Language of document : ECLI:EU:C:2022:97

ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Tribunal Pleno)

16 de fevereiro de 2022 (*)

Índice



«Recurso de anulação — Regulamento (UE, Euratom) 2020/2092 — Regime geral de condicionalidade para a proteção do orçamento da União Europeia — Proteção do orçamento da União em caso de violação dos princípios do Estado de Direito num Estado‑Membro — Base jurídica — Artigo 322.o, n.o 1, alínea a), TFUE — Alegada elusão do artigo 7.o TUE e do artigo 269.o TFUE — Alegadas violações do artigo 4.o, n.o 1, do artigo 5.o, n.o 2, e do artigo 13.o, n.o 2, TUE, bem como dos princípios da segurança jurídica, da proporcionalidade e da igualdade dos Estados‑Membros perante os Tratados»

No processo C‑156/21,

que tem por objeto um recurso de anulação nos termos do artigo 263.o TFUE, interposto em 11 de março de 2021,

Hungria, representada por M. Z. Fehér e M. M. Tátrai, na qualidade de agentes,

recorrente,

apoiada por:

República da Polónia, representada por B. Majczyna e S. Żyrek, na qualidade de agentes,

interveniente,

contra

Parlamento Europeu, representado por F. Drexler, R. Crowe, U. Rösslein, T. Lukácsi e A. Pospíšilová Padowska, na qualidade de agentes,

e

Conselho da União Europeia, representado por A. de Gregorio Merino, E. Rebasti, A. Tamás e A. Sikora‑Kalėda, na qualidade de agentes,

recorridos,

apoiados por:

Reino da Bélgica, representado por C. Pochet, M. Jacobs e L. Van den Broeck, na qualidade de agentes,

Reino da Dinamarca, representado inicialmente por M. Søndahl Wolff e J. Nymann‑Lindegren e depois por M. Søndahl Wolff e V. Pasternak Jørgensen, na qualidade de agentes,

República Federal da Alemanha, representada por J. Möller e R. Kanitz, na qualidade de agentes,

Irlanda, representada por M. Browne, J. Quaney e A. Joyce, na qualidade de agentes, assistidos por D. Fennelly, BL,

Reino de Espanha, representado inicialmente por J. Rodríguez de la Rúa Puig e S. Centeno Huerta e depois por M. J. Rodríguez de la Rúa Puig e A. Gavela Llopis, na qualidade de agentes,

República Francesa, representada por A.‑L. Desjonquères, A.‑C. Drouant e E. Leclerc, na qualidade de agentes,

GrãoDucado do Luxemburgo, representado inicialmente por A. Germeaux e T. Uri e depois por A. Germaux, na qualidade de agentes,

Reino dos Países Baixos, representado por M. K. Bulterman e J. Langer, na qualidade de agentes,

República da Finlândia, representada por H. Leppo e S. Hartikainen, na qualidade de agentes,

Reino da Suécia, representado por O. Simonsson, J. Lundberg e C. Meyer‑Seitz, A. Runeskjöld, H. Shev, M. Salborn Hodgson, H. Eklinder e R. Shahsavan Eriksson, na qualidade de agentes,

Comissão Europeia, representada por D. Calleja Crespo, J.—P. Keppenne, J. Baquero Cruz e A. Tokár, na qualidade de agentes,

intervenientes,

O TRIBUAL DE JUSTIÇA (Tribunal Pleno),

composto por: K. Lenaerts, presidente, L. Bay Larsen, vice‑presidente, A. Arabadjiev (relator), A. Prechal, K. Jürimäe, C. Lycourgos, E. Regan, S. Rodin, I. Jarukaitis, N. Jääskinen, I. Ziemele e J. Passer, presidentes de secção, M. Ilešič, J.—C. Bonichot, M. Safjan, F. Biltgen, P. G. Xuereb, N. Piçarra, L. S. Rossi, A. Kumin, N. Wahl, D. Gratsias, L. Arastey Sahún, M. Gavalec e Z. Csehi, juízes,

advogado‑geral: M. Campos Sánchez‑Bordona,

secretários: M. Aleksejev, chefe de unidade, e I. Illéssy, administrador,

vistos os autos e após a audiência de 11 e 12 de outubro de 2021,

ouvidas as conclusões do advogado‑geral na audiência de 2 de dezembro de 2021,

profere o presente

Acórdão

1.      Com a sua petição, a Hungria pede ao Tribunal de Justiça que anule, a título principal, o Regulamento (UE, Euratom) 2020/2092 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 16 de dezembro de 2020, relativo a um regime geral de condicionalidade para a proteção do orçamento da União (JO 2020, L 433I, p. 1, e retificação no JO 2021, L 373, p. 94; a seguir «regulamento impugnado»), e, a título subsidiário, o artigo 4.o, n.o 1 e n.o 2, alínea h), o artigo 5.o, n.o 2 e n.o 3, penúltimo e último períodos, e o artigo 6.o, n.os 3 e 8, deste regulamento.

I.      Quadro jurídico

A.      Regulamento (CE) n.o 1049/2001

2.      O artigo 2.o do Regulamento (CE) n.o 1049/2001 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 30 de maio de 2001, relativo ao acesso do público aos documentos do Parlamento Europeu, do Conselho e da Comissão (JO 2001, L 145, p. 43), prevê, no n.o 1:

«Todos os cidadãos da União e todas as pessoas singulares ou coletivas que residam ou tenham a sua sede social num Estado‑Membro têm direito de acesso aos documentos das instituições, sob reserva dos princípios, condições e limites estabelecidos no presente regulamento.»

3.      Nos termos do artigo 4.o deste regulamento:

«[…]

2.      As instituições recusarão o acesso aos documentos cuja divulgação pudesse prejudicar a proteção de:

[…]

–        processos judiciais e consultas jurídicas,

[…]

exceto quando um interesse público superior imponha a divulgação.

3.      O acesso a documentos, elaborados por uma instituição para uso interno ou por ela recebidos, relacionados com uma matéria sobre a qual a instituição não tenha decidido, será recusado, caso a sua divulgação pudesse prejudicar gravemente o processo decisório da instituição, exceto quando um interesse público superior imponha a divulgação.

O acesso a documentos que contenham pareceres para uso interno, como parte de deliberações e de consultas preliminares na instituição em causa, será recusado mesmo após ter sido tomada a decisão, caso a sua divulgação pudesse prejudicar gravemente o processo decisório da instituição, exceto quando um interesse público superior imponha a divulgação.

[…]

5.      Qualquer Estado‑Membro pode solicitar à instituição que esta não divulgue um documento emanado desse Estado‑Membro sem o seu prévio acordo.

6.      Quando só algumas partes do documento pedido forem abrangidas por qualquer das exceções, as restantes partes do documento serão divulgadas.

7.      As exceções previstas nos n.os 1 a 3 só são aplicáveis durante o período em que a proteção se justifique com base no conteúdo do documento […]»

4.      O artigo 5.o do referido regulamento dispõe:

«Sempre que um Estado‑Membro receba um pedido de acesso a um documento emanado de uma instituição que esteja na sua posse, a menos que seja claro se o documento deve ou não ser divulgado, consultará a instituição em causa, a fim de tomar uma decisão que não prejudique a realização dos objetivos do presente regulamento.

O Estado‑Membro pode, em alternativa, remeter o pedido para a instituição.»

B.      Regulamento Interno do Conselho

5.      Em 1 de dezembro de 2009, o Conselho da União Europeia adotou a Decisão 2009/937/UE, que adota o seu regulamento interno (JO 2009, L 325, p. 35). O artigo 6.o deste regulamento interno (a seguir «Regulamento Interno do Conselho»), com a epígrafe «Sigilo profissional e apresentação de documentos em tribunal», prevê, no n.o 2:

«O Conselho ou o [Comité de Representantes Permanentes dos Governos dos Estados‑Membros (Coreper)] podem autorizar a apresentação em tribunal de cópias ou extratos de documentos do Conselho que não tenham sido ainda facultados ao público de acordo com as disposições em matéria de acesso do público aos documentos.»

6.      Nos termos do artigo 10.o do referido regulamento interno, com a epígrafe «Acesso do público aos documentos do Conselho»:

«As disposições específicas relativas ao acesso do público a documentos do Conselho constam do anexo II.»

7.      O anexo II do mesmo regulamento interno, com o título «Disposições específicas relativas ao acesso do público aos documentos do Conselho», contém o artigo 5.o, relativo aos «[p]edidos apresentados pelos Estados‑Membros», que enuncia:

«Quando um Estado‑Membro apresenta um pedido ao Conselho, este é tratado em conformidade com os artigos 7.o e 8.o do [Regulamento n.o 1049/2001] e com as disposições pertinentes do presente anexo. Em caso de recusa total ou parcial de acesso, o requerente é informado de que um eventual pedido confirmativo deve ser enviado diretamente ao Conselho.»

C.      Diretrizes para o tratamento a dar aos documentos a nível interno do Conselho

8.      Através da nota 7695/18, de 10 de abril de 2018, o Conselho adotou diretrizes para o tratamento a dar aos documentos a nível interno do Conselho. Os pontos 1, 2, 20 e 21 destas diretrizes têm a seguinte redação:

«1.      O presente documento contém diretrizes aplicáveis ao tratamento de documentos não classificados do Conselho distribuídos apenas a nível interno, aos membros do Conselho, à Comissão, ao Serviço Europeu para a Ação Externa (SEAE) e, consoante o assunto a que digam respeito, a certas outras instituições (p. ex.: Parlamento Europeu, Tribunal de Justiça, Banco Central Europeu) e órgãos da União Europeia (p. ex: Comité das Regiões, Comité Económico e Social Europeu). A divulgação intempestiva deste tipo de documentos pode ter consequências nefastas para os processos decisórios do Conselho.

2.      As diretrizes têm impacto direto no funcionamento do Conselho, pelo que devem ser respeitadas pelos Estados‑Membros na sua qualidade de membros do Conselho, de acordo com o princípio da cooperação leal que rege as relações entre as instituições da [União] e os Estados‑Membros.

[…]

20.      Os documentos “LIMITE” não podem ser facultados ao público sem que tenha sido tomada uma decisão nesse sentido por funcionários devidamente autorizados do Conselho, pelas administrações nacionais dos Estados‑Membros (cf. ponto 21) ou, se necessário, pelo Conselho, nos termos do [Regulamento n.o 1049/2001] e do Regulamento Interno do Conselho.

21.      Não é permitido ao pessoal de nenhuma instituição ou órgão da [União], que não seja o Conselho, decidir autonomamente facultar documentos “LIMITE” ao público sem consultar previamente o Secretariado‑Geral do Conselho (SGC). O pessoal das administrações nacionais dos Estados‑Membros deverá consultar o SGC antes de tomar tal decisão, a menos que seja evidente que o documento em questão pode ser divulgado, nos termos do artigo 5.o do [Regulamento n.o 1049/2001].»

D.      Regulamento (UE, Euratom) n.o 883/2013

9.      O artigo 2.o, ponto 1, do Regulamento (UE, Euratom) n.o 883/2013 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 11 de setembro de 2013, relativo aos inquéritos efetuados pelo Organismo Europeu de Luta Antifraude (OLAF) e que revoga o Regulamento (CE) n.o 1073/1999 do Parlamento Europeu e do Conselho e o Regulamento (Euratom) n.o 1074/1999 do Conselho (JO 2013, L 248, p. 1), define, para efeitos deste regulamento, «[i]nteresses financeiros da União», como sendo «as receitas, as despesas e os ativos cobertos pelo orçamento da União Europeia, bem como aqueles cobertos pelos orçamentos das instituições, órgãos, organismos e agências e pelos orçamentos geridos e controlados pelos mesmos».

E.      Regulamento Financeiro

10.    Nos termos do artigo 2.o do Regulamento (UE, Euratom) 2018/1046 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 18 de julho de 2018, relativo às disposições financeiras aplicáveis ao orçamento geral da União, que altera os Regulamentos (UE) n.o 1296/2013 (UE) n.o 1301/2013 (UE) n.o 1303/2013, UE n.o 1304/2013 (UE) n.o 1309/2013 (UE) n.o 1316/2013 (UE) n.o 223/2014 e (UE) n.o 283/2014, e a Decisão n.o 541/2014/UE, e revoga o Regulamento (UE, Euratom) n.o 966/2012 (JO 2018, L 193, p. 1; a seguir «Regulamento Financeiro»), com a epígrafe «Definições»:

«Para efeitos do presente regulamento, entende‑se por:

[…]

7.      “Execução do orçamento”, a realização de atividades relacionadas com a gestão, o acompanhamento, o controlo e a auditoria das dotações orçamentais de acordo com os métodos previstos no artigo 62.o;

[…]

42.      “Organização do Estado‑Membro”, uma entidade estabelecida num Estado‑Membro como um organismo de direito público, ou como um organismo regido pelo direito privado ao qual tenha sido confiada uma missão de serviço público e que tenha sido dotado de garantias financeiras adequadas pelo Estado‑Membro;

[…]

59.      “Boa gestão financeira”, a execução do orçamento de acordo com os princípios de economia, de eficiência e de eficácia;

[…]»

11.    O artigo 61.o deste regulamento, com a epígrafe «Conflitos de interesses», prevê:

«1.      Os intervenientes financeiros, na aceção do capítulo 4 do presente título, e as outras pessoas, incluindo as autoridades nacionais a qualquer nível, envolvidas na execução orçamental em regime de gestão direta, indireta e partilhada, incluindo os respetivos atos preparatórios, a auditoria ou o controlo, não realizam qualquer ato que possa pôr os seus próprios interesses em conflito com os interesses da União. Tomam também as medidas adequadas para prevenir o surgimento de conflitos de interesses nas funções sob a sua responsabilidade e para enfrentar as situações que possam objetivamente ser consideradas como constituindo um conflito de interesses.

2.      Caso exista o risco de um conflito de interesses que implique um membro do pessoal de uma autoridade nacional, a pessoa em causa remete a questão para o seu superior hierárquico. No caso de pessoal abrangido pelo Estatuto, a pessoa em causa remete a questão para o gestor orçamental delegado competente. O superior hierárquico ou o gestor orçamental delegado competente confirmam por escrito se existe um conflito de interesses. Caso exista um conflito de interesses, a autoridade investida do poder de nomeação ou a autoridade nacional competente asseguram que a pessoa em causa cesse todas as suas atividades no caso. O gestor orçamental delegado competente ou a autoridade nacional competente asseguram que sejam tomadas todas as medidas suplementares adequadas de acordo com a lei aplicável.

3.      Para efeitos do n.o 1, existe um conflito de interesses caso o exercício imparcial e objetivo das funções de um interveniente financeiro ou de outra pessoa, a que se refere o n.o 1, se veja comprometido por motivos familiares, afetivos, de afinidade política ou nacional, de interesse económico, ou por qualquer outro interesse pessoal direto ou indireto.»

12.    O artigo 62.o do referido regulamento, com a epígrafe «Modos de execução orçamental», dispõe, no n.o 1, primeiro parágrafo:

«1.      A Comissão executa o orçamento de um dos seguintes modos:

a)      Diretamente (“gestão direta”), tal como previsto nos artigos 125.o a 153.o, através dos seus serviços, incluindo o seu pessoal colocado nas delegações da União sob a responsabilidade do respetivo chefe de delegação, nos termos do artigo 60.o, n.o 2, ou através das agências de execução referidas no artigo 69.o;

b)      Em regime de “gestão partilhada” com os Estados‑Membros (“gestão partilhada”), tal como previsto nos artigos 63.o e 125.o a 129.o;

c)      Indiretamente (“gestão indireta”), tal como previsto nos artigos 125.o a 149.o e 154.o a 159.o, caso tal esteja previsto no ato de base ou nos casos referidos no artigo 58.o, n.o 2, alíneas a) a d), confiando tarefas de execução orçamental:

[…]»

13.    O artigo 63.o do mesmo regulamento, com a epígrafe «Gestão partilhada com os Estados‑Membros», enuncia, nos n.os 2 e 8:

«2.      No âmbito da realização das tarefas relacionadas com a execução do orçamento, os Estados‑Membros tomam todas as medidas necessárias, incluindo medidas legislativas, regulamentares e administrativas, para proteger os interesses financeiros da União, a saber:

a)      Assegurar que as ações financiadas pelo orçamento sejam executadas de forma correta e eficaz nos termos das regras setoriais aplicáveis;

b)      Designar, nos termos do n.o 3, os organismos responsáveis pela gestão e pelo controlo dos fundos da União, e supervisionar esses organismos;

c)      Prevenir, detetar e corrigir irregularidades e fraudes;

d)      Cooperar, em conformidade com o presente regulamento e nos termos das regras setoriais, com a Comissão, com o [Organismo Europeu de Luta Antifraude (OLAF)], com o Tribunal de Contas [Europeu] e, no caso dos Estados‑Membros participantes numa cooperação reforçada nos termos do Regulamento (UE) 2017/1939 do Conselho[, de 12 de outubro de 2017, que dá execução a uma cooperação reforçada para a instituição da Procuradoria Europeia (JO 2017, L 283, p. 1)], com a Procuradoria Europeia.

A fim de proteger os interesses financeiros da União, os Estados‑Membros, respeitando simultaneamente o princípio da proporcionalidade e em conformidade com o presente artigo e com as regras setoriais relevantes, procedem a controlos ex ante e ex post, incluindo, se for caso disso, verificações no local de amostras de operações representativas e/ou baseadas no risco. Os Estados‑Membros recuperam igualmente os montantes indevidamente pagos e, se necessário, instauram ações judiciais para esse efeito.

Os Estados‑Membros aplicam sanções efetivas, dissuasivas e proporcionadas aos destinatários, quando tal estiver previsto nas regras setoriais ou em disposições específicas da legislação nacional.

No âmbito da sua avaliação dos riscos e em conformidade com as regras setoriais, a Comissão acompanha os sistemas de gestão e controlo estabelecidos nos Estados‑Membros. Nas suas atividades de auditoria, a Comissão respeita o princípio da proporcionalidade e tem em conta o nível de risco avaliado em conformidade com as regras setoriais.

[…]

8.      A fim de assegurar que os fundos da União sejam utilizados de acordo com as regras aplicáveis, a Comissão:

a)      Procede à fiscalização e à aprovação das contas dos organismos designados, de modo a garantir que as contas são completas, exatas e verdadeiras;

b)      Exclui das despesas de financiamento da União os desembolsos efetuados em infração do direito aplicável;

c)      Interrompe os prazos de pagamento ou suspende os pagamentos, caso tal esteja previsto nas regras setoriais.

A Comissão levanta total ou parcialmente a interrupção dos prazos de pagamento ou a suspensão dos pagamentos após um Estado‑Membro ter apresentado as suas observações, e logo que o mesmo tenha tomado todas as medidas necessárias. O relatório anual de atividades a que se refere o artigo 74.o, n.o 9, abrange todas as obrigações decorrentes do presente número.»

14.    O artigo 129.o do Regulamento Financeiro, com a epígrafe «Cooperação para a proteção dos interesses financeiros da União», prevê:

«1.      As pessoas ou entidades que recebem fundos da União cooperam plenamente na proteção dos interesses financeiros da União e, como condição para receber os fundos, concedem os direitos e o acesso necessários para que o gestor orçamental competente e, no caso dos Estados‑Membros participantes numa cooperação reforçada […], o OLAF, o Tribunal de Contas e, se for caso disso, as autoridades nacionais competentes exerçam de forma abrangente as respetivas competências. No caso do OLAF, esses direitos incluem o direito de efetuar inquéritos, nomeadamente verificações e inspeções no local, nos termos do [regulamento relativo aos inquéritos efetuados pelo OLAF].

2.      As pessoas ou entidades que recebem fundos da União em regime de gestão direta e indireta acordam por escrito na concessão dos direitos necessários, tal como referido no n.o 1, e asseguram que os terceiros envolvidos na execução dos fundos da União concedam direitos equivalentes.»

15.    Nos termos do artigo 131.o deste regulamento, com a epígrafe «Suspensão, cessação e redução»:

«1.      Caso um procedimento de concessão tenha sido objeto de irregularidades ou de fraudes, o gestor orçamental competente suspende o procedimento e pode tomar todas as medidas necessárias, incluindo a anulação do procedimento. O gestor orçamental competente informa imediatamente o OLAF dos casos suspeitos de fraude.

[…]

3.      O gestor orçamental competente pode suspender os pagamentos ou a execução do compromisso jurídico caso:

[…]

b)      Seja necessário verificar se ocorreram efetivamente as presumíveis irregularidades, fraudes ou incumprimento de obrigações;

c)      As irregularidades, as fraudes ou o incumprimento das obrigações ponham em causa a fiabilidade ou a eficácia dos sistemas de controlo interno de uma pessoa ou entidade que executa fundos da União nos termos do artigo 62.o, n.o 1, primeiro parágrafo, alínea c), ou a legalidade e a regularidade das transações subjacentes.

[…]»

16.    O artigo 135.o do referido regulamento, com a epígrafe «Proteção dos interesses financeiros da União através da deteção de riscos, da exclusão e da aplicação de sanções financeiras», dispõe:

«1.      A fim de proteger os interesses financeiros da União, a Comissão estabelece e gere um sistema de deteção precoce e de exclusão.

Este sistema destina‑se a facilitar:

a)      A deteção precoce de pessoas ou entidades a que se refere o n.o 2, que constituam um risco para os interesses financeiros da União;

[…]

3.      A decisão de registar informações relativas à deteção precoce dos riscos referidos no n.o 1, segundo parágrafo, alínea a), do presente artigo, de excluir pessoas ou entidades a que se refere o n.o 2 e/ou de aplicar uma sanção financeira a um destinatário é tomada pelo gestor orçamental competente. As informações relacionadas com essas decisões são registadas na base de dados referida no artigo 142.o, n.o 1. Caso essas decisões sejam tomadas com base no artigo 136.o, n.o 4, as informações registadas na base de dados incluem as informações relativas às pessoas referidas nesse número.

4.      A decisão de excluir pessoas ou entidades a que se refere o n.o 2 do presente artigo, ou de aplicar sanções financeiras a um destinatário, baseia‑se numa decisão judicial transitada em julgado ou, nas situações de exclusão referidas no artigo 136.o, n.o 1, numa decisão administrativa definitiva, ou, nas situações referidas no artigo 136.o, n.o 2, numa qualificação jurídica preliminar da instância referida no artigo 143.o, a fim de assegurar uma apreciação centralizada dessas situações. Nos casos referidos no artigo 141.o, n.o 1, o gestor orçamental competente exclui um participante de um determinado procedimento concursal.

Sem prejuízo do artigo 136.o, n.o 5, o gestor orçamental competente só pode tomar a decisão de excluir um participante ou um destinatário e/ou de aplicar uma sanção financeira a um destinatário e a decisão de publicar as informações conexas, com base na qualificação preliminar a que se refere o artigo 136.o, n.o 2, após ter recebido uma recomendação da instância a que se refere o artigo 143.o»

II.    Regulamento impugnado

17.    Resulta dos vistos do regulamento impugnado que este foi adotado com fundamento no «Tratado [FUE], nomeadamente no seu artigo 322.o, n.o 1, alínea a),» e no «Tratado [CEEA], nomeadamente [no] seu artigo 106.o‑A».

18.    Os considerandos 2, 3, 5 a 10, 12 a 16, 18 a 20 e 26 do regulamento impugnado enunciam:

«(2)      Nas suas conclusões de 21 de julho de 2020, o Conselho Europeu declarou que os interesses financeiros da União devem ser protegidos de acordo com os princípios gerais consagrados nos Tratados, em especial os valores consagrados no artigo 2.o [TUE]. O Conselho Europeu também realçou a importância da proteção dos interesses financeiros da União e a importância do respeito pelo Estado de direito.

(3)      O Estado de direito exige que todos os poderes públicos atuem dentro dos limites fixados pela lei, em conformidade com os valores da democracia e do respeito pelos direitos fundamentais, tal como consagrados na Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia [(a seguir “Carta”)] e noutros instrumentos aplicáveis, e sob o controlo de tribunais independentes e imparciais. Em particular, exige que os princípios da legalidade ([Acórdão de 29 de Abril de 2004, Comissão/CAS Succhi di Frutta, C‑496/99 P, EU:C:2004:236, n.o 63]), que pressupõe a existência de um processo legislativo transparente, responsável, democrático e pluralista, de segurança jurídica ([Acórdão de 12 de novembro de 1981, Meridionale Industria Salumi e o., 212/80 a 217/80, EU:C:1981:270, n.o 10]), de proibição da arbitrariedade de poder executivo ([Acórdão de 21 de setembro de 1989, Hoechst/Comissão, 46/87 e 227/88, EU:C:1989:337, n.o 19]), de uma tutela jurisdicional efetiva que inclui o acesso à justiça, por órgãos jurisdicionais independentes e imparciais ([Acórdãos de 27 de fevereiro de 2018, Associação Sindical dos Juízes Portugueses, C‑64/16, EU:C:2018:117, n.os 31, 40 e 41, e de 25 de julho de 2018, Minister for Justice and Equality (Falhas do sistema judiciário), C‑216/18 PPU, EU:C:2018:586, n.os 63 a 67]), e de separação de poderes ([Acórdãos de 22 de dezembro de 2010, DEB, C‑279/09, EU:C:2010:811, n.o 58; de 10 de novembro de 2016, Poltorak, C‑452/16 PPU, EU:C:2016:858, n.o 35; e de 10 de novembro de 2016, Kovalkovas, C‑477/16 PPU, EU:C:2016:861, n.o 36]) que sejam respeitados ([Comunicação da Comissão intitulada “Um novo quadro da [União] para reforçar o Estado de direito” COM(2014) 158 final, anexo I]).

[…]

(5)      Quando um país candidato se torna Estado‑Membro, adere a uma construção jurídica que assenta na premissa fundamental segundo a qual cada Estado‑Membro partilha com todos os outros Estados‑Membros, e reconhece que estes partilham com ele, uma série de valores comuns em que a União se funda, como precisado no artigo 2.o [TUE]. Esta premissa implica e justifica a existência da confiança mútua entre os Estados‑Membros no reconhecimento desses valores e, por conseguinte, no respeito do direito da União que os aplica ([Parecer 2/13 (Adesão da União à CEDH), de 18 de dezembro de 2014, EU:C:2014:2454, n.o 168]). As leis e as práticas dos Estados‑Membros deverão continuar a respeitar os valores comuns em que a União se funda.

(6)      Embora não exista uma hierarquia entre os valores da União, o respeito pelo Estado de direito é essencial para a proteção dos outros valores fundamentais em que a União se funda, como a liberdade, a democracia, a igualdade e o respeito pelos direitos humanos. O respeito pelo Estado de direito está intrinsecamente ligado ao respeito da democracia e dos direitos fundamentais. Não pode haver democracia e respeito dos direitos fundamentais sem respeito pelo Estado de direito, e vice‑versa.

(7)      Sempre que os Estados‑Membros executam o orçamento da União, incluindo os recursos afetados através do Instrumento de Recuperação da União Europeia criado nos termos do Regulamento (UE) 2020/2094 do Conselho[, de 14 de dezembro de 2020, que estabelece um instrumento de recuperação da União Europeia para apoiar a recuperação no rescaldo da crise da COVID‑19 (JO 2020, L 433I, p. 23),] e através de empréstimos e outros instrumentos garantidos pelo orçamento da União, e independentemente do método de execução que utilizarem, o respeito pelo Estado de direito é uma condição prévia essencial para a conformidade com os princípios da boa gestão financeira consagrados no artigo 317.o [TFUE].

(8)      Os Estados‑Membros só podem assegurar uma boa gestão financeira se as autoridades públicas agirem em conformidade com a lei, se os casos de fraude, incluindo a fraude fiscal, de evasão fiscal, de corrupção e de conflito de interesses, ou outras violações do direito, forem efetivamente objeto de investigação e repressão pelos serviços de investigação e do Ministério Público, e se as decisões arbitrárias ou ilegais das autoridades públicas, inclusive das autoridades de aplicação da lei, puderem ser sujeitas a uma fiscalização jurisdicional efetiva por tribunais independentes e pelo Tribunal de Justiça da União Europeia.

(9)      A independência e imparcialidade do poder judicial deverá ser sempre garantida, e os serviços de investigação e do Ministério Público deverão estar aptos a exercer adequadamente as suas funções. O poder judicial e os serviços de investigação e do Ministério Público deverão dispor de recursos financeiros e humanos suficientes e de procedimentos que lhes permitam agir eficazmente e no pleno respeito do direito a um processo equitativo, incluindo o respeito dos direitos de defesa. As decisões judiciais definitivas deverão ser executadas de forma efetiva. Tais condições são necessárias como garantia mínima contra decisões ilegais e arbitrárias das autoridades públicas que sejam suscetíveis de lesar os interesses financeiros da União.

(10)      A independência do poder judicial pressupõe, nomeadamente, que a instância judicial em causa esteja em condições de exercer, tanto ao abrigo das regras aplicáveis como na prática, as suas funções jurisdicionais com total autonomia, sem estar submetida a nenhum vínculo hierárquico ou de subordinação em relação a quem quer que seja e sem receber ordens ou instruções de qualquer origem, e esteja, assim, protegida contra intervenções ou pressões externas suscetíveis de afetar a independência de julgamento dos seus membros e influenciar as suas decisões. As garantias de independência e de imparcialidade postulam a existência de regras, designadamente no que respeita à composição da instância, à nomeação, à duração das funções, bem como às causas de impugnação da nomeação e de destituição dos seus membros, que permitam afastar qualquer dúvida legítima, no espírito dos litigantes, quanto à impermeabilidade da referida instância em relação a elementos externos e à sua neutralidade relativamente aos interesses em confronto.

[…]

(12)      O artigo 19.o [TUE], que concretiza o valor do Estado de direito enunciado no artigo 2.o [TUE], impõe aos Estados‑Membros que prevejam uma tutela jurisdicional efetiva nos domínios abrangidos pelo direito da União, incluindo os relativos à execução do orçamento da União. A própria existência de uma fiscalização jurisdicional efetiva destinada a assegurar o cumprimento do direito da União é inerente ao Estado de direito e requer tribunais independentes ([Acórdão de 27 de fevereiro de 2018, Associação Sindical dos Juízes Portugueses, C‑64/16, EU:C:2018:117, n.os 32 a 36]). É fundamental que seja preservada a independência dos tribunais, como confirma o artigo 47.o, segundo parágrafo, da Carta ([Acórdão de 27 de fevereiro de 2018, Associação Sindical dos Juízes Portugueses, C‑64/16, EU:C:2018:117, n.os 40 e 41]). Isto aplica‑se, em especial, à fiscalização jurisdicional da regularidade de atos, contratos ou outros instrumentos geradores de despesa ou de dívida pública, designadamente no âmbito de processos de adjudicação de contratos públicos dos quais os tribunais podem igualmente ser chamados a conhecer.

(13)      Por conseguinte, existe uma relação clara entre o respeito pelo Estado de direito e a execução eficiente do orçamento da União de acordo com os princípios da boa gestão financeira.

(14)      A União desenvolveu uma série de instrumentos e procedimentos que promovem o Estado de direito e a sua aplicação, nomeadamente o apoio financeiro às organizações da sociedade civil, o Mecanismo Europeu para o Estado de direito e o Painel de Avaliação da Justiça na [União], e que providenciam uma resposta eficaz das instituições da União a violações do Estado de direito, através de processos por infração e do procedimento previsto no artigo 7.o [TUE]. O mecanismo previsto no presente regulamento complementa estes instrumentos, protegendo o orçamento da União contra violações dos princípios do Estado de direito que afetem a sua boa gestão financeira ou a proteção dos interesses financeiros da União.

(15)       As violações dos princípios do Estado de direito, em particular as que afetam o correto funcionamento das autoridades públicas e a fiscalização jurisdicional efetiva, podem lesar gravemente os interesses financeiros da União. Tal pode acontecer em consequência de violações pontuais dos princípios do Estado de direito, e mais ainda em consequência de violações generalizadas ou decorrentes de práticas ou omissões recorrentes por parte das autoridades públicas ou de medidas gerais adotadas por essas autoridades.

(16)      A identificação de violações dos princípios do Estado de direito requer uma avaliação qualitativa aprofundada pela Comissão. Essa avaliação deverá ser objetiva, imparcial e equitativa e ter em conta as informações pertinentes provenientes das fontes disponíveis e de instituições reconhecidas, incluindo os acórdãos do Tribunal de Justiça da União Europeia, os relatórios do Tribunal de Contas, o relatório sobre o Estado de direito e o Painel de Avaliação da Justiça na [União] apresentados anualmente pela Comissão, os relatórios do [OLAF], as informações da Procuradoria Europeia, se for caso disso, e as conclusões e recomendações das organizações e redes internacionais pertinentes, incluindo os órgãos do Conselho da Europa, nomeadamente o Grupo de Estados contra a Corrupção (GRECO) do Conselho da Europa e a [Comissão Europeia para a Democracia através do Direito (Comissão de Veneza)], em particular a sua lista de verificação em matéria de Estado de direito, bem como a Rede Europeia dos Supremos Tribunais e a Rede Europeia dos Conselhos de Justiça. A Comissão poderá consultar a Agência dos Direitos Fundamentais da União Europeia e a Comissão de Veneza se tal for necessário para a realização da avaliação qualitativa aprofundada.

[…]

(18)      Deverá aplicar‑se o princípio da proporcionalidade ao estabelecer as medidas a adotar, em especial tendo em conta a gravidade da situação, o tempo decorrido desde que teve início a conduta em causa, a duração e recorrência da conduta, a intenção, o grau de cooperação do Estado‑Membro em causa para pôr termo às violações dos princípios do Estado de direito, bem como os efeitos na boa gestão financeira do orçamento da União ou os interesses financeiros da União.

(19)      É essencial que os interesses legítimos dos destinatários finais e dos beneficiários sejam devidamente salvaguardados aquando da adoção de medidas em caso de violações dos princípios do Estado de direito. Ao ponderar a adoção de medidas, a Comissão deverá ter em conta o seu impacto potencial nos destinatários finais e nos beneficiários. Tendo em conta que, no âmbito do regime de gestão partilhada, os pagamentos da Comissão aos Estados‑Membros são juridicamente independentes dos pagamentos efetuados pelas autoridades nacionais aos beneficiários, não se deverá considerar que as medidas adequadas adotadas nos termos do presente regulamento afetam as disponibilidades de fundos para pagamentos aos beneficiários em conformidade com os prazos de pagamento estabelecidos nas regras setoriais e financeiras aplicáveis. As decisões adotadas nos termos do presente regulamento e as obrigações para com os destinatários finais ou os beneficiários estabelecidas no presente regulamento fazem parte do direito da União aplicável no que respeita à execução do financiamento em regime de gestão partilhada. Os Estados‑Membros abrangidos pelas medidas deverão informar regularmente a Comissão sobre o cumprimento das suas obrigações para com os destinatários finais ou os beneficiários. As informações prestadas sobre o cumprimento das obrigações de pagamento para com os beneficiários estabelecidas nas regras setoriais e financeiras aplicáveis deverão permitir à Comissão verificar que as decisões tomadas nos termos do presente regulamento não afetam de modo algum, direta ou indiretamente, os pagamentos a efetuar ao abrigo das regras setoriais e financeiras aplicáveis.

A fim de reforçar a proteção dos destinatários finais ou dos beneficiários, a Comissão deverá fornecer informações e orientações através de um sítio Web ou de um portal na Internet, juntamente com instrumentos adequados que permitam informá‑la de qualquer violação da obrigação legal das entidades públicas e dos Estados‑Membros de continuarem a efetuar pagamentos após a adoção de medidas nos termos do presente regulamento. A Comissão deverá dar seguimento a essas informações a fim de verificar se as regras aplicáveis foram respeitadas, nomeadamente o artigo 69.o, o artigo 74.o, n.o 1, alínea b), e o artigo 104.o do Regulamento (UE) 2021/1060 do Parlamento Europeu e do Conselho[, de 24 de junho de 2021, que estabelece disposições comuns relativas ao Fundo Europeu de Desenvolvimento Regional, ao Fundo Social Europeu Mais, aos Fundos de Coesão, ao Fundo para uma Transição Justa e ao Fundo Europeu dos Assuntos Marítimos, das Pescas e da Aquicultura e regras financeiras aplicáveis a esses fundos e ao Fundo para o Asilo, a Migração e a Integração, ao Fundo para a Segurança Interna e ao Instrumento de Apoio Financeiro à Gestão das Fronteiras e à Política de Vistos (JO 2021, L 231, p. 159)]. Sempre que necessário, a fim de assegurar que qualquer montante devido por entidades públicas ou Estados‑Membros seja efetivamente pago aos destinatários finais ou aos beneficiários, a Comissão deverá proceder à recuperação dos pagamentos efetuados ou, se for caso disso, efetuar uma correção financeira através da redução do apoio da União a um programa em conformidade com as regras setoriais e financeiras aplicáveis.

(20)       A fim de assegurar condições uniformes para a execução do presente regulamento, e tendo em conta a importância dos efeitos financeiros das medidas adotadas nos termos do mesmo, deverão ser atribuídas competências de execução ao Conselho, que deverá deliberar com base numa proposta da Comissão.

[…]

(26)      O procedimento para a adoção e o levantamento das medidas deverá respeitar os princípios da objetividade, da não discriminação e da igualdade de tratamento dos Estados‑Membros e deverá ser conduzido em conformidade com uma abordagem imparcial e baseada em dados factuais. Se, a título excecional, o Estado‑Membro em causa considerar que existem violações graves dos princípios referidos, pode solicitar ao presidente do Conselho Europeu que submeta a questão à apreciação do Conselho Europeu seguinte. Em tais circunstâncias excecionais, não deverá ser tomada qualquer decisão sobre as medidas até que o Conselho Europeu tenha debatido a questão. Este processo não pode, em regra, demorar mais de três meses após a Comissão ter apresentado a sua proposta ao Conselho.»

19.    O artigo 1.o do regulamento impugnado dispõe:

«O presente regulamento estabelece as regras necessárias para a proteção do orçamento da União em caso de violações dos princípios do Estado de direito nos Estados‑Membros.»

20.    Nos termos do artigo 2.o deste regulamento:

«Para efeitos do presente regulamento, entende‑se por:

a)      “Estado de direito”, o valor da União consagrado no artigo 2.o do TUE. Inclui os princípios da legalidade, que pressupõem um processo legislativo transparente, responsável, democrático e pluralista, bem como os princípios da segurança jurídica, da proibição da arbitrariedade dos poderes executivos, da tutela jurisdicional efetiva, incluindo o acesso à justiça, por tribunais independentes e imparciais, inclusive no que diz respeito aos direitos fundamentais, da separação de poderes, e ainda da não discriminação e da igualdade perante a lei. O Estado de direito deve ser entendido à luz dos outros valores e princípios da União consagrados no artigo 2.o do TUE.

b)      “Entidade pública”, qualquer autoridade pública, a todos os níveis de governo, incluindo as autoridades nacionais, regionais e locais, bem como as organizações dos Estados‑Membros, na aceção do artigo 2.o, ponto 42, do Regulamento [Financeiro].»

21.    O artigo 3.o do referido regulamento, com a epígrafe «Violações dos princípios do Estado de direito», prevê:

«Para efeitos do presente regulamento, podem indiciar violações dos princípios do Estado de direito as seguintes situações:

a)      O facto de se pôr em risco a independência do poder judicial;

b)      O facto de não se prevenirem, corrigirem ou sancionarem decisões arbitrárias ou ilegais de autoridades públicas, incluindo autoridades de aplicação da lei; de se suspenderem recursos financeiros e humanos de uma forma que afete o correto funcionamento dessas autoridades; ou de não se assegurar a ausência de conflitos de interesses;

c)      O facto de se limitar a disponibilidade e eficácia dos mecanismos de recurso, nomeadamente através de regras processuais restritivas e de não se proceder à execução de decisões judiciais, ou de se limitar a efetiva investigação, repressão ou sanção das violações do direito.»

22.    O artigo 4.o do regulamento impugnado, com a epígrafe «Condições para a adoção das medidas», enuncia:

«1.      São adotadas medidas adequadas sempre que se determine, nos termos do artigo 6.o, que as violações dos princípios do Estado de direito num Estado‑Membro afetam ou são seriamente suscetíveis de afetar, de forma suficientemente direta, a boa gestão financeira do orçamento da União ou a proteção dos interesses financeiros da União.

2.      Para efeitos do presente regulamento, as violações dos princípios do Estado de direito dizem respeito a um ou mais dos seguintes aspetos:

a)      O correto funcionamento das autoridades que executam o orçamento da União, incluindo os empréstimos e outros instrumentos garantidos pelo orçamento da União, em especial no contexto dos procedimentos de contratação pública ou de concessão de subvenções;

b)      O correto funcionamento das autoridades responsáveis pelo controlo, fiscalização e auditoria financeiros, bem como o correto funcionamento de sistemas eficazes e transparentes de gestão e responsabilização financeira;

c)      O correto funcionamento dos serviços de investigação e do Ministério Público no que diz respeito à investigação e repressão da fraude, incluindo a fraude fiscal, da corrupção ou de outras violações do direito da União relativas à execução do orçamento da União ou à proteção dos interesses financeiros da União;

d)       A fiscalização jurisdicional efetiva, por tribunais independentes, das ações ou omissões das autoridades a que se referem as alíneas a), b) e c);

e)      A prevenção e sanção da fraude, incluindo a fraude fiscal, da corrupção ou de outras violações do direito da União relativas à execução do orçamento da União ou à proteção dos interesses financeiros da União, e a imposição, aos destinatários, de sanções efetivas e dissuasivas pelos tribunais ou autoridades administrativas nacionais;

f)      A recuperação de fundos pagos indevidamente;

g)      A cooperação eficaz e em tempo útil com o OLAF e, sob reserva da participação do Estado‑Membro em causa, com a Procuradoria Europeia nas investigações ou ações penais, ao abrigo dos atos pertinentes da União, que levam a cabo em conformidade com o princípio da cooperação leal;

h)      Outras situações ou condutas, por parte das autoridades que são pertinentes para a boa gestão financeira do orçamento da União ou para a proteção dos interesses financeiros da União.»

23.    O artigo 5.o deste regulamento, com a epígrafe «Medidas para a proteção do orçamento da União», prevê, nos seus n.os 1 a 4:

«1. Desde que estejam preenchidas as condições previstas no artigo 4.o do presente regulamento, podem ser adotadas uma ou mais das seguintes medidas adequadas de acordo com o procedimento previsto no artigo 6.o do presente regulamento:

a)      Quando a Comissão executa o orçamento da União em regime de gestão direta ou indireta nos termos do artigo 62.o, n.o 1, alíneas a) e c), do Regulamento Financeiro, e quando o destinatário é uma entidade pública:

i)      suspensão dos pagamentos ou da execução do compromisso jurídico, ou cessação do compromisso jurídico nos termos do artigo 131.o, n.o 3, do Regulamento Financeiro;

ii)      proibição de assumir novos compromissos jurídicos;

iii)      suspensão do desembolso das parcelas, no todo ou em parte, ou reembolso antecipado dos empréstimos garantidos pelo orçamento da União;

iv)      suspensão ou redução da vantagem económica decorrente de um instrumento garantido pelo orçamento da União;

v)      proibição de celebrar novos acordos relativos a empréstimos ou outros instrumentos garantidos pelo orçamento da União;

b)      Quando a Comissão executa o orçamento da União em regime de gestão partilhada com Estados‑Membros nos termos do artigo 62.o, n.o 1, alínea b), do Regulamento Financeiro:

i)      suspensão da aprovação de um ou mais programas ou alteração dessa suspensão;

ii)      suspensão das autorizações;

iii)      redução das autorizações, nomeadamente através de correções financeiras ou transferências para outros programas de despesas;

iv)      redução do pré‑financiamento;

v)      interrupção dos prazos de pagamento;

vi)      suspensão dos pagamentos.

2.      Salvo disposição em contrário da decisão que adota as medidas, a imposição de medidas adequadas não afeta a obrigação de as entidades públicas a que se refere o n.o 1, alínea a), ou os Estados‑Membros a que se refere o n.o 1, alínea b), executarem o programa ou fundo afetado pela medida, particularmente as suas obrigações para com os destinatários finais ou os beneficiários, incluindo a obrigação de efetuarem pagamentos em conformidade com o presente regulamento e as regras setoriais ou financeiras aplicáveis. Ao executarem fundos da União em regime de gestão partilhada, os Estados‑Membros abrangidos pelas medidas adotadas nos termos do presente regulamento informam a Comissão, de três em três meses a partir da data de adoção dessas medidas, sobre o cumprimento das referidas obrigações.

A Comissão verifica se o direito aplicável foi cumprido e, se necessário, toma todas as medidas adequadas para proteger o orçamento da União, em conformidade com as regras setoriais e financeiras.

3.      As medidas tomadas são proporcionadas. São determinadas tendo em conta o impacto real ou potencial das violações dos princípios do Estado de direito na boa gestão financeira do orçamento da União ou nos interesses financeiros da União. A natureza, a duração, a gravidade e o alcance das violações dos princípios do Estado de direito são devidamente tidos em conta. As medidas visam especificamente, na medida do possível, as ações da União afetadas pelas violações.

4.      A Comissão fornece, através de um sítio Web ou de um portal na Internet, informações e orientações à atenção dos destinatários finais ou dos beneficiários sobre as obrigações dos Estados‑Membros referidas no n.o 2. A Comissão fornece igualmente, no mesmo sítio Web ou portal da Internet, instrumentos adequados que permitam aos destinatários finais ou aos beneficiários informá‑la de qualquer violação dessas obrigações que, no entender dos destinatários finais ou dos beneficiários, os afete diretamente. O presente número é aplicado por forma a assegurar a proteção das pessoas que denunciam violações do direito da União, em conformidade com os princípios estabelecidos na Diretiva (UE) 2019/1937 do Parlamento Europeu e do Conselho[, de 23 de outubro de 2019, relativa à proteção das pessoas que denunciam violações do direito da União (JO 2019, L 305, p. 17)]. As informações prestadas pelos destinatários finais ou pelos beneficiários em conformidade com o presente número são acompanhadas de uma prova de que o destinatário final ou o beneficiário em causa apresentou uma queixa formal à autoridade competente do Estado‑Membro em causa.»

24.    Nos termos do artigo 6.o do mesmo regulamento, com a epígrafe «Procedimento»:

«1.      Se constatar que existem motivos razoáveis para considerar que as condições previstas no artigo 4.o estão preenchidas, a Comissão — a menos que considere que existem outros procedimentos previstos na legislação da União que lhe permitiriam proteger mais eficazmente o orçamento da União — envia ao Estado‑Membro em causa uma notificação escrita que indique os elementos factuais e os motivos específicos em que as suas constatações se basearam. A Comissão informa sem demora o Parlamento Europeu e o Conselho da referida notificação e do seu conteúdo.

2.      À luz das informações recebidas nos termos do n.o 1, o Parlamento Europeu pode convidar a Comissão para um diálogo estruturado sobre as suas constatações.

3.      Ao avaliar se as condições previstas no artigo 4.o estão preenchidas, a Comissão tem em conta as informações pertinentes provenientes das fontes disponíveis, incluindo as decisões, conclusões e recomendações das instituições da União, de outras organizações internacionais pertinentes e de outras instituições reconhecidas.

4.      A Comissão pode solicitar quaisquer informações adicionais que considere necessárias para realizar a avaliação a que se refere o n.o 3, tanto antes como depois de ter enviado a notificação escrita nos termos do n.o 1.

5.      O Estado‑Membro em causa fornece as informações necessárias e pode formular observações sobre as constatações indicadas na notificação a que se refere o n.o 1 num prazo a ser fixado pela Comissão, o qual não pode ser inferior a um mês nem superior a três meses a contar da data de notificação das constatações. Nas suas observações, o Estado‑Membro pode propor a adoção de medidas corretivas para dar resposta às constatações indicadas na notificação da Comissão.

6.      Ao decidir se deve apresentar uma proposta de decisão de execução sobre as medidas adequadas, a Comissão tem em conta as informações recebidas do Estado‑Membro em causa e quaisquer observações por ele formuladas, bem como a adequação das eventuais medidas corretivas propostas. A Comissão efetua a sua avaliação no prazo indicativo de um mês a contar da data de receção de quaisquer informações do Estado‑Membro em causa ou das observações por ele formuladas, ou, quando não for recebida nenhuma informação ou observação, a contar do termo do prazo fixado em conformidade com o n.o 5, e em qualquer caso num prazo razoável.

7.      Caso tencione apresentar uma proposta nos termos do n.o 9, a Comissão dá previamente ao Estado‑Membro a oportunidade de apresentar as suas observações, sobretudo no que respeita à proporcionalidade das medidas previstas, no prazo de um mês.

8.      Ao avaliar a proporcionalidade das medidas a impor, a Comissão tem em conta as informações e orientações referidas no n.o 3.

9.      Se a Comissão considerar que as condições previstas no artigo 4.o estão preenchidas e que as medidas corretivas propostas pelo Estado‑Membro nos termos do n.o 5, caso existam, não dão uma resposta adequada às constatações indicadas na notificação por ela enviada, apresenta ao Conselho uma proposta com vista a uma decisão de execução sobre as medidas adequadas, no prazo de um mês a contar da receção das observações do Estado‑Membro ou, caso não sejam formuladas Se observações, sem demora injustificada e, em qualquer caso, no prazo de um mês a contar do termo do prazo fixado no n.o 7. A proposta indica os motivos específicos e os dados factuais em que as constatações da Comissão se basearam.

10.      O Conselho adota a decisão de execução a que se refere o n.o 9 do presente artigo no prazo de um mês a contar da receção da proposta da Comissão. Caso surjam circunstâncias excecionais, o prazo para a adoção dessa decisão de execução pode ser prorrogado por um período máximo de dois meses. A fim de assegurar uma decisão atempada, e sempre que o considere adequado, a Comissão faz uso dos seus direitos nos termos do artigo 237.o [TFUE].

11.      O Conselho, deliberando por maioria qualificada, pode alterar a proposta da Comissão e adotar o texto assim alterado por meio de uma decisão de execução.»

25.    O artigo 7.o do mesmo regulamento, com a epígrafe «Levantamento das medidas», prevê, nos seus n.os 1 e 2:

«1.      O Estado‑Membro em causa pode, a qualquer momento, adotar novas medidas corretivas e apresentar à Comissão uma notificação escrita, na qual inclua dados factuais, a fim de demonstrar que as condições previstas no artigo 4.o deixaram de estar preenchidas.

2.      A pedido do Estado‑Membro em causa, ou por sua própria iniciativa e o mais tardar um ano após a adoção de medidas pelo Conselho, a Comissão reavalia a situação no Estado‑Membro em causa tendo em conta quaisquer dados factuais por ele apresentados, bem como a adequação de quaisquer novas medidas corretivas adotadas pelo Estado‑Membro em causa.

Se considerar que as condições previstas no artigo 4.o deixaram de estar preenchidas, a Comissão apresenta ao Conselho uma proposta de decisão de execução que levante as medidas adotadas.

Se considerar que a situação que conduziu à adoção das medidas foi parcialmente remediada, a Comissão apresenta ao Conselho uma proposta de decisão de execução que adapte as medidas adotadas.

Se considerar que a situação que conduziu à adoção das medidas não foi remediada, a Comissão envia ao Estado‑Membro em causa uma decisão fundamentada e informa do facto o Conselho.

Caso o Estado‑Membro em causa apresente uma notificação escrita nos termos do n.o 1, a Comissão apresenta a sua proposta ou adota a sua decisão no prazo de um mês a contar da receção dessa notificação. Este prazo pode ser prorrogado em circunstâncias devidamente justificadas; nesse caso, a Comissão informa sem demora o Estado‑Membro em causa dos motivos da prorrogação.

O procedimento estabelecido no artigo 6.o, n.os 3, 4, 5, 6, 9, 10 e 11, aplica‑se por analogia, conforme adequado.»

III. Pedidos das partes e tramitação do processo no Tribunal de Justiça

26.    A Hungria pede ao Tribunal de Justiça que se digne:

–        a título principal, anular o regulamento impugnado;

–        a título subsidiário, anular o artigo 4.o, n.o 1 e n.o 2, alínea h), o artigo 5.o, n.o 2 e n.o 3, penúltimo e último períodos, e o artigo 6.o, n.os 3 e 8, deste regulamento; e

–        condenar o Parlamento e o Conselho nas despesas.

27.    Por outro lado, a Hungria pediu ao Tribunal de Justiça, nos termos do artigo 16.o, terceiro parágrafo, do Estatuto do Tribunal de Justiça da União Europeia, para julgar o presente processo em Grande Secção.

28.    O Parlamento e o Conselho pedem ao Tribunal de Justiça que se digne negar provimento ao recurso e condenar a Hungria nas despesas.

29.    Por petição de 12 de maio de 2021, o Parlamento pediu que o presente processo fosse submetido a tramitação acelerada, prevista no artigo 133.o do Regulamento de Processo do Tribunal de Justiça. Em apoio desse pedido, o Parlamento alegou que a adoção do regulamento impugnado era uma condição política essencial para a aprovação do Regulamento (UE, Euratom) 2020/2093 do Conselho, de 17 de dezembro de 2020, que estabelece o quadro financeiro plurianual para o período de 2021 a 2027 (JO 2020, L 433I, p. 11), e que, dada a urgência económica, os fundos disponíveis para o plano de recuperação COVID‑19 com o título NextGenerationEU deverão ser postos à disposição dos Estados‑Membros em prazos extremamente curtos. A este propósito, esclareceu nomeadamente que, em conformidade com o artigo 3.o, n.o 4, do Regulamento 2020/2094, pelo menos 60 % dos compromissos jurídicos devem ser assumidos até 31 de dezembro de 2022, o mais tardar. Por outro lado, o Parlamento sublinhou que, na sequência da entrada em vigor da Decisão (UE, EURATOM) 2020/2053 do Conselho, de 14 de dezembro de 2020, relativa ao sistema de recursos próprios da União Europeia e que revoga a Decisão 2014/335/UE, Euratom (JO 2020, L 424, p. 1), a Comissão lançará a partir do verão de 2022 os seus pedidos de empréstimos nos mercados de capitais para financiar o referido plano de recuperação. Segundo o Parlamento, o empréstimo e a colocação à disposição de fundos extremamente importantes, em prazos muito curtos, implicará inevitavelmente riscos para o orçamento da União que o regulamento impugnado visa proteger. Tal proteção é importante, uma vez que uma incapacidade de proteger de maneira efetiva esse orçamento pode gerar repercussões nefastas, nomeadamente para a solidariedade dentro da União a longo prazo.

30.    O artigo 133.o, n.o 1, do Regulamento de Processo prevê que, a pedido do demandante ou do demandado, o presidente do Tribunal pode, quando a natureza do processo exija o seu tratamento dentro de prazos curtos, ouvidos a outra parte, o juiz‑relator e o advogado‑geral, decidir submeter um processo a tramitação acelerada.

31.    No caso em apreço, em 9 de junho de 2021, o presidente do Tribunal de Justiça decidiu, ouvidas as outras partes, o juiz‑relator e o advogado‑geral, deferir este pedido. Esta decisão foi motivada pela importância fundamental do presente processo para a ordem jurídica da União, nomeadamente na medida em que diz respeito às competências da União para defender o seu orçamento e os seus interesses financeiros contra prejuízos decorrentes de violações dos valores que constam do artigo 2.o TUE.

32.    Por decisão do presidente do Tribunal de Justiça, de 25 de junho de 2021, o Reino da Bélgica, o Reino da Dinamarca, a República Federal da Alemanha, a Irlanda, o Reino de Espanha, a República Francesa, o Grão‑Ducado do Luxemburgo, o Reino dos Países Baixos, a República da Finlândia, o Reino da Suécia e a Comissão foram admitidos a intervir em apoio dos pedidos do Parlamento e do Conselho.

33.    Por decisão do presidente do Tribunal de Justiça do mesmo dia, foi admitida a intervenção da República da Polónia em apoio dos pedidos da Hungria.

34.    Por petição de 11 de maio de 2021, o Conselho pediu ao Tribunal de Justiça para não tomar em consideração as passagens da petição da Hungria e dos seus anexos, especialmente do anexo A.3, que referem o parecer n.o 13593/18, de 25 de outubro de 2018, do seu Serviço Jurídico sobre a proposta de regulamento do Parlamento Europeu e do Conselho relativo à proteção do orçamento da União caso se verifiquem deficiências generalizadas no que diz respeito ao Estado de direito nos Estados‑Membros [COM(2018) 324 final], na origem do regulamento impugnado (a seguir «parecer jurídico n.o 13593/18»), ou reproduzem o seu conteúdo ou raciocínio. Em 29 de junho de 2021, o Tribunal de Justiça decidiu reservar para final a decisão sobre este pedido.

35.    Em 7 de setembro de 2021, considerando que o presente processo reveste uma importância excecional, o Tribunal de Justiça decidiu, ouvido o advogado‑geral, remeter o processo ao Tribunal Pleno, nos termos do artigo 16.o, último parágrafo, do Estatuto do Tribunal de Justiça da União Europeia.

IV.    Quanto ao pedido para não tomar em consideração determinadas passagens da petição da Hungria e do seu anexo A.3

A.      Argumentação das partes

36.    Em apoio do seu pedido no sentido de não serem tidos em conta os pontos 21, 22, 164 e 166 da petição da Hungria e do seu anexo A.3, na medida em que se referem ao parecer jurídico n.o 13593/18, reproduzem o seu conteúdo ou refletem a sua análise, o Conselho alega que este parecer jurídico constitui um documento interno não classificado com a marcação «LIMITE». Portanto, está abrangido pelo segredo profissional e a sua apresentação em juízo está subordinada às condições previstas, nomeadamente, no artigo 6.o, n.o 2, do Regulamento Interno do Conselho e nos pontos 20 e 21 das diretrizes para o tratamento a dar aos documentos a nível interno do Conselho.

37.    Nos termos do artigo 6.o, n.o 2, deste regulamento, só o Conselho ou o Coreper podem autorizar a apresentação em tribunal de uma cópia ou extrato de documentos do Conselho que não tenham sido ainda facultados ao público de acordo com as disposições em matéria de acesso do público aos documentos. Por outro lado, em conformidade com os pontos 20 e 21 destas diretrizes, um documento «LIMITE» não pode ser facultado ao público sem que tenha sido tomada uma decisão nesse sentido por um funcionário devidamente autorizado do Conselho, pela administração nacional de um Estado‑Membro, ouvido o SGC, ou, se necessário, pelo Conselho, nos termos do Regulamento n.o 1049/2001 e do Regulamento Interno do Conselho.

38.    Ora, no caso em apreço, até à data, o Conselho só tornou públicos, nos termos do Regulamento n.o 1049/2001, os primeiros oito pontos do parecer jurídico n.o 13593/18 e também não autorizou a Hungria a apresentá‑lo no âmbito do presente processo judicial.

39.    Segundo jurisprudência constante do Tribunal de Justiça e do Tribunal Geral, é contrário ao interesse público, que exige que as instituições possam beneficiar dos pareceres do respetivo Serviço Jurídico, elaborados com toda a independência, admitir que a apresentação desses documentos internos possa ocorrer no âmbito de um litígio no Tribunal de Justiça sem que a referida apresentação tenha sido autorizada pela instituição em causa ou ordenada por esse órgão jurisdicional.

40.    O Conselho observa que, embora só tenha dado acesso parcial ao parecer jurídico n.o 13593/18 na sequência de pedidos baseados no Regulamento n.o 1049/2001, foi em razão, especialmente, do risco de, no âmbito de um litígio relativo à validade do regulamento impugnado, um recorrente o poder confrontar com os argumentos expostos pelo seu próprio Serviço Jurídico no referido parecer, em violação dos requisitos de um processo equitativo e da igualdade de armas entre as partes num processo judicial. De resto, esses riscos materializaram‑se na interposição do presente recurso.

41.    Aliás, segundo o Conselho, a Hungria votou sempre, com base nestes argumentos, a favor das decisões que recusaram o acesso do público ao parecer jurídico n.o 13593/18. Se esse Estado‑Membro tivesse pretendido que esse parecer fosse tornado público, deveria ter apresentado um pedido nesse sentido nos termos do Regulamento n.o 1049/2001 ou ter solicitado uma autorização em conformidade com o Regulamento Interno do Conselho e as diretrizes para o tratamento a dar aos documentos a nível interno do Conselho.

42.    O Conselho alega que, se a Hungria fosse autorizada a utilizar o parecer jurídico n.o 13593/18 no presente processo, apesar de não ter seguido o procedimento previsto para esse efeito e de a questão não ter sido sujeita a uma fiscalização jurisdicional efetiva, os procedimentos previstos no Regulamento n.o 1049/2001 e no Regulamento Interno do Conselho seriam eludidos. A este respeito, recorda a jurisprudência constante do Tribunal de Justiça que dá provimento aos pedidos das instituições destinados a obter o desentranhamento dos seus documentos internos dos autos de que o Tribunal de Justiça dispõe quando não autorizaram a apresentação em juízo e considera que daí decorre que o parecer jurídico n.o 13593/18 não pode ser utilizado no presente processo.

43.    Além disso, o Conselho alega que, se a apresentação do parecer jurídico n.o 13593/18 no presente processo fosse admitida, ver‑se‑ia obrigado a fazer apreciações perante o juiz da União sobre um parecer destinado a uso interno e emitido pelo seu próprio Serviço Jurídico na elaboração do regulamento impugnado, o que violaria os requisitos de um processo equitativo e afetaria a possibilidade de o Conselho receber pareceres francos, objetivos e completos.

44.    Por último, segundo a jurisprudência do Tribunal de Justiça, o facto de o parecer jurídico n.o 13593/18 ter sido divulgado sem autorização do Conselho no sítio Internet de um órgão de imprensa e de o seu conteúdo ter sido assim revelado ao público não é relevante para estas considerações. Acresce que o prejuízo causado ao Conselho e às instituições da União resultante da utilização não autorizada desse parecer jurídico no âmbito do presente processo excede amplamente o prejuízo causado pela publicação do referido anúncio na imprensa. Com efeito, o facto de permitir que a Hungria se baseie no mesmo parecer jurídico ameaça o interesse público que consiste em que as instituições possam beneficiar dos pareceres do seu Serviço Jurídico com total independência e inviabiliza a eficácia dos procedimentos que visam a proteção desse interesse.

45.    A Hungria contesta a argumentação do Conselho.

B.      Apreciação do Tribunal de Justiça

46.    Com a sua argumentação, o Conselho alega, em substância, que, ao incluir, nos n.os 21, 22, 164 e 166 da petição e no seu anexo A.3, referências ao parecer jurídico n.o 13593/18 e análises do seu conteúdo, a Hungria, primeiro, violou o artigo 6.o, n.o 2, do Regulamento Interno do Conselho, segundo, infringiu os pontos 20 e 21 das diretrizes para o tratamento a dar aos documentos a nível interno do Conselho, terceiro, ignorou o Regulamento n.o 1049/2001, quarto, ignorou o interesse público que consiste em que o Conselho possa beneficiar dos pareceres do seu Serviço Jurídico proferidos com total independência, e, quinto, pôs o Conselho numa situação que pode levá‑lo a pronunciar‑se no processo principal sobre as análises do seu próprio Serviço Jurídico, violando assim o princípio da igualdade de armas.

47.    Quanto à alegação de violação do artigo 6.o, n.o 2, do Regulamento Interno do Conselho, importa recordar que, nos termos desta disposição, «[o] Conselho ou o Coreper podem autorizar a apresentação em tribunal de cópias ou extratos de documentos do Conselho que não tenham sido ainda facultados ao público».

48.    A este respeito, importa constatar, antes de mais, que a petição e o seu anexo A.3 fazem referência a pontos do parecer jurídico n.o 13593/18 diferentes dos oito pontos que o Conselho tornou públicos nos termos do Regulamento n.o 1049/2001, em seguida, que a Hungria não pediu autorização ao Conselho para apresentar em juízo uma cópia ou extratos desse parecer jurídico e, por último, que este Estado‑Membro não juntou à sua petição uma cópia do referido parecer jurídico.

49.    Portanto, há que determinar se, ao referir na sua petição e no seu anexo A.3 passagens do parecer jurídico n.o 13593/18, se deve considerar que a Hungria apresentou em juízo extratos deste, na aceção do artigo 6.o, n.o 2, do Regulamento Interno do Conselho.

50.    A este respeito, por um lado, importa salientar que os n.os 22 e 164 da petição e o anexo A.3, segundo a sétimo e nono parágrafos, contêm a própria argumentação da Hungria, que este Estado‑Membro alega refletir a análise efetuada nesse parecer jurídico, ao passo que os n.os 21 e 166 da petição contêm, também no âmbito da própria argumentação da Hungria, simples referências ao citado parecer jurídico. Assim, tais argumentações acompanhadas de meras alegações de concordância e de referências ao parecer jurídico n.o 13593/18, cuja exatidão, aliás, o Conselho contesta, não podem ser vistas como extratos desse parecer jurídico.

51.    Em contrapartida, deve considerar‑se que o anexo A.3 da petição, na medida em que o seu quarto parágrafo cita o parecer jurídico n.o 13593/18, inclui um «extrato» desse parecer jurídico, na aceção do artigo 6.o, n.o 2, do Regulamento Interno do Conselho. Por outro lado, a apresentação desse extrato no anexo de uma peça processual deve ser qualificada de «apresentação em tribunal», em conformidade com esta disposição.

52.    Consequentemente, a Hungria estava, em princípio, obrigada a obter a autorização do Conselho, nos termos do artigo 6.o, n.o 2, do Regulamento Interno do Conselho, para poder apresentar no Tribunal de Justiça o extrato do parecer jurídico n.o 13593/18 que consta do anexo A.3 da petição.

53.    A este respeito, como salienta o Conselho, resulta efetivamente de jurisprudência constante do Tribunal de Justiça que seria contrário ao interesse público que pretende que as instituições possam beneficiar dos pareceres dos seus serviços jurídicos, redigidos com absoluta independência, admitir que a apresentação de tais documentos internos possa ocorrer no âmbito de um litígio no Tribunal de Justiça sem que a referida apresentação tenha sido autorizada pela instituição em causa ou ordenada por este Tribunal (Despacho de 14 de maio de 2019, Hungria/Parlamento, C‑650/18, não publicado, EU:C:2019:438, n.o 8 e jurisprudência referida, e Acórdão de 31 de janeiro de 2020, Eslovénia/Croácia, C‑457/18, EU:C:2020:65, n.o 66).

54.    Com efeito, com a apresentação não autorizada desse parecer jurídico, o recorrente confronta, como alega o Conselho, a instituição em causa, no processo relativo à validade de um ato impugnado, com um parecer emitido pelo seu próprio Serviço Jurídico aquando da elaboração desse ato. Ora, em princípio, o facto de admitir que esse recorrente possa verter para os autos um parecer jurídico de uma instituição cuja divulgação não autorizou viola os requisitos de um processo equitativo e equivale a eludir o procedimento do pedido de acesso a tal documento, instituído pelo Regulamento n.o 1049/2001 (v., neste sentido, Despacho de 14 de maio de 2019, Hungria/Parlamento, C‑650/18, não publicado, EU:C:2019:438, n.o 14 e jurisprudência referida, e Acórdão de 31 de janeiro de 2020, Eslovénia/Croácia, C‑457/18, EU:C:2020:65, n.o 68).

55.    Todavia, há que ter em conta o princípio da transparência, inscrito no artigo 1.o, segundo parágrafo, e no artigo 10.o, n.o 3, TUE, bem como no artigo 15.o, n.o 1, e no artigo 298.o, n.o 1, TFUE, que permite, nomeadamente, garantir uma maior legitimidade, eficácia e responsabilidade da administração perante os cidadãos num sistema democrático (v., neste sentido, Despacho de 14 de maio de 2019, Hungria/Parlamento, C‑650/18, não publicado, EU:C:2019:438, n.o 13 e jurisprudência referida). Ao permitir que as divergências entre vários pontos de vista sejam abertamente debatidas, a transparência contribui, além disso, para aumentar a confiança desses cidadãos (Acórdão de 4 de setembro de 2018, ClientEarth/Comissão, C‑57/16 P, EU:C:2018:660, n.o 75 e jurisprudência referida).

56.    É verdade que só a título excecional é que o princípio da transparência pode justificar uma divulgação no âmbito de um processo judicial de um documento de uma instituição que não foi tornado acessível ao público e que comporta um parecer jurídico. É a razão pela qual o Tribunal de Justiça declarou que a manutenção, nos autos, de um documento que contém um parecer jurídico de uma instituição não é justificada por nenhum interesse público superior quando, por um lado, esse parecer jurídico não é relativo a um processo legislativo para o qual se impõe uma transparência acrescida e, por outro, o interesse dessa manutenção consiste apenas, para o Estado‑Membro em causa, em poder invocar o referido parecer jurídico no âmbito de um litígio. Com efeito, segundo o Tribunal de Justiça, a apresentação desse parecer jurídico parece ser guiada pelos próprios interesses do recorrente em fundamentar a sua argumentação e não por um qualquer interesse público superior, como o tornar público o processo que conduziu ao ato impugnado (v., neste sentido, Despacho de 14 de maio de 2019, Hungria/Parlamento, C‑650/18, não publicado, EU:C:2019:438, n.o 18, e Acórdão de 31 de janeiro de 2020, Eslovénia/Croácia, C‑457/18, EU:C:2020:65, n.o 71).

57.    No caso em apreço, há que constatar que, ao contrário dos processos que deram origem à jurisprudência referida no número precedente, o parecer jurídico n.o 13593/18 se reporta a um processo legislativo.

58.    A este respeito, o Tribunal de Justiça considerou que a divulgação de documentos que contêm um parecer do Serviço Jurídico de uma instituição sobre questões jurídicas suscitadas no debate sobre iniciativas legislativas pode aumentar a transparência e a abertura do processo legislativo e reforçar o direito dos cidadãos europeus de controlar as informações que constituíram o fundamento de um ato legislativo. Daqui deduziu que não existe uma necessidade geral de confidencialidade no que se refere aos pareceres do Serviço Jurídico do Conselho relativos a um processo legislativo e que o Regulamento n.o 1049/2001 impõe, em princípio, um dever de os divulgar (v., neste sentido, Acórdão de 1 de julho de 2008, Suécia e Turco/Conselho, C‑39/05 P e C‑52/05 P, EU:C:2008:374, n.os 67 e 68).

59.    Com efeito, é precisamente a transparência neste domínio que, ao permitir que as divergências entre vários pontos de vista sejam abertamente debatidas, contribui para reduzir as dúvidas dos cidadãos europeus não só quanto à legalidade de um ato legislativo isolado mas também quanto à legitimidade de todo o processo legislativo (v., neste sentido, Acórdão de 1 de julho de 2008, Suécia e Turco/Conselho, C‑39/05 P e C‑52/05 P, EU:C:2008:374, n.o 59), e contribui para o reforço dos princípios da democracia e do respeito dos direitos fundamentais consagrados no artigo 6.o TUE e na Carta, como recorda o considerando 2 do Regulamento n.o 1049/2001.

60.    Esta transparência não impede, porém, que a divulgação de um parecer jurídico específico, emitido no contexto de um processo legislativo, mas com um caráter particularmente sensível ou um alcance particularmente amplo que ultrapasse o quadro desse processo legislativo, seja recusada ao abrigo da proteção dos pareceres jurídicos, caso em que incumbe à instituição em causa fundamentar a recusa de modo circunstanciado (v. Acórdão de 1 de julho de 2008, Suécia e Turco/Conselho, C‑39/05 P e C‑52/05 P, EU:C:2008:374, n.o 69).

61.    Ora, no caso em apreço, como salientou o advogado‑geral nos n.os 70 a 72 das suas conclusões, o Conselho não demonstrou que o parecer jurídico n.o 13593/18 tem um caráter particularmente sensível ou um alcance particularmente amplo que ultrapasse o respetivo processo legislativo.

62.    Portanto, nem o artigo 6.o, n.o 2, do Regulamento Interno do Conselho nem a jurisprudência recordada no n.o 53 do presente acórdão impedem que a Hungria divulgue esse parecer jurídico, no todo ou em parte, na sua petição.

63.    Esta conclusão não é infirmada pelo facto de a Hungria ter um interesse próprio em que as passagens controvertidas da sua petição e do seu anexo A.3 sejam tidas em conta pelo Tribunal de Justiça. Com efeito, uma vez que essa tomada em conta também é suscetível de contribuir para reduzir as dúvidas dos cidadãos não só quanto à legalidade de um ato legislativo isolado mas também quanto à legitimidade de todo o processo legislativo, serve, em todo o caso, o interesse público superior recordado nos n.os 58 e 59 do presente acórdão.

64.    Em consequência, e sem que seja necessário pronunciar‑se separadamente sobre os fundamentos relativos à violação dos n.os 20 e 21 das diretrizes para o tratamento a dar aos documentos ao nível interno do Conselho, do Regulamento n.o 1049/2001 e do princípio da igualdade de armas, estes fundamentos não podem, em todo o caso, proceder, tendo em conta as apreciações efetuadas nos n.os 55 a 63 do presente acórdão, pelo que o pedido do Conselho de que não sejam tomadas em conta as passagens da petição da Hungria e dos seus anexos, sobretudo as do seu anexo A.3, na medida em que fazem referência ao parecer jurídico n.o 13593/18, reproduzindo o seu conteúdo ou refletindo a sua análise, deve ser julgado improcedente.

V.      Quanto ao recurso

65.    Com o seu recurso, a Hungria, apoiada pela República da Polónia, pede, a título principal, a anulação de todo o regulamento impugnado e, a título subsidiário, a sua anulação parcial, a saber do artigo 4.o, n.o 1, do artigo 4.o, n.o 2, alínea h), do artigo 5.o, n.o 2, do artigo 5.o, n.o 3, terceiro período, do artigo 5.o, n.o 3, quarto período, e do artigo 6.o, n.os 3 e 8, deste regulamento.

A.      Quanto ao pedido principal, relativo à anulação de todo o regulamento impugnado

66.    Em apoio do seu pedido principal, relativo à anulação de todo o regulamento impugnado, a Hungria invoca três fundamentos. Importa examinar, em primeiro lugar e em conjunto, o primeiro e segundo fundamentos, relativos, essencialmente, à incompetência da União para adotar o regulamento impugnado.

1.      Quanto ao primeiro e segundo fundamentos, relativos à incompetência da União para adotar o regulamento impugnado 

a)      Argumentação das partes

67.    Com o primeiro fundamento, a Hungria, apoiada pela República da Polónia, alega que o regulamento impugnado não tem base legal. Recorda, a este respeito, que o artigo 322.o, n.o 1, alíneas a) e b), TFUE autoriza o legislador da União a adotar, respetivamente, «[a]s regras financeiras que definem, nomeadamente, as modalidades relativas à elaboração e execução do orçamento e à prestação e fiscalização das contas» e «[a]s regras que organizam o controlo da responsabilidade dos intervenientes financeiros, nomeadamente dos gestores orçamentais e dos contabilistas». Acrescenta que, de acordo com o artigo 322.o, n.o 2, TFUE, o Conselho fixa as modalidades e o processo segundo os quais as receitas orçamentais previstas no regime dos recursos próprios da União são postas à disposição da Comissão e estabelece as medidas a aplicar para fazer face, se necessário, às necessidades de tesouraria.

68.    Estas disposições já tinham servido, no todo ou em parte, de base jurídica para muitos atos jurídicos efetivamente relacionados com o orçamento anual da União ou com o seu quadro financeiro plurianual, como o Regulamento Financeiro, o Regulamento (UE) 2020/558 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 23 de abril de 2020, que altera os Regulamentos (UE) n.o 1301/2013 e (UE) n.o 1303/2013 no que respeita a medidas específicas destinadas a proporcionar uma flexibilidade excecional para a utilização dos Fundos Europeus Estruturais e de Investimento em resposta ao surto de COVID‑19 (JO 2020, L 130, p. 1), que permite a aplicação de uma taxa de cofinanciamento excecional ao abrigo dos Fundos Estruturais e de Investimento, ou ainda o Regulamento (UE) 2020/2221 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 23 de dezembro de 2020, que altera o Regulamento (UE) n.o 1303/2013 no que respeita aos recursos adicionais e às disposições de execução a fim de prestar assistência à promoção da recuperação da crise no contexto da pandemia de COVID‑19 e respetivas consequências sociais e à preparação de uma recuperação ecológica, digital e resiliente da economia (JO 2020, L 437, p. 30), que estabelece regras de execução com vista à reparação dos danos causados pela pandemia e prevê, a título excecional, recursos adicionais para ajudar à coesão social e à retoma económica.

69.    Assim, quanto ao Regulamento Financeiro, este define, na sua primeira parte, de maneira geral e completa, os princípios e procedimentos para a elaboração e execução do orçamento da União, e para o controlo dos seus fundos. Estes princípios e procedimentos constituem as «regras financeiras» que definem as modalidades relativas à elaboração e execução do orçamento, na aceção do artigo 322.o, n.o 1, alínea a), TFUE. O mesmo se diga dos Regulamentos 2020/558 e 2020/2221, cujas regras estão efetiva e diretamente relacionadas com o orçamento da União, com o quadro financeiro plurianual e com os auxílios prestados provenientes dos diferentes fundos da União.

70.    Em contrapartida, os elementos essenciais das disposições do regulamento impugnado, como a definição do conceito de «Estado de direito» ou as formas possíveis de violação dos princípios do Estado de direito, não podem ser objetivamente considerados regras financeiras que definem as modalidades de execução do orçamento, na aceção desta disposição. O caráter inadequado do artigo 322.o, n.o 1, TFUE, enquanto base jurídica deste regulamento, resulta, particularmente, da comparação das regras em matéria de conflitos de interesses contidas no referido regulamento e no Regulamento Financeiro.

71.    A este respeito, decorre do artigo 61.o do Regulamento Financeiro que a obrigação de evitar conflitos de interesses é aplicável a todos os modos de execução dos fundos da União, incluindo às autoridades dos Estados‑Membros que atuam no âmbito da execução desses fundos, pelo que esses Estados são obrigados a adotar uma regulamentação adequada nesse sentido. Para este efeito, o Regulamento Financeiro contém regras processuais adequadas que permitem pôr termo a conflitos de interesses. 

72.    Ora, resulta do artigo 3.o, alínea b), do regulamento impugnado que o facto de não se assegurar a inexistência de conflitos de interesses pode indiciar uma violação dos princípios do Estado de direito, mesmo que esse regulamento não defina nenhuma regra processual relativa às medidas que os Estados‑Membros podem adotar para prevenir ou sanar esses conflitos. Por conseguinte, essa disposição permite que sejam tomadas medidas em relação aos Estados‑Membros com base em expectativas não especificadas, que vão além dos requisitos estabelecidos no Regulamento Financeiro.

73.    De forma mais geral, a Hungria considera que as disposições do regulamento impugnado não podem ser consideradas regras financeiras que definem um procedimento para a execução do orçamento da União. Com efeito, segundo o seu artigo 1.o, o objeto deste regulamento é estabelecer as regras necessárias para a proteção do orçamento da União em caso de violações dos princípios do Estado de direito nos Estados‑Membros. Para este efeito, o artigo 2.o do referido regulamento define o conceito de «Estado de direito» e o artigo 3.o do mesmo regulamento expõe, a título indicativo, casos de violação dos princípios do Estado de direito. Os elementos essenciais do regulamento impugnado são, assim, a definição do conceito de «Estado de direito» e das formas possíveis de violação do Estado de direito.

74.    Ora, o artigo 322.o, n.o 1, alínea a), TFUE não autoriza a União a definir os casos em que o Estado de direito é violado nem mesmo a fixar os elementos constitutivos do conceito de «Estado de direito». Assim, esta disposição não constitui uma base jurídica que permita examinar ou demonstrar a violação dos princípios do Estado de direito ou prever as consequências jurídicas associadas a essas violações, uma vez que tais regras não podem ser objetivamente consideradas regras financeiras que fixam as modalidades de execução do orçamento.

75.    O simples facto de as regras substantivas e processuais definidas no regulamento impugnado apresentarem uma relação com o orçamento da União não basta para as qualificar de «regras financeiras», na aceção do artigo 322.o, n.o 1, TFUE. Uma interpretação do conceito de «regras financeiras» a tal ponto extensiva, que abrangeria as disposições do regulamento impugnado teria o efeito de alargar esse conceito à quase totalidade do direito da União e a partes muito significativas dos sistemas jurídicos dos Estados‑Membros, uma vez que seria difícil encontrar uma disposição para a qual seja impossível estabelecer um efeito, pelo menos indireto, relativo a um recurso orçamental da União.

76.    O caráter inadequado da base jurídica do regulamento impugnado também resulta do facto de o seu artigo 5.o, n.o 2, não comportar regras financeiras que determinem o procedimento de execução do orçamento da União. Com efeito, a obrigação de continuar a executar um determinado programa depois de terem sido identificadas irregularidades, infrações ou deficiências que afetem a boa gestão financeira do orçamento da União ou proteção dos interesses financeiros da União não se enquadra nas obrigações de controlo ou de auditoria que incumbem aos Estados‑Membros na execução do orçamento nos termos do artigo 317.o TFUE e também não decorre das regras financeiras que fixam as modalidades relativas à elaboração e à execução do orçamento e à prestação e fiscalização das contas, previstas no artigo 322.o TFUE, com vista a assegurar o respeito dos princípios orçamentais e, especialmente, dos princípios da boa gestão financeira, da transparência e da não discriminação.

77.    Essas regras financeiras não obrigam os Estados‑Membros a continuar a executar um determinado programa depois de essas irregularidades, infrações ou deficiências terem sido identificadas. Pelo contrário, o artigo 322.o, n.o 1, alínea a), TFUE permite a adoção de disposições financeiras, como a suspensão dos pagamentos para um determinado programa, que se destinam precisamente a garantir que o Estado‑Membro cumpre as condições definidas pelas regras financeiras pertinentes para assegurar a proteção dos interesses financeiros da União e a realização efetiva dos objetivos prosseguidos no quadro do programa em causa.

78.    Ora, seria contrário à lógica subjacente a essas regras financeiras o facto de as regras financeiras da União poderem impor a um Estado‑Membro que continue a executar um programa apesar de a Comissão ter apurado irregularidades relativas à execução desse programa que lesa os interesses financeiros da União e o princípio da boa gestão financeira ou que põe em perigo a realização dos objetivos visados.

79.    Daqui decorre, segundo a Hungria, que o objetivo prosseguido pela imposição dessa obrigação não é assegurar a proteção dos interesses financeiros da União, mas sancionar um Estado‑Membro em caso de violação dos princípios do Estado de direito, o que seria incompatível com a base jurídica acolhida. Além disso, a obrigação de um Estado‑Membro financiar integralmente através do seu próprio orçamento programas para cuja definição apenas tem uma margem de manobra limitada restringe o seu direito de utilizar o seu próprio orçamento e estabelece um requisito que não onera o orçamento da União, mas o do Estado‑Membro em causa.

80.    Com o seu segundo fundamento, a Hungria alega que o regulamento impugnado viola, primeiro, o artigo 7.o TUE, segundo, o artigo 4.o, n.o 1, e o artigo 5.o, n.o 2, TUE e, terceiro, o artigo 13.o, n.o 2, TUE e o artigo 269.o TFUE.

81.    Alega, em primeiro lugar, que o artigo 7.o TUE é o único artigo com base no qual pode ser verificado o risco de violação grave por parte de um Estado‑Membro dos valores que constam do artigo 2.o TUE. O regulamento impugnado instaura, num domínio determinado, um procedimento paralelo que tem a mesma finalidade que a prevista nesse artigo 7.o, violando‑o.

82.    Com efeito, primeiro, os Tratados não preveem que o artigo 7.o TUE possa ser aplicado através de atos legislativos que têm por objeto a verificação de uma violação dos valores que constam do artigo 2.o TUE e o estabelecimento das consequências jurídicas dessa violação.

83.    Segundo, o procedimento previsto no regulamento impugnado implica que o Tribunal de Justiça disponha de competência para fiscalizar as decisões adotadas pelo Conselho com base nesse regulamento e, portanto, para apreciar a violação dos princípios do Estado de direito por um Estado‑Membro, e isso apesar de a regulamentação ou a prática nacionais na origem dessa violação não serem abrangidas pelo direito da União e de, consequentemente, o Tribunal de Justiça não ter competência para os examinar. O regulamento impugnado alarga assim, em violação dos Tratados e eludindo especialmente as limitações previstas no artigo 269.o TFUE, as competências não só do Conselho e da Comissão mas também do Tribunal de Justiça.

84.    Terceiro, no sistema dos Tratados, apenas o artigo 7.o TUE confere às instituições da União competência para examinar, declarar e, sendo caso disso, sancionar as violações dos princípios do Estado de direito num Estado‑Membro.

85.    De forma análoga a esta disposição, o regulamento impugnado prevê que a Comissão se deve pronunciar sobre três dados factuais antes de submeter a sua proposta de decisão de execução ao Conselho e que este se deve, em seguida, pronunciar sobre cada um desses dados através de três decisões sucessivas. Assim, antes de mais, a Comissão deve verificar, em conformidade com os artigos 3.o e 4.o deste regulamento, uma violação dos princípios do Estado de direito. Em seguida, importa procurar, tendo em conta o artigo 4.o, n.o 1, do referido regulamento, se essa violação apresenta uma relação suficientemente estreita com o orçamento da União ou com a proteção dos seus interesses financeiros da União. Por último, há que determinar se é necessário adotar, nos termos do artigo 5.o do mesmo regulamento, uma decisão que estabeleça as medidas para a proteção do orçamento da União consideradas necessárias.

86.    Ora, entre estas três decisões, a primeira e a terceira são abrangidas pelo artigo 7.o TUE. Com efeito, a verificação de uma violação dos princípios do Estado de direito, prevista no artigo 4.o, n.o 2, do regulamento impugnado, lido em conjugação com o seu artigo 3.o, é, essencialmente, idêntica à verificação que cabe ao Conselho e ao Conselho Europeu efetuar nos termos do artigo 7.o, n.os 1 e 2, TUE, ao passo que a adoção das medidas nos termos do artigo 5.o deste regulamento é uma opção paralela à da suspensão de determinados direitos do Estado‑Membro em causa, prevista no artigo 7.o, n.o 3, TUE, podendo essa suspensão incidir sobre os recursos orçamentais devidos ao Estado‑Membro em causa.

87.    O facto de as medidas suscetíveis de serem adotadas nos termos do regulamento impugnado estarem relacionadas com a violação de um dos valores constantes do artigo 2.o TUE é demonstrado pelo artigo 5.o, n.o 3, e pelo artigo 6.o, n.o 8, deste regulamento, do qual decorre que a natureza, a duração, a gravidade e o alcance da violação dos princípios do Estado de direito devem ser devidamente tidos em conta na apreciação da proporcionalidade das medidas. Portanto, quer a Comissão quer o Conselho são obrigados a apreciar de forma aprofundada a existência e a extensão dessa violação, quando só se pode proceder a essa apreciação com base no artigo 7.o TUE.

88.    Apoiada pela República da Polónia, a Hungria acrescenta que o artigo 7.o TUE prevê um procedimento sancionatório de caráter constitucional contra, particularmente, um Estado‑Membro. Por outro lado, os Estados‑Membros, enquanto poder constituinte, estabeleceram de forma exaustiva este procedimento no Tratado UE, devido à dimensão política dos domínios abrangidos por este procedimento, domínios que não são necessariamente abrangidos pelo âmbito de aplicação do direito da União, como os relativos ao funcionamento das autoridades e das instituições dos Estados‑Membros.

89.    O caráter exclusivo do procedimento previsto no artigo 7.o TUE quanto à violação dos princípios do Estado de direito é confirmado pelos pontos 18 e 24 do parecer do Serviço Jurídico do Conselho n.o 10296/14, de 27 de maio de 2014, relativo à compatibilidade com os Tratados da Comunicação da Comissão intitulada «Um novo quadro da [União] para reforçar o Estado de direito». Embora o regulamento impugnado se esforce por associar o exame da eventual existência de violações dos princípios do Estado de direito à execução do orçamento da União, o seu real objetivo, como resulta da exposição de motivos da proposta da Comissão que levou à adoção do referido regulamento, é examinar o respeito dos princípios do Estado de direito e aplicar sanções quando se verifique que um Estado‑Membro não respeita esses princípios.

90.    Em segundo lugar, a Hungria considera que o regulamento impugnado viola os princípios de repartição e atribuição de competências, conforme garantidos no artigo 4.o, n.o 1, e no artigo 5.o, n.o 2, TUE, uma vez que permite às instituições da União proceder a um exame das situações e das instituições nacionais que não são abrangidas pelo âmbito de aplicação do direito da União. Com efeito, este regulamento não revela claramente que o exame das violações dos princípios do Estado de direito se limita aos domínios que se enquadram na competência da União, uma vez que algumas das situações expostas nos seus artigos 3.o e 4.o se podem, aliás, reportar a violações que não estão limitadas a esses domínios.

91.    Ora, tendo em conta esses princípios de repartição e de atribuição de competências, esse exame fora das competências da União só é possível para efeitos de uma disposição do direito primário, e de acordo com o processo estabelecido por tal disposição, como o artigo 7.o TUE. Em contrapartida, o regulamento impugnado não se pode basear nessa disposição de direito primário, pelo que se deve considerar que institui uma derrogação ao regime geral de repartição de competências entre a União e os Estados‑Membros, conforme consagrado nos Tratados. Além disso, enquanto o procedimento previsto no artigo 7.o, n.os 1 e 2, TUE visa apenas as situações que demonstram um risco manifesto de violação grave dos valores contidos no artigo 2.o TUE e uma violação grave e persistente destes valores, o procedimento previsto no regulamento impugnado é possível mesmo quando as violações alegadas não sejam nem graves nem persistentes.

92.    Por último, a Hungria, apoiada pela República da Polónia, alega que, embora o exame efetuado nos termos do regulamento impugnado possa apresentar, em certos aspetos, uma relação com a boa gestão financeira do orçamento da União ou com a proteção dos seus interesses financeiros, esta circunstância não significa, contudo, que as situações examinadas devam ser necessariamente consideradas abrangidas pelo âmbito de aplicação do direito da União apenas por força dessa relação. Sublinha que a análise da existência de uma violação do Estado de direito ocorre na primeira fase do exame, ao passo que a relação com o orçamento da União só pode ser estabelecida no termo da segunda fase. O regulamento impugnado permite, por conseguinte, concluir que um Estado‑Membro violou o Estado de direito em situações que não são abrangidas pelo âmbito de aplicação do direito da União.

93.    Em terceiro lugar, a Hungria alega que o regulamento impugnado viola o equilíbrio institucional estabelecido no artigo 7.o e no artigo 13.o, n.o 2, TUE e no artigo 269.o TFUE, assim como os direitos que decorrem da primeira destas disposições para o Estado‑Membro em causa.

94.    A este respeito, contrariamente ao artigo 7.o TUE, o regulamento impugnado reconhece apenas à Comissão o direito de iniciativa para verificar uma violação de princípios do Estado de direito. Exige, para o voto do Conselho, uma maioria diferente da prevista no artigo 7.o TUE. Além disso, este regulamento apenas prevê uma obrigação de informação ao Parlamento, quando lhe é reconhecido um direito de aprovação nos termos do artigo 7.o, n.os 1 e 2, TUE, e não confere nenhuma competência ao Conselho Europeu. Uma decisão do Conselho que preveja a adoção de medidas nos termos do regulamento impugnado por maioria qualificada enfraquece a posição processual do Estado‑Membro em causa, tendo em conta, particularmente, que, no âmbito do artigo 7.o, n.os 2 e 3, TUE, a adoção de medidas em aplicação desta disposição pressupõe uma decisão do Conselho Europeu tomada por unanimidade.

95.    O regulamento impugnado responde assim à intenção do legislador da União, refletida na exposição de motivos da proposta da Comissão que levou à adoção deste regulamento, de fornecer uma via «mais fácil», «mais rápida» e «mais eficaz» para verificar e sancionar violações de princípios do Estado de direito. Deste modo, em derrogação do artigo 7.o TUE, o referido regulamento confere novas competências à Comissão, ao Conselho e ao Tribunal de Justiça, que permitem, nomeadamente, a este último, em violação do artigo 269.o TFUE, examinar o mérito das decisões que declaram a violação de princípios do Estado de direito. Por conseguinte, o próprio regulamento é contrário à vontade expressa dos Estados‑Membros, enquanto autores dos Tratados, de limitar a competência do Tribunal de Justiça a questões processuais, relativamente a recursos que tenham por objeto um ato adotado pelo Conselho Europeu ou pelo Conselho nos termos do artigo 7.o TUE.

96.    O Parlamento e o Conselho, apoiados pelo Reino da Bélgica, pelo Reino da Dinamarca, pela República Federal da Alemanha, pela Irlanda, pelo Reino de Espanha, pela República Francesa, pelo Grão‑Ducado do Luxemburgo, pelo Reino dos Países Baixos, pela República da Finlândia, pelo Reino da Suécia e pela Comissão, contestam esta argumentação.

b)      Apreciação do Tribunal de Justiça

97.    Com o seu primeiro e segundo fundamentos, a Hungria, apoiada pela República da Polónia, alega em substância, por um lado, que nem o artigo 322.o, n.o 1, alínea a), TFUE nem nenhuma outra disposição do Tratado FUE pode constituir uma base jurídica adequada para a adoção do regulamento impugnado, especialmente os seus artigos 2.o a 4.o e 5.o, n.o 2. Por outro lado, acrescenta que o procedimento instituído pelo referido regulamento elude o previsto no artigo 7.o TUE, o qual reveste, porém, caráter exclusivo para a proteção dos valores contidos no artigo 2.o TUE, e viola a limitação de competências do Tribunal de Justiça prevista no artigo 269.o TFUE.

1)      Quanto à base jurídica do regulamento impugnado

98.    A título preliminar, importa recordar que, nos termos do artigo 322.o, n.o 1, alínea a), TFUE, o Parlamento Europeu e o Conselho, deliberando de acordo com o processo legislativo ordinário, e após consulta ao Tribunal de Contas, adotam, por meio de regulamentos, «[as] regras financeiras que definem, nomeadamente, as modalidades relativas à elaboração e execução do orçamento e à prestação e fiscalização das contas».

99.    Ora, essas regras destinam‑se a regular todos os aspetos relacionados com a execução do orçamento da União abrangidos pelo título II, «Disposições financeiras», da parte VI do Tratado FUE, relativa às «[d]isposições institucionais e financeiras» e, portanto, essa execução em sentido amplo.

100. Com efeito, além do facto de o artigo 322.o TFUE constar do capítulo 5, com o título «Disposições comuns», deste título II, há que salientar que referem esta disposição o artigo 310.o, n.os 2 e 3, TFUE, que consta da parte introdutória deste título II, o artigo 315.o, primeiro e segundo parágrafos, e o artigo 316.o, primeiro e segundo parágrafos, TFUE, que constam do capítulo 3 do referido título II, «O orçamento anual da União», bem como o artigo 317.o TFUE, que consta do seu capítulo 4, com o título «A execução do orçamento e a quitação».

101. Ora, os artigos 310.o e 315.o a 317.o estão todos relacionados com a execução do orçamento da União.

102. Com efeito, o artigo 310.o TFUE enuncia, no seu n.o 1, que todas as receitas e despesas da União devem ser objeto de previsões para cada exercício orçamental e ser inscritas no orçamento, e prevê, no seu n.o 3, que a execução de despesas inscritas no orçamento requer a adoção prévia de um ato juridicamente vinculativo da União que confira fundamento jurídico à sua ação e à execução da despesa correspondente, em conformidade com o regulamento referido no artigo 322.o, salvo exceções que este preveja. Por último, este mesmo artigo 310.o exige, no seu n.o 5, que o referido orçamento seja executado de acordo com o princípio da boa gestão financeira. Os Estados‑Membros cooperam com a União a fim de assegurar que as dotações inscritas no orçamento sejam utilizadas de acordo com esse princípio.

103. Quanto ao artigo 315.o TFUE, este prevê, no seu primeiro parágrafo, que, se no início de um exercício orçamental o orçamento ainda não tiver sido definitivamente adotado, as despesas podem ser efetuadas mensalmente, por capítulo, em conformidade com a regulamentação adotada por força do artigo 322.o, e até ao limite de um duodécimo das dotações inscritas no capítulo em questão do orçamento do exercício anterior, não podendo ultrapassar o duodécimo das dotações previstas no mesmo capítulo no projeto de orçamento. Por seu turno, o artigo 316.o TFUE diz respeito ao trânsito para o ano financeiro seguinte de dotações que não tenham sido utilizadas até ao final do ano financeiro.

104. Quanto ao artigo 317.o TFUE, enuncia, nomeadamente, que a Comissão executa o orçamento em cooperação com os Estados‑Membros nos termos da regulamentação adotada em execução do artigo 322.o, sob sua própria responsabilidade e até ao limite das dotações aprovadas, de acordo com os princípios da boa gestão financeira. Exige também que os Estados‑Membros cooperem com a Comissão a fim de assegurar que as dotações sejam utilizadas de acordo com esse princípio e esclarece que um regulamento adotado em execução do artigo 322.o prevê as obrigações de controlo e de auditoria dos Estados‑Membros na execução do orçamento, bem como as responsabilidades que delas decorrem.

105. Daqui resulta que as regras financeiras que fixam, «nomeadamente, as modalidades relativas à» execução do orçamento e à prestação e fiscalização das contas, na aceção do artigo 322.o, n.o 1, alínea a), TFUE, conjugado com as disposições referidas no n.o 101 do presente acórdão, abrangem não só as regras que definem a maneira como são executadas, enquanto tais, as despesas inscritas nesse orçamento, mas também, nomeadamente, as regras que definem as obrigações de controlo e de auditoria que incumbem aos Estados‑Membros quando a Comissão executa o orçamento em cooperação com estes, bem como as responsabilidades que daí resultam. Sobretudo, afigura‑se claramente que essas regras financeiras se destinam, nomeadamente, a assegurar o respeito, durante a execução do orçamento da União, do princípio da boa gestão financeira, inclusive pelos Estados‑Membros.

106. É à luz das considerações anteriores que importa examinar, no caso em apreço, se o artigo 322.o, n.o 1, alínea a), TFUE podia constituir a base jurídica adequada para a adoção do regulamento impugnado.

107. A este respeito, constitui jurisprudência constante que a escolha da base jurídica de um ato da União deve assentar em elementos objetivos suscetíveis de ser objeto de fiscalização jurisdicional, entre os quais figuram a finalidade e o conteúdo desse ato (Acórdãos de 3 de dezembro de 2019, República Checa/Parlamento e Conselho, C‑482/17, EU:C:2019:1035, n.o 31; de 8 de dezembro de 2020, Hungria/Parlamento e Conselho, C‑620/18, EU:C:2020:1001, n.o 38; e de 8 de dezembro de 2020, Polónia/Parlamento e Conselho, C‑626/18, EU:C:2020:1000, n.o 43).

108. Além disso, para determinar a base jurídica adequada, pode ser tomado em conta o contexto jurídico em que se inscreve uma nova regulamentação, nomeadamente na medida em que esse contexto seja suscetível de fornecer esclarecimentos sobre o objetivo prosseguido por essa regulamentação (Acórdãos de 3 de dezembro de 2019, República Checa/Parlamento e Conselho, C‑482/17, EU:C:2019:1035, n.o 32; de 8 de dezembro de 2020, Hungria/Parlamento e Conselho, C‑620/18, EU:C:2020:1001, n.o 39; e de 8 de dezembro de 2020, Polónia/Parlamento e Conselho, C‑626/18, EU:C:2020:1000, n.o 44).

109. No caso em apreço, no que respeita, em primeiro lugar, à questão de saber se o regulamento impugnado se pode enquadrar, tendo em conta a sua finalidade, na base jurídica do artigo 322.o, n.o 1, alínea a), TFUE, a Hungria, apoiada pela República da Polónia, alega que o objetivo final deste regulamento consiste em permitir tanto a análise pela Comissão e pelo Conselho do cumprimento dos princípios do Estado de direito pelos Estados‑Membros, como a aplicação, no caso de verificação de violações desses princípios, de sanções através do orçamento da União, uma vez que este objetivo também resulta da exposição de motivos que acompanhou a proposta da Comissão que levou à adoção do referido regulamento.

110. A este respeito, primeiro, o artigo 1.o do regulamento impugnado enuncia que estabelece «as regras necessárias para a proteção do orçamento da União em caso de violações dos princípios do Estado de direito nos Estados‑Membros». Assim, resulta da redação desta disposição que o referido regulamento se destina a proteger o orçamento da União contra prejuízos que possam decorrer de violações de princípios do Estado de direito num Estado‑Membro.

111. Segundo, resulta de uma análise conjunta do artigo 4.o, n.o 1, e do artigo 6.o, n.o 1, do regulamento impugnado que o procedimento previsto para efeitos da adoção de «medidas adequadas» de proteção do orçamento da União só pode ser iniciado pela Comissão quando esta instituição verificar que existem motivos razoáveis para considerar não só que há violações dos princípios do Estado de direito num Estado‑Membro mas sobretudo que essas violações afetam ou são seriamente suscetíveis de afetar, de forma suficientemente direta, a boa gestão financeira do orçamento da União ou a proteção dos seus interesses financeiros.

112. Acresce que resulta do artigo 5.o, n.os 1 e 3, deste regulamento que essas medidas adequadas consistem, essencialmente, na suspensão de pagamentos, da execução de compromissos jurídicos, do desembolso de parcelas, de uma vantagem económica decorrente de um instrumento garantido, da aprovação de programas ou de compromissos, em cessações de compromissos jurídicos, na proibição de assumir novos compromissos jurídicos ou de celebrar novos acordos, em reembolsos antecipados de empréstimos garantidos, em reduções de uma vantagem económica decorrente de um instrumento garantido, de compromissos ou de pré‑financiamentos, e em interrupções de prazos de pagamento, e que devem ser proporcionadas, isto é, limitadas ao estritamente necessário tendo em conta o impacto real ou potencial das violações dos princípios do Estado de direito na gestão financeira do orçamento da União ou nos seus interesses financeiros.

113. Além disso, de acordo com o artigo 7.o, n.o 2, segundo parágrafo, do regulamento impugnado, a Comissão propõe ao Conselho o levantamento das medidas adotadas quando as condições previstas no artigo 4.o deste regulamento deixarem de estar preenchidas e, portanto, nomeadamente quando já não exista um prejuízo ou um risco sério de prejuízo para a boa gestão do orçamento da União ou para a proteção dos seus interesses financeiros, de modo que, como salientou o advogado‑geral no n.o 185 das suas conclusões, essas medidas devem ser levantadas quando cesse o impacto na execução orçamental, mesmo que a violação dos princípios do Estado de direito que foi constatada se possa manter.

114. Ora, os tipos de medidas que podem ser adotadas, os critérios relativos à escolha e o seu alcance, bem como as condições de adoção e de levantamento das referidas medidas, visto que estão todas associadas a um prejuízo ou a um risco sério de prejuízo para a boa gestão financeira do orçamento da União ou para a proteção dos interesses financeiros da União, corroboram a conclusão de que o regulamento impugnado tem por finalidade proteger o orçamento da União na sua execução.

115. Por outro lado, resulta da redação do artigo 5.o, n.o 2, do regulamento impugnado, conjugado com o seu n.o 4 e com o considerando 19 deste regulamento, que esta disposição não se destina, como alega a Hungria, apoiada pela República da Polónia, a sancionar um Estado‑Membro pela violação de um princípio do Estado de direito, mas a preservar os legítimos interesses dos destinatários finais e dos beneficiários quando são adotadas medidas adequadas ao abrigo do referido regulamento relativamente a um Estado‑Membro. Esta disposição estabelece, assim, as consequências de tais medidas em relação a terceiros. Por conseguinte, a referida disposição não é suscetível de justificar a alegação de que o regulamento impugnado visa, mais do que proteger o orçamento da União, sancionar, enquanto tais, violações do Estado de direito num Estado‑Membro.

116. Terceiro, como salientou o advogado‑geral no n.o 130 das suas conclusões, os considerandos do regulamento impugnado corroboram a finalidade prosseguida por este regulamento, conforme resulta do seu artigo 1.o, que consiste em proteger o orçamento da União. Com efeito, os considerandos 2 e 7 a 9 do referido regulamento enunciam, especialmente, que o Conselho Europeu declarou que os interesses financeiros da União devem ser protegidos de acordo com os valores que constam do artigo 2.o TUE, que, sempre que os Estados‑Membros executem o orçamento da União, o respeito pelo Estado de direito é uma condição essencial para a conformidade com os princípios da boa gestão financeira consagrados no artigo 317.o TFUE, que os Estados‑Membros só podem assegurar uma boa gestão financeira se as autoridades públicas agirem em conformidade com a lei, se as violações do direito forem efetivamente objeto de investigação e repressão e se as decisões arbitrárias ou ilegais das autoridades públicas puderem ser sujeitas a uma fiscalização jurisdicional efetiva, e que a independência e a imparcialidade do poder judicial, bem como a dos serviços de investigação e do Ministério Público, são necessárias como garantia mínima contra decisões ilegais e arbitrárias das autoridades públicas que sejam suscetíveis de lesar os interesses financeiros da União. O considerando 13 deste mesmo regulamento expõe que, neste contexto, existe, portanto, «uma relação clara entre o respeito pelo Estado de direito e a execução eficiente do orçamento da União de acordo com os princípios da boa gestão financeira», esclarecendo o seu considerando 15, por seu turno, que «[a]s violações dos princípios do Estado de direito, em particular as que afetam o correto funcionamento das autoridades públicas e a fiscalização jurisdicional efetiva, podem lesar gravemente os interesses financeiros da União».

117. Quanto ao considerando 14 do regulamento impugnado, embora enuncie que o mecanismo nele previsto «complementa» os instrumentos que promovem o Estado de direito e a sua aplicação, também esclarece que esse mecanismo contribui para essa promoção «protegendo o orçamento da União contra violações dos princípios do Estado de direito que afetem a sua boa gestão financeira ou a proteção dos interesses financeiros da União».

118. Quarto, na exposição de motivos que acompanhava a sua proposta que levou à adoção do regulamento impugnado, a Comissão referiu efetivamente que tinham sido expressas posições a favor de uma intervenção da União para proteger o Estado de direito e, portanto, adotar medidas destinadas a garantir o seu respeito. Todavia, nessa mesma exposição de motivos, a Comissão justificou a sua proposta pela necessidade de «proteger os interesses financeiros da União contra o risco de perda financeira causado por deficiências generalizadas do Estado de direito num Estado‑Membro».

119. Tendo em conta as considerações anteriores, há que concluir que, contrariamente ao que a Hungria alega, apoiada pela República da Polónia, a finalidade do regulamento impugnado consiste em proteger o orçamento da União contra as violações deste último que decorram de forma suficientemente direta de violações dos princípios do Estado de direito por parte de um Estado‑Membro, e não em sancionar, por si só, essas violações.

120. Ora, esta finalidade é coerente com o requisito de que o orçamento da União deve ser executado em conformidade com o princípio da boa gestão financeira, imposta especialmente no artigo 310.o, n.o 5, TFUE, sendo este requisito aplicável a todas as disposições do título II, da parte VI, do Tratado FUE relativas à execução do orçamento da União e, assim, nomeadamente, ao artigo 322.o, n.o 1, alínea a), TFUE.

121. Em segundo lugar, quanto à questão de saber se, pelo seu conteúdo, o regulamento impugnado é suscetível de ser abrangido pela base jurídica do artigo 322.o, n.o 1, alínea a), TFUE, a Hungria, apoiada pela República da Polónia, alega, em substância, que não é esse o caso particular dos artigos 2.o a 4.o e 5.o, n.o 2, deste regulamento. Primeiro, o artigo 322.o, n.o 1, alínea a), TFUE não permite definir nem o conceito de «Estado de direito» nem o de «violações dos princípios do Estado de direito». Segundo, a relação entre as violações dos princípios do Estado de direito e o orçamento da União é demasiado ampla e permitiria, se fosse acolhida, associar‑lhe qualquer ramo do direito da União e importantes aspetos dos sistemas jurídicos dos Estados‑Membros. Terceiro, o referido artigo 5.o, n.o 2, não diz respeito ao orçamento da União nem à sua execução, mas visa os orçamentos dos Estados‑Membros. Quarto, os referidos artigos 2.o a 4.o permitem às instituições da União proceder a um exame de situações e de instituições nacionais que não estejam abrangidas pelo âmbito de aplicação do direito da União.

122. A este respeito, primeiro, as partes no processo estão de acordo em considerar que um «mecanismo de condicionalidade», que subordina o benefício de financiamentos provenientes do orçamento da União ao cumprimento de determinadas condições, pode ser enquadrado no conceito de «regras financeiras», na aceção do artigo 322.o, n.o 1, alínea a), TFUE.

123. Todavia, enquanto a Hungria, apoiada pela República da Polónia, considera que essa condição deve estar estreitamente ligada quer a um dos objetivos de um programa ou de uma ação específica da União quer à boa gestão financeira do orçamento da União, o Parlamento e o Conselho, apoiados pelo Reino da Bélgica, pelo Reino da Dinamarca, pela República Federal da Alemanha, pela Irlanda, pelo Reino de Espanha, pela República Francesa, pelo Grão‑Ducado do Luxemburgo, pelo Reino dos Países Baixos, pela República da Finlândia, pelo Reino da Suécia e pela Comissão, consideram que esse mecanismo também pode revestir o caráter de uma «condicionalidade horizontal», no sentido de que a condição em causa pode estar ligada ao valor do Estado de direito que consta do artigo 2.o TUE, que deve ser respeitado em todos os domínios de ação da União.

124. A este respeito, há que recordar que, nos termos do artigo 2.o TUE, a União assenta em valores, entre os quais o Estado de direito, que são comuns aos Estados‑Membros e que, em conformidade com o artigo 49.o TUE, o respeito desses valores constitui uma condição prévia da adesão à União de qualquer Estado europeu que peça para se tornar membro da União (v., neste sentido, Acórdão de 21 de dezembro de 2021, Euro Box Promotion e o., C‑357/19, C‑379/19, C‑547/19, C‑811/19 e C‑840/19, EU:C:2021:1034, n.os 160 e 161 e jurisprudência referida).

125. Com efeito, como é salientado no considerando 5 do regulamento impugnado, quando um Estado candidato se torna Estado‑Membro, adere a uma construção jurídica que assenta na premissa fundamental segundo a qual cada Estado‑Membro partilha com todos os outros Estados‑Membros, e reconhece que estes partilham com ele, uma série de valores comuns em que a União se funda, contidos no artigo 2.o TUE. Esta premissa enquadra‑se nas características específicas e essenciais do direito da União, relativas à sua própria natureza, que resultam da autonomia de que goza o referido direito relativamente aos direitos dos Estados‑Membros e ao direito internacional. Implica e justifica a existência da confiança mútua entre os Estados‑Membros no reconhecimento desses valores e, por conseguinte, no respeito do direito da União que aplicam [v., neste sentido, Parecer 2/13 (Adesão da União à CEDH), de 18 de dezembro de 2014, EU:C:2014:2454, n.os 166 a 168; Acórdãos de 27 de fevereiro de 2018, Associação Sindical dos Juízes Portugueses, C‑64/16, EU:C:2018:117, n.o 30, e de 20 de abril de 2021, Repubblika, C‑896/19, EU:C:2021:311, n.o 62]. Este considerando também esclarece que as leis e as práticas dos Estados‑Membros deverão continuar a respeitar os valores comuns em que a União se funda.

126. Daqui resulta que o respeito por um Estado‑Membro dos valores que constam do artigo 2.o TUE constitui uma condição para o gozo de todos os direitos que decorrem da aplicação dos Tratados a esse Estado‑Membro (Acórdãos de 20 de abril de 2021, Repubblika, C‑896/19, EU:C:2021:311, n.o 63; de 18 de maio de 2021, Asociaţia «Forumul Judecătorilor din România» e o., C‑83/19, C‑127/19, C‑195/19, C‑291/19, C‑355/19 e C‑397/19, EU:C:2021:393, n.o 162; e de 21 de dezembro de 2021, Euro Box Promotion e o., C‑357/19, C‑379/19, C‑547/19, C‑811/19 e C‑840/19, EU:C:2021:1034, n.o 162). Com efeito, o respeito destes valores não pode ser reduzido a uma obrigação à qual um Estado candidato está obrigado para aderir à União e da qual pode escusar‑se após a sua adesão.

127. Os valores que constam do artigo 2.o TUE foram identificados e são partilhados pelos Estados‑Membros. Definem a própria identidade da União enquanto ordem jurídica comum. Assim, a União deve poder, dentro dos limites das suas atribuições previstas nos Tratados, defender os referidos valores.

128. Daqui decorre que, em conformidade com o princípio da atribuição de competências consagrado no artigo 5.o, n.o 2, TUE, bem como com o princípio da coerência das políticas da União previsto no artigo 7.o TFUE, o valor comum à União e aos Estados‑Membros que constitui o Estado de direito, que faz parte dos próprios fundamentos da União e da sua ordem jurídica, é suscetível de servir de base a um mecanismo de condicionalidade abrangido pelo conceito de «regras financeiras» na aceção do artigo 322.o, n.o 1, alínea a), TFUE.

129. A este propósito, importa salientar, por um lado, que o orçamento da União é um dos principais instrumentos que permitem concretizar, nas políticas e nas ações da União, o princípio de solidariedade referido no artigo 2.o TUE, que constitui ele próprio um dos princípios fundamentais da União (v., por analogia, Acórdão de 15 de julho de 2021, Alemanha/Polónia, C‑848/19 P, EU:C:2021:598, n.o 38), e, por outro, que a aplicação deste princípio, através do orçamento, assenta na confiança mútua entre os Estados‑Membros na utilização responsável de recursos comuns inscritos no referido orçamento. Ora, esta mesma confiança mútua assenta, como se recordou no n.o 125 do presente acórdão, no compromisso de cada um dos Estados‑Membros cumprir as obrigações que lhe incumbem nos termos do direito da União e de respeitar de forma contínua, como aliás refere o considerando 5 do regulamento impugnado, os valores contidos no artigo 2.o TUE, de entre os quais consta o valor do Estado de direito.

130. Além disso, como salientado no considerando 13 do regulamento impugnado, existe uma relação clara entre o respeito pelo valor do Estado de direito, por um lado, e a execução eficiente do orçamento da União de acordo com os princípios da boa gestão financeira e a proteção dos interesses financeiros da União, por outro.

131. Com efeito, essa boa gestão financeira e esses interesses financeiros podem ser gravemente comprometidos por violações dos princípios do Estado de direito cometidas num Estado‑Membro, uma vez que essas violações podem ter como consequência, nomeadamente, a falta de garantia de que as despesas cobertas pelo orçamento da União preenchem todas as condições de financiamento previstas no direito da União e, portanto, cumprem os objetivos prosseguidos pela União quando financia essas despesas.

132. Em especial, o respeito destas condições e desses objetivos, enquanto elementos do direito da União, não pode ser plenamente garantido na falta de uma fiscalização jurisdicional efetiva destinada a assegurar o respeito do direito da União, esclarecendo‑se que a existência dessa fiscalização, tanto nos Estados‑Membros como ao nível da União, por órgãos jurisdicionais independentes, é inerente a um Estado de direito (v., neste sentido, Acórdão de 21 de dezembro de 2021, Euro Box Promotion e o., C‑357/19, C‑379/19, C‑547/19, C‑811/19 e C‑840/19, EU:C:2021:1034, n.os 219 e 222).

133. Resulta do que precede que, contrariamente ao que alega a Hungria, apoiada pela República da Polónia, um mecanismo de condicionalidade também pode ser abrangido pelo conceito de «regras financeiras», previsto no artigo 322.o, n.o 1, alínea a), TFUE, quando institui, para beneficiar de financiamentos provenientes do orçamento da União, uma condicionalidade horizontal relacionada com o respeito, por parte de um Estado‑Membro, do valor do Estado de direito, constante do artigo 2.o TUE, e que se refere à execução do orçamento da União.

134. Ora, o artigo 4.o, n.o 1, do regulamento impugnado institui esse mecanismo de condicionalidade horizontal, dado que prevê que sejam adotadas medidas adequadas sempre que se determine que as violações dos princípios do Estado de direito por parte de um Estado‑Membro afetam ou são seriamente suscetíveis de afetar, de forma suficientemente direta, a boa gestão financeira do orçamento da União ou a proteção dos interesses financeiros da União.

135. Com efeito, resulta do artigo 5.o, n.o 1, deste regulamento que esta disposição prevê de forma exaustiva as «medidas adequadas» que podem ser adotadas, que são resumidas no n.o 112 do presente acórdão e que estão efetivamente todas relacionadas com a execução do orçamento da União.

136. Quanto à condição prevista no artigo 4.o, n.o 1, do regulamento impugnado, relativa à existência de «violações dos princípios do Estado de direito», o seu artigo 2.o, alínea a), enuncia que o conceito de «Estado de direito» é entendido, na aceção deste regulamento, como o «valor da União consagrado no artigo 2.o [TUE]» e esclarece que este conceito inclui os princípios da legalidade, da segurança jurídica, da proibição da arbitrariedade do poder executivo, da tutela jurisdicional efetiva, da separação de poderes, da não discriminação e da igualdade perante a lei. No entanto, a mesma disposição sublinha que o conceito de «Estado de direito», como definido para efeitos da aplicação do referido regulamento, «deve ser entendido à luz de outros valores e princípios da União consagrados no artigo 2.o TUE». Daqui resulta que o respeito desses valores e desses princípios, na medida em que participam na própria definição do valor do «Estado de direito» constante do artigo 2.o TUE ou, como resulta do segundo período deste artigo, estão estreitamente relacionados com uma sociedade cumpridora do Estado de direito, pode ser exigido no âmbito de um mecanismo de condicionalidade horizontal, como o instituído pelo regulamento impugnado.

137. Além disso, o artigo 3.o do regulamento impugnado, que refere casos que podem ser indicativos de violações destes princípios, de entre os quais consta o facto de não se assegurar a inexistência de conflitos de interesses, visa, como salientou o advogado‑geral nos n.os 152 e 280 das suas conclusões, facilitar a aplicação deste regulamento.

138. Quanto ao artigo 4.o, n.o 2, do regulamento impugnado, decorre deste que, para poderem ser abrangidas pelo mecanismo de condicionalidade horizontal instituído no n.o 1 deste artigo, as violações dos princípios do Estado de direito devem dizer respeito às situações ou às condutas das autoridades enumeradas nas alíneas a) a h) deste n.o 2, na medida em que sejam relevantes para a boa gestão financeira do orçamento da União ou para a proteção dos interesses financeiros da União.

139. Resulta do que precede que o artigo 2.o, alínea a), o artigo 3.o, o artigo 4.o, n.o 2, e o artigo 5.o, n.o 1, do regulamento impugnado são elementos constitutivos do mecanismo de condicionalidade horizontal instituído no artigo 4.o, n.o 1, deste regulamento, ao enunciar as definições necessárias à sua aplicação, ao esclarecer o seu âmbito de aplicação e ao prever as medidas que pode alcançar. Assim, estas disposições fazem parte integrante desse mecanismo e enquadram‑se, por conseguinte, no conceito de «regras financeiras», na aceção do artigo 322.o, n.o 1, alínea a), TFUE.

140. Segundo, esta constatação não é infirmada pela argumentação da Hungria, apoiada pela República da Polónia, segundo a qual os referidos artigos 2.o a 4.o do regulamento impugnado permitem às instituições da União proceder a um exame de situações nos Estados‑Membros que não se enquadram no âmbito de aplicação do direito da União.

141. Com efeito, como se salientou no n.o 111 do presente acórdão, resulta de uma leitura conjunta do artigo 4.o, n.o 1 e do artigo 6.o, n.o 1, do regulamento impugnado que o procedimento previsto para efeitos da adoção de «medidas adequadas» de proteção do orçamento da União só pode ser iniciado pela Comissão quando esta instituição verificar que existem motivos razoáveis para considerar não só que há violações dos princípios do Estado de direito num Estado‑Membro mas sobretudo que essas violações afetam ou são seriamente suscetíveis de afetar, de forma suficientemente direta, a boa gestão financeira do orçamento da União ou a proteção dos seus interesses financeiros.

142. Acresce que, como foi declarado no n.o 138 do presente acórdão, decorre do artigo 4.o, n.o 2, do regulamento impugnado que, para poderem ser abrangidas pelo mecanismo de condicionalidade horizontal instituído pelo n.o 1 deste artigo, as violações dos princípios do Estado de direito devem dizer respeito às situações ou às condutas das autoridades enumeradas nas alíneas a) a h) deste n.o 2, na medida em que sejam relevantes para a boa gestão financeira do orçamento da União ou para a proteção dos interesses financeiros da União.

143. Ora, essa relevância pode ser presumida no que diz respeito à atividade das autoridades que executam o orçamento da União e são responsáveis pelo controlo, pela fiscalização e pela auditoria financeira, visados nas alíneas a) e b) do referido n.o 2. Quanto aos serviços de investigação e do Ministério Público, o seu correto funcionamento não é referido na sua alínea c) senão quando diga respeito às violações do direito da União em relação à execução do orçamento da União ou à proteção dos interesses financeiros da União. O mesmo se diga da prevenção e sanção, pelos tribunais ou autoridades administrativas nacionais, das violações do direito da União mencionadas na alínea e). Quanto à fiscalização jurisdicional enunciada na alínea d), só é referida na medida em que diga respeito ao comportamento das autoridades mencionado nas referidas alíneas a) a c). A recuperação de fundos pagos indevidamente, prevista na alínea f), visa apenas fundos provenientes do orçamento da União, o que também é o caso da cooperação com o OLAF e com a Procuradoria Europeia, mencionada na alínea g). Por último, a alínea h) visa expressamente quaisquer outras situações ou condutas, por parte das autoridades, pertinentes para a boa gestão financeira do orçamento da União ou para a proteção dos seus interesses financeiros.

144. Daqui resulta, contrariamente ao que alega a Hungria, apoiada pela República da Polónia, que, por um lado, o regulamento impugnado só permite às instituições da União proceder a um exame de situações nos Estados‑Membros na medida em que estas sejam relevantes para a boa gestão financeira do orçamento da União ou para a proteção dos seus interesses financeiros e, por outro, só podem ser adotadas medidas adequadas ao abrigo deste regulamento quando for demonstrado que essas situações afetam ou são seriamente suscetíveis de afetar, de forma suficientemente direta, essa boa gestão financeira do orçamento da União ou a proteção dos seus interesses financeiros.

145. Ora, tais situações, que são relevantes para a execução do orçamento da União, não só estão abrangidas pelo âmbito de aplicação do direito da União mas também podem, como foi declarado no n.o 133 do presente acórdão, estar abrangidas por uma regra financeira, na aceção do artigo 322.o, n.o 1, alínea a), TFUE, na forma de um mecanismo de condicionalidade horizontal relacionado com o respeito, por parte de um Estado‑Membro, do valor do Estado de direito.

146. Terceiro, contrariamente ao que alega a Hungria, apoiada pela República da Polónia, o facto de um mecanismo de condicionalidade horizontal que cumpre os critérios identificados no n.o 133 do presente acórdão, relativos ao respeito, por parte de um Estado‑Membro, do valor do Estado de direito que consta do artigo 2.o TUE e que se reportam à execução do orçamento da União, se poder enquadrar no conceito de «regras financeiras que definem, nomeadamente, as modalidades relativas […] à execução do orçamento», na aceção do artigo 322.o, n.o 1, alínea a), TFUE, não alarga o alcance desse conceito além do que é necessário para a boa execução do orçamento da União.

147. Com efeito, o artigo 4.o do regulamento impugnado limita, no seu n.o 2, o âmbito de aplicação do mecanismo de condicionalidade instituído pelo referido regulamento às situações e às condutas de autoridades que apresentem uma relação com a execução do orçamento da União e exige, no seu n.o 1, que a adoção de medidas adequadas esteja subordinada à existência de violações dos princípios do Estado de direito que afetem ou sejam seriamente suscetíveis de afetar, de forma suficientemente direta, a boa gestão financeira do orçamento da União ou a proteção dos seus interesses financeiros. Assim, esta última condição exige que seja estabelecida uma relação efetiva entre essas violações e essa afetação ou esse risco sério de afetação.

148. A este propósito, importa sublinhar que a aplicação do artigo 4.o, n.os 1 e 2, do regulamento impugnado está sujeita aos requisitos processuais especificados do artigo 6.o, n.os 1 a 9, deste regulamento, que implicam, como salienta o considerando 26 do referido regulamento, a obrigação da Comissão de se fundamentar em elementos concretos e de respeitar os princípios da objetividade, da não discriminação e da igualdade dos Estados‑Membros perante os Tratados, quando analisa se a adoção de medidas adequadas se justifica.

149. No que respeita mais concretamente à identificação e à avaliação de violações dos princípios do Estado de direito, o considerando 16 do regulamento impugnado precisa que essa avaliação deve ser objetiva, imparcial e equitativa. Além disso, o cumprimento de todas estas obrigações está sujeito a uma fiscalização jurisdicional integral pelo Tribunal de Justiça.

150. Quarto, no que respeita à questão de saber se o artigo 5.o, n.o 2, do regulamento impugnado pode integrar a base jurídica do artigo 322.o, n.o 1, alínea a), TFUE, declarou‑se, no n.o 115 do presente acórdão, que a primeira disposição prossegue o objetivo de preservar os legítimos interesses dos destinatários finais e dos beneficiários quando são adotadas medidas adequadas ao abrigo do referido regulamento relativamente a um Estado‑Membro. Daqui decorre que a referida disposição tem por objeto os efeitos jurídicos e financeiros relacionados com medidas de proteção do orçamento da União, na aceção do artigo 5.o, as quais incidem elas próprias sobre o orçamento da União, como se esclareceu nos n.os 112 e 135 do presente acórdão,

151. Além disso, como se declarou no n.o 99 do presente acórdão, as regras financeiras que adotam, «nomeadamente, as regras relativas à» execução do orçamento, na aceção do artigo 322.o, n.o 1, alínea a), TFUE, destinam‑se a regular todos os aspetos relacionados com a execução do orçamento da União abrangidos pelo título II da parte VI do Tratado FUE e, consequentemente, essa execução em sentido amplo.

152. Ora, deve considerar‑se que uma disposição como o artigo 5.o, n.o 2, do regulamento impugnado, que tem por objeto efeitos jurídicos e financeiros relacionados com as medidas de proteção do orçamento da União, na aceção deste artigo 5.o, que são medidas relativas à execução do orçamento da União, se refere ela própria a essa execução e, assim, pode entender‑se que estabelece uma modalidade relativa à execução desse orçamento.

153. Tendo em conta as considerações anteriores, as alegações da Hungria, apoiada pela República da Polónia, relativas à falta de base jurídica do regulamento impugnado, na medida em que este não estabelece regras financeiras na aceção do artigo 322.o, n.o 1, alínea a), TFUE, devem ser julgadas improcedentes.

154. Assim sendo, há ainda que verificar se, como alega, em substância, a Hungria, apoiada pela República da Polónia, as regras financeiras como as previstas no regulamento impugnado não podem ser adotadas pelo legislador da União pelo facto de eludirem o artigo 7.o TUE e o artigo 269.o TFUE.

2)      Quanto à elusão do artigo 7.o TUE e do artigo 269.o TFUE

155. Em primeiro lugar, a Hungria, apoiada pela República da Polónia, alega, em substância, que só o procedimento previsto no artigo 7.o TUE confere às instituições da União competência para examinar, declarar e, sendo caso disso, sancionar as violações de valores que constam do artigo 2.o TUE num Estado‑Membro, uma vez que, nomeadamente, essa competência abrange domínios que não se enquadram no âmbito de aplicação do direito da União, como o funcionamento das autoridades e das instituições dos Estados‑Membros, e que os Estados‑Membros, enquanto autores dos Tratados, regularam todos os aspetos desse procedimento no âmbito do Tratado UE. Como os Tratados não preveem nenhuma delegação de poder legislativo nos termos do artigo 7.o TUE, nem esta disposição nem nenhuma outra dos referidos Tratados autoriza o legislador da União a instituir um procedimento paralelo ao previsto no artigo 7.o TUE, relativo à verificação da violação de valores que constam do artigo 2.o TUE e que define as consequências jurídicas que daí decorrem.

156. A este respeito, primeiro, importa recordar que os valores fundadores da União e comuns aos Estados‑Membros, que constam do artigo 2.o TUE, incluem os do respeito pela dignidade humana, pela liberdade, pela democracia, pela igualdade, pelo Estado de direito e do respeito pelos direitos do Homem, numa sociedade caracterizada, nomeadamente, pela não discriminação, pela justiça, pela solidariedade e pela igualdade entre homens e mulheres.

157. O preâmbulo da Carta recorda, nomeadamente, que a União assenta nos princípios da democracia e do Estado de direito e reconhece os direitos, as liberdades e os princípios enunciados na referida Carta. Os seus artigos 6.o, 10.o a 13.o, 15.o, 16.o, 20.o, 21.o e 23.o esclarecem o alcance dos valores da dignidade humana, da liberdade, da igualdade, do respeito pelos direitos humanos, da não discriminação e da igualdade entre homens e mulheres, que constam do artigo 2.o TUE. O artigo 47.o da Carta e o artigo 19.o TUE garantem, nomeadamente, o direito à ação e o direito a um tribunal independente e imparcial previamente estabelecido por lei, no que respeita à proteção dos direitos e liberdades garantidos pelo direito da União.

158. Por outro lado, os artigos 8.o, 10.o, 19.o, n.o 1, 153.o, n.o 1, alínea i), e 157.o, n.o 1, TFUE esclarecem o alcance dos valores da igualdade, da não discriminação e da igualdade entre homens e mulheres, e permitem ao legislador da União adotar normas de direito derivado destinadas a implementar esses valores.

159. Resulta dos dois números anteriores do presente acórdão que, contrariamente ao que alega a Hungria, apoiada pela República da Polónia, além do procedimento previsto no artigo 7.o TUE, diversas disposições dos Tratados, frequentemente concretizadas por diversos atos de direito derivado, conferem às instituições da União competência para examinar, declarar e, sendo caso disso, sancionar violações de valores que constam do artigo 2.o TUE, cometidas num Estado‑Membro.

160. No que respeita, particularmente, ao valor do Estado de direito, alguns dos seus aspetos são protegidos pelo artigo 19.o TUE, como, de resto, reconhece a Hungria. O mesmo se aplica aos artigos 47.o a 50.o da Carta, que constam do seu título VI, com a epígrafe «Justiça», e que garantem, respetivamente, o direito à ação e a um tribunal imparcial, a presunção de inocência e os direitos de defesa, os princípios da legalidade e da proporcionalidade dos delitos e das penas e o direito a não ser julgado ou punido duas vezes pela mesma infração.

161. Mais especificamente, o Tribunal de Justiça declarou que o artigo 19.o TUE, que concretiza o valor do Estado de direito que consta do artigo 2.o TUE, exige que os Estados‑Membros, em conformidade com o n.o 1, segundo parágrafo, do referido artigo 19.o, prevejam um sistema de vias de recurso e de processos que assegurem aos particulares o respeito do seu direito a uma tutela jurisdicional efetiva nos domínios abrangidos pelo direito da União [v., neste sentido, Acórdão de 2 de março de 2021, A. B. e o. (Nomeação dos juízes para o Supremo Tribunal — Recurso), C‑824/18, EU:C:2021:153, n.os 108 e 109 e jurisprudência referida]. Ora, o cumprimento deste requisito pode ser controlado pelo Tribunal de Justiça, nomeadamente numa ação por incumprimento intentada pela Comissão, nos termos do artigo 258.o TFUE [v., neste sentido, Acórdãos de 24 de junho de 2019, Comissão/Polónia (Independência do Supremo Tribunal), C‑619/18, EU:C:2019:531, n.os 58 e 59, e de 5 de novembro de 2019, Comissão/Polónia (Independência dos órgãos jurisdicionais de direito comum), C‑192/18, EU:C:2019:924, n.os 106 e 107].

162. Além disso, o Tribunal de Justiça declarou que o artigo 19.o, n.o 1, segundo parágrafo, TUE, interpretado tendo em conta o artigo 47.o da Carta, impõe aos Estados‑Membros uma obrigação de resultado clara e precisa e que não está sujeita a nenhuma condição no que respeita à independência que deve caracterizar os órgãos jurisdicionais chamados a interpretar e a aplicar o direito da União, pelo que cabe a um órgão jurisdicional nacional afastar qualquer disposição de direito nacional que viole o artigo 19.o, n.o 1, segundo parágrafo, TUE, se for caso disso após ter obtido do Tribunal de Justiça uma interpretação prejudicial desta última disposição [v., neste sentido, Acórdão de 2 de março de 2021, A. B. e o. (Nomeação dos juízes para o Supremo Tribunal — Recurso), C‑824/18, EU:C:2021:153, n.os 142 a 146].

163. Decorre, assim, das considerações que constam dos n.os 159 a 162 do presente acórdão que a argumentação da Hungria de que o valor do Estado de direito só pode ser protegido pela União no âmbito do procedimento previsto no artigo 7.o TUE deve ser julgada improcedente.

164. Segundo, no que respeita às alegações da Hungria, apoiada pela República da Polónia, de que só o artigo 7.o TUE permite às instituições da União fiscalizar o respeito do Estado de direito pelos Estados‑Membros nos domínios que não se enquadram no âmbito de aplicação do direito da União, entre os quais consta o funcionamento das autoridades e das instituições dos Estados‑Membros, basta recordar que o regulamento impugnado não habilita a Comissão nem o Conselho a proceder a essa fiscalização sem uma conduta de uma autoridade de um Estado‑Membro ou sem uma situação imputável a essa autoridade relacionada com a execução do orçamento da União e que se enquadra, portanto, no âmbito de aplicação do direito da União.

165. Com efeito, declarou‑se nos n.os 141 a 145 do presente acórdão, que, por um lado, o regulamento impugnado só permite às instituições da União proceder a um exame de situações nos Estados‑Membros na medida em que estas sejam relevantes para a boa gestão financeira do orçamento da União ou para a proteção dos interesses financeiros da União e, por outro, só podem ser adotadas medidas adequadas ao abrigo desse regulamento se se demonstrar que tais situações comportam uma violação de um dos princípios do Estado de direito que afete ou que apresente um risco sério de afetar, de uma forma suficientemente séria, essa boa gestão financeira ou a proteção desses interesses financeiros.

166. Em segundo lugar, no que respeita à alegação de que o regulamento impugnado tem por efeito eludir o procedimento previsto no artigo 7.o TUE e alargar as competências do Tribunal de Justiça estabelecidas no artigo 269.o TFUE, a Hungria, apoiada pela República da Polónia, alega, em substância, que o procedimento instituído por este regulamento concretiza, em casos determinados, o procedimento previsto no artigo 7.o TUE e institui, por esse facto, um procedimento paralelo que permite verificar, no termo de uma análise aprofundada, violações dos princípios do Estado de direito pelos Estados‑Membros. O referido regulamento permite atribuir a tais violações consequências jurídicas idênticas às previstas no artigo 7.o TUE, apesar de nem esta disposição nem nenhuma outra disposição dos Tratados habilitar o legislador da União a fazê‑lo. Deste modo, o mesmo regulamento viola o equilíbrio institucional estabelecido no artigo 7.o TUE, no artigo 13.o, n.o 2, TUE e no artigo 269.o TFUE, ao atribuir novas competências à Comissão, ao Conselho e ao Tribunal de Justiça.

167. A este respeito, primeiro, há que salientar que o legislador da União não pode instaurar, sem violar o artigo 7.o TUE, um procedimento paralelo ao previsto por esta disposição, que tem, em substância, o mesmo objeto, prossegue o mesmo objetivo e permite a adoção de medidas idênticas, muito embora preveja a intervenção de outras instituições ou requisitos materiais e processuais diferentes dos previstos na referida disposição.

168. Todavia, é admissível o legislador da União, quando dispõe de uma base jurídica para o efeito, instituir, por ato de direito derivado, outros procedimentos que têm por objeto os valores que constam do artigo 2.o TUE, de entre os quais consta o Estado de direito, desde que esses procedimentos se distingam tanto pela sua finalidade como pelo seu objeto do procedimento previsto no artigo 7.o TUE (v., por analogia, Acórdão de 7 de fevereiro de 1979, França/Comissão, 15/76 e 16/76, EU:C:1979:29, n.o 26; Despacho de 11 de julho de 1996, An Taisce e WWF UK/Comissão, C‑325/94 P, EU:C:1996:293, n.o 25; e Acórdão de 11 de janeiro de 2001, Grécia/Comissão, C‑247/98, EU:C:2001:4, n.o 13).

169. No caso em apreço, no que respeita às respetivas finalidades do procedimento previsto no artigo 7.o TUE e do previsto no regulamento impugnado, resulta do artigo 7.o, n.os 2 a 4, TUE que o procedimento previsto neste artigo permite nomeadamente ao Conselho, quando o Conselho Europeu constate violações graves e persistentes por parte de um Estado‑Membro dos valores que constam do artigo 2.o TUE, suspender alguns dos direitos decorrentes da aplicação dos Tratados a esse Estado‑Membro, incluindo os direitos de voto do representante do Governo desse Estado‑Membro no Conselho, e que o Conselho pode posteriormente decidir alterar as medidas que adotou ou pôr‑lhes fim para responder a alterações da situação que levou à aplicação dessas medidas.

170. O procedimento previsto no artigo 7.o TUE tem, assim, por finalidade permitir ao Conselho sancionar violações graves e persistentes dos valores que constam do artigo 2.o TUE, com vista, nomeadamente, a exigir do Estado‑Membro em causa que ponha termo a essas violações.

171. Em contrapartida, como decorre dos n.os 110 a 120 do presente acórdão, resulta da natureza das medidas que podem ser adotadas nos termos do regulamento impugnado e das condições de adoção e de levantamento dessas medidas que o procedimento que este regulamento institui tem por finalidade assegurar, em conformidade com o princípio da boa gestão financeira enunciado no artigo 310.o, n.o 5, e no artigo 317.o, primeiro parágrafo, TFUE, a proteção do orçamento da União em caso de violação dos princípios do Estado de direito por parte de um Estado‑Membro e não sancionar, através do orçamento da União, violações de princípios do Estado de direito.

172. Daqui resulta que o procedimento previsto no regulamento impugnado prossegue uma finalidade diferente da do artigo 7.o TUE.

173. No que respeita ao objeto de cada um destes dois procedimentos, há que salientar que o âmbito de aplicação do procedimento previsto no artigo 7.o TUE incide sobre todos os valores que constam do artigo 2.o TUE, ao passo que o do procedimento instituído pelo regulamento impugnado apenas incide sobre um destes valores, a saber, o Estado de direito.

174. Além disso, o artigo 7.o TUE permite abarcar qualquer violação grave e persistente de um valor que conste do artigo 2.o TUE, ao passo que o regulamento impugnado só autoriza o exame das violações dos princípios do Estado de direito mencionados no seu artigo 2.o, alínea a), se existirem motivos razoáveis para considerar que têm impacto orçamental.

175. Quanto às condições de instauração dos dois processos, importa salientar que o procedimento previsto no artigo 7.o TUE pode ser iniciado, nos termos do seu n.o 1, quando exista um risco manifesto de uma violação grave por parte de um Estado‑Membro dos valores que constam do artigo 2.o TUE, pertencendo o direito de iniciativa a um terço dos Estados‑Membros, ao Parlamento ou à Comissão, sendo o limiar inicialmente exigido o de um risco manifesto de uma violação grave dos valores que constam do artigo 2.o TUE e em seguida, relativamente à suspensão, nos termos do artigo 7.o, n.os 2 e 3, TUE, de determinados direitos que decorrem da aplicação dos Tratados ao Estado‑Membro em causa, de uma sua violação grave e persistente desses valores. Em contrapartida, o procedimento instituído pelo regulamento impugnado pode ser iniciado apenas pela Comissão, quando existam motivos razoáveis para considerar não só que ocorreram violações dos princípios do Estado de direito num Estado‑Membro mas também, e sobretudo, que essas violações afetam ou apresentem um risco sério de afetar, de forma suficientemente direta, a boa gestão financeira do orçamento da União ou a proteção dos seus interesses financeiros.

176. Por outro lado, a única condição material exigida para a adoção de medidas nos termos do artigo 7.o TUE reside na constatação, pelo Conselho Europeu, da existência de uma violação grave e persistente por parte de um Estado‑Membro dos valores que constam do artigo 2.o TUE. Em contrapartida, como se salientou no n.o 147 do presente acórdão, segundo o artigo 4.o, n.os 1 e 2, do regulamento impugnado, só podem ser tomadas medidas ao abrigo deste regulamento quando estiverem preenchidas duas condições. Por um lado, deve ser demonstrado que uma violação dos princípios do Estado de direito por parte de um Estado‑Membro diz respeito, pelo menos, a uma das situações ou a uma das condutas das autoridades a que se refere esse n.o 2, na medida em que sejam relevantes para a boa gestão financeira do orçamento da União ou para a proteção dos seus interesses financeiros. Por outro lado, também se deve demonstrar que essas violações afetam ou apresentam um risco sério de afetar, de forma suficientemente direta, essa boa gestão financeira ou esses interesses financeiros, implicando, assim, esta condição uma relação efetiva entre essas violações e essa afetação ou esse risco sério de afetação.

177. Quanto à natureza das medidas que podem ser adotadas com base no artigo 7.o, n.o 3, TUE, estas consistem na suspensão de «alguns dos direitos decorrentes da aplicação dos Tratados ao Estado‑Membro em causa, incluindo o direito de voto do representante do Governo desse Estado‑Membro no Conselho», e podem, portanto, incidir sobre qualquer direito decorrente da aplicação dos Tratados ao Estado‑Membro em questão. Em contrapartida, as medidas que podem ser adotadas nos termos do regulamento impugnado estão, por seu turno, limitadas às enumeradas no seu artigo 5.o, n.o 1, e resumidas no n.o 112 do presente acórdão, que são todas de natureza orçamental.

178. Por último, o artigo 7.o TUE só prevê a alteração e o levantamento das medidas adotadas para responder a alterações da situação que levou à sua adoção. Em contrapartida, o artigo 7.o, n.o 2, segundo e terceiro parágrafos, do regulamento impugnado subordina o levantamento e a alteração das medidas adotadas às condições de adoção das medidas referidas no artigo 4.o deste regulamento. Portanto, estas medidas podem ser levantadas ou alteradas não só no caso de ter sido posto termo, pelo menos em parte, às violações dos princípios do Estado de direito no Estado‑Membro em causa, mas sobretudo no caso de essas violações, ainda que persistindo, deixarem de ter impacto no orçamento da União. Tal pode acontecer, nomeadamente, quando já não digam respeito, pelo menos, a uma das situações ou a uma das condutas das autoridades a que se refere o n.o 2 desse artigo, quando essas situações ou essas condutas deixarem de ter relevância para a boa gestão financeira do orçamento da União ou para a proteção dos seus interesses financeiros, quando a violação já não afete ou já não apresente um risco sério de afetar essa boa gestão ou interesses financeiros, ou quando a relação entre a violação de um princípio do Estado de direito e essa afetação deixe de ter caráter suficientemente direto.

179. Tendo em conta as considerações que precedem, há que concluir que o procedimento previsto no artigo 7.o TUE e o procedimento instituído pelo regulamento impugnado prosseguem finalidades diferentes e têm, cada um deles, um objeto claramente distinto.

180. Daqui resulta que, contrariamente ao que alega a Hungria, apoiada pela República da Polónia, não se pode considerar que o procedimento instituído pelo regulamento impugnado constitua um procedimento paralelo que elude o artigo 7.o TUE.

181. Segundo, no que respeita à argumentação da Hungria, apoiada pela República da Polónia, de que o regulamento impugnado viola o equilíbrio institucional, conforme estabelecido no artigo 7.o TUE e no artigo 13.o, n.o 2, TUE, por um lado, declarou‑se nos dois números anteriores do presente acórdão que o procedimento previsto no artigo 7.o TUE e o instituído pelo regulamento impugnado prosseguem finalidades diferentes e têm, cada um deles, um objeto distinto, de forma que não se pode considerar que o regulamento impugnado institua um procedimento paralelo que elude esta disposição.

182. Nestas condições, a Hungria, apoiada pela República da Polónia, não pode sustentar que o regulamento impugnado infringe o equilíbrio institucional estabelecido no artigo 7.o TUE.

183. Por outro lado, quanto aos requisitos do artigo 13.o, n.o 2, TUE, nos termos do qual «[c]ada instituição atua dentro dos limites das atribuições que lhe são conferidas pelos Tratados, de acordo com os procedimentos, condições e finalidades que estes estabelecem», resulta do artigo 6.o do regulamento impugnado que a Comissão conduz este procedimento e que o Conselho adota, se for caso disso, sob proposta da Comissão, uma decisão de execução que adote as medidas adequadas, esclarecendo‑se que, apesar da referência, no considerando 26 deste regulamento, ao Conselho Europeu, o referido artigo 6.o não lhe confere nenhum papel no âmbito do procedimento instituído pelo citado regulamento.

184. A este respeito, antes de mais, em conformidade com o artigo 317.o, primeiro parágrafo, TFUE, a Comissão executa o orçamento da União em cooperação com os Estados‑Membros, sob sua própria responsabilidade, de acordo com os princípios da boa gestão financeira, pelo que o seu papel no procedimento instituído pelo regulamento impugnado está em conformidade com as atribuições que lhe são conferidas por esta disposição.

185. Em seguida, como alegou com razão o Conselho, a intervenção deste último pode basear‑se no artigo 322.o, n.o 1, alínea a), e no artigo 291.o, n.o 2, TFUE, pelo que não viola a competência de que a Comissão é investida nos termos do artigo 317.o, primeiro parágrafo, TFUE.

186. Com efeito, por um lado, como se declarou no n.o 99 do presente acórdão, as regras financeiras que fixam «nomeadamente as modalidades relativas […] à execução do orçamento», na aceção do artigo 322.o, n.o 1, alínea a), TFUE, destinam‑se a regular todos os aspetos ligados à execução do orçamento da União abrangidos pelo título II da parte VI do Tratado FUE e, portanto, essa execução em sentido amplo.

187. Assim, o mecanismo de condicionalidade horizontal instituído pelo regulamento impugnado resulta de uma conceção da execução orçamental que excede a que, definida no artigo 2.o, n.o 7, do Regulamento Financeiro como sendo a realização das atividades ligadas à gestão, ao acompanhamento, ao controlo e à auditoria das dotações orçamentais, se enquadra, nos termos do artigo 317.o, primeiro parágrafo, TFUE, nas atribuições da Comissão em cooperação com os Estados‑Membros.

188. Por outro lado, o artigo 291.o, n.o 2, TFUE permite, em casos específicos devidamente justificados, conferir ao Conselho competências de execução quando sejam necessárias condições uniformes de execução de atos juridicamente vinculativos da União. A este respeito, resulta do artigo 6.o, n.os 9 a 11, do regulamento impugnado que as medidas suscetíveis de ser adotadas pelo Conselho nos termos deste regulamento são decisões de execução, esclarecendo o considerando 20 deste regulamento que essas competências de execução são atribuídas ao Conselho a fim de assegurar condições uniformes para a execução do referido regulamento, tendo em conta a importância dos efeitos financeiros dessas medidas.

189. Estes elementos bastam para considerar que a atribuição ao Conselho de uma competência para adotar as medidas adequadas previstas no artigo 5.o, n.o 1, do regulamento impugnado está devidamente justificada.

190. Por último, a falta de competência atribuída ao Conselho Europeu no âmbito do procedimento instituído no artigo 6.o do regulamento impugnado está em conformidade com as atribuições que lhe são conferidas pelo artigo 15.o, n.o 1, TUE, nos termos do qual o Conselho Europeu, sem exercer função legislativa, dá à União os impulsos necessários ao seu desenvolvimento e define as orientações e prioridades políticas gerais.

191. Embora seja verdade que o considerando 26 do regulamento impugnado prevê que o Conselho Europeu pode, a pedido do Estado‑Membro que é alvo do procedimento conduzido nos termos do artigo 6.o deste regulamento, debater a questão de saber se, no decurso desse procedimento, os princípios da objetividade, da não discriminação e da igualdade dos Estados‑Membros perante os Tratados são respeitados, basta salientar que essa intervenção, a título excecional, do Conselho Europeu não está prevista no referido artigo 6.o, nem em nenhuma outra disposição do referido regulamento. Nestas condições, tendo em conta que o preâmbulo de um ato da União não tem valor vinculativo (v., neste sentido, Acórdão de 19 de dezembro de 2019, Puppinck e o./Comissão, C‑418/18 P, EU:C:2019:1113, n.o 76 e jurisprudência referida), este considerando 26 não poderá ser invocado para derrogar as próprias disposições do regulamento impugnado, nem para interpretar essas disposições em sentido contrário ao da sua redação.

192. Terceiro, na medida em que a Hungria, apoiada pela República da Polónia, alega que o Tribunal de Justiça será chamado a apreciar, no âmbito da fiscalização jurisdicional de uma decisão adotada pelo Conselho, nos termos do artigo 6.o, n.o 10, do regulamento impugnado, a existência de violações dos princípios do Estado de direito num Estado‑Membro, e considera que a competência que lhe é assim atribuída constitui uma violação do artigo 13.o, n.o 2, TUE e do artigo 269.o TFUE, importa salientar que este último artigo visa apenas, segundo a sua redação, a fiscalização da legalidade de um ato adotado pelo Conselho Europeu ou pelo Conselho, nos termos do artigo 7.o TUE.

193. Nestas condições, e tendo em conta as declarações efetuadas nos n.os 179 e 180 do presente acórdão, a fiscalização da legalidade que o Tribunal de Justiça pode ser chamado a realizar, especialmente no âmbito de um recurso de anulação interposto com base no artigo 263.o TFUE, sobre decisões do Conselho, adotadas nos termos do artigo 6.o, n.o 10, do regulamento impugnado, não se enquadra no âmbito de aplicação do artigo 269.o TFUE, e, por conseguinte, não está sujeita às regras específicas previstas neste último.

194. Daqui resulta que o regulamento impugnado não atribui nenhuma nova competência ao Tribunal de Justiça.

195. Por último, declarou‑se no n.o 165 do presente acórdão que, por um lado, o regulamento impugnado só permite às instituições da União proceder a um exame de situações nos Estados‑Membros na medida em que estas sejam relevantes para a boa gestão financeira do orçamento da União ou para a proteção dos seus interesses financeiros e, por outro, só podem ser adotadas medidas adequadas nos termos deste regulamento quando se demonstre que essas situações comportam uma violação de um dos princípios do Estado de direito que afeta ou apresenta um risco sério de afetar, de forma suficientemente direta, essa boa gestão financeira ou a proteção desses interesses financeiros

196. Ora, uma vez que tais situações se reportam à execução do orçamento da União e estão, assim, abrangidas pelo âmbito de aplicação do direito da União, a Hungria, apoiada pela República da Polónia, não pode alegar que o Tribunal de Justiça não tem competência para examinar as apreciações do Conselho que constam das decisões adotadas nos termos do artigo 6.o, n.o 10, do regulamento impugnado.

197. Daqui resulta que as alegações da Hungria, apoiada pela República da Polónia, relativas à elusão do artigo 7.o TUE e do artigo 269.o TFUE, devem ser julgadas improcedentes.

198. Resulta das considerações anteriores que o primeiro e segundo fundamentos devem ser julgados improcedentes.

2.      Quanto ao terceiro fundamento, relativo à violação do princípio da segurança jurídica

a)      Argumentação das partes

199. Com o terceiro fundamento, a Hungria, apoiada pela República da Polónia, alega que o regulamento impugnado viola os princípios da segurança jurídica e da clareza das normas, reconhecidos como princípios gerais do direito da União, uma vez que os conceitos que constam desse regulamento, com base nos quais se pode constatar que um Estado‑Membro violou os princípios do Estado de direito, não são objeto de uma definição uniforme nos Estados‑Membros. Considera que o conceito de «Estado de direito», conforme definido no artigo 2.o, alínea a), do referido regulamento, revela graves incertezas conceptuais e graves incoerências que podem pôr em perigo a interpretação dos valores da União e conduzir a uma aplicação do próprio regulamento que seria contrária a esses valores.

200. Em primeiro lugar, a Hungria afirma que o Estado de direito é um ideal ou, quando muito, um ponto de orientação, que nunca é plenamente alcançado e cujo respeito deve, por conseguinte, ser apreciado em termos relativos, uma vez que nenhum Estado pode pretender aderir‑lhe de forma perfeita. Esse ideal, que caracteriza a democracia moderna, desenvolveu‑se segundo um encaminhamento complexo ao longo dos séculos, conduzindo, como resulta do estudo n.o 512/2009, de 28 de março de 2011, da Comissão de Veneza, com o título «Relatório sobre a Preeminência do Direito», a uma conceção complexa que escapa a uma definição precisa e cuja substância está em constante evolução.

201. Esta conceção do Estado de direito também resulta do estudo n.o 711/2013, de 18 de março de 2016, da Comissão de Veneza que estabelece uma «lista dos critérios do Estado de direito», estudo a que, de resto, o considerando 16 do regulamento impugnado faz referência. Com efeito, segundo os n.os 12 e 18 desse estudo, os elementos essenciais do conceito de «Estado de direito» não definem este conceito e são, eles próprios, categorias teóricas e princípios que podem ser subdivididos, por sua vez, em vários outros princípios. Além disso, resulta dos n.os 29 e 30 do referido estudo que os critérios do Estado de direito que define não são exaustivos e não podem ser transformados em regras.

202. A este respeito, a Hungria recorda que, nos termos do artigo 4.o, n.o 2, TUE, a União respeita a identidade nacional dos Estados‑Membros, refletida nas estruturas políticas e constitucionais fundamentais de cada um deles. Ora, o mecanismo implementado pelo regulamento impugnado não é conforme com esta garantia fundamental, uma vez que o procedimento estabelecido por este regulamento permite examinar a legislação ou a prática de um Estado‑Membro, mesmo quando esta não se enquadra no âmbito de aplicação do direito da União.

203. As incertezas conceptuais que afetam o conceito de «Estado de direito» são ainda agravadas pelo facto de os representantes da Comissão terem indicado várias vezes que as conclusões sobre o Estado de direito que constam do relatório anual da Comissão seriam utilizadas no âmbito da aplicação do regulamento impugnado, apesar de este regulamento não conter nenhuma referência a esse relatório. Por outro lado, a Comissão examinou no referido relatório a aplicação das exigências do Estado de direito em domínios que não correspondem nem aos conceitos utilizados no regulamento impugnado em relação com os princípios do Estado de direito nem à lista dos critérios do Estado de direito identificados pela Comissão de Veneza no seu estudo mencionado no n.o 201 do presente acórdão.

204. A Hungria considera que a Comissão tem uma perceção dos elementos constitutivos do Estado de direito diferente da Comissão de Veneza e de que procedem os conceitos que constam do regulamento impugnado, pelo que a aplicação deste regulamento por esta instituição pode tornar‑se imprevisível ao ponto de ser incompatível com o princípio da segurança jurídica, o qual constitui, ele próprio, um aspeto do Estado de direito.

205. Em segundo lugar, a Hungria, apoiada pela República da Polónia, considera que o legislador da União tentou, em vão, no artigo 2.o, alínea a), do regulamento impugnado, explicitar os elementos constitutivos do conceito de «Estado de direito». Com efeito, esta disposição limita‑se a reproduzir elementos paralelos que constam do artigo 2.o TUE e que apresentam o mesmo nível de abstração, como o respeito dos direitos fundamentais, a proibição de qualquer discriminação e o princípio da tutela jurisdicional efetiva, que são igualmente garantidos distintamente nos Tratados. Esta circunstância confirma, assim, o facto de os valores do artigo 2.o TUE inspirarem a cooperação política na União, mas não terem conteúdo jurídico próprio. Ao definir o conceito de «Estado de direito» numa regulamentação setorial e ao permitir assim que outros atos de direito derivado recorram a uma conceção diferente deste conceito, o legislador da União desvirtua a sua interpretação como valor comum da União, conforme definido pela comunidade dos Estados‑Membros nos termos do artigo 2.o TUE.

206. Além disso, após ter definido, no seu artigo 2.o, alínea a), o conceito de «Estado de direito», o regulamento impugnado apresenta, no seu artigo 3.o, a título indicativo, casos de «violações dos princípios do Estado de direito» que, na realidade, têm apenas uma relação marginal com a definição deste conceito. Do mesmo modo, a relação entre, por um lado, o artigo 4.o, n.o 2, do referido regulamento, que esclarece as situações e as condutas sobre as quais devem incidir as violações desses princípios, e, por outro, os conceitos de «Estado de direito» e de «princípios do Estado de direito» não é claramente determinável. Assim, o exame conjunto dos casos de violação dos princípios do Estado de direito, que constam a título indicativo do artigo 3.o do regulamento impugnado, com a definição do conceito de «Estado de direito», que consta do seu artigo 2.o, alínea a), não permite excluir que situações que não estão ligadas à boa gestão dos recursos do orçamento da União sejam objeto de sanções.

207. A Hungria, apoiada pela República da Polónia, alega que o facto de as autoridades públicas adotarem um comportamento baseado no direito, desprovido de arbitrariedade e suscetível de ser objeto de recurso para um órgão jurisdicional cumpre os elementos constitutivos do Estado de direito. Considera, em contrapartida, que «o facto de não prevenirem […] [a suspensão de] recursos financeiros e humanos que afetam o correto funcionamento dessas autoridades [públicas]», «[ou de não se assegurar a ausência de conflitos de interesses]», ou ainda «o facto de não prevenir […] as decisões […] ilegais», referidos no artigo 3.o, alínea b), do regulamento impugnado, apresentam apenas uma relação afastada e indireta com o conceito de «Estado de direito», implicando uma rutura da relação entre a finalidade e o conteúdo dessa norma. Ora, se o legislador da União tivesse pretendido penalizar essas deficiências, que são essencialmente de natureza administrativa, por afetarem o orçamento da União, poderia tê‑las sancionado sem recorrer a esse conceito.

208. Em terceiro lugar, a Hungria salienta que resulta de um estudo realizado pelo Parlamento, em 2015, com o título «The General Principles of EU Administrative Procedural Law» (Princípios Gerais do Direito do Procedimento Administrativo da União Europeia), que o conceito de «Estado de direito» é de tal modo geral que o seu conteúdo preciso só pode ser estabelecido pelos seus elementos constitutivos, de entre os quais consta o princípio da segurança jurídica, que exige que as regras de direito sejam claras, precisas e previsíveis nos seus efeitos, para que os interessados se possam orientar nas situações e relações jurídicas abrangidas pela ordem jurídica da União. Por conseguinte, estes requisitos também devem ser respeitados quando é instituído um mecanismo sancionatório por incumprimentos do Estado de direito.

209. Ora, além da divergência entre o conceito de «Estado de direito» e os «princípios do Estado de direito», o regulamento impugnado refere‑se, no seu artigo 3.o e no seu artigo 4.o, n.o 2, a expressões que não define de forma suficientemente precisa para que seja possível antecipar as condições em que se pode verificar uma violação dos princípios do Estado de direito. É o caso do «correto funcionamento [das autoridades]», da «fiscalização jurisdicional efetiva por tribunais independentes […] das autoridades», da «cooperação eficaz e em tempo útil com o OLAF» e «outras situações ou condutas, por parte das autoridades que são pertinentes […]». Assim, foi concedida à Comissão e ao Conselho uma margem de apreciação tão ampla que é incompatível com um procedimento suscetível de conduzir a sanções.

210. Em conformidade com jurisprudência constante dos órgãos jurisdicionais da União, a legislação da União deve ser certa e a sua aplicação previsível para os particulares, impondo‑se este imperativo com especial rigor no caso de uma regulamentação suscetível de comportar consequências financeiras, a fim de permitir aos interessados conhecer com exatidão o alcance das obrigações que ela lhes impõe. Este imperativo estende‑se à previsibilidade dos meios de prova e dos métodos utilizados nos processos sancionatórios.

211. A Hungria afirma que o princípio da segurança jurídica não se opõe, efetivamente, a que a lei regulamente uma questão de forma geral e abstrata, cabendo, então, aos órgãos jurisdicionais, aquando da sua aplicação, proceder à sua interpretação. No entanto, considera que, tendo em conta a obrigação de «proteger» a identidade nacional dos Estados‑Membros, o Estado de direito e os princípios do Estado de direito devem poder ser objeto de uma apreciação diferente em cada um dos Estados‑Membros, tanto mais que as instituições da União nem sempre apreciam de maneira uniforme as diferentes situações jurídicas. Ora, um elemento fundamental do Estado de direito e da segurança jurídica consiste no facto de o direito dever ser formulado de tal modo que as situações semelhantes sejam tratadas de modo semelhante. Devido às deficiências conceptuais do regulamento impugnado e à impossibilidade de definir o conceito de «Estado de direito» com precisão, este regulamento não satisfaz este requisito de base de uma aplicação uniforme da lei.

212. A Hungria refere, a título exemplificativo, que a Comissão não considerou, nos seus relatórios anuais sobre o Estado de direito, como sendo constitutivo de um abuso o facto de o Ministério Público poder, em determinados Estados‑Membros, receber instruções do executivo, ao passo que o Tribunal de Justiça expressou sérias preocupações a este respeito em processos em que estava em causa a execução de um mandado de detenção europeu. Assim, é difícil determinar se, em tais casos, está ou não cumprido o requisito do correto funcionamento das autoridades encarregadas da ação penal. Quanto ao grau exigido de cooperação com o OLAF, este Estado‑Membro pergunta, antes de mais, se pode ser medido em relação aos procedimentos instaurados com base nas recomendações do OLAF, em seguida, se, para dar cumprimento ao regulamento impugnado, há que fixar uma percentagem de procedimentos penais com base nessas recomendações e, por último, se, para atingir esse limite, importa que se possam dar instruções ao Ministério Público em processos individuais, mesmo quando a existência de tais instruções permita questionar a imparcialidade e a legalidade dos procedimentos penais e a independência do Ministério Público. A Hungria também salienta que um limiar de condenações com base nessas recomendações levanta dúvidas sobre a independência do poder judicial. Tendo em conta estas interrogações, a Hungria receia que se possa verificar uma contradição entre as condições examinadas pela Comissão no âmbito do mecanismo instituído pelo regulamento impugnado, por um lado, e os requisitos fundamentais impostos pelo Tribunal de Justiça e pelas disposições constitucionais nacionais, por outro.

213. Em quarto lugar, a Hungria, apoiada pela República da Polónia, alega que determinadas disposições do regulamento impugnado violam o princípio da segurança jurídica e que essas violações devem ter como consequência a anulação integral deste regulamento.

214. Primeiro, o artigo 4.o, n.o 1, do regulamento impugnado, uma vez que autoriza a adoção de medidas sempre que [as violações dos princípios do Estado de direito] sejam «seriamente suscetíveis» de afetar o orçamento da União, permite a adoção de sanções em situações incertas ou não demonstradas. Com efeito, na falta de afetação concreta desse orçamento, a aplicação de sanções é arbitrária e viola o princípio da segurança jurídica, sendo então impossível a determinação objetiva, técnica e factual pela Comissão das condições de adoção de medidas. Nessa situação, os únicos critérios objetivos que justificam a adoção de medidas são a gravidade e a natureza da violação do Estado de direito, o que, no entanto, é incompatível com a base jurídica do regulamento impugnado.

215. Segundo, é contrário ao princípio da segurança jurídica, segundo o qual uma norma que permite a adoção de sanções deve enumerar de forma precisa e exaustiva os comportamentos passíveis de sanções, o facto de o artigo 4.o, n.o 2, do regulamento impugnado permitir, na sua alínea h), além dos casos referidos nas alíneas a) a g), a adoção de medidas perante «outras situações ou condutas, por parte das autoridades», que não são definidas de outro modo. A única especificidade desta alínea h), em relação ao conteúdo do artigo 4.o, n.o 1, deste regulamento, é indicar que a situação ou a conduta punível deve ser imputável a «autoridades», mas, contrariamente a outras disposições do referido regulamento, não acrescenta precisão alguma quanto à natureza dessas «autoridades». Por conseguinte, este conceito pode abranger qualquer grupo de indivíduos com responsabilidades oficiais num determinado domínio de atividade, uma vez que, segundo jurisprudência constante, o conceito de «autoridade» é entendido em sentido amplo nos diferentes atos de direito da União.

216. Além disso, não resulta claramente da comparação entre as versões em língua inglesa, francesa e alemã do regulamento impugnado que, na expressão «andere Umstände oder Verhaltensweisen von Behörden», «other situations or conduct of authorities» ou «autres situations ou comportements des autorités», a palavra «situações» está ou não ligada à palavra «autoridades». É certo que, à primeira vista, a expressão «Umstände von Behörden», «situations of authorities» ou «situations des autorités» não parece ter sentido, mas a versão desta disposição em língua húngara vincula a palavra «situação» à de «autoridades», pelo que a referida disposição não cumpre o requisito de clareza da norma.

217. A Hungria deduz daí que a alínea h) do artigo 4.o, n.o 2, do regulamento impugnado priva de sentido a enumeração constante das alíneas a) a g) desta disposição, conferindo‑lhe caráter não exaustivo, que é incompatível com o princípio da segurança jurídica.

218. Terceiro, o artigo 5.o, n.o 3, terceiro período, do regulamento impugnado, na medida em que se limita a prever que as medidas a adotar devem ter em conta a natureza, a duração, a gravidade e o alcance das violações dos princípios do Estado de direito, sem definir com precisão a natureza e o alcance dessas medidas, também viola o princípio da segurança jurídica. Com efeito, esta disposição não fixa nenhum critério concreto para apreciar o caráter justificado, necessário ou proporcionado de uma medida nem esclarece o tipo de violação dos princípios do Estado de direito que pode servir de base para determinar a natureza e o alcance de uma medida sancionatória.

219. Quarto, a Hungria considera que o artigo 5.o, n.o 3, último período, do regulamento impugnado, na medida em que indica que as medidas a adotar devem visar, «na medida do possível», as ações da União afetadas pelas violações, não permite garantir a existência de uma relação direta entre a constatada violação dos princípios do Estado de direito e a adoção das medidas de proteção do orçamento da União. Esta disposição torna assim possível a adoção de medidas relacionadas com um programa da União com o qual a constatada violação dos princípios do Estado de direito não tem nenhuma relação efetiva, o que viola, além do princípio da proporcionalidade, o princípio da segurança jurídica. Além disso, esta violação confirma o facto de o regulamento impugnado não ser um instrumento de proteção do orçamento da União, mas de sanção do Estado de direito não abrangida pela base jurídica do artigo 322.o, n.o 1, alínea a), TFUE.

220. Quinto, o artigo 6.o, n.os 3 e 8, do regulamento impugnado, na medida em que permite à Comissão ter em conta, nas diferentes etapas da avaliação que lhe incumbe, «as informações pertinentes provenientes das fontes disponíveis, incluindo as decisões, conclusões e recomendações das instituições da União, de outras organizações internacionais pertinentes e de outras instituições reconhecidas», não define de forma suficientemente precisa as fontes de informação admissíveis neste âmbito, uma vez que não revela em que base a Comissão deve examinar e apreciar a existência ou o risco de uma violação dos princípios do Estado de direito.

221. O Parlamento e o Conselho, apoiados pelo Reino da Bélgica, pelo Reino da Dinamarca, pela República Federal da Alemanha, pela Irlanda, pelo Reino de Espanha, pela República Francesa, pelo Grão‑Ducado do Luxemburgo, pelo Reino dos Países Baixos, pela República da Finlândia, pelo Reino da Suécia e pela Comissão, contestam esta argumentação.

b)      Apreciação do Tribunal de Justiça

222. Com o terceiro fundamento, a Hungria, apoiada pela República da Polónia, alega, em substância, em primeiro lugar, que o conceito de «Estado de direito» não se presta a uma definição precisa e não pode ser objeto de uma interpretação uniforme, devido ao dever de respeitar a identidade nacional de cada um dos Estados‑Membros. O artigo 2.o, alínea a), do regulamento impugnado inclui valores paralelos que constam do artigo 2.o TUE, com o mesmo nível de abstração, que também são garantidos distintamente nos Tratados, confirmando assim que esses valores são de natureza política e não jurídica. Além disso, ao definir o conceito de «Estado de direito» numa regulamentação setorial, o legislador da União inviabiliza a interpretação deste conceito enquanto valor comum da União. Em segundo lugar, a relação entre o artigo 2.o, alínea a), o artigo 3.o, e o artigo 4.o, n.o 2, do regulamento impugnado não é claramente determinável e a sua aplicação conjunta não permite excluir que situações que não estão relacionadas com a boa gestão financeira dos recursos do orçamento da União ou com a proteção dos seus interesses financeiros sejam objeto de sanções. Do mesmo modo, os termos utilizados no artigo 3.o, alínea b), deste regulamento apenas apresentam uma relação afastada com o conceito de «Estado de direito», o que implica uma rutura da relação entre a finalidade e o conteúdo dessa norma. Em terceiro lugar, o referido regulamento refere‑se, no seu artigo 3.o e no seu artigo 4.o, n.o 2, a expressões demasiado imprecisas para permitir antecipar os requisitos com base nos quais pode ser demonstrada uma violação dos princípios do Estado de direito. Por este facto, a Comissão e o Conselho dispõem de uma margem de apreciação excessiva no âmbito de um procedimento suscetível de conduzir a sanções. Em quarto lugar, o conceito de «seriamente suscetível» utilizado no artigo 4.o, n.o 1, do mesmo regulamento leva à existência de uma presunção que não permite estabelecer nenhuma relação, do ponto de vista jurídico, entre o Estado de direito e uma afetação do orçamento da União ou dos seus interesses financeiros, e que permite, portanto, aplicar sanções em situações em que essa afetação não está demonstrada. Acresce que, o artigo 4.o, n.o 2, alínea h), do regulamento impugnado está redigido em termos pouco claros e a lista elaborada por este n.o 2 não é exaustiva, quando serve de fundamento à adoção de sanções. Em quinto lugar, o artigo 5.o, n.o 3, terceiro período, deste regulamento não define suficientemente a natureza e o alcance das medidas que podem ser adotadas. Em sexto lugar, a expressão «na medida do possível» que consta do artigo 5.o, n.o 3, quarto período, do referido regulamento quebra a relação entre a violação que foi constatada e a adoção de medidas de proteção. Em sétimo lugar, o artigo 6.o, n.os 3 a 8, do mesmo regulamento não define de forma suficientemente precisa as fontes de informação em que a Comissão se pode apoiar.

223. Segundo jurisprudência constante do Tribunal de Justiça, o princípio da segurança jurídica exige, por um lado, que as regras jurídicas sejam claras e precisas e, por outro, que a sua aplicação seja previsível para os particulares, em especial quando possam ter consequências desfavoráveis. O referido princípio exige, nomeadamente, que uma regulamentação permita aos interessados conhecer com exatidão a extensão das obrigações que lhes impõe e que estes possam conhecer sem ambiguidade os seus direitos e obrigações e agir em conformidade (Acórdão de 29 de abril de 2021, Banco de Portugal e o., C‑504/19, EU:C:2021:335, n.o 51 e jurisprudência referida).

224. No entanto, estes requisitos não podem ser interpretados no sentido de que se opõem a que o legislador da União, no âmbito de uma norma que adota, utilize um conceito jurídico abstrato, nem no sentido de que impõe que essa norma abstrata refira as diferentes hipóteses concretas em que é suscetível de ser aplicada, na medida em que o legislador não pode determinar antecipadamente todas essas hipóteses (v., por analogia, Acórdão de 20 de julho de 2017, Marco Tronchetti Provera e o., C‑206/16, EU:C:2017:572, n.os 39 e 40).

225. Consequentemente, o facto de uma lei conferir um poder de apreciação às autoridades responsáveis pela sua implementação não viola, em si mesmo, a exigência de previsibilidade, desde que o alcance e as modalidades de exercício desse poder se encontrem definidos com clareza suficiente, tendo em conta o fim legítimo em jogo, para fornecer uma proteção adequada contra o arbitrário (v., neste sentido, Acórdãos de 17 de junho de 2010, Lafarge/Comissão, C‑413/08 P, EU:C:2010:346, n.o 94, e de 18 de julho de 2013, Schindler Holding e o./Comissão, C‑501/11 P, EU:C:2013:522, n.o 57).

226. É à luz destas considerações que há que apreciar os argumentos invocados pela Hungria, apoiada pela República da Polónia, como base do seu fundamento relativo a uma violação do princípio da segurança jurídica, examinando, em primeiro lugar, os relativos ao facto de o conceito de «Estado de direito» escapar a qualquer definição precisa e não poder ser objeto de uma interpretação uniforme, em razão da obrigação de «proteger» a identidade nacional de cada um dos Estados‑Membros, os relativos ao facto de o conceito de Estado de direito definido no artigo 2.o, alínea a), do regulamento impugnado incluir outros valores além dos que constam do artigo 2.o TUE, valores que são na íntegra de natureza política, e não jurídica, e os relativos ao facto de esta última disposição ter o efeito de inviabilizar a interpretação do conceito de «Estado de direito» como valor comum da União.

227. A este respeito, primeiro, o artigo 2.o, alínea a), do regulamento impugnado não visa definir de forma exaustiva esse conceito, limitando‑se a especificar, apenas para efeitos desse regulamento, alguns dos princípios que este inclui e que são, segundo o legislador da União, os mais relevantes tendo em conta o objeto do referido regulamento, que consiste em assegurar a proteção do orçamento da União.

228. Segundo, como foi esclarecido no n.o 136 do presente acórdão, o conceito de «Estado de direito» referido no artigo 2.o, alínea a), do regulamento impugnado deve ser entendido como sendo «o valor da União consagrado no artigo 2.o [TUE]», uma vez que este conceito abrange os princípios mencionados no referido artigo 2.o, alínea a). Daqui resulta que esta disposição não tem por efeito inviabilizar a interpretação do conceito de «Estado de direito» como valor comum da União, como decorre do artigo 2.o TUE.

229. Terceiro, ao contrário do que alega a Hungria, apoiada pela República da Polónia, os princípios enunciados no artigo 2.o, alínea a), do regulamento impugnado não excedem os limites do conceito de «Estado de direito». Especialmente, a referência à proteção dos direitos fundamentais só é efetuada a título de ilustração dos requisitos do princípio da tutela jurisdicional efetiva, também garantida no artigo 19.o TUE, e que a própria Hungria reconhece que faz parte deste conceito. O mesmo se diga da referência ao princípio da não discriminação. Com efeito, embora o artigo 2.o TUE mencione de forma distinta o Estado de direito como valor comum aos Estados‑Membros e o princípio da não discriminação, há que concluir que não se pode considerar que um Estado‑Membro cuja sociedade seja caracterizada pela discriminação assegura o respeito do Estado de direito, na aceção desse valor comum.

230. Esta conclusão é corroborada pelo facto de, no estudo mencionado no n.o 201 do presente acórdão e ao qual faz referência o considerando 16 do regulamento impugnado, a Comissão de Veneza ter referido, nomeadamente, que o conceito de «Estado de direito» assenta num direito seguro e previsível, no qual todas as pessoa têm o direito de ser tratadas pelos decisores de forma digna, igual e racional, no respeito do direito existente, e de dispor de vias de recurso para impugnar as decisões em tribunais independentes e imparciais, segundo um processo equitativo. Ora, estas características estão especificamente refletidas no artigo 2.o, alínea a), deste regulamento.

231. Quarto, a obrigação relativa ao respeito do Estado de direito e cuja violação é suscetível de se enquadrar no mecanismo de condicionalidade horizontal instituído pelo artigo 4.o, n.o 1, do regulamento impugnado, lido à luz dos princípios enunciados no artigo 2.o, alínea a), deste regulamento, constitui uma expressão específica dos requisitos que resultam, para os Estados‑Membros, do facto de pertencerem à União, nos termos do artigo 2.o TUE. Com efeito, esta é uma obrigação de resultado que, como se recordou nos n.os 124 a 127 do presente acórdão, decorre diretamente dos compromissos assumidos pelos Estados‑Membros entre si e para com a União.

232. A este respeito, importa recordar que o artigo 2.o TUE não constitui uma simples enunciação de orientações ou intenções de natureza política, mas contém valores que se enquadram, como se salientou no n.o 127 do presente acórdão, na própria identidade da União enquanto ordem jurídica comum, valores que são concretizados em princípios que contêm obrigações juridicamente vinculativas para os Estados‑Membros.

233. Ora, ainda que, como resulta do artigo 4.o, n.o 2, TUE, a União respeite a identidade nacional dos Estados‑Membros, inerente às suas estruturas políticas e constitucionais fundamentais, de modo que esses Estados dispõem de uma certa margem de apreciação para assegurar a aplicação dos princípios do Estado de direito, daí não decorre de forma alguma que essa obrigação de resultado possa variar de um Estado‑Membro para outro.

234. Com efeito, embora disponham de identidades nacionais distintas, inerentes às suas estruturas políticas e constitucionais fundamentais, que a União respeita, os Estados‑Membros aderem a um conceito de «Estado de direito» que partilham, enquanto valor comum às suas próprias tradições constitucionais, e que se comprometeram a respeitar de modo contínuo.

235. Portanto, e não obstante a circunstância de a Comissão e o Conselho deverem efetuar as suas apreciações tendo devidamente em conta as circunstâncias e os contextos específicos de cada procedimento conduzido ao abrigo do regulamento impugnado e, particularmente, tendo em conta as especificidades do sistema jurídico do Estado‑Membro em causa e a margem de apreciação de que este Estado‑Membro dispõe para assegurar a aplicação dos princípios do Estado de direito, este requisito não é de modo algum incompatível com a aplicação de critérios de apreciação uniformes.

236. Em seguida, embora seja verdade que o artigo 2.o, alínea a), do regulamento impugnado não detalha os princípios do Estado de direito que refere, não é menos certo que o considerando 3 deste regulamento recorda que os princípios da legalidade, da segurança jurídica, da proibição da arbitrariedade do poder executivo, da tutela jurisdicional efetiva e da separação de poderes, elencados nesta disposição, foram objeto de jurisprudência abundante do Tribunal de Justiça. O mesmo se diga dos princípios da igualdade perante a lei e da não discriminação, que também daí constam, como resulta nomeadamente dos n.os 94 e 98 do Acórdão de 3 de junho de 2021, Hungria/Parlamento (C‑650/18, EU:C:2021:426), e dos n.os 57 e 58 do Acórdão de 2 de setembro de 2021, État belge (Direito de residência em caso de violência doméstica) (C‑930/19, EU:C:2021:657).

237. Estes princípios do Estado de direito, conforme desenvolvidos com fundamento nos Tratados da União na jurisprudência do Tribunal de Justiça, são assim reconhecidos e especificados na ordem jurídica da União e têm a sua origem em valores comuns reconhecidos e aplicados igualmente pelos Estados‑Membros nas suas próprias ordens jurídicas.

238. Além disso, os considerandos 8 a 10 e 12 do regulamento impugnado referem os principais requisitos que decorrem destes princípios. Particularmente, estes considerandos salientam os casos que podem ser indicativos de violações dos princípios do Estado de direito, que constam do artigo 3.o deste regulamento, e as situações e as condutas que devem dizer respeito a essas violações, descritas no artigo 4.o, n.o 2, do referido regulamento, para poderem justificar a adoção de medidas adequadas, na aceção do artigo 4.o, n.o 1, do mesmo regulamento.

239. Por último, as apreciações da Comissão e do Conselho estão sujeitas aos requisitos processuais especificados no artigo 6.o, n.os 1 a 9, do regulamento impugnado. Estes requisitos implicam, especialmente, como refere o considerando 26 deste regulamento, que a Comissão se deve fundamentar em elementos concretos e respeitar os princípios da objetividade, da não discriminação e da igualdade dos Estados‑Membros perante os Tratados quando conduz procedimentos nos termos desta disposição. No que respeita à identificação e avaliação das violações dos princípios do Estado de direito, estes requisitos devem ser interpretados tendo em conta o considerando 16 do referido regulamento, segundo o qual essa avaliação deve ser objetiva, imparcial e equitativa.

240. Nestas condições, a Hungria não pode alegar que os Estados‑Membros não estão em condições de determinar com suficiente precisão o conteúdo essencial e os requisitos que decorrem de cada um dos princípios enumerados no artigo 2.o, alínea a), do regulamento impugnado nem que esses princípios são apenas de natureza política e que o controlo do seu cumprimento não é suscetível de ser objeto de uma apreciação estritamente jurídica.

241. Em segundo lugar, a Hungria, apoiada pela República da Polónia, alega que a relação entre o artigo 2.o, alínea a), o artigo 3.o e o artigo 4.o, n.o 2, do regulamento impugnado não é claramente determinável, que a aplicação conjunta destas disposições não permite excluir que situações que não estão relacionadas com a boa gestão dos recursos do orçamento da União sejam objeto de sanções e que os conceitos referidos no artigo 3.o, alínea b), deste regulamento apenas têm uma relação afastada com o conceito de «Estado de direito».

242. Antes de mais, a este respeito, salientou‑se nos n.os 136 a 138 e 147 do presente acórdão que o artigo 2.o, alínea a) do regulamento impugnado define esse conceito unicamente para os seus efeitos, no sentido de incluir os princípios da legalidade, da segurança jurídica, da proibição da arbitrariedade dos poderes executivos, da tutela jurisdicional efetiva, da separação de poderes, da não discriminação e da igualdade perante a lei, que o artigo 3.o deste regulamento, ao citar casos que podem ser indicativos de violações desses princípios, se destina a facilitar a aplicação do referido regulamento, explicando os requisitos inerentes a esses princípios e que o artigo 4.o do mesmo regulamento prevê, no seu n.o 2, o âmbito de aplicação do mecanismo de condicionalidade horizontal instituído no n.o 1 do regulamento, que exige que as violações dos princípios do Estado de direito digam respeito às situações ou condutas das autoridades enumeradas nas suas alíneas a) a h), na medida em que sejam relevantes para a boa gestão financeira do orçamento da União ou para a proteção dos seus interesses financeiros.

243. Decorre do que precede que o artigo 2.o, alínea a), o artigo 3.o e o artigo 4.o, n.o 2, do regulamento impugnado apresentam entre si uma relação suficientemente precisa tendo em conta o princípio da segurança jurídica.

244. Em seguida, contrariamente ao que alega a Hungria, apoiada pela República da Polónia, a aplicação conjunta destas disposições não implica de forma alguma que as situações que não estão relacionadas com a boa gestão dos recursos do orçamento da União possam ser objeto de medidas tomadas nos termos do artigo 4.o do regulamento impugnado. Com efeito, como se salientou no n.o 147 do presente acórdão, este artigo limita, no seu n.o 2, o âmbito de aplicação do mecanismo de condicionalidade horizontal apenas às situações e condutas das autoridades dos Estados‑Membros que sejam relevantes para a boa gestão financeira do orçamento da União ou para a proteção dos seus interesses financeiros e exige, no seu n.o 1, que seja estabelecida uma relação efetiva, em todos os casos, entre violações dos princípios do Estado de direito, por um lado, e afetações ou riscos sérios de afetação dessa boa gestão financeira ou da proteção desses interesses financeiros, por outro.

245. Por último, não podem ser acolhidas as alegações da Hungria, apoiada pela República da Polónia, segundo as quais as expressões «o facto de não prevenirem […] a [suspensão de] recursos financeiros e humanos de uma forma que afete o correto funcionamento dessas autoridades» ou de «não se assegurar a ausência de conflitos de interesses» ou ainda o «facto de não se prevenirem […] decisões […] ilegais», expostas no artigo 3.o, alínea b), do regulamento impugnado, apresentam apenas uma relação afastada e indireta com o conceito de «Estado de direito». Com efeito, conforme resulta dos considerandos 9 e 10 deste regulamento, essas situações podem levar à violação do princípio da proibição da arbitrariedade do poder executivo ou da tutela jurisdicional efetiva (v., neste sentido, Acórdãos de 18 de maio de 2021, Asociaţia «Forumul Judecătorilor din România» e o., C‑83/19, C‑127/19, C‑195/19, C‑291/19, C‑355/19 e C‑397/19, EU:C:2021:393, n.os 210 a 214, e de 21 de dezembro de 2021, Euro Box Promotion e o., C‑357/19, C‑379/19, C‑547/19, C‑811/19 e C‑840/19, EU:C:2021:1034, n.os 195 a 213).

246. Em terceiro lugar, a Hungria, apoiada pela República da Polónia, alega que o regulamento impugnado não é conforme com o princípio da segurança jurídica, na medida em que se refere, no seu artigo 3.o, e no seu artigo 4.o, n.o 2, a expressões demasiado imprecisas — como «[o] correto funcionamento [das autoridades]», «a fiscalização jurisdicional efetiva por tribunais independentes […] das autoridades», «a cooperação eficaz e em tempo útil com o OLAF» e «outras situações ou condutas, por parte das autoridades, que são pertinentes» — para poder antecipar as circunstâncias em que uma violação dos princípios do Estado de direito pode ser constatada e na medida em que atribui à Comissão e ao Conselho uma margem de apreciação excessiva a este respeito.

247. A Hungria, apoiada pela República da Polónia, também alega, no que respeita, especialmente, ao artigo 4.o, n.o 2, alínea h), do regulamento impugnado, que esta disposição é contrária às exigências do princípio da segurança jurídica. Com efeito, enquanto uma norma que institui uma sanção deve definir de forma precisa e exaustiva o comportamento repreensível visado, esta disposição viola este requisito porquanto prevê, sem as definir, «outras situações ou condutas, por parte das autoridades», que podem justificar a adoção de medidas. Além disso, a redação desta disposição não permite saber se o termo «situações» está ou não ligado ao de «autoridades». Por último, a falta de precisão do conceito de «autoridades» cria insegurança jurídica.

248. A este respeito, primeiro, quanto ao «correto funcionamento» das autoridades públicas, incluindo as de aplicação da lei, que executam o orçamento da União e responsáveis pelo controlo, fiscalização e auditoria financeiros, bem como pelos serviços de investigação e do Ministério Público, referidas no artigo 3.o, alínea b), e no artigo 4.o, n.o 2, alíneas a) a c), do regulamento impugnado, decorre dos considerandos 8 e 9 deste regulamento que essa expressão visa a capacidade dessas autoridades para exercerem adequadamente as suas funções relevantes para a boa gestão financeira do orçamento da União ou para a proteção dos seus interesses financeiros.

249. Segundo, o conceito de «fiscalização jurisdicional efetiva, por tribunais independentes», das ações ou omissões das autoridades que executam orçamento da União, ou das autoridades responsáveis pelo controlo, fiscalização e auditoria financeiros, ou ainda pelos serviços de investigação e do Ministério Público, referido no artigo 4.o, n.o 2, alínea d), do regulamento impugnado, é não só esclarecido nos considerandos 8 a 10 e 12 deste regulamento mas também foi objeto, conforme recordado nos n.os 132, 161 e 162 do presente acórdão, de jurisprudência abundante do Tribunal de Justiça, nos termos do artigo 19.o TUE e do artigo 47.o da Carta.

250. Terceiro, no que respeita à «cooperação eficaz e em tempo útil com o OLAF», há que salientar que a exigência dessa cooperação resulta da regulamentação financeira da União. Com efeito, o artigo 63.o, n.o 2, alínea d), do Regulamento Financeiro impõe aos Estados‑Membros, no âmbito da realização das tarefas relacionadas com a execução do orçamento, que tomem todas as medidas necessárias, incluindo medidas legislativas, regulamentares e administrativas, para proteger os interesses financeiros da União e, sobretudo, que cooperem, em conformidade com o presente regulamento e nos termos das regras setoriais, com o OLAF.

251. Este requisito de cooperação é especificado, nomeadamente, no artigo 129.o do Regulamento Financeiro e inclui o dever de conceder ao OLAF os direitos e o acesso necessários ao pleno exercício por este das suas competências, que incluem o direito de efetuar inquéritos, nomeadamente verificações e inspeções no local, em conformidade com o Regulamento n.o 883/2013. Além disso, resulta do artigo 131.o, n.o 1, do Regulamento Financeiro que, quando um processo de concessão pareça ter sofrido fraudes, a pessoa competente deve informar imediatamente o OLAF. Por último, podem deduzir‑se outros esclarecimentos sobre a cooperação exigida do artigo 57.o, do artigo 91.o, n.o 2, do artigo 132.o, n.o 2, do artigo 187.o, n.o 3, alínea b), ii), e do artigo 220.o, n.o 5, alínea c), do referido regulamento e do Regulamento n.o 883/2013.

252. Quarto, a expressão «outras situações ou condutas, por parte das autoridades», que consta do artigo 4.o, n.o 2, alínea h), do regulamento impugnado, deve ser interpretada tendo em conta o artigo 4.o, n.o 2, alíneas a) a g), e o artigo 4.o, n.o 1, deste regulamento.

253. A este respeito, decorre de uma leitura conjugada do artigo 4.o, n.o 1, e do artigo 4.o, n.o 2, alínea h), do regulamento impugnado que são adotadas medidas adequadas sempre que se determine que foi cometida uma violação de um dos princípios identificados no artigo 2.o, alínea a), deste regulamento e que diz respeito a uma situação imputável a uma autoridade de um Estado‑Membro ou uma conduta dessa autoridade, desde que essa situação ou essa conduta sejam pertinentes para a boa gestão financeira do orçamento da União ou para a proteção dos seus interesses financeiros, e que a referida violação afete ou seja seriamente suscetível de afetar, de forma suficientemente direta, essa boa gestão financeira ou esses interesses financeiros.

254. Ora, a aplicação do artigo 4.o, n.o 2, alínea h), do regulamento impugnado, conjugado com o seu artigo 4.o, n.o 1, não só está circunscrita por todos os critérios salientados no número anterior mas também está sujeita aos requisitos processuais recordados no n.o 239 do presente acórdão.

255. Por conseguinte, não se pode considerar que as «outras situações ou condutas, por parte das autoridades», referidas no artigo 4.o, n.o 2, alínea h), do regulamento impugnado, porque estão definidas em termos gerais e abstratos, tenham como consequência conferir um caráter não exaustivo à lista das violações dos princípios do Estado de direito que consta desse n.o 2.

256. Por outro lado, o artigo 4.o, n.o 2, do regulamento impugnado, na medida em que visa, nas suas alíneas a) a g), determinadas autoridades, entre as quais as «autoridades que executam o orçamento da União», as «autoridades responsáveis pelo controlo, fiscalização e auditoria financeiros» ou ainda as «autoridades administrativas», dá indicações sobre as autoridades a que se refere a sua alínea h).

257. Além disso, pode deduzir‑se da definição do conceito de «entidade pública» constante do artigo 2.o, alínea b), do regulamento impugnado que são visadas as autoridades públicas em qualquer nível de governo, incluindo as autoridades nacionais, regionais e locais, e os estabelecimentos de direito público, ou mesmo as entidades de direito privado investidas de uma missão de serviço público e dotadas de garantias financeiras suficientes pelo Estado‑Membro. Esta conclusão é corroborada pelos considerandos 3, 8, 9, 15 e 19 deste regulamento e pelo seu artigo 3.o, alínea b), que visam exclusivamente as «autoridades públicas», as «autoridades de aplicação da lei» e as «autoridades nacionais».

258. Por último, como foi esclarecido no n.o 164 do presente acórdão, o termo «situações» visa situações imputáveis a uma autoridade desse tipo.

259. Assim, tendo em atenção as considerações anteriores, a Hungria não pode alegar que as expressões criticadas do artigo 3.o e do artigo 4.o, n.o 2, do regulamento impugnado não permitem que um Estado‑Membro determine com suficiente certeza o seu alcance ou o seu sentido, a fim de lhe permitir antecipar as condições em que pode ser constatada uma violação dos princípios do Estado de direito na aceção do referido regulamento.

260. Quinto, à luz das considerações anteriores, segundo as quais as expressões referidas no n.o 246 do presente acórdão cumprem, enquanto tais, os requisitos do princípio da segurança jurídica, e dos fundamentos enunciados nos n.os 171 e 239 do presente acórdão, as objeções da Hungria, apoiada pela República da Polónia, relativas a uma alegada margem de apreciação demasiado ampla concedida à Comissão e ao Conselho por essas expressões devem ser julgadas improcedentes.

261. Em quarto lugar, a Hungria, apoiada pela República da Polónia, alega que o conceito de «suscetibilidade de afetação» que consta do artigo 4.o, n.o 1, do regulamento impugnado viola o princípio da segurança jurídica, na medida em que permite aplicar sanções arbitrárias em situações incertas ou não demonstradas. Com efeito, este conceito induz a existência de uma presunção, uma vez que não pode ser estabelecida nenhuma relação, de um ponto de vista jurídico, entre o Estado de direito e uma violação que afete o orçamento da União ou a proteção dos seus interesses financeiros, e devido à impossibilidade de proceder a uma determinação objetiva, técnica e factual das condições de aplicação dessa disposição.

262. A este respeito, como salientou o advogado‑geral no n.o 311 das suas conclusões, seria incompatível com as exigências de uma boa gestão financeira do orçamento da União e com a proteção dos seus interesses financeiros limitar a adoção de medidas adequadas aos casos de prejuízos comprovados a essa boa gestão financeira ou a esses interesses financeiros. Com efeito, essa limitação equivaleria a excluir a adoção de medidas adequadas nos casos em que os prejuízos, embora ainda não comprovados, podem, no entanto, ser razoavelmente antecipados, uma vez que apresentam uma probabilidade elevada de concretização. Por conseguinte, a referida limitação é suscetível de comprometer a finalidade do regulamento impugnado, que consiste, como se declarou no n.o 119 do presente acórdão, em proteger o orçamento da União contra danos que podem decorrer de violações dos princípios do Estado de direito num Estado‑Membro.

263. Quanto aos conceitos de «boa gestão financeira» e de «proteção dos interesses financeiros da União», o primeiro é igualmente referido no artigo 317.o, primeiro parágrafo, TFUE e é definido no artigo 2.o, ponto 59, do Regulamento Financeiro como sendo a execução do orçamento de acordo com os princípios de economia, da eficiência e da eficácia, ao passo que o segundo também é abrangido pelo artigo 325.o TFUE e visa, segundo o artigo 63.o, n.o 2, do Regulamento Financeiro, todas as medidas necessárias, incluindo medidas legislativas, regulamentares e administrativas, destinadas, nomeadamente, a prevenir, detetar e corrigir irregularidades e fraudes na execução do orçamento.

264. Há também que esclarecer que o artigo 2.o, ponto 1, do Regulamento n.o 883/2013 define os «interesses financeiros da União» como sendo «as receitas, as despesas e os ativos cobertos pelo orçamento da [União], bem como aqueles cobertos pelos orçamentos das instituições, órgãos, organismos e agências e pelos orçamentos geridos e controlados pelos mesmos». Por seu turno, o artigo 135.o, n.os 1, 3 e 4, do Regulamento Financeiro prevê que, a fim de proteger os interesses financeiros da União, a Comissão estabelece e gere um sistema de deteção precoce e de exclusão.

265. Por outro lado, o Tribunal de Justiça declarou que o conceito de «interesses financeiros da União», na aceção do artigo 325.o, n.o 1, TFUE, engloba não só as receitas disponibilizadas ao orçamento da União mas também as despesas abrangidas por esse orçamento (Acórdão de 21 de dezembro de 2021, Euro Box Promotion e o., C‑357/19, C‑379/19, C‑547/19, C‑811/19 e C‑840/19, EU:C:2021:1034, n.o 183). Por conseguinte, este conceito é relevante não só no contexto das medidas de luta contra as irregularidades e a fraude visadas nesta disposição mas também para a boa gestão financeira desse orçamento, uma vez que a proteção desses interesses financeiros também contribui para essa boa gestão.

266. A prevenção de prejuízos como os referidos no artigo 4.o, n.o 1, do regulamento impugnado é, por conseguinte, um complemento à correção desses prejuízos, que é inerente quer ao conceito de «boa gestão financeira» quer ao de «proteção dos interesses financeiros da União» e deve, portanto, ser considerada um requisito constante e horizontal da regulamentação financeira da União.

267. Por último, esta disposição exige que as violações dos princípios do Estado de direito que foram constatadas sejam «seriamente» suscetíveis de afetar a boa gestão financeira do orçamento ou os seus interesses financeiros e exige, consequentemente, que se demonstre que a concretização desse risco apresenta uma elevada probabilidade, em relação às situações ou às condutas das autoridades referidas no artigo 4.o, n.o 2, do regulamento impugnado, só podendo, de resto, ser adotadas medidas adequadas desde que se estabeleça uma relação suficientemente direta, a saber, uma relação efetiva entre uma violação de um dos princípios do Estado de direito e esse risco sério. Além disso, na adoção destas medidas, importa também respeitar os requisitos processuais recordados em último lugar no n.o 239 do presente acórdão.

268. Daqui resulta que a argumentação da Hungria, apoiada pela República da Polónia, de que o conceito de «suscetibilidade de afetação» que consta do artigo 4.o, n.o 1, do regulamento impugnado permite aplicar sanções arbitrárias em situações incertas ou não demonstradas deve ser julgada improcedente.

269. Em quinto lugar, no que respeita à argumentação de que o artigo 5.o, n.o 3, terceiro período, do regulamento impugnado não define de forma suficiente a natureza e o alcance das medidas de proteção do orçamento da União que podem ser adotadas nos termos do artigo 4.o, n.o 1, deste regulamento, há que recordar, primeiro, que o artigo 5.o, n.o 1, do referido regulamento enumera de forma exaustiva as diferentes medidas de proteção que podem ser adotadas, como foi constatado no n.o 135 do presente acórdão.

270. Segundo, o caráter justificado e necessário da adoção de uma dessas medidas de proteção resulta do preenchimento das condições enunciadas no artigo 4.o do regulamento impugnado.

271. Terceiro, quanto aos critérios a aplicar para determinar a ou as medidas que devem ser adotadas numa determinada situação, e o seu alcance, o artigo 5.o, n.o 3, primeiro a terceiro períodos, deste regulamento esclarece que as medidas tomadas devem ser proporcionadas, que devem ser determinadas tendo em conta o impacto real ou potencial das violações dos princípios do Estado de direito na boa gestão financeira do orçamento da União ou nos interesses financeiros da União e que a natureza, a duração, a gravidade e o alcance das violações dos princípios do Estado de direito devem ser devidamente tidos em conta. Daqui resulta que as medidas tomadas devem ser estritamente proporcionadas ao impacto das violações constatadas dos princípios do Estado de direito no orçamento da União ou na proteção dos seus interesses financeiros.

272. Decorre do que precede que a argumentação de que o artigo 5.o, n.o 3, terceiro período, do regulamento impugnado não define de forma suficiente a natureza e o alcance das medidas adequadas que podem ser adotadas deve ser julgado improcedente.

273. Em sexto lugar, relativamente aos argumentos da Hungria, apoiados pela República da Polónia, de que a expressão «na medida do possível» que consta do artigo 5.o, n.o 3, quarto período, do regulamento impugnado viola o princípio da segurança jurídica, na medida em que quebra a relação entre a infração constatada e as medidas de proteção que são adotadas, com o efeito de afetar a proporcionalidade dessas medidas e de lhes conferir caráter de sanção, importa antes de mais sublinhar que essa expressão não permite ajustar as medidas que podem ser adotadas, nos termos do artigo 5.o, n.o 1, deste regulamento, além ou aquém do impacto da violação constatada no orçamento da União ou na proteção dos seus interesses financeiros.

274. Com efeito, como se salientou no n.o 271 do presente acórdão, resulta do artigo 5.o, n.o 3, primeiro a terceiro períodos, do referido regulamento que as medidas tomadas devem ser estritamente proporcionadas ao impacto das violações dos princípios do Estado de direito no orçamento da União ou na proteção dos seus interesses financeiros que foram verificadas, independentemente da questão de saber se as medidas podem ou não visar efetivamente as ações da União afetadas por essas violações.

275. Em seguida, a expressão «na medida do possível» só permite a adoção de medidas que incidam sobre ações da União diferentes das que são afetadas por essa violação quando estas últimas ações não possam ou deixaram de poder ser visadas, ou ainda só o possam ser de maneira insuficiente, com vista a assegurar a finalidade do regulamento impugnado, que consiste, conforme resulta do seu artigo 1.o, em assegurar a proteção do orçamento da União no seu conjunto, de modo que essas medidas se revelam necessárias para alcançar essa finalidade.

276. Assim, é apenas a título subsidiário e, consequentemente, derrogatório, em hipóteses que a Comissão deve demonstrar devidamente, que as medidas tomadas podem visar ações da União diferentes das afetadas por essas violações.

277. Deste modo, o artigo 5.o, n.o 3, quarto período, do regulamento impugnado só concede à Comissão e ao Conselho margem de apreciação quanto à escolha da ação visada pela medida a adotar quando tal se revele indispensável para assegurar uma proteção do orçamento da União no seu conjunto. Além disso, em conformidade com o artigo 6.o, n.os 7 e 8, deste regulamento, a Comissão deve avaliar, nomeadamente, a proporcionalidade das medidas previstas e dar ao Estado‑Membro em causa a oportunidade de apresentar as suas observações sobre essas medidas e, especialmente, sobre a sua proporcionalidade, devendo esses requisitos ser entendidos tendo em conta o considerando 26 do referido regulamento, como se recordou em último lugar no n.o 239 do presente acórdão.

278. Daqui decorre que a expressão «na medida do possível», na aceção do artigo 5.o, n.o 3, quarto período, do regulamento impugnado, não quebra a relação entre a violação de um princípio do Estado de direito que foi constatada e a afetação ou o risco sério de afetação do orçamento da União ou da proteção dos seus interesses financeiros que daí decorre, uma vez que esta expressão só permite visar uma ação da União diferente da que essa violação afeta quando a finalidade desse regulamento, que consiste em assegurar uma proteção do orçamento da União no seu conjunto, não pode ser alcançada de outro modo. Daqui também decorre que o referido regulamento enquadra essa possibilidade de requisitos processuais restritos e que a referida expressão não exonera a Comissão e o Conselho da obrigação de respeitarem estritamente a proporcionalidade das medidas adotadas, tendo em conta o impacto da violação constatada no orçamento da União.

279. Nestas condições, esta disposição não tem por efeito conferir às medidas de proteção do orçamento da União o caráter de medida sancionatória de violações do Estado de direito enquanto tal, de modo que a argumentação retirada do facto de que a expressão «na medida do possível» que consta do artigo 5.o, n.o 3, quarto período, do regulamento impugnado quebra, em violação do princípio da segurança jurídica, a relação entre uma violação constatada e as medidas adotadas deve ser julgada improcedente.

280. Em sétimo lugar, no que respeita à argumentação de que o artigo 6.o, n.os 3 e 8, do regulamento impugnado não define de forma suficientemente precisa as fontes de informação em que a Comissão se pode basear, uma vez que não expõe a base em que esta instituição deve examinar e apreciar a existência de uma violação dos princípios do Estado de direito, há que recordar que, nos termos da referida disposição, quando a Comissão verifica se as condições enunciadas no artigo 4.o deste regulamento estão preenchidas e avalia a proporcionalidade da medida a aplicar, tem em conta as informações pertinentes provenientes de fontes disponíveis, incluindo as decisões, conclusões e recomendações das instituições da União, de outras organizações internacionais pertinentes e de outras instituições reconhecidas.

281. A este respeito, em conformidade com o artigo 4.o, n.o 1, deste regulamento, incumbe à Comissão demonstrar que as condições enunciadas no artigo 4.o deste regulamento estão preenchidas.

282. Além disso, nos termos do artigo 6.o, n.o 1, do referido regulamento, a Comissão deve expor, numa notificação escrita que envia ao Estado‑Membro em causa, os elementos factuais e os motivos específicos em que assentam as suas conclusões de que existem motivos razoáveis para considerar que essas condições estão preenchidas.

283. Daqui resulta que a Comissão é obrigada a proceder a uma apreciação diligente dos factos tendo em conta as condições estabelecidas no artigo 4.o do regulamento impugnado. O mesmo se aplica, em conformidade com o artigo 6.o, n.os 7 a 9, deste regulamento, no que respeita ao requisito de proporcionalidade das medidas, enunciado no seu artigo 5.o, n.o 3.

284. Os considerandos 16 e 26 do referido regulamento enunciam, aliás, que a Comissão deve proceder a uma avaliação qualitativa aprofundada, que deve ser objetiva, imparcial e equitativa, que deve respeitar os princípios da objetividade, da não discriminação e da igualdade dos Estados‑Membros perante os Tratados e que deve ser conduzida em conformidade com uma abordagem imparcial e baseada em dados factuais.

285. Daqui decorre que a Comissão deve certificar‑se, sob fiscalização do juiz da União, da relevância das informações que utiliza e da fiabilidade das suas fontes. Especificamente, essas disposições não conferem valor probatório específico ou absoluto e não atribuem efeitos jurídicos determinados às fontes de informação que mencionam, nem às que são indicadas no considerando 16 do regulamento impugnado, pelo que não dispensam a Comissão da sua obrigação de proceder a uma apreciação diligente dos factos que satisfaça plenamente os requisitos recordados no número precedente.

286. A este respeito, o considerando 16 do regulamento impugnado explicita o facto de que as informações pertinentes provenientes de fontes disponíveis e de instituições reconhecidas compreendem, nomeadamente, os acórdãos do Tribunal de Justiça, os relatórios do Tribunal de Contas, o relatório anual da Comissão sobre o Estado de direito e o Painel de Avaliação da Justiça na União, os relatórios do OLAF, da Procuradoria Europeia, e da Agência dos Direitos Fundamentais da União Europeia, as conclusões e recomendações das organizações e redes internacionais pertinentes, incluindo os órgãos do Conselho da Europa, nomeadamente o GRECO e a Comissão de Veneza, sobretudo a sua lista de verificação em matéria de Estado de direito e a Rede Europeia de presidentes dos Supremos Tribunais e a Rede Europeia dos Conselhos de Justiça.

287. Assim, a Comissão continua responsável pelas informações que utiliza e pela fiabilidade das suas fontes. Por outro lado, o Estado‑Membro em causa tem a faculdade, durante o procedimento previsto no artigo 6.o, n.os 1 a 9, do regulamento impugnado, de apresentar observações sobre as informações que a Comissão pretende utilizar para propor a adoção de medidas adequadas. Portanto, pode contestar o valor probatório de cada um dos elementos considerados, podendo, em todo o caso, o mérito das apreciações da Comissão estar sujeito à fiscalização do juiz da União no âmbito de um recurso interposto de uma decisão do Conselho adotada nos termos deste regulamento.

288. Especificamente, a Comissão deve comunicar, de forma precisa, ao Estado‑Membro em causa, desde o início do procedimento nos termos do artigo 6.o, n.o 1, do regulamento impugnado, e, periodicamente, durante a tramitação do procedimento, as informações relevantes provenientes de fontes disponíveis sobre as quais pretende fundamentar a sua proposta de decisão de execução adotando as medidas adequadas que apresentará ao Conselho.

289. Daqui resulta que o terceiro fundamento deve ser julgado improcedente.

290. Tendo em conta todas as considerações anteriores, o pedido principal de anulação do regulamento impugnado na sua totalidade deve ser julgado improcedente.

B.      Quanto ao pedido subsidiário de anulação parcial do regulamento impugnado

1.      Quanto ao pedido de anulação do artigo 4.o, n.o 1, do regulamento impugnado

a)      Argumentação das partes

291. Com o quarto fundamento, arguido em apoio do seu pedido subsidiário de anulação do artigo 4.o, n.o 1, do regulamento impugnado, a Hungria, apoiada pela República da Polónia, alega, em substância, que esta disposição é desproporcionada e viola os princípios da segurança jurídica e da clareza da norma, como foi exposto no âmbito do terceiro fundamento, uma vez que permite a adoção de medidas de proteção do orçamento da União não só quando é afetado, de forma suficientemente direta, o referido orçamento ou a proteção dos interesses financeiros da União, mas também quando existe um mero risco sério de ser afetado.

292. O Parlamento e o Conselho, apoiados pelo Reino da Bélgica, pelo Reino da Dinamarca, pela República Federal da Alemanha, pela Irlanda, pelo Reino de Espanha, pela República Francesa, pelo Grão‑Ducado do Luxemburgo, pelo Reino dos Países Baixos, pela República da Finlândia, pelo Reino da Suécia e pela Comissão, invocam, a título principal, a inadmissibilidade do quarto fundamento e, a título subsidiário, contestam esta argumentação quanto ao mérito.

b)      Apreciação do Tribunal de Justiça

293. Segundo jurisprudência constante, a anulação parcial de um ato do direito da União só é possível se os elementos cuja anulação é pedida forem destacáveis da parte restante do ato. Esta exigência não é satisfeita quando a anulação parcial de um ato tenha por efeito modificar a substância deste, o que deve ser apreciado com fundamento num critério objetivo e não num critério subjetivo ligado à vontade política da autoridade que adotou o ato em causa (Acórdão de 6 de dezembro de 2012, Comissão/Verhuizingen Coppens, C‑441/11 P, EU:C:2012:778, n.o 38 e jurisprudência referida).

294. A este respeito, o Parlamento e o Conselho alegam com razão que a anulação do artigo 4.o, n.o 1, do regulamento impugnado tem o efeito de alterar a substância deste regulamento, uma vez que esta disposição esclarece as condições exigidas para permitir a adoção das medidas enunciadas no artigo 5.o, n.o 1, do referido regulamento e constitui, nesse sentido, o próprio cerne do mecanismo de condicionalidade horizontal instituído pelo mesmo regulamento. Com efeito, sem a disposição cuja anulação é pedida, o regulamento impugnado deixa de responder ao objetivo enunciado no seu artigo 1.o, de estabelecer «as regras necessárias para a proteção do orçamento da União em caso de violações dos princípios do Estado de direito nos Estados‑Membros».

295. Daqui resulta que o pedido de anulação do artigo 4.o, n.o 1, do regulamento impugnado deve ser julgado inadmissível, pelo que não há que examinar a procedência do quarto fundamento, apresentado em apoio deste pedido.

2.      Quanto ao pedido de anulação do artigo 4.o, n.o 2, alínea h), do regulamento impugnado

a)      Argumentação das partes

296. Com o quinto fundamento, apresentado em apoio do seu pedido subsidiário de anulação do artigo 4.o, n.o 2, alínea h), do regulamento impugnado, a Hungria, apoiada pela República da Polónia, alega que esta disposição é contrária ao requisito segundo o qual uma norma que institui uma sanção deve definir de forma precisa as condutas e as situações que visa reprimir. Assim, a falta de uma enumeração precisa e exaustiva das situações abrangidas pelo mecanismo de condicionalidade horizontal instituído pelo regulamento impugnado viola o princípio da segurança jurídica e o artigo 7.o TUE.

297. Em primeiro lugar, a Hungria observa que o Serviço Jurídico do Conselho salientou, no seu parecer jurídico n.o 13593/18, que uma disposição que prevê um mecanismo de condicionalidade deve indicar de forma precisa as condições a preencher para beneficiar de um financiamento, que devem estar suficientemente vinculadas ao objetivo do financiamento, de modo que, se não estiverem preenchidas, o financiamento se torna incompatível com uma boa gestão financeira. Portanto, o regulamento impugnado, ao enumerar de forma não exaustiva os casos em que o mecanismo de condicionalidade que institui pode ser iniciado, não permite garantir a existência de uma relação suficientemente direta com a proteção do orçamento da União e dos seus interesses financeiros.

298. Em segundo lugar, a Hungria deduz da formulação «extremamente genérica» do artigo 4.o, n.o 2, alínea h), do regulamento impugnado uma violação dos requisitos de clareza, precisão e previsibilidade e, portanto, do princípio da segurança jurídica, uma vez que esta disposição não enumera de forma precisa e exaustiva as situações em que as medidas adequadas podem ser adotadas nos termos deste regulamento. Com efeito, a referida disposição é, tendo nomeadamente em conta as suas diferentes versões linguísticas, vaga, ambígua, sem limites e insuscetível de ser objeto de uma interpretação e de uma aplicação uniformes. Daqui resulta um sério risco de violação do princípio da igualdade dos Estados‑Membros perante os Tratados.

299. O Parlamento e o Conselho, apoiados pelo Reino da Bélgica, pelo Reino da Dinamarca, pela República Federal da Alemanha, pela Irlanda, pelo Reino de Espanha, pela República Francesa, pelo Grão‑Ducado do Luxemburgo, pelo Reino dos Países Baixos, pela República da Finlândia, pelo Reino da Suécia e pela Comissão, contestam esta argumentação.

b)      Apreciação do Tribunal de Justiça

300. Em primeiro lugar, decorre dos n.os 244 e 253 do presente acórdão que, contrariamente ao que a Hungria pretende, o artigo 4.o, n.o 2, alínea h), do regulamento impugnado não derroga de modo algum o requisito de que deve existir sempre uma relação suficientemente direta entre uma violação de um princípio do Estado de direito e uma afetação ou um risco sério de afetação da boa gestão financeira do orçamento da União ou da proteção dos seus interesses financeiros.

301. Além disso, resulta dos n.os 255 e 259 do presente acórdão que esta disposição, por um lado, não tem o efeito de conferir caráter não exaustivo à lista das situações e condutas das autoridades que dizem respeito às violações dos princípios do Estado de direito que constam do artigo 4.o, n.o 2, deste regulamento e, por outro, é suficientemente específica para satisfazer o princípio da segurança jurídica.

302. Em segundo lugar, quanto aos argumentos relacionados com a finalidade do regulamento impugnado e a alegada elusão do procedimento previsto no artigo 7.o TUE, basta remeter para a análise efetuada nos n.os 98 a 196 do presente acórdão.

303. Em terceiro lugar, no que respeita às alegações relativas à falta de precisão e às incoerências internas do artigo 4.o, n.o 2, alínea h), do regulamento impugnado, basta remeter para a análise efetuada nos n.os 252 a 258 do presente acórdão.

304. Consequentemente, o quinto fundamento deve ser julgado improcedente, pelo que deve ser negado provimento ao pedido de anulação do artigo 4.o, n.o 2, alínea h), do regulamento impugnado.

3.      Quanto ao pedido de anulação do artigo 5.o, n.o 2, do regulamento impugnado

a)      Argumentação das partes

305. Com o sexto fundamento, invocado em apoio do seu pedido subsidiário de anulação do artigo 5.o, n.o 2, do regulamento impugnado, a Hungria, apoiada pela República da Polónia, alega que esta disposição impõe, em violação da base jurídica deste regulamento e das disposições do direito da União relativas aos défices públicos, condicionalismos aos orçamentos dos Estados‑Membros em causa, uma vez que prevê que, se forem tomadas medidas adequadas relativamente a um Estado‑Membro, este último não fica isento da sua obrigação de continuar a financiar os programas em questão aos beneficiários finais.

306. A este respeito, a Hungria salienta que os auxílios da União previstos no quadro financeiro plurianual 2021‑2027 fixado pelo Regulamento 2020/2093 e pelo Regulamento 2020/2094 são pagos a título de programas de gestão concebidos principalmente, ou mesmo exclusivamente, segundo as prioridades da União. Ora, se as medidas adotadas nos termos do regulamento impugnado deverem suspender total ou parcialmente esses auxílios, o Estado‑Membro em causa estaria obrigado, por força desta disposição, a financiar totalmente esses programas.

307. Ao fazê‑lo, o artigo 5.o, n.o 2, do regulamento impugnado restringe o direito desse Estado‑Membro de utilizar o seu próprio orçamento, torna o planeamento da sua política económica imprevisível e pode obrigá‑lo a violar as disposições do direito da União relativas aos défices públicos. Ora, estas circunstâncias podem conduzir à aplicação de sanções suplementares e a um endividamento estrutural do Estado‑Membro em causa, especialmente quando este é dotado de um orçamento modesto, implicando assim uma violação do princípio da igualdade dos Estados‑Membros perante os Tratados.

308. Por outro lado, o artigo 5.o, n.o 2, do regulamento impugnado põe em causa o caráter adequado da base jurídica adotada para este regulamento, uma vez que esta disposição estabelece requisitos, não para o orçamento da União, mas para o dos Estados‑Membros em causa, o que confirma que as medidas de proteção do orçamento da União que podem ser adotadas nos termos do referido regulamento visam sancionar esses Estados‑Membros por violações do Estado de direito.

309. O Parlamento e o Conselho, apoiados pelo Reino da Bélgica, pelo Reino da Dinamarca, pela República Federal da Alemanha, pela Irlanda, pelo Reino de Espanha, pela República Francesa, pelo Grão‑Ducado do Luxemburgo, pelo Reino dos Países Baixos, pela República da Finlândia, pelo Reino da Suécia e pela Comissão, contestam esta argumentação.

b)      Apreciação do Tribunal de Justiça

310. Com o sexto fundamento, a Hungria, apoiada pela República da Polónia, alega, em substância, que o artigo 5.o, n.o 2, do regulamento impugnado impõe restrições aos orçamentos dos Estados‑Membros em causa, o que, antes de mais, é incompatível com a base jurídica deste regulamento, depois, viola as disposições do direito da União relativas aos défices públicos e, por último, infringe o princípio da igualdade dos Estados‑Membros perante os Tratados.

311. Em primeiro lugar, a este propósito, no que respeita à acusação relativa ao facto de o artigo 5.o, n.o 2, do regulamento impugnado ser incompatível com a base jurídica deste regulamento, esta deve ser afastada pelos motivos já expostos nos n.os 150 a 152 do presente acórdão.

312. Em segundo lugar, quanto à acusação relativa a uma alegada violação das disposições do direito da União respeitantes aos défices públicos, há que salientar que o artigo 5.o, n.o 2, do regulamento impugnado se limita a esclarecer que a adoção de medidas nos termos deste regulamento não altera as obrigações preexistentes, que decorrem, nomeadamente, das «regras setoriais ou financeiras aplicáveis», dessas entidades públicas e desses Estados‑Membros, não podendo tais medidas, especialmente, constituir um fundamento que lhes permita libertar‑se das referidas obrigações. Daqui resulta que esta disposição não impõe aos Estados‑Membros nenhuma nova obrigação.

313. Ora, como salientou o advogado‑geral nos n.os 324 e 325 das suas conclusões, embora o artigo 5.o, n.o 2, do regulamento impugnado tenha como consequência que os Estados‑Membros devem assumir os custos decorrentes das medidas impostas nos termos deste regulamento, esta consequência não prejudica a possibilidade de que dispõem, nos limites das suas obrigações decorrentes do direito da União, de definir os meios através dos quais atingem os objetivos em matéria de défices públicos fixados pelos Tratados.

314. Assim, o impacto que esta disposição pode ter no orçamento dos Estados‑Membros em causa não se distingue do que pode resultar de outras obrigações que decorram do direito da União.

315. Além disso, embora os Estados‑Membros possam ter em conta, quando elaboram os seus orçamentos, os financiamentos provenientes do orçamento da União a que podem aspirar, quando as condições de obtenção desses financiamentos se mostram reunidas, não deixa de ser verdade que, se se constatar posteriormente que essas condições não estavam ou deixaram de estar reunidas, de forma que os financiamentos em causa não são pagos ou são objeto de uma correção financeira, um Estado‑Membro não pode invocar as suas obrigações relativas aos défices públicos para fugir à aplicação das referidas condições. Portanto, um Estado‑Membro também não pode alegar que essa aplicação torna imprevisível o planeamento da sua política económica.

316. Em terceiro lugar, no que respeita à alegada violação do princípio da igualdade dos Estados‑Membros perante os Tratados, resulta do artigo 5.o, n.o 3, do regulamento impugnado que as medidas adequadas tomadas nos termos deste regulamento devem ser estritamente proporcionadas ao impacto das violações dos princípios do Estado de direito que foram constatadas na boa gestão financeira do orçamento da União ou na proteção dos seus interesses financeiros, uma vez que este requisito de proporcionalidade é aplicável da mesma maneira relativamente a qualquer Estado‑Membro. Além disso, em conformidade com o artigo 6.o, n.os 7 e 8, do referido regulamento, a Comissão deve avaliar, nomeadamente, a proporcionalidade das medidas a aplicar e dar a qualquer Estado‑Membro em causa a possibilidade de apresentar as suas observações sobre as medidas previstas e, particularmente, sobre a sua proporcionalidade. Como esta disposição deve ser entendida tendo em conta o considerando 26 do mesmo regulamento, resulta daqui que a Comissão se deve fundamentar, na sua avaliação, em elementos concretos e respeitar os princípios da objetividade, da não discriminação e da igualdade dos Estados‑Membros perante os Tratados.

317. Assim, estes diversos requisitos implicam realizar uma análise individualizada simultaneamente objetiva e diligente de cada situação que é objeto de um procedimento nos termos do regulamento impugnado, e das medidas adequadas de que essa situação necessita, sendo caso disso, no estrito respeito do princípio da proporcionalidade, com vista a proteger eficazmente o orçamento da União e seus interesses financeiros contra os efeitos de violações dos princípios do Estado de direito, muito embora assegurando o respeito do princípio da igualdade dos Estados‑Membros perante os Tratados. Nestas condições, a alegação da Hungria de que a aplicação do artigo 5.o, n.o 2, do regulamento impugnado implica uma violação deste princípio é desprovida de fundamento.

318. Tendo em conta as considerações anteriores, o sexto fundamento deve ser julgado improcedente, de forma que deve ser negado provimento ao pedido de anulação do artigo 5.o, n.o 2, do regulamento impugnado.

4.      Quanto ao pedido de anulação do artigo 5.o, n.o 3, terceiro período, do regulamento impugnado

a)      Argumentação das partes

319. Com o sétimo fundamento, apresentado em apoio do seu pedido subsidiário de anulação do artigo 5.o, n.o 3, terceiro período, do regulamento impugnado, a Hungria, apoiada pela República da Polónia, alega que os critérios para apreciar a proporcionalidade das medidas que podem ser adotadas relativamente a um Estado‑Membro, previstos nessa disposição, não têm nenhuma relação com o orçamento da União ou com os seus interesses financeiros, e visam sancionar violações dos princípios do Estado de direito.

320. Com efeito, em conformidade com os próprios termos da referida disposição, a natureza, a duração, a gravidade e o alcance das violações dos princípios do Estado de direito devem ser devidamente tidos em conta para efeitos da determinação das medidas a adotar. O considerando 18 do regulamento impugnado esclarece que o exame da proporcionalidade para esse efeito deve ter em conta a gravidade da situação, o tempo decorrido desde que teve início a conduta em causa, a duração e recorrência da conduta, a intenção, o grau de cooperação do Estado‑Membro em causa para pôr termo às violações dos princípios do Estado de direito, bem como os efeitos na boa gestão financeira do orçamento da União ou os interesses financeiros da União.

321. A Hungria considera que estes critérios põem em causa, ao incumprir a base jurídica do regulamento impugnado e o artigo 7.o TUE, a relação entre a violação constatada dos princípios do Estado de direito e o impacto concreto dessa violação na boa gestão financeira do orçamento da União ou nos seus interesses financeiros.

322. Primeiro, resulta de uma leitura conjugada do artigo 5.o, n.o 3, do regulamento impugnado e do seu considerando 18 que a Comissão e o Conselho são chamados a ter em conta a intenção do «autor da violação». A este respeito, este regulamento não define o autor da violação dos princípios do Estado de direito, uma vez que os casos especificados nos artigos 3.o e 4.o do citado regulamento se referem a situações e a condutas que podem ser imputáveis, quer ao Estado‑Membro em causa considerado na sua globalidade, quer a alguns dos seus órgãos. Ora, a Hungria salienta que estes não dispõem da capacidade de praticar um ato de vontade, pelo que a forma como se deve ter em conta a intenção de «praticar» um ato na determinação das medidas adequadas não é esclarecida.

323. Além disso, a tomada em conta dessa intenção tem necessariamente impacto na natureza da medida. Se a proporcionalidade de uma medida fosse determinada, ainda que parcialmente, pela intenção da violação que lhe serve de fundamento, esta circunstância conferiria um caráter punitivo a essa medida, a qual não visaria assim corrigir a afetação do orçamento da União ou da proteção dos seus interesses financeiros. Por conseguinte, esta tomada em conta da intenção seria uma indicação clara de que a principal finalidade e o principal objeto do regulamento impugnado não são conformes com a sua base jurídica.

324. Segundo, esta constatação é corroborada pela tomada em conta da duração e da gravidade da violação dos princípios do Estado de direito e do alcance da cooperação do Estado‑Membro em causa para lhe pôr termo, uma vez que esses critérios também não estariam relacionados com o impacto na boa gestão financeira do orçamento da União ou na proteção dos seus interesses financeiros.

325. Terceiro, decorre de uma interpretação sistemática do regulamento impugnado que, dado que a obrigação de as instituições tomarem em conta o impacto real ou potencial de uma violação dos princípios do Estado de direito na boa gestão financeira do orçamento da União ou nos seus interesses financeiros já está prevista no artigo 5.o, n.o 3, deste regulamento, o terceiro período da mesma disposição destina‑se a ter em conta outras formas de impacto.

326. A Hungria considera que daí decorre, antes de mais, que o artigo 5.o, n.o 3, terceiro período, do regulamento impugnado não cumpre o critério relativo à existência de uma relação direta entre as medidas tomadas e a proteção do orçamento da União ou dos seus interesses financeiros. Depois, a tomada em conta dos critérios enunciados por essa disposição pressupõe uma apreciação aprofundada da violação do Estado de direito pela Comissão e pelo Conselho, o que só pode ser efetuado no âmbito do procedimento previsto no artigo 7.o TUE. Por último, a aplicação da referida disposição leva a que as medidas adotadas revistam a natureza de sanções, mesmo que só possam ser aplicadas sanções a um Estado‑Membro com base no artigo 7.o, n.o 3, TUE.

327. O Parlamento e o Conselho, apoiados pelo Reino da Bélgica, pelo Reino da Dinamarca, pela República Federal da Alemanha, pela Irlanda, pelo Reino de Espanha, pela República Francesa, pelo Grão‑Ducado do Luxemburgo, pelo Reino dos Países Baixos, pela República da Finlândia, pelo Reino da Suécia e pela Comissão, contestam esta argumentação.

b)      Apreciação do Tribunal de Justiça

328. Com o sétimo fundamento, a Hungria, apoiada pela República da Polónia, alega, em substância, que o artigo 5.o, n.o 3, terceiro período, do regulamento impugnado, conjugado com o seu considerando 18, é incompatível com a base jurídica deste regulamento e viola tanto o artigo 7.o TUE como o princípio da segurança jurídica, uma vez que os critérios que refere para a adoção de medidas adequadas, relativas à violação dos princípios do Estado de direito, não têm nenhuma relação com o orçamento da União ou com a proteção dos seus interesses financeiros.

329. A este propósito, como foi salientado no n.o 271 do presente acórdão, resulta do artigo 5.o, n.o 3, primeiro a terceiro períodos, do regulamento impugnado que as medidas adotadas devem ser estritamente proporcionadas ao impacto das violações constatadas dos princípios do Estado de direito no orçamento da União ou nos seus interesses financeiros.

330. Com efeito, o primeiro período desta disposição esclarece que as medidas tomadas são «proporcionadas», o seu segundo período, que são «determinadas tendo em conta o impacto real ou potencial» das violações dos princípios do Estado de direito na boa gestão financeira do orçamento da União ou nos seus interesses financeiros, e, o seu terceiro período, que a natureza, a duração, a gravidade e o alcance das violações dos princípios do Estado de direito são «devidamente tidos em conta».

331. Como salientou o advogado‑geral nos n.os 177 e 178 das suas conclusões, decorre da ordem desses períodos e dos termos aí empregados que a proporcionalidade das medidas a adotar é assegurada, de forma determinante, pelo critério do «impacto» das violações dos princípios do Estado de direito na boa gestão financeira do orçamento da União ou na proteção dos seus interesses financeiros. Quanto aos critérios relativos à natureza, à duração, à gravidade e ao alcance dessas violações, estes só podem ser «devidamente tidos em conta» para determinar o alcance desse impacto, que pode variar em função das características das violações constatadas evidenciadas pela aplicação desses critérios.

332. É certo que o considerando 18 do regulamento impugnado, ao evocar os mesmos critérios que os que constam do artigo 5.o, n.o 3, segundo e terceiro períodos, desse regulamento, os refere numa ordem diferente. Todavia, este considerando não pode conduzir a uma interpretação desta disposição incompatível com a sua redação e a sua estrutura, uma vez que o preâmbulo de um ato da União não tem, segundo jurisprudência constante do Tribunal de Justiça, recordada no n.o 191 do presente acórdão, valor jurídico vinculativo e não pode, assim, ser invocado para derrogar as próprias disposições do ato em causa nem para interpretar essas disposições num sentido manifestamente contrário à sua redação. Além disso, ao fazer também referência à «[intenção do] Estado‑Membro em causa», o referido considerando não visa a intenção de violar os princípios do Estado de direito mas a de «pôr termo às violações» que foram constatadas. Ora, essa intenção, do mesmo modo que o «grau de cooperação» que esse Estado‑Membro demonstre nesse sentido, também referido no mesmo considerando, pode ser relevante, nomeadamente, para determinar a duração e o alcance de uma violação, no sentido dos critérios previstos no artigo 5.o, n.o 3, terceiro período, do referido regulamento, e, por conseguinte, em conformidade com o exposto no número anterior, para avaliar o impacto dessa violação na boa gestão financeira do orçamento da União ou nos seus interesses financeiros.

333. Daqui resulta que, contrariamente ao que alega a Hungria, apoiada pela República da Polónia, embora os critérios previstos no artigo 5.o, n.o 3, terceiro período, do regulamento impugnado pressuponham uma apreciação aprofundada, pela Comissão e pelo Conselho, das características da violação do Estado de direito em causa, não deixam de estar relacionados com a boa gestão financeira do orçamento da União e com a proteção dos seus interesses financeiros, pelo que não se pode considerar que conferem às medidas adequadas adotadas nos termos do referido regulamento a natureza de sanções associadas a violações do Estado de direito enquanto tais.

334. Nestas condições, o sétimo fundamento deve ser julgado improcedente, de forma que deve ser negado provimento ao pedido de anulação do artigo 5.o, n.o 3, terceiro período, do regulamento impugnado.

5.      Quanto ao pedido de anulação do artigo 5.o, n.o 3, quarto período, do regulamento impugnado

a)      Argumentação das partes

335. Com o oitavo fundamento, apresentado em apoio do seu pedido subsidiário de anulação do artigo 5.o, n.o 3, quarto período, do regulamento impugnado, a Hungria, apoiada pela República da Polónia, alega que esta disposição viola os princípios da proporcionalidade e da segurança jurídica, dado que prevê que só «na medida do possível» as medidas adotadas devem visar expressamente as ações da União afetadas pelas violações.

336. Com efeito, decorre dos termos da referida disposição que essas medidas podem visar especificamente ações da União não afetadas pela violação dos princípios do Estado de direito, de modo que essas medidas podem ser adotadas sem que se estabeleça uma relação direta entre essa violação e uma ação específica da União visada pelas mesmas medidas. Ora, o princípio da segurança jurídica exige, de forma restrita, que a aplicação de regras que acarretam consequências financeiras seja certa e previsível, o que não é o caso na falta de uma relação efetiva entre violações dos princípios do Estado de direito e medidas adotadas nos termos do regulamento impugnado.

337. A inexistência de uma relação efetiva também implica uma violação do princípio da proporcionalidade. Com efeito, mesmo admitindo que o objetivo do regulamento impugnado consista em definir as regras necessárias para a proteção do orçamento da União em caso de violações dos princípios do Estado de direito nos Estados‑Membros, o artigo 5.o, n.o 3, quarto período, deste regulamento vai além do que é necessário para atingir esse objetivo, uma vez que autoriza a adoção de medidas relacionadas com programas da União que não são afetados por essa violação.

338. O Parlamento e o Conselho, apoiados pelo Reino da Bélgica, pelo Reino da Dinamarca, pela República Federal da Alemanha, pela Irlanda, pelo Reino de Espanha, pela República Francesa, pelo Grão‑Ducado do Luxemburgo, pelo Reino dos Países Baixos, pela República da Finlândia, pelo Reino da Suécia e pela Comissão, contestam esta argumentação.

b)      Apreciação do Tribunal de Justiça

339. Com o oitavo fundamento, a Hungria, apoiada pela República da Polónia, alega que o artigo 5.o, n.o 3, quarto período, do regulamento impugnado viola os princípios da proporcionalidade e da segurança jurídica, na medida em que permite, com a expressão «na medida do possível», visar especificamente ações e programas que não apresentam nenhuma relação com uma violação constatada de um princípio do Estado de direito.

340. A este respeito, por um lado, quanto à alegada violação do princípio da proporcionalidade, importa recordar que, segundo a jurisprudência constante do Tribunal de Justiça, este princípio, que faz parte dos princípios gerais do direito da União, exige que os atos das instituições da União sejam adequados a realizar os objetivos legítimos prosseguidos pela regulamentação em causa e não vão além do necessário à realização desses objetivos, sendo que, quando haja uma escolha entre várias medidas adequadas, deve recorrer‑se à menos restritiva e os inconvenientes causados não devem ser desproporcionados relativamente aos objetivos prosseguidos (Acórdão de 6 de Setembro de 2017, Eslováquia e Hungria/Conselho, C‑643/15 e C‑647/15, EU:C:2017:631, n.o 206 e jurisprudência referida).

341. No caso em apreço, basta salientar, como foi constatado nos n.os 273 a 279 do presente acórdão, que, antes de mais, a expressão «na medida do possível», que consta do artigo 5.o, n.o 3, quarto período, do regulamento impugnado, não permite modular as medidas suscetíveis de ser adotadas nos termos do artigo 5.o, n.o 1, desse regulamento além ou aquém do impacto da violação que foi constatada no orçamento da União, em seguida, que o referido regulamento visa a proteção do orçamento da União, no seu conjunto, e, por último, que só a título derrogatório essa expressão permite visar ações da União diferentes das que são afetadas por essa violação, quando essas ações não podem ou já não podem ser visadas especificamente ou ainda só o podem de forma insuficiente para alcançar a finalidade do próprio regulamento, que consiste em assegurar a proteção desse orçamento no seu conjunto, revelando‑se assim tal diligência indispensável para atingir esse objetivo.

342. Daqui decorre que a argumentação de que, através da utilização da expressão «na medida do possível», o artigo 5.o, n.o 3, quarto período, do regulamento impugnado vai além do que é necessário para atingir o referido objetivo deve ser rejeitada por falta de fundamento.

343. Por outro lado, relativamente à alegada violação do princípio da segurança jurídica, antes de mais, resulta das constatações efetuadas nos n.os 269 a 272 do presente acórdão que o tipo de medidas suscetíveis de ser adotadas nos termos do regulamento impugnado está fixado no seu artigo 5.o, n.o 1, e que o alcance das medidas é estritamente estabelecido, de acordo com o artigo 5.o, n.o 3, do referido regulamento, em função do impacto da violação constatada no orçamento da União.

344. Em seguida, nos n.os 273 a 279 do presente acórdão esclareceu‑se que a expressão «na medida do possível», que consta do artigo 5.o, n.o 3, quarto período, do regulamento impugnado, não quebra a relação entre uma violação de um princípio do Estado de direito e a afetação ou o risco sério de afetação do orçamento da União ou da proteção dos seus interesses financeiros. Além disso, esta expressão permite, a título derrogatório e na estrita medida do indispensável, a aplicação de medidas de proteção do orçamento da União a ações diferentes das afetadas pela violação de um princípio do Estado de direito, quando a finalidade do regulamento impugnado, que é assegurar uma proteção desse orçamento no seu conjunto ou desses interesses, não possa ser alcançada de outro modo. Acresce que o artigo 6.o do referido regulamento enquadra essa possibilidade por requisitos processuais restritos e não isenta a Comissão e o Conselho da obrigação de respeitarem estritamente o requisito de proporcionalidade das medidas adotadas, em função do impacto da violação constatada no orçamento da União ou na proteção dos seus interesses financeiros.

345. Por último, uma vez que o regulamento impugnado esclarece a natureza e o alcance das medidas que podem ser adotadas, que apenas concede à Comissão e ao Conselho a possibilidade de visarem especificamente ações diferentes das que a violação de um princípio do Estado de direito afeta na medida em que seja necessária para assegurar uma proteção do orçamento da União no seu conjunto e dos seus interesses financeiros e que esta possibilidade está, de resto, estritamente enquadrada, nomeadamente pelo princípio da proporcionalidade, não se pode considerar que o artigo 5.o, n.o 3, quarto período, do regulamento impugnado viola os princípios da proporcionalidade e da segurança jurídica.

346. Portanto, o oitavo fundamento deve ser julgado improcedente, de forma que deve ser negado provimento ao pedido de anulação do artigo 5.o, n.o 3, quarto período, do regulamento impugnado.

6.      Quanto ao pedido de anulação do artigo 6.o, n.os 3 e 8, do regulamento impugnado

a)      Argumentação das partes

347. Com o nono fundamento, invocado em apoio do seu pedido subsidiário de anulação do artigo 6.o, n.os 3 e 8, do regulamento impugnado, a Hungria, apoiada pela República da Polónia, alega que o artigo 6.o, n.o 3, do regulamento impugnado viola o princípio da segurança jurídica, na medida em que permite à Comissão ter em conta, na avaliação das condições enunciadas no artigo 4.o deste regulamento, «informações pertinentes provenientes das fontes disponíveis, incluindo as decisões, conclusões e recomendações das instituições da União, de outras organizações internacionais pertinentes e de outras instituições reconhecidas». O mesmo se aplica ao artigo 6.o, n.o 8, do citado regulamento, que remete para o referido artigo 6.o, n.o 3, no que respeita à avaliação da proporcionalidade das medidas a impor.

348. Com efeito, o artigo 6.o, n.os 3 e 8, do regulamento impugnado não define de forma suficientemente clara as fontes de informação relevantes, uma vez que não revela a base sobre a qual a Comissão deve avaliar a existência de uma violação dos princípios do Estado de direito.

349. Principalmente, não se pode excluir, tendo em conta a expressão «informações pertinentes provenientes das fontes disponíveis», que consta do artigo 6.o, n.o 3, do regulamento impugnado, que a Comissão fundamente a sua avaliação na opinião individual expressa por determinadas pessoas ou organizações cuja objetividade não está demonstrada ou que a fundamente na falta de execução de recomendações juridicamente não vinculativas e emitidas por organizações internacionais fora do quadro da União. Ora, essas recomendações, de natureza diversa, não podem ser consideradas indicadores fiáveis de uma deficiência generalizada em matéria de Estado de direito.

350. O artigo 6.o, n.os 3 e 8, do regulamento impugnado também não indica a forma como a Comissão deve sintetizar essas fontes. Tendo em conta a ampla margem de apreciação concedida a esta instituição por essas disposições, qualquer documento não vinculativo que esta última utilize pode ser um instrumento de prova de uma violação, mesmo que tenha sido escolhido arbitrariamente.

351. O Parlamento e o Conselho, apoiados pelo Reino da Bélgica, pelo Reino da Dinamarca, pela República Federal da Alemanha, pela Irlanda, pelo Reino de Espanha, pela República Francesa, pelo Grão‑Ducado do Luxemburgo, pelo Reino dos Países Baixos, pela República da Finlândia, pelo Reino da Suécia e pela Comissão, contestam esta argumentação.

b)      Apreciação do Tribunal de Justiça

352. Com o nono fundamento, a Hungria, apoiada pela República da Polónia, alega, antes de mais, que o artigo 6.o, n.os 3 e 8, do regulamento impugnado não cumpre, tendo em conta o caráter impreciso da sua redação, o requisito que decorre do princípio da segurança jurídica, em seguida, que esta disposição permite à Comissão fundamentar a sua avaliação em opiniões cuja objetividade não está garantida e em recomendações não vinculativas emitidas fora do quadro da União e, por último, que a referida disposição não esclarece a forma como essa instituição deve sintetizar as informações utilizadas nem avaliar a respetiva relevância tendo em conta a finalidade do regulamento impugnado.

353. A este respeito, em primeiro lugar, importa recordar que, contrariamente ao que alega a Hungria, o regulamento impugnado não visa sancionar as violações do Estado de direito enquanto tal, mas, como foi declarado nos n.os 98 a 152 do presente acórdão, assegurar a proteção do orçamento da União, pelo que a argumentação de que este regulamento deve cumprir os requisitos alegadamente aplicáveis às medidas sancionatórias não pode, em todo o caso, ser acolhida.

354. Em segundo lugar, quanto à questão de saber se o artigo 6.o, n.os 3 e 8, do regulamento impugnado permite à Comissão fundamentar a sua avaliação em opiniões cuja objetividade possa ser considerada duvidosa e em recomendações não vinculativas emitidas fora do quadro da União, importa, antes de mais, salientar que esta disposição não se refere a «opiniões» mas a «decisões, conclusões e recomendações», bem como a «orientações».

355. Em todo o caso, a Hungria não invoca nenhum elemento preciso que possa pôr em causa a objetividade dos organismos e das instituições visados no considerando 16 deste regulamento, pelo que não há nada que permita suspeitar que estes emitem opiniões cuja objetividade seja duvidosa.

356. Em seguida, o artigo 6.o, n.os 3 e 8, do regulamento impugnado exige que a Comissão tenha em conta, para efeitos da avaliação das condições enunciadas no artigo 4.o deste regulamento e da proporcionalidade das medidas adequadas a adotar, as informações «pertinentes» para esse efeito, o que pressupõe necessariamente que essas informações estejam relacionadas com os princípios previstos no artigo 2.o, alínea a), do referido regulamento, que abrange o valor do Estado de direito, valor comum aos Estados‑Membros, que consta do artigo 2.o TUE.

357. Por último, quanto ao caráter não vinculativo das recomendações que podem ser tidas em conta pela Comissão, foi salientado no n.o 285 do presente acórdão que o artigo 6.o, n.os 3 e 8, do regulamento impugnado não confere valor probatório específico ou absoluto e não atribui efeitos jurídicos determinados às fontes de informação nele mencionadas nem às indicadas no considerando 16 deste regulamento, pelo que esta disposição não dispensa a Comissão da sua obrigação de proceder a uma apreciação diligente dos factos que cumpra plenamente os requisitos recordados no n.o 284 do presente acórdão.

358. Além disso, uma vez que, como se salientou no n.o 287 do presente acórdão, a Comissão deve certificar‑se da pertinência das informações que utiliza e da fiabilidade das suas fontes, o Estado‑Membro em causa pode, durante o procedimento previsto no artigo 6.o, n.os 1 a 9, do regulamento impugnado, apresentar as suas observações sobre essas informações e, portanto, contestar o valor probatório de cada um dos elementos considerados pela Comissão, podendo o mérito das suas apreciações, se for caso disso, ser fiscalizado pelo juiz da União.

359. Em terceiro lugar, no que respeita aos argumentos relativos ao facto de o artigo 6.o, n.os 3 a 8, do regulamento impugnado não especificar a forma como a Comissão deve sintetizar as informações utilizadas ou como deve avaliar, a partir dessas informações, a gravidade de uma violação de um princípio do Estado de direito, bem como a sua relação com a proteção da boa gestão financeira do orçamento da União ou dos seus interesses financeiros, foi recordado nos n.os 357 e 358 do presente acórdão que a Comissão é obrigada a proceder a uma apreciação diligente dos factos e a respeitar o requisito de proporcionalidade das medidas adotadas nos termos deste regulamento, garantido pelo seu artigo 5.o, n.o 3, podendo a validade de uma decisão adotada pelo Conselho nos termos do referido regulamento ser fiscalizada pelo juiz da União.

360. Consequentemente, o nono fundamento deve ser julgado improcedente, de forma que deve ser negado provimento ao pedido de anulação do artigo 6.o, n.os 3 e 8, do regulamento impugnado.

361. Tendo em conta todas as considerações anteriores, deve ser negado provimento ao recurso na sua totalidade.

VI.    Quanto às despesas

362. Nos termos do artigo 138.o, n.o 1, do Regulamento de Processo, a parte vencida é condenada nas despesas se a parte vencedora o tiver requerido.

363. Tendo o Parlamento e o Conselho pedido a condenação da Hungria nas despesas e tendo esta sido vencida, há que condená‑la no pagamento das despesas efetuadas por estes.

364. Em conformidade com o artigo 140.o, n.o 1, deste regulamento, o Reino da Bélgica, o Reino da Dinamarca, a República Federal da Alemanha, a Irlanda, o Reino de Espanha, a República Francesa, o Grão‑Ducado do Luxemburgo, o Reino dos Países Baixos, a República da Polónia, a República da Finlândia, o Reino da Suécia e a Comissão suportarão as suas próprias despesas enquanto intervenientes no litígio.

Pelos fundamentos expostos, o Tribunal de Justiça (Tribunal Pleno) decide:

1)      É negado provimento ao recurso.

2)      A Hungria é condenada a suportar, além das suas próprias despesas, as despesas efetuadas pelo Parlamento Europeu e pelo Conselho da União Europeia.

3)      O Reino da Bélgica, o Reino da Dinamarca, a República Federal da Alemanha, a Irlanda, o Reino de Espanha, a República Francesa, o GrãoDucado do Luxemburgo, o Reino dos Países Baixos, a República da Polónia, a República da Finlândia, o Reino da Suécia e a Comissão Europeia suportam as suas próprias despesas.

Assinaturas


*      Língua do processo: húngaro.