Language of document : ECLI:EU:T:2019:526

ACÓRDÃO DO TRIBUNAL GERAL (Primeira Secção)

12 de julho de 2019 (*)

«Auxílios de Estado — Regime de auxílios ilegalmente executado pela França entre 1994 e 2008 — Subvenções ao investimento concedidas pelo STIF‑IDF — Decisão que declara o regime de auxílios compatível com o mercado interno — Vantagem — Compensação dos custos inerentes ao cumprimento das obrigações de serviço público — Artigo 107.o, n.o 1, TFUE — Dever de fundamentação»

No processo T‑738/17,

Syndicat Transport Île de France (STIFIDF), com sede em Paris (França), representado por B. Le Bret e C. Rydzynski, advogados,

recorrente,

contra

Comissão Europeia, representada por L. Armati, C. Georgieva‑Kecsmar e T. Maxian Rusche, na qualidade de agentes,

recorrida,

que tem por objeto um pedido baseado no artigo 263.o TFUE destinado a obter a anulação parcial da Decisão (UE) 2017/1470 da Comissão, de 2 de fevereiro de 2017, relativa aos regimes de auxílios SA.26763 2014/C (ex 2012/NN) concedidos pela França a favor das empresas de autocarros na região Île‑de‑France (JO 2017, L 209, p. 24),

O TRIBUNAL GERAL (Primeira Secção),

composto por I. Pelikánová, presidente, V. Valančius e U. Öberg (relator), juízes,

secretário: E. Coulon,

profere o presente

Acórdão

 Antecedentes do litígio

1        O recorrente, o Syndicat Transport Île de France (STIF‑IDF), é um estabelecimento público de caráter administrativo criado pela ordonnance n.o 59‑151, relative à l’organisation des transports de voyageurs dans la région parisienne (Despacho n.o 59‑151, relativo à organização dos transportes de passageiros na região parisiense) de 7 de janeiro (JORF de 10 de janeiro de 1959, p. 696), na sua versão modificada.

2        Na qualidade de autoridade organizadora dos serviços de transporte público regular de passageiros no território da região Île‑de‑France (França), o recorrente coordena e financia os serviços de transporte público assegurados pela Régie autonome des transports parisiens (Administração Autónoma dos Transportes Parisienses, RATP), pela Société nationale des chemins de fer français (Sociedade Nacional dos Caminhos de Ferro Franceses, SNCF) e pelas empresas privadas que fazem parte da rede da Organisation professionnelle des transports d’Île‑de‑France (Organização Profissional dos Transportes de Île‑de‑France, Optile).

3        Por deliberação n.o 2006/1161, de 13 de dezembro de 2006, o recorrente celebrou dois tipos de contratos sucessivos, destinados a definir uma nova organização contratual para todas as linhas de transporte coletivo regular no território da região Île‑de‑France. Os contratos de tipo 1 eram celebrados para um período máximo de quatro anos, compreendido entre 2007 e 2010 ou 2011, e os contratos de tipo 2 (a seguir «CT2»), para o período remanescente, até 31 de dezembro de 2016.

4        Os CT 2 eram objeto de negociação bilateral entre o recorrente e as empresas privadas que exerciam atividades de transporte público regular no território da região Île‑de‑France (a seguir «beneficiários finais»). Podiam ser celebrados vários CT 2 entre o recorrente e uma mesma empresa. Cada CT 2 previa, no seu artigo 53.o, n.o 3, o pagamento, pelo recorrente, de uma contribuição financeira à empresa signatária, a título de compensação pelo cumprimento das obrigações de serviço público às quais esta estava sujeita por força do artigo 5.o, n.o 2, do CT 2.

5        A parte C2 das contribuições financeiras pagas pelo recorrente aos beneficiários finais ao abrigo dos CT 2 destinava‑se a cobrir todos os encargos de investimento suportados por estes na execução de um plano de investimento previamente aprovado pelo recorrente.

6        Em 17 de outubro de 2008, foi apresentada à Comissão Europeia uma denúncia relativa aos regimes de auxílios de Estado considerados ilegais, constituídos por medidas de apoio a favor de determinadas empresas de autocarros, executadas entre 1994 e 2008 pela região de Île‑de‑France no seu território e, posteriormente, a partir de 2008, pelo recorrente nesse mesmo território, nomeadamente sob a forma das contribuições C2 concedidas no quadro dos CT2.

7        Por ofício de 11 de março de 2014, a Comissão notificou a República Francesa da sua decisão de dar início ao procedimento formal de investigação previsto no artigo 108.o, n.o 2, TFUE. Através da publicação dessa decisão no Jornal Oficial da União Europeia (JO 2014, C 141, p. 38), a Comissão convidou as partes interessadas a apresentar as respetivas observações acerca das medidas em causa.

8        Em 30 de abril de 2014, a República Francesa apresentou as suas observações à Comissão. Todas as observações apresentadas pelas partes interessadas, entre as quais o recorrente, foram comunicadas à República Francesa, que não formulou qualquer comentário.

9        Em 21 de junho de 2016, a Comissão recebeu uma nota conjunta de quatro das sete partes interessadas, destinada a esclarecer a posição destas na sequência da prolação do Acórdão de 6 de outubro de 2015, Comissão/Andersen (C‑303/13 P, EU:C:2015:647). Em 9 de novembro de 2016, a região Île‑de‑France completou as suas observações.

10      Em 2 de fevereiro de 2017, a Comissão pôs termo ao procedimento formal de investigação, previsto no artigo 108.o, n.o 2, TFUE, e adotou a Decisão (UE) 2017/1470, relativa aos regimes de auxílios SA.26763 2014/C (ex 2012/NN) concedidos pela França a favor das empresas de autocarros na região Île‑de‑France (JO 2017, L 209, p. 24, a seguir «decisão impugnada»).

11      Na decisão impugnada, a Comissão considerou, nomeadamente, que o regime de auxílios constituído pelas contribuições C2, concedidas pelo recorrente para cobrir os encargos de investimento suportados pelos beneficiários finais na execução dos CT 2 (a seguir «regime de auxílios controvertido»), era compatível com o mercado interno. Em contrapartida, concluiu que, na medida em que os auxílios concedidos ao abrigo do regime de auxílios controvertido não tinham sido objeto de notificação e deviam ser qualificados como «auxílios novos», o referido regime tinha sido ilegalmente executado, em violação do artigo 108.o, n.o 3, TFUE.

12      Os artigos 3.o e 4.o da parte dispositiva da decisão impugnada têm a seguinte redação:

«Artigo 3.o

O regime de auxílios concedido pela [República Francesa], sob a forma das contribuições C2 concedidas pelo STIF no quadro do[s] CT2, é compatível com o mercado interno.

Artigo 4.o

A República Francesa é a destinatária da presente decisão.»

 Tramitação processual e pedidos das partes

13      Por petição apresentada na Secretaria do Tribunal Geral em 3 de novembro de 2017, o recorrente interpôs o presente recurso, nos termos do artigo 263.o TFUE, que tem por objeto a anulação parcial da decisão impugnada.

14      O recorrente pede que o Tribunal se digne:

–        anular a decisão impugnada apenas na parte em que a Comissão qualificou as contribuições C2 concedidas no quadro dos CT 2 como «regime de auxílios concedido ilegalmente»;

–        condenar a Comissão nas despesas.

15      A Comissão pede que o Tribunal se digne:

–        a título principal, julgar o recurso inadmissível;

–        a título subsidiário, negar provimento ao recurso;

–        condenar o recorrente nas despesas.

 Questão de direito

 Quanto à admissibilidade

16      A Comissão, sem suscitar uma exceção de inadmissibilidade por requerimento separado com base no artigo 130.o, n.o 1, do Regulamento de Processo do Tribunal Geral, pede que o recurso seja julgado inadmissível por falta de legitimidade e de interesse em agir do recorrente.

17      O recorrente contesta os argumentos da Comissão. Alega que, embora não seja destinatário da decisão impugnada, tem legitimidade para interpor o presente recurso.

18      A este respeito, importa recordar que o juiz da União Europeia pode apreciar, consoante as circunstâncias de cada caso específico, se uma boa administração da justiça justifica negar provimento a um recurso sem decidir previamente sobre a sua admissibilidade (Acórdãos de 26 de fevereiro de 2002, Conselho/Boehringer, C‑23/00 P, EU:C:2002:118, n.os 51 e 52, e de 14 de setembro de 2015, Brouillard/Tribunal de Justiça, T‑420/13, não publicado, EU:T:2015:633, n.o 18).

19      Nas circunstâncias do caso em apreço, o Tribunal Geral considera que, por razões de economia processual, há que começar por analisar o mérito do recurso, sem decidir previamente sobre a sua admissibilidade.

 Quanto ao mérito

20      Em apoio do seu recurso, o recorrente invoca, no essencial, dois fundamentos. O primeiro fundamento é relativo à violação do artigo 107.o, n.o 1, TFUE, na medida em que a Comissão considerou erradamente, na decisão impugnada, que o regime de auxílios controvertido não cumpria o quarto dos critérios enunciados nos n.os 88 a 93 do Acórdão de 24 de julho de 2003, Altmark Trans e Regierungspräsidium Magdeburg (C‑280/00, EU:C:2003:415) (a seguir «critérios Altmark»), pelo que era abrangido pelo âmbito de aplicação dessa disposição. O segundo fundamento é relativo à violação do dever de fundamentação e assenta na alegação de que a Comissão não explicou de forma suficientemente pormenorizada as razões pelas quais considerou, na decisão impugnada, que o regime de auxílios controvertido não cumpria o quarto critério Altmark.

21      A este respeito, importa recordar que a falta ou a insuficiência de fundamentação visa determinar a violação de formalidades essenciais e requer, por isso, um exame distinto, enquanto tal, da apreciação da inexatidão da fundamentação da decisão impugnada, cuja fiscalização faz parte da apreciação da justeza dessa decisão (v., nesse sentido, Acórdãos de 2 de abril de 1998, Comissão/Sytraval e Brink’s France, C‑367/95 P, EU:C:1998:154, n.o 67, e de 15 de dezembro de 2005, Itália/Comissão, C‑66/02, EU:C:2005:768, n.o 26).

22      Daqui decorre que o segundo fundamento, na medida em que visa obter a declaração da existência de uma violação do dever de fundamentação, deve ser analisado antes do primeiro fundamento, que diz respeito à legalidade material da decisão impugnada.

 Quanto à violação do dever de fundamentação

23      Com o seu segundo fundamento, o recorrente sustenta, no essencial, que a Comissão não explicou de forma suficientemente pormenorizada, na decisão impugnada, as razões pelas quais considerava que o regime de auxílios controvertido não cumpria o quarto critério Altmark.

24      Em especial, o recorrente alega que a análise do quarto critério Altmark efetuada pela Comissão não é coerente com a conclusão pela inexistência de sobrecompensação a que esta chegou no âmbito da sua análise do terceiro critério Altmark. De acordo com o recorrente, tal inexistência de sobrecompensação implica necessariamente que as contribuições C2 representam o menor custo para a coletividade e que o quarto critério Altmark foi cumprido.

25      O recorrente considera, por outro lado, que a Comissão não explicou em que medida a amostra de empresas escolhida para a análise comparativa dos custos não era representativa de empresas bem geridas na aceção da jurisprudência decorrente do Acórdão de 24 de julho de 2003, Altmark Trans e Regierungspräsidium Magdeburg (C‑280/00, EU:C:2003:415). No considerando 220 da decisão impugnada, a Comissão afirmou, não obstante os elementos que lhe foram dados a conhecer, que «nada indica que a amostra selecionada pelo STIF seja representativa de empresas bem geridas».

26      A Comissão contesta os argumentos do recorrente. Recorda que os quatro critérios Altmark se distinguem uns dos outros. Considera, além disso, que a decisão impugnada e, em especial, a análise relativa ao quarto critério Altmark estão suficientemente fundamentadas.

27      Recorde‑se que, nos termos do artigo 296.o, segundo parágrafo, TFUE, os atos jurídicos são fundamentados. Acresce que, nos termos do artigo 41.o, n.o 2, da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia, o direito a uma boa administração compreende a obrigação, por parte da administração, de fundamentar as suas decisões.

28      Por outro lado, a qualificação como «auxílio de Estado» impõe que todos os requisitos referidos no artigo 107.o, n.o 1, TFUE estejam preenchidos. Assim, para efeitos de qualificação como auxílio de Estado, esta disposição pressupõe, nomeadamente, a existência de um favorecimento concedido a uma empresa (v., nesse sentido, Acórdão de 22 de outubro de 2015, EasyPay e Finance Engineering, C‑185/14, EU:C:2015:716, n.os 35 e 36 e jurisprudência aí referida).

29      A este respeito, segundo jurisprudência constante, não é abrangida pelo artigo 107.o, n.o 1, TFUE uma intervenção estatal considerada uma compensação que represente a contrapartida de prestações efetuadas pelas empresas beneficiárias para cumprir obrigações de serviço público, de forma que essas empresas não beneficiam, na realidade, de uma vantagem financeira e, portanto, a referida intervenção não tem por efeito colocar essas empresas numa posição concorrencial mais favorável face a empresas concorrentes (v. Acórdão de 22 de outubro de 2015, EasyPay e Finance Engineering, C‑185/14, EU:C:2015:716, n.o 45 e jurisprudência aí referida).

30      No entanto, para que, num caso concreto, tal compensação possa não ser qualificada como auxílio de Estado, devem ser cumpridos os critérios Altmark.

31      Assim, em primeiro lugar, a empresa beneficiária deve efetivamente ser incumbida do cumprimento de obrigações de serviço público e essas obrigações devem estar claramente definidas. Em segundo lugar, os parâmetros com base nos quais será calculada a compensação devem ser previamente estabelecidos de forma objetiva e transparente. Em terceiro lugar, a compensação não pode ultrapassar o que é necessário para cobrir total ou parcialmente os custos ocasionados pelo cumprimento das obrigações de serviço público. Em quarto lugar, o nível da compensação necessária deve ser determinado com base numa análise dos custos que uma empresa média, bem gerida e adequadamente equipada para poder satisfazer as exigências de serviço público requeridas teria suportado para cumprir essas obrigações.

32      Daqui resulta que uma intervenção estatal que não satisfaça um ou mais dos critérios referidos no n.o 31, supra, deverá ser considerada um auxílio estatal na aceção do artigo 107.o, n.o 1, TFUE (v., nesse sentido, Acórdão de 24 de julho de 2003, Altmark Trans e Regierungspräsidium Magdeburg, C‑280/00, EU:C:2003:415, n.o 94).

33      No caso em apreço, importa concluir que, contrariamente ao que alega o recorrente, a Comissão explicou de forma suficientemente pormenorizada, na decisão impugnada, as razões pelas quais considerava que o regime de auxílios controvertido não cumpria o quarto critério Altmark. Mais concretamente, no considerando 220 da decisão impugnada, a Comissão referiu que, embora a análise comparativa dos custos efetuada pelo recorrente antes da celebração dos CT 2 se baseie em dados quantitativos precisos e reflita um conhecimento exaustivo do mercado do transporte de passageiros, a referida análise destinava‑se a determinar as variáveis úteis para a negociação dos custos de exploração, e não a assegurar que os encargos cobertos pela contribuição C2, correspondiam aos de uma empresa média bem gerida e adequadamente equipada, na aceção da jurisprudência decorrente do Acórdão de 24 de julho de 2003, Altmark Trans e Regierungspräsidium Magdeburg (C‑280/00, EU:C:2003:415).

34      Contrariamente ao que alega o recorrente, esta fundamentação da Comissão deixa transparecer de forma clara os motivos subjacentes à sua conclusão de que o regime de auxílios controvertido não cumpria o quarto critério Altmark.

35      Por outro lado, o argumento do recorrente de que a Comissão não explicou em que medida a amostra de empresas escolhida para a análise comparativa dos custos não era representativa de empresas bem geridas na aceção da jurisprudência decorrente do Acórdão de 24 de julho de 2003, Altmark Trans e Regierungspräsidium Magdeburg (C‑280/00, EU:C:2003:415), deve ser considerado improcedente, uma vez que a Comissão afirmou, no essencial, no considerando 220 da decisão impugnada, que nenhum elemento do processo lhe permitia concluir que essa amostra cumpria tal critério e que o recorrente não prestou qualquer esclarecimento sobre os elementos que apresentou durante o procedimento administrativo.

36      De facto, o recorrente limitou‑se a afirmar, nas suas observações em resposta à decisão da Comissão de dar início ao procedimento formal de investigação relativamente ao regime de auxílios controvertido, que a análise comparativa dos custos fora efetuada em relação a «empresas de província cujo contrato foi adjudicado na sequência de um concurso», e depois a qualificar essas empresas como «empresas médias, bem geridas e adequadamente equipadas», sem prestar esclarecimentos sobre os elementos que podiam levar a tal conclusão.

37      Nestas condições, a Comissão não pode ser acusada de ter feito apenas uma análise sucinta da questão de saber se a amostra de empresas escolhida pelo recorrente para a análise comparativa dos custos era ou não representativa de empresas bem geridas na aceção da jurisprudência decorrente do Acórdão de 24 de julho de 2003, Altmark Trans e Regierungspräsidium Magdeburg (C‑280/00, EU:C:2003:415).

38      No que diz respeito aos argumentos do recorrente relativos à alegada incoerência do raciocínio da Comissão na decisão impugnada, importa recordar que os terceiro e quarto critérios Altmark têm, de facto, uma ligação estreita na medida em que exigem ambos que se determinem os custos e as receitas e lucros decorrentes do cumprimento de uma obrigação de serviço público (v., nesse sentido, Acórdão de 12 de fevereiro de 2008, BUPA e o./Comissão, T‑289/03, EU:T:2008:29, n.o 246).

39      No entanto, a existência dessa ligação estreita não exclui que cada um dos quatro critérios Altmark seja diferente dos outros e devam ser cumpridos cumulativamente para que a compensação não seja qualificada como auxílio de Estado (v., nesse sentido, Acórdão de 15 de dezembro de 2016, Abertis Telecom Terrestre e Telecom Castilla‑La Mancha/Comissão, T‑37/15 e T‑38/15, não publicado, EU:T:2016:743, n.o 76).

40      No caso em apreço, importa observar, em todo o caso, que, na decisão impugnada, a Comissão não analisou o regime de auxílios controvertido à luz do terceiro critério Altmark. No considerando 218 da decisão impugnada, a Comissão limitou‑se a referir que, ficando estabelecida a conformidade das contribuições C2 com o primeiro critério Altmark, restava‑lhe ainda apreciar a sua conformidade com os segundo, terceiro e quarto critérios Altmark e que, uma vez que os critérios eram cumulativos, limitar‑se‑ia a demonstrar que o quarto critério não fora cumprido para concluir que as referidas contribuições implicavam uma vantagem económica, antes de chegar, de facto, a essa conclusão no considerando 221 da decisão impugnada.

41      Tendo em conta estes elementos, há que concluir que os argumentos do recorrente relativos à apreciação alegadamente contraditória efetuada pela Comissão no que diz respeito, por um lado, ao terceiro critério Altmark e, por outro, ao quarto critério Altmark, assentam numa leitura errada da decisão impugnada, pelo que não podem ser acolhidos.

42      Por conseguinte, importa concluir que a Comissão não violou o dever de fundamentação previsto no artigo 296.o TFUE.

43      O segundo fundamento deve ser julgado improcedente.

 Quanto à apreciação do regime de auxílios controvertido à luz do quarto critério Altmark

44      Com o seu primeiro fundamento, o recorrente sustenta que, na decisão impugnada, a Comissão cometeu vários erros de direito e de apreciação no âmbito da sua análise do regime de auxílios controvertido à luz do quarto critério Altmark.

45      A Comissão contesta os argumentos do recorrente.

46      Recorde‑se que, de acordo com o quarto critério Altmark, quando a escolha da empresa que deve ser encarregada do cumprimento de obrigações de serviço público, num caso concreto, não seja efetuada através de um processo de concurso público que permita selecionar o candidato capaz de fornecer esses serviços ao menor custo para a coletividade, o nível da compensação necessária deve ser determinado com base numa análise comparativa dos custos que uma empresa média, bem gerida e adequadamente equipada para poder satisfazer as exigências de serviço público requeridas teria suportado para cumprir essas obrigações, tendo em conta as respetivas receitas assim como um lucro razoável relativo à execução dessas obrigações (Acórdão de 24 de julho de 2003, Altmark Trans e Regierungspräsidium Magdeburg, C‑280/00, EU:C:2003:415, n.o 93).

47      No caso em apreço, a Comissão considerou que o quarto critério Altmark não foi cumprido. Mais concretamente, entendeu, na decisão impugnada, que o montante das contribuições C2 pagas ao abrigo do regime de auxílios controvertido não foi calculado com base numa análise comparativa dos custos que uma empresa bem gerida na aceção do Acórdão de 24 de julho de 2003, Altmark Trans e Regierungspräsidium Magdeburg (C‑280/00, EU:C:2003:415), teria suportado para prestar serviços idênticos.

48      O recorrente sustenta, em primeiro lugar, que, contrariamente ao que concluiu a Comissão na decisão impugnada, a amostra de empresas que utilizou para a sua análise comparativa dos custos era representativa de empresas bem geridas na aceção do Acórdão de 24 de julho de 2003, Altmark Trans e Regierungspräsidium Magdeburg (C‑280/00, EU:C:2003:415). De acordo com o recorrente, essa amostra incluía, para além dos operadores de transporte com os quais celebrara os contratos de tipo 1, empresas de transporte público encarregadas de missões comparáveis de serviço público fora do território da região Île‑de‑France, atribuídas no âmbito de um procedimento de concurso aberto, transparente e não discriminatório.

49      Em segundo lugar, o recorrente sustenta que a Comissão devia ter considerado que a sua análise comparativa dos custos permitia garantir que os encargos de investimento suportados pelos beneficiários finais correspondiam aos de uma empresa média bem gerida e adequadamente equipada na aceção do Acórdão de 24 de julho de 2003, Altmark Trans e Regierungspräsidium Magdeburg (C‑280/00, EU:C:2003:415).

50      Em terceiro lugar, o recorrente considera que a Comissão não teve em conta as ferramentas e os métodos por ele utilizados previamente à fixação do montante das contribuições C2, para verificar se esse montante não excedia o dos encargos suportados por uma empresa média, bem gerida e adequadamente equipada na aceção do Acórdão de 24 de julho de 2003, Altmark Trans e Regierungspräsidium Magdeburg (C‑280/00, EU:C:2003:415).

51      Em quarto lugar, o recorrente afirma que a Comissão não atribuiu importância suficiente aos controlos ex post por ele efetuados junto dos beneficiários finais. A este respeito, esclarece que os CT 2 previam um sistema de controlo constante dos encargos suportados pelos beneficiários finais, que permitia verificar a existência, a gama e a conformidade dos veículos cuja aquisição era financiada pelas contribuições C2 pagas ao abrigo dos CT 2.

52      Em quinto lugar, o recorrente acusa a Comissão de não ter tido em conta um estudo de mercado realizado durante o procedimento administrativo (anexo A 7 da petição), do qual resulta que o custo médio por quilómetro suportado pelos beneficiários finais era comparável com o das empresas que exerciam as suas atividades fora do território da região Île‑de‑France.

53      A Comissão afirma que teve em devida conta a análise comparativa dos custos efetuada pelo recorrente previamente à celebração dos CT 2. Considera, contudo, que nenhum elemento do processo lhe permitia concluir que a amostra escolhida pelo recorrente era representativa de empresas médias, bem geridas e adequadamente equipadas na aceção do Acórdão de 24 de julho de 2003, Altmark Trans e Regierungspräsidium Magdeburg (C‑280/00, EU:C:2003:415). Além disso, considera que os valores médios de desempenho utilizados no âmbito dessa análise não permitiam distinguir os encargos ligados à exploração do material dos encargos relacionados com o investimento relativo a esse mesmo material.

54      A este respeito, em primeiro lugar, importa salientar que as ferramentas metodológicas utilizadas pelo recorrente previamente à fixação do montante das contribuições C2, para concluir com êxito a negociação dos CT 2, bem como os diferentes controlos ex post por ele efetuados para verificar os investimentos realizados pelos beneficiários finais, não são relevantes ou, pelo menos, suficientes para determinar, de acordo com o quarto critério Altmark, se o montante da compensação foi fixado com base nos custos que uma empresa média, bem gerida e adequadamente equipada para poder satisfazer as exigências de serviço público requeridas teria suportado.

55      De facto, as ferramentas metodológicas utilizadas pelo recorrente destinavam‑se apenas a assegurar a boa negociação dos CT 2 e a controlar os custos efetivamente suportados pelos beneficiários finais. Mais concretamente, nos seus articulados, o recorrente esclarece que as ferramentas metodológicas utilizadas previamente à fixação do montante da parte C2 das contribuições pagas permitiam proceder a uma análise dos custos no que diz respeito a cada uma das redes subvencionadas, durante as negociações levadas a cabo no quadro dos CT 2. Contudo, não demonstra que essas mesmas ferramentas lhe tinham permitido assegurar que o montante da compensação paga aos referidos beneficiários estivesse em conformidade com as exigências previstas no quarto critério Altmark. Quanto ao sistema de controlo ex post instituído pelo recorrente para assegurar a produtividade e a qualidade do serviço prestado pelos beneficiários finais, há que concluir que não é relevante para verificar se o montante da parte C2 das contribuições pagas previamente a esse controlo era fixado com base nos custos que uma empresa média, bem gerida e adequadamente equipada para poder satisfazer as exigências de serviço público requeridas teria suportado.

56      Em segundo lugar, importa observar que o recorrente não apresenta outros elementos de prova suficientemente precisos para demonstrar que efetuou as verificações necessárias para assegurar que as empresas de referência utilizadas no âmbito da sua análise comparativa dos custos podiam ser consideradas empresas bem geridas e adequadamente equipadas na aceção do Acórdão de 24 de julho de 2003, Altmark Trans e Regierungspräsidium Magdeburg (C‑280/00, EU:C:2003:415).

57      Como salienta, corretamente, a Comissão, o recorrente considera, no essencial, que, na medida em que as empresas situadas fora do território da região Île‑de‑France por ele selecionadas para a sua análise comparativa dos custos estavam sujeitas a um procedimento de concurso em conformidade com as exigências da loi n.o 93‑122, relative à la prévention de la corruption et à la transparence de la vie économique et des procédures publiques (Lei n.o 93‑122, relativa à prevenção da corrupção e à transparência da vida económica e dos processos públicos) de 29 de janeiro de 1993 (JORF de 30 de janeiro de 1993, p. 1588; a seguir «lei Sapin»), devem ser imediatamente consideradas empresas bem geridas na aceção do Acórdão de 24 de julho de 2003, Altmark Trans e Regierungspräsidium Magdeburg (C‑280/00, EU:C:2003:415).

58      Ora, decorre da jurisprudência que, salvo no caso de a escolha da empresa beneficiária ser efetuada através de um procedimento de concurso público, o quarto critério Altmark exige que os parâmetros tidos em conta para determinar o montante da compensação se baseiem no exemplo de uma empresa média, bem gerida e adequadamente equipada para poder satisfazer as exigências de serviço público requeridas (v., nesse sentido, Acórdão de 24 de setembro de 2015, Viasat Broadcasting UK/Comissão, T‑125/12, EU:T:2015:687, n.o 82).

59      A este respeito, importa recordar que a procura de tal empresa visa otimizar o montante da compensação considerada necessária para realizar a missão de serviço público atribuída e evitar que os custos elevados de uma empresa ineficaz sejam tomados como referência no cálculo do montante dessa compensação.

60      No caso em apreço, ainda que o recorrente esclareça que baseou a sua análise comparativa dos custos nos valores ou ratios médios de empresas que não se limitaram a participar no procedimento de concurso previsto na lei Sapin, mas às quais, além disso, foram adjudicados contratos na sequência desse procedimento, não fornece informações precisas relativamente às modalidades desse procedimento e limita‑se a referir que este se assemelha, pelos seus efeitos e pelo seu objetivo, ao procedimento de adjudicação de contratos públicos.

61      Mais concretamente, o recorrente afirma que o procedimento de concurso previsto na lei Sapin teve «efeitos positivos patentes na baixa de preços e no controlo dos custos das [delegações de serviço público] nos setores em causa». Contudo, não demonstra claramente em que medida esse procedimento e, em especial, os critérios de seleção utilizados nesse contexto, permitiam um grau de concorrência comparável com o que caracteriza os procedimentos de concurso para adjudicação de contratos públicos. Além disso, não fornece qualquer esclarecimento relativamente à alegada baixa de preços e não explica como é que essa baixa lhe permitiu assegurar‑se que os contratos adjudicados em consequência do procedimento previsto na lei Sapin eram executados pelas empresas às quais foram adjudicados ao menor custo possível para a coletividade.

62      A tal acresce o facto de os dados tidos em conta pelo recorrente, ou seja, nomeadamente, os relativos ao custo médio por quilómetro (anexo A 7 da petição), não permitirem distinguir os encargos relativos ao investimento, que são os únicos relevantes para uma comparação com o montante atribuído a título de contribuição C2, dos outros encargos suportados pelas empresas escolhidas para a realização da análise comparativa dos custos. O recorrente esclarece, de resto, a este respeito, que «sem dúvida» os contratos por ele analisados das empresas que exercem as suas atividades fora do território da região Île‑de‑France não incluíam todos os encargos relativos ao investimento e, mais concretamente, à aquisição de material circulante.

63      Nestas condições, a Comissão concluiu corretamente, no considerando 220 da decisão impugnada, que a análise comparativa dos custos efetuada pelo recorrente abordava essencialmente variáveis de exploração, tais como a velocidade comercial dos autocarros ou o número de horas de condução por veículo, certamente úteis para a negociação dos custos de exploração e a definição da contribuição C1 (igualmente concedida no quadro dos CT 2 e destinada, precisamente, a compensar os encargos de exploração suportados), mas que não permitiam assegurar que os encargos de investimento cobertos pela contribuição C2, correspondiam aos de uma empresa média, bem gerida e adequadamente equipada na aceção do Acórdão de 24 de julho de 2003, Altmark Trans e Regierungspräsidium Magdeburg (C‑280/00, EU:C:2003:415).

64      Por conseguinte, importa concluir que os elementos de prova apresentados pelo recorrente não permitem demonstrar que a apreciação do regime de auxílios controvertido à luz do quarto critério Altmark efetuada pela Comissão na decisão impugnada padece de um erro de direito ou de apreciação.

65      Uma vez que os critérios estabelecidos no Acórdão de 24 de julho de 2003, Altmark Trans e Regierungspräsidium Magdeburg (C‑280/00, EU:C:2003:415), são de aplicação cumulativa, bastava à Comissão demonstrar que apenas um desses critérios não fora cumprido para concluir que o regime de auxílios controvertido conferia uma vantagem económica aos beneficiários finais, pelo que constituía um regime de auxílios de estado na aceção do artigo 107.o, n.o 1, TFUE.

66      Por conseguinte, há que negar provimento ao primeiro fundamento, bem como ao presente recurso na íntegra.

 Quanto às despesas

67      Nos termos do artigo 134.o, n.o 1, do Regulamento de Processo, a parte vencida é condenada nas despesas se a parte vencedora o tiver requerido.

68      No caso em apreço, tendo o recorrente sido vencido, há que condená‑lo nas suas próprias despesas e nas despesas da Comissão, em conformidade com o requerido por esta.

Pelos fundamentos expostos,

O TRIBUNAL GERAL (Primeira Secção)

decide:

1)      É negado provimento ao recurso.

2)      O Syndicat Transport Île de France (STIFIDF) suportará, além das suas próprias despesas, as despesas efetuadas pela Comissão Europeia.

Pelikánová

Valančius

Öberg

Proferido em audiência pública no Luxemburgo, em 12 de julho de 2019.

Assinaturas


Índice


Antecedentes do litígio

Tramitação processual e pedidos das partes

Questão de direito

Quanto à admissibilidade

Quanto ao mérito

Quanto à violação do dever de fundamentação

Quanto à apreciação do regime de auxílios controvertido à luz do quarto critério Altmark

Quanto às despesas


*      Língua do processo: francês.