Language of document : ECLI:EU:C:2022:153

ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Sétima Secção)

3 de março de 2022 (*)

«Recurso de decisão do Tribunal Geral — Função pública — Funcionários — Estatuto dos Funcionários da União Europeia — Artigo 60.o, primeiro parágrafo — Ausência irregular — Alcance — Imputação na duração do período de férias anual — Retenção sobre a remuneração — Funcionário que não cumpriu as obrigações que lhe incumbem por força dos artigos 21.o e 55.o do Estatuto»

No processo C‑162/20 P,

que tem por objeto um recurso de um despacho do Tribunal Geral nos termos do artigo 56.o do Estatuto do Tribunal de Justiça da União Europeia, interposto em 8 de abril de 2020,

WV, representada por É. Boigelot, avocat,

recorrente,

sendo a outra parte no processo:

Serviço Europeu para a Ação Externa (SEAE), representado por S. Marquardt e R. Spáč, na qualidade de agentes, assistidos por M. Troncoso Ferrer, abogado, e F.‑M. Hislaire, avocat,

recorrido em primeira instância,

O TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Sétima Secção),

composto por: I. Ziemele (relatora), presidente da Sexta Secção, exercendo funções de presidente da Sétima Secção, T. von Danwitz e A. Kumin, juízes,

advogado‑geral: J. Richard de la Tour,

secretário: A. Calot Escobar,

vistos os autos,

ouvidas as conclusões do advogado‑geral na audiência de 3 de junho de 2021,

profere o presente

Acórdão

1        Com o seu recurso, WV pede a anulação do Despacho do Tribunal Geral da União Europeia de 29 de janeiro de 2020, WV/SEAE (T‑471/18, não publicado, a seguir «despacho recorrido», EU:T:2020:26), através do qual o Tribunal Geral indeferiu o seu pedido baseado no artigo 270.o TFUE, destinado a obter a anulação, por um lado, da Decisão do Serviço Europeu para a Ação Externa (SEAE) de 27 de novembro de 2017, relativa a uma retenção sobre o seu salário num montante correspondente a 72 dias de calendário (a seguir «decisão controvertida»), e, por outro, na medida do necessário, da Decisão do SEAE de 2 de maio de 2018, que indeferiu a reclamação da recorrente apresentada em 3 de janeiro de 2018 (a seguir «decisão de indeferimento da reclamação»).

 Quadro jurídico

2        O artigo 1.o‑E, n.o 2, do Estatuto dos Funcionários da União Europeia, na sua versão aplicável ao litígio que deu origem ao presente recurso (a seguir «Estatuto»), prevê:

«Serão concedidas aos funcionários em atividade condições de trabalho que obedeçam às normas de saúde e de segurança adequados, pelo menos equivalentes aos requisitos mínimos aplicáveis por força de medidas aprovadas nestes domínios por força dos Tratados.»

3        O artigo 12.o‑A, n.o 1, do Estatuto prevê que os funcionários se absterão de qualquer forma de assédio moral ou sexual. Este artigo 12.o‑A define, nos seus n.os 3 e 4, respetivamente, o assédio moral e o assédio sexual.

4        Nos termos do artigo 21.o do Estatuto:

«O funcionário, seja qual for a sua posição na hierarquia, é obrigado a assistir e aconselhar os seus superiores, sendo responsável pelo desempenho das tarefas que lhe estão confiadas.

O funcionário encarregado de assegurar o funcionamento de um serviço é responsável, perante os seus superiores, pelos poderes que lhe tiverem sido conferidos e pela execução das ordens que tiver dado. A responsabilidade própria dos seus subordinados não o isenta de nenhuma das responsabilidades que lhe incumbem.»

5        O artigo 55.o do Estatuto enuncia:

«1.      Os funcionários em situação de atividade estão permanentemente à disposição da instituição a que pertencem.

2.      A duração normal do trabalho varia entre 40 e 42 horas semanais, cumpridas de acordo com um horário geral estabelecido pela entidade competente para proceder a nomeações [a seguir “AIPN”]. Dentro do limite referido, a mesma entidade pode, após consulta do Comité do Pessoal, estabelecer horários apropriados para certos grupos de funcionários que desempenhem tarefas específicas.

3.      Por outro lado, por causa das necessidades de serviço ou das exigências das normas sobre segurança no trabalho, o funcionário pode, fora da duração normal de trabalho, ser obrigado a ficar à disposição da instituição no local de trabalho ou no seu domicílio. A entidade competente para proceder a nomeações de cada instituição fixa as modalidades de aplicação do presente número, após consulta ao Comité do Pessoal.

[…]»

6        O artigo 60.o, primeiro parágrafo, do Estatuto dispõe:

«Salvo em caso de doença ou acidente, o funcionário não pode ausentar‑se sem para tal estar previamente autorizado pelo respetivo superior hierárquico. Sem prejuízo da aplicação eventual do preceituado em matéria disciplinar, qualquer ausência irregular devidamente verificada é descontada nas férias anuais do interessado. Em caso de esgotamento das férias anuais, o funcionário perde o direito à remuneração pelo período excedente.»

7        O artigo 86.o do Estatuto tem a seguinte redação:

«1.      Todo e qualquer incumprimento dos deveres com fundamento no presente Estatuto, a que o funcionário ou o ex‑funcionário se encontra vinculado, voluntariamente efetivado ou por negligência, sujeita o mesmo a uma sanção disciplinar.

2.      Sempre que a entidade competente para proceder a nomeações ou o OLAF tomem conhecimento de provas de um incumprimento na aceção do n.o 1, podem dar início a um inquérito administrativo para verificar se esse incumprimento se verificou.

3.      As regras, procedimentos e medidas disciplinares, bem como as regras e procedimentos relativos aos inquéritos administrativos, constam do anexo IX.»

8        O anexo IX do Estatuto, intitulado «Processo disciplinar», prevê, no seu artigo 9.o, n.o 1:

«A entidade competente para proceder a nomeações pode aplicar uma das seguintes sanções:

a)      Advertência por escrito;

b)      Repreensão;

c)      Suspensão de subida de escalão por um período determinado que pode variar entre um e 23 meses;

d)      Descida de escalão;

e)      Classificação num grau inferior por um período determinado que pode variar entre 15 dias e um ano;

f)      Classificação num grau inferior no mesmo grupo de funções;

g)      Classificação num grupo de funções inferior, com ou sem descida de grau;

h)      Demissão e, quando justificado, segundo as circunstâncias, a redução da pensão ou a retenção  por um período determinado, de um montante do subsídio de invalidez;  os efeitos desta sanção não serão extensivos aos dependentes do funcionário. […]»

 Antecedentes do litígio

9        Para efeitos do presente recurso, os antecedentes do litígio, conforme apresentados nos n.os 1 a 48 do despacho recorrido, podem ser resumidos do seguinte modo.

10      A recorrente, WV, é funcionária da União Europeia. Está afeta ao SEAE desde 1 de janeiro de 2011 e exerceu, desde essa data, as suas funções em várias divisões do SEAE. Em especial, de 1 de fevereiro de 2015 a 30 de setembro de 2016, a recorrente exerceu as suas funções na Divisão EURCA West3 do SEAE.

11      De 1 de outubro a 15 de novembro de 2016, a recorrente foi transferida, no interesse do serviço, para a Divisão Americas.2, e, em seguida, em 16 de novembro de 2016, para a Divisão PRISM do SEAE. A recorrente afirma ter várias vezes pedido à administração para conhecer a fundamentação da sua exclusão da Divisão EURCA West3.

12      Em 16 de janeiro de 2017, a recorrente foi informada de que as suas ausências eram consideradas «irregulares». Foi também informada, quanto à sua presença, de que ainda não tinha sido vista no seu gabinete.

13      Em 10 de fevereiro de 2017, a recorrente interpelou a sua hierarquia quanto às suas ausências.

14      Por mensagem de correio eletrónico de 3 de abril de 2017, a recorrente enviou um atestado médico para justificar as suas ausências de 30 e 31 de março e de 3 de abril de 2017.

15      Por mensagem de correio eletrónico de 10 de abril de 2017, a recorrente assinalou à sua hierarquia de que tinham sido indevidamente introduzidas ausências no sistema informático de gestão do pessoal Sysper, algumas das quais para datas futuras.

16      Em 11 de abril de 2017, houve uma troca de mensagens de correio eletrónico entre a recorrente e a sua hierarquia a respeito das pretensas ausências não justificadas.

17      Em 25 e 26 de abril de 2017, a recorrente trocou mensagens de correio eletrónico com o seu chefe de unidade sobre o facto de o seu chefe de divisão entender que a sua presença no gabinete era considerada pela administração uma ausência injustificada. O chefe de unidade expôs nomeadamente à recorrente as condições a preencher para se pode considerar que estava «presente» no trabalho.

18      Em 12 de setembro de 2017, o chefe de unidade da recorrente enviou‑lhe uma nota na qual era indicado que, relativamente ao período compreendido entre 1 de janeiro e 14 de julho de 2017, a recorrente contabilizava 85 dias de calendário de ausências não justificadas, que seriam deduzidos da sua remuneração ao abrigo do artigo 60.o do Estatuto.

19      Por mensagem de correio eletrónico de 15 de setembro de 2017, a recorrente respondeu a essa nota e pediu, nomeadamente, que lhe fossem transmitidos os extratos dos registos de entrada e de saída do edifício.

20      Em 25 de setembro de 2017, o chefe da Divisão HR 3 indicou à recorrente que não podia, por motivos de proteção dos dados, dispor desses extratos.

21      Através da decisão controvertida, o SEAE informou a recorrente de que a estimativa das suas ausências não justificadas tinha sido revista, a saber, que nove dias iam ser convertidos em férias anuais e que o equivalente a 72 dias seria deduzido da sua remuneração.

22      Em 7 de dezembro de 2017, a recorrente foi informada do montante que seria retido sobre o seu salário a partir do mês de fevereiro de 2018.

23      Em 3 de janeiro de 2018, a recorrente apresentou uma reclamação ao abrigo do artigo 90.o, n.o 2, do Estatuto, contra a decisão controvertida.

24      Em 6 de fevereiro de 2018, o Serviço «Gestão e Liquidação dos Direitos Individuais» (PMO) da Comissão Europeia procedeu à dedução do salário da recorrente com base nessa decisão.

25      Em 27 de abril de 2018, a recorrente obteve os extratos dos registos de entrada e de saída do edifício em relação ao período compreendido entre 1 de janeiro e 8 de fevereiro de 2017.

26      Em 2 de maio de 2018, a AIPN adotou a decisão de indeferimento da reclamação.

 Tramitação processual no Tribunal Geral e despacho recorrido

27      Por petição apresentada na Secretaria do Tribunal Geral em 2 de agosto de 2018, a recorrente interpôs um recurso, por um lado, destinado a obter a anulação da decisão controvertida e, na medida do necessário, a anulação da decisão de indeferimento da reclamação, e, por outro, em que requeria que o Tribunal Geral decidisse que os montantes que lhe devem ser restituídos fossem acrescidos de juros de mora.

28      Além disso, a recorrente, em aplicação do artigo 89.o, n.o 3, alínea d), do Regulamento de Processo do Tribunal Geral, pediu a este último que ordenasse ao SEAE que apresentasse diversos documentos justificativos.

29      Em apoio do seu recurso para o Tribunal Geral, a recorrente suscitou um fundamento único, através do qual invoca uma violação do artigo 1.o‑E, n.o 2, e dos artigos 12.o, 12.o‑A, 21.o, 25.o, 26.o, 55.o e 60.o do Estatuto, dos artigos 1.o e 2.o do anexo IX do Estatuto, do dever de assistência, do princípio da boa administração, do Regulamento (CE) n.o 45/2001 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 18 de dezembro de 2000, relativo à proteção das pessoas singulares no que diz respeito ao tratamento de dados pessoais pelas instituições e pelos órgãos comunitários e à livre circulação desses dados (JO 2001, L 8, p. 1), dos artigos 41.o, 47.o e 52.o da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia, da Convenção Europeia para a Proteção dos Direitos Humanos e das Liberdades Fundamentais, assinada em Roma, em 4 de novembro de 1950, dos direitos de defesa, e do artigo 296.o TFUE.

30      Com o seu fundamento único, a recorrente invocou igualmente abusos de direito, um desvio de procedimento, a violação manifesta dos princípios da proteção da confiança legítima e da igualdade de armas, bem como a violação do princípio que impõe à administração que só adote uma decisão com base em fundamentos legalmente admissíveis, dos princípios da proporcionalidade, do contraditório e da segurança jurídica, bem como do Regulamento (CE) n.o 1049/2001 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 30 de maio de 2001, relativo ao acesso do público aos documentos do Parlamento Europeu, do Conselho e da Comissão (JO 2001, L 145, p. 43).

31      Através do despacho recorrido, o Tribunal Geral negou provimento ao recurso, julgando‑o, em parte, manifestamente inadmissível e, em parte, manifestamente desprovido de fundamento jurídico.

32      No que respeita ao pedido de anulação da decisão controvertida e da decisão de indeferimento da reclamação, o Tribunal Geral começou por considerar que apenas os argumentos relativos à violação dos artigos 21.o, 55.o e 60.o do Estatuto, bem como do dever de fundamentação, tinham sido apresentados sob uma forma que satisfazia os requisitos mínimos previstos no artigo 76.o, alínea d), do Regulamento de Processo do Tribunal Geral, e julgou os outros argumentos manifestamente inadmissíveis.

33      Em seguida, o Tribunal Geral rejeitou os argumentos relativos à violação dos artigos 21.o, 55.o e 60.o do Estatuto, bem como do dever de fundamentação, julgando‑os manifestamente desprovidos de fundamento.

34      Em primeiro lugar, no que respeita à violação alegada dos artigos 21.o, 55.o e 60.o do Estatuto, o Tribunal Geral considerou nomeadamente, no n.o 79 do despacho recorrido, que, admitindo estar provado que a recorrente tinha efetivamente estado presente nas instalações do SEAE, como sustenta, a verdade é que, ao manifestar claramente a sua intenção de não trabalhar na Divisão PRISM pelo facto de querer concentrar‑se unicamente nas questões administrativas ligadas à sua transferência, a recorrente não respeitou os requisitos estabelecidos pelos artigos 21.o e 55.o do Estatuto. Segundo o Tribunal Geral, o SEAE não pode ser acusado de ter considerado que a recorrente se encontrava numa situação de ausências injustificadas. Por outro lado, o Tribunal Geral salientou que, uma vez que as ausências consideradas pelo SEAE não tinham sido previamente autorizadas pelos seus superiores, a retenção sobre o salário num montante correspondente a 72 dias de calendário mais não era do que a consequência da inobservância das exigências previstas no artigo 60.o do Estatuto.

35      Em segundo lugar, no que respeita à pretensa falta de fundamentação da decisão de indeferimento da reclamação, após ter recordado, por um lado, que é possível considerar que uma decisão está suficientemente fundamentada quando tiver sido adotada num contexto conhecido do funcionário em causa, que lhe permitia compreender o seu alcance, e, por outro, que o conhecimento, pelo interessado, desse contexto é suscetível de constituir uma fundamentação da decisão em causa, o Tribunal Geral considerou, no n.o 85 do despacho recorrido, que resultava da decisão de indeferimento da reclamação que a recorrente tinha um conhecimento do contexto em que se inscrevia a decisão controvertida. A este respeito, precisou que a própria recorrente tinha junto à sua reclamação várias trocas de correspondência e de mensagens de correio eletrónico com o SEAE que tinham por objeto a retenção salarial dos dias considerados ausências injustificadas.

36      Em terceiro lugar, em consequência do indeferimento dos pedidos de anulação da decisão controvertida e da decisão de indeferimento da reclamação, e pelos mesmos motivos, o Tribunal Geral indeferiu, no n.o 87 do despacho recorrido, os pedidos desta no sentido de que fosse decidido que os montantes que lhe devem ser restituídos fossem acrescidos de juros de mora.

37      Por último, tendo em conta o indeferimento destes pedidos de anulação por serem, em parte, manifestamente inadmissíveis e, em parte, manifestamente improcedentes, o Tribunal Geral declarou, nos n.os 88 e 89 do despacho recorrido, que o pedido formulado pela recorrente ao abrigo do artigo 89.o, n.o 3, alínea d), do seu Regulamento de Processo devia igualmente ser indeferido. Segundo o Tribunal Geral, não resultava da petição que os documentos cuja apresentação tinha sido pedida fossem suscetíveis de infirmar a constatação feita nos n.os 74 a 80 do despacho recorrido, segundo a qual a recorrente não assistiu a sua hierarquia ao desempenhar as tarefas que lhe estavam confiadas e de estar permanentemente à disposição do SEAE, em conformidade com os deveres decorrentes dos artigos 21.o e 55.o do Estatuto, nem que esses documentos fossem suscetíveis de demonstrar que a decisão de indeferimento da reclamação estava insuficientemente fundamentada. Em todo o caso, segundo o Tribunal Geral, a recorrente não identificou com suficiente grau de precisão os documentos cuja apresentação solicitava nem lhe forneceu Tribunal Geral um mínimo de elementos que justificassem a utilidade desses documentos para as necessidades da instância, em conformidade com o artigo 88.o, n.o 2, deste regulamento.

 Pedidos das partes

38      Com o seu recurso, WV pede ao Tribunal Geral que se digne:

–        anular o despacho recorrido;

–        condenar o SEAE na totalidade das despesas, incluindo as despesas efetuadas no Tribunal Geral;

–        remeter o processo ao Tribunal Geral para que este se pronuncie sobre o recurso.

39      O SEAE pede ao Tribunal de Justiça que se digne:

–        julgar o recurso inadmissível ou, pelo menos, negar‑lhe provimento;

–        condenar WV a suportar as despesas da instância.

 Quanto ao presente recurso

40      Em apoio do presente recurso, a recorrente invoca um fundamento único, relativo à violação do princípio da livre produção da prova e do conceito de conjunto de indícios concordantes e, portanto, à violação das regras relativas ao ónus da prova, a denegação de justiça, a uma discriminação, a uma desvirtuação dos factos e a erros manifestos de apreciação que implicaram uma fundamentação jurídica incorreta do despacho recorrido. Esse fundamento divide‑se em seis partes.

41      O SEAE considera que o referido fundamento deve ser julgado inadmissível, uma vez que não está em conformidade com as exigências resultantes do artigo 58.o, primeiro parágrafo, do Estatuto do Tribunal de Justiça da União Europeia e do artigo 168.o, n.o 1, alínea d), do Regulamento de Processo do Tribunal de Justiça, ou, pelo menos, improcedente.

 Quanto à admissibilidade do recurso

 Argumentação das partes

42      O SEAE considera que o recurso é inadmissível pelo facto de o seu fundamento único ser pouco claro. Assim, antes de mais, a alegação relativa a um erro manifesto de apreciação dos elementos de prova pelo Tribunal Geral foi desenvolvida de maneira desordenada, sem explicar em que medida esse pretenso erro deveria conduzir à anulação da decisão controvertida. Em seguida, a alegação relativa a uma pretensa denegação de justiça tem por objeto, na realidade, uma violação do direito a um recurso efetivo. Ora, o recurso não expõe claramente de que modo o Tribunal Geral violou esse direito, nem o princípio da não discriminação, igualmente invocado. Por último, o enunciado do fundamento único não menciona uma pretensa violação do artigo 60.o do Estatuto.

43      A recorrente sustenta que o presente recurso é admissível.

 Apreciação do Tribunal de Justiça

44      Resulta do artigo 256.o, n.o 1, segundo parágrafo, TFUE, do artigo 58.o, primeiro parágrafo, do Estatuto do Tribunal de Justiça da União Europeia e do artigo 168.o, n.o 1, alínea d), do Regulamento de Processo do Tribunal de Justiça que um recurso de uma decisão do Tribunal Geral deve indicar de modo preciso os elementos contestados do acórdão cuja anulação é pedida, bem como os argumentos jurídicos que especificamente sustentam esse pedido, sob pena de inadmissibilidade do recurso ou do fundamento em causa (v. Acórdão de 2 de março de 2021, Comissão/Itália e o., C‑425/19 P, EU:C:2021:154, n.o 55 e jurisprudência referida, e de 20 de maio de 2021, Dickmanns/EUIPO, C‑63/20 P, não publicado, EU:C:2021:406, n.o 49 e jurisprudência referida).

45      Não respeita, nomeadamente, estas exigências e deve ser julgado inadmissível um fundamento cuja argumentação não é suficientemente clara e precisa para permitir ao Tribunal de Justiça exercer a sua fiscalização da legalidade, nomeadamente porque os elementos essenciais em que o fundamento se baseia não resultam de modo suficientemente coerente e compreensível do texto desse recurso, que está formulado de maneira obscura e ambígua a este respeito. O Tribunal de Justiça declarou igualmente que devia ser julgado manifestamente inadmissível um recurso desprovido de estrutura coerente, limitando‑se a afirmações gerais e não contendo indicações precisas relativas aos pontos da decisão impugnada eventualmente afetados por um erro de direito (Acórdão de 4 de outubro de 2018, Staelen/Provedor de Justiça, C‑45/18 P, não publicado, EU:C:2018:814, n.o 15 e jurisprudência referida).

46      No caso em apreço, embora seja verdade que a apresentação de alguns dos argumentos do presente recurso poderia ter sido mais clara para facilitar a sua compreensão, não é menos verdade que o presente recurso contém uma série de argumentos jurídicos relativos precisamente a elementos claramente identificados do despacho recorrido. Por conseguinte, os argumentos do SEAE não podem ter como consequência que o recurso seja julgado inadmissível na totalidade, devendo ser apreciados no âmbito do exame de cada uma das seis partes do fundamento único deste último.

47      Nestas condições, há que julgar o presente recurso admissível.

 Quanto à observação preliminar da recorrente

 Argumentação das partes

48      Na parte da sua petição de recurso intitulada «Factos e antecedentes processuais», a recorrente salienta que, na sua exposição dos factos e dos antecedentes do litígio, o Tribunal Geral não citou nem teve em conta certos elementos factuais com base nos quais assentava a análise da recorrente.

49      O SEAE alega que a recorrente não indica as consequências concretas que essa omissão teve no seu recurso para o Tribunal Geral.

 Apreciação do Tribunal de Justiça

50      Importa salientar, a este respeito, que a recorrente se limita a enumerar elementos de facto que o Tribunal Geral pretensamente não teve em conta e remete, de modo geral, para a alegação relativa à violação do princípio da livre produção da prova e do conceito de conjunto de indícios concordantes, e, portanto, da inobservância das regras relativas ao ónus da prova, sem indicar de maneira precisa quais os pontos do despacho recorrido que enfermam de um erro de direito devido a essa pretensa omissão.

51      Por conseguinte, tais alegações não respondem às exigências recordadas nos n.os 44 e 45 do presente acórdão e devem, portanto, ser julgadas inadmissíveis.

 Quanto ao mérito

52      A primeira e segunda partes do fundamento único do recurso da recorrente dizem respeito aos fundamentos do despacho recorrido através dos quais o Tribunal Geral julgou manifestamente inadmissíveis certas alegações da recorrente. A terceira a quinta partes deste fundamento dizem respeito aos fundamentos do despacho recorrido através dos quais o Tribunal Geral julgou manifestamente improcedentes os argumentos da recorrente relativos à violação dos artigos 21.o, 55.o e 60.o do Estatuto, bem como do dever de fundamentação. A sexta parte do referido fundamento tem por objeto o indeferimento, pelo Tribunal Geral, do pedido de adoção de uma medida de organização do processo nos termos do artigo 89.o, n.o 3, alínea d), do Regulamento de Processo do Tribunal Geral.

 Quanto à primeira e segunda partes do fundamento único

–       Argumentação das partes

53      Com a primeira parte do seu fundamento único, que visa os n.os 63 e 64 do despacho recorrido, a recorrente acusa o Tribunal Geral de ter considerado erradamente que a violação alegada do artigo 1.o‑E, n.o 2, e do artigo 12.o‑A do Estatuto não foi desenvolvida na petição. Ora, em primeiro lugar, a recorrente afirma que se baseou no artigo 1.o‑E do Estatuto, uma vez que, no n.o 54 da sua petição no Tribunal Geral, salientou, por um lado, que cabia à AIPN certificar‑se, no cumprimento de uma obrigação de resultado, de que o funcionário podia exercer a sua profissão num contexto adequado, sadio e sem exposição a ataques, a difamação e/ou a assédio incessantes e, por outro, de que a saúde da recorrente se tinha deteriorado no trabalho em razão de difamatórias, maldosas e de assédio, denunciadas e demonstradas. Em segundo lugar, nessa petição apresentada no Tribunal Geral, a recorrente salientou igualmente ter sofrido assédio moral e, no n.o 53 da mesma, fez referência aos termos precisos do artigo 12.o‑A, n.o 3, do Estatuto.

54      Com a segunda parte do seu fundamento único, a recorrente critica o Tribunal Geral pelo modo como encarou a sua alegação de desvio de procedimento e de uma infração ao dever de assistência e à obrigação de resultado de assegurar que um funcionário possa exercer a sua profissão num contexto adequado, sadio e sem exposição a ataques, a difamação ou a assédio.

55      Em primeiro lugar, a recorrente considera que o Tribunal Geral fundamentou de maneira confusa e, por conseguinte, de modo juridicamente deficiente, a recusa de examinar esta alegação, uma vez que, depois de a ter enunciado no n.o 65 do despacho recorrido, o Tribunal Geral não julgou essa alegação inadmissível nem a examinou quanto ao mérito.

56      Em segundo lugar, a recorrente contesta as conclusões do Tribunal Geral no n.o 65 do despacho recorrido e afirma que, para chegar a essas conclusões, o Tribunal Geral não teve em conta a totalidade dos autos e não examinou de maneira completa as provas. Considera que o Tribunal Geral violou, assim, o princípio da livre produção da prova e do conceito de conjunto de indícios concordantes e, portanto, violou as regras relativas ao ónus da prova, o que levou a uma denegação de justiça. Em especial, a recorrente afirma que a referida alegação é sustentada pelos anexos A.4, A.8, A.10, A.16, A.21, A.24, A.25, A.26 e A.30 da sua petição no Tribunal Geral.

57      O SEAE alega, no que respeita à segunda parte do fundamento único, que, devido à inexistência total de referência aos elementos de prova na petição apresentada no Tribunal Geral, a recorrente não pode acusar aquele tribunal de não ter tido em conta documentos que supostamente sustentam as suas alegações, a saber, os anexos A.4, A.8, A.10 e A.16, mencionados pela primeira vez na fase do presente recurso. O princípio dispositivo que rege o processo no Tribunal Geral exige que a recorrente identifique de maneira precisa os elementos de prova a que se referem os fundamentos de direito, sem que o Tribunal Geral deva oficiosamente procurar nos autos os elementos de prova correspondentes às alegações da recorrente.

 Apreciação do Tribunal de Justiça

58      No que respeita à primeira parte do fundamento único, na qual a recorrente alega que o Tribunal Geral desvirtuou a sua argumentação ao considerar erradamente que a violação alegada do artigo 1.o‑E, n.o 2, e do artigo 12.o‑A do Estatuto não tinha sido desenvolvida na petição, importa recordar que, no âmbito de um recurso de decisões do Tribunal Geral, a fiscalização do Tribunal de Justiça tem por objeto, nomeadamente, verificar se o Tribunal Geral respondeu de modo juridicamente bastante a todos os argumentos invocados pelo recorrente (Acórdão de 25 de junho de 2020, Comissão/CX, C‑131/19 P, não publicado, EU:C:2020:502, n.o 33 e jurisprudência referida).

59      Por outro lado, o fundamento relativo à falta de resposta do Tribunal Geral a argumentos invocados em primeira instância equivale, em substância, a invocar uma violação do dever de fundamentação que decorre do artigo 36.o do Estatuto do Tribunal de Justiça da União Europeia, aplicável ao Tribunal Geral por força do artigo 53.o, primeiro parágrafo, do mesmo Estatuto, e do artigo 119.o do Regulamento de Processo do Tribunal Geral (Acórdão de 25 de junho de 2020, Comissão/CX, C‑131/19 P, não publicado, EU:C:2020:502, n.o 34 e jurisprudência referida).

60      Contudo, como o Tribunal de Justiça declarou reiteradamente, o dever que incumbe ao Tribunal Geral de fundamentar as suas decisões não pode ser interpretado no sentido de que implica que este deva responder pormenorizadamente a cada argumento invocado pelo recorrente, em especial se esse argumento não for suficientemente claro e preciso (Acórdão de 15 de abril de 2010, Gualtieri/Comissão, C‑485/08 P, EU:C:2010:188, n.o 41 e jurisprudência referida).

61      Assim, o Tribunal Geral não pode ser acusado de ter considerado, perante afirmações e indicações gerais, como as contidas nos n.os 53 e 54 da petição em primeira instância, que a violação alegada dos artigos 1.o‑E e 12.o‑A do Estatuto não foi desenvolvida juridicamente.

62      Por conseguinte, a primeira parte do fundamento único deve ser julgada improcedente.

63      No que respeita à segunda parte do fundamento único, importa, em primeiro lugar, observar que o argumento da recorrente segundo o qual o Tribunal Geral não fundamentou a sua recusa de examinar esta alegação, uma vez que não a julgou inadmissível nem a examinou quanto ao mérito, assenta numa leitura errada do despacho recorrido.

64      Decorre da versão nominativa do despacho recorrido, anexa ao presente recurso, que, após ter indicado, no n.o 64 da mesma, que «as alegações referidas no n.o 63 [deste despacho] não respondem aos requisitos mínimos de clareza e de coerência do artigo 76.o, alínea d), do Regulamento de Processo», o Tribunal Geral precisou, no n.o 65 do referido despacho, que esse era «igualmente o caso da alegação relativa a um desvio de procedimento e a uma infração ao dever de assistência e à obrigação de resultado que consiste em assegurar que um funcionário possa exercer a sua profissão num contexto adequado, sadio, sem exposição a ataques, a difamação ou a assédio». O Tribunal Geral prosseguiu, indicando nomeadamente, nesse mesmo n.o 65, que «em apoio dessa alegação, a recorrente se [limitava] a invocar, de maneira geral e não sustentada, a não ser através de uma remissão global para os “factos tal como desenvolvidos no presente recurso” e para “provas irrefutáveis”, um “contexto dirigido contra [ela] por propósitos obscuros e num quadro de exclusão profissional manifesta”», bem como vários outros elementos.

65      O Tribunal Geral concluiu em seguida, no n.o 66 da versão nominativa do despacho recorrido, junta ao recurso da recorrente, que as alegações referidas nos n.os 62 a 65 desta deviam ser julgadas manifestamente inadmissíveis.

66      Por conseguinte, a alegação segundo a qual o Tribunal Geral não fundamentou a sua recusa em examinar a alegação relativa ao desvio de procedimento e a uma violação do dever de assistência e à obrigação de resultado de assegurar que um funcionário possa exercer a sua profissão num contexto adequado, sadio sem exposição a ataques, a difamação ou a assédio, não tem fundamento.

67      No que respeita, em segundo lugar, à segunda alegação da segunda parte do fundamento único, referida no n.o 56 do presente acórdão, há que recordar que, como resulta da jurisprudência do Tribunal de Justiça a «exposição sumária dos fundamentos», que deve ser indicada em qualquer petição, na aceção do artigo 21.o do Estatuto do Tribunal de Justiça da União Europeia, aplicável ao Tribunal Geral por força do artigo 53.o, primeiro parágrafo, desse estatuto, e do artigo 76.o, alínea d) do Regulamento de Processo do Tribunal Geral, significa que a petição deve explicitar em que consiste o fundamento em que o recurso se baseia (Acórdão de 11 de setembro de 2014, MasterCard e o./Comissão, C‑382/12 P, EU:C:2014:2201, n.o 39 e jurisprudência referida, e Despacho de 21 de janeiro de 2016, Internationaler Hilfsfonds/Comissão, C‑103/15 P, não publicado, EU:C:2016:51, n.o 31).

68      Assim, para que um recurso no Tribunal Geral seja admissível, é necessário, designadamente, que os elementos essenciais de facto e de direito em que se baseia resultem, pelo menos sumariamente, mas de modo coerente e compreensível, do texto da própria petição. Ainda que o corpo da petição possa ser sustentado e completado, em pontos específicos, por remissões para determinadas passagens de documentos a ela anexados, uma remissão global para outros documentos, mesmo anexados à petição, não pode suprir a falta dos elementos essenciais da argumentação jurídica, os quais, por força das disposições recordadas no número anterior do presente acórdão, devem figurar na petição (Acórdão de 11 de setembro de 2014, MasterCard e o./Comissão, C‑382/12 P, EU:C:2014:2201, n.o 40, e Despacho de 21 de janeiro de 2016, Internationaler Hilfsfonds/Comissão, C‑103/15 P, não publicado, EU:C:2016:51, n.o 32).

69      A função meramente probatória e instrumental dos anexos significa que, na medida em que comportem elementos de direito em que assentam certos fundamentos articulados na petição, esses elementos devem figurar no próprio texto dessa petição ou, pelo menos, estar suficientemente identificados nela (v. Acórdão de 2 de outubro de 2019, Crédit mutuel Arkéa/BCE, C‑152/18 P e C‑153/18 P, EU:C:2019:810, n.o 39 e jurisprudência referida).

70      Consequentemente, não cabia ao Tribunal Geral procurar e identificar, entre os anexos, os fundamentos e argumentos que poderia considerar que constituíam o sustentáculo da ação, uma vez que os anexos têm uma função meramente probatória e instrumental (v., neste sentido, Acórdão de 16 de setembro de 2020, BP/FRA, C‑669/19 P, não publicado, EU:C:2020:713, n.o 54).

71      A segunda alegação da segunda parte do fundamento único é, por conseguinte, improcedente.

72      Por conseguinte, a primeira e segunda partes deste fundamento devem ser julgadas improcedentes.

 Quanto à quinta parte do fundamento único

–       Argumentação das partes

73      Com a quinta parte do fundamento único, que importa examinar em primeiro lugar, a recorrente acusa o Tribunal Geral de ter aplicado o artigo 60.o do Estatuto de maneira errada e de ter ignorado a base legal da decisão controvertida. Segundo a recorrente, ao considerar que esta decisão, baseada no artigo 60.o do Estatuto, é válida, o Tribunal Geral cometeu erros de direito na análise desse artigo 60.o e procedeu, além disso, a uma desvirtuação dos factos, ao considerar que a recorrente estava ausente irregularmente, quando estava presente fisicamente.

74      Em primeiro lugar, segundo a recorrente, o Tribunal Geral analisou a pretensa realidade das ausências injustificadas à luz não do artigo 60.o do Estatuto, que constitui a base jurídica da decisão controvertida, mas com fundamento nos artigos 21.o e 55.o do Estatuto.

75      Ao confirmar a análise da AIPN contida na decisão controvertida, que equipara uma presença da recorrente nas instalações da instituição, que não responde às expectativas desta última em termos de disponibilidade e de assiduidade, a uma ausência injustificada, a recorrente entende que o Tribunal Geral violou o artigo 60.o do Estatuto, que se refere a ausências ocorridas sem autorização prévia, exceto em caso de doença ou acidente. Ora, na medida em que a recorrente esteve presente nessas instalações, este artigo 60.o não é, em sua opinião, aplicável.

76      Se a AIPN considerasse que a recorrente não satisfazia estas expectativas, deveria ter instaurado processos disciplinares. Ora, uma violação dos artigos 21.o e 55.o do Estatuto não pode ser punida por uma retenção sobre a remuneração ou por uma imputação nas férias, uma vez que tais medidas não estão previstas no artigo 9.o do anexo IX do Estatuto. Assim, uma retenção sobre a remuneração não pode constituir uma pena disciplinar dissimulada ou de substituição.

77      Em segundo lugar e em todo o caso, a recorrente considera que o SEAE não forneceu uma descrição do lugar, nem indicou os objetivos a alcançar e as tarefas concretas confiadas à recorrente, nem provou a recusa desta em se conformar com as mesmas. A este respeito, segundo a recorrente, o Tribunal Geral cometeu um erro manifesto de apreciação ao fazer referência, no n.o 74 do despacho recorrido, à resposta da recorrente ao seu relatório de notação relativo ao ano de 2016, quando as suas pretensas ausências injustificadas, conforme definidas pelo Tribunal Geral, diziam respeito ao ano de 2017.

78      O SEAE salienta que a quinta parte do fundamento único, na medida em que diz respeito a uma pretensa violação do artigo 60.o do Estatuto, não figura no enunciado do fundamento único. Em todo o caso, considera que esta parte do fundamento é improcedente. A este respeito, é de opinião que o Tribunal Geral salientou acertadamente que o funcionário deve estar sempre à disposição da instituição, que este artigo 60.o pune qualquer ausência irregular e que exige, portanto, uma presença efetiva no local de trabalho, que está subordinada ao respeito, pelo funcionário, de duas condições cumulativas, previstas nos artigos 21.o e 55.o do Estatuto, a saber, assistir a sua hierarquia o desempenho das tarefas que lhe estão confiadas e, para tal, estar permanentemente à disposição da instituição. Por conseguinte, contrariamente ao que alega a recorrente, o Tribunal Geral e a AIPN basearam‑se nos artigos 21.o, 55.o e 60.o do Estatuto, considerados em conjunto, e não apenas neste último artigo.

–       Apreciação do Tribunal de Justiça

79      Quanto à pretensa inadmissibilidade da quinta parte do fundamento único, importa salientar, por um lado, que, embora o enunciado deste fundamento contenha uma alegação relativa a «erros manifestos de apreciação que deram origem a uma fundamentação jurídica inexata» do despacho recorrido, os argumentos que figuram nesta quinta parte indicam claramente que a recorrente acusa o Tribunal Geral de ter cometido um erro de direito ao aplicar o artigo 60.o do Estatuto.

80      Por outro lado, a referida quinta parte indica de maneira precisa os elementos criticados do despacho recorrido e os argumentos jurídicos em que se baseia especificamente o pedido de anulação desse despacho, em conformidade com as exigências recordadas no n.o 44 do presente acórdão.

81      A quinta parte do fundamento único é, por conseguinte, admissível.

82      Quanto à primeira alegação da quinta parte do fundamento único, na qual a recorrente acusa o Tribunal Geral de ter aplicado erradamente o artigo 60.o do Estatuto, importa salientar que, nos n.os 70 a 80 do despacho recorrido, o Tribunal Geral verificou se a decisão controvertida e a decisão de indeferimento da reclamação estavam em conformidade com os artigos 21.o, 55.o e 60.o do Estatuto.

83      Após ter recordado, nos n.os 71 e 72 do despacho recorrido, o teor desses artigos, bem como do ponto B da introdução da Decisão C(2013) 9051 final da Comissão, de 16 de dezembro de 2013, relativa às férias, aplicável ao SEAE por força da Decisão SEAE DEC (2014) 009, de 13 de fevereiro de 2014, o Tribunal Geral declarou, no n.o 73 desse despacho, que a recorrente não respeitou as exigências impostas por essas disposições.

84      Assim, nos n.os 74 e 75 do referido despacho, o Tribunal Geral começou por indicar, no que respeita às condições previstas nos artigos 21.o e 55.o do Estatuto, que a AIPN considerou acertadamente que resultava dos autos, em especial da resposta desta ao seu relatório de notação relativo ao ano de 2016, que, desde a sua transferência para a Divisão PRISM e apesar das diferentes advertências e chamadas de atenção dos seus superiores, a interessada manifestou a sua intenção de não trabalhar nessa divisão.

85      Em seguida, o Tribunal Geral salientou, no n.o 76 do despacho recorrido, que a vontade de não assistir os seus superiores e de não executar as tarefas que lhe incumbiam também figurava num correio eletrónico da recorrente datado de 11 de abril de 2017, no qual indicava que tinha estado presente todos os dias no SEAE para tentar resolver a situação em que se tinha encontrado na sequência da sua exclusão ilegal da Divisão EURCA West3 e da sua transferência abusiva para a Divisão PRISM. Na sua mensagem de correio eletrónico, a recorrente indicava igualmente que não estava necessariamente sentada no seu gabinete todo o dia.

86      Por último, o Tribunal Geral acrescentou, no n.o 77 do despacho recorrido, que, ainda que a recorrente considerasse que a sua transferência não lhe convinha, podia pedir outra afetação, mas isso não a dispensava, enquanto aguardava essa afetação, de trabalhar na Divisão PRISM para exercer tarefas ligadas ao seu lugar e de estar permanentemente à disposição do SEAE. No n.o 78 desse despacho, o Tribunal Geral precisou que, se a recorrente considerava que a sua transferência padecia de qualquer vício, podia fazer valer as vias de recurso de que dispunha, mas que os seus deveres fundamentais de lealdade e de cooperação a proibiam, todavia, de recusar cumprir as obrigações decorrentes dessa transferência.

87      O Tribunal Geral concluiu, no n.o 79 do despacho recorrido, que, admitindo que estivesse provado que a recorrente tenha estado efetivamente presente nas instalações do SEAE como sustenta, ao manifestar claramente a sua intenção de não trabalhar na Divisão PRISM pelo facto de pretender concentrar‑se unicamente nas questões administrativas ligadas à sua transferência, a recorrente não respeitou manifestamente os requisitos estabelecidos pelos artigos 21.o e 55.o do Estatuto. O Tribunal Geral prosseguiu acrescentando que não se pode, portanto, censurar o SEAE por ter considerado que a recorrente se encontrava numa situação de ausências injustificadas e que, uma vez que as ausências consideradas pelo SEAE não tinham sido previamente autorizadas pelos seus superiores, a retenção sobre o seu salário num montante correspondente a 72 dias de calendário mais não era do que a consequência da inobservância dos requisitos previstos no artigo 60.o do Estatuto.

88      Por último, o Tribunal Geral indicou, no n.o 80 do despacho recorrido, que a conclusão a que chegou no n.o 79 deste não podia ser posta em causa pela alegação da recorrente de que tinha transmitido numerosos elementos de prova que comprovavam a sua presença no gabinete e na Divisão PRISM. A este respeito, o Tribunal Geral considerou, em substância, que esses elementos não permitiam, apesar da sua data de expedição, demonstrar que a recorrente tinha assistido a sua hierarquia ao desempenhar tarefas que lhe estavam confiadas nem que se tinha colocado permanentemente à disposição do SEAE, em conformidade com as obrigações decorrentes dos artigos 21.o e 55.o do Estatuto.

89      Resulta das considerações precedentes que o Tribunal Geral considerou, em substância, que, uma vez que, ao manifestar claramente a sua intenção de não trabalhar na divisão para a qual tinha sido transferida, a recorrente não tinha respeitado os requisitos estabelecidos pelos artigos 21.o e 55.o do Estatuto, pelo que não o SEAE não podia ser censurado por ter considerado que a recorrente se encontrava numa situação de ausências injustificadas e que, por conseguinte, em conformidade com o artigo 60.o do Estatuto, o SEAE podia validamente proceder a uma retenção sobre a remuneração num montante correspondente a 72 dias de calendário, mesmo que se demonstrasse que a recorrente tinha estado efetivamente presente nas instalações do SEAE.

90      A título preliminar, há que salientar que, enquanto o Tribunal Geral se refere, no despacho recorrido, às «ausências injustificadas» da recorrente, resulta do n.o 70 desse despacho que o Tribunal Geral examinou se a decisão controvertida e a decisão de indeferimento da reclamação estavam em conformidade, nomeadamente, com o artigo 60.o do Estatuto, que visa os casos de «ausência irregular».

91      Por conseguinte, há que determinar se o facto, admitindo que está provado, de um funcionário não respeitar os deveres que os artigos 21.o e 55.o do Estatuto lhe impõem, a saber, assistir e aconselhar os seus superiores, ser responsável pelo desempenho das tarefas que lhe estão confiadas e estar permanentemente à disposição da instituição, pode ser qualificado de «ausência irregular», na aceção do artigo 60.o, primeiro parágrafo, do Estatuto, e, portanto, permitir a aplicação das medidas previstas nesta disposição a esse funcionário.

92      Em conformidade com jurisprudência constante, para interpretar uma disposição de direito da União, há que ter em conta não só os seus termos mas também o seu contexto e os objetivos prosseguidos pela regulamentação de que faz parte [v., designadamente, Acórdão de 28 de janeiro de 2020, Comissão/Itália (Diretiva luta contra os atrasos de pagamento), C‑122/18, EU:C:2020:41, n.o 39 e jurisprudência referida].

93      Em primeiro lugar, há que salientar que o artigo 60.o do Estatuto, que figura no capítulo 2 do título IV deste, sob a epígrafe «Interrupção de serviço com justificação», dispõe, no seu primeiro parágrafo, que, «[s]alvo em caso de doença ou acidente, o funcionário não pode ausentar‑se sem para tal estar previamente autorizado pelo respetivo superior hierárquico», que, «[s]em prejuízo da aplicação eventual do preceituado em matéria disciplinar, qualquer ausência irregular devidamente verificada é descontada nas férias anuais do interessado» e que, «[e]m caso de esgotamento das férias, o funcionário perde o direito à remuneração pelo período excedente».

94      Embora esta disposição não defina o conceito de «ausência irregular» daí decorre que a ausência de um funcionário é irregular, quando esse funcionário não respeitou a proibição de se ausentar sem para isso ter sido previamente autorizado pelo seu superior hierárquico, exceto em caso de doença ou acidente.

95      Para efeitos da aplicação do artigo 60.o, primeiro parágrafo, do Estatuto, a ausência devidamente verificada do funcionário em causa e a falta de autorização prévia do seu superior hierárquico para esse efeito são determinantes. Com efeito, resulta desta disposição que a perda do benefício da remuneração tem como causa determinante o facto de o funcionário se ausentar do serviço sem para tal ser autorizado pelo Estatuto ou pela autoridade investida do poder de nomeação (Despacho de 30 de novembro de 1972, Perinciolo/Conselho, 75/72 R, EU:C:1972:110, n.o 10).

96      Como indicou o advogado‑geral no n.o 44 das suas conclusões, na linguagem corrente, o conceito de «ausência» é utilizado para designar o facto de alguém ou qualquer coisa não se encontrar no local onde se espera que esteja, o que pressupõe uma ausência física.

97      Nada na redação do artigo 60.o, primeiro parágrafo, do Estatuto deixa supor que, para efeitos da aplicação desta disposição, esse conceito deva ser entendido num sentido diferente do seu sentido comum. Em especial, não resulta de modo algum desta redação que a «ausência irregular» de um funcionário, na aceção da referida disposição, possa ser deduzida de um incumprimento das obrigações profissionais que lhe incumbem por força dos artigos 21.o e 55.o do Estatuto, independentemente da sua presença ou ausência física no local de trabalho.

98      Com efeito, como o advogado‑geral salientou, em substância, no n.o 46 das suas conclusões, o artigo 60.o, primeiro parágrafo, do Estatuto não contém nenhuma menção relativa a um qualquer incumprimento por parte do funcionário das referidas obrigações profissionais.

99      Em segundo lugar, importa recordar que o capítulo 2 do título IV do Estatuto, intitulado «Interrupção de serviço com justificação», ao qual pertence o artigo 60.o do Estatuto, contém disposições relativas às diferentes licenças de que o funcionário beneficia, a saber, as férias anuais e especiais, regulamentadas pelos artigos 57.o e 59.o‑A do Estatuto, a licença de maternidade, regulamentada pelo artigo 58.o do Estatuto, e a licença por doença, regulamentada pelo artigo 59.o do Estatuto. Como salientou o advogado‑geral no n.o 54 das suas conclusões, todos estes artigos dizem respeito a situações em que o funcionário está em situação de inatividade profissional e, por conseguinte, não tem de estar fisicamente presente no local de trabalho.

100    Embora os artigos 57.o a 59.o‑A do Estatuto digam respeito às situações em que a ausência do funcionário se justifica devido a uma das licenças regulamentadas por estes artigos, o artigo 60.o, primeiro parágrafo, do Estatuto refere‑se às situações em que o funcionário está ausente, sem se enquadrar num dos casos previstos nos artigos 57.o a 59.o‑A e sem ter obtido a autorização do seu superior.

101    O facto de o artigo 60.o, primeiro parágrafo, estar incluído no capítulo 2 do título IV do Estatuto confirma que a aplicabilidade desta disposição pressupõe a ausência física do funcionário em causa do seu local de trabalho.

102    Em terceiro lugar, um funcionário que se encontre numa situação de «ausência irregular devidamente verificada», na aceção do artigo 60.o, primeiro parágrafo, do Estatuto, expõe‑se, sem prejuízo da eventual aplicação das disposições previstas em matéria disciplinar, a uma imputação dessa ausência irregular no período das suas férias anuais ou, em caso de esgotamento deste último, à perda do direito à remuneração pelo período correspondente à referida ausência irregular.

103    A este respeito, o Tribunal declarou, com efeito, que um funcionário em situação de ausência irregular devidamente verificada e cujos direitos a férias estão esgotados perde de pleno direito o benefício da remuneração (Acórdão de 6 de julho de 1983, Geist/Comissão, 285/81, EU:C:1983:192, n.o 21).

104    A perda do benefício da remuneração, prevista no artigo 60.o, primeiro parágrafo, do Estatuto, não constitui uma sanção disciplinar nem uma medida equivalente (Acórdão de 6 de julho de 1983, Geist/Comissão, 285/81, EU:C:1983:192, n.o 21).

105    Daqui decorre, por um lado, que a imputação de uma ausência irregular no período de férias anuais ou, em caso de esgotamento deste, a perda do benefício da remuneração relativamente ao período correspondente a essa ausência, previstas no artigo 60.o, primeiro parágrafo, do Estatuto, são medidas que, pela sua natureza e os seus efeitos, não têm por objetivo repreender ou advertir um funcionário em razão da má conduta adotada ou da incompetência ou da indisponibilidade demonstrada durante o período em que trabalha, mas compensar uma ausência física desse funcionário. Uma vez que a ausência é calculada em número de dias ou meios‑dias, estas medidas materializam‑se na subtração de um número de dias ou de meio dias do saldo das férias anuais restantes ou, se for caso disso, da remuneração do funcionário em causa.

106    Ora, como salientou o advogado‑geral no n.o 63 das suas conclusões, contrariamente a situações em que um funcionário se ausenta do local de trabalho, não é possível quantificar um eventual incumprimento das suas obrigações profissionais.

107    Por outro lado, as medidas referidas no n.o 105 do presente acórdão não têm por objetivo substituir uma sanção disciplinar em razão desse incumprimento.

108    Por conseguinte, o objetivo das medidas previstas no artigo 60.o, primeiro parágrafo, do Estatuto confirma a interpretação segundo a qual esta disposição visa situações em que um funcionário está fisicamente ausente do local de trabalho.

109    Por conseguinte, como salientou o advogado‑geral no n.o 64 das suas conclusões, considerar que um funcionário presente no local de trabalho, que desempenha mal as suas tarefas, ou mesmo comete um ato de insubordinação, está em situação de «ausência irregular», na aceção do artigo 60.o, primeiro parágrafo, do Estatuto, e, portanto, que lhe podem ser aplicadas retenções sobre os seus dias de férias ou sobre a sua remuneração constitui um desvio do processo disciplinar. Esta qualificação errada de «ausência irregular» tem por efeito aplicar a esse funcionário uma sanção pecuniária que não está prevista no Estatuto, sem que este tenha podido beneficiar das garantias de um processo disciplinar regular.

110    Daqui resulta que o Tribunal Geral cometeu um erro de direito ao considerar, no despacho recorrido, que, mesmo admitindo que estivesse provado que a recorrente tenha estado efetivamente presente nas instalações do SEAE, esta não tinha respeitado os requisitos estabelecidos pelos artigos 21.o e 55.o do Estatuto, pelo facto de ter manifestado a sua intenção de não trabalhar na divisão, que, por conseguinte, o SEAE não podia ser acusado de ter considerado que a recorrente se encontrava numa situação de ausências injustificadas, e que, uma vez que as ausências verificadas pelo SEAE não tinham sido previamente autorizadas pelos superiores hierárquicos da recorrente, o SEAE podia, em conformidade com o artigo 60.o do Estatuto, proceder a uma retenção sobre a remuneração num montante correspondente a 72 dias de calendário.

111    Resulta das considerações precedentes que a primeira alegação da quinta parte do fundamento único é procedente.

112    Por conseguinte, há que anular o despacho recorrido, não sendo necessário examinar a segunda alegação da quinta parte e as outras partes deste fundamento.

 Quanto à tramitação do processo no Tribunal Geral

113    Em conformidade com o artigo 61.o, primeiro parágrafo, segundo período, do Estatuto do Tribunal de Justiça da União Europeia, este pode, em caso de anulação da decisão do Tribunal Geral, decidir definitivamente o litígio, se este estiver em condições de ser julgado.

114    Tal é o caso no presente processo.

 Quanto ao pedido de anulação da decisão controvertida e da decisão de indeferimento da reclamação

115    Importa salientar que o erro de direito referido no n.o 110 do presente acórdão vicia igualmente a decisão controvertida e a decisão de indeferimento da reclamação.

116    Resulta da decisão de indeferimento da reclamação que o SEAE considerou que um funcionário está presente nesse serviço quando preenche os dois requisitos cumulativos decorrentes dos artigos 21.o e 55.o do Estatuto, a saber, assistir a sua hierarquia desempenhando as tarefas que lhe estão confiadas e estar permanentemente à disposição da instituição. A este respeito, o SEAE considerou, por um lado, que um funcionário que declarou a sua intenção de não assistir a sua hierarquia e de não desempenhar as tarefas que lhe estão confiadas não reunia os requisitos de presença efetiva no serviço e encontrava‑se em situação de ausência injustificada. Por outro lado, rejeitou os elementos de prova invocados pela recorrente, por considerar que não comprovavam uma «presença efetiva», na aceção dos requisitos estabelecidos pelos artigos 21.o e 55.o do Estatuto.

117    O SEAE deduziu do pretenso incumprimento das obrigações impostas pelos artigos 21.o e 55.o do Estatuto que a recorrente se encontrava numa situação de «ausência irregular», na aceção do artigo 60.o do Estatuto. Ora, como foi recordado no n.o 95 do presente acórdão, para efeitos da aplicação deste artigo 60.o, primeiro parágrafo, a ausência devidamente verificada do funcionário em causa e a falta de autorização prévia do seu superior hierárquico para esse efeito são determinantes, exceto em caso de doença ou acidente, devendo esta ausência ser entendida como uma ausência física do local de trabalho.

118    A decisão controvertida e a decisão de indeferimento da reclamação devem, por conseguinte, ser anuladas.

 Quanto ao pedido de restituição

119    No seu recurso para o Tribunal Geral, a recorrente pediu igualmente que os montantes que lhe devem ser restituídos fossem acrescidos de juros de mora à taxa de 5 % ao ano ou a qualquer outra taxa, calculada no dia do reembolso efetivo e em função da data das diferentes retenções efetuadas.

120    A este respeito, há que recordar que, por força do artigo 91.o, n.o 1, segundo período, do Estatuto, o Tribunal Geral, no que respeita aos litígios de caráter pecuniário, possui uma competência de plena jurisdição (Acórdão de 21 de fevereiro de 2008, Comissão/Girardot, C‑348/06 P, EU:C:2008:107, n.o 58).

121    A competência de plena jurisdição conferida ao juiz da União pelo artigo 91.o, n.o 1, do Estatuto atribui‑lhe a função de dar aos litígios submetidos à sua apreciação uma solução completa, ou seja, de se pronunciar sobre todos os direitos e obrigações do funcionário ou do agente, exceto, no entanto, se decidir remeter para a instituição em causa, e sob a sua fiscalização, a execução de algumas partes do acórdão nas condições precisas por si fixadas (Acórdão de 18 de dezembro de 2007, Weißenfels/Parlamento, C‑135/06 P, EU:C:2007:812, n.o 67).

122    Cabe ao juiz da União, sendo caso disso, condenar uma instituição no pagamento de uma quantia a que o recorrente tem direito ao abrigo do Estatuto ou de outro ato jurídico (Acórdãos de 18 de dezembro de 2007, Weißenfels/Parlamento, C‑135/06 P, EU:C:2007:812, n.o 68, e de 10 de setembro de 2015, Reapreciação Missir Mamachi di Lusignano/Comissão, C‑417/14 RX‑II, EU:C:2015:588, n.o 40).

123    Constituem «litígios de caráter pecuniário», na aceção do artigo 91.o, n.o 1, do Estatuto, não apenas as ações de indemnização intentadas pelos agentes contra uma instituição mas também todas as que têm por objeto o pagamento por essa instituição a um agente de uma quantia que considera ser‑lhe devida por força do Estatuto ou de outro ato que regule as suas relações de trabalho (Acórdão de 18 de dezembro de 2007, Weißenfels/Parlamento, C‑135/06 P, EU:C:2007:812, n.o 65).

124    No caso em apreço, o pedido da recorrente destinado a que o SEAE lhe reembolse os montantes deduzidos da sua remuneração e que esses montantes sejam acrescidos de juros de mora tem caráter pecuniário, na aceção do artigo 91.o, n.o 1, do Estatuto.

125    Tendo em conta a anulação da decisão controvertida e da decisão de indeferimento da reclamação, há que deferir este pedido e condenar o SEAE a reembolsar à recorrente os montantes indevidamente deduzidos da sua remuneração, correspondentes a 71,5 dias, uma vez que a decisão de indeferimento da reclamação acolheu o pedido da recorrente relativo a meio dia. Estes montantes serão acrescidos, por razões de equidade, de juros à taxa anual de 5 % a contar da data da sua dedução.

 Quanto às despesas

126    Nos termos do disposto no artigo 184.o, n.o 2, do Regulamento de Processo, se o recurso for julgado procedente e o Tribunal de Justiça decidir definitivamente o litígio, decidirá igualmente sobre as despesas.

127    O artigo 138.o, n.o 1, do mesmo regulamento, aplicável aos processos de recursos de decisões do Tribunal Geral por força do artigo 184.o, n.o 1, do referido regulamento, dispõe que a parte vencida é condenada nas despesas se a parte vencedora o tiver requerido. Tendo WV pedido a condenação do SEAE nas despesas e tendo este sido vencido, há que condená‑lo a suportar, além das suas próprias despesas, as despesas efetuadas pela WV tanto em primeira instância como no âmbito do presente recurso.

Pelos fundamentos expostos, o Tribunal de Justiça (Sétima Secção) decide:

1)      O Despacho do Tribunal Geral da União Europeia de 29 de janeiro de 2020, WV/SEAE (T471/18, não publicado, EU:T:2020:26), é anulado.

2)      A Decisão do Serviço Europeu para a Ação Externa (SEAE) de 27 de novembro de 2017, relativa a uma retenção sobre o salário num montante correspondente a 72 dias de calendário, e a Decisão do SEAE de 2 de maio de 2018, que indeferiu a reclamação da recorrente apresentada em 3 de janeiro de 2018, são anuladas.

3)      O SEAE é condenado a reembolsar à recorrente os montantes indevidamente deduzidos da sua remuneração, num montante correspondente a 71,5 dias. Estes montantes serão acrescidos de juros à taxa anual de 5 %, a contar da data da sua dedução.

4)      O SEAE suporta, além das suas próprias despesas, as despesas efetuadas pela WV tanto em primeira instância como no âmbito do presente recurso.

Assinaturas


*      Língua do processo: francês.