Language of document : ECLI:EU:C:2014:2233

ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Segunda Secção)

18 de setembro de 2014 (*)

«Marcas — Diretiva 89/104/CEE — Artigo 3.°, n.° 1, alínea e) — Recusa ou nulidade do registo — Marca tridimensional — Cadeira regulável para criança ‘Tripp Trapp’ — Sinal constituído exclusivamente pela forma imposta pela natureza do produto — Sinal constituído pela forma que confere um valor substancial ao produto»

No processo C‑205/13,

que tem por objeto um pedido de decisão prejudicial apresentado, nos termos do artigo 267.° TFUE, pelo Hoge Raad der Nederlanden (Países Baixos), por decisão de 12 de abril de 2013, que deu entrada no Tribunal de Justiça em 18 de abril de 2013, no processo

Hauck GmbH & Co. KG

contra

Stokke A/S,

Stokke Nederland BV,

Peter Opsvik,

Peter Opsvik A/S,

O TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Segunda Secção),

composto por: R. Silva de Lapuerta, presidente de secção, J. L. da Cruz Vilaça, G. Arestis (relator), J.‑C. Bonichot e A. Arabadjiev, juízes,

advogado‑geral: M. Szpunar,

secretário: M. Ferreira, administradora principal,

vistos os autos e após a audiência de 26 de fevereiro de 2014,

vistas as observações apresentadas:

–        em representação da Hauck GmbH & Co. KG, por S. Klos, A. A. Quaedvlieg e S. A. Hoogcarspel, advocaten,

–        em representação da Stokke A/S, da Stokke Nederland BV, de Peter Opsvick e da Peter Opsvick A/S, por T. Cohen Jehoram e R. Sjoerdsma, advocaten,

–        em representação do Governo alemão, por T. Henze e J. Kemper, na qualidade de agentes,

–        em representação do Governo italiano, por G. Palmieri, na qualidade de agente, assistida por M. Salvatorelli, avvocato dello Stato,

–        em representação do Governo polaco, por B. Majczyna, B. Czech e J. Fałdyga, na qualidade de agentes,

–        em representação do Governo português, por L. Inez Fernandes e R. Solnado Cruz, na qualidade de agentes,

–        em representação do Governo do Reino Unido, por M. Holt, na qualidade de agente, e N. Saunders, barrister,

–        em representação da Comissão Europeia, por F. W. Bulst e F. Wilman, na qualidade de agentes,

ouvidas as conclusões do advogado‑geral na audiência de 14 de maio de 2014,

profere o presente

Acórdão

1        O pedido de decisão prejudicial tem por objeto a interpretação do artigo 3.°, n.° 1, alínea e), da Primeira Diretiva 89/104/CEE do Conselho, de 21 de dezembro de 1988, que harmoniza as legislações dos Estados‑Membros em matéria de marcas (JO 1989, L 40, p. 1, a seguir «diretiva sobre as marcas»).

2        Este pedido foi apresentado no âmbito de um litígio que opõe a Hauck GmbH & Co. KG, sociedade de direito alemão (a seguir «Hauck»), à Stokke A/S, à Stokke Nederland BV, a Peter Opsvick e à Peter Opsvick A/S (a seguir, conjuntamente, «Stokke e o.») a propósito de um pedido de anulação da marca Benelux de um sinal com a forma de uma cadeira para crianças comercializada pela Stokke e o.

 Quadro jurídico

 Direito da União

3        Sob o título «Motivos de recusa ou de nulidade», o artigo 3.°, n.° 1, alínea e), da diretiva sobre as marcas dispõe:

«Será recusado o registo ou ficarão sujeitos a declaração de nulidade, uma vez efetuados, os registos relativos:

[…]

e)      A sinais exclusivamente compostos:

–        pela forma imposta pela própria natureza do produto,

–        pela forma do produto necessária para obter um resultado técnico,

–        pela forma que confere um valor substancial ao produto.»

 Convenção Benelux

4        O artigo 2.1, n.° 2, da Convenção Benelux em matéria de propriedade intelectual (marcas e desenhos ou modelos), assinada em Haia, em 25 de fevereiro de 2005, e que entrou em vigor em 1 de setembro de 2006, prevê:

«Sinais suscetíveis de constituir uma marca:

[…]

2.      Todavia, não podem ser considerados marcas os sinais constituídos exclusivamente pela forma que é imposta pela própria natureza do produto, que confere um valor substancial ao produto ou que é necessária para obter um resultado técnico.»

 Litígio no processo principal e questões prejudiciais

5        P. Opsvik criou uma cadeira para crianças denominada «Tripp Trapp». Essa cadeira é constituída por travessas oblíquas onde estão fixados todos os elementos da cadeira assim como por travessas e barras em forma de «L», que lhe conferem, segundo o órgão jurisdicional de reenvio, uma grande originalidade. O design desta cadeira recebeu diversos prémios e menções honrosas e está exposto em museus. A partir de 1972, as cadeiras «Tripp Trapp» foram comercializadas pela Stokke e o., sobretudo, no mercado escandinavo e, desde 1995, no mercado neerlandês.

6        A Hauck fabrica, distribui e vende artigos para crianças, entre os quais duas cadeiras que designa por «Alpha» e «Beta».

7        Em 8 de maio de 1998, a Stokke A/S apresentou junto do Instituto Benelux da Propriedade Intelectual um pedido de registo para uma marca tridimensional com o aspeto da cadeira para crianças «Tripp Trapp». A marca foi registada em seu nome para «cadeiras, nomeadamente cadeiras para crianças», e tem a forma abaixo apresentada:

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8        Na Alemanha, no âmbito de um processo que opôs a Stokke e o. à Hauck, o Oberlandesgericht Hamburg admitiu, num acórdão que transitou em julgado, que, no direito alemão, a cadeira «Tripp Trapp» estava protegida pelo direito de autor e que a cadeira «Alpha» violava essa proteção.

9        Nos Países Baixos, a Stokke e o. interpuseram recurso para o Rechtbank ’s‑Gravenhage, sustentando que o fabrico e a comercialização das cadeiras «Alpha» e «Beta» pela Hauck violavam o direito de autor que incide sobre a cadeira «Tripp Trapp» assim como a sua marca Benelux e pediram uma indemnização pelos danos decorrentes dessa violação. Em sua defesa, a Hauck apresentou um pedido reconvencional de anulação da marca Benelux Tripp Trapp objeto do pedido de registo da Stokke A/S.

10      O Rechtbank ’s‑Gravenhage deu pleno provimento aos pedidos da Stokke e o. na medida em que se baseavam nos seus direitos de exploração. Não obstante, deferiu o pedido de anulação da referida marca.

11      A Hauck interpôs recurso dessa decisão para o Gerechtshof te ’s‑Gravenhage (Países Baixos). No seu acórdão, aquele órgão jurisdicional considerou que a cadeira «Tripp Trapp» estava protegida pelo direito de autor e que o alcance dessa proteção incluía as cadeiras «Alpha» e «Beta». O Gerechtshof te ’s‑Gravenhage concluiu, portanto, que, entre 1986 e 1999, a Hauck tinha violado o direito de autor da Stokke e o.

12      O Gerechtshof te ’s‑Gravenhage considerou, porém, que o aspeto atraente da cadeira «Tripp Trapp» confere um valor substancial ao produto em causa e que a sua forma é determinada pela própria natureza do produto, a saber, uma cadeira para crianças segura, confortável e de qualidade. Assim, segundo o Gerechtshof te ’s‑Gravenhage, a marca controvertida é um sinal exclusivamente constituído por uma forma que responde aos motivos de recusa ou de nulidade previstos no artigo 3.°, n.° 1, alínea e), primeiro e terceiro travessões, da diretiva sobre as marcas. Por conseguinte, aquele órgão jurisdicional considerou que o Rechtbank ’s‑Gravenhage tinha tido razão ao anular a referida marca tridimensional.

13      A Hauck interpôs recurso de cassação do acórdão do Gerechtshof te ’s‑Gravenhage para o Hoge Raad der Nederlanden, tendo a Stokke e o. interposto um recurso subordinado no âmbito desse processo. O Hoge Raad der Nederlanden negou provimento ao recurso da Hauck, mas considera que o recurso subordinado implica a interpretação das disposições do artigo 3.°, n.° 1, alínea e), da diretiva sobre as marcas, sobre as quais, até à data, o Tribunal de Justiça ainda não se pronunciou.

14      Nestas condições, o Hoge Raad der Nederlanden decidiu suspender a instância e submeter ao Tribunal de Justiça as seguintes questões prejudiciais:

«1)      a)      No fundamento de recusa do registo ou de declaração da nulidade de uma marca previsto no artigo 3.°, n.° 1, […] alínea e), [primeiro travessão, da diretiva sobre as marcas], a saber, que as marcas tridimensionais não podem ser constituídas exclusivamente pela forma imposta pela própria natureza do produto, está em causa uma forma que é indispensável para a função do produto, ou estão em causa, desde logo, uma ou mais características funcionais [essenciais] de um produto que o consumidor possivelmente procura nos produtos dos concorrentes?

      b)      Se nenhuma destas alternativas for correta, como deve ser interpretada a disposição?

2)      a)      No fundamento de recusa do registo ou de declaração da nulidade de uma marca previsto no artigo 3.°, n.° 1, […] alínea e), [terceiro travessão, da diretiva sobre as marcas], a saber, que as marcas (tridimensionais) não podem ser constituídas exclusivamente pela forma que confere um valor substancial ao produto, está em causa o motivo (ou motivos) da decisão de compra do público[‑alvo]?

      b)      Está‑se perante uma ‘forma que confere um valor substancial ao produto’, na aceção da mencionada disposição, apenas quando a forma deva ser considerada o valor principal ou predominante, em comparação com outros valores (como, no caso das cadeiras para crianças, a segurança, o conforto e a qualidade) ou também quando, [além desse] valor, […] existam outros valores do produto que devam eventualmente também ser considerados substanciais?

      c)      Para a resposta [à segunda questão, alíneas a) e b)], é decisiva a opinião da maior parte do público[‑alvo], ou o juiz poderá considerar suficiente a opinião de apenas uma parte do público para que o valor em causa seja considerado ‘substancial’ na aceção da referida disposição?

      d)      Se a resposta à [segunda] questão, [alínea c),] for a segunda alternativa acima mencionada, qual a dimensão exigível da parte do público a considerar?

3)      Deve o artigo 3.°, n.° 1, [alínea e), da diretiva sobre as marcas] ser interpretado no sentido de que o motivo de exclusão referido na alínea e) desse artigo também existe se a marca tridimensional incluir um sinal ao qual se aplica o previsto no [primeiro travessão] e que, quanto ao [restante], cumpre o previsto no [terceiro travessão]?»

 Quanto às questões prejudiciais

 Quanto à primeira questão

15      Com a sua primeira questão, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta, no essencial, se o artigo 3.°, n.° 1, alínea e), primeiro travessão, da diretiva sobre as marcas deve ser interpretado no sentido de que o motivo de recusa do registo previsto nesta disposição apenas é aplicável a um sinal exclusivamente constituído pela forma indispensável à função do produto ou se também é aplicável a um sinal exclusivamente constituído por uma forma com uma ou várias características de utilização essenciais desse produto, que o consumidor pode eventualmente procurar nos produtos dos concorrentes.

16      Nos termos dessa disposição, é recusado ou pode ser sujeito a declaração de nulidade o registo de sinais constituídos exclusivamente pela forma imposta pela própria natureza do produto.

17      O Tribunal de Justiça já declarou que se deve interpretar os diferentes motivos de recusa de registo enumerados no artigo 3.° da diretiva sobre as marcas à luz do interesse geral subjacente a cada um deles (v., neste sentido, acórdãos Windsurfing Chiemsee, C‑108/97 e C‑109/97, EU:C:1999:230, n.os 25 a 27, e Philips, C‑299/99, EU:C:2002:377, n.° 77).

18      A este respeito, no caso do segundo travessão do artigo 3.°, n.° 1, alínea e), da diretiva sobre as marcas, o Tribunal de Justiça afirmou que a ratio dos motivos de recusa de registo previstos nessa disposição consiste em evitar que a proteção do direito das marcas leve a conferir ao seu titular um monopólio das soluções técnicas ou características utilitárias de um produto, suscetíveis de ser procuradas pelo utilizador nos produtos dos concorrentes [acórdão Philips, EU:C:2002:377, n.° 78, e, no caso do artigo 7.°, n.° 1, alínea e), do Regulamento (CE) n.° 40/94 do Conselho, de 20 de dezembro de 1993, sobre a marca comunitária (JO 1994, L 11, p. 1), que é essencialmente idêntico ao artigo 3.°, n.° 1, alínea e), da diretiva sobre as marcas, acórdão Lego Juris/IHMI, C‑48/09 P, EU:C:2010:516, n.° 43].

19      O objetivo imediato da proibição de registar formas que são puramente funcionais, prevista no artigo 3.°, n.° 1, alínea e), segundo travessão, da diretiva sobre as marcas, ou que conferem um valor substancial ao produto, na aceção do terceiro travessão desta disposição, é evitar que o direito exclusivo e permanente atribuído por uma marca possa servir para perpetuar outros direitos que o legislador da União pretendeu submeter a prazos de caducidade (v., neste sentido, acórdão Lego Juris/IHMI, EU:C:2010:516, n.° 45).

20      Como sublinhou o advogado‑geral nos n.os 28 e 54 das suas conclusões, cabe referir que o motivo de recusa de registo previsto no artigo 3.°, n.° 1, alínea e), primeiro travessão, da diretiva sobre as marcas prossegue o mesmo objetivo que o segundo e terceiro travessões desta disposição e, consequentemente, esse primeiro travessão deve ser interpretado de forma concordante.

21      Consequentemente, uma aplicação correta do artigo 3.°, n.° 1, alínea e), primeiro travessão, da diretiva sobre as marcas implica que as características essenciais do sinal em causa, a saber, os seus elementos mais importantes, sejam devidamente identificados caso a caso, com base na impressão global transmitida pelo sinal ou num exame sucessivo de cada um dos elementos constitutivos desse sinal (v., neste sentido, acórdão Lego Juris/IHMI, EU:C:2010:516, n.os 68 a 70).

22      A este respeito, importa sublinhar que o motivo de recusa de registo do artigo 3.°, n.° 1, alínea e), primeiro travessão, da diretiva sobre as marcas não é aplicável quando o pedido de registo como marca tenha por objeto uma forma de produto na qual outro elemento, como um elemento ornamental ou fantasista, que não é inerente à função genérica do produto, desempenhe um papel importante ou essencial (v., neste sentido, acórdão Lego Juris/IHMI, EU:C:2010:516, n.os 52 e 72).

23      Assim, uma interpretação do primeiro travessão da referida disposição segundo a qual aquele se aplica apenas a sinais exclusivamente constituídos por formas indispensáveis à função do produto em causa, não deixando ao produtor em causa nenhuma margem para dar o seu contributo pessoal essencial, não permitiria ao motivo de recusa aí previsto cumprir plenamente o seu objetivo.

24      Com efeito, essa interpretação levaria a restringir o referido motivo de recusa aos produtos ditos «naturais», que não têm substituto, ou aos produtos ditos «regulamentados», cuja forma é prescrita por normas, não obstante os sinais constituídos pelas formas decorrentes desses produtos não poderem, em qualquer caso, ser registados, devido à sua falta de caráter distintivo.

25      Pelo contrário, na aplicação do motivo de recusa enunciado no artigo 3.°, n.° 1, alínea e), primeiro travessão, da diretiva sobre as marcas, há que ter em conta o facto de que o conceito de «forma imposta pela própria natureza do produto» implica que o registo das formas cujas características essenciais são inerentes à função ou às funções genéricas desse produto deva, em princípio, ser igualmente recusado.

26      Como indicou o advogado‑geral no n.° 58 das suas conclusões, reservar tais características a um único operador económico impediria que empresas concorrentes pudessem atribuir aos seus produtos uma forma que fosse útil à utilização dos referidos produtos. Além disso, impõe‑se concluir que se trata de características essenciais que o consumidor poderá procurar nos produtos dos concorrentes, uma vez que esses produtos se destinam a preencher uma função idêntica ou semelhante.

27      Consequentemente, há que responder à primeira questão que o artigo 3.°, n.° 1, alínea e), primeiro travessão, da diretiva sobre as marcas deve ser interpretado no sentido de que o motivo de recusa de registo previsto nesta disposição se pode aplicar a um sinal exclusivamente constituído pela forma de um produto que apresente uma ou várias características de utilização essenciais ou inerentes à função ou às funções genéricas desse produto, que o consumidor pode eventualmente procurar nos produtos dos concorrentes.

 Quanto à segunda questão

28      Com a sua segunda questão, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta, no essencial, se o artigo 3.°, n.° 1, alínea e), terceiro travessão, da diretiva sobre as marcas deve ser interpretado no sentido de que o motivo de recusa de registo previsto nesta disposição se pode aplicar a um sinal constituído exclusivamente pela forma de um produto com várias características suscetíveis de lhe conferir diferentes valores substanciais e se, nessa apreciação, há que ter em conta a perceção da forma do produto pelo público‑alvo.

29      Decorre da decisão de reenvio que as dúvidas suscitadas pelo Hoge Raad der Nederlanden relativamente à interpretação da referida disposição têm a sua origem na circunstância de, em seu entender, a forma da cadeira «Tripp Trapp» lhe conferir um valor estético importante, ao mesmo tempo que esse produto apresenta outras características, de segurança, conforto e qualidade, que lhe conferem valor essenciais à sua função.

30      A este respeito, o facto de se considerar que a forma confere um valor substancial ao produto não exclui que outras características do produto lhe possam igualmente conferir um valor importante.

31      Assim, o objetivo de evitar que o direito exclusivo e permanente conferido por uma marca possa servir para perpetuar, sem limitação no tempo, outros direitos que o legislador da União quis sujeitar a prazos de caducidade exige, como sublinhou o advogado‑geral no n.° 85 das suas conclusões, que a aplicação do terceiro travessão do artigo 3.°, n.° 1, alínea e), da diretiva sobre as marcas não seja automaticamente excluída quando, para além da sua função estética, o produto em causa assegure também outras funções essenciais.

32      Com efeito, o conceito de «forma que confere um valor substancial ao produto» não pode ser apenas limitado à forma dos produtos que tenham exclusivamente um valor artístico ou ornamental, sob pena de não cobrir os produtos que possuam, para lá de um elemento estético importante, características funcionais essenciais. Neste último caso, o direito conferido pela marca ao seu titular atribuiria um monopólio sobre as características essenciais dos produtos, o que impediria o referido motivo de recusa de cumprir plenamente o seu objetivo.

33      Além disso, quanto à incidência do público‑alvo, o Tribunal de Justiça declarou que, contrariamente ao que se verifica na hipótese visada pelo artigo 3.°, n.° 1, alínea b), da diretiva sobre as marcas, em que a perceção do público‑alvo deve ser imperativamente tida em conta, porque é essencial para determinar se o sinal apresentado para registo como marca permite distinguir os produtos ou os serviços em causa como provenientes de determinada empresa, tal obrigação não pode ser imposta no âmbito do n.° 1, alínea e), do referido artigo (v., neste sentido, acórdão Lego Juris/IHMI, EU:C:2010:516, n.° 75).

34      A perceção presumida do sinal pelo consumidor médio não é um elemento decisivo na aplicação do motivo de recusa enunciado no terceiro travessão desta última disposição, mas pode, quando muito, constituir um elemento de apreciação útil para a autoridade competente, quando esta identifica as características essenciais do sinal (v., neste sentido, acórdão Lego Juris/IHMI, EU:C:2010:516, n.° 76).

35      A este respeito, como indicou o advogado‑geral no n.° 93 das suas conclusões, podem entrar em linha de conta outros elementos de apreciação, como a natureza da categoria dos produtos, o valor artístico da forma, a especificidade dessa forma relativamente a outras formas geralmente presentes no mercado em causa, a diferença notável de preço comparativamente a produtos semelhantes ou a existência de uma estratégia promocional que incida principalmente nas características estéticas do produto em causa.

36      Atendendo às considerações precedentes, há que responder à segunda questão que o artigo 3.°, n.° 1, alínea e), terceiro travessão, da diretiva sobre as marcas deve ser interpretado no sentido de que o motivo de recusa de registo previsto nesta disposição se pode aplicar a um sinal constituído exclusivamente pela forma de um produto com várias características suscetíveis de lhe conferir diferentes valores substanciais. A perceção da forma do produto pelo público‑alvo constitui apenas um dos elementos de apreciação para efeitos de determinação da aplicabilidade do motivo de recusa em causa.

 Quanto à terceira questão

37      Com a sua terceira questão, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta, no essencial, se o artigo 3.°, n.° 1, alínea e), da diretiva sobre as marcas deve ser interpretado no sentido de que os motivos de recusa de registo enunciados no primeiro e terceiro travessões desta disposição se podem aplicar de forma conjugada.

38      Por força desta disposição, é recusado o registo ou ficarão sujeitos a declaração de nulidade, uma vez efetuados, os registos de sinais constituídos exclusivamente pela forma imposta pela própria natureza do produto, pela forma do produto necessária à obtenção de um resultado técnico e pela forma que confere um valor substancial ao produto.

39      Decorre claramente deste enunciado que os três motivos de recusa de registo previstos na referida disposição têm natureza autónoma. Com efeito, a sua citação sucessiva assim como o emprego do termo «exclusivamente» implicam que cada um deles se deve aplicar independentemente do outro.

40      Assim, se um dos critérios mencionados no artigo 3.°, n.° 1, alínea e), da diretiva sobre as marcas estiver preenchido, o sinal constituído exclusivamente pela forma do produto, ou até por uma representação gráfica dessa forma, não pode ser registado como marca (acórdãos Philips, EU:C:2002:377, n.° 76, e Benetton Group, C‑371/06, EU:C:2007:542, n.° 26, terceiro travessão).

41      A este respeito, é irrelevante que esse sinal possa ser recusado com fundamento em vários motivos de recusa, desde que um desses motivos se aplique plenamente ao referido sinal.

42      De resto, cabe sublinhar, como indicou o advogado‑geral no n.° 99 das suas conclusões, que o objetivo de interesse geral subjacente à aplicação dos três motivos de recusa de registo previstos no artigo 3.°, n.° 1, alínea e), da diretiva sobre as marcas obsta à recusa de registo quando nenhum desses três motivos seja plenamente aplicável.

43      Nestas condições, há que responder à terceira questão que o artigo 3.°, n.° 1, alínea e), da diretiva sobre as marcas deve ser interpretado no sentido de que os motivos de recusa de registo enunciados no primeiro e terceiro travessões desta disposição não podem ser aplicados de forma conjugada.

 Quanto às despesas

44      Revestindo o processo, quanto às partes na causa principal, a natureza de incidente suscitado perante o órgão jurisdicional de reenvio, compete a este decidir quanto às despesas. As despesas efetuadas pelas outras partes para a apresentação de observações ao Tribunal de Justiça não são reembolsáveis.

Pelos fundamentos expostos, o Tribunal de Justiça (Segunda Secção) declara:

1)      O artigo 3.°, n.° 1, alínea e), primeiro travessão, da Primeira Diretiva 89/104/CEE do Conselho, de 21 de dezembro de 1988, que harmoniza as legislações dos Estados‑Membros em matéria de marcas, deve ser interpretado no sentido de que o motivo de recusa de registo previsto nesta disposição se pode aplicar a um sinal exclusivamente constituído pela forma de um produto que apresente uma ou várias características de utilização essenciais ou inerentes à função ou às funções genéricas desse produto, que o consumidor pode eventualmente procurar nos produtos dos concorrentes.

2)      O artigo 3.°, n.° 1, alínea e), terceiro travessão, da Primeira Diretiva 89/104 deve ser interpretado no sentido de que o motivo de recusa de registo previsto nesta disposição se pode aplicar a um sinal constituído exclusivamente pela forma de um produto com várias características suscetíveis de lhe conferir diferentes valores substanciais. A perceção da forma do produto pelo público‑alvo constitui apenas um dos elementos de apreciação para efeitos de determinação da aplicabilidade do motivo de recusa em causa.

3)      O artigo 3.°, n.° 1, alínea e), da Primeira Diretiva 89/104 deve ser interpretado no sentido de que os motivos de recusa de registo enunciados no primeiro e terceiro travessões desta disposição não podem ser aplicados de forma conjugada.

Assinaturas


* Língua do processo: neerlandês.