Language of document : ECLI:EU:T:2004:372

DESPACHO DO PRESIDENTE DO TRIBUNAL DE PRIMEIRA INSTÂNCIA

22 de Dezembro de 2004 (*)

«Processo de medidas provisórias – Artigo 82.° CE»

No processo T‑201/04 R,

Microsoft Corp., com sede em Redmond, Washington (Estados Unidos), representada por e J.‑F. Bellis, advogado, e I. S. Forrester, QC,

recorrente,

apoiada por

The Computing Technology Industry Association, Inc., com sede em Oakbrook Terrace, Illinois (Estados Unidos), representada por G. van Gerven e T. Franchoo, advogados, e B. Kilpatrick, solicitor,

Association for Competitive Technology, Inc., com sede em Washington, DC (Estados Unidos), representada por L. Ruessmann e P. Hecker, advogados,

TeamSystemSpA, com sede em Pesaro (Itália),

Mamut ASA, com sede em Oslo (Noruega),

representadas por G. Berrisch, advogado,

DMDsecure.comBV, com sede em Amesterdão (Países Baixos),

MPSBroadbandAB, com sede em Estocolmo (Suécia),

Pace      Micro      Technology      plc, com sede em Shipley, West Yorkshire (Reino Unido),

Quantel      Ltd, com sede em Newbury, Berkshire (Reino Unido),

Tandberg      Television      Ltd, com sede em Southampton, Hampshire (Reino Unido),

representadas por J. Bourgeois, advogado,

Exor AB, com sede em Uppsala (Suécia), representada por S. Martínez Lage, H. Brokelman e R. Allendesalazar Corcho, advogados,

intervenientes,

contra

Comissão das Comunidades Europeias, representada por R. Wainwright, W. Mölls, F. Castillo de la Torre e P. Hellström, na qualidade de agentes, com domicílio escolhido no Luxemburgo,

recorrida,

apoiada por

RealNetworks, Inc., com sede em Seattle, Washington (Estados Unidos), representada por A. Winckler, M. Dolmans e T. Graf, advogados,

Software & Information Industry Association, com sede em Washington, DC, representada por C. A. Simpson, solicitor,

Free Software Foundation Europe eV, com sede em Hamburgo (Alemanha), representada por C. Piana, advogado,

intervenientes,

que tem por objecto um pedido de suspensão da execução do artigo 4.°, do artigo 5.°, alíneas a) a c), e do artigo 6.°, alínea a), da decisão C(2004) 900 final da Comissão, de 24 de Março de 2004, relativa a um procedimento de aplicação do artigo 82.° CE (Processo COMP/C‑3/37.792 – Microsoft),

O PRESIDENTE DO TRIBUNAL DE PRIMEIRA INSTÂNCIA
DAS COMUNIDADES EUROPEIAS

Profere o presente

Despacho

 Antecedentes do litígio

1       A Microsoft Corp. (a seguir «Microsoft») concebe e comercializa diferentes softwares, incluindo, nomeadamente sistemas operativos para servidores e para computadores pessoais.

2       Em 10 de Dezembro de 1998, a Sun Microsystems Inc. (a seguir «Sun Microsystems»), sociedade com sede na Califórnia (Estados Unidos) que fornece, nomeadamente, sistemas operativos para servidores, apresentou uma denúncia à Comissão. Na sua denúncia, a Sun Microsystems queixava‑se da recusa de a Microsoft lhe transmitir a tecnologia necessária para permitir a interoperabilidade do seu sistema operativo para servidores de grupo de trabalho com o sistema operativo Windows para computadores pessoais. Segundo a Sun Microsystems, a tecnologia de que pretendia beneficiar era necessária para lhe permitir ser concorrencial no mercado dos sistemas operativos para servidores de grupo de trabalho.

3       Em 2 de Agosto de 2000, a Comissão enviou à Microsoft uma comunicação de acusações. Esta comunicação de acusações respeitava, essencialmente, a questões relativas à interoperabilidade entre, por um lado, os sistemas operativos Windows para computadores pessoais e, por outro, os sistemas operativos para servidores de outros fornecedores (a seguir «interoperabilidade cliente‑servidor»). A Microsoft respondeu a esta primeira comunicação de acusações em 17 de Novembro de 2000.

4       Em 29 de Agosto de 2001, a Comissão enviou à Microsoft uma segunda comunicação de acusações. Nesta comunicação de acusações, a Comissão reiterou as acusações anteriores quanto à interoperabilidade cliente‑servidor. Além disso, a Comissão abordou determinadas questões relativas à interoperabilidade entre servidores de grupo de trabalho (a seguir «interoperabilidade servidor‑servidor»). Por fim, a Comissão evocou certas questões relativas à integração do programa Windows Media Player no sistema operativo Windows. A comunicação desta última acusação dava seguimento a um inquérito iniciado, por iniciativa da Comissão, em Fevereiro de 2000. A Microsoft respondeu a esta segunda comunicação de acusações em 16 de Novembro de 2001.

5       Em 6 de Agosto de 2003, a Comissão enviou à Microsoft uma comunicação de acusações destinada a completar as duas comunicações de acusações anteriores. Por cartas de 17 e 31 de Outubro de 2003, a Microsoft respondeu a esta comunicação de acusações adicional.

6       A Comissão organizou uma audição em 12, 13 e 14 de Novembro de 2003. Por carta de 1 de Dezembro de 2003, a Microsoft apresentou observações escritas sobre as questões levantadas durante a audição pelos serviços da Comissão, pela denunciante e pelos terceiros interessados. Após uma última troca de correspondência entre a Comissão e a Microsoft, a Comissão adoptou, em 24 de Março de 2004, uma decisão relativa a um procedimento de aplicação do artigo 82.° CE no processo COMP/C‑3/37.792 – Microsoft (a seguir «Decisão»).

 A Decisão

7       Segundo a Decisão, a Microsoft violou o artigo 82.° CE e o artigo 54.° do Acordo sobre o Espaço Económico Europeu (EEE), por ter cometido dois abusos de posição dominante.

8       Numa primeira fase, a Comissão identificou três mercados de produto distintos e considerou que a Microsoft tinha uma posição dominante em dois deles. Numa segunda fase, a Comissão identificou dois comportamentos abusivos por parte da Microsoft nestes mercados. Consequentemente, a Comissão aplicou à Microsoft uma coima bem como certas medidas correctivas.

I –  Mercados relevantes identificados na Decisão e posição dominante da Microsoft em dois destes mercados

 Mercados relevantes identificados na Decisão

9       O primeiro mercado de produto identificado na Decisão é dos sistemas operativos para computadores pessoais (considerandos 324 a 342). Um sistema operativo é um pacote de programas que controla as funções básicas de um computador e permite ao utilizador servir‑se desse computador e nele fazer funcionar aplicações. Os computadores pessoais são computadores multifuncionais concebidos para serem utilizados por uma pessoa de cada vez e podem ser ligados a uma rede.

10     O segundo mercado de produto identificado na Decisão é dos sistemas operativos para servidores de grupo de trabalho (considerandos 343 a 401). A Decisão define «serviços de grupo de trabalho» como os serviços relativos a uma rede de base que são utilizados pelos empregados de escritório no seu trabalho diário para três tipos de serviços distintos, ou seja, em primeiro lugar, a partilha de ficheiros armazenados em servidores, em segundo lugar, a partilha de impressoras e, em terceiro lugar, a «administração» do modo pelo qual os utilizadores e os grupos de utilizadores acedem aos serviços em rede (a seguir «gestão dos utilizadores e dos grupos de utilizadores») (considerando 53). Esta última série de serviços consiste, em especial, em assegurar um acesso e um uso seguros dos recursos da rede, nomeadamente, numa primeira fase, autentificando os utilizadores e depois, numa segunda fase, verificando se estão autorizados a realizar uma determinada operação (considerando 54).

11     Segundo a Decisão, as três séries de serviços identificados no número anterior estão estreitamente associadas no seio dos sistemas operativos para servidores (considerando 56). A Decisão acrescenta a este respeito que os «sistemas operativos para servidores de grupo de trabalho» são sistemas operativos concebidos e comercializados para fornecer, de modo integrado, estas três séries de serviços a um número relativamente limitado de computadores pessoais ligados a uma rede de pequena ou média dimensão (considerandos 53 e 345 a 368). A Decisão refere também que a inexistência de outros produtos de substituição do ponto de vista da procura se confirma, por um lado, pela estratégia tarifária da Microsoft (considerandos 369 a 382) e, por outro, pela importância da interoperabilidade dos sistemas operativos para servidores de grupo de trabalho com os computadores pessoais (considerandos 383 a 386). Tendo, além disso, considerado que a existência de produtos de substituição do ponto de vista da oferta era reduzida para os sistemas operativos para servidores de grupo de trabalho (considerandos 388 a 400), a Comissão retirou daí a conclusão de que constituíam um mercado de produto distinto.

12     O terceiro mercado identificado na Decisão é o dos leitores multimédia que permitem uma recepção contínua (considerandos 402 a 425). Um leitor multimédia é um software capaz de ler em formato digital conteúdos de som e imagem, ou seja, de descodificar os dados correspondentes e de os traduzir em instruções para o equipamento (altifalantes, monitor). Os leitores multimédia que permitem uma recepção contínua conseguem ler conteúdos «difundidos em contínuo» através da Internet.

13     Na Decisão, a Comissão considera, em primeiro lugar, que os leitores multimédia que permitem uma leitura em contínuo são distintos dos sistemas operativos (considerandos 404 a 406), em segundo lugar, que não sofrem pressão concorrencial por parte dos leitores que não permitem leitura em contínuo (considerandos 407 a 410), em terceiro lugar, que só os leitores multimédia com funcionalidades semelhantes exercem uma pressão concorrencial sobre o Windows Media Player (considerandos 411 a 415) e, em quarto lugar, essencialmente, que a presença de produtos de substituição do ponto de vista da oferta é reduzida (considerandos 416 a 424). A Comissão deduz destes elementos que os leitores multimédia que permitem a recepção em contínuo constituem um mercado de produto distinto.

14     No que respeita à dimensão geográfica dos três mercados de produto atrás identificados, a Comissão considera que são de dimensão mundial (considerando 427).

 Posição dominante da Microsoft no mercado dos sistemas operativos para computadores pessoais e no mercado dos sistemas operativos para servidores de grupo de trabalho

15     Em primeiro lugar, no mercado dos sistemas operativos para computadores pessoais, a Comissão constata que a Microsoft detém, desde pelo menos 1996, uma posição dominante que resulta, nomeadamente, da detenção de quotas de mercado superiores a 90 % (considerandos 430 a 435) e da existência de barreiras à entrada muito importantes, devidas a efeitos de rede indirectos (v., em especial, os considerandos 448 a 452). A Comissão precisa, na Decisão, que estes efeitos de rede indirectos são devidos à existência de dois factores, a saber, por um lado, o facto de os consumidores finais apreciarem as plataformas em que podem utilizar um grande número de aplicações e, por outro, o facto de os criadores de software elaborarem aplicações para os sistemas operativos para computadores pessoais mais populares junto dos consumidores.

16     Em segundo lugar, no mercado dos sistemas operativos para servidores de grupo de trabalho, a Comissão considera que, numa estimativa prudente, a quota da Microsoft neste mercado é de pelo menos 60 % (considerandos 473 a 499).

17     Neste mesmo mercado, a Comissão procede também à avaliação da posição dos três principais concorrentes da Microsoft. Em primeiro lugar, a Novell, com o seu software NetWare, tem uma quota de mercado da ordem dos 10 a 15 %. Em segundo lugar, os produtos Linux representam uma quota de mercado entre os 5 e os 15 %. O Linux é um sistema operativo «livre» difundido sob a licença «GNU GPL (General Public Licence)». Resulta do considerando 87 da Decisão que o Linux executa um número limitado dos serviços próprios de um sistema operativo mas que pode ser associado a outros softwares para constituir um «sistema operativo Linux». O Linux está presente no mercado dos sistemas operativos para servidores de grupo de trabalho em associação com o software Samba, também difundido sob a licença «GNU GPL» (considerandos 294, 506 e 598). Em terceiro lugar, os produtos UNIX, que reúnem vários sistemas operativos que partilham certas características comuns (considerando 42), representam uma quota de mercado da ordem dos 5 a 15 %.

18     A Comissão considera, seguidamente, que o mercado dos sistemas operativos para servidores de grupo de trabalho se caracteriza pela existência de várias barreiras à entrada (considerandos 515 a 525) e de vínculos particulares com o mercado dos sistemas operativos para computadores pessoais (considerandos 526 a 540). A Comissão retira daí a conclusão que a Microsoft goza de uma posição dominante no mercado dos sistemas operativos para servidores de grupo de trabalho.

II –  Comportamentos abusivos identificados na Decisão

 Recusa identificada na Decisão

19     O primeiro comportamento abusivo da Microsoft, descrito nos considerandos 546 a 791 da Decisão, é constituído pela recusa de a Microsoft fornecer aos seus concorrentes as «informações relativas à interoperabilidade» e de autorizar o seu uso para o desenvolvimento e a distribuição de produtos concorrentes com os seus no mercado dos sistemas operativos para servidores de grupo de trabalho, durante o período compreendido entre Outubro de 1998 e a data de adopção da Decisão [artigo 2.°, alínea a), da Decisão]. Nos termos da Decisão, as «informações relativas à interoperabilidade» são «as especificações exaustivas e correctas de todos os protocolos [implementados] nos sistemas operativos Windows para servidores de grupo de trabalho e que são utilizados pelos servidores de grupo de trabalho Windows para fornecer às redes Windows para grupos de trabalho serviços de partilha de ficheiros e de impressão, e de gestão dos utilizadores e dos grupos de utilizadores, incluindo os serviços de controlador de domínio Windows, o serviço de directório Active Directory e o serviço ‘Group Policy’» (artigo 1.°, n.° 1, da Decisão). Quanto aos «protocolos», são definidos como «um conjunto de regras de interconexão e de interacção entre diferentes casos de utilização de sistemas operativos Windows para servidores de grupo de trabalho e de sistemas operativos Windows para computadores pessoais, instalados em diferentes computadores numa rede Windows para grupo de trabalho» (artigo 1.°, n.° 2, da Decisão).

20     Para identificar tal comportamento, a Decisão insiste, nomeadamente, no facto de a recusa em questão não abranger elementos do código fonte da Microsoft, mas apenas especificações dos protocolos em causa, ou seja, uma descrição do que se espera do software em causa, por oposição às «implementações» (também denominadas, para efeitos do presente despacho, «realizações» ou «execuções»), constituídas pela execução do código no computador (considerandos 24 e 569). A Comissão considera, além disso, que o comportamento da Microsoft se integra numa linha de conduta geral (considerandos 573 a 577), que implica uma diminuição dos níveis de fornecimento anteriores (considerandos 578 a 584), que gera um risco de eliminação da concorrência (considerandos 585 a 692) e que tem efeitos negativos sobre o desenvolvimento técnico, em prejuízo dos consumidores (considerandos 693 a 708). A Comissão rejeita também os argumentos da Microsoft segundo os quais a sua recusa é objectivamente justificada (considerandos 709 a 778).

 Venda ligada identificada na Decisão

21     A Comissão identifica um segundo comportamento abusivo da Microsoft, descrito nos considerandos 792 a 989 da Decisão. Segundo a Comissão, este comportamento consiste no facto de a Microsoft ter subordinado, para o período de Maio de 1999 até à data de adopção da Decisão, o fornecimento do sistema operativo Windows para computadores pessoais à aquisição simultânea do software Windows Media Player [artigo 2.°, alínea b), da Decisão].

22     A este respeito, a Comissão considera que a conduta da Microsoft preenche os requisitos exigidos para constatar uma venda ligada abusiva, na acepção do artigo 82.° CE (considerandos 794 a 954). Em primeiro lugar, segundo a Decisão, a Microsoft detém uma posição dominante no mercado dos sistemas operativos para computadores pessoais (considerando 799). Em segundo lugar, os leitores multimédia que permitem a recepção em contínuo e os sistemas operativos para computadores pessoais são considerados produtos distintos (considerandos 800 a 825). Em terceiro lugar, é referido que a Microsoft não dá aos consumidores a possibilidade de adquirirem o Windows sem o Windows Media Player (considerandos 826 a 834). Em quarto lugar, segundo a Comissão, a venda ligada que identificou afecta a concorrência no mercado dos leitores multimédia (considerandos 835 a 954).

23     No âmbito da análise da existência deste quarto requisito, a Comissão observa que, nos casos clássicos de vendas ligadas, a Comissão e o órgão jurisdicional comunitário «consideraram que a venda ligada de um produto distinto com o produto dominante era o indício do efeito de exclusão que esta prática tinha sobre os concorrentes» (considerando 841). Todavia, na Decisão, a Comissão considerou que, uma vez que os utilizadores obtinham na Internet, em certa medida, leitores multimédia concorrentes do Windows Media Player, por vezes gratuitamente, havia neste processo boas razões para não dar como assente, sem um complemento de análise, o facto de a venda ligada do Windows Media Player constituir um comportamento susceptível, pela sua própria natureza, de restringir a concorrência (mesmo considerando).

24     No âmbito do referido complemento de análise, a Comissão considera, em primeiro lugar, que a venda ligada em causa dá ao Windows Media Player uma omnipresença mundial nos computadores pessoais, não podendo esta omnipresença ser colocada em questão pelos canais de distribuição alternativos (considerandos 843 a 877), em segundo lugar, que esta omnipresença incentiva, por um lado, os fornecedores de conteúdo a difundir os seus conteúdos nos formatos Windows Media e, por outro, os criadores de aplicações a conceber os seus produtos de modo a que se apoiem em determinadas funcionalidades do Windows Media Player (considerandos 879 a 896), em terceiro lugar, que essa omnipresença tem efeitos em certos mercados adjacentes (considerandos 897 a 899) e, por fim, em quarto lugar, que os estudos de mercado disponíveis revelam invariavelmente uma tendência a favor da utilização do Windows Media Player e dos formatos Windows Media em detrimento dos seus principais concorrentes (considerandos 900 a 944). A Comissão conclui destas diferentes considerações que existe uma razoável probabilidade de a venda ligada em questão levar a um tal enfraquecimento da concorrência que a manutenção de uma estrutura concorrencial efectiva deixa de estar assegurada num futuro próximo (considerando 984).

25     Por fim, a Comissão rejeita os argumentos da Microsoft segundo os quais, por um lado, a venda ligada em questão gera aumentos de eficiência susceptíveis de compensar os efeitos anticoncorrenciais identificados pela Comissão (considerandos 955 a 970) e, por outro, não incita à restrição da concorrência (considerandos 971 a 977).

III –  Medidas correctivas e coima aplicada à Microsoft

26     Os dois abusos identificados pela Comissão na Decisão foram punidos com a aplicação de uma coima de 497 196 304 euros (artigo 3.° da Decisão).

27     Além disso, segundo o artigo 4.° da Decisão, a Microsoft é obrigada a pôr fim aos abusos constatados no artigo 2.°, em conformidade com as modalidades previstas nos artigos 5.° e 6.° da Decisão. A Microsoft deve também abster‑se de adoptar o mesmo comportamento que o visado no artigo 2.°, bem como qualquer comportamento que tenha um objectivo ou efeito idêntico ou equivalente.

28     Como medida destinada a corrigir a recusa abusiva identificada na Decisão, o artigo 5.° desta ordena à Microsoft o seguinte:

«a)      A Microsoft [...] divulgará, num prazo de 120 dias a contar da notificação da [Decisão], a toda a empresa que tenha interesse em desenvolver e distribuir sistemas operativos para servidores de grupo de trabalho, informações relativas à interoperabilidade e, sob condições razoáveis e não discriminatórias, autorizará o seu uso por essas empresas para o desenvolvimento e a distribuição de sistemas operativos para servidores de grupo de trabalho.

b)      A Microsoft [...] fará de modo a que as informações divulgadas sobre a interoperabilidade sejam actualizadas permanentemente e nos prazos adequados.

c)      A Microsoft [...] estabelecerá, num prazo de 120 dias a contar da notificação da [Decisão], um mecanismo de avaliação que permita às empresas interessadas informarem‑se de modo eficaz sobre o alcance e as condições de utilização das informações relativas à interoperabilidade. A Microsoft [...] pode impor condições razoáveis e não discriminatórias para assegurar que o acesso dado neste âmbito às informações relativas à interoperabilidade seja concedido só para fins de avaliação;

[…]»

29     O prazo de 120 dias previsto no artigo 5.° da Decisão terminou no dia 27 de Julho de 2004.

30     Como medida correctiva para a venda ligada abusiva identificada na Decisão, o artigo 6.° da Decisão ordena o seguinte:

«a)      A Microsoft [...] oferecerá, num prazo de 90 dias a contar da notificação da presente Decisão, uma versão completamente operacional do seu sistema operativo Windows para computadores pessoais que não integre o Windows Media Player. A Microsoft [...] mantém o direito de oferecer o seu sistema operativo Windows para computadores pessoais juntamente com o Windows Media Player;

[…]»

31     O prazo de 90 dias previsto no artigo 6.° da Decisão terminou no dia 28 de Junho de 2004.

 Processo por violação do direito antitrust americano

32     Paralelamente ao inquérito da Comissão, a Microsoft foi objecto de um inquérito por violação das leis antitrust americanas.

33     Em 1998, os Estados Unidos da América e 20 Estados Federados intentaram uma acção judicial contra a Microsoft, nos termos do Sherman Act. As queixas tinham por objecto as medidas tomadas pela Microsoft relativamente ao navegador Internet da Netscape, «Netscape Navigator», e as tecnologias «Java» da Sun Microsystems. Os 20 Estados Federados em questão propuseram também acções contra a Microsoft por violação das suas próprias leis antitrust.

34     Depois de o «United States Court of Appeals for the District of Columbia Circuit» (a seguir «Tribunal de Recurso»), para o qual a Microsoft recorreu do acórdão de 3 de Abril de 2000, proferido pela «United States District Court for the District of Columbia» (a seguir «District Court»), ter proferido o seu acórdão em 28 de Junho de 2001, a Microsoft celebrou em Novembro de 2001 uma transacção com o Ministro da Justiça dos Estados Unidos e com os «Attorneys General» de nove Estados (a seguir «transacção americana»), no âmbito da qual a Microsoft assumiu dois tipos de compromissos.

35     Em primeiro lugar, a Microsoft aceitou elaborar as especificações dos protocolos de comunicação utilizados pelos sistemas operativos Windows para servidores no sentido de «interoperarem», ou seja, de os tornar compatíveis, com os sistemas operativos Windows para computadores pessoais e aceitou conceder licenças a terceiros sobre estas especificações em determinadas condições.

36     Em segundo lugar, a transacção americana prevê que a Microsoft deve permitir aos fabricantes de equipamentos e aos consumidores finais a activação ou a eliminação do acesso aos seus softwares mediadores («middleware»). O software Windows Media Player é um dos produtos que pertence a esta categoria, tal como é definida na transacção americana. Estas disposições destinam‑se a assegurar que os fornecedores de software mediador possam desenvolver e distribuir produtos que funcionem correctamente com o Windows.

37     Estas disposições foram confirmadas em 1 de Novembro de 2002 pela District Court. Este mesmo órgão jurisdicional, por outro lado, negou provimento aos pedidos de medidas correctivas apresentados pelos nove Estados que não aceitaram a transacção americana.

38     Num recurso apresentado pelo Estado do Massachusetts, em 30 de Junho de 2004 o Tribunal de recurso confirmou a decisão da District Court.

39     Em execução da transacção americana, o Microsoft Communications Protocol Program (a seguir «MCPP») foi implementado em Agosto de 2002. Resulta da documentação apresentada no Tribunal de Primeira Instância que, entre Agosto de 2002 e Julho de 2004, beneficiaram do MCPP 17 titulares de licença.

 Tramitação processual

40     Por petição apresentada na Secretaria do Tribunal de Primeira Instância em 7 de Junho de 2004, a Microsoft interpôs um recurso, nos termos do artigo 230.°, quarto parágrafo, CE, com o objectivo de anular a Decisão ou, a título subsidiário, suprimir ou reduzir substancialmente o montante da coima aplicada.

41     Por requerimento separado registado na Secretaria do Tribunal de Primeira Instância em 25 de Junho de 2004, a Microsoft apresentou também, nos termos do artigo 242.° CE, um pedido destinado a suspender a execução do artigo 4.°, do artigo 5.°, alíneas a) a c), e do artigo 6.°, alínea a), da Decisão. No mesmo requerimento, solicitou também, com fundamento no artigo 105.°, n.° 2, do Regulamento de Processo do Tribunal de Primeira Instância, a suspensão da execução dessas mesmas disposições até que seja decidido o pedido no processo de medidas provisórias.

42     No mesmo dia, o presidente do Tribunal de Primeira Instância, actuando na qualidade de juiz das medidas provisórias convidou a Comissão a precisar se tinha a intenção de proceder à execução coerciva da Decisão antes de ser decidido o pedido no processo de medidas provisórias.

43     Por carta recebida no mesmo dia na Secretaria do Tribunal de Primeira Instância, a Comissão informou o juiz das medidas provisórias que tinha decidido não proceder à execução coerciva do artigo 5.°, alíneas a) a c), e do artigo 6.°, alínea a), da Decisão enquanto o processo de medidas provisórias estivesse pendente.

44     Por requerimento apresentado em 25 de Junho de 2004 na Secretaria do Tribunal de Primeira Instância, a Novell Inc. (a seguir «Novell»), com sede em Waltham, Massachusetts (Estados Unidos), representada por C. Thomas, M. Levitt, V. Harris, solicitors, e por A. Müller‑Rappard, advogado, requereu a sua admissão a intervir em apoio da posição da Comissão no processo de medidas provisórias.

45     Por requerimento apresentado em 30 de Junho de 2004 na Secretaria do Tribunal de Primeira Instância, a RealNetworks Inc. (a seguir «RealNetworks»), requereu a sua admissão a intervir em apoio da posição da Comissão no processo de medidas provisórias.

46     Por requerimento apresentado em 30 de Junho de 2004 na Secretaria do Tribunal de Primeira Instância, a Computer & Communications Industry Association (a seguir «CCIA»), com sede em Washington, DC (Estados Unidos), representada por J. Flynn, QC, e por D. Paemen e N. Dodoo, advogados, requereu a sua admissão a intervir em apoio da posição da Comissão no processo de medidas provisórias.

47     Por requerimento apresentado em 1 de Julho de 2004 na Secretaria do Tribunal de Primeira Instância, a Software & Information Industry Association (a seguir «SIIA»), requereu a sua admissão a intervir em apoio da posição da Comissão no processo de medidas provisórias.

48     Por requerimento apresentado em 1 de Julho de 2004 na Secretaria do Tribunal de Primeira Instância, a The Computing Technology Industry Association Inc. (a seguir «CompTIA») requereu a sua admissão a intervir em apoio da posição da Microsoft no processo de medidas provisórias.

49     Por requerimento apresentado em 2 de Julho de 2004 na Secretaria do Tribunal de Primeira Instância, a The Association for Competitive Technology (a seguir «ACT»), requereu a sua admissão a intervir em apoio da posição da Microsoft no processo de medidas provisórias.

50     Por requerimento apresentado em 5 de Julho de 2004 na Secretaria do Tribunal de Primeira Instância, a Digimpro Ltd, com sede em Londres (Reino Unido), a TeamSystem SpA, a Mamut ASA e a CODA Group Holdings Ltd, com sede em Chippenham, Wiltshire (Reino Unido), requereram a sua admissão a intervir em apoio da posição da Microsoft no processo de medidas provisórias.

51     Por requerimento apresentado em 5 de Julho de 2004 na Secretaria do Tribunal de Primeira Instância, a DMDsecure.com BV, a MPS Broadband AB, a Pace Micro Technology plc, a Quantel Ltd e a Tandberg Television Ltd (a seguir denominadas colectivamente «DMDsecure.com e o.»), requereram a sua admissão a intervir em apoio da posição da Microsoft no processo de medidas provisórias.

52     Por requerimento apresentado em 8 de Julho de 2004 na Secretaria do Tribunal de Primeira Instância, a IDE Nätverkskonsulterna AB, com sede em Estocolmo (Suécia), a Exor AB, T. Rogerson, residente em Harpenden, Hertfordshire (Reino Unido), P. Setka, residente em Sobeslav (República Checa), D. Tomicic, residente em Nuremberga (Alemanha), M. Valasek, residente em Karlovy Vary (República Checa), R. Rialdi, residente em Génova (Itália), e B. Nati, residente em Paris (França), requereram a sua admissão a intervir em apoio da posição da Microsoft no processo de medidas provisórias.

53     Por requerimento apresentado em 13 de Julho de 2004 a Free Software Foundation Europe (a seguir «FSF‑Europe») requereu a sua admissão a intervir em apoio da posição da Comissão no processo de medidas provisórias.

54     Estes pedidos de intervenção foram notificados à recorrente e à recorrida, em conformidade com o artigo 116., n.° 1, do Regulamento de Processo, as quais, consoante o caso, transmitiram as suas observações dentro dos prazos estipulados ou não apresentaram observações. Em relação a todas as partes que fossem admitidas a intervir, a Microsoft pediu, por cartas de 6 e 8 de Julho de 2004, o tratamento confidencial dos dados contidos na Decisão, tendo a Comissão aceitado que estes não fossem tornados públicos na versão disponível no seu sítio Internet.

55     A Comissão apresentou em 21 de Julho de 2004 as suas observações relativas ao pedido de medidas provisórias. Essas observações foram notificadas à Microsoft no mesmo dia.

56     Por despacho de 26 de Julho de 2004, o presidente do Tribunal de Primeira Instância, por um lado, admitiu a intervenção da CompTIA, da ACT, da TeamSystem SpA, da Mamut ASA, da DMDsecure.com e o. e da Exor AB, da Novell, da RealNetworks, da CCIA e da SIIA, e, por outro lado, indeferiu os pedidos de intervenção apresentados pela Digimpro Ltd, pela CODA Group Holdings Ltd, pela IDE Nätverkskonsulterna AB, por T. Rogerson, por P. Setka, por D. Tomicic, por M. Valasek, por R. Rialdi e por B. Nati. O presidente do Tribunal pediu também que a versão não confidencial dos autos fosse notificada às intervenientes e reservou para mais tarde a sua decisão sobre a procedência do pedido de tratamento confidencial.

57     Em 27 Julho de 2004, o presidente do Tribunal de Primeira Instância, na qualidade de juiz das medidas provisórias, organizou uma reunião informal para à qual foram convocados, além da Microsoft e da Comissão, as intervenientes admitidas a intervir pelo despacho do presidente do Tribunal de 26 de Julho de 2004, bem como a FSF‑Europe. Nesta reunião, o juiz das medidas provisórias, por um lado, admitiu a FSF‑Europe a intervir em apoio da Comissão no processo de medidas provisórias e, por outro, expôs às partes o calendário das diferentes fases processuais nesse processo de medidas provisórias.

58     Por despacho de 6 de Setembro de 2004, a FSF‑Europe foi admitida a intervir em apoio da posição da Comissão.

59     Todas as partes admitidas a intervir apresentaram alegações dentro dos prazos fixados.

60     Em conformidade com o que tinha sido decidido na reunião informal de 27 de Julho de 2004, a Microsoft respondeu, em 19 de Agosto de 2004, às observações da Comissão datadas de 21 de Julho de 2004.

61     Por requerimento apresentado em 31 de Agosto de 2004, a Audiobanner.com, agindo sob a denominação comercial VideoBanner (a seguir «VideoBanner»), com sede em Los Angeles, Califórnia (Estados Unidos), representada por L. Alvizar Ceballos, advogado, requereu a sua admissão a intervir em apoio da posição da Comissão no processo de medidas provisórias. Não tendo nenhuma das partes principais levantado objecções a este pedido de intervenção, a VideoBanner foi provisoriamente admitida a intervir e convidada a apresentar alegações directamente na audiência.

62     Em resposta às observações da Microsoft de 19 de Agosto de 2004, a Comissão apresentou novas observações em 13 de Setembro de 2004.

63     A recorrente e a recorrida apresentaram também observações escritas sobre as alegações de intervenção em 13 de Setembro de 2004.

64     No âmbito das medidas de organização do processo, o presidente do Tribunal, agindo na qualidade de juiz das medidas provisórias, colocou questões escritas à Microsoft, à Comissão bem como a algumas das intervenientes. As respostas dadas a estas questões dentro dos prazos fixados foram comunicadas a todas as partes.

65     Todas as partes, incluindo a VideoBanner, foram ouvidas quanto às suas alegações numa audiência que decorreu em 30 de Setembro e 1 de Outubro de 2004.

66     Por carta de 8 de Outubro de 2004, a RealNetworks apresentou na Secretaria certos esclarecimentos cuja apresentação o juiz das medidas provisórias lhe tinha pedido na audiência. As outras partes foram notificadas dessa carta e foram convidadas a apresentar observações sobre a mesma.

67     Por carta de 27 de Outubro de 2004, a Microsoft apresentou observações sobre a carta da RealNetworks de 8 de Outubro de 2004. As outras partes não apresentaram observações.

68     Por cartas de 10 e 19 de Novembro de 2004, a CCIA e a Novell, respectivamente, informaram o Tribunal de Primeira Instância de que desistiam da sua intervenção no processo em apreço. A Comissão, a Microsoft e as intervenientes apresentaram observações sobre essas desistências dentro do prazo fixado.

69     Na sequência das desistências da CCIA e da Novell, foi organizada uma reunião informal em 25 de Novembro de 2004 em que estiveram presentes todas as partes, para abordar determinadas consequências processuais dessas desistências. A acta dessa reunião foi notificada a todas as partes em 26 de Novembro de 2004.

 Questão de direito

70     Ao abrigo das disposições conjugadas dos artigos 242.° CE, por um lado, e 225.°, n.° 1, CE, por outro, o Tribunal de Primeira Instância pode ordenar a suspensão da execução do acto impugnado, se considerar que as circunstâncias o exigem.

71     O n.° 2 do artigo 104.° do Regulamento de Processo prevê que o requerimento de medidas provisórias deve especificar as razões da urgência, bem como os fundamentos de facto e de direito que justificam, à primeira vista (fumus boni juris), a adopção da medida provisória requerida. Estas condições são cumulativas, pelo que um pedido de suspensão de execução deve ser indeferido se uma delas faltar [despacho do presidente do Tribunal de Justiça de 14 de Outubro de 1996, SCK e FNK/Comissão, C‑268/96 P(R), Colect., p. I‑4971, n.° 30]. O juiz das medidas provisórias procede igualmente, sendo caso disso, à ponderação dos interesses em causa (despacho do presidente do Tribunal de Justiça de 23 de Fevereiro de 2001, Áustria/Conselho, C‑445/00 R, Colect., p. I‑1461, n.° 73).

72     No âmbito dessa análise de conjunto, o juiz das medidas provisórias deve exercer o amplo poder de apreciação de que dispõe para determinar o modo como essas diferentes condições devem considerar‑se verificadas à luz das particularidades de cada caso [despacho do presidente do Tribunal de Justiça de 29 de Janeiro de 1997, Antonissen/Conselho e Comissão, C‑393/96 P(R), Colect., p. I‑441, n.° 28].

73     Em conformidade com o artigo 107.°, n.° 1, do Regulamento de Processo, «[a] decisão terá a forma de despacho fundamentado». Precisou‑se, todavia, que o juiz das medidas provisórias não tem que responder expressamente a todas as alegações de facto ou de direito discutidas durante o processo de medidas provisórias. Em especial, é suficiente que os fundamentos acolhidos pelo juiz das medidas provisórias decidindo em primeira instância justifiquem validamente, em relação às circunstâncias do caso concreto, o seu despacho e permitam ao Tribunal de Justiça exercer a sua fiscalização jurisdicional [despacho SCK e FNK/Comissão, já referido no n.° 71 supra, n.° 52, e despacho do presidente do Tribunal de Justiça de 25 de Junho de 1998, Antilhas neerlandesas/Conselho, C‑159/98 P(R), Colect., p. I‑4147, n.° 70].

74     Tendo em conta o carácter distinto dos abusos de posição dominante imputados à Microsoft, que resulta, aliás, tanto da estrutura da Decisão como da estruturação da argumentação da recorrente, o juiz das medidas provisórias considera adequado apreciar separadamente a argumentação desenvolvida em apoio dos pedidos que visam a suspensão da execução, por um lado, do artigo 5.°, alíneas a) a c), conjugado com o artigo 4.° da Decisão (parte consagrada à questão das informações relativas à interoperabilidade), e, por outro, do artigo 6.°, alínea a), conjugado com o mesmo artigo 4.° (parte consagrada à questão da venda ligada do sistema operativo Windows e do software Windows Media Player). Esta apreciação é precedida de uma análise do pedido de tratamento confidencial, do pedido de intervenção da VideoBanner, dos efeitos da desistência da CCIA e da Novell e do respeito de certos requisitos de forma relativos às peças processuais.

I –  Quanto ao pedido de tratamento confidencial

75     Na fase do processo de medidas provisórias, há que deferir o pedido de tratamento confidencial, relativamente às partes que foram admitidas a intervir, dos dados contidos na Decisão e que a Comissão aceitou que não seriam tornados públicos na versão disponível no seu sítio Internet, na medida em que tais informações podem, à primeira vista, ser consideradas secretas ou confidenciais, na acepção do artigo 116.°, n.° 2, do Regulamento de Processo.

II –  Quanto ao pedido de intervenção da VideoBanner

76     Tal como foi referido no n.° 61 supra, a VideoBanner apresentou um pedido de intervenção no processo de medidas provisórias, em apoio da posição da Comissão.

77     Tendo este pedido sido apresentado em conformidade com o artigo 115.°, n.° 2, do Regulamento de Processo, e não tendo as partes principais levantado objecções, há que o deferir, em conformidade com o artigo 40.°, segundo parágrafo, do Estatuto do Tribunal de Justiça, aplicável ao Tribunal de Primeira Instância por força do artigo 53.°, primeiro parágrafo, do mesmo Estatuto.

III –  Quanto aos efeitos da desistência de algumas intervenientes

78     Tendo a CCIA e a Novell informado o Tribunal de Primeira Instância de que retiravam as suas intervenções em apoio da posição da Comissão, no âmbito do processo de medidas provisórias, o presidente do Tribunal, agindo na qualidade de juiz das medidas provisórias, organizou uma reunião informal em que estiveram presentes todas as partes para abordar certas consequências processuais dessas desistências.

79     Como resulta da acta dessa reunião, as partes expressaram o seu acordo no sentido de considerar que: em primeiro lugar, as peças apresentadas pela CCIA e pela Novell no âmbito do processo de medidas provisórias, incluindo todos os anexos às suas alegações, bem como a argumentação que desenvolveram na audiência, continuam a fazer parte dos autos do processo de medidas provisórias; em segundo lugar, que todas as partes e o juiz das medidas provisórias se podem basear nesses elementos para efeitos, respectivamente, da sua argumentação e da sua apreciação, e, em terceiro lugar, todos os elementos que constam dos autos do presente processo foram objecto de debate contraditório entre as partes.

80     Além disso, a RealNetworks alegou, nas observações que apresentou sobre a desistência da CCIA, que esta não tinha poderes que lhe permitissem desistir do presente processo.

81     A este respeito, o juiz das medidas provisórias considera que não lhe cabe examinar a questão suscitada pela RealNetworks na medida em que, por um lado, não tem competência para se pronunciar sobre a questão de saber se as decisões dos órgãos dirigentes da CCIA foram tomadas em conformidade com as disposições dos seus estatutos e, por outro, o pedido de desistência foi apresentado pela CCIA em conformidade com o previsto nas disposições do Regulamento de Processo do Tribunal de Primeira Instância.

IV –  Quanto ao cumprimento dos requisitos formais relativos às peças processuais

82     A Comissão e algumas das partes que intervêm em apoio da sua posição invocaram, em primeiro lugar, a inadmissibilidade de certas remissões para documentos anexos ao recurso no processo principal da Microsoft, em segundo lugar, a inadmissibilidade de documentos apresentados pela Microsoft no decurso da instância, em terceiro lugar, a falta de provas que corroborem certas afirmações e, em quarto lugar, o desrespeito de outros requisitos formais.

 Quanto à remissão para o recurso no processo principal

83     Nas suas observações de 21 de Julho de 2004, a Comissão enumera os pontos do requerimento de medidas provisórias que contêm remissões, por um lado, para o recurso no processo principal e, por outro, para os documentos anexos a este recurso, mas que não acompanhavam o requerimento de medidas provisórias (anexos A.9, A.9.1, A.9.2, A.11, A.12.1, A.17, A.18, A.19, A.20, A.21, A.22 e A.24). A Comissão retira daqui a conclusão de que a Microsoft não se pode basear utilmente nestes documentos.

84     Nas observações que apresentou em 13 de Setembro de 2004, a Comissão acrescenta que as novas remissões para o recurso no processo principal que a Microsoft faz nas suas observações de 19 de Agosto de 2004, em especial no que respeita ao Acordo da Organização Mundial do Comércio (OMC) sobre os Aspectos dos Direitos de Propriedade Intelectual relacionados com o Comércio (a seguir «ADPIC»), devem, tal como as anteriores, ser rejeitadas. O facto de juntar as secções correspondentes do recurso no processo principal, como anexo (anexo T.9) não é permite concluir que o requerimento de medidas provisórias seja só por si suficiente.

85     Recorde‑se, a este respeito, que, na reunião informal de 27 de Julho de 2004 (v. n.° 57 supra), o juiz das medidas provisórias chamou a atenção da Microsoft para as numerosas referências ao recurso no processo principal contidas no requerimento de medidas provisórias e interrogou‑a quanto a este aspecto. Em resposta, a Microsoft referiu, como consta da acta da referida reunião, o seguinte: «[a] recorrente confirma que o requerimento de medidas provisórias deve ser considerado só por si suficiente e que as numerosas referências aos anexos do recurso no processo principal contidas no seu requerimento de medidas provisórias podiam ser ignoradas para efeitos do processo de medidas provisórias».

86     Esta tomada de posição é conforme ao ponto VII, n.° 1, das Instruções Práticas às Partes (JO 2002, L 87, p. 48), que dispõe que o requerimento de medidas provisórias «[d]eve ser compreensível autonomamente, sem que seja necessário referir‑se à petição ou ao requerimento no processo principal».

87     Daqui decorre que a procedência do pedido de medidas provisórias da Microsoft só pode ser apreciada à luz dos elementos de facto e de direito, tal como resultam do próprio texto do requerimento de medidas provisórias e dos documentos a ele anexos, destinados a ilustrar o seu conteúdo (v., neste sentido, o despacho do presidente do Tribunal de Primeira Instância de 7 de Maio de 2002, Aden e o./Conselho e Comissão, T‑306/01 R, Colect., p. II‑2387, n.° 52). Embora não se possa daí concluir que qualquer alegação baseada num documento que não seja junto ao requerimento de medidas provisórias tem necessariamente que ser afastada dos debates, há que observar, todavia, que não se pode considerar feita a prova de tal alegação no caso de esta ser contestada pela outra parte no litígio ou por um interveniente em apoio desta última.

88     Quanto à remissão para o anexo T.9, há que recordar que, embora um texto possa ser apoiado e completado em pontos específicos por remissões para determinadas passagens de documentos que lhe tenham sido juntos, uma remissão global para outras peças, mesmo juntas ao requerimento de medidas provisórias, não pode suprir a falta de elementos essenciais no referido requerimento (despacho Aden e o./Conselho e Comissão, já referido no n.° 87 supra, n.° 52). Há que precisar, neste contexto, que o ponto VII, n.° 2, das Instruções Práticas, que exige que «os fundamentos de facto e de direito em que se baseia a acção ou recurso principal e que, à primeira vista, podem dar uma indicação quanto à sua procedência» sejam indicados «de forma extremamente sucinta e concisa» não pode ser entendido, excepto se se contornar a norma prescrita, no sentido de permitir uma remissão global para um documento anexo que expusesse a argumentação de forma pormenorizada.

89     Sem prejuízo dos documentos posteriormente juntos aos autos e das posições assumidas na audiência perante o juiz das medidas provisórias, decidir‑se‑á sem tomar em consideração os anexos ao recurso no processo principal nem o anexo T.9.

 Quanto à apresentação de documentos na pendência da instância

90     Nas suas observações de 13 de Setembro de 2004, a Comissão considera, antes de mais, que os argumentos desenvolvidos pela Microsoft nas suas observações de 19 de Agosto de 2004 excedem os desenvolvimentos contidos no recurso no processo principal, em especial a argumentação relativa aos direitos de propriedade intelectual pormenorizada em dois anexos distintos (anexos T.3, intitulado «Parecer Prescott», e T.6, intitulado «Parecer Galloux»). Além disso, segundo a Comissão, não foi dada qualquer explicação para o facto de o anexo T.3, um documento com data de 3 de Junho de 2004, não ter sido apresentado aquando da apresentação do requerimento de medidas provisórias.

91     A Comissão observa, seguidamente, que a Microsoft juntou às suas observações de 19 de Agosto de 2004 um documento que anexou ao recurso no processo principal (anexo A.21, que passou a anexo T.5, Knauer, «Quanto aos aspectos de direito das patentes da [Decisão]»), bem como um documento cujo conteúdo parece idêntico ao de um anexo ao recurso no processo principal [anexo T.8, Evans, Nichols e Padilla, «Prova económica dos efeitos de compartimentação suscitados pela Comissão relativos à recusa de fornecimento e à venda ligada», que é semelhante ao anexo A.19].

92     Nas respostas às questões escritas do Tribunal e antes da sua desistência, a Novell e a CCIA consideram que certos documentos são inadmissíveis na medida em que deveriam ter sido apresentados com o requerimento de medidas provisórias, e só o foram posteriormente (anexos T.3, T.5, T.8 e U.2, Campbell‑Kelly, «Comentário sobre o carácter inovador do Active Directory»).

93     O juiz das medidas provisórias constata que as peças T.3, T.5, T.6 e T.8 foram anexas às observações da Microsoft de 19 de Agosto de 2004 e que visavam apoiar o seu conteúdo. Nestas circunstâncias, não se pode acusar a Microsoft por ter replicado de modo pormenorizado aos argumentos avançados pela Comissão nas suas observações de 21 de Julho de 2004, sendo irrelevante, a este respeito, que o documento anexo tenha data anterior à da apresentação do requerimento de medidas provisórias ou que seja idêntico ou comprável a uma peça anexa ao recurso no processo principal. De igual modo, as observações da Microsoft sobre as alegações de intervenção podiam, pelas mesmas razões, basear‑se validamente no anexo U.2.

 Quanto à falta de provas

94     A Comissão salienta que o anexo T.5 e o anexo T.8 assentam em informações a que não teve acesso [quanto ao anexo T.5, o parágrafo 4 remete para uma informação recebida da Microsoft sem qualquer outra precisão; quanto ao anexo T.8, não se juntam os relatórios referidos no parágrafo 6 (Merrill Lynch e Forrester relativos aos dados do mercado dos servidores), na nota de pé de página n.° 35 (estudo realizado pela Microsoft), nas notas de pé de página n.° 42 e n.° 43 («Inquérito Digital Media Tracker»), na nota de pé de página n.° 48 («Análise dos leitores multimédia instalados nos microcomputadores»), na nota de pé de página n.° 50 («Comunicação NERA»)].

95     A este respeito, basta observar que compete ao juiz das medidas provisórias apreciar, se for caso disso, se as afirmações assentes nos relatórios e informações acima referidos carecem de valor probatório.

 Quanto ao desrespeito de determinados requisitos formais

96     A Comissão e a CCIA, antes da sua desistência, observam que a Microsoft remete, no requerimento de medidas provisórias, para o anexo R.6 (Carboni, «Parecer sobre o direito das marcas») sem explicar a pertinência do documento em questão, pelo que este anexo não deve ser tomado em consideração.

97     Como já se referiu no n.° 88 supra, a remissão global para outras peças, mesmo juntas ao requerimento de medidas provisórias, não pode suprir a falta de elementos essenciais no referido requerimento. No caso em apreço, o anexo R.6, para o qual remete o requerimento de medidas provisórias, visa apoiar um argumento relativo ao risco de violação das marcas comerciais da Microsoft que tem a seguinte redacção: «[a] execução imediata do artigo 6.°, alínea a), da Decisão causaria também sérios danos às marcas comerciais Microsoft e Windows, uma vez que a Microsoft seria obrigada a vender um produto depreciado incompatível com a sua concepção básica». Na medida em que resulta de modo suficientemente claro desta frase que o anexo R.6 visa ilustrar o risco identificado, o juiz das medidas provisórias considera que não há razões para afastar este anexo dos debates.

V –  Quanto ao mérito

 Quanto à questão das informações relativas à interoperabilidade

 A – Argumentos das partes

 1.     Argumentos da Microsoft e das partes admitidas a intervir em apoio da sua posição

 a)     Quanto ao fumus boni juris

98     A Microsoft considera que existe um sério diferendo entre ela e a Comissão no que respeita à questão da concessão obrigatória de licenças relativas aos seus protocolos de comunicação, pelo que, na sua opinião, está preenchido o requisito de demonstração, à primeira vista, da ilegalidade do artigo 5.°, alíneas a) a c), da Decisão.

99     A Microsoft alega que os quatro critérios que permitem obrigar uma empresa a conceder uma licença, tal como foram estabelecidos pelo Tribunal de Justiça nos acórdãos de 5 de Outubro de 1988, Volvo (238/87, Colect., p. 6211); de 6 de Abril de 1995, RTE e ITP/Comissão (C‑241/91 P e C‑242/91 P, Colect., p. I‑743, a seguir «acórdão Magill»); de 26 de Novembro de 1998, Bronner (C‑7/97, Colect., p. I‑7791), e de 29 de Abril de 2004, IMS Health (C‑418/01, ainda não publicado na Colectânea, n.° 49), não se verificam no caso em apreço.

100   Em primeiro lugar, os elementos de propriedade intelectual da Microsoft, cuja divulgação às concorrentes é imposta pela Decisão, não são indispensáveis para o exercício da actividade de fornecedor de sistemas operativos para servidores de grupo de trabalho.

101   Antes de mais, a Microsoft invoca a existência de cinco métodos que permitem assegurar a interoperabilidade entre os sistemas operativos fornecidos por diferentes distribuidores, a saber, em primeiro lugar, a utilização dos protocolos de comunicação standard, tais como o TCP/IP (Transmission Control Protocol/Internet Protocol) e o HTTP (HyperText Transfer Protocol); em segundo lugar, a inserção de um código informático no sistema operativo Windows para computadores pessoais ou para servidores para lhe permitir comunicar com um sistema operativo para servidores concorrente da Microsoft utilizando protocolos de comunicação específicos deste sistema operativo para servidores; em terceiro lugar, a inserção de um código informático num sistema operativo para servidores concorrente da Microsoft para lhe permitir comunicar com um sistema operativo Windows para computadores pessoais ou para servidores utilizando os protocolos de comunicação próprios dos sistemas operativos Windows; em quarto lugar, a inserção de um bloco de códigos de software em todos os sistemas operativos para computadores pessoais e para servidores de uma rede que permita assegurar a interoperabilidade através de comunicações entre estes blocos de códigos de software e, em quinto lugar, a utilização de um sistema operativo Windows para servidores como «porta» entre o sistema operativo Windows para computadores pessoais e o sistema operativo para servidores concorrente.

102   Seguidamente, a Microsoft invoca a inexistência de queixas dos clientes quanto ao grau de interoperabilidade existente.

103   Por fim, a Microsoft invoca a presença contínua de vários concorrentes que exercem essa actividade.

104   Em segundo lugar, a recusa da Microsoft de divulgar os seus elementos de propriedade intelectual aos concorrentes não impediu o aparecimento de novos produtos para os quais a procura dos consumidores não está ainda satisfeita. Não foi feita prova de qualquer insatisfação. Também não foi demonstrado que os elementos de propriedade intelectual da Microsoft serão utilizados pelos seus concorrentes para desenvolver novos produtos e não para se limitarem apenas a reproduzir as funcionalidades dos produtos Microsoft existentes.

105   Em terceiro lugar, o facto de a Microsoft ter mantido a sua tecnologia para seu próprio uso não levou à eliminação da concorrência num mercado derivado, uma vez que, tal como o crescimento constante do Linux comprova, existe uma forte concorrência entre os distribuidores de sistemas operativos para servidores de grupo de trabalho. Seis anos depois de se verificar a alegada recusa da Microsoft, o mercado encontra‑se, portanto, em situação concorrencial.

106   Em quarto lugar, a recusa de concessão das licenças sobre a sua tecnologia a distribuidores de sistemas operativos para servidores concorrentes é objectivamente justificada. Com efeito, ao contrário das informações protegidas pela legislação nacional então em causa cuja divulgação tinha sido recusada pelas sociedades implicadas nos processos Magill e IMS Health, já referidos no n.° 99 supra, as informações protegidas no caso em apreço respeitam a uma tecnologia secreta e de grande valor. No caso concreto, para chegar à conclusão de que a recusa de transmissão das informações protegidas por direitos de propriedade intelectual não era objectivamente justificada e constituía, portanto, uma violação do artigo 82.° CE, a Comissão aplicou um critério de apreciação impreciso, que se afasta claramente dos estabelecidos pela jurisprudência anterior. A Comissão considerou, assim, que tal recusa constitui uma violação do artigo 82.° CE embora, ponderadas todas as circunstâncias, a incidência positiva sobre a inovação na totalidade do sector compense a incidência negativa sobre o incentivo da empresa para inovar (considerando 783). Além do carácter vago deste novo critério, não ficou demonstrado, com base em provas ou análises, que a inovação neste sector seria estimulada pela transmissão aos concorrentes da tecnologia de que a Microsoft é proprietária. Esta última sustenta, pelo contrário, que uma licença obrigatória teria como efeito a redução da concorrência entre os distribuidores de sistemas operativos para servidores.

107   A Microsoft alega ainda que a Sun Microsystems não lhe pediu para beneficiar da tecnologia cuja divulgação a Comissão lhe ordenou. Além disso, uma vez que esta sociedade nunca solicitou uma licença com vista ao desenvolvimento de software no EEE, a Microsoft sustenta que não estava de modo algum obrigada a considerar o pedido da Sun Microsystems no sentido de poder levá‑la a um comportamento susceptível de ser abrangido pelo artigo 82.° CE.

108   Por fim, ao obrigar a Microsoft a conceder licenças sobre informações protegidas, a Comissão não toma em devida conta as obrigações impostas às Comunidades pelo ADPIC (v. n.° 84 supra).

109   Nas suas observações de 19 de Agosto de 2004, a Microsoft considera que a Comissão não tem razões para sustentar que a Decisão não lhe impõe uma nova conduta, tendo simplesmente como efeito obrigá‑la a retomar a política comercial que tinha inicialmente seguido. Com efeito, a Microsoft observa, antes de mais, que a Comissão não sugere que as informações visadas pelo artigo 5.° da Decisão tenham sido comunicadas no passado. Seguidamente, observa que se a Comissão se referisse à informação sobre a tecnologia de rede concedida, mediante licença, à AT&T em 1994, para permitir o desenvolvimento de um produto denominado «Advanced Server for UNIX» («AS/U»), convém, antes de mais, sublinhar que a transmissão das informações não foi interrompida. Com efeito, o produto denominado «PC Net Link» desenvolvido pela Sun Microsystems, a quem a AT&T concedeu uma licença relativa ao AS/U, está ainda hoje disponível no mercado. A Sun Microsystems continua a assegurar a sua promoção afirmando que fornece «serviços de rede Windows NT de origem» – incluindo serviços de ficheiros e de impressão e serviços de gestão dos utilizadores e dos grupos – nos sistemas operativos para servidores Solaris. A Sun Microsystems afirma também que o PC Net Link funciona correctamente com as últimas versões dos sistemas operativos Windows para computadores pessoais da Microsoft, incluindo o Windows 2000 Profissional e o Windows XP.

110   Além disso, a Microsoft não pode ser obrigada, no futuro, a conceder licenças relativas a todos os seus protocolos de comunicação por ter decidido, em 1994, conceder uma licença relativa a uma tecnologia de rede à AT&T. Acresce que foi por acordo que a relação comercial entre a Microsoft e a AT&T não se alargou a novas tecnologias.

111   Por fim, a Microsoft salienta que os vendedores concorrentes de sistemas operativos para servidores não dependem da informação sobre a interoperabilidade cuja transmissão a Microsoft alegadamente interrompeu. A Novell nunca utilizou o AS/U e nunca apresentou o mais pequeno interesse por tal utilização. O NetWare da Novell fornece serviços de ficheiros e de impressão e serviços de gestão dos utilizadores e dos grupos aos sistemas operativos Windows utilizando a sua própria sequência de protocolos de comunicação. Os vendedores do Linux também não dão qualquer uso ao AS/U. Os seus sistemas operativos para servidores fornecem serviços de ficheiros e de impressão, bem como serviços de gestão dos utilizadores e dos grupos, aos sistemas operativos Windows, utilizando o software de código fonte livre Samba, que foi desenvolvido através de aplicação de engenharia inversa aos protocolos de comunicação da Microsoft.

 b)     Quanto à urgência

112   A Microsoft afirma que a execução imediata do artigo 5.°, alíneas a) a c), da Decisão causaria três tipos de prejuízos graves e irreparáveis.

 1) Violação dos direitos de propriedade intelectual

113   A Decisão teria como efeito obrigar a Microsoft a conceder licenças sobre informações de grande valor, protegidas por direitos de propriedade intelectual. Esta violação dos direitos de propriedade intelectual constituiria um prejuízo grave e irreparável.

 i)     Informações de grande valor

114   A Microsoft explica que os protocolos de comunicação são uma tecnologia de que é proprietária, utilizada pelos sistemas operativos Windows para computadores pessoais e para servidores, a fim de trocar informações com outras cópias desses sistemas operativos, cujo valor comercial é significativo [estudo de S. Madnick e B. Meyer, «Danos causados pela obrigação imposta à Microsoft de divulgar todos os protocolos de comunicação utilizados para fornecer os serviços de grupo de trabalho», constante do anexo R.2 (a seguir «estudo Madnick e Meyer»)]. Os seus protocolos de comunicação são fruto de muitos anos de investigação e de desenvolvimento muito onerosos. Os esforços desenvolvidos para conceber protocolos de comunicação que forneçam funcionalidades úteis e aumentem a rapidez, a fiabilidade, a segurança e a eficácia das interacções entre os sistemas operativos Windows foram substanciais.

115   Quanto às especificações dos protocolos de comunicação, que são descrições pormenorizadas da concepção e do modo de funcionamento dos protocolos de comunicação, permitem a um concorrente que os detenha utilizar os protocolos de comunicação da Microsoft no seu próprio sistema operativo para servidores.

116   Nas suas observações de 19 de Agosto de 2004, a Microsoft salienta que a concessão obrigatória de licenças sobre as especificações dos protocolos de comunicação que permitem a vários sistemas operativos Windows para servidores funcionar conjuntamente no sentido de oferecer serviços de grupo de trabalho teria como efeito divulgar um número considerável de informações relativas à concepção interna dos sistemas operativos Windows. Tal como decorre do estudo Madnick e Meyer, a concessão de licenças sobre os protocolos de comunicação que permitam a interacção entre diferentes sistemas operativos Windows para servidores revelaria informações múltiplas sobre o funcionamento do repertório, denominado Active Directory, no centro destes sistemas operativos.

 ii)   Informações protegidas por direitos de propriedade intelectual

117   Os protocolos de comunicação da Microsoft e as especificações que os descrevem são protegidos por direitos de propriedade intelectual. Em resposta a um argumento avançado pela Comissão nas suas observações de 21 de Julho de 2004, a Microsoft precisa que, por um lado, há que distinguir entre a concepção dos protocolos, as especificações dos protocolos e a implementação destes protocolos e, por outro, a protecção conferida à propriedade intelectual não se limita a uma destas três categorias.

 Protecção pelos direitos de autor

118   Os protocolos de comunicação são protegidos pelos direitos de autor nos termos da Convenção de Berna para a Protecção das Obras Literárias e Artísticas, de 9 de Setembro de 1886, alterada pela última vez em 28 de Setembro de 1979, e da Directiva 91/250/CEE do Conselho, de 14 de Maio de 1991, relativa à protecção jurídica dos programas de computador (JO L 122, p. 42), referida no seu preâmbulo e no artigo 1.°, n.° 1. Quanto às especificações destes protocolos, constituem material de concepção preparatório, também protegido pelos direitos de autor (parecer Prescott, anexo T.3, já referido no n.° 90 supra).

119   Por conseguinte, a Microsoft, como qualquer titular de direitos de autor, goza do direito exclusivo de autorizar a publicação das suas obras protegidas e de as colocar à disposição do público por qualquer outra forma. As legislações em matéria de direitos de autor de diversos Estados‑Membros autorizam expressamente os proprietários de obras protegida a determinar se tais obras serão publicadas ou divulgadas, seja por que forma for. Ora, a Decisão priva a Microsoft do direito de decidir sob que forma, a quem, quando, e em que condições pretende disponibilizar, se for caso disso, as especificações dos seus protocolos de comunicação. A Comissão não podia, portanto, reconhecer que as especificações dos protocolos de comunicação da Microsoft, depois de redigidas, são protegidas pelos direitos de autor e, simultaneamente, sustentar que a obrigação, imposta pela Decisão à Microsoft, de conceder licenças sobre estas especificações não viola a própria essência desses direitos.

120   O titular de um direito de autor goza também do direito exclusivo de autorizar a criação de obras derivadas, tal como resulta tanto do artigo 12.° da Convenção de Berna como do artigo 4.° da Directiva 91/250. Ora, este direito exclusivo de autorizar a criação de obras derivadas seria violado na medida em que a aplicação pelos concorrentes da Microsoft das especificações dos seus protocolos de comunicação constituiria quase de certeza uma adaptação, ou uma tradução das referidas especificações, que seria abrangida pelo âmbito de aplicação dos direitos de autor e não poderia, portanto, ser considerada uma obra desenvolvida de modo independente. Além disso, mesmo admitindo que os beneficiários da licença possam aplicar certas especificações sem violar os direitos de autor da Microsoft, a Decisão não exige aos beneficiários que o façam, na medida em que impõe à Microsoft que «autorize a utilização» das especificações dos protocolos de comunicação sem prever limites quanto ao modo pelo qual os beneficiários da licença desenvolverão as suas criações. Não há razões, portanto, para supor que os beneficiários da licença se limitarão a desenvolver aplicações que não sejam ilícitas, admitindo que tal seja possível.

121   Por fim, a Microsoft alega que, no âmbito da transacção americana, todas as partes aceitaram que as especificações dos seus protocolos de comunicação cliente‑servidor são protegidas pelos direitos de autor.

 Protecção pela patente

122   No seu requerimento de medidas provisórias, a Microsoft refere que alguns dos protocolos de comunicação cuja transmissão a Comissão lhe impõe são abrangidos por patentes ou pedidos de patente e que tenciona apresentar, antes de Junho de 2005, um grande número de pedidos de patentes sobre diversos aspectos dos sistemas operativos Windows para computadores pessoais e para servidores, que abrangem os protocolos de comunicação visados pela Decisão. A falta de limitação temporal dos efeitos da Decisão permitiria incluir as patentes futuras na obrigação de licença imposta pela Decisão.

123   Nas suas observações de 19 de Agosto de 2004, a Microsoft identifica três patentes europeias existentes e dois pedidos de patentes que abrangem os protocolos de comunicação sujeitos às licenças obrigatórias. Segundo o parecer do Sr. Knauer, anexo T.5, já referido no n.° 91 supra, vários protocolos de comunicação utilizados pelos sistemas operativos Windows para servidores destinados a fornecer os serviços de ficheiros e de impressão e os serviços de gestão dos utilizadores e dos grupos são abrangidos por patentes, concretamente, em primeiro lugar, o protocolo DFS (Distributed File System) abrangido pela patente EP 0 661 652 B1; em segundo lugar o protocolo SMB, abrangido pela patente EP 0 438 571 B1, e, em terceiro lugar, o protocolo Distributed Component Object Model Remote, abrangido pela patente EP 0 669 020 B1. Quanto aos pedidos de patente, estes dizem respeito aos protocolos Constraint Delegation e Active Directory Sites.

124   Neste contexto, a Microsoft observa que a Comissão não exclui da medida correctiva a tecnologia patenteada, e impõe a concessão de licenças sobre todos os direitos de propriedade intelectual relativos aos protocolos de comunicação, incluindo qualquer patente. Os concorrentes não teriam assim razões para tentar desenvolver aplicações que não utilizassem os métodos patenteados.

 Protecção pelo segredo comercial

125   Segundo a Microsoft, os protocolos de comunicação são segredos comerciais que não foram divulgados a terceiros, salvo quando estes se tenham comprometido a respeitar uma obrigação de confidencialidade estipulada por contrato.

126   Em resposta às observações da Comissão de 21 de Julho de 2004, segundo as quais, por um lado, a legitimidade, em direito da concorrência, da recusa de divulgar um «segredo», cuja existência depende apenas de uma decisão comercial unilateral, deve depender dos interesses em questão e, por outro, os danos causados à Microsoft pela obrigação de revelar os seus segredos comerciais é menos grave do que a obrigação imposta à Microsoft de autorizar a reprodução das suas obras protegidas pelos direitos de autor ou a violação das suas patentes, a Microsoft contrapõe que lhe é possível, actualmente, transferir os seus protocolos de comunicação para terceiros mediante contrapartida financeira, que pode processar judicialmente quem utilizar ilegalmente esses protocolos (pareceres Prescott e Galloux, respectivamente anexos T.3 e T.6, já referidos no n.° 90 supra) e que, por conseguinte, a concessão obrigatória de licenças afectará o valor dos activos em questão. Além disso, não se pode deduzir do acórdão de 6 de Outubro de 1994, Tetra Pak/Comissão (T‑83/91, Colect., p. II‑755, n.os 84 e 139), que o Tribunal de Primeira Instância admitiu que as informações secretas, sob a forma de especificações, não são protegidas da mesma forma que os outros direitos de propriedade intelectual, na medida em que não foi colocada a este órgão jurisdicional a questão de saber se as especificações de caixas de cartão constituíam segredos comerciais protegidos.

 Quanto à necessidade das informações

127   Nas suas observações de 21 de Julho de 2004, a Comissão afirma que as especificações dos protocolos de comunicação da Microsoft constituem «informações necessárias à interoperabilidade» na acepção da Directiva 91/250 e que, por conseguinte, a concessão obrigatória de licenças imposta na Decisão não confere aos concorrentes da Microsoft nada mais do que aquilo que poderiam obter através da descompilação dos sistemas operativos Windows para servidores, em conformidade com a derrogação prevista pelo artigo 6.° da directiva.

128   A Microsoft considera, porém, que esta alegação é incorrecta em vários aspectos.

129   Em primeiro lugar, o artigo 6.°, n.° 2, da Directiva 91/250 constitui apenas uma excepção limitada aos direitos exclusivos do proprietário de um programa informático protegido, tal como são enumerados no artigo 4.° da directiva. Em certas circunstâncias bem definidas, um «utilizador legítimo» é autorizado a «descobrir» as interfaces de um programa informático protegido através da «descompilação» do código legível da máquina que apresenta tais interfaces. Tal «descompilação» só é autorizada quando as interfaces são indispensáveis para assegurar a funcionalidade de um programa informático criado de modo independente e não tenham sido disponibilizadas pelo proprietário do programa. No caso em apreço, além de a Microsoft afirmar que já divulgou as interfaces de que os programas informáticos de terceiros necessitam para recorrer à funcionalidade dos sistemas operativos Windows para servidores, as especificações dos protocolos de comunicação da Microsoft não são necessárias para assegurar a funcionalidade de um sistema operativo para servidores de grupo de trabalho criado de modo independente. Pelo contrário, a Decisão impõe à Microsoft que autorize os concorrentes a criar produtos que ofereçam os mesmos serviços de ficheiros e de impressão e os mesmos serviços de gestão dos utilizadores e dos grupos que os propostos pelos sistemas operativos Windows para servidores, desenvolvendo a sua própria aplicação dos protocolos de comunicação da Microsoft. A Microsoft vê‑se, assim, obrigada a fornecer aos seus concorrentes informações comerciais valiosas em circunstâncias que não lhes dão, de modo algum, direito a recorrer à descompilação, ao abrigo do artigo 6.°, n.° 2, da referida directiva.

130   Em segundo lugar, o artigo 6.° da Directiva 91/250 autoriza a obtenção de informações através da descompilação mas impõe, no seu n.° 2, três limites estritos à utilização destas informações, incluindo a proibição de as utilizar para criar um programa que reproduza o que foi objecto da descompilação. A Decisão não contém, todavia, qualquer limite neste sentido; pelo contrário, autoriza os beneficiários da licença a desenvolver aplicações que violam os direitos de autor da Microsoft sobre as especificações dos seus protocolos de comunicação.

131   Em terceiro lugar, as especificações têm um valor superior ao da informação que os concorrentes da Microsoft poderiam obter através de uma descompilação legítima.

 Quanto aos danos substanciais e irreparáveis

132   A Microsoft declara, numa segunda fase, que a divulgação de informações protegidas por direitos de propriedade intelectual causa prejuízos graves e irreparáveis.

133   O artigo 5.°, alínea a), da Decisão, ao permitir aos concorrentes da Microsoft utilizar os protocolos de comunicação com vista à oferta de sistemas operativos para servidores que possam substituir os distribuídos pela Microsoft, priva esta última do benefício das vantagens comerciais que adquiriu através de esforços de investigação e de desenvolvimento. Ora, os direitos de propriedade intelectual implicam o direito de optar por utilizar ou não a propriedade protegida e de escolher o modo de a utilizar. Como já foi decidido, a concessão obrigatória de licenças lesa a «razão de ser fundamental» da propriedade intelectual, que é a de «permit[ir] ao criador de obras inventivas e originais o direito exclusivo de explorar essas obras» (despacho do presidente do Tribunal de Primeira Instância de 26 de Outubro de 2001, IMS Health/Comissão, T‑184/01 R, Colect., p. II‑3193, n.° 125). Por essa razão, o Tribunal de Primeira Instância reconheceu que exigir a uma empresa que conceda licenças sobre direitos de propriedade intelectual, ainda que de modo «temporário», gera o risco de lhe causar um «prejuízo grave e irreparável», mesmo que as informações em questão sejam já do domínio público (mesmo despacho, n.° 127).

134   A irreversibilidade da transmissão de elementos de propriedade intelectual é particularmente evidente no que toca aos segredos comerciais. No caso em apreço, estes elementos respeitam às concepções da Microsoft relativas ao modo de realizar certas tarefas que os sistemas operativos para servidores devem executar por si sós e em colaboração com sistemas operativos para computadores pessoais e para servidores. A revelação destas concepções nunca mais poderia ser apagada da memória dos beneficiários.

135   A obrigação de conceder licenças sobre informações protegidas pelos direitos de autor tem também efeitos concorrenciais irreversíveis. Com efeito, o estudo das especificações dos protocolos de comunicação protegidos pelos direitos de autor permite aos concorrentes da Microsoft adquirir conhecimentos profundos sobre os modos de funcionamento internos dos seus sistemas operativos e utilizá‑los para os seus próprios produtos. Seria impossível verificar posteriormente a não utilização destes conhecimentos pelos concorrentes da Microsoft.

136   A concessão obrigatória de licenças sobre as patentes causaria, além disso, um prejuízo irreparável. É certo que a anulação da Decisão permitiria à Microsoft processar terceiros para os impedir de utilizar a tecnologia patenteada, mas seria particularmente complexo e ineficaz tentar verificar se a tecnologia da Microsoft ainda é ou não utilizada, e os produtos que incorporam invenções da Microsoft, criados entretanto, manter‑se‑iam provavelmente nos canais de distribuição e nas mãos dos clientes.

137   Embora a Decisão permita à Microsoft conceder licenças sobre direitos de propriedade intelectual de um «modo razoável e não discriminatório», o que implica plausivelmente o pagamento de uma retribuição, o prejuízo causado aos direitos de propriedade intelectual da Microsoft não é ressarcido pelo pagamento de tal retribuição (v., neste sentido, o despacho IMS Health/Comissão, já referido no n.° 133 supra, n.° 125).

 2) Entrave à liberdade comercial da Microsoft

138   Evocando os despachos do presidente do Tribunal de Primeira Instância de 3 de Junho de 1996, Bayer/Comissão (T‑41/96 R, Colect., p. II‑381, n.° 54), e IMS Health/Comissão, já referido no n.° 133 supra (n.° 130), a Microsoft alega que, como nos processos que deram origem a estes despachos, a sua liberdade de determinar autonomamente os elementos essenciais da sua política comercial ficaria comprometida em resultado da execução da Decisão.

 i)     Quanto à liberdade de transmitir as informações

139   No caso em apreço, não é política comercial da Microsoft conceder uma licença geral sobre todos os seus protocolos de comunicação. A Microsoft observa que a concessão de licenças sobre os seus protocolos de comunicação cliente‑servidor foi acordada no âmbito da transacção americana, mas que, em contrapartida, essa transacção não respeita à concessão de licenças relativas aos protocolos de comunicação servidor‑servidor. Ao obrigar a Microsoft a disponibilizar as especificações dos protocolos de comunicação servidor‑servidor, cuja maioria não foi redigida, a Decisão faria da Microsoft um fornecedor de tecnologia em benefício dos seus concorrentes no sector dos sistemas operativos para servidores.

140   A Microsoft expõe seguidamente as diferenças existentes entre a transacção americana e o acordo celebrado com a Sun Microsystems, por um lado, e a Decisão, por outro.

141   Quanto à transacção americana, ele prevê a concessão de licenças sobre os protocolos de comunicação cliente‑servidor com o único objectivo de assegurar uma interoperabilidade com os sistemas operativos Windows para computadores pessoais, ao contrário da Decisão, que impõe a concessão de licenças sobre estes mesmos protocolos para serem utilizados em sistemas operativos para servidores de grupo de trabalho que fornecem serviços de ficheiros e de impressão e serviços de gestão dos utilizadores e dos grupos a qualquer sistema operativo Windows para computadores pessoais ou para servidores.

142   Quanto à transacção celebrada em Abril de 2004 com a Sun Microsystems – a única denunciante perante a Comissão – inclui, nomeadamente, uma série de acordos recíprocos pelos quais as partes acordaram em colaborar para o desenvolvimento de produtos e conceder licenças cruzadas, incluindo licenças sobre os tipos de protocolos de comunicação em causa na Decisão. Ora, salienta a Microsoft, as licenças cruzadas garantem‑lhe uma contrapartida que consiste no acesso aos elementos de propriedade intelectual da Sun Microsystems e no incentivo desta a respeitar os direitos de propriedade intelectual da Microsoft no que respeita à sua tecnologia concedida sob licença. A natureza recíproca destes acordos dá à Microsoft a contrapartida que falta precisamente na concessão obrigatória de licenças imposta pela Decisão.

 ii)   Quanto à liberdade de desenvolver os seus produtos

143   A Microsoft sustenta que a execução da Decisão a privaria da sua capacidade de desenvolver os seus produtos. Com efeito, a concessão obrigatória de licenças sobre os protocolos de comunicação comprometeria definitivamente a sua liberdade de decidir sobre o desenvolvimento dos seus produtos. O futuro aperfeiçoamento destes protocolos e, por fim, a capacidade de a Microsoft inovar, seriam afectados, tal como é referido no estudo Madnick e Meyer. A Microsoft refere, com efeito, que a partir do momento em que os produtos de terceiros começam a ser dependentes das características de concepção de um sistema operativo Windows para servidores, em vez de recorrerem à sua funcionalidade, através de interfaces publicadas, é reduzida a sua capacidade de alterar as características de concepção com vista a melhorar o produto. As afirmações em contrário avançadas pela Comissão nas suas observações de 21 de Julho de 2004 ignoram a realidade comercial. Já é um desafio de engenharia para a Microsoft, no âmbito dos lançamentos sucessivos de novos sistemas operativos Windows para servidores, manter uma compatibilidade a montante com milhares de interfaces publicadas que são utilizadas pelos programas informáticos de terceiros. A introdução de novas funcionalidades e a melhoria do funcionamento, da segurança e da fiabilidade das funcionalidades existentes tornar‑se‑iam consideravelmente mais difíceis se os programas informáticos de terceiros recorressem às funcionalidades do Windows através de protocolos que antes eram confidenciais (estudos Madnick e Meyer, anexos R.2 e T.7).

 iii) Quanto à necessidade de «endurecer» os protocolos

144   Os protocolos privados não são concebidos para serem utilizados em produtos de software de terceiros desconhecidos. Por conseguinte, a divulgação de um grande número de protocolos de comunicação privados poderia dar origem a eventuais disfunções, avarias e riscos do ponto de vista da segurança. A Microsoft teria então que dedicar uma parte dos seus recursos a «endurecer» os protocolos para fazer face à sua utilização irreflectida ou mal‑intencionada, o que exige frequentemente que se acrescentem códigos de protecção ou se recorra a testes adicionais importantes antes de divulgar os produtos que utilizam protocolos de comunicação. A este respeito, a Decisão afecta de modo irreversível a liberdade da Microsoft de desenvolver os seus produtos da maneira que considerar adequada.

145   Nas suas observações de 19 de Agosto de 2004, a Microsoft acrescenta que a transmissão aos seus concorrentes das especificações de protocolos de comunicação, que nunca tiveram outro objectivo senão o de assegurar a comunicação entre os sistemas operativos Windows para servidores, expõe os clientes a vulnerabilidade técnicas. Refere‑se, quanto a este aspecto, aos estudos Madnick e Meyer, anexos R.2 e T.7. Tais protocolos assentam num grande número de postulados quanto ao funcionamento interno dos sistemas operativos para servidores que fornecem conjuntamente serviços de grupo de trabalho. Por conseguinte, não têm os mecanismos de protecção de que seriam dotados se tivessem sido concebidos para comunicar com produtos de software de terceiros. Embora a Microsoft possa, no futuro, «endurecer» as implementações dos seus protocolos de comunicação, continuam a existir milhões de sistemas operativos Windows para servidores presentes nas redes dos clientes que utilizam os protocolos no seu estado actual. Não é viável alterar a posteriori estes produtos para os proteger de uma utilização inadequada dos protocolos de comunicação, uma vez que a integração dos mecanismos de protecção exige alterações importantes dos produtos que já estão em circulação. A Microsoft observa que, embora a Comissão ironize sobre o que qualifica como «segurança pela obscuridade» (anexo S.2), os clientes não gostariam de ser informados de que as divulgações por ela ordenadas na Decisão tornaram os actuais sistemas operativos Windows para servidores vulneráveis a disfunções (estudo Madnick e Meyer, anexo T.7). Os protocolos são complexos e os riscos de erro na sua implementação noutro sistema operativo para servidores de grupo de trabalho são elevados. Tais erros podem implicar consideráveis perdas e alterações de dados e, paralelamente, causar danos à Microsoft e aos seus clientes. Evidentemente, os clientes são muito sensíveis às perdas e alterações de dados, pelo que a Microsoft sofreria prejuízos, nomeadamente quanto à sua reputação, se a base existente dos sistemas operativos Windows para servidores fosse comprometida pela utilização incorrecta dos protocolos de comunicação da Microsoft. A Comissão sugere que «todos os prejuízos são reversíveis […] depois de a Decisão ser anulada». Ora, a anulação não pode reparar a perda ou a alteração de dados nem restabelecer a reputação da Microsoft.

 3) Modificação irreversível das condições de mercado

146   A Microsoft sustenta que a concessão obrigatória de licenças alteraria irremediavelmente, em seu prejuízo, as condições existentes no mercado. Parece que esta alteração foi pretendida pela Comissão, tal como resulta do considerando 695 da Decisão, segundo o qual «[s]e os concorrentes da Microsoft tivessem acesso às informações sobre a interoperabilidade que são exigidas, poderiam utilizá‑las para disponibilizar as funções avançadas dos seus próprios produtos no âmbito da rede de relações de interoperabilidade sobre a qual assenta o ambiente Windows».

147   Para demonstrar que surge uma alteração irreversível no mercado, a Microsoft alega que o exame das especificações detalhadas dos protocolos de comunicação de que é proprietária, que se torna possível pela concessão obrigatória de licenças, permitirá revelar aos concorrentes aspectos importantes da concepção dos sistemas operativos Windows para servidores. Como é explicado no estudo Madnick e Meyer, as especificações dos protocolos de comunicação que antes eram privadas são especialmente susceptíveis de revelar informações sobre a concepção interna dos sistemas operativos, porque tais protocolos dependem frequentemente da sua implementação específica num código informático. A utilização de tais protocolos de comunicação por terceiros implica, portanto, a especificação de vários pormenores, ao passo que tais pormenores se mantêm implícitos quando os protocolos são utilizados de modo privado por diferentes cópias do mesmo sistema operativo que funcione em servidores diferentes.

148   A divulgação em grande escala de tais informações permitiria aos concorrentes da Microsoft reproduzir nos seus sistemas operativos para servidores uma série de funcionalidades que a Microsoft desenvolveu através dos seus próprios esforços de investigação e de desenvolvimento. Os prejuízos que daí resultariam para a Microsoft ultrapassariam o âmbito da divulgação imposta e o mercado dos sistemas operativos para servidores de grupo de trabalho e mesmo o âmbito geográfico de uma licença obrigatória.

 c)     Quanto à ponderação dos interesses

149   A Microsoft sustenta, em primeiro lugar, que o interesse das Comunidades em lhe impor uma reparação efectiva não exige a execução imediata do artigo 5.°, alíneas a) a c), da Decisão.

150   Antes de mais, sendo o objectivo do artigo 82.° «proteger os interesses dos consumidores e não proteger a posição de concorrentes específicos» (despacho IMS Health/Comissão, já referido no n.° 133 supra, n.° 145), deve ser atribuído um peso significativo à inexistência de danos sofridos pelos consumidores. Ora, no caso em apreço, os clientes beneficiam de diversas soluções de interoperabilidade. Assim, durante os cinco anos do procedimento perante a Comissão, nenhuma empresa declarou ter querido escolher um sistema operativo para servidores que não o Windows e ter sido obrigada, por preocupações quanto à interoperabilidade, a escolher um sistema operativo Windows para servidores.

151   Seguidamente, a execução da medida correctiva prevista pelo artigo 5.° da Decisão não é necessária, uma vez que os concorrentes da Microsoft não têm necessidade imediata de aceder aos seus protocolos de comunicação. Aliás, a Microsoft observa que a própria Comissão não alega que a concorrência entre os vendedores de sistemas operativos para servidores de grupo de trabalho desapareceria a curto prazo em caso de suspensão do artigo 5.° da Decisão.

152   A este respeito, a Microsoft alega que os produtos dos seus concorrentes são actualmente competitivos e apresentou diversos estudos e projecções neste sentido relativos ao Linux, à UNIX e à Novell.

153   Além disso, a Microsoft alega que a Comissão não provou o nexo entre a medida correctiva prevista no artigo 5.° da Decisão e qualquer pedido formulado pelos distribuidores de sistemas operativos para servidores de grupo de trabalho. A Microsoft precisa que a Sun Microsystems, a Novell e a Free Software Foundation/Samba não apresentarem um pedido a beneficiar de uma licença sobre os protocolos de comunicação de que é proprietária.

154   O benefício que estes concorrentes podem retirar da possibilidade de descobrir o modo pelo qual a Microsoft resolveu certos problemas relativos à concepção dos sistemas operativos para servidores não pode prevalecer sobre o interesse legítimo da Microsoft em proteger a sua própria tecnologia. Ao ponderar os interesses, o interesse geral em manter uma concorrência efectiva deve, manifestamente primar sobre os interesses dos concorrentes da Microsoft.

155   Quanto ao risco de os distribuidores concorrentes de sistemas operativos para servidores serem afastados do mercado em caso de suspensão dos efeitos do artigo 5.° da Decisão, é inexistente. Os concorrentes da Microsoft têm concedido licenças sobre os seus sistemas operativos para servidores a clientes profissionais desde há muitos anos, e sem terem acesso às especificações dos protocolos de comunicação cuja transmissão a Decisão impõe à Microsoft. Em apoio da sua análise, a Microsoft apresenta diversos dados relativos a alguns dos seus concorrentes no mercado em questão.

156   Por fim, a Microsoft considera que não se pode alegar que a execução da Decisão seja urgente, uma vez que o procedimento administrativo, durante o qual as apreciações da Comissão flutuaram, durou cinco anos.

157   Em segundo lugar, na ponderação dos interesses, há que ter em conta, por um lado, as obrigações das Comunidades que decorrem de tratados internacionais, entre os quais o ADPIC, e, por outro, a procedência do recurso no processo principal. Quanto a este último aspecto, invocando o despacho do presidente do Tribunal de Justiça de 11 de Abril de 2002, NDC Health/IMS Health e Comissão [C‑481/01 P(R), Colect., p. I‑3401], a Microsoft entende que o mérito do seu recurso no processo principal deve ser tomado em consideração na ponderação dos interesses em presença. No caso em apreço é manifesto, nomeadamente, que a Comissão não demonstrou que estavam satisfeitos os critérios jurisprudenciais (acórdão IMS Health, já referido no n.° 99 supra) que permitem obrigar uma empresa em posição dominante a conceder licenças aos seus concorrentes.

158   Em terceiro e último lugar, recorda‑se que a Sun Microsystems, depois da adopção da Decisão, celebrou uma transacção com a Microsoft que regula todas as dificuldades na origem da denúncia apresentada à Comissão. Não há, portanto, necessidade imediata de execução da Decisão, enquanto estiver pendente o processo principal.

159   A ACT alega, por seu lado, que a não suspensão da execução da medida correctiva produziria efeitos graves e irreparáveis decorrentes da lesão da força e do valor dos direitos de propriedade intelectual de que os seus membros são titulares no EEE.

160   A ACT sustenta, mais precisamente, em primeiro lugar, que a aplicabilidade imediata da medida correctiva constituiria um precedente de referência em matéria de licenças obrigatórias relativas a direitos de propriedade intelectual, que não deixaria de enfraquecer rápida e substancialmente o valor dos direitos de propriedade intelectual detidos pelos seus membros. A este respeito, a ACT alega que a Comissão interpretou e aplicou o artigo 82.° de um modo não conforme às obrigações que incumbem à Comunidade, por força dos artigos 13.°, 31.° e 39.° do ADPIC.

161   A ACT sustenta, em segundo lugar, que a divulgação dos protocolos de comunicação, que antes eram propriedade exclusiva da Microsoft, levaria a uma instabilidade dos sistemas operativos Windows para computadores pessoais e para servidores, que ocasionaria imediatamente um grave prejuízo para os seus membros.

162   A CompTIA considera que a medida correctiva prevista pelo artigo 5.° da Decisão, na medida em que impõe à Microsoft a transmissão da sua propriedade intelectual a qualquer empresa presente no mercado dos servidores, reduz o nível de protecção da propriedade intelectual para toda a indústria das tecnologias da informação e da comunicação, constitui uma causa de insegurança jurídica e tem como efeito imediato a redução do montante dos investimentos feitos no sector das tecnologias e, portanto, do nível de actividade económica geral.

163   A CompTIA considera, além disso, que o prejuízo grave e irreparável que esta medida causará a todo o sector, bem como aos membros da CompTIA, excede o eventual impacto negativo da não divulgação imediata em relação ao interesse público e aos interesses de terceiros. Neste contexto, a CompTIA salienta que não foi informada de nenhum elemento referente a um problema de interoperabilidade no mercado dos servidores, apesar de desempenhar um papel mais importante do que qualquer outra associação na certificação da qualificação da mão‑de‑obra tecnológica no sector dos servidores.

 2.     Argumentos da Comissão e das partes admitidas a intervir em apoio da sua posição

164   A título preliminar, a Comissão considera que o pedido de suspensão da execução do artigo 5.°, alíneas a) a c), da Decisão assenta, em larga medida, na apreciação da incidência que esta Decisão alegadamente tem sobre o exercício dos «direitos de propriedade intelectual» da Microsoft e apresenta algumas observações introdutórias a este respeito. A Comissão precisa nas suas observações de 13 de Setembro de 2004 que, mesmo admitindo que a Microsoft tenha demonstrado expressamente que a Decisão a obriga a conceder licenças sobre os seus direitos de propriedade intelectual, a sua argumentação mantém‑se válida. A FSF‑Europe subscreve a argumentação da Comissão.

 a)     Observações preliminares

165   Antes de mais, a Comissão observa que o artigo 5.°, alíneas a) a c), da Decisão obriga a Microsoft a fornecer uma documentação técnica, denominada «especificações», que descreve em pormenor os «protocolos» referidos no artigo 1.°, n.° 1, da Decisão. Ora, salienta a Comissão, há que distinguir esta documentação técnica do código fonte dos produtos da Microsoft. Com efeito, um concorrente que queira elaborar um sistema operativo para servidores que inclua os protocolos da Microsoft tem que dotar o seu produto de um código fonte que permita realizar as especificações. Ora, dois programadores que implementassem as mesmas especificações do protocolo não escreveriam o mesmo código fonte e os desempenhos dos seus programas seriam diferentes (considerandos 24, 25, 698 e 719 a 722). Nesta perspectiva, os protocolos podem ser comparados a uma linguagem cuja sintaxe e vocabulário são as especificações, na medida em que o simples facto de duas pessoas aprenderem a sintaxe e o vocabulário da mesma língua não garante que os usem do mesmo modo.

166   Seguidamente, à luz destes elementos, a Comissão passa em revista os diversos direitos de propriedade intelectual invocados pela Microsoft.

 1) Quanto aos direitos de autor

167   No que respeita, em primeiro lugar, aos direitos de autor, a Comissão considera que a exposição da Microsoft é inexacta, ou mesmo enganosa. Com efeito, por um lado, a Microsoft leva a crer, erradamente, que a utilização da informação relativa à interoperabilidade, com vista a tornar esta última efectiva, constitui normalmente uma violação dos direitos de autor. Por outro lado, a Microsoft também não tem razão ao indicar que a protecção conferida pelos direitos de autor se alarga aos protocolos de comunicação, e invoca um direito de autor ligado às «especificações» para sustentar que a utilização dos conhecimentos nelas contidos constitui uma violação desses direitos.

168   Todavia, sem excluir que as especificações possam, como tais, ser abrangidas pelos direitos de autor, a Comissão considera que isso não significa que a utilização da informação contida nesse documento, através da sua implementação num sistema operativo, constitua uma violação dos direitos de autor porquanto, como a Decisão indica, a implementação de uma especificação não é uma cópia, levando sim a uma obra manifestamente distinta (considerandos 25, 570 e seguintes e 719 e seguintes).

169   Nas suas observações de 13 de Setembro de 2004, a Comissão sustenta, essencialmente, que a implementação dos protocolos de comunicação não constitui uma forma de exploração proibida pelos direitos de autor.

170   Entre os numerosos reparos da Comissão quanto às observações da Microsoft de 19 de Agosto de 2004, há que relatar as respostas apresentadas de modo mais específico a cinco categorias de argumentos.

171   Em primeiro lugar, a Comissão observa que a Microsoft invocou pela primeira vez nas suas observações de 19 de Agosto de 2004, um direito de «divulgação» (n.° 119 supra). A Comissão constata que o artigo 6.° bis da Convenção de Berna, que enumera os «direitos morais» do titular dos direitos de autor, não indica esse direito e, como tal, qualquer eventual entrave ao exercício deste alegado direito não pode ser contrário à «exploração normal do programa de computador», como é definida no artigo 6.°, n.° 3, da Directiva 91/250, na medida em que esta disposição precisa que deve ser interpretada «de acordo com o disposto na Convenção de Berna». O direito de divulgação é, quando muito, um «direito moral», que não pode ser objecto de licença. Além disso, a invocação de um direito de divulgação é dificilmente compatível com o facto de os produtos da Microsoft estarem no mercado, de as pessoas os poderem observar, estudar ou testar, podendo proceder à sua descompilação em certas circunstâncias. Por fim, as razões invocadas pela Microsoft para recusar a divulgação das informações em questão são puramente económicas e não têm, portanto, nada a ver com a razão de ser do direito em questão.

172   Em segundo lugar, a Comissão contesta que a documentação técnica que deve ser divulgada possa ser considerada um «programa de computador» protegido ao abrigo da Directiva 91/250, por se tratar de «material de concepção preparatório» de um programa de computador (n.° 118 supra). Com efeito, prossegue a Comissão, as informações em questão não são compostas ex ante, como assistência interna à criação dos programas da Microsoft, mas sim ex post, com o único objectivo de divulgar apenas informações limitadas aos seus concorrentes.

173   Quanto à afirmação da Microsoft, assente no artigo 4.° da Directiva 91/250, segundo a qual a implementação dos protocolos em questão é «quase de certeza» uma adaptação ou uma tradução das especificações abrangidas pelo direito de autor da Microsoft (n.° 120 supra), a Comissão responde que a recorrente não apresenta justificações a este respeito. Segundo a Comissão, o texto da Directiva 91/250, bem como os trabalhos preparatórios a ela respeitantes levam à conclusão de que a redacção do software de interface com base nas especificações de interface não é normalmente abrangida pelo artigo 4.° da referida directiva. Com efeito, o artigo 6.° da mesma directiva baseia‑se na premissa segundo a qual a utilização das informações relativas à interoperabilidade, extraídas por descompilação – que está «isenta» – para «para obter as informações necessárias à interoperabilidade de um programa de computador criado independentemente, com outros», não é um acto que infrinja os direitos de autor, salvo no caso de as informações serem «utilizadas para o desenvolvimento, produção ou comercialização de um programa substancialmente semelhante na sua expressão» ao programa que foi objecto da descompilação. Se a Microsoft tivesse razão, o artigo 6.° da Directiva 91/250 nunca poderia ser invocado para criar produtos compatíveis, uma vez que a criação desse produtos seria um «acto que infrin[ge] os direitos de autor» sendo, portanto, proibida pelo artigo 6.°, n.° 2, alínea c).

174   Em terceiro lugar, a Comissão afasta a interpretação restritiva que o Sr. Prescott (anexo T.3) faz do artigo 1.°, n.° 2, da Directiva 91/250, que prevê que «[a]s ideias e princípios subjacentes a qualquer elemento de um programa de computador, incluindo os que estão na base das respectivas interfaces, não são protegidos pelos direitos de autor». Com efeito, o seu argumento, que consiste em sustentar que o conjunto, ou a estrutura, das «ideias» em questão são protegidos pelos direitos de autor quando constituam uma «parte substancial da obra protegida» é viciado porquanto, em primeiro lugar, não é conforme ao artigo 1.°, n.° 2, e ao artigo 6.° da Directiva 91/250 e, em segundo lugar, as sentenças britânicas em que o Sr. Prescott baseia a sua análise não têm qualquer relação com o caso em apreço.

175   Em quarto lugar, no que respeita à argumentação da Microsoft referida no n.° 120 supra, que dá a entender, antes de mais, que a medida correctiva criaria a «tentação» especial nos concorrentes da Microsoft, de, de algum modo, desenvolverem realizações em violação dos direitos de autor e, seguidamente, que a Decisão não prevê qualquer garantia contra tal «tentação», a Comissão precisa que a medida correctiva não impõe a divulgação do código fonte e, por conseguinte, a proibição de utilizar as informações obtidas por descompilação «para o desenvolvimento, produção ou comercialização de um programa substancialmente semelhante na sua expressão» prevista pelo artigo 6.°, n.° 2, alínea c), da Directiva 91/250, não é aplicável.

176   Em quinto lugar, a Comissão considera que a Microsoft, ao contrário do que sustenta (n.° 129 supra), não divulgou as interfaces de que os programas informáticos de terceiros necessitam para utilizar as funcionalidades dos sistemas operativos Windows para servidores. A Comissão precisa que as interfaces a que a Microsoft se refere são as «interfaces de programação de aplicações» (a seguir as «API») que permitem às aplicações executadas num sistema operativo para servidores Windows utilizar os serviços deste sistema operativo para servidores, ao passo que as interfaces em questão no caso em apreço são aquelas pelas quais um servidor de grupo de trabalho Windows fornece os seus serviços às redes de grupo de trabalho Windows (considerando 210).

 2) Quanto às patentes

177   No que diz respeito às patentes, a Comissão observa, antes de mais, que, durante o procedimento administrativo, a Microsoft só apresentou provas de um pedido de patente, ao passo que no presente processo jurisdicional invoca três patentes europeias e dois pedidos pendentes de patente europeia. Seguidamente, a Microsoft não apresentou documentação que permita determinar se uma licença respeitante a uma ou várias das referidas patentes é indispensável para uma pessoa que aplique os protocolos em questão.

178   Nas suas observações de 13 de Setembro de 2004, a Comissão observa que, antes da adopção da Decisão, a Microsoft só mencionou a existência de uma única patente, em 20 de Janeiro de 2004, quando as três patentes europeias visadas no documento que contém o parecer do Sr. Knauer (anexo T.5; n.° 91 supra) foram concedidas antes do fim do ano de 2001 e quando os dois pedidos de patente europeia foram apresentados, segundo o mesmo documento, antes do fim do ano de 2002. No que respeita ao teor do parecer do Sr. Knauer, a Comissão observa, antes de mais, que este «teve que se basear nas informações fornecidas pela Microsoft quanto aos protocolos abrangidos pelo artigo 5.° da [D]ecisão». Seguidamente, observa que não é evidente que um concorrente da Microsoft que tire partido da execução da Decisão infrinja algumas das reivindicações dessas patentes. As dúvidas expressas quanto à questão de saber se o criador de um software para servidores que utilize os protocolos pertinentes para comunicar com os clientes Windows infringe as reivindicações em questão são, na opinião da Comissão, confirmadas pela atitude da Microsoft relativamente ao Samba, um produto de «software livre» que implementa certos protocolos de comunicação da Microsoft que os criadores do grupo Samba identificaram, utilizando as técnicas da engenharia inversa. Com efeito, prossegue a Comissão, o Samba parece ter incorporado a «fechadura oportunista» do SMB a partir de Janeiro de 1998 (versão 1.9.18) e o DFS a partir de Abril de 2001 (versão 2.2.0). Tanto quanto é do conhecimento da Comissão, o grupo Samba nunca obteve uma licença sobre as patentes da Microsoft em questão, e a Microsoft nunca alegou que este tenha infringido tais patentes. A Comissão recorda, além disso, que as três patentes em questão foram concedidas antes do fim de 2001 e que, tendo em conta a descrição técnica que apresentam, parecem respeitar à geração NT 4.0 dos produtos Microsoft, anterior ao Windows 2000.

179   O nexo entre as reivindicações de patente da Microsoft e a decisão é, portanto, vago.

180   A Comissão conclui, quanto a este aspecto, que a Microsoft não provou que, em caso de execução do artigo 5.°, alíneas a) a c), da decisão, seria infringida qualquer uma das suas patentes.

 3) Quanto ao segredo comercial

181   A Comissão considera que o paralelo que a Microsoft estabelece entre os segredos comerciais e os direitos de propriedade intelectual não é evidente. A este respeito, a Comissão refere‑se ao processo Tetra Pak [Decisão 92/163/CEE da Comissão, de 24 de Julho de 1991, relativa a um processo de aplicação do artigo 86.° do Tratado CEE (IV/31.043 – Tetra Pak II), JO 1992, L 72, p. 1], que deu origem ao acórdão Tetra Pak/Comissão, já referido no n.° 126 supra (n.os 84 e 139).

182   A Comissão considera que, embora possa existir uma presunção de legitimidade da recusa de concessão de uma licença sobre um direito de propriedade intelectual instituído pela lei, em contrapartida, a legitimidade em direito da concorrência da recusa de divulgação de um segredo, cuja existência depende apenas de uma decisão comercial unilateral, deve depender da matéria de facto de cada caso, e, em especial, dos interesses em causa. No caso em apreço, a Directiva 91/250 indica que o interesse da protecção do esforço inventivo na origem do software não autoriza o inventor a proibir que se utilize a informação relativa à interoperabilidade inerente a esse software no sentido de a tornar efectiva.

183   A Comissão admite que a Directiva 91/250 não obriga o inventor a revelar, por iniciativa própria, a informação em questão. Porém, segundo a Comissão, a divulgação da informação relativa à interoperabilidade no sentido de a tornar efectiva não é, à luz de um eventual segredo comercial da Microsoft, comparável ao facto de permitir a um dos seus concorrentes, através de um licença, copiar uma obra protegida pela legislação sobre os direitos de propriedade intelectual. Esta afirmação é corroborada pela pertinência técnica de tal divulgação, pelas práticas existentes no sector do software e pelo próprio comportamento da Microsoft quando entrou no mercado.

184   Nas suas observações de 13 de Setembro de 2004, a Comissão rejeita a ideia de os protocolos são um reflexo de inovações importantes, pois a veracidade desta afirmação nunca foi demonstrada pela Microsoft no seu requerimento, nem nas observações subsequentes, nem no anexo T.3. A Comissão considera também infundado o argumento segundo o qual a medida correctiva teria como efeito «transferir» a inovação em questão para os concorrentes da Microsoft, na medida em que, por um lado, a divulgação destas informação não implica uma transferência do valor essencial do sistema operativo Windows e, por outro, o artigo 82.° CE permite que se ordene a concessão de uma licença sobre um elemento essencial de um produto da empresa em posição dominante, tal como resulta dos processos que deram origem aos acórdãos Magill e IMS Health, já referidos no n.° 99 supra.

185   A FSF‑Europe alega, essencialmente, que as informações cuja divulgação a Decisão impõe à Microsoft têm pouco valor a nível de inovação e contêm várias incompatibilidades introduzidas deliberadamente em protocolos escritos preexistentes. A abordagem da Microsoft consiste em adoptar protocolos preexistentes, e alterá‑los depois com o objectivo de impedir ou proibir a interoperabilidade. Foi deste modo que agiu relativamente a vários protocolos de servidores de grupo de trabalho, cuja divulgação o grupo Samba solicitou para criar um produto compatível, concretamente, os protocolos CIFS, DCE/RPC (Distributed Computing Environment/Remote Procedure Call), DCE/RCP IDL («Interface Definition Language»), Kerberos 5 e LDAP (Active Directory).

 b)     Quanto ao fumus boni juris

186   A Comissão rejeita desde já as afirmações da Microsoft segundo as quais, por um lado, o caso em apreço respeita apenas à sua relação com a Sun Microsystems e, por outro, esta última não apresentou um pedido no sentido de beneficiar da informação cuja divulgação a Decisão ordena à Microsoft.

187   A Comissão recorda seguidamente, que, nas suas observações preliminares, alegou que nenhum direito de autor de que a Microsoft fosse titular impediria a utilização da informação relativa à interoperabilidade para a tornar efectiva (n.os 167 e 168 supra). A Comissão comenta, todavia, os quatro critérios estabelecidos pela jurisprudência a propósito das licenças obrigatórias, colocando a mera hipótese para efeitos de discussão, por um lado, estarem em causa certas questões relativas aos direitos de propriedade intelectual e, por outro, nenhum outro critério ser pertinente para concluir pela existência de circunstâncias excepcionais, sendo esta segunda hipótese, todavia, segundo a Comissão, contrariada pela formulação do acórdão IMS Health, já referido no n.° 99 supra (n.° 38).

188   No que respeita, em primeiro lugar, à indispensabilidade das informações pretensamente abrangidas por direitos de propriedade intelectual, a Comissão já refutou na Decisão as alegações da Microsoft quanto às «muitas outras maneiras de assegurar a interoperabilidade» (considerandos 666 a 687).

189   Em segundo lugar, a Comissão rejeita as afirmações da Microsoft segundo as quais esta não impediu o surgimento de novos produtos para os quais houvesse uma procura não satisfeita por parte dos consumidores.

190   Resulta, com efeito, do n.° 49 do acórdão IMS Health, já referido no n.° 99 supra, que um «produto novo» é um produto que não se limita «essencialmente, a reproduzir» os produtos já oferecidos no mercado pelo titular dos direitos de autor. Por conseguinte, basta que o produto em questão contenha elementos substanciais que resultem da contribuição do beneficiário da licença. Não se pode excluir, portanto, que os produtos do titular dos direitos de autor e os futuros produtos do beneficiário da licença estejam em concorrência, tal como é demonstrado pela matéria de facto dos processos decididos pelo órgão jurisdicional comunitário (acórdão do Tribunal de Primeira Instância de 10 de Julho de 1991, RTE/Comissão, T‑69/89, Colect., p. II‑485, n.° 73; acórdão Magill, n.° 53; acórdão IMS Health, já referido no n.° 99 supra). Além disso, o critério do «produto novo» não implica a obrigação de demonstrar concretamente que o produto do beneficiário da licença atrai clientes que não comprariam os produtos oferecidos pelo fornecedor existente. Segundo a Comissão, uma interpretação diferente privaria a jurisprudência de boa parte do seu sentido, na medida em que os titulares de direitos de propriedade intelectual têm, normalmente, excelentes razões para conceder licenças aos operadores que decidam fabricar bens que não estejam em concorrência com os seus. Este tipo de situação não justifica normalmente, portanto, uma recusa. No acórdão IMS Health, já referido no n.° 99 supra, o Tribunal de Justiça concentrou, aliás, a sua análise na diferenciação do produto susceptível de influenciar as escolhas dos consumidores ou, por outras palavras, na questão de saber se existe uma «procura potencial» para o novo produto. As consequências exactas que esta diferenciação terá sobre as escolhas efectuadas e, a mais longo prazo, sobre o surgimento de produtos que atraiam novas categorias de clientes, são definidas pelo mercado.

191   Ora, no caso em apreço, por um lado, o processo de implementação dos protocolos pode ter formas muito diversas (considerandos 24, 25 e 698), o que cria suficientes possibilidades de diferenciação do produto e, por outro lado, existem consideráveis possibilidades de diferenciação do produto, actualmente neutralizadas pelo comportamento da Microsoft, através das quais a concorrência se poderia desenvolver.

192   Em terceiro lugar, no que toca à questão da eliminação da concorrência num mercado derivado, a Comissão analisou em profundidade na sua Decisão a evolução do mercado em causa e a importância da interoperabilidade para essa evolução (considerandos 590 a 692), nomeadamente o alegado «crescimento regular do Linux» (considerandos 598 a 610). Ora, no seu requerimento de medidas provisórias, a Microsoft não invoca qualquer erro a este respeito. A Microsoft presume incorrectamente que, quando a eliminação da concorrência é progressiva, as cominações de não fazer só podem ser decretadas, ao abrigo do artigo 82.° CE, no momento em que já não fazem sentido, porque o mercado se transformou definitivamente num monopólio, quando de facto basta que a recusa de concessão da licença seja «susceptível» de excluir a concorrência (acórdãos Bronner, já referido no n.° 99 supra, n.° 40, e IMS Health, já referido no n.° 99 supra, n.os 37 e 38).

193   Em quarto lugar, a Microsoft não refere qualquer justificação objectiva particular do seu comportamento, além da invocação genérica dos «seus direitos de propriedade intelectual», já refutada na Decisão (considerandos 709 a 763).

194   A Decisão revela, portanto, e a Microsoft não o contestou seriamente, que o comportamento desta reúne as condições enumeradas pela jurisprudência.

195   Por fim, no que respeita à incompatibilidade entre a Decisão e o ADPIC, a Comissão remete para as observações que constam dos considerandos 1052 e 1053 da Decisão.

 c)     Quanto à urgência

196   A Comissão considera que a Microsoft não demonstrou que sofreria um prejuízo grave e irreparável no caso de não suspensão da execução da Decisão. As intervenientes SIIA e FSF‑Europe partilham da argumentação da Comissão.

 d)     Quanto à ponderação dos interesses

197   A Comissão considera que a ponderação dos interesses pende para a execução imediata do artigo 5.°, alíneas a) a c), da Decisão e conclui, portanto, pelo indeferimento do pedido. As intervenientes SIIA e FSF‑Europe partilham da argumentação da Comissão.

 B – Apreciação do juiz das medidas provisórias

 1.     Quanto ao fumus boni juris

198   Em apoio da sua conclusão segundo a qual está satisfeita a condição relativa ao fumus boni juris, a Microsoft sustenta, essencialmente, em primeiro lugar, que as condições em que uma recusa de fornecimento das informações protegidas pelos direitos de propriedade intelectual constitui um abuso de posição dominante proibido pelo artigo 82.° CE não estão reunidas no caso em apreço, em segundo lugar, que a Sun Microsystems não pediu a informação cujo fornecimento a Decisão ordena e que o seu pedido não respeita ao desenvolvimento de software no EEE e, em terceiro lugar, que a Comissão ignorou as obrigações que o ADPIC impõe à Comunidade.

199   À luz da argumentação desenvolvida pela Microsoft no âmbito do processo de medidas provisórias, a segunda e a terceira série de argumentos não podem ser consideradas suficientemente sérias para que constituam um fumus boni juris.

200   Com efeito, os argumentos relativos ao pedido da Sun Microsystems foram rejeitados de modo pormenorizado na Decisão (considerandos 199 a 207, 564 e 565) sem que a Microsoft demonstre, à primeira vista, que a Comissão cometeu qualquer erro quanto ao alcance do pedido da Sun Microsystems. De igual modo, o argumento segundo o qual o pedido da Sun Microsystems não diz respeito ao desenvolvimento de software «no EEE» não pode proceder, pois, por um lado, o pedido da Sun Microsystems estava formulado em termos gerais e, por outro, o EEE é necessariamente uma parte do mercado mundial pertinente, tal como resulta claramente dos considerandos 185 e seguintes e 427 da Decisão.

201   Quanto ao fundamento assente na violação do ADPIC, não foi suficientemente desenvolvido para permitir ao juiz das medidas provisórias pronunciar‑se utilmente. Com efeito, por um lado, a Microsoft limitou‑se a sustentar no seu requerimento de medidas provisórias que, «ao impor uma licença obrigatória à Microsoft, a Comissão não toma[va] devidamente em conta as obrigações impostas às Comunidades Europeias pelo [ADPIC]». Por outro lado, a remissão para a argumentação desenvolvida no anexo T.9 não foi considerada conforme aos requisitos formais aplicáveis (v. n.° 88 supra).

202   A apreciação do juiz das medidas provisórias respeitará, portanto, ao único fundamento assente numa violação do artigo 82.° CE, precisando‑se que a Microsoft não contesta, no âmbito do presente pedido, que detém uma posição dominante no mercado dos sistemas operativos para computadores pessoais e no dos sistemas operativos para servidores de grupo de trabalho. A sua contestação apenas diz respeito, portanto, ao carácter pretensamente abusivo da recusa de divulgação das informações relativas à interoperabilidade e à autorização do seu uso por empresas concorrentes.

203   A título liminar, há que recordar que os considerandos 546 a 791 da Decisão são dedicados ao exame do carácter abusivo da recusa de fornecer as informações relativas à interoperabilidade. A Comissão refere aí que lhe compete analisar a totalidade dos elementos próprios de cada caso antes de poder concluir pela existência de circunstâncias excepcionais que caracterizem uma recusa abusiva (considerandos 546 a 559). No caso em apreço, a Comissão considerou que as circunstâncias excepcionais eram constituídas pelo facto de a recusa de fornecer as informações relativas à interoperabilidade à Sun Microsystems, estar inserido numa linha geral de conduta e implicar uma redução das divulgações de informações (considerandos 560 a 584), que gera o risco de eliminar a concorrência (considerandos 585 a 692) e que tem efeitos negativos sobre o desenvolvimento técnico, em prejuízo dos consumidores (considerandos 693 a 708). À luz destas «circunstâncias excepcionais», a Comissão considerou que os argumentos avançados pela Microsoft não bastavam para justificar objectivamente a recusa de divulgação das informações relativas à interoperabilidade, quer se trate do incentivo da Microsoft para inovar (considerandos 709 a 763) quer da falta de interesse em restringir a concorrência (considerandos 764 a 778).

204   No caso em apreço, deve considerar‑se satisfeita a condição relativa ao fumus boni juris tendo em conta, por um lado, as questões de princípio suscitadas pelo presente processo e, por outro, o facto de certos fundamentos e argumentos exigirem um exame aprofundado. Essencialmente, trata‑se de saber se as circunstâncias que a Comissão tomou em conta são factualmente correctas e susceptíveis, juridicamente, de servir de base à conclusão de que existem circunstâncias excepcionais que justificam que se ordene a divulgação de informações de valor protegidas por direitos de propriedade intelectual.

205   As questões de princípio são respeitantes às condições em que a Comissão pode concluir que uma recusa de divulgação de informações constitui um abuso de posição dominante proibido pelo artigo 82.° CE.

206   Em primeiro lugar, este processo suscita a questão de saber se as condições enumeradas pelo Tribunal de Justiça no acórdão IMS Health, já referido no n.° 99 supra, são necessárias ou meramente suficientes. Com efeito, a Comissão sustenta na Decisão que a existência de circunstâncias excepcionais deve ser apreciada casuisticamente e que não se pode excluir, portanto, sem um exame aprofundado de cada caso, que uma recusa possa ter carácter abusivo, mesmo que as condições até então enumeradas pelo órgão jurisdicional comunitário não estejam satisfeitas. Pelo contrário, a Microsoft sustenta no seu pedido que o carácter abusivo da recusa de fornecimento só pode ser declarado no caso de ser verificarem as condições estabelecidas pelo órgão jurisdicional comunitário. Esta questão não pode, manifestamente, ser resolvida no âmbito do processo de medidas provisórias. Há que observar, todavia, que, nos termos do n.° 38 do acórdão IMS Health, o Tribunal de Justiça declarou que «basta», para que «a recusa de uma empresa titular de um direito de autor de permitir o acesso a um produto ou a um serviço indispensável para exercer uma determinada actividade possa ser qualificada de abusiva», «que essa recusa obste ao surgimento de um novo produto para o qual existe uma potencial procura por parte dos consumidores, que ela careça de justificação e que seja susceptível de excluir toda a concorrência no mercado derivado».

207   Em segundo lugar, este processo suscita a questão de saber se, quando está em causa o exercício de um direito de propriedade intelectual, se deve tomar em conta a natureza das informações protegidas. Com efeito, a Microsoft sustenta que a Decisão a obriga a transmitir a concorrentes uma tecnologia que é secreta e de grande valor e que, por conseguinte, é intrinsecamente diferente das informações que estavam em causa nos processos que deram origem aos acórdãos Magill e IMS Health, já referidos no n.° 99 supra. Assim, as condições que devem estar preenchidas para considerar que uma recusa de divulgação de uma informação constitui um abuso de posição dominante serão mais estritas quando a informação é de grande valor. A Comissão, por seu lado, considera que o órgão jurisdicional comunitário nunca apreendeu o «valor» de um direito de propriedade intelectual. Quanto a este aspecto, o juiz das medidas provisórias observa que, manifestamente, as especificações dos protocolos de comunicação, até agora secretas, cuja redacção e divulgação a Decisão impõe à Microsoft, são fundamentalmente diferentes dos esclarecimentos que estavam em causa nos processos que deram origem aos acórdãos Magill e IMS Health, já referidos no n.° 99 supra. Nesses últimos processos, a informação em questão era amplamente conhecida dentro do sector: as grelhas dos programas de televisão eram enviadas gratuitamente aos jornais todas as semanas, e o mapa da Alemanha era, na realidade, um critério standard do sector para apresentar os volumes de vendas. Porém, a questão de saber se, e em que medida, deve ser feita uma distinção consoante a informação seja conhecida ou secreta não pode ser resolvida nesta fase, tanto mais que há que tomar em conta, mais globalmente, parâmetros tais como o valor do investimento subjacente, o valor da informação em questão para a organização da empresa dominante e o valor cedido aos concorrentes em caso de divulgação.

208   Este processo suscita também a questão de saber se as condições enumeradas pelo Tribunal de Justiça no acórdão IMS Health, já referido no n.° 99 supra, estão reunidas no caso em apreço. A Comissão não contesta a pertinência desse acórdão que, essencialmente, consolida a posição até então expressa pelo órgão jurisdicional comunitário quanto às condições em que a recusa de concessão de uma licença sobre direitos de propriedade intelectual constitui um abuso.

209   O litígio entre as partes diz respeito ao carácter indispensável das informações em questão, aos obstáculos ao surgimento de um novo produto para o qual existe uma procura insatisfeita, ao risco de eliminação da concorrência no mercado derivado e ao carácter objectivamente justificado da recusa. Embora seja da competência do juiz que conhece do mérito da causa decidir as contestações relativas aos respeito de cada uma destas condições, o juiz das medidas provisórias considera, todavia, necessário identificar as fontes de discordância entre as partes que julgar suficientemente sérias para que constituam um fumus boni juris. A este respeito, a tónica deve recair sobre dois aspectos específicos.

210   No que toca, em primeiro lugar, ao carácter indispensável das informações relativas à interoperabilidade, há que observar que esta questão é tratada nos considerandos 666 a 687 da Decisão.

211   A este respeito, a Microsoft invoca vários métodos que permitem assegurar uma interoperabilidade suficiente entre os sistemas operativos de diferentes fornecedores.

212   Esta argumentação sublinha a divergência entre as partes quanto ao nível de interoperabilidade exigido. Com efeito, como é exposto nos considerandos 743 a 763 da Decisão, as informações que devem ser fornecidas por força da medida correctiva são as «informações necessárias à interoperabilidade», na acepção do artigo 6.° da Directiva 91/250, relativo à descompilação. A Microsoft, por seu lado, considera que a descompilação prevista no artigo 6.° da Directiva 91/250 só é autorizada se as interfaces forem indispensáveis para assegurar a funcionalidade de um programa informático criado de modo independente e que, no caso em apreço, as especificações dos seus protocolos de comunicação não são necessárias para assegurar a funcionalidade de um sistema operativo para servidores de grupo de trabalho criado de forma independente. A Microsoft retira daqui a conclusão de que a informação que recusou transmitir não pode ser considerada uma informação relativa à interoperabilidade.

213   Ora, a Directiva 91/250 define nos seus considerandos a interoperabilidade «como a capacidade de trocar informações e de reciprocamente utilizar as informações trocadas». A mesma directiva salienta no seu considerando 27 que as suas disposições não prejudicam a aplicação das regras de concorrência do artigo 82.° CE «se um fornecedor importante recusar divulgar informações necessárias à interoperabilidade tal como é definida na presente directiva». Porém, a questão de saber se, no caso em apreço, as informações pedidas à Microsoft são efectivamente necessárias à interoperabilidade, tal como é definida na Directiva 91/250, impõe uma apreciação aprofundada da matéria de facto à luz da legislação aplicável, que só ao juiz que conhece do mérito cabe realizar.

214   No que respeita, em segundo lugar, ao carácter objectivamente justificado da recusa, a Microsoft considera que tinha legitimidade para invocar os seus direitos de propriedade intelectual e recusar a concessão das licenças sobre a sua tecnologia a fornecedores de sistemas operativos para servidores concorrentes. Em resposta a uma pergunta escrita do juiz das medidas provisórias, a Microsoft alegou também que os esclarecimentos pedidos pela Sun Microsystems respeitavam a uma tecnologia em via de desenvolvimento.

215   Para compreender o alcance da argumentação da Microsoft, o juiz das medidas provisórias interrogou‑a durante a audiência. Daí resultou que não se pode excluir, segundo a Microsoft, que a recusa possa ser objectivamente justificada pelos direitos de propriedade intelectual que a Microsoft detém sobre as informações solicitadas pela Sun Microsystems ou, por outras palavras, que a justificação da recusa resida na necessidade de não divulgar informações por serem juridicamente protegidas e de grande valor.

216   Esta argumentação pode ser entendida no sentido de que a Microsoft tinha o direito de recusar a divulgar informações juridicamente protegidas, independentemente da existência de circunstâncias excepcionais.

217   Assim, por um lado, a argumentação da Microsoft significa que, na falta de circunstâncias excepcionais devidamente demonstradas, o exercício das prerrogativas reconhecias aos titulares de direitos de propriedade intelectual não pode dar origem a um comportamento abusivo, na acepção do artigo 82.° CE. Estando esta argumentação fortemente ligada à questão de saber se a Comissão demonstrou que existiam no caso em apreço «circunstâncias excepcionais», o seu exame não pode ser dela dissociado (v. n.° 206 supra).

218   Por outro lado, a argumentação da Microsoft significa também que, mesmo que a Comissão tenha demonstrado circunstâncias excepcionais, a sua recusa de transmitir as informações em questão era justificada pela necessidade de proteger as informações de grande valor abrangidas por direitos de propriedade intelectual.

219   Tendo sido desenvolvida pela Microsoft durante o procedimento administrativo, tal como resulta do considerando 709 da Decisão, esta última argumentação foi rejeitada pela Comissão na Decisão (considerandos 710 a 712), que conclui a este respeito que, à luz das circunstâncias excepcionais identificadas, «o mero facto de a recusa da Microsoft constituir uma recusa de conceder uma licença sobre propriedade intelectual não constitui uma justificação objectiva» (considerando 712). Seguidamente, a Comissão examinou os outros argumentos que a Microsoft avançou para demonstrar que a recusa de divulgação das informações em questão podia ser justificada pela necessidade de proteger o seu incentivo para inovar. A Comissão concluiu pela negativa, depois de ter rejeitado os argumentos da Microsoft relativos ao receio de «clonagem» dos seus produtos (considerandos 713 a 729), exposto que a divulgação das informações relativas à interoperabilidade é uma prática corrente na indústria em causa (considerandos 730 a 735), indicado que o compromisso assumido pela IBM em relação à Comissão em 1984 não era substancialmente diferente do que se ordena à Microsoft na Decisão (considerandos 736 a 742) e que a sua abordagem é conforme à Directiva 91/250.

220   Não deixa todavia de ser verdade que a argumentação da Microsoft, entendida no sentido de contestar a legalidade da apreciação da Comissão quanto à falta de justificação objectiva da recusa, não pode ser desde já afastada por improcedente, à luz das circunstâncias específicas do caso em apreço.

221   A este respeito, há que observar que os direitos de propriedade intelectual invocados pela Microsoft não foram declarados válidos por um órgão jurisdicional nacional e que, por essa razão, a presente situação é diferente das que estiveram na origem dos acórdãos Magill e IMS Health, já referidos no n.° 99 supra. Todavia, há que observar que a Comissão não excluiu a existência de direitos de propriedade intelectual e que, de qualquer modo, os tomou em consideração no âmbito da análise que fez do carácter justificado da recusa em questão.

222   A questão central é, portanto, a de saber se a Comissão pode correctamente concluir que a necessidade de proteger o valor invocado das informações alegadamente abrangidas por direitos de propriedade intelectual não é suficiente para considerar que a recusa de transmitir esses informações era objectivamente justificada.

223   A apreciação a que a Comissão se dedicou para este efeito consistiu em avaliar se, apesar das circunstâncias excepcionais identificadas, as considerações avançadas pela Microsoft se opunham à adopção de uma medida correctiva. Tal resulta, em especial, do considerando 783 da Decisão, segundo o qual:

«A principal justificação objectiva avançada pela Microsoft respeita aos direitos de propriedade intelectual que detém sobre o Windows. Porém, um exame aprofundado do alcance das divulgações em questão permite concluir que, ponderados todos os factores, a eventual incidência negativa que a imposição de uma obrigação de fornecer as informações em causa teria sobre o incentivo da Microsoft para inovar é compensada pelos seus efeitos positivos ao nível da inovação na totalidade do sector (incluindo a Microsoft). Assim, a necessidade de preservar o incentivo da Microsoft para inovar não pode constituir uma justificação objectiva que contrabalance as circunstâncias excepcionais acima identificadas. […]»

224   É, porém, ao juiz que conhece do mérito que compete verificar se foi cometido um erro manifesto na avaliação dos interesses em causa, nomeadamente no que respeita à protecção dos direitos de propriedade intelectual invocados e às exigências da livre concorrência consagradas no Tratado CE.

225   Consequentemente, o juiz das medidas provisórias considera que os argumentos que a Microsoft invocou sobre as questões suscitadas no caso em apreço não podem, no âmbito do processo de medidas provisórias, ser consideradas, à primeira vista, improcedentes, pelo que está satisfeita a condição relativa ao fumus boni juris.

 2.     Quanto à urgência

226   Para apreciar se há urgência em suspender a execução do artigo 5.°, alíneas a) a c), da Decisão, é preciso formular algumas observações preliminares.

 a)     Observações preliminares

227   As observações preliminares respeitam, em primeiro lugar, ao objecto da medida correctiva e, em segundo lugar, à extensão do prejuízo alegado.

228   No que respeita ao objecto da medida correctiva, há que recordar que, nos termos do artigo 5.°, alínea a), da Decisão, a Microsoft deve divulgar «a toda a empresa que tenha interesse em desenvolver e distribuir sistemas operativos para servidores de grupo de trabalho», as «informações relativas à interoperabilidade» e, sob «condições razoáveis e não discriminatórias», autorizar o seu uso por essas empresas para o «desenvolvimento e a distribuição de sistemas operativos para servidores de grupo de trabalho». A medida correctiva assim formulada visa impor à Microsoft a divulgação daquilo que a Comissão a acusa de se ter abusivamente recusado a divulgar [v. também o artigo 2.°, alínea a), e o considerando 998 da Decisão].

229   Além disso, tal como resulta dos considerandos 999 e 1004 da Decisão, a medida correctiva em causa não impõe à Microsoft a divulgação dos códigos fonte, o que ela não contesta no âmbito do presente processo de medidas provisórias.

230   Nos termos do artigo 1.°, n.° 1, da Decisão, as informações cuja divulgação se ordena à Microsoft são «as especificações exaustivas e correctas de todos os protocolos implementados nos sistemas operativos Windows para servidores de grupo de trabalho e que são utilizados pelos servidores de grupo de trabalho Windows para fornecer às redes Windows para grupos de trabalho serviços de partilha de ficheiros e de impressão, e de gestão dos utilizadores e dos grupos de utilizadores, incluindo os serviços de controlador de domínio Windows, o serviço de directório Active Directory e o serviço ‘Group Policy’». No considerando 999 da Decisão precisa‑se que «[t]al implica quer a interconexão e a interacção directas entre um servidor de grupo de trabalho em Windows e um computador pessoal em Windows, quer a interconexão e interacção entre estas máquinas, que é indirecta e passa por um ou vários outros servidores de grupo de trabalho em Windows».

231   O objectivo prosseguido pela Comissão é, segundo a decisão, «assegurar que os concorrentes da Microsoft desenvolvam produtos [compatíveis] com a arquitectura de domínio Windows que está [originariamente] integrada no produto dominante que é o sistema operativo Windows para computadores pessoais, e possam assim oferecer concorrência aos produtos Microsoft para sistemas operativos para servidores de grupo de trabalho» (considerando 1003; v. também os considerandos 181 a 184).

232   Por fim, as partes estão de acordo em que a autorização de utilização das especificações, prevista pelo artigo 5.°, alínea a), da Decisão, significa que as especificações, que descrevem em pormenor o que se espera de um produto de software, podem ser implementadas pelos concorrentes da Microsoft. Em contrapartida, as partes não estão de acordo quanto ao tempo necessário para implementar as especificações, ou seja, para as transcrever em código.

233   No que respeita à extensão do prejuízo alegado, há que recordar que a Decisão impõe à Microsoft a divulgação das especificações dos protocolos cliente‑servidor e servidor‑servidor.

234   No seu requerimento de medidas provisórias, a Microsoft sublinhou a diferença que existe entre a Decisão e a transacção americana, referindo que esta última só autoriza um beneficiário de licença a utilizar os protocolos de comunicação Microsoft cliente‑servidor com o objectivo de assegurar a interoperabilidade com os sistemas operativos Windows para computadores pessoais, ao passo que a Decisão lhe impõe a concessão de licenças sobre estes protocolos para serem utilizados em sistemas operativos para servidores de grupo de trabalho que fornecem serviços de ficheiros e de impressão e serviços de gestão dos utilizadores e dos grupos a qualquer sistema operativo Windows para computadores pessoais ou para servidores. A diferença que existe entre a transacção americana e a Decisão foi referida pela Comissão nos considerandos 688 a 691.

235   Em resposta a uma pergunta escrita do juiz das medidas provisórias, a Microsoft explicou que, no que respeita aos protocolos cliente‑servidor, a transacção americana e a Decisão são semelhantes na medida em que ambas obrigam a Microsoft a desenvolver especificações que descrevem alguns dos seus protocolos, a fornecer estas especificações a concorrentes e a permitir aos concorrentes a utilização das especificações para implementarem nos seus produtos protocolos que a Microsoft criou para serem utilizados nos seus sistemas operativos Windows.

236   Na audiência, a Microsoft alegou que o programa de licença americano durará até Novembro de 2009 e que as licenças concedidas são de âmbito mundial. Retirou daí a conclusão que a execução imediata da obrigação de divulgação das especificações dos protocolos cliente‑servidor não é necessária, uma vez que a transacção americana permite obter o mesmo resultado até à data em que o Tribunal de Primeira Instância decidirá do mérito da causa.

237   O juiz das medidas provisórias recorda, a este respeito, que uma Decisão é imediatamente executória e que a suspensão da sua execução só pode ser decretada nas condições estabelecidas pelo Tratado CE; pelo Estatuto do Tribunal de Justiça e pelo Regulamento de Processo do Tribunal de Primeira Instância. O carácter imediatamente executório de uma Decisão não é, portanto, de modo algum, subordinado à necessidade da sua execução.

238   Todavia, os elementos acima referidos serão tomados em consideração no âmbito do exame da urgência da declaração da suspensão da obrigação de divulgar as especificações dos protocolos cliente‑servidor.

239   Esta argumentação desenvolvida pela Microsoft na audiência leva a efectuar um exame separado da condição relativa à urgência, consoante a Decisão lhe impõe a divulgação das especificações dos protocolos de comunicação servidor‑servidor, por um lado, e as especificações dos protocolos de comunicação cliente‑servidor, por outro.

 b)     Quanto ao prejuízo grave e irreparável causado pela obrigação de divulgar as especificações dos protocolos servidor‑servidor

240   Resulta de jurisprudência constante que o carácter urgente de um pedido de medidas provisórias deve ser apreciado em função da necessidade existente de decidir provisoriamente a fim de evitar que um prejuízo grave e irreparável seja provocado à parte que solicita a medida provisória (despacho do presidente do Tribunal de Justiça de 6 de Fevereiro de 1986, Deufil/Comissão, 310/85 R, Colect., p. 537, n.° 15; despacho do presidente do Tribunal de Primeira Instância de 30 de Junho de 1999, Pfizer Animal Health/Conselho, T‑13/99 R, Colect., p. II‑1961, n.° 134). É a esta que incumbe provar que não poderá esperar o desfecho do processo principal sem ter de suportar um prejuízo dessa natureza (despacho do presidente do Tribunal de Justiça de 8 de Maio de 1991, Bélgica/Comissão, C‑356/90 R, Colect., p. I‑2423, n.° 23; despachos do presidente do Tribunal de Primeira Instância de 30 de Abril de 1999, Emesa Sugar/Comissão, T‑44/98 R II, Colect., p. II‑1427, n.° 128, e de 15 de Novembro de 2001, Duales System Deutschland/Comissão, T‑151/01 R, Colect., p. II‑3295, n.° 187).

241   O prejuízo alegado deve ser certo ou, pelo menos, demonstrado com um grau de probabilidade suficiente, sendo precisado que o requerente continua a ter a obrigação de provar os factos que são considerados justificarem a perspectiva de tal prejuízo [despacho do Tribunal de Justiça de 29 de Junho de 1993, Alemanha/Conselho, C‑280/93 R, Colect., p. I‑3667, e despacho do presidente do Tribunal de Justiça de 14 de Dezembro de 1999, HFB e o./Comissão, C‑335/99 P(R), Colect., p. I‑8705, n.° 67].

242   No caso em apreço, a Microsoft alega que a execução da Decisão violaria, por um lado, os seus direitos de propriedade intelectual e, por outro, a sua liberdade comercial e a sua capacidade de desenvolver os seus produtos. Sustenta também que a execução da Decisão alterará irreversivelmente as condições do mercado.

243   Cada um destes tipos de prejuízos será objecto de uma apreciação distinta.

 1) Quanto à alegada violação dos direitos de propriedade intelectual

244   A Microsoft sustenta que a execução da Decisão a obrigará a conceder aos seus concorrentes licenças sobre informações de grande valor protegidas por direitos de propriedade intelectual.

245   Há que examinar, portanto, se a Microsoft demonstrou concretamente de que modo os efeitos produzidos pela Decisão têm carácter grave e irreparável. Para este efeito, há que separar a questão de saber se a divulgação das informações relativas à interoperabilidade constitui, por si só, um prejuízo grave e irreparável para a Microsoft, da questão de saber se a utilização destas informações pelos seus concorrentes origina consequências graves e irreparáveis.

 i)     Quanto à divulgação das informações relativas à interoperabilidade

246   As informações cuja divulgação se ordena à Microsoft são alegadamente protegidas por direitos de propriedade intelectual e de grande valor. Tendo em conta a argumentação desenvolvida pela Microsoft, há que apreciar, sucessivamente, se constituem prejuízos graves e irreparáveis, em primeiro lugar, a lesão das prerrogativas exclusivas do titular de um direito de propriedade intelectual e, em segundo lugar, a obrigação de divulgar informações.

247   Em primeiro lugar, a Microsoft alega que a Decisão, ao obrigá‑la a conceder licenças aos seus concorrentes, viola os direitos de propriedade intelectual que a Microsoft detém sobre as informações que devem ser divulgadas.

248   Sem que seja preciso, no caso em apreço, tomar posição quanto à existência de direitos de propriedade intelectual, nem, por conseguinte, sobre a questão de saber se a execução da Decisão obrigaria efectivamente a Microsoft a conceder licenças sobre os seus direitos de autor ou sobre as suas patentes, é manifesto que, na hipótese de estarem em causa tais direitos, o facto de obrigar uma empresa a conceder licenças sobre os seus direitos de propriedade intelectual constitui por si só uma violação substancial das prerrogativas exclusivas que deles decorrem para essa empresa.

249   É certo que esta violação é a consequência necessária da jurisprudência decorrente do acórdão IMS Health, já referido no n.° 99 supra, uma vez que o exame a que procede o órgão jurisdicional comunitário consiste, precisamente, em ponderar, por um lado, a protecção conferida por um direito de propriedade intelectual ao seu titular e, por outro, as exigências da livre concorrência consagradas no Tratado CE. Assim, quando a Comissão considera, perante circunstâncias excepcionais, que as exigências da livre concorrência impõem que se ordene a uma empresa em posição dominante que conceda uma licença sobre os seus direitos de propriedade intelectual, resulta daí necessariamente uma violação das prerrogativas do titular destes direitos. No caso em apreço, admitindo que as especificações dos protocolos de comunicação, depois de redigidas, serão protegidas por direitos de autor, o próprio facto de ordenar à Microsoft que coloque as especificações à disposição de empresas concorrentes constitui uma violação dos direitos exclusivos conferidos ao autor. De igual modo, admitindo que alguns dos protocolos sejam protegidos por patentes e que a sua utilização se mostra incontornável para as empresas visadas no artigo 5.° da Decisão, o próprio facto de a Microsoft não poder explorar as suas patentes como entender viola as prerrogativas conferidas ao inventor.

250   Todavia, considerar que a violação das prerrogativas exclusivas do titular do direito constitui, por si só e independentemente das circunstâncias próprias de cada caso, um prejuízo grave e irreparável, implicaria que a condição relativa à urgência estaria sempre satisfeita quando o acto cuja suspensão se pede se integre na hipótese considerada pela jurisprudência decorrente do acórdão IMS Health, já referido no n.° 99 supra.

251   Nestas circunstâncias, é portanto necessário examinar se, à luz dos elementos do caso em apreço, a lesão dos direitos de propriedade intelectual, até à decisão do mérito da causa, é susceptível de provocar um prejuízo grave e irreparável que ultrapasse a mera violação das prerrogativas exclusivas do titular dos direitos em questão (v., neste sentido, despacho do presidente do Tribunal de Justiça de 11 de Maio de 1989, RTE e o./Comissão, 76/89 R, 77/89 R e 91/89 R, Colect., p. 1141, n.° 18; despacho IMS Health/Comissão, já referido no n.° 133 supra, n.os 126 a 131).

252   Em segundo lugar, a Microsoft alega que a causa dos seus prejuízos assenta no facto de a divulgação em questão ter por objecto informações secretas e de grande valor.

253   Observe‑se, antes de mais, a este respeito, que é pacífico que pode manter‑se, depois de adquirido, o conhecimento de uma informação até então mantida em segredo – quer devido à existência de um direito de propriedade intelectual, quer como segredo comercial. A eventual anulação da Decisão não permite apagar da memória o conhecimento desta informação, e seria muito difícil determinar uma indemnização devido à improvável quantificação do valor da transferência de conhecimento. A Microsoft não explica todavia, que prejuízos irreparáveis lhe poderia causar o simples facto de terceiros terem conhecimento de dados por ela divulgados, por oposição aos desenvolvimentos resultantes da utilização desse conhecimento.

254   Seguidamente, há que observar que a divulgação de uma informação até então mantida em segredo não implica necessariamente que ocorra um prejuízo grave.

255   No caso em apreço, a Microsoft alega, todavia, que as informações relativas à interoperabilidade têm um valor específico. Na sua opinião, este valor decorre, antes de mais, por um lado, do facto de os protocolos de comunicação serem fruto de esforços substanciais e onerosos e, por outro, do facto de as suas aplicações comerciais serem significativas. A Microsoft acrescenta que a redacção das especificações é também onerosa.

256   O juiz das medidas provisórias considera que, à luz dos elementos dos autos, não foi feita a prova do carácter grave desse prejuízo. Em especial, a alegação vaga segundo a qual os protocolos de comunicação da Microsoft terão «custado dezenas de milhões de dólares [dos Estado Unidos]», mesmo que fosse fundada, não é corroborada por nenhum elemento de prova. Além disso, deve ter‑se em conta o facto de que tais custos serão parcialmente compensados pelas remunerações que a Microsoft poderá exigir pela utilização dos seus protocolos no âmbito das licenças concedidas em execução da Decisão.

257   De qualquer modo, os prejuízos financeiros alegados no número anterior não podem ser considerados graves, tendo em conta o poder financeiro da Microsoft, cujo volume de negócios realizado durante o exercício contabilístico americano, que vai de Julho de 2002 a Junho de 2003, se elevou, segundo o considerando 1 da Decisão, a 30 701 milhões de euros (v. neste sentido, o despacho do presidente do Tribunal de Justiça de 23 de Maio de 1990, Comos‑Tank e o./Comissão, C‑51/90 R e C‑59/90 R, Colect., p. I‑2167, n.° 26).

258   Segundo a Microsoft, o valor das informações em questão é, seguidamente, constituído pelo facto de as especificações dos protocolos de comunicação servidor‑servidor conterem um considerável número de informações sobre o funcionamento do repertório «Active Directory», no seio dos sistemas operativos Windows. Os seus protocolos de comunicação servidor‑servidor não são simples interfaces sem nexo com a implementação subjacente das funcionalidades acessíveis através dessas interfaces. Por conseguinte, a transmissão dos protocolos aos concorrentes equivaleria a transmitir‑lhes uma quantidade importante de informações sobre o modo de fornecimento dessas funcionalidades (anexo R.2; anexo T.7; anexo U.1, Madnick e Meyer «Resposta ao documento do Sr. Alepin anexo aos articulados da CCIA e às observações da [FSF‑Europe]», e anexo U.2).

259   O juiz das medidas provisórias verifica, em primeiro lugar, que a Microsoft sustenta nos seus articulados que seria obrigada a divulgar informações sobre a estrutura interna ou sobre os aspectos inovadores dos seus produtos, mas que os exemplos concretos respeitam apenas aos protocolos de duplicação do Active Directory e, em segundo lugar, que esta afirmação se baseia nas análises dos Srs. Madnick e Meyer, por um lado e do Sr. Campbell‑Kelly, por outro.

260   A este respeito, o juiz das medidas provisórias considera que as alegações da Microsoft não podem ser consideradas legalmente provadas.

261   A afirmação da Microsoft segundo a qual as informações que devia transmitir revelarão o modo de funcionamento dos seus produtos é apenas ilustrada pelo exemplo do Active Directory, definido, segundo a Decisão, como o serviço de directório no Windows 2000 Server (considerando 149). Nas suas observações sobre as alegações de intervenção, a Microsoft sublinhou, novamente, que «as especificações revelar‑se‑ão muito instrutivas para os concorrentes quanto ao modo de funcionamento de componentes importantes dos sistemas operativos Windows para servidores, tais como o Active Directory». Na audiência, à pergunta feita pelo juiz das medidas provisórias no sentido de saber se as especificações revelam outros elementos sobre componentes dos sistemas operativos Windows para servidores, além do repertório Active Directory, também não foi dada uma resposta clara e convincente. Quanto a este aspecto, um dos peritos da Microsoft referiu, com efeito, que «julgava» que seriam também reveladas as regras que regem a gestão do repertório.

262   Ora, as alegações dos peritos da Microsoft e os exemplos relativos ao Active Directory que invocaram assentam em análises (v. n.° 116 supra) que foram fortemente criticadas pela Comissão e pelas partes que intervêm em apoio da sua posição. Estas partes contestaram os postulados adoptados nessas análises e, em especial, que os protocolos utilizados para assegurar as comunicações entre duas cópias de um mesmo sistema operativo bem como o método de duplicação estivessem «intimamente ligados». As objecções da Comissão – assentes numa documentação elaborada por peritos (anexo S.2 e anexo U.1, «Memorando elaborado por OTR, datado de 10 de Setembro de 2004») –, da FSF‑Europe bem como, antes da sua desistência, da CCIA e da Novell dizem respeito, essencialmente, ao carácter vago e conjectural da demonstração contida no estudo Madnick e Meyer e à existência nesse estudo de teorias contrárias às práticas da Microsoft. No anexo 3 às alegações de intervenção da CCIA, o Sr. Alepin sustenta que especificações de protocolo correctamente escritas pouco ou nada revelam da estrutura interna, dos algoritmos e dos outros aspectos inovadores dos sistemas operativos.

263   Perante tais objecções e na falta de outros elementos mais precisos apresentados pela Microsoft, não é possível dar por provadas as alegações segundo as quais as especificações revelarão mais do que é necessário para assegurar a interoperabilidade pretendida pela Comissão.

264   De igual modo, tal como a Comissão observou numa resposta a uma pergunta escrita, a afirmação da Microsoft segundo a qual o algoritmo de compressão único utilizado pelo Active Directory devia ser divulgado por força da medida correctiva imposta pela Comissão não é verificável, por falta de elementos objectivos para esse efeito.

265   A este respeito, o juiz das medidas provisórias considera que a Microsoft tinha a possibilidade e o direito de apresentar um dossier técnico à Comissão, e apenas à Comissão, susceptível de lhe permitir comentar o grau de precisão das especificações e os riscos de revelação de informações que ultrapassassem necessariamente a mera interoperabilidade pretendida pela Comissão. A Microsoft, todavia, não o fez durante o procedimento administrativo. De igual modo, depois da adopção da Decisão, a Microsoft podia ter exposto as razões que impediam a adopção de medidas de salvaguarda eficazes para ultrapassar esta dificuldade. Em especial, a Comissão afirmou na audiência que tinha pedido à Microsoft, em 30 de Julho de 2004, que lhe transmitisse as especificações para exame, mas que nunca lhe foram transmitidas, facto que a Microsoft não contesta.

 ii)   Quanto à utilização das informações relativas à interoperabilidade

266   A Microsoft alega que, depois de as informações relativas à interoperabilidade serem divulgadas, a utilização que lhes for dada dará origem a vários prejuízos graves e irreparáveis.

 Quanto à alegada diluição das informações

267   A Microsoft sustenta que as informações reveladas poderão ser utilizadas pelos seus concorrentes, podem cair no domínio público e a sua utilização depois da anulação da decisão é impossível de verificar.

268   Esta argumentação ignora a possibilidade de prever medidas contratuais de salvaguarda, quanto à confidencialidade e à utilização das informações em questão, enquanto se aguarda a decisão do Tribunal de Primeira Instância no processo principal, sendo tais cláusulas prática corrente no sector. Cláusulas de confidencialidade, eventualmente acompanhadas de cláusulas penais, podem, com efeito, ser inseridas nos contratos de licença celebrados com as empresas interessadas em desenvolver e distribuir produtos concorrentes dos da Microsoft, na acepção do artigo 5.°, alínea a), da Decisão.

269   A este propósito, a Comissão referiu que a Microsoft podia exigir medidas contratuais de salvaguarda razoáveis para a divulgação, a fim de que as informações divulgadas aos concorrentes não possam ser utilizadas se a Decisão vier a ser anulada. Os contratos de licença celebrados no âmbito do MCPP e os acordos de transferência de tecnologia constituem, a este respeito, elementos que podem servir de referência.

270   Neste contexto, há que observar que a própria Microsoft indicou no seu requerimento de medidas provisórias que a revelação de segredos comerciais aos seus co‑contratantes estava subordinada ao respeito, por parte destes, de uma obrigação de confidencialidade (v. n.° 125 supra).

271   Acrescente‑se que a Microsoft se comprometeu, no âmbito do acordo com a Sun Microsystems, a transmitir as especificações dos seus protocolos de comunicação servidor‑servidor. A Microsoft não explicou, porém, as razões pelas quais medidas contratuais de salvaguarda idênticas às inseridas neste acordo não poderiam assegurar que as informações divulgadas em execução da decisão não fossem tornadas públicas. Além disso, tal como resulta do considerando 211 da Decisão, «[n]os anos 90, a Microsoft celebrou um contrato de licença com a AT&T relativo à comunicação de certos elementos do código fonte do Windows». Ora, a Microsoft não explicou as razões pelas quais não poderia utilizar as mesmas medidas contratuais de salvaguarda que as previstas nesse acordo com a AT&T, com vista à divulgação das especificações visadas no artigo 5.° da Decisão.

272   A possibilidade de medidas de salvaguarda adequadas responde também ao receio da Microsoft de os conhecimentos divulgados serem difundidos a ponto de caírem no domínio público. Além do facto de a concessão de licenças não implicar de modo algum que os dados em questão sejam, juridicamente, do domínio público, pelo menos no que respeita a direitos de propriedade intelectual, o surgimento dos danos alegados pela Microsoft pressupõe a violação por terceiros das suas obrigações contratuais, a qual não se pode presumir (v., neste sentido, o despacho de presidente do Tribunal de Primeira Instância de 15 de Julho de 1998, Prayon‑Rupel/Comissão, T‑73/98 R, Colect., p. II‑2769, n.° 41).

273   Quanto à impossibilidade de verificar a sua utilização depois da anulação da Decisão, a Microsoft afirma que é simplista crer que a utilização das especificações dos seus protocolos de comunicação será imediatamente detectável em caso de anulação da Decisão, por se manter a interoperabilidade dos sistemas operativos para servidores de grupo de trabalho concorrentes e dos sistemas operativos Windows para servidores. Porém, nas suas observações sobre as alegações de intervenção, a Microsoft referiu que, «sem ter acesso ao código fonte dos produtos concorrentes», não podia saber em que medida os concorrentes utilizam os conhecimentos que obtiveram por terem tido acesso às especificações dos protocolos de comunicação da Microsoft. Resulta desta argumentação que a Microsoft considera possível determinar em que medida os concorrentes utilizam os conhecimentos que obtiveram graças às especificações dos protocolos de comunicação acedendo, em caso de anulação da Decisão, ao código fonte dos seus produtos. Ora, a possibilidade de um perito independente – nomeado por comum acordo entre os co‑contratantes ou, na falta de acordo, pela Comissão – aceder ao código fonte dos produtos dos concorrentes da Microsoft, para efeitos de tal verificação, pode perfeitamente ser prevista nos contratos de licença a celebrar com as empresas visadas no artigo 5.° da Decisão. Além disso, a Microsoft pode também prever nos mesmos contratos de licença sanções pecuniárias susceptíveis de impedir, em caso de anulação da Decisão, que os seus concorrentes comercializem produtos que integrem as informações relativas à interoperabilidade. Tais estipulações contratuais, relativas às modalidades de verificação e às sanções aplicadas em caso de violação do compromisso assumido de não utilizar as informações depois da eventual anulação da Decisão, devem ser consideradas suficientes para evitar o surgimento de um prejuízo irreparável.

274   A título superabundante, há que observar que a apreciação desenvolvida no número anterior é apoiada pelo facto de, na audiência, a Novell ter declarado que estava disposta a autorizar o acesso ao código fonte dos seus produtos para permitir, após a eventual anulação da Decisão, verificar a inexistência de utilização das informações relativas à interoperabilidade. Ora, a Microsoft nada respondeu quanto a este aspecto.

 Quanto à alegada manutenção dos produtos nos canais de distribuição

275   A Microsoft sustenta que a Decisão infringirá de forma duradoura os seus direitos de propriedade intelectual – mais precisamente o direito de explorar as suas patentes – na medida em que, em caso de anulação da Decisão, os produtos que integrem a sua tecnologia manter‑se‑ão nos canais de distribuição e nas mãos dos clientes.

276   O juiz das medidas provisórias considera que a Microsoft não provou que estas circunstâncias constituem um prejuízo grave e irreparável.

277   Em primeiro lugar, não é conhecido o momento em que os produtos concorrentes, que implementam as especificações, serão colocado no mercado. É pacífico, a este respeito, que as empresas que receberem a informação deverão, numa primeira fase, implementar as especificações e, numa segunda fase, proceder ao lançamento no mercado dos seus produtos. Na audiência, o representante da Microsoft declarou que as especificações dos protocolos de comunicação estariam prontas num prazo de três a quatro semanas.

278   Na Decisão, a Comissão estimou o período total entre a data de recepção das especificações e a da colocação no mercado dos produtos em vários anos (considerandos 719 a 721 da Decisão). Nas suas observações, a Comissão fez uma remissão para uma «carta da Sun [Microsystems] dirigida à Comissão e datada de 20 de Julho de 2004», cujo ponto 3, que se refere às especificações dos protocolos de comunicação servidor‑servidor, tem a seguinte redacção:

«Recorrendo a uma equipa constituída por [um número considerável] de engenheiros, a Sun [Microsystems] precisou de [mais do que um] anos para levar a cabo o esforço de desenvolvimento e colocar no mercado uma versão operacional do AS/U concebida a partir de informações recebidas da AT&T. Pelas razões a seguir expostas, a Sun [Microsystems] crê que será necessário mais tempo para elaborar um produto complexo a partir das especificações técnicas fornecidas no âmbito do ‘Technical Collaboration Agreement’ celebrado com a Microsoft em Abril de 2004.»

279   Além disso, nas alegações que apresentou antes da desistência, a CCIA sustenta que, «mesmo que as informações sejam divulgadas amanhã (e admitindo que serão completas e correctas), é manifesto que demoraria alguns anos (pelo menos dois) antes que um dos concorrentes da Microsoft pudesse colocar no mercado um produto que utilizasse estas informações», sendo esta afirmação baseada no anexo CCIA.R.3, em que o Sr. Alepin considera que não é de modo algum realista esperar que dentro de um prazo de dois anos haja produtos totalmente compatíveis que sejam comercialmente viáveis (n.° 84). A SIIA e, antes da sua desistência, a Novell, desenvolveram igual argumentação nas suas alegações.

280   Convidada a pronunciar‑se por escrito sobre estas informações relativas à avaliação do tempo necessário para proceder à implementação das suas próprias especificações, a Microsoft declarou, essencialmente, que o tempo necessário para a implementação de uma especificação depende em grande medida dos recursos afectos a esse esforço. Na audiência, a Microsoft declarou que um produto podia ser colocado no mercado num prazo inferior a um trimestre, sem todavia fornecer pormenores suficientes nem elementos que possam corroborar esta alegação e verificar a sua procedência. Esta alegação não pode, portanto, ser acolhida.

281   Resulta do que precede, sem prejuízo do facto de ser necessário um certo tempo para que os concorrentes da Microsoft vendam as versões dos seus produtos compatíveis com os sistemas operativos Windows para servidores de grupo de trabalho, que não há razões para crer que estes produtos compatíveis serão comercializados a curto prazo. Por conseguinte, os efeitos de que a Microsoft se queixa só podem concretizar‑se, de qualquer modo, durante um período de tempo limitado, compreendido entre a data de colocação no mercado dos produtos em questão e a da prolação do acórdão no processo principal.

282   Em segundo lugar, o prejuízo que eventualmente resultar do facto de produtos que implementam as especificações dos protocolos de Microsoft se manterem nos canais de distribuição não pode ser considerado de carácter irreversível, na medida em que um efeito desta natureza é inevitavelmente limitado no tempo, quer porque os produtos acabarão por ser vendidos e instalados nas empresas que os comprem (v. n.° 283 infra), quer porque os produtos não vendidos se tornarão tecnologicamente obsoletos.

283   Em terceiro lugar, há que observar que a Microsoft tem razão ao afirmar que, mesmo em caso de anulação, os produtos concorrentes continuarão instalados nas empresas que os tenham adquirido. Porém, tal facto não pode ser considerado como sendo a causa de um prejuízo grave e irreparável na medida em que, por um lado, a Microsoft não demonstrou de que modo a presença destes produtos nas redes dos clientes prejudicaria sensivelmente as suas actividades futuras e, por outro, é plausível que o valor comercial destes produtos, que terão respondido a uma procura da clientela anterior à decisão sobre o mérito da causa, diminuirá rapidamente em caso de anulação da Decisão pelo Tribunal de Primeira Instância.

284   Quanto a este último aspecto, há que observar que, após a eventual anulação da Decisão, a Microsoft pode impedir os sistemas operativos concorrentes de serem compatíveis com as novas versões dos sistemas Windows, através de uma alteração dos seus protocolos de comunicação servidor‑servidor e, deste modo, reduzir sensivelmente e rapidamente o valor dos produtos concorrentes. A possibilidade técnica de afectar a interoperabilidade entre o ambiente Windows e os sistemas operativos para servidores de grupo de trabalho concorrentes instalados nas empresas – que, consequentemente, pode permitir à Microsoft retirar benefícios exclusivos das melhorias subsequentes – foi confirmada na audiência, sem que a Microsoft tenha levantado objecções a este respeito.

285   Admitindo que a Microsoft decida não alterar os seus protocolos de comunicação após a eventual anulação da Decisão, a manutenção dos sistemas operativos para servidores de grupo de trabalho concorrentes nas redes também não é susceptível de lhe causar um prejuízo irreparável. Na audiência, a Microsoft declarou que, em caso de anulação da Decisão, seria tecnicamente possível cortar a interoperabilidade com os sistemas operativos para servidores de grupo de trabalho concorrentes, mais seria inconcebível, do ponto de vista comercial, não assegurar a compatibilidade a montante entre os antigos e os novos sistemas. Todavia, embora a manutenção dessa compatibilidade permita aos sistemas operativos concorrentes interoperar em rede com a nova versão dos sistemas operativos Windows, tal não altera o facto de os primeiros sistemas não serem tecnologicamente tão avançados como os segundos e de, numa perspectiva comercial, se tornarem rapidamente obsoletos. Há que recordar, a este respeito, que, se a Decisão for anulada pelo Tribunal de Primeira Instância, os concorrentes da Microsoft deixarão de poder utilizar as informações relativas à interoperabilidade visadas no artigo 5.° da Decisão (v. n.° 273 supra) e, por conseguinte, a compatibilidade a montante seria apenas assegurada pelos sistemas operativos para servidores de grupo de trabalho comercializados por estes concorrentes antes da data da eventual anulação.

 Quanto à alegada «clonagem» dos produtos

286   A Microsoft sustenta que as informações em questão poderão ser utilizadas para «clonar» os seus produtos. Afirma que, a partir do momento em que os concorrentes adquiram conhecimentos aprofundados dos modos de funcionamento internos dos sistemas operativos da Microsoft, estudando as especificações dos seus protocolos de comunicação protegidos por direitos de autor, poderão utilizá‑los para os seus próprios produtos. Ora, na sua opinião, é difícil, se não impossível, para a Microsoft e para as autoridades judiciais, determinar se os concorrentes utilizam estes conhecimentos na concepção dos seus próprios sistemas operativos para servidores.

287   Recorde‑se, a este respeito, que a premissa de tal raciocínio, segundo o qual será possível obter informações que vão muito além das meras informações relativas à interoperabilidade, não pôde ser considerada provada (v. n.os 260 a 265 supra).

288   Além disso, a alegação da Microsoft assenta numa leitura do artigo 5.° da Decisão que não tem em conta os fundamentos desta. Com efeito, a indicação constante do artigo 5.°, segundo a qual a Microsoft deve autorizar a utilização das especificações para os seus protocolos «para o desenvolvimento e a distribuição dos sistemas operativos para servidores de grupo de trabalho», deve ser lida à luz dos considerandos 1003 e 1004 da Decisão. Segundo o considerando 1003, «[o] objectivo da [Decisão] é o de assegurar que os concorrentes da Microsoft desenvolvam produtos [compatíveis] com a arquitectura de domínio Windows que está [originariamente] integrada no produto dominante que é o sistema operativo Windows para computadores pessoais, e possam assim oferecer concorrência aos produtos Microsoft para sistemas operativos para servidores de grupo de trabalho». Quanto ao considerando 1004, precisa que, «no que respeita à utilização que for feita das especificações divulgadas, as especificações também não serão reproduzidas, adaptadas, arranjadas ou alteradas, sendo utilizadas por terceiros para escrever as suas próprias interfaces, conformes a estas especificações».

289   Consequentemente, o artigo 5.° da Decisão deve ser entendido no sentido de que a utilização dos protocolos só é permitida para efeitos de interoperabilidade e que, por conseguinte, a utilização dos protocolos para outros fins não é autorizada. A Comissão confirmou expressamente esta interpretação na audiência e insistiu no facto de o respeito desta limitação poder ser verificado pelo «mandatário independente da Microsoft» visado no artigo 7.° da Decisão.

 2) Quanto à alegada violação da liberdade comercial

290   A Microsoft sustenta que a sua liberdade de determinar os elementos essenciais da sua política comercial ficará comprometida em resultado da execução da Decisão: esta obriga‑a a divulgar informações a concorrentes, priva‑a da sua capacidades de desenvolver os seus produtos e obriga‑a a «endurecer» os seus protocolos.

291   Há que observar, a este respeito, que, em princípio, qualquer Decisão tomada nos termos do artigo 82.° CE que obrigue uma empresa dominante a pôr fim a um abuso implica necessariamente uma alteração da política comercial dessa empresa. A obrigação imposta a uma empresa de alterar o seu comportamento não pode, portanto, por si só, ser considerada constitutiva de um prejuízo grave e irreparável, excepto se se entendesse que o requisito da urgência está sempre satisfeito quando a Decisão cuja suspensão se pede ordena a cessação de um comportamento abusivo.

292   Quando um requerente invoca uma violação da liberdade comercial para demonstrar que há urgência em ordenar a medida provisória requerida, compete‑lhe produzir a prova de que a execução do acto impugnado o obrigará a alterar alguns elementos essenciais da sua política comercial e que os efeitos produzidos pela execução desse acto o impedirão de retomar, mesmo depois de proferida uma decisão em que obtenha vencimento quanto ao mérito, a sua política comercial inicial, ou de que esses efeitos lhe causarão um prejuízo grave e irreparável de outra natureza, recordando‑se que é à luz das circunstâncias de cada caso que o prejuízo alegado deve ser apreciado.

293   Assim, nos despachos Bayer/Comissão, já referido no n.° 138 supra, e IMS Health/Comissão, já referido no n.° 133 supra, invocados pela Microsoft, o juiz das medidas provisórias apreciou as consequências das violações da liberdade de as empresas definirem a sua política comercial à luz dos efeitos da execução do acto.

294   No despacho Bayer/Comissão, já referido no n.° 138 supra, o juiz das medidas provisórias salientou, com efeito, que, «[n]o caso de figura, se a tese da requerente for considerada procedente pelo Tribunal, a aplicação imediata da disposição em causa seria susceptível de privar a interessada da possibilidade de definir de maneira autónoma certos elementos essenciais da sua política comercial» (n.° 54). Constatou, além disso, que «uma situação deste tipo seria muito especialmente susceptível de causar um grave prejuízo à requerente no contexto do sector farmacêutico, que se caracteriza pela adopção, pelos serviços de saúde nacionais, de mecanismos de fixação ou de controlo dos preços e de modalidades de reembolso provocando fortes disparidades nos preços praticados, em relação ao mesmo medicamento, nos diversos Estados‑Membros» (n.° 55). Tendo a regulamentação sectorial dos preços sido considerada um factor que limita a margem de liberdade comercial das empresas, o juiz das medidas provisórias pôde concluir que uma violação adicional de uma liberdade comercial já limitada constituía um prejuízo grave. A alteração da política comercial da sociedade Bayer só foi, portanto, considerada suficiente para caracterizar a urgência porque foram tomados em consideração dados específicos desse processo.

295   No despacho IMS Health/Comissão, já referido no n.° 133 supra, o juiz das medidas provisórias considerou que a condição relativa à urgência estava satisfeita porque havia razões sérias para crer que um grande número das «evoluções do mercado», que a execução imediata da Decisão impugnada provavelmente implicaria, seria muito dificilmente reversível, se não irreversível, se o pedido no recurso principal fosse julgado procedente (n.° 129). O «risco real de prejuízo grave e irreparável para aos interesses da requerente» (n.° 127), identificado nesse processo, resulta, portanto, do carácter grave e irreversível das evoluções do mercado. As considerações relativas à violação da liberdade reconhecida às empresas de definirem a sua política comercial (n.os 130 e 131) só foram acolhidas para corroborar a conclusão a que o juiz das medidas provisórias já tinha chegado quanto à urgência, tal como resulta da inexistência de uma análise do carácter grave e irreparável da violação em questão.

296   Há que examinar, portanto, se a Microsoft demonstrou que a violação da sua liberdade comercial é a causa, à luz das circunstâncias do caso em apreço, um prejuízo grave e irreparável.

 i)     Quanto à alegada alteração fundamental da política comercial

297   A alteração fundamental na política comercial que a Decisão alegadamente impõe à Microsoft é desmentida por certos elementos dos autos.

298   Antes de mais, há que observar que tanto a transacção americana como a Decisão obrigam a Microsoft a divulgar as especificações dos protocolos de comunicação. Na verdade, a transacção americana não obriga a Microsoft a divulgar as especificações dos protocolos de comunicação servidor‑servidor, mas obriga‑a a conceder licenças para todos os protocolos implementados num sistema operativo Windows para computadores pessoais para assegurar uma interoperabilidade com um sistema operativo Windows para servidores. O juiz das medidas provisórias considera, à luz dos elementos de que dispõe e tendo em conta o facto de a Decisão se inscrever na política de divulgação da Microsoft, já iniciada em execução da transacção americana, que as diferenças que existem em termos de política comercial entre esta transacção e a Decisão não podem ser consideradas de carácter fundamental. Há que observar, neste contexto, que não é contestado que um dos protocolos objecto de licença no âmbito do MCPP é um protocolo utilizado não só para as comunicações cliente‑servidor, mas também para as comunicações servidor‑servidor. Quanto a este último aspecto, resulta, em especial do considerando 179 da Decisão que «[o]s servidores da rede podem por vezes utilizar os mesmos protocolos que os computadores pessoais para comunicarem com outros servidores: por exemplo, num domínio Windows, o Microsoft Kerberos é utilizado para a autentificação tanto entre um computador pessoal em Windows e um servidor de grupo de trabalho em Windows, como entre os servidores de grupo de trabalho em Windows». Há que salientar, além disso, que a alegada lesão da sua política comercial não é irremediável, uma vez que a anulação da Decisão, tal como o fim do MCPP, previsto para 2009, permite à Microsoft, se assim o entender, deixar de conceder licenças sobre os seus protocolos de comunicação.

299   Seguidamente, resulta dos autos que os dirigentes da Microsoft declararam pretender seguir uma política que consiste em promover activamente licenças sobre os protocolos previstos pela transacção americana e em afirmar a vontade de oferecer direitos de utilização num domínio mais amplo do que o imposto por esta transacção. Decorre, assim, de uma informação comunicada à imprensa pela Microsoft em 1 de Agosto de 2003 (anexo N.12) o seguinte:

«A Microsoft anunciou também que está disposta, de um modo geral, a fornecer um domínio de utilização dos direitos para a tecnologia da empresa relativa aos protocolos ainda mais amplo do que o que se exige por força do acórdão definitivo [proferido] no processo antitrust ou do que se reflecte nos contratos standard de licença MCPP. A Microsoft já concedeu voluntariamente, nos termos do MCPP, direitos de utilização a um grande número de beneficiários de licenças que ultrapassam as exigências do acórdão definitivo, e a Microsoft encoraja os outros programadores que estejam interessados na obtenção de uma licença [sobre] a tecnologia da empresa relativa aos protocolos a discutir as suas exigências técnicas com a equipa da Microsoft responsável pelas licenças sobre os protocolos.»

300   Por fim, o acordo celebrado entre a Microsoft e a Sun Microsystems prevê a divulgação dos protocolos de comunicação servidor‑servidor abrangidos pela Decisão. Na medida em que este acordo prevê a transmissão dos protocolos cuja divulgação a Decisão precisamente lhe impõe, a Microsoft não tem razões para alegar que a execução da Decisão a obrigaria a alterar de modo fundamental a sua política comercial.

301   À luz dos elementos anteriores, o juiz das medidas provisórias não pode considerar provado que a Decisão causará uma alteração suficientemente significativa da política comercial da Microsoft.

302   Esta conclusão é confirmada pelo facto de a Comissão ter referido, na audiência, em resposta a uma pergunta do juiz das medidas provisórias, que, durante as negociações com a Comissão no decurso do procedimento administrativo, a Microsoft estava disposta a divulgar mais informações em matéria de interoperabilidade do que as visadas na Decisão. Mesmo insistindo no carácter particular de cada negociação, fruto de concessões recíprocas, a Microsoft não refutou a posição da Comissão quanto a este aspecto.

 ii)   Quanto à alegada dificuldade em melhorar os protocolos

303   A Microsoft afirma que a execução da Decisão terá como efeito a limitação da flexibilidade de que necessita para melhorar regularmente os protocolos em questão, reduzindo assim a sua capacidade inovadora (anexos R.2 e T.7).

304   A este respeito, há que recordar que o artigo 5.°, alíneas a) a c), da Decisão obriga a Microsoft a transmitir as especificações dos protocolos aos seus concorrentes, mais deixa à Microsoft a liberdade de conceber os seus protocolos como entender. A melhoria dos protocolos continua, portanto, a ser uma decisão que cabe à Microsoft tomar, em função das consequências dela esperadas. Ora, a Microsoft não demonstrou que uma decisão de melhorar os protocolos durante o período intermédio – até à decisão do Tribunal de Primeira Instância sobre o mérito da causa – teria consequências práticas de tal extensão que constituiriam um entrave real à inovação.

305   Seguidamente, o argumento segundo o qual a flexibilidade com que poderá introduzir melhorias nos protocolos em questão será afectada pela obrigação, imposta pela realidade comercial, de dever assegurar a compatibilidade a montante com os produtos dos concorrentes baseados nos seus protocolos, não pode ser acolhido, tendo em conta certos elementos dos autos.

306   Em primeiro lugar, há que recordar que, historicamente, a Microsoft não se considerou vinculada por tal obrigação quando decidiu tornar o NDS para NT da Novell inoperante (considerandos 298 a 301 e 686 da Decisão).

307   Em segundo lugar, a Microsoft assegura, de qualquer modo, a compatibilidade a montante com as versões anteriores dos seus próprios produtos. Não há nos autos nenhum elemento que leve a crer que, ao assegurar esta compatibilidade, a Microsoft não possa também assegurar a compatibilidade com todas as implementações conformes. Há que observar a este respeito que a Microsoft indicou que assegurava a compatibilidade a montante com uma gama de produtos, sublinhando que «já [era] um desafio de engenharia para a Microsoft, no âmbito dos lançamentos sucessivos de novos sistemas operativos Windows para servidores, manter uma compatibilidade entre o programa e o hardware com milhares de interfaces publicadas que são utilizadas pelos programas informáticos de terceiros».

308   Em terceiro lugar, há que observar que não foi avaliado o aumento de complexidade que representa o desenvolvimento de sistemas operativos para servidores de grupo de trabalho compatíveis. De qualquer modo, o esforço suplementar deve ser considerado limitado durante o período intermédio, devido ao número verosimilmente pequeno de produtos compatíveis que serão colocados no mercado e comprados pelos clientes, antes de o Tribunal de Primeira Instância decidir do mérito da causa. Note‑se, a este respeito, que uma nova versão do sistema operativo da Microsoft, conhecido sob a denominação «Longhorn», estará, segundo a Microsoft, pronta para 2006 e que, como salientaram as intervenientes em apoio da Comissão, os efeitos do anúncio do seu lançamento serão susceptíveis de influenciar as compras dos clientes em detrimento dos sistemas operativos para servidores de grupo de trabalho concorrentes.

309   Em quarto lugar, a transacção americana, que beneficia não apenas os fabricantes de sistemas operativos para servidores de grupo de trabalho, na acepção da Decisão, mas também quase todos os fabricantes de sistemas operativos para servidores, devia ter tido uma incidência negativa da mesma natureza do que aquela que a Microsoft invoca perante o juiz das medidas provisórias. Ora, não resulta dos articulados das partes que a execução da Decisão possa afectar mais a flexibilidade de que a Microsoft dispõe para alterar os seus protocolos do que a que resulta dos compromissos aceites pela Microsoft no âmbito da transacção americana. A este respeito, resulta de uma das respostas da Microsoft às perguntas escritas que, em certas circunstâncias, a transacção americana permite à Microsoft decidir explorar inovações nos protocolos cliente‑servidor para aumentar o carácter atractivo dos sistemas operativos Windows, sem colocar esta tecnologia à disposição dos concorrentes. A Microsoft acrescenta o seguinte:

«Se a Microsoft desenvolver, nomeadamente, novos protocolos cliente‑servidor que não estejam incluídos no seu sistema operativo de clientes Windows, mas que sejam instalados separadamente, a Microsoft não deve colocar esses protocolos à disposição dos concorrentes. A título de exemplo, a Microsoft pode desenvolver protocolos inovadores relacionados com uma nova versão do seu sistema operativo para servidores Windows. Quando uma rede que utilize este sistema operativo para servidores for instalada, os clientes deverão instalar o software de clientes implementando estes protocolos nos seus computadores pessoais. (É o modelo tradicionalmente seguido pela Novell.)»

310   Esta declaração confirma o facto de que a Microsoft tenciona melhorar os seus produtos e de que as limitações relativas à falta de flexibilidade quanto à possibilidade de os melhorar efectivamente não são susceptíveis de impedir essa melhoria. Pouco importa, a este respeito, que a disponibilização das referidas melhorias resulte de uma vontade deliberada ou de uma obrigação legal.

311   Em quinto lugar, o acordo celebrado com a Sun Microsystems, que abrange os protocolos em questão na Decisão, tende a demonstrar que o impacto sobre a capacidade da Microsoft de alterar os seus protocolos não tem carácter irreversível.

 iii) Quanto à alegada necessidade de «endurecer» os protocolos

312   A Microsoft afirma que teria que «endurecer» os protocolos para evitar a «possibilidade de disfunções, incidentes e riscos para a segurança» decorrentes de uma «utilização irreflectida ou mal‑intencionada».

313   Admitindo que se comprove a «possibilidade de disfunções, incidentes e riscos para a segurança», o juiz das medidas provisórias constata que a Microsoft se limita a invocar o prejuízo resultante dos esforços alegadamente necessários para evitar a concretização de tal possibilidade, sem indicar de que modo esse prejuízo seria grave e irreparável. A Microsoft não demonstra, nomeadamente, que esse «endurecimento» dos protocolos se deva manter em caso de anulação da Decisão ou que estaria na origem de outro prejuízo. Além disso, tal como a Comissão sustenta, os beneficiários da informação relativa à interoperabilidade teriam um forte incentivo para tornarem os seus produtos seguros e estáveis e para evitarem uma «utilização irreflectida» e não teriam qualquer interesse numa utilização «mal‑intencionada». Pelo contrário, tal como a Comissão alega ainda, as empresas beneficiárias da divulgação terão um manifesto interesse em evitar danos fortuitos, testando a sua implementação por referência à da Microsoft, de modo a que os seus produtos não provoquem perdas nem alterações de dados aos clientes. Estes testes abrangerão, naturalmente, todos os produtos Windows com os quais o concorrente em questão pretenda estabelecer uma interoperabilidade. Por conseguinte, não há qualquer probabilidade de a Microsoft ter que adaptar retroactivamente os produtos previamente instalados.

314   Tal como no que respeita à alegada violação da sua faculdade de conceber livremente os seus produtos, a Microsoft não demonstrou que os riscos evocados no número anterior se tenham concretizado com a execução da transacção americana. Por fim, quando o Samba ou o AS/U implementam vários protocolos que tinham sido inicialmente concebidos para ser «privados», segundo a terminologia da Microsoft, esta não invoca exemplos de transmissão de dados «inesperados» ao Windows susceptíveis de levar à perda ou alteração de dados.

315   As alegadas limitações da capacidade da Microsoft de desenvolver os seus produtos são já inerentes à transacção celebrada com a Sun Microsystems, que engloba os protocolos pertinentes no âmbito da Decisão. O prejuízo que daí resulta, admitindo que existe, é, portanto, independente da medida correctiva e a Microsoft não provou que a suspensão da execução requerida alteraria substancialmente a sua posição actual.

316   Por fim, poderiam estipular‑se contratualmente condições técnicas precisas, tal como se prevê no âmbito da transacção americana. Em resposta a uma pergunta do juiz das medidas provisórias, a Microsoft indicou, com efeito, que a transacção americana lhe permite fazer acompanhar a divulgação dos protocolos associados à segurança de certas condições destinadas a minimizar o risco de os referidos protocolos serem utilizados de má‑fé para comprometer a segurança informática. Assim, o receio de uma utilização mal‑intencionada da informação em questão ou de uma insuficiência dos testes de implementação pode ser dissipado pela possibilidade de pedir autorização à Comissão no sentido de recusar o fornecimento desta informação em tal situação.

 3) Quanto à alegada evolução irreversível das condições do mercado

317   A Microsoft sustenta que a concessão obrigatória de licenças alterará irremediavelmente, em seu prejuízo, as condições existentes no mercado, porque o exame das especificações pormenorizadas dos protocolos de comunicação em questão revelará aos concorrentes aspectos importantes da concepção dos sistemas operativos Windows para servidores. A divulgação em grande escala dessas informações permitirá aos concorrentes reproduzir nos seus sistemas operativos para servidores uma série de funcionalidades que a Microsoft desenvolveu graças aos seus próprios esforços de investigação e desenvolvimento.

318   A premissa de facto em que a Microsoft assenta a sua análise não foi considerada juridicamente provada pelo juiz das medidas provisórias (v. n.os 260 a 265 supra). Além disso, a Microsoft não apresentou elementos sobre a evolução do mercado que, na sua opinião, devia resultar do alegado problema, apesar das críticas formuladas quanto a este aspecto pela Comissão na sua contestação. O argumento da Microsoft não pode, portanto, ser acolhido.

319   De qualquer modo, mesmo admitindo que a argumentação da Microsoft pode ser entendida no sentido de que a divulgação das informações relativas à interoperabilidade altera as condições do mercado de tal modo que perderia quotas de mercado e deixaria de poder, em caso de anulação da Decisão, readquirir as quotas de mercado perdidas, o juiz das medidas provisórias observa que a Microsoft não apresentou nenhum elemento de facto em apoio desta argumentação. Em especial, a Microsoft não demonstrou a existência de obstáculos que a impeçam de recuperar uma parte importante das quotas que tenha podido perder em resultado da medida correctiva [v., neste sentido, despacho do presidente do Tribunal de Justiça de 11 de Abril de 2001, Comissão/Cambridge Healthcare Supplies, C‑471/00 P(R), Colect., p. I‑2865, n.° 111; despacho do presidente do Tribunal de Primeira Instância de 16 de Janeiro de 2004, Arizona Chemical e o./Comissão, T‑369/03 R, ainda não publicado na Colectânea, n.os 82 a 84].

 c)     Quanto ao prejuízo grave e irreparável causado pela obrigação de divulgar as especificações dos protocolos cliente‑servidor

320   Resulta de todas as considerações anteriores que os diferentes tipos de prejuízo alegados pela Microsoft não merecem justificar a urgência no que respeita à obrigação de divulgação das especificações dos protocolos de comunicação servidor‑servidor.

321   Não tendo a Microsoft invocado nenhum argumento complementar susceptível de permitir chegar a outra conclusão no que respeita aos efeitos da divulgação dos protocolos de comunicação cliente‑servidor, o juiz das medidas provisórias é necessariamente levado a concluir que a Microsoft não demonstrou que estava satisfeita a condição relativa à urgência quanto a esta segunda vertente da obrigação de divulgação. Há que recordar, a este respeito que, como a Comissão expôs, com razão, na Decisão, a interoperabilidade cliente‑servidor e, por outro lado, a interoperabilidade servidor‑servidor são duas componentes indissociáveis da interoperabilidade no seio de um sistema informático que englobe vários computadores pessoais em Windows e vários servidores de grupo de trabalho em Windows, todos ligados entre si numa rede (considerandos 144 a 184, e 689).

322   De qualquer modo, deve tomar‑se em consideração o facto de a Microsoft ter insistido, na audiência, na inexistência da necessidade de a obrigar a divulgar as especificações dos protocolos de comunicação cliente‑servidor, tendo em conta que estas especificações podem ser obtidas até 2009 no âmbito do MCPP. Esta argumentação só pode ser entendida no sentido de que a divulgação destas especificações ordenada pela Decisão não pode estar na origem de um prejuízo grave e irreparável para a Microsoft.

323   O requerimento de medidas provisórias deve, portanto, ser também indeferido por inexistência de urgência, na medida em que visa obter a suspensão da execução da obrigação de divulgar as especificações dos protocolos de comunicação cliente‑servidor e de autorizar a sua utilização pelos concorrentes da Microsoft.

324   À luz de todas as considerações anteriores, e não se verificando a condição relativa à urgência, o pedido de suspensão da execução do artigo 5.°, alíneas a) a c), deve ser indeferido sem que seja necessário ponderar os diferentes interesses em presença.

325   Há que precisar que, nos termos do artigo 109.° do Regulamento de Processo, o indeferimento do pedido relativo a uma medida provisória não impede a parte que o tenha deduzido de apresentar outro pedido fundado em factos novos. No caso em apreço, não se pode excluir que a persistência de um desacordo sobre certas modalidades de execução da Decisão possa ser considerada um «facto novo». Mais precisamente, tendo em conta as referências, contidas na apreciação precedente, às estipulações contratuais susceptíveis de justificar a conclusão de que não está satisfeita a condição relativa à urgência (v. n.os 268, 273, 285 e 316 supra), a recusa de tais cláusulas de salvaguarda nos acordos de licença a celebrar com as empresas visadas no artigo 5.° da Decisão pode ser considerada uma alteração das circunstâncias susceptível de colocar em questão alguns dos fundamentos em que o presente despacho se baseia.

 Quanto à questão das vendas ligadas

 A – Argumentos das partes

 1.     Argumentos da Microsoft e das partes admitidas a intervir em apoio da sua posição

 a)     Quanto ao fumus boni juris

326   A Microsoft sustenta que, no seu recurso de anulação, apresentou argumentos que justificam, à primeira vista, a anulação das disposições da Decisão no que respeita ao alegado abuso que consiste em práticas de vendas ligadas.

327   Na Decisão, a Comissão alega que a integração pela Microsoft de uma funcionalidade multimédia melhorada no Windows constitui um abuso, na acepção do artigo 82.° CE, «em particular» na acepção do segundo parágrafo, alínea d), deste artigo, bem como em resultado da aplicação de um novo critério em matéria de vendas ligadas que decorre do artigo 82.° CE. Como resulta do considerando 841 da Decisão, nos casos clássicos de vendas ligadas, a venda agrupada de um produto distinto seria, segundo a Comissão e órgão jurisdicional comunitário, indício do efeito de exclusão que esta prática tem sobre os vendedores concorrentes. Ora, segundo a Microsoft, resulta do mesmo considerando da Decisão, por um lado, que o presente caso não é um «caso clássico de vendas ligadas» e, por outro, que «os utilizadores podem obter outros leitores multimédia através da Internet, por vezes gratuitamente». A Comissão admite, portanto, que «existem […] boas razões para não dar como assente, sem um complemento de análise, que a venda ligada do [Windows Media Player] constitui um comportamento susceptível, pela sua própria natureza, de restringir a concorrência» (considerando 841).

328   A Comissão chegou, todavia, à conclusão de que existe, no caso em apreço, um efeito de exclusão dos concorrentes do mercado, baseando‑se numa teoria altamente especulativa, segundo a qual a ampla difusão da funcionalidade multimédia do Windows obrigará os fornecedores de conteúdo a recorrer quase exclusivamente aos formatos multimédia do Windows, o que terá como efeito excluir do mercado todos os leitores multimédia concorrentes e depois, indirectamente, obrigar os consumidores a só utilizar a funcionalidade multimédia do Windows (considerandos 836 e 842 da Decisão). Segundo a Microsoft, existe, na acepção da jurisprudência, uma «séria controvérsia quanto à justeza da conclusão legal fundamental que sustenta» as alegações da Comissão relativas à concepção e à integração do Windows Media Player (despacho IMS Health/Comissão, já referido no n.° 133 supra, n.° 106). A Microsoft considera também que está preenchido o requisito que exige a demonstração da ilegalidade, à primeira vista, da constatação de uma infracção sobre a qual assenta o artigo 6.°, alínea a), da Decisão.

329   Em primeiro lugar, com efeito, a teoria especulativa da Comissão em matéria de exclusão do mercado não tem qualquer fundamento. A Decisão não reflecte as realidades do mercado, nomeadamente na medida em que, por um lado, os utilizadores de computadores pessoais que funcionam com o Windows consideram que é mais fácil utilizar diferentes leitores multimédia com diferentes formatos e, por outro, os fornecedores de conteúdo recorrem diariamente a formatos múltiplos. A conclusão da Comissão está também em contradição com a teoria muito diferente aplicada na Decisão AOL/Time Warner [Decisão 2001/718/CE da Comissão, de 11 de Outubro de 2000, que declara compatível com o mercado comum e com o Acordo EEE uma operação de concentração (Processo COMP/M.1845 – AOL/Time Warner), JO 2001, L 268, p. 28]. Além disso, a Comissão conclui na Decisão que a tese da exclusão do mercado só é aplicável no caso de a funcionalidade multimédia do Windows ser desenvolvida pela Microsoft, embora esta tese não tenha sido considerada aplicável entre 1995 e 1998, quando o leitor multimédia da RealNetworks estava «ligado» ao Windows.

330   Nas suas observações de 19 de Agosto de 2004, a Microsoft acrescenta que a Comissão não reagiu de modo algum, antes de mais, ao facto de os principais sítios Internet continuarem a apresentar conteúdos multimédia em dois ou mais formatos, seguidamente, ao facto de o número de formatos utilizados nos sítios Internet populares de conteúdo multimédia ter aumentado e se situar agora em cerca de três e, por fim, ao facto de, na Primavera de 2004, cerca de 80 % dos sítios Internet populares apresentar conteúdos nos formatos da RealNetworks.

331   Além disso, a Comissão não toma em conta os desenvolvimentos recentes do mercado, nomeadamente o crescimento excepcional de aparelhos que não os computadores pessoais, tais como o iPod da Apple, que lê conteúdos multimédia de formatos diferentes dos do Windows, ou a futura geração de telefones móveis que conterão leitores multimédia. Segundo a Microsoft, os fornecedores de conteúdo que pretendam alcançar o mais amplo público possível continuarão a recorrer a formatos múltiplos para chegarem por um lado, aos utilizadores de aparelhos que não os computadores pessoais, que não são capazes de ler conteúdos em formatos Windows Media, e, por outro lado, aos consumidores que utilizam leitores multimédia de empresas terceiras nos seus computadores pessoais em vez da funcionalidade multimédia do Windows.

332   Em segundo lugar, segundo a Microsoft, as vantagens que decorrem da «concepção arquitectónica» do sistema operativo da Microsoft, que implica o desenvolvimento de novas versões do Windows que integrem novas funcionalidades, são substanciais e a Comissão devia ter‑lhes atribuído maior peso.

333   Em terceiro lugar, a Comissão não demonstra a existência de uma violação do artigo 82.° CE, em especial do seu segundo parágrafo, alínea d). Nomeadamente, a Decisão não demonstra que o Windows e a sua funcionalidade multimédia pertençam a dois mercados de produtos distintos. A Comissão não tem razão ao ter em conta apenas a questão de saber se o produto alegadamente ligado está disponível separadamente do produto alegadamente «dominante», quando a questão adequada consiste em determinar se este último produto é regularmente comercializado sem o produto ligado. Além disso, segundo a Microsoft, não está em questão, no caso em apreço, uma prestação suplementar, uma vez que os consumidores, antes de mais, não têm que pagar nenhum suplemento pela funcionalidade multimédia do Windows, seguidamente, não têm que a utilizar e, por fim, não são de modo algum impedidos pela Microsoft de utilizar os leitores multimédia de empresas terceiras em vez, ou além, da funcionalidade multimédia do Windows. A Comissão também não demonstrou que a funcionalidade multimédia não está ligada, pela sua natureza ou segundo os usos comerciais, aos sistemas operativos para computadores pessoais. Com efeito, os outros sistemas operativos integram uma funcionalidade multimédia e a Microsoft, por seu lado, integrou tal funcionalidade no Windows, que tem vindo a ser continuamente melhorada desde 1992.

334   Em quarto lugar, a Comissão não tomou suficientemente em conta, no caso em apreço, as obrigações impostas à Comunidade Europeia pelo ADPIC.

335   Em quinto lugar, a medida correctiva é desproporcionada.

336   A CompTIA e a Exor apoiam a posição da Microsoft quanto ao fumus boni juris. Consideram que a Microsoft demonstrou a ilegalidade, à primeira vista, do artigo 4.° e do artigo 6.°, alínea a), da Decisão.

 b)     Quanto à urgência

337   A Microsoft sustenta que a execução imediata do artigo 6.°, alínea a), da Decisão causará dois tipos de prejuízos graves e irreparáveis que resultam, por um lado, do abandono da concepção arquitectónica fundamental que está na base do seu sistema operativo Windows e, por outro, de uma ofensa à sua reputação.

 1)     Quanto ao prejuízo resultante, segundo a Microsoft, do abandono da concepção arquitectónica fundamental que está na base do seu sistema operativo Windows

338   Segundo a Microsoft, a concepção arquitectónica fundamental subjacente ao seu sistema operativo Windows constitui a base do modelo comercial do Windows. O modelo comercial da Microsoft tem como objectivo a concepção de uma plataforma comum para o desenvolvimento e o funcionamento de aplicações, independentemente dos elementos materiais do computador pessoal utilizado pelo consumidor.

339   Ora, a execução imediata do artigo 6.°, alínea a), da Decisão obrigaria a Microsoft a abandonar a referida concepção, causando‑lhe assim um prejuízo grave e irreparável. Ao obrigá‑la a oferecer uma versão do Windows sem o código informático correspondente ao que a Comissão identifica como o «Windows Media Player», o artigo 6.°, alínea a), da Decisão impede a Microsoft de conceber o seu sistema operativo de modo a incluir de maneira uniforme funcionalidades novas ou aperfeiçoadas. Impede também os fabricantes de software, os fornecedores de conteúdos, os fabricantes de equipamentos e os consumidores de retirar da plataforma Windows as vantagens de que actualmente beneficiam.

340   A Microsoft recorda que, segundo a jurisprudência, é causado um prejuízo grave e irreparável quando uma parte é obrigada a executar imediatamente uma decisão da Comissão que implica alterações de natureza estrutural ou que a impede de determinar aspectos essenciais da sua política comercial (despacho RTE e o./Comissão, já referido no n.° 251 supra; despacho do presidente do Tribunal de Justiça de 13 de Junho de 1989, Publishers Association/Comissão, C‑56/89 R, Colect., p. 1693; despachos do presidente do Tribunal de Primeira Instância de 16 de Julho de 1992, SPO e o./Comissão, T‑29/92 R, Colect., p. II‑2161; de 19 de Fevereiro de 1993, Langnese‑Iglo e Schöller Lebensmittel/Comissão, T‑7/93 R e T‑9/93 R, Colect., p. II‑131; de 10 de Março de 1995, Atlantic Container Line e o./Comissão, T‑395/94 R, Colect., p. II‑595; Bayer/Comissão, já referido no n.° 138 supra; de 7 de Julho de 1998, Van den Bergh Foods/Comissão, T‑65/98 R, Colect., p. II‑2641, e IMS Health/Comissão, já referido no n.° 133 supra). Ora, em caso de execução imediata da Decisão, as vantagens que resultam da uniformidade da plataforma Windows seriam irreversivelmente perdidas, causando assim um prejuízo grave e irreparável à Microsoft.

341   A Microsoft acrescenta que este prejuízo não seria reparável pela eventual anulação da Decisão. Com efeito, os engenheiros da Microsoft teriam que partir do princípio de que pelo menos algumas cópias do Windows distribuídas no EEE seriam desprovidas de funcionalidades multimédia. Dado que estas versões depreciadas do Windows não poderiam ser recuperadas junto dos utilizadores na hipótese de uma posterior anulação da Decisão, os engenheiros da Microsoft teriam que ter em conta a existência de duas versões durante muitos anos, tal como os terceiros que dependem da estabilidade e da coerência da plataforma Windows, o que aumentaria os seus custos e reduziria continuadamente o interesse pelo Windows. Estas dificuldades de organização seriam, além disso, agravadas pelas condições impostas no artigo 4.° da Decisão.

 2) Quanto ao prejuízo causado à reputação da Microsoft

342   A Microsoft sustenta que a distribuição da versão do Windows imposta pelo artigo 6.°, alínea a), da Decisão (a seguir «versão imposta pelo artigo 6.°») causaria um prejuízo grave e irreparável à sua reputação de fabricante de software de qualidade.

343   Em primeiro lugar, com efeito, a versão imposta pelo artigo 6.° não contém a funcionalidade multimédia que, em princípio, é colocada à disposição das aplicações executadas em Windows. Por conseguinte, muitas aplicações não funcionariam com esta versão do sistema operativo, mesmo apesar de esta versão se chamar «Windows». Esta disfunção lesaria o valor central do Windows. Além disso, obrigaria a Microsoft, bem como os fabricantes de equipamentos e os criadores de software, a resolver os problemas gerados pela Decisão e a fornecer, entretanto, a necessária assistência aos clientes descontentes. A resolução dos numerosos problemas previsíveis e potencialmente imprevisíveis seria extremamente difícil, onerosa, e prejudicial à reputação da Microsoft.

344   Nas suas observações de 19 de Agosto de 2004, a Microsoft contesta as afirmações da Comissão, segundo as quais a Microsoft poderia manter, na versão imposta pelo artigo 6.°, uma «funcionalidade multimédia de base». A Comissão não explica o que entende por «funcionalidade multimédia de base» e a sua afirmação só poderia ser exacta se se referisse à possibilidade de gerar certos sons ou de mostrar imagens estáticas no monitor. Em todo o caso, a versão imposta pelo artigo 6.° eliminaria qualquer possibilidade de ler ficheiros de som ou imagem, nomeadamente a partir de discos compactos ou de discos versáteis digitais (DVD), ou ainda documentos em formatos standard, tais como MP 3, descarregados a partir da Internet para o disco duro de um computador pessoal. Segundo a Microsoft, um consumidor considerará que um sistema operativo para computadores pessoais que, em 2004, não consegue realizar tarefas tão banais, está seriamente depreciado.

345   Além disso, a Comissão não contesta a lista não exaustiva de todas as funcionalidades Windows que deixam de funcionar correctamente na versão imposta pelo artigo 6.°

346   Em segundo lugar, os problemas gerados pela versão imposta pelo artigo 6.° não se resolvem com a instalação de leitores multimédia de empresas terceiras. Segundo a Microsoft, tais produtos não podem substituir‑se à funcionalidade multimédia do Windows, na medida em que não apresentam as mesmas API, o que provoca certas disfunções das aplicações concorrentes e dos sítios Internet que se baseiam na funcionalidade multimédia do Windows.

347   Em terceiro lugar, a Microsoft sofreria um prejuízo equivalente, ou maior, devido ao facto de os outros elementos do Windows que se baseiam na sua funcionalidade multimédia deixarem de funcionar correctamente na versão imposta pelo artigo 6.°, nomeadamente no que respeita ao repertório «My Music» e à transferência de ficheiros em formato MP 3 para um grande leque de leitores multimédia digitais portáteis.

348   Resulta da lista não exaustiva dos defeitos causados pela versão imposta pelo artigo 6.°, por um lado, que só alguns deles poderiam ser corrigidos através da instalação de um leitor multimédia de uma empresa terceira e, por outro, que os defeitos corrigidos variariam em função do leitor multimédia que fosse instalado.

349   Nas suas observações de 19 de Agosto de 2004, a Microsoft contesta a argumentação da Comissão segundo a qual os leitores multimédia de empresas terceiras instalados nos novos computadores pessoais pelos fabricantes de equipamentos podem substituir as funcionalidades multimédia do Windows. Esta afirmação, aparentemente baseada na hipótese segundo a qual o código informático que fornece a funcionalidade multimédia seria perfeitamente substituível, é falsa do ponto de vista técnico. A Comissão não indica um único leitor multimédia de uma empresa terceira que ofereça, no seu conjunto, a funcionalidade multimédia que não consta da versão imposta pelo artigo 6.° A Microsoft não contesta que uma parte da funcionalidade multimédia do Windows pode ser restabelecida instalando certos leitores multimédia. Todavia, uma parte da funcionalidade multimédia do sistema operativo manter‑se‑ia deteriorada. Ora, a actividade dos fabricantes de leitores multimédia não consiste na reparação dos defeitos da funcionalidade do Windows. O facto de a instalação de um leitor multimédia de uma empresa terceira poder, eventualmente, restabelecer uma parte da funcionalidade multimédia na versão imposta pelo artigo 6.° variará muito, de qualquer modo, em função do leitor multimédia instalado

350   A Microsoft precisa que, na medida em que os leitores multimédia de empresas terceiras disponibilizam a sua funcionalidade através das interfaces publicadas, estas últimas são diferentes das utilizadas pelas aplicações para recorrer à funcionalidade multimédia no Windows. Consequentemente, estes diferentes softwares de plataforma utilizariam interfaces diferentes para apresentar tipos de funcionalidades semelhantes. As outras partes do Windows e as aplicações concebidas para recorrer à funcionalidade multimédia no Windows não podem de repente obter esta funcionalidade de um leitor multimédia de uma empresa terceira. Seria, pelo menos, necessário introduzir alterações no Windows ou numa aplicação Windows para permitir aos leitores multimédia de empresas terceiras utilizar as interfaces alternativas. Estas alterações seriam provavelmente substanciais e deveriam ser realizadas para cada um dos leitores multimédia. Por conseguinte, perder‑se‑iam os benefícios que resultam de uma plataforma uniforme, mesmo no caso se os leitores multimédia de empresas terceiras serem capazes de fornecer toda a funcionalidade multimédia não constante da versão imposta pelo artigo 6.°

351   Em quarto lugar, a execução imediata do artigo 6.°, alínea a), da Decisão causaria um prejuízo sério e irreparável às marcas comerciais «Microsoft» e «Windows», uma vez que a Microsoft seria obrigada a vender um produto depreciado incompatível com a sua concepção comercial básica. A reputação da Microsoft, como fornecedor de software de qualidade, seria afectada se fosse obrigada a apor o seu nome num produto depreciado que não fornecesse a funcionalidade multimédia que os consumidores esperam de um sistema operativo moderno.

352   Em quinto ligar, a Microsoft precisa que não pode evitar a lesão da sua reputação informando os consumidores da natureza da versão imposta pelo artigo 6.°, na medida em que lhe seria impossível proceder a todos os testes necessários para elaborar uma lista completa das aplicações que não funcionariam correctamente com a versão imposta pelo artigo 6.° Na prática, seria provável que muitos consumidores não pudessem compreender as consequências da falta de tecnologia multimédia na versão imposta pelo artigo 6.°

353   Em sexto lugar, a execução imediata do artigo 6.°, alínea a), da Decisão causaria um prejuízo grave aos direitos de autor de que a Microsoft é titular relativamente ao Windows. Com efeito, a Microsoft teria que adaptar a sua obra retirando os elementos do código informático que fornecem a funcionalidade multimédia que a Microsoft considera dever constar de um sistema operativo moderno e cuja falta torna o produto defeituoso. Este prejuízo causado aos direitos de autor da Microsoft seria irreparável, porquanto, depois de comercializada a adaptação, não haveria maneira de recuperar as versões depreciadas do Windows que estivessem em circulação.

354   Nas suas observações de 19 de Agosto de 2004, a Microsoft contesta vários argumentos da Comissão relativos à violação das marcas e à lesão da reputação da Microsoft. A Microsoft contesta, em especial, a crítica da Comissão que considera que a «impressão […] de que os sistemas operativos Windows garantem sempre a presença da concepção arquitectónica básica da [Microsoft] […] é materialmente inexacta», observando a Comissão a este respeito que a Microsoft já produz várias versões diferentes do Windows. Segundo a Microsoft, a existência dos produtos referidos pela Comissão não tem qualquer incidência sobre o prejuízo grave e irreparável que demonstrou. Com efeito, o Windows CE e o Windows XP Embedded não são sistemas operativos para computadores pessoais. As outras versões do Windows XP identificadas pela Comissão, a saber, Professional, Home, Media Center Edition e Tablet PC Edition, apresentam todas o mesmo núcleo comum de interfaces, a saber, as referidas «API Win32». São as interfaces que os fabricantes de software têm utilizado para conceber as aplicações Windows desde o lançamento do Windows NT 3.5 e do Windows 95, pelo que todas as versões do Windows XP podem assegurar o funcionamento de todas as aplicações Windows existentes. Nas suas observações sobre as alegações de intervenção, a Microsoft contesta também neste sentido as afirmações da RealNetworks, segundo as quais a plataforma Windows está já fragmentada.

355   O que importa, para a Microsoft e para os utilizadores finais, é que a versão mais recente do Windows destinada a ser utilizada como sistema operativo de uso geral, a saber, o Windows XP, em todas as suas versões, permita a execução de qualquer aplicação Windows concebida ao longo dos últimos dez anos. Tal não seria possível na hipótese da versão imposta pelo artigo 6.°, mesmo que esta versão seja vista pelos consumidores como um sistema operativo para computadores pessoais de uso geral.

356   Por fim, também nas suas observações de 19 de Agosto de 2004, a Microsoft acrescenta que a Comissão parece partilhar da sua opinião quanto ao carácter irreparável dos prejuízos invocados, uma vez que na sua opinião, as «versões desagregadas do Windows não [poderão] ser recuperadas aos consumidores». A Comissão sustenta todavia que o prejuízo residual não é irreversível, uma vez que «a Microsoft pode utilizar a Internet para distribuir [o Windows Media Player] a qualquer cliente que tenha comprado uma [versão imposta pelo artigo 6.°]». Esta possibilidade hipotética é materialmente inexacta. Não tem de modo algum em conta os utilizadores da versão imposta pelo artigo 6.° que não dispõem de ligação à Internet. Por outro lado, a Microsoft não carrega nem instala nenhum código informático nos computadores pessoais dos utilizadores sem obter previamente o acordo destes. As versões impostas pelo artigo 6.° continuariam nas mãos dos consumidores durante um longo período, ou mesmo indefinidamente. A Microsoft acrescenta que, admitindo que a Comissão tenha razão ao considerar que existem utilizadores que prefeririam a versão imposta pelo artigo 6.°, terá também que aceitar que existem utilizadores que não autorizariam a Microsoft a restaurar a funcionalidade multimédia no seu sistema operativo.

357   A posição da Microsoft quanto à existência de um prejuízo grave e irreparável é apoiada pela Exor. Segundo esta última, o prejuízo sofrido não depende nem da decisão de terceiros, a saber, da decisão dos consumidores de comprar a versão imposta pelo artigo 6.°, nem de «falta de diligência» por parte da Microsoft. A versão imposta pelo artigo 6.° seria inevitavelmente um produto depreciado, uma vez que a eliminação de uma das componentes do sistema operativo Windows originaria disfunções noutras componentes que recorriam ao código eliminado para oferecerem funcionalidades multimédia. Além disso, mesmo que fosse tecnicamente possível reestruturar completamente o Windows para eliminar estas interdependências, perder‑se‑iam completamente os ganhos de eficiência que delas decorrem. A Decisão impõe à Microsoft o desenvolvimento de uma versão diferente do Windows. Consequentemente, a mera instalação a posteriori da funcionalidade multimédia não seria suficiente, uma vez que as componentes que tivessem sido alteradas para deixarem de recorrer a esta funcionalidade não o poderiam fazer posteriormente.

 c)     Quanto à ponderação dos interesses

358   A Microsoft considera que a ponderação dos interesses em presença pende fortemente a favor da suspensão da execução do artigo 6.°, alínea a), da Decisão. A Microsoft sustenta, em primeiro lugar, que não é necessário executar imediatamente o artigo 6.°, alínea a), da Decisão, em segundo lugar, que tal execução causaria danos graves a ela própria e a terceiros e, em terceiro lugar, que a ponderação dos interesses deve ter em conta as obrigações da Comunidade nos termos dos tratados internacionais.

 1) Quanto à não necessidade de uma execução imediata do artigo 6.°, alínea a), da Decisão

359   Antes de mais, a Microsoft sustenta que o interesse da Comissão em impor uma reparação efectiva não exige a execução imediata do artigo 6.°, alínea a), da Decisão. A medida correctiva imposta visa expressamente privar a Microsoft de uma alegada vantagem concorrencial determinante da funcionalidade multimédia do Windows, concretamente, o facto de beneficiar de ampla difusão porque está integrada no principal sistema operativo para computadores pessoais. Ora, segundo a Microsoft, vários factos demonstram que o receio da Comissão quanto à ampla difusão da funcionalidade multimédia do Windows não é justificado.

360   Em primeiro lugar, a integração da funcionalidade multimédia no Windows não impede de modo algum os consumidores de utilizarem, em Windows, um ou vários leitores multimédia de empresas terceiras; pelo contrário, facilita o desenvolvimento destes leitores multimédia na medida em que estes são, de algum modo, baseados nessa funcionalidade.

361   Em segundo lugar, os fornecedores de leitores multimédia de empresas terceiras são livres de distribuir amplamente os seus produtos, nomeadamente através de acordos com fabricantes de equipamentos ou de descarregamento a partir da Internet.

362   Em terceiro lugar, nos termos da transacção americana, os fornecedores de leitores multimédia de empresas terceiras são livres de celebrar acordos exclusivos com os fabricantes de equipamentos, nos termos dos quais a funcionalidade multimédia fornecida no seu produto seja a única proposta ao utilizador final.

363   Em quarto lugar, os fornecedores de leitores multimédia de empresas terceiras podem conceber os seus produtos de modo a que possam ler ficheiros nos formatos Windows Media.

364   Em quinto lugar, a própria Comissão salientou a facilidade com os consumidores podem descarregar leitores multimédia para os seus computadores pessoais. Além disso, a Comissão não deu qualquer importância à ampla difusão da funcionalidade multimédia do Windows no âmbito da apreciação da probabilidade de, na sequência da concentração AOL/Time Warner, o leitor multimédia da AOL se tornar rapidamente o leitor multimédia mais popular do mundo (v. n.° 329 supra).

365   Seguidamente, a Microsoft sustenta que a posição da Comissão e a medida correctiva imposta se baseiam num raciocínio demasiado especulativo, segundo o qual a ampla difusão da funcionalidade multimédia do Windows obrigará futuramente os fornecedores de conteúdos a recorrer exclusivamente aos formatos Windows Media, o que afastaria do mercado todos os leitores multimédia de empresas terceiras. Não há elementos que justifiquem as especulações da Comissão, segundo as quais qualquer atraso na aplicação do artigo 6.°, alínea a), da Decisão dará origem a uma «oscilação» do mercado a favor do Windows Media Player, que excluiria qualquer concorrência.

366   Assim, em primeiro lugar, a integração de uma funcionalidade multimédia no Windows não impediu de modo algum a emergência de leitores multimédia de empresas terceiras, tal como é demonstrado pelo exemplo do iTunes. Além disso, a Microsoft apresenta dados que demonstram que, de Abril de 2003 a Abril de 2004, embora a utilização do Windows Media Player tenha aumentado, tanto o RealPlayer como o QuickTime mantiveram o número dos seus utilizadores.

367   Em segundo lugar, também não há nenhuma prova da menor «oscilação» dos fornecedores de conteúdos para os formatos Windows Media.

368   Em terceiro lugar, os factos contrariam a teoria segundo a qual a supressão do código do Windows Media Player é necessária na medida em que os fabricantes de equipamentos não estão dispostos a pré‑instalar leitores multimédia de empresas terceiras se não estiverem autorizados a distribuir o Windows sem a funcionalidade multimédia (considerando 851 da Decisão).

369   Em quarto lugar, nas suas observações de 21 de Julho de 2004, a Comissão sustenta pela primeira vez que «mesmo uma quota de 5 % para os computadores pessoais equipados exclusivamente com um leitor multimédia concorrente incentivará os criadores de software a conceber aplicações também para esse leitor». Esta tese é incorrecta, confirma que o objectivo da Comissão é a fragmentação do Windows e é contrária ao objectivo da Comissão de aumentar as opções de escolha do consumidor.

370   Em quinto lugar, nas suas observações de 19 de Agosto de 2004, a Microsoft contesta a afirmação da Comissão, segundo a qual a execução imediata da medida correctiva é necessária para «permitir ao consumidor escolher».

371   Em sexto lugar, também nas suas observações de 19 de Agosto de 2004, a Microsoft considera que os leitores multimédia de empresas terceiras continuam a ser distribuídos em grande número e que uma grande parte dos conteúdos continua a ser difundida noutros formatos que não os da Microsoft.

372   Em sétimo lugar, nas suas observações sobre as alegações de intervenção, a Microsoft acrescenta que a implementação da medida correctiva prevista pelo artigo 6.°, alínea a), da Decisão no segmento «utilizador final» e no canal «fabricantes de equipamentos» não responderá a nenhuma das preocupações que estão na base da Decisão. Com efeito, em primeiro lugar, é difícil vislumbrar que vantagens poderá um «utilizador final» retirar da obtenção de uma versão imposta pelo artigo 6.°, em vez de uma versão completa do Windows, uma vez que as duas são oferecidas ao mesmo preço. Em segundo lugar, a Comissão não analisou o facto de os fabricantes de equipamentos estariam dispostos a celebrar acordos de exclusividade para os computadores pessoais que distribuem no EEE.

 2)     Quanto aos prejuízos resultantes da execução imediata do artigo 6.°, alínea a), da Decisão

373   A Microsoft considera que os prejuízos que resultariam da execução imediata do artigo 6.°, alínea a), da Decisão seriam reais e importantes, uma vez que tal execução não permitiria à Microsoft manter o modelo comercial eficaz e bem estabelecido que é o seu, tal como demonstrou nos seus argumentos relativos à urgência. Além disso, a Microsoft, muito apoiada quanto a este ponto pela CompTIA, pela ACT, pela Mamut e TeamSystem, pela DMDsecure.com e o. e pela Exor, alega que há que ter em conta os interesses dos fabricantes de software e dos criadores de sítios Internet cuja actividade depende de uma plataforma Windows uniforme.

374   Em primeiro lugar, as aplicações e os sítios Internet que foram concebidos no pressuposto de uma funcionalidade multimédia do Windows deixariam de funcionar correctamente na versão imposta pelo artigo 6.°

375   Em segundo lugar, a execução imediata do artigo 6.°, alínea a), da Decisão afectaria as aplicações e os sítios Internet que actualmente estão em desenvolvimento e os que serão desenvolvidos no futuro, não podendo tais prejuízos sérios e irreparáveis ser evitados através da instalação de leitores multimédia de empresas terceiras.

376   Em terceiro lugar, nas suas observações de 19 de Agosto de 2004, a Microsoft contesta os argumentos da Comissão segundo os quais, por um lado, os fabricantes de software que desenvolvem aplicações que assentam na funcionalidade Windows podem «utilizar» a «possibilidade de ‘redistribuir o leitor integrado na sua aplicação e a partir do seu sítio [Internet]’» e, por outro lado, é corrente no sector do software que os criadores elaborem as suas aplicações de modo a poderem adaptar‑se inteligentemente à eventual falta de leitor multimédia (actualização)», pelo que «os custos destas adaptações de aplicações […] devem […] ser de pouca importância, ou pelo menos não devem ultrapassar os que são normalmente suportados quando a Microsoft fornece uma nova versão (ou actualização) do Windows». Na prática, o procedimento que consiste em restabelecer a funcionalidade multimédia na versão imposta pelo artigo 6.° seria tão complexo e oneroso para os terceiros como para a Microsoft.

377   Em quarto lugar, a Microsoft acrescenta que, na apreciação dos diferentes interesses em questão no processo em apreço, há que ter presente a importância atribuída, no processo perante a District Court, que homologou a transacção americana, aos interesses dos fabricantes de software e aos inconvenientes resultantes da fragmentação do Windows.

 3) Quanto às obrigações da Comunidade por força do ADPIC

378   A Microsoft pretende, por último, que o Tribunal de Primeira Instância tome em consideração as obrigações impostas à Comunidade por força do ADPIC.

 2.     Argumentos da Comissão e das partes admitidas a intervir em apoio da sua posição

 a)     Quanto ao fumus boni juris

379   A Comissão, apoiada pela CCIA quanto a este aspecto antes da sua desistência, considera que a tese da Microsoft, à primeira vista, carece de fundamento e deve ser julgada improcedente.

380   A Comissão sustenta que as suas constatações relativas à venda ligada se baseiam em teorias jurídicas e económicas perfeitamente reconhecidas e que o abuso relativo à venda ligada apresenta as características definidas pela jurisprudência em matéria de vendas ligadas (considerandos 794 e seguintes da Decisão). A Microsoft não invoca nenhum ganho de eficiência técnica do qual a «integração» do Windows Media Player no Windows seja a condição prévia (considerandos 962 a 969 da Decisão).

381   Assim, em primeiro lugar, no que respeita à existência de um efeito de exclusão do mercado, a Comissão não entende, antes de mais, de que modo a existência de uma diferença relativamente a determinados processos anteriores referidos pela Microsoft corrobora a sua afirmação de que foi aplicada uma nova teoria ao caso em apreço. O facto de demonstrar um efeito de exclusão onde ele é normalmente presumido não significa que seja aplicada uma nova teoria jurídica. A Comissão reconhece que a Decisão, ao contrário das adoptadas em determinados processos anteriores (acórdão do Tribunal de Primeira Instância de 12 de Dezembro de 1991, Hilti/Comissão, T‑30/89, Colect., p. II‑1439, confirmado pelo acórdão do Tribunal de Justiça de 2 de Março de 1994, Hilti/Comissão, C‑53/92 P, Colect., p. I‑667, e acórdão Tetra Pak/Comissão, já referido no n.° 126 supra, confirmado pelo acórdão do Tribunal de Justiça de 14 de Novembro de 1996, Tetra Pak/Comissão, C‑333/94 P, Colect., p. I‑5951), não conclui pela existência de uma efeito de exclusão no mercado per se (considerandos 841 e seguintes), mas toma em conta as circunstâncias específicas do caso em apreço, ou seja, o facto de os leitores multimédia poderem ser descarregados, por vezes gratuitamente, da Internet.

382   Porém, os elementos de prova nesta matéria confirmam, antes de mais, que nenhum outro fabricante de leitores multimédia pode igualar a omnipresença do Windows Media Player, que resulta da sua ligação ao Windows, e que, além disso, esta situação é susceptível de ter uma influência não negligenciável nos fabricantes de software e de conteúdos complementares. A redução, através da venda ligada, das aplicações e dos conteúdos disponíveis para os leitores multimédia dos outros fabricantes é, em última análise, prejudicial para os consumidores, uma vez que limita a inovação para estes produtos, independentemente do seu valor intrínseco. Ora, a Microsoft não invocou nenhuma justificação objectiva desta prática.

383   Além disso, a afirmação da Microsoft segundo a qual as constatações da Comissão relativas à exclusão da concorrência assentam em conjecturas incorrectas é errada de facto e de direito. Os considerandos 879 a 896 da Decisão apresentam uma descrição clara do impacto da venda ligada sobre os fornecedores de conteúdos e dos fabricantes de software independentes. Decorre da Decisão que a utilização do Windows Media Player aumenta, ao passo que, segundo a própria Microsoft, outros leitores multimédia são mais apreciados, em termos de qualidade, pelos utilizadores (considerandos 948 a 951). Acresce que a jurisprudência não obriga a Comissão a demonstrar que todos os leitores multimédia concorrentes tenham sido afastados (acórdãos do Tribunal de Primeira Instância de 30 de Setembro de 2003, Michelin/Comissão, T‑203/01, ainda não publicado na Colectânea, n.° 239; de 23 de Outubro de 2003, Van den Bergh Foods/Comissão, T‑65/98, ainda não publicado na Colectânea, n.os 149 e 160, e de 17 de Dezembro de 2003, British Airways/Comissão, T‑219/99, ainda não publicado na Colectânea, n.° 293).

384   Em segundo lugar, no que respeita à existência de produtos distintos, a Comissão alega que o Tribunal de Justiça e o Tribunal de Primeira Instância declararam que a existência de fabricantes independentes especializados no fabrico do produto ligado indica já a existência de uma procura por parte dos consumidores e, como tal, de um mercado distinto para o produto ligado. Esta abordagem é também conforme à jurisprudência americana.

385   Em terceiro lugar, os argumentos da Microsoft que visam demonstrar que não foi exercida coerção sobre os consumidores foram já rejeitados na Decisão.

386   A Comissão rejeita, por fim, os argumentos avançados pela Microsoft quanto aos seus dois outros fundamentos. Em primeiro lugar, no que respeita à menção pela Microsoft das obrigações que incumbem à Comunidade por força do ADPIC, a Comissão remete para os argumentos que apresentou quanto à medida correctiva prevista no artigo 5.°, alínea a), da Decisão (v. n.° 195 supra). Em segundo lugar, a Comissão considera que a medida correctiva prevista pelo artigo 6.°, alínea a), da Decisão, é proporcionada na medida em que, por um lado, a Microsoft mantém o direito de propor uma versão do Windows associada ao Windows Media Player e, por outro, mesmo que alguns clientes escolhessem a versão imposta pelo artigo 6.°, teriam ainda a possibilidade de completar este produto com o Windows Media Player, se o desejassem.

 b)     Quanto à urgência

387   A Comissão, apoiada quanto a este aspecto pela RealNetworks e pela SIIA, bem como pela CCIA antes da sua desistência, considera que a Microsoft não demonstrou a existência de um prejuízo grave e irreparável que lhe fosse causado pela execução imediata da Decisão.

 c)     Quanto à ponderação dos interesses

388   A Comissão considera que a ponderação dos interesses pende a favor do indeferimento do pedido da Microsoft, nomeadamente no que respeita ao interesse do público em manter, pelo menos, uma concorrência efectiva. O mercado dos leitores multimédia aproxima‑se do estado em que pode começar a oscilar. A Comissão é apoiada quanto a este aspecto pela RealNetworks e pela SIIA. A Comissão acrescenta, a este respeito, que a execução imediata da medida correctiva não é susceptível de alterar radicalmente a posição da Microsoft no mercado dos leitores multimédia, mas permite simplesmente equilibrar a concorrência neste mercado e, portanto, manter o status quo no que respeita à estrutura de tal mercado. Só a execução imediata da medida correctiva pode preservar a escolha dos consumidores e permitir‑lhes beneficiar das inovações nos serviços multimédia digitais.

389   No que respeita ao risco de prejuízos causados a terceiros, a Comissão contesta os argumentos assentes em pretensões que poderiam eventualmente ser invocadas por certos fabricantes de software, certos criadores de sítios Internet ou ainda por fornecedores de conteúdos. A Comissão minimiza também o risco de prejuízos causados indirectamente ao sector da informática em geral.

 B – Apreciação do juiz das medidas provisórias

 1.     Quanto ao fumus boni juris

390   Nos termos do artigo 2.°, alínea b), da Decisão, a Microsoft é acusada de ter violado o artigo 82.° «subordinando o fornecimento do sistema operativo Windows para computadores pessoais à aquisição simultânea do Windows Media Player, de Maio de 1999 até à data da notificação da [Decisão]». Para corrigir esta situação, o artigo 4.° da Decisão impõe à Microsoft que ponha fim a esta infracção em conformidade com as disposições do artigo 6.° da Decisão. O artigo 6.°, alínea a), da Decisão, impõe à Microsoft a comercialização de uma «versão completamente operacional do seu sistema operativo Windows para computadores pessoais que não integre o Windows Media Player». A Decisão precisa, todavia, que a «Microsoft mantém o direito de oferecer o seu sistema operativo Windows para computadores pessoais juntamente com o Windows Media Player».

391   Em apoio da sua conclusão segundo a qual está preenchido o requisito relativo ao fumus boni juris, a Microsoft alega uma série de argumentos composta, essencialmente, de cinco vertentes. A Microsoft sustenta, em primeiro lugar, que a Comissão aplicou na Decisão uma teoria especulativa que não assenta em nenhum fundamento, em segundo lugar, que a Comissão devia ter atribuído mais peso às vantagens que decorrem da concepção arquitectónica do sistema operativo Windows, em terceiro lugar, que a Decisão não demonstra a violação do artigo 82.° CE, em quarto lugar, que a Decisão não toma suficientemente em conta as obrigações impostas à Comunidade pelo ADPIC e, em quinto lugar, que a medida correctiva imposta pela Decisão é desproporcionada.

392   À luz da argumentação desenvolvida pela Microsoft no âmbito do processo de medidas provisórias, a quarta e a quinta vertente desta argumentação não podem ser consideradas suficientemente sérias para constituir um fumus boni juris.

393   Com efeito, a vertente relativa à desproporção da medida correctiva foi apresentada de modo demasiado sucinto no requerimento da Microsoft. A Microsoft indicou apenas, a este respeito, que «a medida correctiva imposta pela Decisão [era] desproporcionada». Em particular, a Microsoft não explica de que modo a alegada desproporção da medida imposta pelo artigo 6.°, alínea a), da Decisão devia ser declarada pelo Tribunal de Primeira Instância. Quanto à vertente relativa à violação do ADPIC, não foi desenvolvida de maneira suficiente para permitir ao juiz das medidas provisórias pronunciar‑se utilmente. Com efeito, por um lado, a Microsoft limitou‑se a sustentar no seu requerimento de medidas provisórias que, «a Decisão não toma[va] devidamente em conta as obrigações impostas às Comunidades Europeias pelo [ADPIC]». Por outro lado, a remissão para a argumentação desenvolvida no anexo T.9 não foi considerada conforme aos requisitos de forma aplicáveis (v. n.° 88 supra).

394   O juiz das medidas provisórias considera, todavia, que os outros argumentos da Microsoft suscitam questões complexas que compete ao Tribunal de Primeira Instância decidir no âmbito do recurso principal e que esses argumentos não podem, no âmbito do processo de medidas provisórias, ser consideradas, à primeira vista, improcedentes.

395   Em primeiro lugar, este processo suscita uma questão complexa quanto à primeira vertente da argumentação da Microsoft, assente na aplicação ilegal, por parte da Comissão, de uma nova teoria em matéria de vendas ligadas.

396   Com esta argumentação, a Microsoft critica a Comissão, essencialmente, por ter considerado que o mercado dos leitores multimédia iria «oscilar» a seu favor, sem todavia tentar conciliar esta teoria com a realidade do mercado. A Microsoft invoca, nomeadamente, o facto de, por um lado, ser fácil para os utilizadores de computadores pessoais que funcionam com o Windows recorrer a leitores multimédia diferentes, utilizando diferentes formatos e, por outro, de os fornecedores de conteúdos recorrerem a diferentes formatos. A Decisão baseia‑se, quanto a este aspecto, em meras suposições.

397   Na Decisão, para considerar que a venda do Windows Media Player juntamente com o Windows constituía uma venda ligada proibida pelo artigo 82.° CE, a Comissão considerou, em primeiro lugar, que a Microsoft detinha uma posição dominante no mercado dos sistemas operativos para computadores pessoais (considerando 799), o que a Microsoft não contesta. Em segundo lugar, a Comissão considerou que os leitores multimédia que permitem uma leitura em contínuo e os sistemas operativos para computadores pessoais eram produtos distintos (considerandos 800 a 825). Em terceiro lugar, a Comissão considerou que a Microsoft não permitia aos seus clientes a obtenção do Windows sem o Windows Media Player (considerandos 826 a 834). Em quarto lugar, a Comissão examinou a existência no mercado de efeitos de exclusão. A este respeito, resulta do considerando 841 da Decisão que a Comissão respondeu nos termos seguintes aos argumentos da Microsoft, segundo os quais a prática denunciada pela Comissão não tinha tais efeitos: «Há efectivamente circunstâncias que justificam, no que respeita à venda ligada do leitor [Windows Media Player], um exame mais aprofundado dos efeitos que esta prática produz sobre a concorrência. Embora, nos casos clássicos de vendas ligadas, a Comissão e o órgão jurisdicional comunitário tenham considerado que a venda ligada de um produto distinto com o produto dominante era o indício do efeito de exclusão que esta prática tinha sobre os vendedores concorrentes, não se pode negar que, no caso em apreço, os utilizadores podem obter – o que aliás fazem – outros leitores multimédia através da Internet, por vezes gratuitamente. Há, portanto, boas razões para não dar como assente, sem um complemento de análise, que a venda ligada do leitor Windows Media Player constitui um comportamento susceptível, pela sua natureza, de restringir a concorrência». Por conseguinte, tendo em conta as características do mercado em questão, a Comissão reconheceu a especificidade do caso em apreço do ponto de vista da sua prática anterior e do que considerava reflectir os princípios desenvolvidos pela jurisprudência comunitária em matéria de vendas ligadas.

398   Consequentemente, a argumentação da Microsoft pode suscitar uma ou mais questões de princípio importantes, que podem afectar a legalidade da análise da Comissão. A este respeito, resulta de jurisprudência constante que o conceito de exploração abusiva é um conceito objectivo que visa os comportamentos de uma empresa em posição dominante susceptíveis de influenciar a estrutura de um mercado, no qual, precisamente em consequência da presença da empresa em questão, o grau de concorrência já está enfraquecido e que têm por efeito impedir, através do recurso a mecanismos diferentes dos que regulam a concorrência normal de produtos ou de serviços com base nas prestações dos operadores económicos, a manutenção do grau de concorrência ainda existente no mercado ou o desenvolvimento dessa concorrência (acórdãos do Tribunal de Justiça de 13 de Fevereiro de 1979, Hoffmann‑La Roche/Comissão, 85/76, Colect., p. 217, n.° 91; acórdão do Tribunal de Primeira Instância de 7 de Outubro de 1999, Irish Sugar/Comissão, T‑228/97, Colect., p. II‑2969, n.° 111).

399   Ora, no caso em apreço, a Comissão considerou, essencialmente, que o efeito anticoncorrencial da venda ligada resultava de «efeitos de rede indirectos». Tais efeitos resultariam do facto de a presença do Windows Media Player em todos os sistemas operativos distribuídos pelo Windows incentivar os fornecedores de conteúdos e os fabricantes de aplicações a conceber os seus produtos com base no Windows Media Player (considerando 842). Para efeitos da sua demonstração, a Comissão baseou‑se em grande parte em elementos de facto presentes ou passados relativos ao incentivo dos fornecedores de conteúdos e dos fabricantes de aplicações (considerandos 879 a 896). Todavia, tal como resulta, nomeadamente, dos considerandos 842 e 984 da Decisão, estes elementos sustentam uma análise prospectiva, pelo menos em parte, dos riscos que resultam para a concorrência da prática condenada.

400   Na verdade, como a Comissão observou, para demonstrar a violação do artigo 82.° CE, basta demonstrar que o comportamento abusivo da empresa em posição dominante tende a restringir a concorrência ou, por outras palavras, que o comportamento é passível ou susceptível de ter tal efeito (acórdãos Michelin/Comissão já referido no n.° 383 supra, n.° 239, e British Airways/Comissão, já referido no n.° 383 supra, n.° 293). O caso em apreço suscita, todavia, a questão complexa de saber se a Comissão pode e, em caso afirmativo, em que condições, basear‑se numa provável «oscilação» do mercado para condenar uma venda ligada praticada por uma empresa dominante quando, eventualmente, esse comportamento não é susceptível, pela sua natureza, de restringir a concorrência.

401   Em segundo lugar, coloca‑se uma questão importante no âmbito do exame da argumentação da Microsoft, segundo a qual a Comissão devia ter dado mais peso aos efeitos positivos da «concepção arquitectónica» do sistema operativo Windows. Esta argumentação pode, com efeito, levar o Tribunal de Primeira Instância, no âmbito do recurso principal, a examinar as condições em que a existência de uma justificação objectiva pode ser susceptível de permitir concluir que uma prática de venda ligada com efeitos anticoncorrenciais não é proibida pelo artigo 82.° CE. A resolução desta questão delicada justifica, à primeira vista, que se examine se os eventuais efeitos positivos associados à crescente estandardização de certos produtos podem constituir uma justificação objectiva ou se, como a Comissão sustenta, os efeitos positivos da estandardização só podem ser admitidos quando resultem do jogo da concorrência ou de decisões de organismos de normalização.

402   Em terceiro lugar, para além das questões de princípio suscitadas pelo exame destas duas vertentes, a Microsoft contesta o alcance das premissas factuais em que assenta a análise da Comissão. A Microsoft sustenta, em particular, no que respeita à primeira vertente da sua argumentação, que a análise da Comissão relativa à existência de «efeitos de rede indirectos» é contrariada pelo facto de os fornecedores de conteúdos continuarem a recorrer a formatos diferentes. A este respeito, há que observar que a Comissão não contestou que fosse esse o caso, pelo menos em certa medida. Ora, é ao Tribunal de Primeira Instância que compete pronunciar‑se, no âmbito do recurso principal, sobre estas questões de facto e sobre as consequências que daí eventualmente decorrem quanto à validade da análise da Comissão.

403   Em quarto lugar, a argumentação da Microsoft segundo a qual «o Windows e a sua funcionalidade multimédia» não constituem dois produtos distintos para efeitos da aplicação do artigo 82.° CE em matéria de vendas ligadas não pode, no âmbito do processo de medidas provisórias, ser considerada, à primeira vista, improcedente, tendo em conta, nomeadamente, o facto de a Microsoft e outros fabricantes integrarem desde há muitos anos certas funcionalidades multimédia nos seus sistemas operativos para computadores pessoais.

404   As três primeiras vertentes dos argumentos da Microsoft suscitam, assim, várias questões importantes, nomeadamente à luz das apreciações económicas complexas que implicam, tanto de direito como de facto. O juiz das medidas provisórias considera que os argumentos da Microsoft não podem, no âmbito do processo de medidas provisórias, ser considerados, à primeira vista, improcedentes, pelo que está preenchido o requisito relativo ao fumus boni juris.

 2.     Quanto à urgência

405   A Microsoft sustenta que a execução do artigo 6.°, alínea a), da Decisão afectará irreversivelmente o valor da plataforma Windows, causando‑lhe dois tipos de prejuízo graves e irreparáveis. Estes dois prejuízos devem ser apreciados distintamente.

 a)     Quanto à alegada lesão da «concepção arquitectónica básica» do sistema operativo Windows

406   O artigo 6.°, alínea a), da Decisão, impõe à Microsoft que conceba e coloque no mercado um produto que esta actualmente não comercializa e que alega não ser compatível com um elemento fundamental da sua política comercial. Mais especificamente, a Microsoft sustenta que o artigo 6.°, alínea a), da Decisão lesa a «concepção arquitectónica básica» do sistema operativo Windows. Essencialmente, a Microsoft invoca, assim, uma violação da sua liberdade comercial.

407   A este respeito, decorre dos autos que a Microsoft comercializa desde há muitos anos um sistema operativo que, na sua opinião, propõe aos utilizadores funcionalidades comuns que têm sido progressivamente aumentadas e que incluem, nomeadamente, desde 1992, certas funcionalidades multimédia. Além disso, resulta de modo suficientemente claro dos autos que a Microsoft se esforça no sentido de que, pelo menos de modo geral, a mais recente versão comercializada do seu sistema operativo Windows de uso geral permita o funcionamento das aplicações concebidas para as suas versões anteriores.

408   Ora, há que salientar que a execução da Decisão impõe à Microsoft a comercialização de um sistema operativo sem certas funcionalidades multimédia, que considera fazerem parte integrante de tal sistema. A Decisão viola, portanto, a liberdade comercial da Microsoft. Além disso, certas aplicações concebidas para funcionar no conjunto constituído pelo Windows e pelo Windows Media Player podem não funcionar de modo satisfatório na versão imposta pelo artigo 6.°, pelo menos na hipótese de esta última continuar sem qualquer leitor multimédia.

409   A este respeito, o juiz das medidas provisórias recorda que, à luz do princípio do livre exercício das actividades profissionais, que, segundo jurisprudência constante do Tribunal de Justiça (acórdãos do Tribunal de Justiça de 13 de Dezembro de 1979, Hauer, 44/79, Colect., p. 3727, n.os 31 a 33, e de 9 de Setembro de 2004, Espanha e Finlândia/Parlamento e Conselho, C‑184/02 e C‑223/02, ainda não publicado na Colectânea, n.° 51), faz parte dos princípios gerais de direito comunitário, as empresas activas no território da Comunidade são livres, em princípio, de escolher a política comercial que considerarem adequada. Tal implica, nomeadamente, que compete em princípio a cada empresa decidir livremente da natureza e das propriedades dos produtos que entenda colocar no mercado. Todavia, não pode considerar‑se que uma violação da política comercial de uma empresa constitui sempre um prejuízo grave e irreparável para a mesma, para efeitos de um pedido de medidas provisórias. É, assim, à luz das circunstâncias de cada processo que o carácter eventualmente grave e irreparável de uma violação da liberdade comercial de uma empresa deve ser apreciado (v. n.° 292 supra).

410   Ora, nas circunstâncias do caso em apreço, há que considerar que a violação da liberdade comercial da Microsoft, entendida como tal e independentemente dos seus efeitos concretos no mercado, não pode ser considerada irreparável. Com efeito, se não se tiverem em conta as consequências que a Decisão pode implicar para o mercado antes da sua eventual anulação, não parece que a Microsoft, no caso de obter vencimento no recurso principal, fique impossibilitada de aplicar novamente a sua «concepção arquitectónica básica» a todos os produtos que comercializar depois dessa anulação. Consequentemente, nesta hipótese, mesmo admitindo que a Microsoft demonstrou que a mera violação da sua liberdade comercial constitui um prejuízo, tal prejuízo não parece ser irreparável.

411   Há que examinar, porém, se a violação da liberdade comercial da Microsoft é susceptível de causar, à luz das suas consequências concretas no mercado durante o período que decorrer até à prolação do acórdão no recurso principal, um prejuízo grave e irreparável para esta empresa. A este respeito, há que ter em conta as consequências que podem resultar para a Microsoft, em primeiro lugar, da concepção da versão imposta pelo artigo 6.°, em segundo lugar, da colocação no mercado desta versão e, em terceiro lugar, da possibilidade de ser comprada pelos clientes da Microsoft.

412   Em primeiro lugar, a Microsoft sustentou na audiência que, mesmo na hipótese de a versão imposta pelo artigo 6.° não ser comprada em quantidades significativas, a sua «concepção» seria lesada, à luz, nomeadamente, do «exercício fútil» que seria a criação da versão imposta pelo artigo 6.°

413   Embora a Microsoft se refira assim à necessidade de conceber a versão imposta pelo artigo 6.°, não fornece precisões suficientes sobre os inconvenientes que resultariam dessa obrigação. À título superabundante, tudo leva a crer, aliás, que o prejuízo assim sofrido pela Microsoft se traduziria, essencialmente, em custos de desenvolvimento. Ora, na falta de prova em contrário, tal dano constituiria um prejuízo de ordem financeira, que, salvo circunstâncias excepcionais que não se verificam no caso em apreço, não constitui um prejuízo irreparável (despacho do presidente do Tribunal de Justiça de 18 de Outubro de 1991, Abertal e o./Comissão, C‑213/91 R, Colect., p. I‑5109, n.° 24; despacho do presidente do Tribunal de Primeira Instância de 28 de Maio de 2001, Poste Italiane/Comissão, T‑53/01 R, Colect., p. II‑1479, n.° 119).

414   Em segundo lugar, na medida em que a argumentação da Microsoft deva ser entendida no sentido de que sofreria um prejuízo pelo simples facto de ter que colocar no mercado a versão imposta pelo artigo 6.°, independentemente da compra efectiva desta versão, a Microsoft não forneceu precisões suficientes sobre a natureza, a gravidade e o carácter irreparável desses alegados inconvenientes. Uma vez que a argumentação da Microsoft deve ser entendida no sentido de que a sua reputação seria lesada, será examinada juntamente com o segundo tipo de prejuízo que invocou (v. n.os 442 a 475 infra).

415   Durante a audiência, a Microsoft acrescentou todavia que, mesmo na hipótese de não haver procura para a versão imposta pelo artigo 6.°, resultaria daí alguma incerteza para terceiros, em especial para os fornecedores de conteúdos. Com efeito, estes não poderiam saber qual o número de versões impostas pelo artigo 6.° difundidas. Tal causaria, segundo a Microsoft, uma redução do interesse pelo Windows.

416   Cabe recordar, a este respeito, que o carácter urgente de um pedido de medidas provisórias deve ser apreciado por referência à necessidade de decidir provisoriamente, a fim de evitar que um prejuízo grave e irreparável seja causado à parte que solicita a medida provisória (v. jurisprudência referida no n.° 240 supra). Consequentemente, na medida em que a incerteza invocada pela Microsoft pode causar um prejuízo a terceiros, não pode ser tomada em conta para efeitos da urgência (v., neste sentido, despacho do presidente do Tribunal de Justiça de 6 de Maio de 1988, União dos produtores de citrinos de Creta/Comissão, 112/88 R, Colect., p. 2597, n.° 20). Há que examinar, todavia, os argumentos da Microsoft segundo os quais a incerteza criada junto de terceiros gera, por sua vez, uma redução do interesse pela sua plataforma.

417   Antes de mais, a Microsoft não apresenta precisões nem elementos de prova que permitam apreciar a natureza exacta, a existência, a gravidade e o carácter irreparável da redução do interesse pelo Windows que seria causada por esta alegada incerteza. Admitindo, em especial, que a redução do interesse invocada pela Microsoft significa que alguns terceiros que dependem «da estabilidade do Windows» poderiam decidir, em resultado da comercialização da versão imposta pelo artigo 6.°, deixar de conceber os seus produtos para esta plataforma, a Microsoft não apresenta provas suficientes para demonstrar que esses operadores poderiam fazer tal opção em proporções significativas.

418   Quanto a este aspecto, o juiz das medidas provisórias observa, a título superabundante, que nenhuma das partes que intervém em apoio da posição da Microsoft sustentou que pudesse, em consequência da execução do artigo 6.°, alínea a), da Decisão, deixar de conceber os seus produtos para a plataforma Windows. Com efeito, estas partes referiram que a execução do artigo 6.°, alínea a), da Decisão lhes poderia causar um prejuízo, nomeadamente na medida em que teriam que decidir adaptar‑se ou não à incerteza gerada no mercado. Em contrapartida, por um lado, a possibilidade de optarem por não adaptar os seus produtos à versão imposta pelo artigo 6.° é, nesta fase, amplamente hipotética. Por outro lado, mesmo admitindo que tenha sido suficientemente provada a possibilidade de estes operadores não adaptarem os seus produtos à versão imposta pelo artigo 6.°, como a Comissão salienta, tal não prova que deixem por isso de conceber os seus produtos para a versão do Windows que inclui o Windows Media Player. Com efeito, nenhuma das partes que intervém em apoio da posição da Microsoft sustentou que, em consequência da Decisão, podia ser levada a conceber os seus produtos para outro sistema operativo. Não ficou demonstrado, portanto, que a redução do interesse pelo Windows, pelo menos relativamente a estas intervenientes, pudesse, na prática, ser significativa para a Microsoft.

419   Por fim, a Microsoft nunca demonstrou de modo concreto que a incerteza relativa à uniformidade da plataforma Windows causaria uma redução de interesse dos seus consumidores finais ou dos seus clientes.

420   Em terceiro lugar, há que examinar as consequências que decorrem para a Microsoft da possibilidade de a versão imposta pelo artigo 6.° ser comprada em quantidades significativas.

421   Cabe observar a este respeito, a título preliminar, que a medida correctiva visada no artigo 4.° e no artigo 6.°, alínea a), da Decisão visa pôr cobro à infracção verificada pela Comissão e não prejudica as futuras evoluções do mercado. Como a Comissão observou na audiência, a medida correctiva não exclui a possibilidade de o Windows Media Player, tendo em conta os seus próprios méritos e através do jogo da concorrência que, segundo a Comissão, seria restaurado, continuar, na prática, a ser sempre comprado com o sistema operativo da Microsoft.

422   Além disso, a Microsoft expressa, por seu lado, sérias dúvidas quanto à probabilidade de a versão imposta pelo artigo 6.° ser vendida em quantidades significativas.

423   Resulta, a este respeito, dos considerandos 69 e 70 da Decisão que os sistemas operativos para computadores pessoais são comercializados essencialmente em dois circuitos de distribuição, ou seja, por um lado, a distribuição aos consumidores finais e, por outro, a distribuição aos fabricantes de equipamentos, que montam os computadores pessoais e, em geral, neles instalam um sistema operativo.

424   Ora, nas observações que apresentou sobre as alegações de intervenção, a Microsoft referiu que, no que respeita à distribuição aos utilizadores finais, «[é] difícil vislumbrar que vantagens poderá um cliente deste canal retirar da obtenção de uma versão [imposta pelo artigo 6.°] em vez de uma versão completa do Windows, uma vez que as duas são oferecidas ao mesmo preço». Nas mesmas observações, a Microsoft precisa que «é […] difícil imaginar como poderia um utilizador final com bom senso optar por tal versão».

425   Por outro lado, no que respeita aos fabricantes de equipamentos, a Microsoft observa que «é perfeitamente admissível que um editor de leitores multimédia terceiros tente encorajar um fabricante de equipamentos, mediante compensação financeira, a obter uma licença para a versão [imposta pelo artigo 6.°] e associá‑la, de modo exclusivo, ao seu leitor multimédia». Todavia, a Microsoft critica seguidamente a Comissão por não ter analisado em que medida os fabricantes de equipamentos estariam dispostos a celebrar tais acordos. Acrescenta que «[o] facto de os fabricantes de equipamentos instalarem actualmente vários leitores multimédia e de nenhum editor de leitores multimédia parecer ter remunerado os fabricantes de equipamentos para retirarem qualquer acesso visível ao Windows Media Player […] sugere que os editores de leitores multimédia não estão suficientemente interessados na celebração de acordos exclusivos pagos com o objectivo de persuadirem os fabricantes de equipamentos a escolher a versão [imposta pelo artigo 6.°]». Além disso, na audiência, apesar de ter continuado a considerar a possibilidade de alguns dos seus concorrentes celebrarem acordos de exclusividade com os fabricantes de equipamentos, a Microsoft reiterou as suas dúvidas quanto ao carácter potencialmente significativo das vendas da versão imposta pelo artigo 6.°

426   Há que observar, portanto, que a Microsoft duvida seriamente da possibilidade de a versão imposta pelo artigo 6.° ser vendida em quantidades significativas.

427   Ora, segundo jurisprudência constante, é à parte que solicita a medida provisória que incumbe provar que não poderá esperar o desfecho do processo principal sem ter de suportar um prejuízo grave irreparável (v. jurisprudência referida no n.° 240 supra). Neste contexto, basta, especialmente quando a realização do prejuízo depende da superveniência de um conjunto de factores, que seja previsível com um grau de probabilidade suficiente (despacho Alemanha/Conselho, já referido no n.° 241 supra, n.os 22 e 34, e despacho HFB e o./Comissão, já referido no n.° 241 supra, n.° 67). A requerente continua obrigada a provar os factos que se reputam fundarem a perspectiva de um prejuízo grave e irreparável (despacho HFB e o./Comissão, já referido no n.° 241 supra, n.° 67).

428   No caso em apreço, na falta de apresentação, por parte da Microsoft, de elementos de prova suficientes para proceder em sentido contrário, não compete ao juiz das medidas provisórias antecipar o juízo sobre o efeito que a medida correctiva imposta pelo artigo 6.°, alínea a), da Decisão terá no mercado. Há que declarar, portanto, que, tal como a própria Microsoft parece admitir, a possibilidade de as vendas da versão imposta pelo artigo 6.° atingirem níveis significativos é, nesta fase e à luz dos elementos de prova de que dispõe o juiz das medidas provisórias, amplamente hipotética.

429   Não pode, portanto, considerar‑se provada a premissa em que assenta, nesta hipótese, o prejuízo alegado pela Microsoft.

430   De qualquer modo, mesmo admitindo que a Microsoft provou suficientemente a probabilidade de a versão imposta pelo artigo 6.° ser vendida em quantidades significativas, há que observar que, como a Comissão sustenta, a Microsoft não invoca no caso em apreço uma evolução irreversível do mercado em consequência dessas vendas. A Microsoft tem, com efeito, em caso de anulação da Decisão, a possibilidade de retomar a comercialização de uma única versão do Windows com o Windows Media Player e de aplicar portanto de novo, e de modo exclusivo, o que considera ser a «concepção arquitectónica básica» do sistema operativo Windows. Não ficou demonstrada a existência de obstáculos susceptíveis de impedir a Microsoft de retomar a posição que ocupava no mercado antes da execução da medida correctiva.

431   Apesar destes elementos, a Microsoft sustenta que sofreria um prejuízo grave e irreparável por duas razões distintas.

432   Em primeiro lugar, segundo a Microsoft, «as vantagens que resultam da uniformidade da plataforma Windows seriam irreversivelmente perdidas». A Microsoft acrescenta que o prejuízo causado não seria reparado pela anulação da Decisão, uma vez que, por um lado, «os engenheiros da Microsoft teriam que partir do princípio de que pelo menos algumas cópias do Windows distribuídas no EEE não teriam funcionalidades multimédia», o que os obrigaria a «ter em conta a existência de duas versões durante muitos anos».

433   Todavia, a Microsoft não especifica suficientemente de que modo a obrigação que recairia sobre os seus engenheiros afectaria ou impossibilitaria a retoma da sua «concepção arquitectónica básica» depois da eventual anulação da Decisão. A Microsoft não explica, assim, antes de mais, de que modo seria impedida, depois da eventual anulação da Decisão, de distribuir novamente a título exclusivo a versão do Windows com o Windows Media Player.

434   A Microsoft parece, seguidamente, considerar que o prejuízo que invoca não seria ilimitado no tempo, uma vez que, segundo afirma, se verificaria «durante muitos anos».

435   Além disso, a Microsoft não fornece elementos de prova que permitam avaliar suficientemente a gravidade do prejuízo decorrente dos esforços adicionais que os seus criadores teriam que desenvolver para ter em conta a existência de duas versões. Na falta de precisões a este respeito, tudo leva a crer, aliás, que esses esforços se traduziriam em custos suplementares e, por conseguinte, num prejuízo financeiro, que, salvo circunstâncias excepcionais que não se verificam no caso em apreço, não constitui um prejuízo irreparável (despachos Abertal e o./Comissão, já referido no n.° 413 supra, n.° 24, e Poste Italiane/Comissão, já referido no n.° 413 supra, n.° 119).

436   Por fim, a Microsoft também não demonstra de que modo lhe seria impossível, ou pelo menos, grave e irreparavelmente prejudicial, na hipótese de o artigo 4.° e o artigo 6.°, alínea a), da Decisão serem anulados, deixar de ter em conta a existência de cópias da versão imposta pelo artigo 6.° já comercializadas.

437   O primeiro tipo de prejuízo invocado pela Microsoft não pode, portanto, servir de base à perspectiva de um dano grave e irreparável.

438   Em segundo lugar, a Microsoft sustenta que «os terceiros que dependem da estabilidade e da coerência da plataforma Windows» teriam também que ter em conta a existência de duas versões durante vários anos, «o que aumentaria os seus custos e reduziria continuadamente o interesse pelo Windows».

439   A este respeito, cabe reiterar, neste contexto, as observações feitas nos n.os 421 a 428 supra. Não ficou demonstrado que exista na prática um risco suficientemente importante, mesmo na hipótese de a versão imposta pelo artigo 6.° ser vendida em quantidades significativas, de os operadores que concebem actualmente os seus produtos para o Windows deixarem de o fazer, ou de os consumidores, clientes e outros operadores que a Microsoft considera dependerem da estabilidade do Windows poderem reduzir as suas compras ou a sua utilização deste produto.

440   Por fim, no que respeita aos dois tipos de prejuízo invocados pela Microsoft, além da constatação já feita no n.° 430 supra, o juiz das medidas provisórias considera, de qualquer modo, que a Comissão apresentou elementos convincentes que permitem demonstrar que, depois da eventual anulação da Decisão, a Microsoft teria a possibilidade de utilizar certos mecanismos, nomeadamente a actualização do seu sistema operativo, para distribuir o Windows Media Player e, por conseguinte, restabelecer, pelo menos em grande parte, a ligação do Windows Media Player com o seu sistema operativo. A Microsoft e as partes que intervêm em apoio da sua posição não contrariaram estas afirmações de modo suficientemente detalhado para que se possa afastar a forte probabilidade de a Microsoft poder difundir o Windows Media Player em proporções perfeitamente suficientes para evitar o prejuízo grave que invoca.

441   Há que concluir, portanto, que a Microsoft não demonstrou que a execução do artigo 6.°, alínea a), da Decisão lhe causaria um prejuízo grave e irreversível em consequência da lesão da sua «concepção arquitectónica básica» ou, mais genericamente, em resultado de uma violação da sua liberdade comercial.

 b)     Quanto à alegada lesão da reputação da Microsoft

442   A Microsoft sustenta que a execução do artigo 6.°, alínea a), da decisão lesará a sua reputação de «criador de produtos de software de qualidade», essencialmente devido a disfunções que, segundo a Microsoft, afectarão a versão imposta pelo artigo 6.°

443   No caso em apreço, o prejuízo alegado pela Microsoft assenta, em grande parte, na premissa segundo a qual a versão do Windows imposta pelo artigo 6.° afectará o funcionamento, por um lado, de aplicações e de sítios Internet que recorrem a certas funcionalidades do Windows Media Player e, por outro, de certos elementos do próprio sistema operativo Windows.

444   Há assim, em primeiro lugar, que avaliar em que medida os problemas invocados pela Microsoft existem e, caso existam, se não podem ser facilmente evitados.

445   A este respeito, cabe observar, antes de mais, que, em resposta às perguntas colocadas pelo juiz das medidas provisórias, a Comissão referiu que, na sua opinião, um produto que apresente as características referidas pela Microsoft – ou seja, um produto que não permita ao sistema operativo recorrer às funcionalidades descritas pela Microsoft como deficientes – constitui uma versão «completamente operacional» do Windows, na acepção do artigo 6.°, alínea a), da Decisão, desde que tais funcionalidades sejam as que são normalmente oferecidas pelo Windows Media Player.

446   Seguidamente, há que examinar separadamente, por um lado, os problemas que, segundo a Microsoft, afectam o funcionamento do sistema operativo Windows e, por outro, os que, segundo a Microsoft, afectam o funcionamento de certas aplicações e de certos sítios Internet.

447   No que respeita, por um lado, aos problemas que, segundo a Microsoft, afectam o funcionamento do sistema operativo Windows, a RealNetworks concebeu e produziu uma série de testes com o objectivo de demonstrar que tais problemas podem ser resolvidos através da instalação de um leitor multimédia de uma empresa terceira. A Microsoft não contesta que assim seja quanto a uma parte dos problemas invocados, mas sustenta, todavia, que continuaria a haver problemas não resolvidos e que a medida em que poderiam ser resolvidos dependeria do leitor multimédia instalado.

448   À luz dos elementos apresentados pelas partes, o juiz das medidas provisórias considera que não ficou provado que os leitores multimédia de empresas terceiras poderiam assegurar, em todas as circunstâncias, a completa substituição das funcionalidades identificadas pela Microsoft. A substituição destas depende estreitamente, com efeito, das possibilidades técnicas do leitor multimédia instalado. Em contrapartida, a instalação desse leitor multimédia poderia permitir a substituição em grande medida dessas várias funcionalidades.

449   No que respeita, por outro lado, aos problemas relativos à utilização de certas aplicações e de certos sítios Internet, à luz dos elementos de prova apresentados pelas intervenientes em apoio da posição da Comissão, cabe também observar que as funcionalidades em questão podem em grande medida ser substituídas com a instalação de leitores multimédia de empresas terceiras. Além disso, haveria um grande incentivo, mesmo que houvesse custos a suportar, para os criadores de sítios Internet e de aplicações que assentam actualmente no Windows Media Player para encorajarem os utilizadores a descarregar este software ou para o difundirem eles próprios, através das licenças normalmente concedidas para o efeito pela Microsoft.

450   Ora, os elementos referidos nos três números anteriores reduzem sensivelmente a probabilidade de os problemas invocados pela Microsoft poderem vir a ser verificados pelos consumidores finais.

451   Nas suas observações sobre as alegações de intervenção e na audiência, a Microsoft sustentou, é certo, que os problemas alegados só puderam ser resolvidos, nos testes realizados pela RealNetworks, à custa da instalação de certos códigos do Windows Media Player. Este aspecto não foi formalmente contestado pela Comissão nem pela RealNetworks no que toca a problemas que respeitam ao funcionamento de certas aplicações e de certos sítios Internet. A RealNetworks precisou, todavia, que a instalação destes códigos tinha sido feita pelas próprias aplicações ou, no que respeita aos sítios Internet, através de um mecanismo de descarregamento disponível nesses sítios. As partes concordam, portanto, parcialmente quanto à argumentação da Microsoft. Porém, esta continua, de qualquer modo, a ser irrelevante para a apreciação da urgência em ordenar a requerida suspensão da execução. Com efeito, não interessa para o caso em apreço que alguns dos problemas alegados pela Microsoft só possam ser sanados à custa da instalação, pela própria aplicação em questão ou através do próprio sítio Internet, de certos códigos do Windows Media Player, ou mesmo, eventualmente, da totalidade dos códigos do Windows Media Player, se tal instalação puder resolver efectivamente uma parte suficiente dos problemas alegados pela Microsoft.

452   A argumentação da Microsoft, segundo a qual a reinstalação diferenciada de certos códigos do Windows Media Player causaria problemas de segurança ou de estabilidade da versão imposta pelo artigo 6.°, também não é pertinente. Com efeito, a Microsoft não apresentou provas que permitam demonstrar que a eventual instalação dos antigos códigos do Windows Media Player poderia causar uma instabilidade do sistema operativo Windows ou que poderiam verificar‑se outros problemas do mesmo tipo. Por fim, na medida em que a Microsoft considera que a inserção de códigos distintos nas diversas cópias das versões impostas pelo artigo 6.° coloca em questão a uniformidade da sua plataforma, nada acrescenta à argumentação relativa à lesão da sua «concepção arquitectónica básica», que já foi rejeitada (v. n.os 406 a 441 supra).

453   Não ficou provado, portanto, que os problemas invocados pela Microsoft não podem ser evitados, pelo menos em grande medida.

454   Em segundo lugar, e de qualquer modo, na medida em que se mantenham alguns dos problemas alegados pela Microsoft, há que referir que ela não apresentou, perante o juiz das medidas provisórias, elementos de prova que permitam demonstrar suficientemente que os consumidores finais ou, de um modo mais geral, os seus cliente, associariam a falta ou o mau funcionamento eventuais destas funcionalidades a um disfunção não prevista de um produto da Microsoft e não às consequências normais da falta de um leitor multimédia, mais especificamente do Windows Media Player. Com efeito, mesmo admitindo que todos os problemas mencionados pela Microsoft existem e não podem ser evitados, a Microsoft não provou que lhe seria impossível, ou que estaria proibida pela Decisão, de avisar os seus clientes das características objectivas da versão imposta pelo artigo 6.° e de os levar, deste modo a fazer escolhas com perfeito conhecimento de causa.

455   Na verdade a Microsoft sustentou, a este respeito, que lhe seria impossível efectuar os testes que lhe permitissem identificar todos os defeitos da versão imposta pelo artigo 6.°, nomeadamente todas as aplicações que não funcionariam nesta versão. Porém, a Microsoft não apresentou nenhum elemento de prova que permita avaliar a impossibilidade de realizar estes testes quanto a todos os problemas causados, segundo a Microsoft, ao seu sistema operativo. Seguidamente, no que toca aos testes necessários para avaliar o bom funcionamento de certas aplicações e de certos sítios Internet, a Microsoft não demonstrou de que modo o simples facto de os clientes saberem que o Windows Media Player não consta da versão imposta pelo artigo 6.° não é suficiente para os informar da possibilidade de certas aplicações e de certos sítios Internet baseados nas funcionalidades do Windows Media Player não funcionarem de modo adequado.

456   De uma maneira mais geral, cabe sublinhar que a Comissão indicou expressamente que, na sua opinião, a Microsoft tem o direito de informar os seus clientes da falta do Windows Media Player na versão imposta pelo artigo 6.° Ora, a Microsoft não demonstrou que este simples conhecimento fosse insuficiente para permitir aos seus clientes compreender as eventuais consequências da sua escolha quanto à disponibilidade de certas funcionalidades multimédia.

457   Com efeito, no que respeita à distribuição directa dos seus produtos aos consumidores finais, embora a Microsoft sustente que poucos deles compreendem a maneira pela qual as aplicações Windows recorrem às funcionalidades multimédia, não apresenta, todavia, nenhum elemento de prova que permita corroborar as suas alegações e apreciar a verdadeira extensão da ignorância dos consumidores.

458   Além disso, no que respeita à distribuição aos fabricantes de equipamentos, tudo leva a crer que são compradores particularmente avisados e que podem, portanto, fazer escolhas de modo esclarecido. Consequentemente, se a versão imposta pelo artigo 6.° apresentar os problemas irremediáveis invocados pela Microsoft, tudo leva a crer, na falta de prova em contrário, que ou não será simplesmente comprada por esses fabricantes de equipamentos, ou que estes a comprarão com perfeito conhecimento de causa e, portanto, sem prejuízo para a Microsoft.

459   Nestas condições, não ficou provado que o facto de um cliente da Microsoft, seja ele qual for, escolher a versão imposta pelo artigo 6.° e ser confrontado com os problemas invocados pela Microsoft seja susceptível de alterar a reputação desta empresa.

460   Em terceiro lugar, mesmo admitindo que tenha ficado suficientemente provado, por um lado, que todos os problemas alegados pela Microsoft não podem ser evitados e, por outro, que os clientes e os consumidores não podem fazer uma escolha esclarecida, a Microsoft não avançou elementos de prova que permitam avaliar a gravidade real desses defeitos e, em especial, em que medida poderiam, concretamente, produzir efeitos sobre a sua reputação junto dos diferentes operadores do sector.

461   A Microsoft não apresenta, com efeito, elementos de prova que permitam demonstrar que os defeitos por ela identificados são susceptíveis de afectar substancialmente a percepção dos consumidores finais e dos fabricantes de equipamentos. Em especial, a Microsoft não apresenta nenhum elemento de prova relativo ao modo pelo qual estes operadores apreendem as funcionalidades que descreve no seu requerimento como sendo deficientes. A Microsoft mencionou por várias vezes, a este respeito, o exemplo do repertório «My Music», que oferece uma visualização pormenorizada dos ficheiros gravados no disco duro de um computador pessoal e, especialmente, de certos conteúdos multimédia digitais. Segundo a Microsoft, a versão imposta pelo artigo 6.° não permite tal visualização pormenorizada, com ou sem leitor multimédia concorrente. Porém, a Microsoft não apresentou nenhum elemento de prova que permita ao juiz das medidas provisórias avaliar a possibilidade de este problema ser sentido de modo suficientemente corrente pelos consumidores finais. A Microsoft também não demonstra que este problema, admitindo que seja correntemente sentido, seria susceptível de afectar a sua reputação de modo significativo. Assim, na falta de provas suficientes quanto à importância efectiva das funcionalidades em questão para os consumidores finais e quanto às suas expectativas, o juiz das medidas provisórias não pode avaliar as consequências reais dos problemas invocados pela Microsoft relativos à sua reputação.

462   Por outro lado, a Microsoft também não provou que a execução do artigo 4.° e do artigo 6.°, alínea a), da Decisão teria efeitos significativos sobre a sua reputação junto dos outros operadores económicos que não os seus clientes, nomeadamente sobre a sua reputação junto dos criadores de sítios Internet e dos fabricantes de aplicações. É significativo, aliás, observar a este respeito que nenhuma das intervenientes que apoiam a Microsoft tenha indicado que a sua própria percepção desta empresa podia ser alterada ou que podia deixar de conceber os seus produtos com vista à sua utilização com os da Microsoft.

463   Em quarto lugar, não se afigura que o Windows Media Player não esteja facilmente disponível e não possa ser facilmente instalado na versão imposta pelo artigo 6.° Por conseguinte, mesmo admitindo que alguns consumidores ou clientes não façam uma escolha esclarecida e que daí resulte um certo descontentamento da sua parte, a Microsoft não demonstrou de que modo não se podia resolver esse problema facilmente informando‑os da possibilidade que têm de obter posteriormente o Windows Media Player.

464   Em quinto lugar, sempre admitindo que os defeitos alegados sejam suficientemente provados e irremediáveis, a gravidade da lesão da reputação da Microsoft depende em grande medida da difusão efectiva da versão imposta pelo artigo 6.° Ora, cabe reiterar, neste contexto, as constatações já efectuadas (v. n.os 421 a 428 supra) segundo as quais, por um lado, na falta de elementos de prova suficientes, não compete ao juiz das medidas provisórias antecipar o juízo sobre o efeito que a medida correctiva terá sobre o mercado e, por outro, a própria Microsoft expressa dúvidas quanto à importância das vendas da versão imposta pelo artigo 6.° e não alega um risco de evolução irreversível no mercado.

465   Em sexto lugar, mesmo admitindo que apesar de tudo o que precede, a Microsoft tenha provado juridicamente um risco de lesão grave da sua reputação, não demonstrou, todavia, que existem obstáculos de natureza estrutural ou jurídica que a impedem de implementar as medidas de publicidade que lhe permitiriam restabelecer a sua reputação.

466   A Microsoft não conseguiu, portanto, demonstrar que a execução do artigo 4.° e do artigo 6.°, alínea a), da Decisão é susceptível de causar um prejuízo grave e irreparável à sua reputação.

467   A Microsoft invoca, todavia, a existência de um prejuízo à sua reputação sob duas perspectivas adicionais e mais específicas, concretamente, por um lado, a violação das suas marcas e, por outro, a violação dos seus direitos de autor.

 1) Quanto à alegada violação das marcas da Microsoft

468   No que respeita, em primeiro lugar, à violação das marcas da Microsoft, na medida em que seja considerada causa de uma lesão da sua reputação, ou resultar dessa lesão, nomeadamente em razão da má qualidade da versão imposta pelo artigo 6.°, esta argumentação deve ser rejeitada pelos fundamentos já expostos nos n.os 454 a 459 supra. Com efeito, a Microsoft não demonstrou, nomeadamente, que os defeitos alegados, admitindo que existem, afectariam de modo negativo e significativo a percepção dos consumidores finais. Há portanto, que rejeitar a argumentação desenvolvida no «Parecer sobre o direito das marcas» (anexo R.6) anexo ao requerimento da Microsoft.

469   Além disso, na medida em que a argumentação da Microsoft significa que a sua marca Windows deixa de assegurar a presença da sua «concepção básica», o juiz das medidas provisórias recorda que a função essencial da marca é garantir ao consumidor ou ao utilizador final a identidade de origem do produto ou do serviço designado pela marca, permitindo‑lhe distinguir, sem confusão possível, aquele produto ou serviço de outros que tenham proveniência diversa. Para que a marca possa desempenhar o seu papel de elemento essencial do sistema de concorrência não falseado que o Tratado CE pretende criar, deve constituir a garantia de que todos os produtos ou serviços que a ostentam foram fabricados sob o controlo de uma empresa única à qual possa ser atribuída a responsabilidade pela qualidade daqueles (v., nomeadamente, o acórdão do Tribunal de Justiça de 29 de Abril de 2004, Björnekulla Fruktindustrier, C‑371/02, ainda não publicado na Colectânea, n.° 20). Na medida em que a marca permite garantir a presença de certas características objectivas de um produto, tal como a Microsoft parece sustentar, o juiz das medidas provisórias não dispõe, de qualquer modo, de elementos de prova que permitam apreciar com suficiente precisão, para além da percepção que a Microsoft tem da sua «concepção básica» e da sua marca, o modo pelo qual esta é efectivamente entendida pelos clientes no mercado em questão. É esse o caso, em especial, dos elementos que permitem apreciar, na perspectiva desse clientes, as características objectivas que lhe podem estar associadas, bem como, eventualmente, a real gravidade de uma variação dessas características.

470   De qualquer modo, uma vez que, por um lado, em caso de anulação do artigo 6.°, alínea a), da Decisão, a Microsoft terá a possibilidade de comercializar, novamente e exclusivamente, a versão do Windows com o Windows Media Player e que, por outro, a Microsoft não demonstrou que lhe é impossível implementar, eventualmente, as medidas de publicidade adequadas, a Microsoft não demonstrou que o alegado prejuízo à sua marca, admitindo que tenha sido provado e seja grave, seria irreparável.

 2) Quanto à alegada violação dos direitos de autor da Microsoft

471   No que respeita, finalmente, à alegada violação dos direitos de autor da Microsoft, há que salientar a título preliminar a Microsoft não indicou de que modo uma violação desses direitos poderia apresentar um nexo com a alegada lesão da sua reputação.

472   Além disso, a argumentação da Microsoft quanto a este aspecto é muito breve e particularmente vaga. Neste contexto, a Microsoft não invoca uma regulamentação precisa segundo a qual o facto de proceder ela própria a uma adaptação da sua obra – ainda que forçada – constitui uma violação dos seus direitos de autor.

473   Além disso, o mero facto de uma Decisão da Comissão poder afectar, em certa medida, direitos de propriedade intelectual é, não havendo explicações complementares, insuficiente para concluir pela existência de uma prejuízo grave e irreparável, pelo menos independentemente dos efeitos concretos dessa violação. Ora, no caso em apreço, os únicos efeitos concretos alegados pela Microsoft são os que foram anteriormente descritos e rejeitados por insuficientes para constituírem um prejuízo grave e irreparável (n.os 411 a 466 supra).

474   Por fim, na medida em que a Microsoft considera que a circulação de cópias da versão imposta pelo artigo 6.°, ou seja, de uma adaptação forçada das suas obras, lhe causaria um prejuízo moral, tal prejuízo não seria, na falta de provas em contrário, grave nem irreparável, tanto mais que, como já foi referido (n.os 422 a 429 supra), não ficou demonstrado que a versão imposta pelo artigo 6.° pode ser difundida em quantidades significativas ou que a distribuição posterior do Windows Media Player não pode sanar em grande medida a difusão da versão imposta pelo artigo 6.°

475   A Microsoft não demonstrou, portanto, que a execução do artigo 6.°, alínea a), da Decisão, pode causar‑lhe um prejuízo grave e irreparável, resultante de uma lesão da sua reputação.

476   Consequentemente, a Microsoft não demonstrou que a execução do artigo 6.°, alínea a), da Decisão gerava o risco de lhe causar um prejuízo grave e irreparável. Por conseguinte, e sem que seja necessário proceder à ponderação dos interesses em causa, o pedido de suspensão da execução do artigo 6.°, alínea a), da Decisão deve ser indeferido.

477   Quanto ao pedido de suspensão da execução do artigo 4.° da Decisão (n.° 27 supra), não merece acolhimento. Em primeiro lugar, cabe observar que este artigo, no seu primeiro parágrafo, remete para os artigos 5.° e 6.° da Decisão. A falta de urgência em ordenar a suspensão da execução dos artigos 5.° e 6.° leva, portanto, necessariamente, ao indeferimento do pedido de suspensão da execução desta disposição remissiva. Em segundo lugar, na medida em que o requerimento de medidas provisórias visa obter a suspensão do artigo 4.°, segundo parágrafo, da Decisão, basta observar que a Microsoft não desenvolveu argumentação suficiente em apoio desse pedido e que, de qualquer modo, os efeitos da proibição prevista nesse parágrafo são, nesta fase, meramente hipotéticos.

478   Há, portanto, que indeferir o pedido na totalidade.

Pelos fundamentos expostos,

O PRESIDENTE DO TRIBUNAL DE PRIMEIRA INSTÂNCIA

decide:

1)      É deferido, na fase no processo de medidas provisórias, o pedido de tratamento confidencial apresentado pela Microsoft Corp.

2)      A Audiobanner.com, sob a denominação comercial VideoBanner, é admitida a intervir em apoio da posição da Comissão no processo de medidas provisórias.

3)      A Computer & Communications Industry Association é eliminada do processo como interveniente em apoio da posição da Comissão no processo de medidas provisórias.

4)      A Novell Inc. é eliminada do processo como interveniente em apoio da posição da Comissão no processo de medidas provisórias.

5)      É indeferido o pedido de medidas provisórias.

6)      Reserva‑se para final a decisão quanto às despesas.

Proferido no Luxemburgo, em 22 de Dezembro de 2004.

O secretário

 

      O presidente

H. Jung

 

      B. Vesterdorf

Antecedentes do litígio

A Decisão

I –  Mercados relevantes identificados na Decisão e posição dominante da Microsoft em dois destes mercados

Mercados relevantes identificados na Decisão

Posição dominante da Microsoft no mercado dos sistemas operativos para computadores pessoais e no mercado dos sistemas operativos para servidores de grupo de trabalho

II –  Comportamentos abusivos identificados na Decisão

Recusa identificada na Decisão

Venda ligada identificada na Decisão

III –  Medidas correctivas e coima aplicada à Microsoft

Processo por violação do direito antitrust americano

Tramitação processual

Questão de direito

I –  Quanto ao pedido de tratamento confidencial

II –  Quanto ao pedido de intervenção da VideoBanner

III –  Quanto aos efeitos da desistência de algumas intervenientes

IV –  Quanto ao cumprimento dos requisitos formais relativos às peças processuais

Quanto à remissão para o recurso no processo principal

Quanto à apresentação de documentos na pendência da instância

Quanto à falta de provas

Quanto ao desrespeito de determinados requisitos formais

V –  Quanto ao mérito

Quanto à questão das informações relativas à interoperabilidade

A – Argumentos das partes

1.     Argumentos da Microsoft e das partes admitidas a intervir em apoio da sua posição

a)     Quanto ao fumus boni juris

b)     Quanto à urgência

1)     Violação dos direitos de propriedade intelectual

i)     Informações de grande valor

ii)   Informações protegidas por direitos de propriedade intelectual

Protecção pelos direitos de autor

Protecção pela patente

Protecção pelo segredo comercial

Quanto à necessidade das informações

Quanto aos danos substanciais e irreparáveis

2)     Entrave à liberdade comercial da Microsoft

i)     Quanto à liberdade de transmitir as informações

ii)   Quanto à liberdade de desenvolver os seus produtos

iii) Quanto à necessidade de «endurecer» os protocolos

3)     Modificação irreversível das condições de mercado

c)     Quanto à ponderação dos interesses

2.     Argumentos da Comissão e das partes admitidas a intervir em apoio da sua posição

a)     Observações preliminares

1)     Quanto aos direitos de autor

2)     Quanto às patentes

3)     Quanto ao segredo comercial

b)     Quanto ao fumus boni juris

c)     Quanto à urgência

d)     Quanto à ponderação dos interesses

B – Apreciação do juiz das medidas provisórias

1.     Quanto ao fumus boni juris

2.     Quanto à urgência

a)     Observações preliminares

b)     Quanto ao prejuízo grave e irreparável causado pela obrigação de divulgar as especificações dos protocolos servidor‑servidor

1)     Quanto à alegada violação dos direitos de propriedade intelectual

i)     Quanto à divulgação das informações relativas à interoperabilidade

ii)   Quanto à utilização das informações relativas à interoperabilidade

Quanto à alegada diluição das informações

Quanto à alegada manutenção dos produtos nos canais de distribuição

Quanto à alegada «clonagem» dos produtos

2)     Quanto à alegada violação da liberdade comercial

i)     Quanto à alegada alteração fundamental da política comercial

ii)   Quanto à alegada dificuldade em melhorar os protocolos

iii) Quanto à alegada necessidade de «endurecer» os protocolos

3)     Quanto à alegada evolução irreversível das condições do mercado

c)     Quanto ao prejuízo grave e irreparável causado pela obrigação de divulgar as especificações dos protocolos cliente‑servidor

Quanto à questão das vendas ligadas

A – Argumentos das partes

1.     Argumentos da Microsoft e das partes admitidas a intervir em apoio da sua posição

a)     Quanto ao fumus boni juris

b)     Quanto à urgência

1)     Quanto ao prejuízo resultante, segundo a Microsoft, do abandono da concepção arquitectónica fundamental que está na base do seu sistema operativo Windows

2)     Quanto ao prejuízo causado à reputação da Microsoft

c)     Quanto à ponderação dos interesses

1)     Quanto à não necessidade de uma execução imediata do artigo 6.°, alínea a), da Decisão

2)     Quanto aos prejuízos resultantes da execução imediata do artigo 6.°, alínea a), da Decisão

3)     Quanto às obrigações da Comunidade por força do ADPIC

2.     Argumentos da Comissão e das partes admitidas a intervir em apoio da sua posição

a)     Quanto ao fumus boni juris

b)     Quanto à urgência

c)     Quanto à ponderação dos interesses

B – Apreciação do juiz das medidas provisórias

1.     Quanto ao fumus boni juris

2.     Quanto à urgência

a)     Quanto à alegada lesão da «concepção arquitectónica básica» do sistema operativo Windows

b)     Quanto à alegada lesão da reputação da Microsoft

1)     Quanto à alegada violação das marcas da Microsoft

2)     Quanto à alegada violação dos direitos de autor da Microsoft


* Língua do processo: inglês.