Language of document : ECLI:EU:T:2023:332

ACÓRDÃO DO TRIBUNAL GERAL (Terceira Secção alargada)

14 de junho de 2023 (*)

«Concorrência — Concentrações — Mercado a montante da parafina bruta — Mercado a jusante das ceras de parafina — Decisão que declara a concentração compatível com o mercado interno e com o Acordo EEE — Inexistência de compromisso relativamente ao fornecimento de parafina bruta — Efeitos verticais — Encerramento de fatores de produção»

No processo T‑585/20,

Polwax S.A., com sede em Jasło (Polónia), representada por E. Nessmann e G. Duda, advogados,

recorrente,

contra

Comissão Europeia, representada por N. Khan, G. Meessen e J. Szczodrowski, na qualidade de agentes,

recorrida,

apoiada por

Polski Koncern Naftowy Orlen S.A., com sede em Płock (Polónia), representada por M. Mataczyński, advogado,

interveniente,

O TRIBUNAL GERAL (Terceira Secção alargada),

composto por: F. Schalin, presidente, S. Frimodt Nielsen, P. Škvařilová‑Pelzl, I. Nõmm (relator) e D. Kukovec, juízes,

secretário: M. Zwozdziak‑Carbonne, administradora,

vistos os autos,

após a audiência de 11 de janeiro de 2023,

profere o presente

Acórdão

1        Com o seu recurso baseado no artigo 263.o TFUE, a recorrente, Polwax S.A., pede a anulação da Decisão da Comissão de 14 de julho de 2020 (processo M.9014), adotada com fundamento no artigo 8.o, n.o 2, do Regulamento (CE) n.o 139/2004 do Conselho, de 20 de janeiro de 2004, relativo ao controlo das concentrações de empresas (JO 2004, L 24, p. 1; a seguir «decisão recorrida»), através da qual a Comissão Europeia declarou compatível com o mercado interno e com o artigo 57.o do Acordo sobre o Espaço Económico Europeu (EEE), uma concentração entre a Polski Koncern Naftowy Orlen S.A. (a seguir «Orlen») e a Grupa Lotos S.A. (a seguir «Lotos»), sob reserva do respeito de certos compromissos pela Orlen.

I.      Antecedentes do litígio e factos posteriores à interposição do recurso

2        A recorrente é uma sociedade polaca que produz e comercializa ceras de parafina e produtos à base de parafina.

3        A Orlen é uma empresa verticalmente integrada, principalmente ativa na refinação e na comercialização (incluindo a retalho) de combustíveis e de produtos relacionados com combustíveis na Polónia, na República Checa, na Lituânia e na Alemanha. Está também presente na exploração, no desenvolvimento e na produção, a montante, de petróleo bruto e de gás natural, bem como no mercado da petroquímica.

4        A Lotos é uma empresa verticalmente integrada, principalmente ativa na refinação e na comercialização (incluindo a retalho) de combustíveis e de produtos relacionados com combustíveis, essencialmente na Polónia. Está também presente na exploração, no desenvolvimento e na produção, a montante, de petróleo bruto e de gás natural.

5        Em 3 de julho de 2019, a Orlen notificou à Comissão, nos termos do artigo 4.o, n.o 1, do Regulamento n.o 139/2004, um projeto de concentração que consistia na aquisição do controlo exclusivo da Lotos.

6        Por Decisão de 7 de agosto de 2019 (JO 2019, C 273, p. 2), a Comissão considerou que a operação de concentração suscitava sérias dúvidas quanto à sua compatibilidade com o mercado comum, decidiu dar início ao processo de análise aprofundado, nos termos do artigo 6.o, n.o 1, alínea c), do Regulamento n.o 139/2004, e convidou os terceiros interessados a transmitirem‑lhe as suas eventuais observações sobre o projeto de concentração.

7        Em 30 de setembro de 2019, na sequência de um pedido nesse sentido, foi reconhecido à recorrente o estatuto de parte interessada, na aceção do artigo 18.o, n.o 4, do Regulamento n.o 139/2004.

8        Em 7 de abril de 2020, a Comissão adotou uma comunicação de acusações, cuja versão não confidencial foi enviada à recorrente em 4 de maio de 2020.

9        Em 15 de maio de 2020, a recorrente apresentou as suas observações sobre a comunicação de acusações e alegou que deviam ser previstos compromissos para assegurar que a concentração não afeta o seu acesso a certos fatores de produção que utilizava na sua produção.

10      Em 14 de julho de 2020, a Comissão adotou a decisão recorrida.

11      Num comunicado de imprensa do mesmo dia, a Comissão, em primeiro lugar, declarou que, no termo da sua investigação, receava que a operação, tal como notificada inicialmente, prejudicasse a concorrência, em especial nos seguintes mercados:

—        fornecimento grossista de combustíveis para motores na Polónia;

—        fornecimento retalhista de combustíveis para motores na Polónia;

—        fornecimento de carborreatores na Polónia e na República Checa;

—        fornecimento de produtos conexos, tais como diferentes tipos de betume, na Polónia.

12      Em segundo lugar, a Comissão alegou que, para dissipar os seus receios, a Orlen tinha proposto compromissos relativos aos mercados referidos no n.o 11, supra.

13      Em terceiro lugar, a Comissão declarou «que a combinação das cessões e dos outros compromissos permitiria aos adquirentes das entidades cedidas, bem como a outros concorrentes, submeter a entidade resultante da concentração a uma concorrência efetiva nos mercados em causa no futuro», que, «[n]os mercados grossistas do gasóleo e da gasolina em particular, o adquirente da participação na refinaria estar[ia] em condições de importar volumes significativos graças a um acesso mais amplo às infraestruturas» e que, «[g]raças a esta combinação de capacidade de refinação e de potencial de importação, o adquirente exercer[ia] uma pressão concorrencial semelhante à da Lotos antes da operação». Por conseguinte, a Comissão chegou à conclusão de que «a operação, tal como alterada pelos compromissos, já não suscita preocupações em matéria de concorrência» e precisou que «[e]sta decisão estava subordinada ao respeito integral dos compromissos assumidos».

14      À data da interposição do recurso, em 24 de setembro de 2020, não tinha sido publicado nenhum resumo da decisão recorrida no Jornal Oficial da União Europeia e não tinha sido publicada nenhuma versão não confidencial da referida decisão no sítio Internet da Comissão.

15      Em 18 de maio de 2021, a Comissão publicou, no seu sítio Internet, uma versão não confidencial da decisão recorrida. Um resumo desta decisão foi publicado no Jornal Oficial da União Europeia em 25 de maio de 2021 (JO 2021, C 196, p. 8).

16      A decisão recorrida contém um n.o 37 relativo ao mercado a montante da parafina bruta e ao mercado a jusante das ceras de parafina (considerandos 1993 a 2006).

17      No considerando 1993 da decisão recorrida, a Comissão recorda, em primeiro lugar, que a parafina bruta é um subproduto da produção de óleos de petróleo e que é principalmente utilizada como matéria‑prima das ceras de parafina inteiramente refinadas, as quais constituem o material bruto do fabrico das velas. Em seguida, no considerando 1994 da referida decisão, sublinha que, embora tanto a Lotos como a Orlen produzam parafina bruta, só a Lotos a vende, utilizando‑a a Orlen para a sua própria produção de ceras de parafina, e que, por conseguinte, a concentração projetada conduziria à criação de uma ligação vertical entre as partes, sendo a Lotos ativa a montante e a Orlen a jusante.

18      Em segundo lugar, a Comissão declarou, no considerando 1997 da decisão recorrida, que os mercados de produtos em causa eram os da parafina bruta e das ceras de parafina.

19      Em terceiro lugar, no que respeita à dimensão geográfica dos mercados em causa, a Comissão recordou, no considerando 1999 da decisão recorrida, que, numa decisão anterior, declarou que o mercado da parafina bruta se podia estender a todo o EEE ou ter uma dimensão nacional, sublinhando que uma adquirente de parafina bruta, a recorrente, tinha manifestado as suas preferências pelas fontes de abastecimento locais, devido aos elevados custos de transporte. Considerou igualmente que definir o mercado das ceras de parafina no sentido de que abrange este conjunto era plausível, uma vez que os fornecedores deste produto tinham indicado que o vendiam fora das fronteiras da Polónia e que a Orlen vendia entre 30 % e 40 % da sua produção fora da Polónia, essencialmente no EEE. Afirmou em seguida, no considerando 2000 da referida decisão, que apreciou os efeitos da concentração projetada em mercados potenciais mais pequenos, nomeadamente o da Polónia no que respeita à parafina bruta e o do EEE no que respeita às ceras de parafina.

20      Em quarto lugar, relativamente aos efeitos da concentração projetada na concorrência, a Comissão apreciou, no considerando 2003 da decisão recorrida, a possibilidade, realçada pela recorrente, de a concentração conduzir a um encerramento dos fatores de produção, uma vez que a nova entidade deixaria de lhe fornecer parafina bruta ou apenas o faria a um preço muito mais elevado, impedindo‑a assim de concorrer com esta no mercado das ceras de parafina.

21      A este respeito, a Comissão entendeu, no considerando 2004 da decisão recorrida, que, caso o mercado a montante da parafina bruta fosse definido numa base nacional, a Lotos teria entre 30 % e 40 % de quota de mercado na Polónia em 2017 e em 2018. Embora reconhecendo que essa quota de mercado implicava a existência de efeitos verticais, sublinhou que entre 60 % e 70 % das fontes de parafina bruta ainda estavam disponíveis e que a própria Orlen recorria a fornecedores externos. Daí deduziu que não era evidente que a nova entidade criada teria a capacidade de encerrar o acesso dos clientes da Lotos ativos no mercado das ceras de parafina à parafina bruta.

22      A Comissão acrescentou, no considerando 2005 da decisão recorrida, que a Orlen apenas dispunha de uma quota muito pequena do mercado a jusante e daí deduziu que a nova entidade também não teria interesse em encerrar o acesso dos clientes da Lotos ativos nesse mercado aos fatores de produção. Referiu que a própria recorrente sublinhou que a concorrência no referido mercado estava viva, uma vez que esse mercado dispunha, em determinados casos, de uma dimensão global e estava sob pressão dos produtores chineses.

23      A Comissão daí concluiu, no considerando 2006 da decisão recorrida, que a sua investigação não revelou a existência de provas evidentes de um entrave significativo para o exercício de uma concorrência efetiva no que respeitava à ligação vertical entre o mercado da parafina bruta na Polónia e o mercado das ceras de parafina no EEE.

II.    Pedidos das partes

24      Por requerimento separado, a Comissão suscitou uma exceção de inadmissibilidade nos termos do artigo 130.o, n.o 1, do Regulamento de Processo do Tribunal Geral. A exceção de inadmissibilidade foi junta à apreciação do mérito da causa.

25      Na audiência, a Comissão retirou a sua exceção de inadmissibilidade, o que ficou registado na ata da audiência.

26      Na petição, a demandante conclui pedindo, em substância, que o Tribunal Geral se digne:

—        anular a decisão recorrida;

—        condenar a Comissão nas despesas.

27      Por outro lado, nas suas observações sobre o articulado de intervenção da Orlen e na audiência, a recorrente concluiu pedindo que o Tribunal Geral se dignasse ordenar uma peritagem relativa aos efeitos da concentração na concorrência ou, em alternativa, ordenar à Comissão que fornecesse os elementos em que se tinha baseado para fundamentar a decisão recorrida.

28      A Comissão e a Orlen concluem pedindo, em substância, que o Tribunal Geral se digne:

—        julgar o recurso improcedente;

—        indeferir o pedido de peritagem apresentado pela recorrente;

—        condenar a recorrente nas despesas.

III. Questão de direito

A.      Quanto ao pedido de peritagem

29      A recorrente pede ao Tribunal Geral que ordene uma peritagem relativa aos efeitos da concentração na concorrência. Justifica o atraso na apresentação desse pedido, em substância, pela circunstância de que só na fase do referido articulado de intervenção foi explicitado o raciocínio subjacente à dita decisão. Refere‑se, a este respeito, à não publicação dessa decisão à data da apresentação da petição e ao caráter sumário tanto da fundamentação que figura nessa decisão como dos articulados da Comissão.

30      A Comissão e a Orlen opõem‑se a este pedido de peritagem, salientando, nomeadamente, o seu caráter extemporâneo.

31      Nos termos do artigo 88.o, n.o 1, do Regulamento de Processo, «as diligências de instrução podem ser adotadas ou alteradas em qualquer fase do processo, oficiosamente ou a pedido de uma parte principal». O n.o 2 desta mesma disposição precisa que, «[q]uando é formulado depois da primeira troca de articulados, a parte que apresenta o pedido deve expor as razões pelas quais não pôde apresentá‑lo anteriormente».

32      Independentemente da questão de saber se a recorrente forneceu uma justificação convincente para a formulação tardia do seu pedido de peritagem, importa recordar que o Regulamento de Processo confere ao Tribunal Geral um poder discricionário para decidir se deve ou não ordenar tal diligência (v., neste sentido, Acórdão de 13 de julho de 2017, Talanton/Comissão, T‑65/15, não publicado, EU:T:2017:491, n.os 35 a 37). Por conseguinte, mesmo quando uma parte lhe tenha apresentado um pedido de peritagem numa fase avançada do processo, o Tribunal Geral pode sempre decidir adotar a referida diligência oficiosamente, no exercício do seu poder discricionário.

33      O pedido de peritagem da recorrente deve, no entanto, ser indeferido, uma vez que ultrapassa o objeto das diligências de instrução referidas no artigo 91.o do Regulamento de Processo, que consiste em permitir provar a veracidade das alegações factuais feitas por uma parte em apoio dos seus fundamentos (v., neste sentido, Acórdão de 23 de maio de 2014, European Dynamics Luxembourg/BCE, T‑553/11, não publicado, EU:T:2014:275, n.o 317 e jurisprudência referida).

34      Com efeito, através do seu pedido, a recorrente requer ao Tribunal Geral que ordene uma peritagem relativa «aos mercados vizinhos, incluindo o mercado de tratamento da parafina bruta, para os seguintes elementos: a) efeitos da concentração […] sobre a concorrência nos mercados relevantes da parafina bruta e das parafinas, bem como nos mercados vizinhos, em especial a repercussão da referida concentração no preço dos produtos para os clientes finais e os consumidores; b) impacto desta concentração na situação económica da recorrente, bem como na dos outros operadores que exercem uma atividade idêntica à da recorrente no que respeita à transformação da parafina bruta, das parafinas e dos mercados vizinhos; c) custos mais elevados suportados pela recorrente devido à aquisição da parafina bruta fora do mercado local; d) limitação do acesso à parafina bruta no mercado local; e) percentagem das quotas do mercado europeu do operador resultante da fusão na sequência da concentração».

35      Em vez de se destinar a provar a veracidade de determinadas alegações factuais, tal pedido tem por objeto, na realidade, o reexame das apreciações que figuram na decisão recorrida relativas à conformidade do projeto de concentração com o artigo 2.o, n.os 1 a 3, do Regulamento n.o 139/2004. Por conseguinte, ultrapassa o objeto de uma diligência de instrução na aceção do artigo 91.o do Regulamento de Processo, pelo que o Tribunal Geral excede a sua competência ao determinar tal diligência (v., neste sentido e por analogia, Acórdão de 12 de setembro de 2013, Besselink/Conselho, T‑331/11, não publicado, EU:T:2013:419, n.os 24 e 25).

B.      Quanto à procedência dos fundamentos

36      Na petição, a recorrente invocava, em substância, dois fundamentos, relativos, respetivamente, à violação do artigo 2.o, n.os 1 a 3, do Regulamento n.o 139/2004 e do artigo 9.o, n.o 1, deste mesmo regulamento. Além disso, na réplica, apresentou um fundamento novo, relativo ao facto de a decisão recorrida estar insuficientemente fundamentada.

37      Na audiência, a recorrente renunciou ao fundamento relativo à violação do artigo 9.o, n.o 1, do Regulamento n.o 139/2004, o que ficou registado na ata da audiência.

1.      Quanto ao primeiro fundamento, relativo à violação do artigo 2.o, n.os 1 e 3, do Regulamento n.o 139/2004

38      A recorrente alega, em substância, que o n.o 37 da decisão recorrida, no qual a Comissão considerou que a concentração não conduziria a um entrave significativo a uma concorrência efetiva no mercado das ceras de parafina, resulta de uma aplicação errada do artigo 2.o, n.os 1 a 3, do Regulamento n.o 139/2004.

39      Nos termos do artigo 2.o, n.o 1, do Regulamento n.o 139/2004:

«As concentrações abrangidas pelo presente regulamento devem ser apreciadas de acordo com os objetivos do presente regulamento e com as disposições que se seguem, com vista a estabelecer se são ou não compatíveis com o mercado comum.

Nessa apreciação, a Comissão deve ter em conta:

a)      A necessidade de preservar e desenvolver uma concorrência efetiva no mercado comum, atendendo, nomeadamente, à estrutura de todos os mercados em causa e à concorrência real ou potencial de empresas situadas no interior ou no exterior da [União];

b)      A posição que as empresas em causa ocupam no mercado e o seu poder económico e financeiro, as possibilidades de escolha de fornecedores e utilizadores, o seu acesso às fontes de abastecimento e aos mercados de escoamento, a existência, de direito ou de facto, de barreiras à entrada no mercado, a evolução da oferta e da procura dos produtos e serviços em questão, os interesses dos consumidores intermédios e finais, bem como a evolução do progresso técnico e económico, desde que tal evolução seja vantajosa para os consumidores e não constitua um obstáculo à concorrência.»

40      O artigo 2.o, n.os 2 e 3, do Regulamento n.o 139/2004 dispõe, por um lado, que «[d]evem ser declaradas compatíveis com o mercado [interno] as concentrações que não entravem significativamente uma concorrência efetiva, no mercado [interno] ou numa parte substancial deste, em particular em resultado da criação ou do reforço de uma posição dominante» e, por outro, que «[d]evem ser declaradas incompatíveis com o mercado [interno] as concentrações que entravem significativamente uma concorrência efetiva, no mercado [interno] ou numa parte substancial deste, em particular em resultado da criação ou do reforço de uma posição dominante».

41      A argumentação da recorrente em apoio do presente fundamento pode ser dividida em duas partes, consoante sejam contestadas as apreciações da Comissão relativas à definição dos mercados relevantes ou aos efeitos da concentração nestes mercados.

a)      Quanto à primeira parte, relativa a uma definição errada dos mercados relevantes

42      A recorrente alega, em substância, que a Comissão violou o artigo 2.o, n.o 1, alínea a), do Regulamento n.o 139/2004 devido a uma definição errada dos mercados relevantes.

43      Segundo a jurisprudência, a definição adequada do mercado relevante é uma condição necessária e prévia a qualquer apreciação relativa ao impacto de uma operação de concentração (v., neste sentido, Acórdão de 31 de março de 1998, França e o./Comissão, C‑68/94 e C‑30/95, EU:C:1998:148, n.o 143).

44      A este respeito, importa referir que o mercado de produtos que deve ser tido em conta inclui todos os produtos ou serviços que o consumidor considere permutáveis ou substituíveis em razão das suas características, do seu preço e da utilização a que se destinam. Mais concretamente, o conceito de «mercado relevante» implica que possa existir uma concorrência efetiva entre os produtos ou os serviços que dele fazem parte, o que pressupõe um grau suficiente de permutabilidade para efeitos da mesma utilização entre todos os produtos ou todos os serviços que façam parte de um mesmo mercado (Acórdão de 23 de janeiro de 2018, F. Hoffmann‑La Roche e o., C‑179/16, EU:C:2018:25, n.os 50 e 51).

45      Além disso, quando a Comissão é acusada de não ter tido em conta um eventual problema concorrencial em mercados distintos daqueles sobre os quais incidiu a análise concorrencial, cabe ao recorrente apresentar indícios sérios que demonstrem de forma tangível a existência de um problema concorrencial que, pelo seu impacto, deveria ter sido apreciado pela Comissão. A fim de responder a esta exigência, cabe ao recorrente identificar os mercados em causa, descrever a situação concorrencial que existiria sem a concentração e indicar quais seriam os efeitos prováveis de uma concentração no que respeita à situação concorrencial nesses mercados (Acórdãos de 4 de julho de 2006, easyJet/Comissão, T‑177/04, EU:T:2006:187, n.os 65 e 66, e de 13 de maio de 2015, Niki Luftfahrt/Comissão, T‑162/10, EU:T:2015:283, n.os 174 e 175).

46      No n.o 37 da decisão recorrida, a Comissão identificou dois mercados afetados pela concentração, a saber, por um lado, um mercado a montante constituído pelo fornecimento de parafina bruta na Polónia e, por outro, um mercado a jusante constituído pelo fornecimento de ceras de parafina no EEE, que utilizam a parafina bruta como matéria‑prima.

47      Em primeiro lugar, a recorrente acusa a Comissão de ter limitado a definição do mercado a jusante das ceras de parafina apenas às «ceras de parafina inteiramente refinadas», a saber, as ceras fabricadas à base de parafina bruta ligeira, que serve de matéria‑prima para a produção de velas, e de não ter incluído as ceras à base de parafina bruta média e pesada, utilizadas no fabrico de velas de cemitério e de diversas preparações industriais.

48      Esta acusação baseia‑se numa leitura errada da decisão recorrida.

49      Com efeito, no considerando 1993 da decisão recorrida, a Comissão referiu que «[a] parafina bruta [era] um subproduto da produção de óleos de petróleo [, que] [tinha] múltiplas utilizações, mas [era utilizada] principalmente como matéria‑prima [para] o fabrico de ceras de parafina inteiramente refinadas, que — por sua vez — [constituíam] a principal matéria‑prima para a produção de velas». Nos considerandos 1996 e 1997 desta decisão, indicou que estava a apreciar os efeitos da concentração no mercado da parafina bruta e das ceras de parafina.

50      Ora, em primeiro lugar, não se pode deduzir do considerando 1993 da decisão recorrida que a Comissão definiu o mercado a jusante das ceras de parafina de uma maneira mais restrita, no sentido de que apenas visa as ceras de parafina inteiramente refinadas. Pelo contrário, neste considerando a Comissão sublinhou expressamente que a parafina bruta era utilizada «para muitas aplicações», e não exclusivamente para a produção de ceras de parafina inteiramente refinadas.

51      Em segundo lugar, no considerando 1997 da decisão recorrida, a Comissão referiu‑se a um mercado constituído globalmente por ceras de parafina, e não apenas por ceras de parafina inteiramente refinadas.

52      Em terceiro lugar, esta conclusão é corroborada pela leitura das decisões anteriores da Comissão para as quais o considerando 1997 da decisão recorrida remete e no prolongamento das quais a definição do mercado a jusante das ceras de parafina se insere.

53      Assim, no considerando 4 da Decisão C(2008) 4576 final da Comissão, de 1 de outubro de 2008, relativa a um processo de aplicação do artigo 81.o do Tratado que institui a Comunidade Europeia e do artigo 53.o do Acordo EEE (processo COMP/39181 — Cera para velas) (resumo publicado no JO 2009, C 295, p. 17), as ceras de parafina foram definidas no sentido de que incluem «parafinas inteiramente refinadas e parafinas semirrefinadas (em função do conteúdo em óleo) bem como ceras hidroterminadas, misturas de cera, especialidades de cera e ceras de parafina duras», que «são utilizadas para a produção de uma série de produtos[,] tais como velas, produtos químicos, pneus e produtos automóveis, assim como nas indústrias da borracha, da embalagem, dos adesivos e das pastilhas elásticas».

54      Daqui decorre que o mercado a jusante não foi limitado, na decisão recorrida, apenas às ceras de parafina inteiramente refinadas, como afirma a recorrente, mas sim a todas as ceras de parafina, conforme definidas no n.o 53, supra.

55      Por conseguinte, a presente acusação deve ser rejeitada.

56      Em segundo lugar, há que salientar que os articulados da recorrente contêm várias referências aos diferentes tipos de parafina bruta, a saber, «ligeira», «média» ou «pesada», bem como às suas propriedades e às suas diferentes utilizações. Na medida em que estas referências devem ser entendidas no sentido de que constituem uma acusação relativa a uma definição errada do mercado a montante porque a Comissão devia ter considerado que existiam três mercados diferentes, consoante se tratasse destes três tipos de parafina bruta, tal acusação não pode ser acolhida.

57      Com efeito, cabia à recorrente apresentar indícios sérios que demonstrassem que não existia um grau suficiente de permutabilidade entre a parafina bruta «pesada», a parafina bruta «ligeira» e a parafina bruta «média» para que pertencessem ao mesmo mercado.

58      Mais especificamente, tendo em conta o método exposto na Comunicação da Comissão relativa à definição de mercado relevante para efeitos do direito [da União] da concorrência (JO 1997, C 372, p. 5; a seguir «Comunicação relativa à Definição do Mercado Relevante»), cabia à recorrente apresentar indícios sérios que demonstrassem uma substituibilidade insuficiente do lado da procura e do lado da oferta entre os diferentes tipos de parafina bruta para que estes pertencessem ao mesmo mercado.

59      Do ponto de vista da procura, a recorrente devia ter apresentado indícios sérios que demonstrassem que os clientes de um tipo de parafina bruta não se reportariam a outro tipo de parafina bruta em caso de ligeiro aumento do preço, pelo que estes não podiam ser considerados substituíveis (v., neste sentido, os n.os 15 a 20 da Comunicação relativa à Definição do Mercado Relevante).

60      Do ponto de vista da oferta, a recorrente devia ter apresentado indícios sérios que demonstrassem que os fornecedores de um tipo de parafina bruta não podiam reorientar a sua produção para a produção de outro tipo de parafina bruta e comercializá‑la a curto prazo, sem incorrerem em custos ou riscos suplementares significativos em resposta a pequenas alterações, embora duradouras, nos preços relativos (v., neste sentido, os n.os 20 a 24 da Comunicação relativa à Definição do Mercado Relevante).

61      A recorrente limita‑se, nos n.os 112 a 120 da réplica, a sublinhar que a parafina bruta ligeira, a parafina bruta média e a parafina bruta pesada são fatores de produção de matérias‑primas diferentes. Noutros pontos da sua argumentação, alega que a qualidade da parafina bruta pode variar sensivelmente de uma refinaria para outra. Ora, tais alegações não constituem indícios sérios que demonstrem que não existe um grau suficiente de permutabilidade entre estes diferentes tipos de parafina bruta para que possam ser substituíveis do ponto de vista da procura. Em todo o caso, a recorrente não aborda a questão de uma eventual substituibilidade do ponto de vista da oferta.

62      Esta acusação da recorrente, admitindo que tenha sido formulada, deve, assim, ser julgada improcedente.

63      Em terceiro lugar, a recorrente alega, em substância, que a Comissão teve erradamente em conta, no mercado a montante, a parafina bruta importada para a Polónia e que deveria ter limitado a definição do referido mercado apenas à parafina bruta produzida e comercializada na Polónia. Justifica esta afirmação pela diferença de qualidade da parafina bruta segundo a sua refinaria de origem e o custo do seu transporte a partir do estrangeiro.

64      Esta acusação também não pode ser acolhida.

65      Com efeito, como resulta dos n.os 15 a 20 da Comunicação relativa à Definição do Mercado Relevante, conforme resumidos no n.o 59, supra, os produtos pertencem a um mesmo mercado, nomeadamente se o consumidor os considerar substituíveis.

66      Ora, a recorrente não contesta que a oferta de parafina bruta a que os clientes polacos recorreram, antes da concentração, não era exclusivamente constituída pela Lotos, única produtora de parafina bruta polaca que oferecia esse produto no mercado, mas igualmente por fornecedores situados fora desse território. A própria reconhece ter recorrido a importações de parafina bruta provenientes da Grã‑Bretanha, de França, da Hungria e de Itália.

67      Na realidade, a argumentação da recorrente baseia‑se sobretudo nas vantagens que representa, para ela, a parafina bruta proveniente da Lotos, do ponto de vista, nomeadamente, do seu custo de transporte mais reduzido, da diversidade dos tipos de parafina bruta oferecidos ou da adequação destes ao seu processo de fabrico das ceras de parafina, uma vez que ambas fizeram parte da mesma sociedade até 2012.

68      No entanto, tais considerações são irrelevantes, na medida em que a procura de parafina bruta, na Polónia, não é exclusivamente satisfeita pela produção nacional, mas também por importações, pelo que existe uma concorrência efetiva, no mercado polaco, entre a oferta de parafina bruta nacional e a oferta de parafina bruta estrangeira, que justifica que esta última esteja incluída na definição do mercado relevante.

69      Esta conclusão não é infirmada pelos novos elementos de prova apresentados pela recorrente em 13 de dezembro de 2022 e em 5 de janeiro de 2023, que evidenciam o aumento do custo do frete e a impossibilidade de obter parafina bruta em refinarias russas na sequência das ações da Federação da Rússia que desestabilizam a situação na Ucrânia.

70      A este respeito, e sem que seja necessário questionar a admissibilidade desses elementos de prova à luz do artigo 85.o do Regulamento de Processo, basta sublinhar que, na medida em que dizem respeito a acontecimentos posteriores à decisão recorrida, são irrelevantes, devendo a legalidade desta decisão ser apreciada à luz dos elementos factuais existentes à data da sua adoção (v., neste sentido, Acórdãos de 4 de julho de 2006, easyJet/Comissão, T‑177/04, EU:T:2006:187, n.os 203 e 204, e de 9 de julho de 2007, Sun Chemical Group e o./Comissão, T‑282/06, EU:T:2007:203, n.o 59).

71      Em face do exposto, a presente parte deve ser julgada improcedente.

b)      Quanto à segunda parte, relativa a uma apreciação errada dos efeitos da concentração nos mercados relevantes

72      A recorrente alega, em substância, que a Comissão violou o artigo 2.o, n.o 1, alínea b), do Regulamento n.o 139/2004 e os n.os 2 e 3 deste mesmo artigo, no que respeita à apreciação dos efeitos da concentração tanto no mercado da parafina bruta como no mercado das ceras de parafina.

73      A título preliminar, há que julgar improcedente a exceção de inadmissibilidade suscitada pela Comissão, relativa ao facto de a argumentação apresentada pela recorrente, que se refere expressamente a uma violação do artigo 2.o, n.os 2 e 3, do Regulamento n.o 139/2004, não satisfazer os requisitos de clareza e de coerência previstos no artigo 76.o, alínea d), do Regulamento de Processo.

74      Embora, efetivamente, a passagem da petição que diz especificamente respeito à violação do artigo 2.o, n.os 2 e 3, do Regulamento n.o 139/2004 se limite a dois números, a recorrente remete para a argumentação, mais desenvolvida, que apresentou a título da violação do artigo 2.o, n.o 1, do mesmo regulamento. Por conseguinte, a Comissão estava em condições de compreender os argumentos que a recorrente apresentou em apoio da sua contestação da apreciação dos efeitos da concentração.

75      A presente parte pode ser dividida em duas acusações, através das quais a recorrente contesta, respetivamente, a inexistência de apreciação dos efeitos horizontais da concentração no mercado da parafina bruta e o mérito da apreciação dos efeitos verticais da concentração no mercado das ceras de parafina.

1)      Quanto à primeira acusação, relativa à inexistência de apreciação dos efeitos horizontais da concentração no mercado da parafina bruta

76      A recorrente sublinha, em substância, que a própria Orlen era uma empresa produtora de parafina bruta, pelo que a aquisição da Lotos por parte desta tinha igualmente uma dimensão horizontal. Daqui deduziu que a Comissão não apreciou os efeitos horizontais da concentração, o que estava obrigada a fazer em aplicação das Orientações para a apreciação das concentrações horizontais nos termos do Regulamento do Conselho relativo ao controlo das concentrações de empresas (JO 2004, C 31, p. 5; a seguir «Orientações relativas às Concentrações Horizontais»).

77      A Comissão responde que a concentração não podia produzir efeitos horizontais no mercado da parafina bruta, na medida em que a Orlen não estava presente nesse mercado.

78      Como recorda a Comissão no n.o 22 das suas Orientações relativas às Concentrações Horizontais, destas podem resultar entraves significativos à concorrência efetiva, em especial através da criação ou reforço de uma posição dominante, principalmente de duas formas.

79      Trata‑se, por um lado, da hipótese dos efeitos não coordenados ou unilaterais, quando a concentração elimina pressões concorrenciais significativas sobre uma ou várias empresas, que teriam assim um poder de mercado acrescido, sem recorrerem a uma coordenação dos comportamentos.

80      Trata‑se, por outro lado, da hipótese dos efeitos coordenados, quando a concentração altera a natureza da concorrência de tal forma que as empresas que, até então, não coordenavam o seu comportamento passam a ter muito mais propensão para o fazer e para aumentar os seus preços ou prejudicar, de outra maneira, a concorrência efetiva. Uma operação de concentração pode igualmente facilitar, estabilizar ou tornar mais eficaz a coordenação entre as empresas que já coordenavam o seu comportamento antes da operação.

81      Assim, na medida em que é facto assente que a Orlen não comercializava a sua produção de parafina bruta, a concentração não podia ter como consequência uma diminuição da oferta no mercado da parafina bruta. Nesta perspetiva, não podia conduzir à eliminação de uma «pressão concorrencial significativa nesse mercado», à constituição de um «poder de mercado acrescido» em benefício das empresas presentes no referido mercado ou ser suscetível de facilitar a coordenação no mercado, na aceção das Orientações relativas às Concentrações Horizontais.

82      Além disso, a recorrente não acusa a Comissão de não ter apreciado a possibilidade, prevista nos n.os 58 a 60 das Orientações relativas às Concentrações Horizontais, de a concentração produzir efeitos anticoncorrenciais devido a um agrupamento entre uma empresa já presente no mercado, a Lotos, e um concorrente potencial, a Orlen.

83      Em todo o caso, tendo em conta as circunstâncias do presente processo, não se pode acusar seriamente a Comissão de não ter considerado expressamente essa possibilidade.

84      Como foi recordado no n.o 60 das Orientações relativas às Concentrações Horizontais, para que a concentração produza efeitos horizontais significativos, teria sido necessário que a eventual entrada da Orlen no mercado da parafina bruta do lado da oferta constituísse, antes da referida concentração, uma pressão significativa sobre os fornecedores atualmente presentes nesse mercado. Ora, a existência dessa pressão estava excluída devido à qualidade de adquirente da Orlen no referido mercado, mencionada no considerando 2004 da decisão recorrida.

85      Em face do exposto, a presente acusação deve ser julgada improcedente.

2)      Quanto à segunda acusação, relativa a uma apreciação errada dos efeitos verticais da concentração no mercado das ceras de parafina

86      A recorrente alega que a Comissão entendeu erradamente, nos considerandos 2004 e 2005 da decisão recorrida, que a Orlen, na sequência da aquisição da Lotos, não tinha nem a capacidade nem o incentivo para seguir uma estratégia de encerramento do acesso à parafina bruta no mercado das ceras de parafina.

87      A Comissão, apoiada pela Orlen, considera ter excluído, com razão, a eventualidade desse encerramento.

88      Como indicado no n.o 31 das Orientações para a apreciação das concentrações não horizontais nos termos do Regulamento do Conselho relativo ao controlo das concentrações de empresas (JO 2008, C 265, p. 6; a seguir «Orientações relativas às Concentrações Não Horizontais»), verifica‑se um encerramento de fatores de produção nos casos em que, após a concentração, a nova entidade é suscetível de restringir o acesso aos produtos ou aos serviços que seriam de outra forma fornecidos ou prestados caso não se tivesse realizado a concentração. Nos termos do n.o 32 dessas orientações, ao apreciar a probabilidade de um cenário de encerramento anticoncorrencial de fatores de produção, a Comissão determina, em primeiro lugar, se a entidade resultante da concentração teria, após a concentração, a capacidade de encerrar significativamente o acesso aos fatores de produção, em segundo lugar, se teria incentivos para o fazer e, em terceiro lugar, se uma estratégia de encerramento do mercado teria um efeito prejudicial significativo a nível da concorrência a jusante.

89      Importa referir que estes três requisitos são cumulativos, pelo que a falta de um deles é suficiente para excluir o risco de encerramento de fatores de produção (v. Acórdão de 27 de janeiro de 2021, KPN/Comissão, T‑691/18, não publicado, EU:T:2021:43, n.o 112 e jurisprudência referida).

90      Quanto ao primeiro requisito, a Comissão entendeu, no considerando 2004 da decisão recorrida, que a Orlen, na sequência da concentração, não dispunha da capacidade de encerrar o acesso à parafina bruta uma vez que «mais de [60 % a 70 %] do mercado continuar[ia] disponível como fonte de fornecimento de parafina bruta».

91      Como a Comissão indica no n.o 35 das Orientações relativas às Concentrações Não Horizontais, «[p]ara que o encerramento de fatores de produção constitua uma preocupação em matéria de concorrência, a empresa integrada verticalmente resultante da concentração deve dispor de um grau suficiente de poder no mercado a montante» e «[só] nestas circunstâncias é expectável que a empresa resultante da concentração possa exercer uma influência significativa sobre as condições concorrenciais no mercado a montante e dessa forma, possivelmente, sobre os preços e condições de fornecimento no mercado a jusante».

92      A este respeito, a Comissão sublinha, no n.o 36 das Orientações relativas às Concentrações Não Horizontais, que a «entidade resultante da concentração só terá a capacidade de encerrar os fatores de produção aos concorrentes a jusante se, ao reduzir o acesso aos seus próprios produtos ou serviços no mercado a montante, afetar de forma negativa a disponibilidade global de bens e serviços no mercado a jusante, em termos de preço ou qualidade», que «[e]sta situação pode ocorrer quando os restantes fornecedores a montante são menos eficientes, oferecem alternativas menos atraentes ou não dispõem de capacidade para aumentar a produção em resposta à limitação de oferta, nomeadamente porque estão confrontados com restrições de capacidade ou, de forma mais geral, com rendimentos decrescentes à escala» e que, «[d]e igual modo, a existência de contratos exclusivos entre a entidade resultante da concentração e fornecedores independentes pode limitar as possibilidades de os concorrentes a jusante disporem de um acesso adequado aos fatores de produção».

93      A recorrente baseia a capacidade da nova entidade para encerrar o mercado no facto de os outros fornecedores de parafina bruta terem menos opções em matéria de produtos, só poderem fornecer quantidades insuficientes, disporem de produtos de menor qualidade, constituírem fontes aleatórias, devido a dificuldades de ordem administrativa ou política, ou apresentarem dificuldades logísticas demasiado importantes. Além disso, a recorrente fornece, anexa às suas observações sobre o articulado de intervenção, uma análise comparativa dos tipos de parafina bruta que utiliza segundo os seus fornecedores (Lotos e outros), demonstrando, em substância, as diferenças entre estes.

94      Em primeiro lugar, pelas razões acima expostas nos n.os 65 a 69, importa referir que a Comissão incluiu acertadamente na sua definição de mercado a montante a parafina bruta importada para a Polónia.

95      Em segundo lugar, e consequentemente, foi igualmente com razão que a Comissão entendeu, no essencial, no considerando 2004 da decisão recorrida, que uma parte substancial da oferta de parafina bruta no mercado não seria afetada pela concentração.

96      Em terceiro lugar, daqui decorre que a existência de importação de parafina bruta para a Polónia tornava pouco provável que, após a concentração, a Orlen tivesse a capacidade de encerrar o acesso a esse mercado, uma vez que a recorrente podia continuar a recorrer a fontes de abastecimento alternativas caso a parafina bruta controlada pela Orlen já não lhe fosse acessível, ou apenas o fosse em menor medida.

97      Em quarto lugar, os argumentos da recorrente baseados nas diferenças de qualidade existentes entre a parafina bruta importada e a parafina bruta fornecida pela Lotos, as dificuldades de abastecimento e os custos de transporte ligados à parafina bruta provenientes de outras fontes não permitem demonstrar que a nova entidade resultante da concentração poderia afetar «de forma negativa a disponibilidade global de bens e serviços no mercado a jusante, em termos de preço ou qualidade», na aceção do n.o 36 das Orientações relativas às Concentrações Não Horizontais.

98      Primeiro, no que respeita ao destaque dado à diferença de qualidade entre a parafina bruta produzida pela Lotos e a parafina bruta importada, há que salientar que se trata de uma consideração subjetiva da recorrente que tem a sua origem na sua pertença ao grupo Lotos até 2012 e que implica que o seu processo de fabrico se baseie nas características da parafina bruta proveniente das refinarias da Lotos. Além disso, esta consideração é, em certa medida, contrariada pela utilização por parte da recorrente, no passado, de parafina bruta importada.

99      Segundo, no que respeita às dificuldades de abastecimento e aos custos de transporte ligados à parafina bruta importada, admitindo que estão demonstrados, deviam, no entanto, ser relativizados, uma vez que uma parte substancial da parafina bruta comercializada no mercado polaco, antes da concentração, já resultava de importações.

100    Terceiro, no que respeita ao destaque dado pela recorrente, em 13 de dezembro de 2022 e em 5 de janeiro de 2023, a um aumento do preço e a uma redução das fontes de abastecimento exteriores à Polónia após a concentração, pelas razões expostas nos n.os 69 e 70, supra, o mesmo não pode ser tido em conta para fiscalizar o mérito das apreciações da Comissão.

101    Por conseguinte, a Comissão considerou corretamente que o primeiro dos requisitos que devem estar preenchidos para que a existência de um encerramento de fatores de produção seja admitida não estava preenchido no caso em apreço. Tendo em conta o caráter cumulativo destes requisitos, como foi recordado no n.o 89, supra, esta constatação é suficiente para justificar a rejeição da presente acusação.

102    Em todo o caso, há que referir que a Comissão também aplicou corretamente o segundo requisito ao considerar que não existia nenhum incentivo para que a nova entidade resultante da concentração encerrasse fatores de produção.

103    No considerando 2005 da decisão recorrida, a Comissão baseou‑se corretamente na muito pequena quota de mercado que a Orlen detém no mercado das ceras de parafina e na intensidade da concorrência existente no referido mercado para excluir qualquer incentivo, por parte da nova entidade resultante da concentração, para adotar uma estratégia de encerramento do mercado a montante da parafina bruta.

104    Como sublinha a Comissão no n.o 40 das Orientações relativas às Concentrações Não Horizontais, «[o] incentivo para encerrar o acesso aos fatores de produção depende do respetivo grau de rentabilidade». Nos termos do referido número, «[a] empresa integrada verticalmente tomará em consideração a forma como os seus fornecimentos de fatores de produção aos concorrentes a jusante afetam os lucros, não só do seu departamento a montante mas também do seu departamento a jusante». Por último, o mesmo número refere que «[n]a realidade, a entidade resultante da concentração deve pesar entre, por um lado, as perdas de lucro no mercado a montante devido à redução das vendas de fatores de produção a concorrentes (atuais ou potenciais) e, por outro, os ganhos em lucro resultante, a curto ou a mais longo prazo, da expansão das suas vendas a jusante ou, consoante os casos, da capacidade de aumentar os preços junto dos consumidores».

105    A recorrente alega, em substância, que um dos incentivos para prosseguir uma estratégia de encerramento da parafina bruta reside na possibilidade de aumentar os preços no mercado das ceras de parafina.

106    Importa salientar que a Comissão, no considerando 2000 da decisão recorrida, definiu o mercado das ceras de parafina no sentido de que abrangia todo o EEE, no considerando 2002 da referida decisão, observou que a Orlen detinha entre 5 % e 10 % de quota de mercado e, no considerando 2005 desta decisão, referiu que a concorrência nesse mercado era intensa. Estas afirmações não foram contestadas pela recorrente.

107    Ora, tendo em conta estas características do mercado a jusante, a Comissão podia razoavelmente concluir, no considerando 2005 da decisão recorrida, que não existia nenhum incentivo para a nova entidade restringir o acesso à parafina bruta.

108    Com efeito, por um lado, os efeitos de um encerramento só são suscetíveis de afetar uma pequena parte da concorrência no mercado a jusante e, assim, não apresentam nenhuma vantagem para a nova entidade. Por outro lado, o encerramento implica uma perda de rendimentos no mercado a montante da parafina bruta.

109    Por último, no que respeita à alegação da recorrente, apresentada em 13 de dezembro de 2022 e em 5 de janeiro de 2023, segundo a qual o receio que tinha manifestado de um encerramento do mercado da parafina bruta se concretizaria, por razões análogas às expostas nos n.os 69, 70 e 100, supra, deve ser considerada, em todo o caso, irrelevante para a fiscalização da legalidade da decisão recorrida.

110    Tendo em conta todas estas considerações, o presente fundamento, nas suas diferentes partes e acusações, deve ser julgado improcedente.

2.      Quanto ao segundo fundamento, relativo a uma fundamentação insuficiente

111    A recorrente entende que a fundamentação da decisão recorrida é insuficiente, nomeadamente no que respeita à definição dos mercados relevantes. Considera que o presente fundamento é admissível, mesmo que seja apresentado na fase da réplica, uma vez que a referida decisão ainda não tinha sido publicada à data de apresentação da petição.

112    A Comissão entende que o presente fundamento é inadmissível, uma vez que a sua apresentação na fase da réplica é contrária ao artigo 84.o do Regulamento de Processo e que o seu caráter extemporâneo resulta da opção da recorrente de interpor o recurso antes da publicação da decisão recorrida. Em todo o caso, alega que a referida decisão está suficientemente fundamentada.

113    A título preliminar, importa recordar que a insuficiência ou a falta de fundamentação de um ato devem ser suscitadas oficiosamente pelo Tribunal Geral. A circunstância de uma argumentação neste sentido ser apresentada numa fase tardia do processo pelo recorrente não pode alterar, no que respeita a este ponto, a função do juiz da União.

114    Nos termos do artigo 296.o TFUE, os atos jurídicos adotados pelas instituições da União são fundamentados.

115    A este respeito, importa recordar que a fundamentação exigida pelo artigo 296.o TFUE deve ser adaptada à natureza do ato em causa e revelar, de forma clara e inequívoca, o raciocínio da instituição autora do ato, de forma que permita aos interessados conhecer as razões da medida adotada e ao órgão jurisdicional competente exercer a sua fiscalização. Assim, a exigência de fundamentação deve ser apreciada em função das circunstâncias do caso em apreço, designadamente do conteúdo do ato, da natureza dos fundamentos invocados e do interesse que os destinatários ou outras pessoas direta e individualmente afetadas pelo ato podem ter em obter explicações. Não é exigido que a fundamentação especifique todos os elementos de facto e de direito relevantes, na medida em que a questão de saber se a fundamentação de um ato satisfaz as exigências do artigo 296.o TFUE deve ser apreciada à luz não somente do seu teor mas também do seu contexto e do conjunto das normas jurídicas que regem a matéria em causa (Acórdãos de 2 de abril de 1998, Comissão/Sytraval e Brink’s France, C‑367/95 P, EU:C:1998:154, n.o 63; de 22 de junho de 2004, Portugal/Comissão, C‑42/01, EU:C:2004:379, n.o 66; e de 15 de abril de 2008, Nuova Agricast, C‑390/06, EU:C:2008:224, n.o 79).

116    Em primeiro lugar, decorre necessariamente da apreciação e da improcedência do primeiro fundamento que o raciocínio da Comissão que figura no n.o 37 da decisão recorrida permitiu à recorrente defender utilmente os seus direitos e ao Tribunal Geral exercer a sua fiscalização.

117    Em segundo lugar, esta conclusão é particularmente válida em relação ao que parece ser a crítica principal da recorrente, a saber, uma alegada insuficiência de explicitação dos fundamentos que levaram a Comissão a não privilegiar uma definição do mercado a montante limitada apenas à parafina bruta produzida e comercializada na Polónia.

118    A este respeito, há que referir que a inclusão pela Comissão do conjunto da parafina bruta comercializada na Polónia na sua definição do mercado constitui uma simples aplicação dos critérios que figuram na Comunicação relativa à Definição do Mercado Relevante, a qual faz parte do contexto jurídico em que a decisão recorrida se insere. Assim, a recorrente estava em condições de compreender os fundamentos subjacentes à referida decisão, sem que a Comissão fosse obrigada a fornecer uma fundamentação mais explícita a este respeito.

119    Em terceiro lugar, e em todo o caso, mesmo na eventualidade de a decisão recorrida estar viciada por uma fundamentação insuficiente no que respeita à definição do mercado a montante, esta não poderia conduzir à anulação da decisão recorrida.

120    Por um lado, há que recordar que, tendo em conta o caráter cumulativo dos requisitos necessários para determinar a possibilidade de encerramento de fatores de produção, que foi recordado no n.o 88, supra, cada um dos fundamentos que figuram nos considerandos 2004 e 2005 da decisão recorrida era suscetível de justificar a conclusão da Comissão que excluía a eventualidade de a concentração conduzir a um encerramento do acesso à parafina bruta.

121    Por outro lado, uma insuficiência na fundamentação da definição do mercado a montante apenas afetaria o fundamento relativo a uma falta de capacidade da nova entidade para encerrar o mercado, que figura no considerando 2004 da decisão recorrida. Não teria impacto no fundamento relativo ao facto de esta nova entidade não ter incentivos nesse sentido, que figura no considerando 2005 da referida decisão. Com efeito, este considerando contém exclusivamente apreciações relativas à dimensão geográfica do mercado a jusante das ceras de parafina e à intensidade da concorrência nesse mercado.

122    Assim, há que julgar improcedente o segundo fundamento e, por conseguinte, negar provimento ao recurso na íntegra, sem que seja necessário apreciar o pedido da recorrente, apresentado na audiência, que visa, em substância, no caso de o pedido de peritagem não ser deferido, que o Tribunal Geral obtenha da Comissão os elementos em que esta se baseou para fundamentar a decisão recorrida.

IV.    Quanto às despesas

123    Nos termos do artigo 134.o, n.o 1, do Regulamento de Processo, a parte vencida é condenada nas despesas se a parte vencedora o tiver requerido. Tendo a recorrente sido vencida, há que condená‑la nas despesas, nos termos dos pedidos apresentados pela Comissão e pela interveniente.

Pelos fundamentos expostos,

O TRIBUNAL GERAL (Terceira Secção alargada)

decide:

1)      É negado provimento ao recurso.

2)      A Polwax S.A. é condenada nas despesas.

Schalin

Frimodt Nielsen

Škvařilová‑Pelzl

Nõmm

 

      Kukovec

Proferido em audiência pública no Luxemburgo, em 14 de junho de 2023.

Assinaturas


*      Língua do processo: polaco.