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Processos apensos C704/20 e C39/21

Staatssecretaris van Justitie en Veiligheid

contra

C
e
B (C704/20)

e

X

contra

Staatssecretaris van Justitie en Veiligheid (C39/21)

[pedidos de decisão prejudicial apresentados pelo Raad van State e pelo rechtbank Den Haag, zittingsplaats ’s‑Hertogenbosch (Países Baixos)]

 Acórdão do Tribunal de Justiça (Grande Secção) de 8 de novembro de 2022

«Reenvio prejudicial — Espaço de liberdade, segurança e justiça — Detenção de nacionais de países terceiros — Direito fundamental à liberdade — Artigo 6.° da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia — Requisitos de legalidade da detenção — Diretiva 2008/115/CE — Artigo 15.° — Diretiva 2013/33/UE — Artigo 9.° — Regulamento (UE) n.° 604/2013 — Artigo 28.° — Fiscalização da legalidade da detenção e da manutenção de uma medida de detenção — Exame oficioso — Direito fundamental a um recurso jurisdicional efetivo — Artigo 47.° da Carta dos Direitos Fundamentais»

1.        Questões prejudiciais — Tramitação prejudicial urgente — Requisitos — Pessoa privada de liberdade — Resolução do litígio suscetível de ter impacto nessa privação de liberdade — Cessação da medida privativa de liberdade — Cessação da aplicação desta tramitação processual

(Estatuto do Tribunal de Justiça, artigo 23.°A; Regulamento de Processo do Tribunal de Justiça, artigo 107.°)

(cf. n.os 53‑55, 57‑59)

2.        Controlos nas fronteiras, asilo e imigração — Política de asilo — Normas em matéria de acolhimento dos requerentes de proteção internacional — Diretiva 2013/33 — Critérios e mecanismos de determinação do EstadoMembro responsável pela análise de um pedido de proteção internacional — Regulamento n.° 604/2013 — Política de imigração — Regresso dos nacionais de país terceiro em situação irregular — Diretiva 2008/115 — Conceito de detenção/retenção na aceção desses atos — Sentido semelhante — Medida coerciva que priva o requerente da sua liberdade de movimentos e o isola do resto da população impondo a sua permanência num perímetro restrito e fechado

[Regulamento n.° 604/2013 do Parlamento Europeu e do Conselho, artigo 28.°; Diretiva 2008/115 do Parlamento Europeu e do Conselho, artigos 15.° e 16.°, e Diretiva 2013/33 do Parlamento Europeu e do Conselho, artigo 2.°, alínea h)]

(cf. n.os 72, 73)

3.        Controlos nas fronteiras, asilo e imigração — Política de imigração — Regresso dos nacionais de países terceiros em situação irregular — Diretiva 2008/115 — Política de asilo — Normas em matéria de acolhimento dos requerentes de proteção internacional — Diretiva 2013/33 — Critérios e mecanismos de determinação do EstadoMembro responsável pela análise de um pedido de proteção internacional — Regulamento n.° 604/2013 — Detenção de um nacional de um país terceiro — Alcance da fiscalização jurisdicional dos requisitos de legalidade da detenção — Obrigação de uma autoridade judicial de suscitar oficiosamente, com base nos elementos do processo, completados ou esclarecidos durante o processo contraditório que lhe foi submetido, o eventual incumprimento de um requisito de legalidade

(Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia, artigos 6.° e 47.°; Regulamento n.° 604/2013 do Parlamento Europeu e do Conselho, artigo 28.°, n.° 4; Diretiva 2008/115 do Parlamento Europeu e do Conselho, artigo 15.°, n.os 2 e 3, e Diretiva 2013/33 do Parlamento Europeu e do Conselho, artigo 9.°, n.os 3 e 5)

(cf. n.os 81‑88, 94 e disp.)

Resumo

B, C e X, três nacionais de países terceiros, foram detidos nos Países Baixos no âmbito de procedimentos para efeitos, respetivamente, da análise de um pedido de proteção internacional, de uma transferência para o Estado‑Membro responsável por essa análise e de um regresso relacionado com a irregularidade da permanência no território neerlandês.

Os interessados impugnaram judicialmente as medidas de detenção, ou de manutenção da detenção, contra si adotadas. Os órgãos jurisdicionais de reenvio, decidindo em primeira ou em segunda instância, interrogam‑se sobre o alcance da fiscalização da legalidade das medidas em causa.

Com efeito, qualquer medida de detenção prevista no direito da União — a saber, respetivamente, na «Diretiva Acolhimento» (1), no Regulamento Dublim III (2) e na «Diretiva Regresso» (3) — é regulada, nos Países Baixos, pelo direito processual administrativo, o qual, em princípio, não permite que os tribunais examinem oficiosamente se a medida de detenção em causa cumpre um requisito de legalidade cuja inobservância não seja invocada pelo interessado.

Os órgãos jurisdicionais de reenvio interrogam‑se, contudo, sobre a compatibilidade dessa situação com o direito da União e, nomeadamente, com os direitos fundamentais à liberdade e a um recurso efetivo (4). Por conseguinte, recorrem ao Tribunal de Justiça a título prejudicial, a fim de saber, em substância, se o direito da União os obriga a examinarem oficiosamente todos os requisitos que uma medida de detenção deve cumprir para ser legal, incluindo aqueles cuja violação não foi invocada pela pessoa em causa.

O Tribunal de Justiça, reunido em Grande Secção, considera que, por força da Diretiva Regresso (5), da Diretiva Acolhimento (6) e do Regulamento Dublim III (7), em conjugação com a Carta (8), a fiscalização, por uma autoridade judicial, do cumprimento dos requisitos de legalidade da detenção de um nacional de um país terceiro que decorrem do direito da União deve conduzir essa autoridade a suscitar oficiosamente, com base nos elementos do processo levados ao seu conhecimento, completados ou esclarecidos durante o processo contraditório que lhe foi submetido, o eventual incumprimento de um requisito de legalidade que não tenha sido invocado pela pessoa em causa.

Apreciação do Tribunal de Justiça

A este respeito, o Tribunal de Justiça precisa, em primeiro lugar, que a detenção, que constitui uma ingerência grave no direito à liberdade, só pode ser ordenada ou prorrogada se forem respeitadas as regras gerais e abstratas que fixam os requisitos e modalidades de tal detenção. Estas regras, contidas nos atos do direito da União (9), por um lado, e nas disposições de direito nacional que procedem à sua execução, por outro, são as normas que determinam os requisitos de legalidade da detenção, incluindo na perspetiva do direito à liberdade. Em aplicação dessas normas, quando se verifique que os requisitos de legalidade da detenção não estavam ou deixaram de estar preenchidos, a pessoa em causa deve ser libertada imediatamente.

No que respeita, em segundo lugar, ao direito dos nacionais de países terceiros detidos por um Estado‑Membro a uma proteção jurisdicional efetiva, o Tribunal de Justiça salienta que, segundo as regras pertinentes do direito da União (10), cada Estado‑Membro deve prever, quando a detenção é ordenada por uma autoridade administrativa, uma fiscalização jurisdicional «célere» da legalidade dessa detenção, oficiosamente ou a pedido da pessoa em causa. Quanto à manutenção de uma medida de detenção, este mesmo direito (11) impõe uma reapreciação ou uma fiscalização periódica que deve ter lugar «a intervalos razoáveis» e incidir sobre a questão de saber se os requisitos de legalidade da detenção continuam preenchidos. Assim, uma vez que o direito da União exige, sem exceção, que a fiscalização do cumprimento dos requisitos de legalidade da detenção ocorra «a intervalos razoáveis», a autoridade judicial competente é obrigada a efetuar a referida fiscalização oficiosamente, mesmo que o interessado não o solicite.

O legislador da União não se limitou, assim, a estabelecer normas comuns substantivas, tendo igualmente instituído normas comuns processuais, com a finalidade de assegurar a existência, em cada Estado‑Membro, de um regime que permite à autoridade judicial competente libertar, se for caso disso após um exame oficioso, a pessoa em causa quando se verifique que a sua detenção não é, ou deixou de ser, legal.

Para que esse regime de proteção assegure de forma efetiva o cumprimento dos requisitos estritos a que a legalidade de uma medida de detenção deve obedecer, a autoridade judicial competente deve estar em condições de decidir sobre todos os elementos de facto e de direito pertinentes para verificar essa legalidade. Para o efeito, deve poder tomar em consideração, por um lado, os elementos de facto e as provas invocadas pela autoridade administrativa que ordenou a detenção inicial e, por outro, os factos, as provas e as observações que lhe sejam eventualmente apresentados pela pessoa em causa. Além disso, deve poder procurar quaisquer outros elementos pertinentes para a sua decisão adotando, com fundamento no seu direito nacional, as medidas processuais que considere necessárias.

Com base nesses elementos, essa autoridade deve identificar, se for caso disso, a inobservância de um requisito de legalidade decorrente do direito da União, mesmo que essa inobservância não tenha sido invocada pela pessoa em causa. Esta obrigação não prejudica a obrigação que consiste em convidar cada uma das partes a exprimir‑se sobre o mesmo, em conformidade com o princípio do contraditório.


1      Diretiva 2013/33/UE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 26 de junho de 2013, que estabelece normas em matéria de acolhimento dos requerentes de proteção internacional (JO 2013, L 180, p. 96; a seguir «Diretiva Acolhimento»).


2      Regulamento (UE) n.° 604/2013 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 26 de junho de 2013, que estabelece os critérios e mecanismos de determinação do Estado‑Membro responsável pela análise de um pedido de proteção internacional apresentado num dos Estados‑Membros por um nacional de um país terceiro ou por um apátrida (JO 2013, L 180, p. 31; a seguir «Regulamento Dublim III»).


3      Diretiva 2008/115/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 16 de dezembro de 2008, relativa a normas e procedimentos comuns nos Estados‑Membros para o regresso de nacionais de países terceiros em situação irregular (JO 2008, L 348, p. 98; a seguir «Diretiva Regresso»).


4      Conforme consagrados, respetivamente, no artigo 6.° e no artigo 47.°, da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia (a seguir «Carta»).


5      Artigo 15.°, n.os 2 e 3, da Diretiva Regresso.


6      Artigo 9.°, n.os 3 e 5, da Diretiva Acolhimento.


7      O artigo 28.°, n.° 4, do Regulamento Dublim III.


8      Artigos 6.° e 47.°, da Carta.


9      V. artigo 15.°, n.° 1, n.° 2, segundo parágrafo, n.os 4, 5 e 6, da Diretiva Regresso, artigo 8.°, n.os 2 e 3, e artigo 9.°, n.os 1, 2 e 4, da Diretiva Acolhimento, e artigo 28.°, n.os 2, 3 e 4, do Regulamento Dublim III.


10      V. artigo 15.°, n.° 2, terceiro parágrafo, da Diretiva Regresso e artigo 9.°, n.° 3, da Diretiva Acolhimento, que é igualmente aplicável, com fundamento no artigo 28.°, n.° 4, do Regulamento Dublim III, no âmbito de procedimentos de transferência regulados por este regulamento.


11      Artigo 15.°, n.° 3, da Diretiva Regresso e artigo 9.°, n.° 5, da Diretiva Acolhimento, que é igualmente aplicável, com fundamento no artigo 28.°, n.° 4, do Regulamento Dublim III, no âmbito de procedimentos de transferência regulados por este regulamento.