artigo 47.o da Carta estão estabelecidos nos artigos 6.o e 13.o da CEDH.


6      Além do Regulamento Dublim III, este sistema inclui o Regulamento (UE) n.o 603/2013 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 26 de junho de 2013, relativo à criação do sistema «Eurodac» de comparação de impressões digitais para efeitos da aplicação efetiva do Regulamento n.o 604/2013 e de pedidos de comparação com os dados Eurodac apresentados pelas autoridades responsáveis dos Estados‑Membros e pela Europol para fins de aplicação da lei e que altera o Regulamento (UE) n.o 1077/2011 que cria uma Agência europeia para a gestão operacional de sistemas informáticos de grande escala no espaço de liberdade, segurança e justiça (JO 2013, L 180, p. 1, a seguir «Regulamento Eurodac»), e o Regulamento (CE) n.o 1560/2003 da Comissão, relativo às modalidades de aplicação do Regulamento (CE) n.o 343/2003 do Conselho, que estabelece os critérios e mecanismos de determinação do Estado‑Membro responsável pela análise de um pedido de asilo apresentado num dos Estados‑Membros por um nacional de um país terceiro (JO 2003, L 222, p. 3), conforme alterado pelo Regulamento de Execução (UE) n.o 118/2014 da Comissão, de 30 de janeiro de 2014 (JO 2014, L 39, p. 1, a seguir «Regulamento 1560/2003»).


7      Considerando 4.


8      Considerando 5.


9      Considerando 14.


10      Considerando 19.


11      Considerando 32.


12      Considerando 39.


13      De acordo com o Acordo entre a Comunidade Europeia e a Confederação Suíça relativo aos Critérios e Mecanismos de Determinação do Estado Responsável pelo Exame de um Pedido de Asilo Apresentado num Estado‑Membro ou na Suíça, que entrou em vigor em 1 de março de 2008, o Regulamento Dublim III aplica‑se a esse Estado. Este acordo foi aprovado pela Decisão 2008/147/CE do Conselho, de 28 de janeiro de 2008 (JO 2008, L 53, p. 3), e pela Decisão 2009/487/CE do Conselho, de 24 de outubro de 2008 (JO 2009, L 161, p. 6). O sistema de Dublim também é aplicável ao Principado do Liechtenstein. A Islândia e a Noruega aplicam o sistema de Dublim em virtude dos acordos bilaterais com a União Europeia que foram aprovados pela Decisão 2001/258/CE do Conselho, de 15 de março de 2001 (JO 2001, L 93, p. 38).


14      Outros artigos do capítulo III incluem mais critérios destinados a promover a unidade da família. Assim, o artigo 8.o estabelece que no caso de menores não acompanhados, o Estado‑Membro responsável será o Estado em que se encontrar legalmente um membro da família ou um irmão do menor não acompanhado. O artigo 10.o é relativo a requerentes que têm um membro da família que apresentou num Estado‑Membro um pedido de proteção internacional que não tenha ainda sido objeto de uma primeira decisão quanto ao mérito. O artigo 16.o abrange requerentes dependentes de um membro da família legalmente residente num dos Estados‑Membros. Nos termos do artigo 16.o, n.o 2, se um requerente de proteção internacional dependente da assistência de um filho, de um irmão ou do pai ou da mãe legalmente residente num dos Estados‑Membros ou se um filho, um irmão, o pai ou a mãe do requerente for dependente do requerente, e esta pessoa tiver residência legal num Estado‑Membro diferente daquele onde se encontra o requerente, o Estado‑Membro responsável é (em geral) aquele onde o membro da família tem residência legal. Os artigos 8.o, 10.o e 16.o, em conjugação, devem ser referidos como «critérios da unidade da família».


15      Os artigos 16.o e 17.o dizem respeito às pessoas dependentes e às cláusulas discricionárias estabelecidas no capítulo IV.


16      O artigo 22.o estabelece as condições para responder a um pedido de tomada a cargo. Em resumo, o Estado‑Membro requerido procede às verificações necessárias e delibera sobre o pedido, para efeitos de tomada a cargo dum requerente, no prazo de dois meses a contar da data de receção do mesmo. O artigo 24.o é relativo à apresentação de um pedido de retomada a cargo sem que tenha sido apresentado um novo pedido no Estado‑Membro requerente. O artigo 25.o estabelece as regras para responder a um pedido de retomada a cargo e o artigo 29.o estabelece as modalidades e prazos para transferências.


17      V. nota 16 supra.


18      Estas incluem os casos em que o requerente não responde a solicitações para prestar informação essencial ao pedido ou em que o requente desapareceu ou se ausentou sem autorização do local onde vivia.


19      Artigo 33.o, n.o 2, alíneas a) e d), respetivamente. A expressão «Pedido subsequente» é definida no artigo 2.o, alínea q), como um pedido de proteção internacional apresentado após ter sido proferida uma decisão definitiva sobre um pedido anterior. Isto inclui a retirada expressa e a retirada de um pedido na aceção do artigo 28.o, n.o 1, da Diretiva Procedimentos.


20      V. artigo 25.o, n.o 2, do Regulamento de Dublim III.


21      É este o meu entendimento dos antecedentes do processo de H com base na informação que consta do processo nacional.


22      Considero que o Governo neerlandês pediu ao Governo alemão que reconsiderasse a sua posição com base no artigo 5.o, n.o 2, do Regulamento 1560/2003. V., igualmente, Conclusões do advogado‑geral M. Wathelet no Acórdão X e X (C‑47/17 e C‑48/17, EU:C:2018:212, n.o 81).


23      Nos termos do artigo 19.o, n.o 2, do Regulamento Dublim III, as obrigações do Estado‑Membro requerido retomar a cargo um requerente cessam quando o Estado em causa puder comprovar que a pessoa em causa abandonou o território dos Estados‑Membros durante um período mínimo de três meses. Esta disposição permite que o Estado‑Membro requerido avalie se é efetivamente o Estado‑Membro responsável para efeitos do Regulamento Dublim III, tendo em conta quaisquer elementos de prova ou indícios que possam ser relevantes nos termos do artigo 22.o, n.o 2, e no Regulamento 1560/2003.


24      Acórdãos de 7 de junho de 2016, Ghezelbash (C‑63/15, EU:C:2016:409), e Karim (C‑155/15, EU:C:2016:410).


25      No processo H (C‑582/17), o órgão jurisdicional de reenvio coloca uma questão idêntica à primeira questão do processo R (C‑583/17). Não existe segunda questão no processo H (C‑582/17).


26      V. n.o 7, supra.


27      Estas disposições também são aplicáveis quando tal requerente se desloca entre Estados‑Membros sem título de residência. Uma vez que H e R apresentaram pedidos consecutivos quer na Alemanha quer nos Países Baixos, é a condição prevista no artigo 18.o, n.o 1, alíneas b), c), d), ou no artigo 20.o, n.o 5, que, no caso, é relevante.


28      V. n.o 17, supra.


29      V. n.os 85 a 87, infra.


30      V. n.o 75, infra.


31      O artigo 18.o, n.o 1, alínea a), é aplicável quando um pedido de retomada a cargo é apresentado. No entanto, uma vez que nada no despacho de reenvio sugere que as autoridades dos Países Baixos apresentaram tal pedido às suas homólogas alemãs, deixarei de considerar esta disposição.


32      Acórdão de 7 de junho de 2016, Ghezelbash (C‑63/15, EU:C:2016:409, n.o 41).


33      Acórdão de 16 de fevereiro de 2017, C. K. e o. (C‑578/16 PPU, EU:C:2017:127, n.o 56). V., igualmente, definição de «análise de um pedido de proteção internacional» no n.o 7, supra.


34      Acórdão de 16 de fevereiro de 2017, C. K. e o. (C‑578/16 PPU, EU:C:2017:127, n.o 57). V., igualmente, considerando 5 do Regulamento Dublim III. e n.os 37 e 39, supra.


35      V. artigo 1.o do Regulamento Eurodac.


36      O Regulamento Dublim III revogou e substituiu o Regulamento (CE) n.o 343/2003 do Conselho, de 18 de fevereiro de 2003, que estabelece os critérios e mecanismos de determinação do Estado‑Membro responsável pela análise e um pedido de asilo apresentado num dos Estados‑Membros por um nacional de um país terceiro (JO 2003, L 50, p. 1; a seguir «Regulamento Dublim II»), que fazia parte do sistema anterior.


37      Acórdão de 7 de junho de 2016, Ghezelbash (C‑63/15, EU:C:2016:409, n.os 45 a 47); v., igualmente, n.o 43, supra.


38      Acórdãos de 7 de junho de 2016, Ghezelbash (C‑63/15, EU:C:2016:409, n.o 51), e de 26 de julho de 2017, Mengesteab (C‑670/16, EU:C:2017:587, n.o 45).


39      Acórdão de 26 de julho de 2017, Mengesteab (C‑670/16, EU:C:2017:587, n.os 49, 50 e 52); v., igualmente, Acórdão de 25 de outubro de 2017, Shiri (C‑201/16, EU:C:2017:805, n.o 39).


40      Acórdão de 16 de fevereiro de 2017, C. K. e o. (C‑578/16 PPU, EU:C:2017:127, n.os 59 a 63); V., além disso, considerando 9 do Regulamento Dublim III.


41      Acórdão de 6 de novembro de 2012, K (C‑245/11, EU:C:2012:685, n.o 36); v., igualmente, nota 14 supra.


42      V. artigo 3.o, n.o 2, primeiro parágrafo, e artigo 17.o, n.o 1, do Regulamento Dublim III.


43      Acórdão de 6 de junho de 2013, MA e o. (C‑648/11, EU:C:2013:367, n.o 50 e jurisprudência referida).


44      Acórdão de 16 de fevereiro de 2017, C. K. e o. (C‑578/16 PPU, EU:C:2017:127, n.o 59 e jurisprudência referida).


45      Acórdão de 25 de janeiro de 2018, Hasan (C‑360/16, EU:C:2018:35, n.os 73 e 74).


46      Acórdão de 26 de julho de 2017, Mengesteab (C‑670/16, EU:C:2017:587, n.o 93).


47      V., por analogia, redação do Regulamento Dublim II, que foi apreciada no Acórdão de 6 de junho de 2013, MA e o. (C‑648/11, EU:C:2013:367, n.os 51 a 53).


48      Exposição de motivos da proposta da Comissão COM (2001) 447, n.o 2.1; v., igualmente, documento de trabalho dos serviços da Comissão SEC (2000) 522, n.o 22.


49      V. documento de trabalho dos serviços da Comissão SEC (2000) 522, exposição de motivos da proposta da Comissão COM (2001) 447, n.o 3.1, e exposição de motivos da proposta da Comissão COM (2008) 820, n.o 3.2.


50      V. n.o 44, supra.


51      O conceito de família nos termos do artigo 8.o da CEDH não se limita apenas aos relacionamentos baseados no casamento, podendo abranger outras relações familiares de facto em que as partes vivem juntas fora do casamento (TEDH, 18 de dezembro de 1986, Johnston e o. c. Irlanda, CE:CEDH:1986:1218JUD000969782, § 56). Mesmo que não haja coabitação podem existir laços suficientes para vida familiar (TEDH, 7 de novembro de 2013, Vallianatos e o. c. Grécia, CE:CEDH:2013:1107JUD002938109, §§ 49 e 73).


52      Tal abordagem foi rejeitada como sendo o princípio em que o Estado‑Membro responsável foi determinado. V. documento de trabalho dos serviços da Comissão SEC (2000) 522, n.o 56, quarto travessão.


53      Documento de trabalho dos serviços da Comissão SEC (2000) 522, n.o 6.


54      V. n.o 59, supra.


55      V. exposição de motivos da proposta da Comissão COM (2008) 820, n.o 4, quarto travessão.


56      V. exposição de motivos da proposta da Comissão COM (2008) 820, n.o 4.


57      Documento interinstitucional 2008/0243 (COD), 12364/09 Asile 56 CODEC 1000, de 27 julho de 2009, anexo II, p. 37.


58      Considerando 14 do Regulamento Dublim III.


59      O critério do capítulo III mais frequentemente aplicado é o artigo 13.o; v. Acórdão de 26 de julho de 2017, Jafari (C‑646/16, EU:C:2017:586, n.o 87) e estudo elaborado pelo ICF International para a Comissão Europeia de 18 de março de 2016 «Evaluation of the Implementation of the Dublin III Regulation — Final Report».


60      Diretiva de 22 de setembro de 2003, relativa ao direito ao reagrupamento familiar (JO 2003 L 251, p. 12).


61      V. considerandos 3 e 4 da Diretiva 2003/86.


62      Isto deve‑se ao facto de os inquéritos relativos aos antecedentes e circunstâncias de um requerente poderem ser efetuados de forma mais eficiente quando um Estado‑Membro aprecia as circunstâncias de membros da família que são nacionais do mesmo país de origem; v. p. 7 da exposição de motivos da proposta da Comissão COM (2001) 447 final.


63      Acórdão de 26 de julho de 2017, Mengesteab (C‑670/16, EU:C:2017:587, n.o 50).


64      O Governo alemão solicitamente forneceu detalhes sobre o progresso dos processos de H e R na audiência.


65      Acórdão de 26 de julho de 2017, Mengesteab (C‑670/16, EU:C:2017:587, n.os 57 e 58).


66      Acórdão de 26 de julho de 2017, A.S. (C‑490/16, EU:C:2017:585, n.o 34).


67      Acórdão de 7 de junho de 2016, Ghezelbash (C‑63/15, EU:C:2016:409, n.o 36).


68      Acórdão de 7 de junho de 2016, Ghezelbash (C‑63/15, EU:C:2016:409, n.os 39 e 44).


69      Acórdão de 26 de julho de 2017, Mengesteab (C‑670/16, EU:C:2017:587, n.o 46).


70      V. n.o 42, supra.


71      V. n.o 37, supra.


72      V. n.o 17, supra.