Language of document : ECLI:EU:T:2015:595

Processo T‑245/13

Reino Unido da Grã‑Bretanha e da Irlanda do Norte

contra

Comissão Europeia

«FEOGA — Secção ‘Garantia’ — FEAGA e FEADER — Despesas excluídas do financiamento — Regime de pagamento único — Controlos‑chave — Controlos secundários — Artigos 51.°, 53.°, 73.° e 73.°‑A do Regulamento (CE) n.° 796/2004»

Sumário — Acórdão do Tribunal Geral (Segunda Secção) de 4 de setembro de 2015

1.      Agricultura — Política agrícola comum — Financiamento pelo FEOGA, o FEAGA e o FEADER — Apuramento das contas — Recusa de imputação de despesas decorrentes de irregularidades na aplicação da regulamentação da União — Contestação pelo Estado‑Membro em causa — Ónus da prova — Repartição entre a Comissão e o Estado‑Membro

(Regulamento n.° 1290/2005 do Conselho, artigo 31.°, n.° 1)

2.      Agricultura — Política agrícola comum — Regimes de apoio direto — Regras comuns — Regime de pagamento único — Atribuição indevida de certos direitos ao pagamento que afetaram o valor total dos direitos atribuídos — Consequências — Obrigação da Comissão de proceder a uma reavaliação retrospetiva do valor unitários dos referidos direitos — Inexistência

(Regulamento n.° 73/2009 do Conselho; Regulamentos da Comissão n.° 796/2004, artigos 73.° e 73.°‑A, e n.° 239/2005, considerando 15)

3.      Direito da União Europeia — Interpretação — Métodos — Interpretação literal, sistemática e teleológica

4.      Agricultura — Política agrícola comum — Regimes de apoio direto — Regras comuns — Regime de pagamento único — Atribuição indevida das ajudas com base em direitos ao pagamento indevidamente atribuídos em razão de erros quanto à superfície elegível — Consequências — Obrigação de reembolsar integralmente o montante das ajudas pagas — Requisitos

(Regulamentos do Conselho n.° 729/70, n.° 1258/1999, n.° 1290/2005 e n.° 73/2009, artigo 34.°, n.° 1; Regulamento n.° 796/2004 da Comissão, artigos 73.° e 73.°‑A)

5.      Agricultura — Política agrícola comum — Sistema integrado de gestão e de controlo relativo a determinados regimes de ajudas — Reduções e exclusões em caso de sobredeclarações — Superfície declarada num pedido de ajudas que ultrapassa a superfície determinada num controlo — Sanção — Cálculo com fundamento nos direitos ao pagamento declarados pelo agricultor — Obrigação de tomar em conta uma reavaliação prévia do valor unitário dos direitos ao pagamento em caso de atribuição indevida desses direitos — Inexistência

(Regulamento n.° 796/2004 da Comissão, artigo 2.°, pontos 22, 50, n.os 2 e 3, e 51.°, n.° 1)

6.      Agricultura — Política agrícola comum — Sistema integrado de gestão e de controlo relativo a determinados regimes de ajudas — Reduções e exclusões em caso de sobredeclarações — Não aplicação em caso de declaração num pedido de ajudas de uma superfície superior aos direitos ao pagamento declarados, mas que satisfaz os outros critérios de admissibilidade — Tomada em conta dos direitos ao pagamento tal como reavaliados na sequência da constatação do caráter indevido da atribuição desses direitos — Exclusão

(Regulamento n.° 796/2004 da Comissão, artigos 50.°, n.° 2, 51.°, n.° 2‑A, e 73.° A)

7.      Agricultura — Política agrícola comum — Sistema integrado de gestão e de controlo relativo a determinados regimes de ajudas — Reduções e exclusões em caso de sobredeclarações — Medidas constitutivas de uma sanção administrativa — Possibilidade de aplicação retroativa das regras previstas pelo Regulamento n.° 1122/2009 enquanto sanções menos severas — Inexistência — Falta de caráter de sanção das referidas regras

(Regulamento n.° 2988/95 do Conselho, artigo 2.°, n.° 2; Regulamentos da Comissão n.° 796/2004, artigo 51.°, e n.° 1122/2009, artigos 57.°, n.° 2, segundo travessão)

8.      Agricultura — Política agrícola comum — Financiamento pelo FEOGA, o FEAGA e o FEADER — Apuramento das contas — Recusa de tomada a cargo de despesas que decorrem de irregularidades na aplicação da regulamentação da União — Correção financeira forfetária efetuada pela Comissão em conformidade com as diretrizes internas adotadas na matéria — Aplicação pela Comissão das referidas orientações internas no quadro do apuramento das contas dos outros fundos além do FEOGA — Admissibilidade

(Regulamento n.° 1290/2005 do Conselho, artigo 31.°, n.° 1)

1.      V. texto da decisão.

(cf. n.os 64 a 67, 173 e 183)

2.      Nenhuma disposição do Regulamento n.° 73/2009, que estabelece regras comuns para os regimes de apoio direto aos agricultores no âmbito da política agrícola comum e institui determinados regimes de apoio aos agricultores, prevê expressamente a possibilidade de alterar os direitos ao pagamento de um agricultor que tenha recebido um número demasiado elevado de direitos ao pagamento na atribuição inicial. Em contrapartida, o artigo 73.°‑A do Regulamento n.° 796/2004, que estabelece regras de execução relativas à condicionalidade, à modulação e ao sistema integrado de gestão e de controlo previstos no Regulamento n.° 1782/2003, prevê regras relativas à recuperação dos direitos indevidamente atribuídos das quais resulta que, nas circunstâncias a que se referem, os direitos ao pagamento podem ser objeto de um novo cálculo. Esta disposição decorre, como resulta do considerando 15 do Regulamento n.° 239/2005, através do qual foi introduzida no Regulamento n.° 796/2004, da vontade de fixar regras quando um agricultor tiver recebido indevidamente uma determinada quantidade de direitos ao pagamento ou quando o valor de cada um dos direitos ao pagamento tiver sido estabelecido num nível incorreto.

Num caso em que a atribuição indevida de certos direitos ao pagamento afetou tanto o valor unitário como o valor total dos direitos ao pagamento a um agricultor, no sentido de que o valor unitário foi subavaliado e o valor total foi sobreavaliado, o artigo 73.°‑A, n.° 2‑A, do Regulamento n.° 796/2004 não prevê uma reavaliação retrospetiva do valor unitário dos direitos ao pagamento.

Relativamente à interpretação do artigo 73.°‑A, n.° 1, terceiro parágrafo, do Regulamento n.° 796/2004, a letra desta disposição não prevê nem exclui expressamente uma reavaliação retrospetiva do valor unitário dos direitos ao pagamento na sequência da recuperação dos direitos indevidamente atribuídos. A este respeito, a precisão feita no artigo 73.°‑A, n.° 1, terceiro parágrafo, do Regulamento n.° 796/2004, segundo a qual os direitos indevidamente atribuídos são considerados como não tendo sido atribuídos ab initio não pode ser interpretada no sentido de que impõe que seja efetuada tal reavaliação retrospetiva. Em contrapartida, esta precisão deve ser lida em conjugação com o artigo 73.°‑A, n.° 4, do referido regulamento, e interpretada no sentido de que tem como único objetivo indicar que as ajudas eventualmente concedidas com base em direitos indevidamente atribuídos são indevidas, pelo que, em conformidade com as disposições do artigo 73.° do Regulamento n.° 796/2004, devem ser restituídas.

Tal reavaliação em alta também não pode decorrer do artigo 73.°‑A, n.° 2, do Regulamento n.° 796/2004. Com efeito, esta disposição apenas prevê a reavaliação em baixa dos direitos ao pagamento. Esta disposição não pode ser interpretada no sentido de que impõe uma reavaliação retrospetiva em alta do valor unitário dos direitos ao pagamento quando, em caso de atribuição indevida de determinados direitos ao pagamento e de subavaliação do valor unitário dos direitos atribuídos, o valor total dos direitos atribuídos a um agricultor tiver sido sobreavaliado.

(cf. n.os 82, 83, 87, 88, 93, 95 a 97)

3.      V. texto da decisão.

(cf. n.° 85)

4.      Quando o legislador da União fixa requisitos de elegibilidade para a concessão de uma ajuda, a exclusão provocada pela inobservância de uma dessas condições não é uma sanção, mas a simples consequência do incumprimento dos requisitos previstos na lei. Assim, a aplicação do artigo 73.°, n.° 1, do Regulamento n.° 796/2004, que estabelece regras de execução relativas à condicionalidade, à modulação e ao sistema integrado de gestão e de controlo previstos no Regulamento n.° 1782/2003, sem uma reavaliação prévia dos direitos ao pagamento não constitui uma sanção para o agricultor apesar de acarretar recuperações de montantes superiores ao risco real para o Fundo Europeu de Orientação e de Garantia Agrícola (FEOGA). Com efeito, por um lado, em conformidade com o artigo 34.°, n.° 1, do Regulamento n.° 73/2009, que estabelece regras comuns para os regimes de apoio direto aos agricultores no âmbito da política agrícola comum e institui determinados regimes de apoio aos agricultores, o apoio é concedido para os direitos ao pagamento ativados, isto é, para os direitos ao pagamento acompanhados de um número correspondente de hectares elegíveis. Por conseguinte, um erro quanto à superfície elegível afeta em qualquer caso o montante do apoio pago na íntegra. Por outro lado, uma ajuda concedida com base em direitos ao pagamento indevidamente atribuídos constitui, à luz do artigo 73.°‑A, n.° 1, terceiro parágrafo, do Regulamento n.° 796/2004, conjugado com o artigo 73.°‑A, n.° 4, do mesmo regulamento, uma ajuda indevida que deve ser recuperada em conformidade com o artigo 73.° do referido regulamento.

Além disso, na falta de uma disposição que preveja, em caso de atribuição indevida de certos direitos ao pagamento que tenha afetado o valor total dos direitos ao pagamento, a reavaliação retrospetiva do seu valor unitário em alta, uma interpretação segundo a qual haveria que proceder à reavaliação retrospetiva dos direitos ao pagamento antes da aplicação do artigo 73.° do Regulamento n.° 796/2004 é incompatível com a exigência de uma interpretação estrita das condições de imputação das despesas no âmbito do Regulamento n.° 729/70, relativo ao financiamento da política agrícola comum, substituído pelo Regulamento n.° 1258/1999, o qual, por sua vez, foi substituído pelo Regulamento n.° 1290/2005. Por outro lado, em qualquer caso, o artigo 73.°, n.° 4, primeiro parágrafo, do Regulamento n.° 796/2004 prevê que a obrigação de reembolso referida no n.° 1 desta disposição não se aplica se o pagamento tiver sido efetuado na sequência de um erro da autoridade competente ou de outra autoridade e se o erro não podia ser razoavelmente detetado pelo agricultor. Daqui resulta que o agricultor de boa‑fé está protegido da recuperação da ajuda indevida quando o erro que afetou a superfície elegível, ou mesmo a concessão dos direitos ao pagamento, é imputável às autoridades e não o podia razoavelmente ter detetado.

(cf. n.os 105, 110 a 112, 115 e 119)

5.      Não resulta do teor do artigo 51.°, n.° 1, do Regulamento n.° 796/2004, que estabelece regras de execução relativas à condicionalidade, à modulação e ao sistema integrado de gestão e de controlo previstos no Regulamento n.° 1782/2003, nem da sua leitura à luz da definição, no artigo 2.°, n.° 22, deste regulamento, do conceito de «superfície determinada», que a sanção prevista no referido artigo 51.°, n.° 1, do Regulamento n.° 796/2004 deva ser determinada com base nos direitos ao pagamento recalculados retrospetivamente. Com efeito, resulta do teor do artigo 51.°, n.° 1, do referido regulamento que as reduções e exclusões nele previstas são aplicáveis quando a superfície declarada pelo agricultor for superior à superfície determinada em conformidade, nomeadamente, com o artigo 50.°, n.° 3, do mesmo regulamento e a diferença entre as duas superfícies exceder os limites indicados por esta disposição.

Ora, embora resulte desta disposição que uma sobredeclaração é punida pela redução, nas condições nela enunciadas, da superfície determinada com base na qual o montante da ajuda é calculado, importa, não obstante, constatar que, atendendo aos próprios termos desta disposição, a sua aplicação não está de modo algum sujeita a uma reavaliação prévia do valor unitário dos direitos ao pagamento em caso de atribuição indevida de tais direitos. De resto, mesmo supondo, como alega o Reino Unido, que o referido artigo 2.°, n.° 22, do Regulamento n.° 796/2004 define a superfície determinada como a superfície que está ligada a um número de direitos ao pagamento de que o agricultor dispõe realmente e que esta definição é pertinente no âmbito do artigo 51.° do referido regulamento, tal definição não é suscetível de impor o cálculo da sanção aplicável nos termos do artigo 51.°, n.° 1, do Regulamento n.° 796/2004 com base num valor recalculado dos direitos ao pagamento. Com efeito, o artigo 2.°, n.° 22, do referido regulamento não contém nenhuma indicação quanto ao valor dos direitos ao pagamento que, eventualmente, deveriam ser tidos em conta.

Esta leitura do artigo 51.°, n.° 1, do Regulamento n.° 796/2004 impõe‑se tanto mais, por um lado, à luz das disposições do artigo 50.° do mesmo regulamento e, em particular, do n.° 2 deste último. Resulta do artigo 50.°, n.° 2, do Regulamento n.° 796/2004, que define a base de cálculo da ajuda, que, se se verificar uma diferença entre os direitos aos pagamentos declarados e a superfície declarada, o cálculo do pagamento se baseará no valor mais baixo. Dito de outra forma, resulta desta disposição que o cálculo da ajuda é efetuado, na falta de qualquer indicação em sentido contrário, com fundamento nos direitos ao pagamento declarados pelo agricultor, sem que seja necessário ter em conta uma eventual reavaliação em alta do seu valor unitário.

(cf. n.os 134 a 136, 138 e 139)

6.      Tendo em conta a economia geral do artigo 51.° do Regulamento n.° 796/2004, que estabelece regras de execução relativas à condicionalidade, à modulação e ao sistema integrado de gestão e de controlo previstos no Regulamento n.° 1782/2003, que se inscreve na luta contra as irregularidades e as fraudes, a introdução do n.° 2‑A nesta disposição baseia‑se na consideração de que, se se verificar uma diferença entre a superfície declarada e os direitos ao pagamento declarados, não existe, em princípio, um risco de irregularidade ou de fraude desde que a superfície declarada satisfaça todos os outros critérios de admissibilidade. Com efeito, caso se verifique tal diferença entre a superfície declarada e o número de direitos declarados, o montante da ajuda é, em qualquer caso, determinado, em conformidade com o artigo 50.°, n.° 2, do referido regulamento, com base no valor mais baixo, pelo que, em qualquer hipótese, se exclui o pagamento de uma ajuda com base numa superfície não determinada. Daqui resulta que, em princípio, neste caso não existe o risco de ser feito um pagamento indevido concedido com base numa superfície não determinada.

Relativamente às reduções e exclusões aplicáveis em caso de sobredeclaração de superfície agrícola, só na hipótese de a superfície declarada ser superior ao número de direitos ao pagamento declarados e de a referida superfície satisfazer todos os outros requisitos de elegibilidade é que, em conformidade com o artigo 51.°, n.° 2‑A, primeiro parágrafo, do Regulamento n.° 796/2004, as reduções e exclusões instituídas no n.° 1 desta disposição não se aplicam. A este respeito, a comparação entre a superfície declarada e os direitos ao pagamento declarados efetua‑se, no âmbito do artigo 51.°, n.° 2‑A, do Regulamento n.° 796/2004, sem ter em consideração o número de direitos ao pagamento de que o agricultor dispõe realmente, eventualmente após a recuperação dos direitos indevidamente atribuídos com fundamento no artigo 73.°‑A do Regulamento n.° 796/2004.

(cf. n.os 144, 145 e 151)

7.      O artigo 57.°, n.° 2, segundo parágrafo, do Regulamento n.° 1122/2009, que estabelece regras de execução do Regulamento n.° 73/2009 e n.° 73/2009 e n.° 1234/2007, não constitui uma nova regra relativa à aplicação das reduções e exclusões em caso de sobredeclaração de superfície agrícola, que deva, por ser menos severa do que a regra resultante do artigo 51.° do Regulamento n.° 796/2004, que estabelece regras de execução relativas à condicionalidade, à modulação e ao sistema integrado de gestão e de controlo previstos no Regulamento n.° 1782/2003, ser aplicada retroativamente. Com efeito, embora as reduções e exclusões das ajudas, como as previstas pelo artigo 51.° do Regulamento n.° 796/2004, constituam uma sanção administrativa na aceção do artigo 2.°, n.° 2, do Regulamento n.° 2988/95, relativo à proteção dos interesses financeiros das Comunidades Europeias, não é esse o caso em relação às disposições relativas à definição de uma base de cálculo, como o artigo 57.°, n.° 2, segundo travessão, do Regulamento n.° 1122/2009.

Acresce que o artigo 57.°, n.° 2, segundo travessão, do Regulamento n.° 1122/2009 não altera minimamente as regras relativas às reduções e exclusões, como resultam do artigo 58.° do Regulamento n.° 1122/2009. De resto, este último artigo retoma as regras que figuram no artigo 51.°, n.° 1, do Regulamento n.° 796/2004, precisando‑se, porém, que o disposto no artigo 51.°, n.° 2‑A, do Regulamento n.° 796/2004, que constituía uma exceção às reduções e exclusões do artigo 51.°, n.° 1, do mesmo regulamento, não é retomado no artigo 58.° do Regulamento n.° 1122/2009.

(cf. n.os 160, 162 a 166)

8.      Embora o Documento n.° VI/5330/97, que define as diretrizes da Comissão para a aplicação das correções financeiras, tenha sido adotado pela Comissão no contexto do Fundo Europeu de Orientação e de Garantia Agrícola (FEOGA) e contenha, como indica o seu título, diretrizes relativas ao cálculo das consequências financeiras na preparação da decisão de apuramento das contas do FEOGA, Secção «Garantia», nada impede a Comissão de aplicar este documento igualmente no exercício das competências que o artigo 31.°, n.° 1, do Regulamento n.° 1290/2005, relativo ao financiamento da política agrícola comum, lhe atribui com vista ao apuramento das contas do Fundo Europeu Agrícola de Garantia (FEAGA).

(cf. n.° 189)