Language of document : ECLI:EU:C:2016:899

CONCLUSÕES DO ADVOGADO‑GERAL

MICHAL BOBEK

apresentadas em 24 de novembro de 2016 (1)

Processo C‑387/14

Esaprojekt sp. z o.o.

contra

Województwo Łódzkie

[pedido de decisão prejudicial apresentado pela Krajowa Izba Odwoławcza (Câmara Nacional de Recursos, Polónia)]

«Diretiva 2004/18/CE — Princípios da não discriminação e da transparência — Apresentação pelo proponente de informação complementar relativa a fornecimentos não referidos na proposta inicial — Possibilidade de combinar a experiência de duas entidades — Possibilidade de invocar a experiência adquirida como membro de um grupo de empresas — Possibilidade de combinar a experiência adquirida no âmbito de múltiplos contratos — Prestação de falsas declarações com culpa grave»





I –    Introdução

1.        O presente processo diz respeito a um concurso público para o fornecimento de sistemas informáticos hospitalares na Polónia. O contrato foi inicialmente adjudicado à sociedade Komputer Konsult sp. z o.o. (a seguir «KK»). A Esaprojekt sp z o.o. (a seguir «Esaprojekt»), que também tinha apresentado uma proposta, impugnou essa decisão junto dos órgãos jurisdicionais nacionais. A decisão de adjudicação foi anulada com fundamento na insuficiência da experiência invocada pela KK. Esta foi convidada a clarificar a lista relativa à sua experiência. A lista alterada da KK baseava‑se em experiência nova, de terceiros. O contrato foi novamente adjudicado à KK. A Esaprojekt interpôs um novo recurso, que está na origem do presente pedido de decisão prejudicial.

2.        A Krajowa Izba Odwoławcza (Câmara Nacional de Recursos, Polónia; a seguir «órgão jurisdicional de reenvio») coloca ao Tribunal de Justiça uma série de questões que visam determinar, em primeiro lugar, em que condições os proponentes podem alterar a lista relativa à sua experiência e recorrer à experiência de terceiros. Em segundo lugar, o órgão jurisdicional de reenvio pede a clarificação das condições em que a informação fornecida por um proponente constitui «falsas declarações» para efeitos do artigo 45.°, n.° 2, alínea g), da Diretiva 2004/18/CE (2). Em terceiro lugar, pergunta se a experiência adquirida no âmbito de contratos distintos pode ser invocada em conjunto com o fim de cumprir um requisito do concurso, nos casos em que tal possibilidade não tenha sido expressamente prevista pela entidade adjudicante.

II – Quadro jurídico

A –    Direito da União

3.        O artigo 2.o da Diretiva 2004/18 (a seguir «diretiva») estabelece o princípio da transparência e da não discriminação nos processos de adjudicação dos contratos de empreitada de obras públicas, dos contratos públicos de fornecimento e dos contratos públicos de serviços.

4.        O artigo 44.°, n.° 1, da diretiva dispõe que os contratos serão adjudicados, nomeadamente, com base nos critérios relativos aos conhecimentos ou capacidades profissionais e técnicos referidos no artigo 48.° O seu artigo 44.°, n.° 2, estabelece que quaisquer níveis mínimos de capacidade exigidos «devem estar ligados e ser proporcionais ao objeto do contrato».

5.        O artigo 45.°, n.° 2, alínea g), da diretiva, que se insere na secção intitulada «Critérios de seleção qualitativa», prevê que um operador económico pode ser excluído de um procedimento de contratação caso «[t]enha prestado, com culpa grave, falsas declarações ao fornecer as informações que possam ser exigidas nos termos da presente secção ou não tenha prestado essas informações» e, relativamente ao artigo 45.°, n.° 2, em geral, que, «[e]m conformidade com a sua legislação nacional e na observância do direito comunitário, os Estados‑Membros especificarão as condições de aplicação do presente número».

6.        O artigo 48.°, n.° 2, da diretiva indica os meios pelos quais se pode comprovar a experiência, que incluem, em especial, na alínea a), listas das obras executadas e dos principais fornecimentos ou serviços efetuados.

7.        O artigo 48.°, n.° 3, da diretiva prevê que um operador económico «pode, se necessário e para um contrato determinado, recorrer às capacidades de outras entidades, independentemente da natureza jurídica do vínculo que tenha com elas». Nestes casos, o operador económico deve provar que, «para a realização do contrato, [dispõe] dos meios necessários, por exemplo, através do compromisso de tais entidades de colocar os meios necessários à sua disposição».

8.        O artigo 51.° da diretiva, com a epígrafe «Documentação e informações complementares», dispõe que a entidade adjudicante «pode convidar os operadores económicos a complementar ou a explicitar os certificados e documentos apresentados em aplicação dos artigos 45.° a 50.°».

B –    Direito nacional

9.        O artigo 2.°, ponto 13, da Ustawa Prawo zamówień publicznych (Lei dos contratos públicos) (a seguir «Ustawa PZP») define o conceito de «contratos públicos» como «contratos a título oneroso celebrados entre a entidade adjudicante e o operador económico, que tenham por objeto a prestação de serviços, o fornecimento de produtos ou a execução de obras».

10.      O artigo 24.°, n.os 2 e 3, da Ustawa PZP prevê a exclusão dos operadores económicos que «[…] prestaram informações falsas que tenham ou possam ter influenciado o resultado do procedimento […]».

11.      O artigo 26.° da Ustawa PZP prevê a possibilidade de a entidade adjudicante solicitar aos proponentes que forneçam as informações em falta, corrijam erros ou prestem esclarecimentos sobre declarações ou documentos.

III – Matéria de facto, tramitação processual e questões prejudiciais

12.      O presente caso diz respeito a um concurso público para a adjudicação de um contrato relativo a sistemas informáticos para hospitais públicos na província de Łódź (Polónia). A parte relevante do concurso está relacionada com a aquisição e o fornecimento de um sistema hospitalar integrado (a seguir «SHI») para a gestão dos setores administrativo (a seguir «cinzento») e médico (a seguir «branco») no Samodzielny Szpital Wojewódzki im. Mikołaja Kopernika (Hospital Regional Autónomo Nicolau Copérnico).

13.      Nos termos do caderno de encargos, podiam candidatar‑se à adjudicação do contrato os operadores económicos que pudessem, designadamente, demonstrar terem executado pelo menos dois contratos que abrangessem (cada um deles): o fornecimento, a instalação, a configuração e a implementação de um SHI para a gestão dos setores branco e cinzento de um hospital com pelo menos 200 camas, no valor ilíquido de, no mínimo, 450 000 zlótis polacos (PLN).

14.      Para demonstrarem o cumprimento desse requisito, os operadores económicos tinham de apresentar uma declaração e uma lista de «principais fornecimentos» de SHI nos setores branco e cinzento.

15.      Na sua proposta, a KK apresentou uma lista com dois itens relativos ao fornecimento de um SHI nos setores branco e cinzento a hospitais situados em i) Słupsk (a seguir «fornecimento de Słupsk») e em ii) Nowy Sącz (a seguir «fornecimento de Nowy Sącz»). Ambos os fornecimentos foram executados por um consórcio constituído pela Konsultant IT sp. z o.o. (a seguir «KIT») e pela KK.

16.      O contrato relativo à aquisição e ao fornecimento do SHI foi adjudicado à KK. A Esaprojekt impugnou essa decisão, alegando essencialmente que os contratos listados pela KK não cumpriam os requisitos do concurso em matéria de experiência em SHI.

17.      Esse recurso teve provimento. A entidade adjudicante foi condenada, em conformidade com o procedimento estabelecido no artigo 26.°, n.° 4, da Ustawa PZP, a solicitar à KK esclarecimentos sobre o âmbito dos contratos indicados para comprovar o cumprimento do requisito de participação no processo de adjudicação em matérias de conhecimentos e experiência.

18.      Na sequência do pedido de esclarecimentos, constatou‑se que o fornecimento de Słupsk fora executado no âmbito de dois concursos e de dois contratos distintos. Um destes contratos não abrangia o setor branco e o outro não incluía o setor cinzento. A entidade adjudicante considerou que o fornecimento de Słupsk não cumpria os requisitos do caderno de encargos mencionados no n.° 13 das presentes conclusões, dado que o fornecimento Słupsk não era um «contrato público» único na aceção do artigo 2.°, n.° 13, da Ustawa PZP. Pelo contrário, envolvia dois contratos distintos. Por conseguinte, a entidade adjudicante solicitou à KK que complementasse os documentos que comprovavam o preenchimento dos requisitos do concurso.

19.      Para complementar os referidos documentos, a KK apresentou uma nova lista de fornecimentos. Esta lista, tal como a anterior, incluía o fornecimento de Nowy Sącz. Além disso, foram aditados dois novos fornecimentos, ambos executados por um terceiro: a Medinet Systemy Informatyczne sp. z o.o. (a seguir «Medinet»). A KK apresentou igualmente uma declaração da Medinet em que esta se comprometia a disponibilizar os meios necessários à execução do contrato e a participar na execução do contrato enquanto assessora e consultora.

20.      A entidade adjudicante aceitou a proposta alterada apresentada pela KK. A Esaprojekt recorreu novamente da decisão do Województwo Łódzkie (voivodia de Łódź, Polónia) no órgão jurisdicional de reenvio. Nestas circunstâncias, este último decidiu suspender a instância e submeter ao Tribunal de Justiça as seguintes questões prejudiciais:

«Primeira questão:

O artigo 51.°, conjugado com os princípios da igualdade de tratamento e da não discriminação dos operadores económicos e da transparência, previstos no artigo 2.° da [diretiva], opõe‑se a que um operador económico, ao completar ou aclarar a documentação, indique outras empreitadas realizadas (ou seja, fornecimentos realizados) diversas das que indicou na lista de fornecimentos junta à proposta e, em especial, [possa] fazer referência a empreitadas realizadas por outro operador económico se não tiver mencionado na proposta que dispõe das capacidades deste último?

Segunda questão:

Deve o artigo 51.° da [diretiva], à luz do acórdão [de 10 de outubro de 2013,] Manova (C‑336/12, EU:C:2013:647)[,] do qual resulta que ‘o princípio da igualdade de tratamento deve ser interpretado no sentido de que não se opõe a que, após ter decorrido o prazo previsto para a apresentação de candidaturas a um contrato público, uma entidade adjudicante peça a um candidato que apresente documentos descritivos da sua situação, como o balanço publicado, cuja existência antes da expiração do prazo fixado para apresentar as candidaturas é objetivamente averiguável na medida em que os documentos do referido contrato não tenham imposto explicitamente a sua apresentação sob pena de exclusão da candidatura’, ser interpretado no sentido de que a entrega de documentação complementar apenas é permitida quando se trate de documentos cuja existência antes de decorrido o prazo fixado para apresentar as candidaturas seja objetivamente averiguável, ou no sentido de que o Tribunal de Justiça apenas indicou uma das possibilidades e de que a apresentação de documentação complementar é permitida igualmente noutras situações como, por exemplo, através da entrega posterior de documentos que não existiam antes de decorrido o referido prazo mas que possam objetivamente comprovar o preenchimento de uma condição de participação?

Terceira questão:

Se a resposta à segunda questão for no sentido de que também podem ser apresentados documentos diversos dos referidos no acórdão [Manova (C‑336/12, EU:C:2013:647),] podem ser apresentados documentos provenientes do mesmo operador económico, de terceiros subcontratados ou de outros operadores económicos a cujas capacidades o operador económico recorre, quando estas não tiverem sido referidas na proposta?

Quarta questão:

O artigo 44.°, conjugado com o princípio da igualdade de tratamento dos operadores económicos previsto no artigo 48.°, n.° 2, alínea a), e no artigo 2.° da [diretiva], opõe‑se a que seja feita referência às capacidades de outro operador económico, na aceção do artigo 48.°, n.° 3, de tal forma que sejam acumulados o conhecimento e a experiência de dois operadores económicos que, considerados separadamente, não dispõem dos conhecimentos e da experiência exigidos pela entidade adjudicante, quando essa experiência seja indivisível (isto é, as condições de participação no processo devem ser totalmente preenchidas pelo mesmo operador económico) e quando a execução da empreitada seja indivisível (isto é, constitui um todo)?

Quinta questão:

O artigo 44.°, conjugado com o princípio da igualdade de tratamento dos operadores económicos previsto no artigo 48.°, n.° 2, alínea a), e no artigo 2.° da [diretiva], opõe‑se a que seja feita referência à experiência de um grupo de operadores económicos, de tal modo que um operador económico que tenha executado uma empreitada enquanto membro de um grupo de operadores económicos possa referir a execução da empreitada por esse grupo, independentemente do seu grau de participação na execução dessa empreitada ou apenas pode remeter para a sua própria experiência e por ele efetivamente adquirida na execução da parte da empreitada que lhe foi adjudicada no interior do grupo?

Sexta questão:

Pode o artigo 45.°, n.° 2, alínea g), da [diretiva], com base no qual pode ser excluído do processo o operador económico que, com culpa grave, tenha prestado declarações falsas ao fornecer as informações ou não tenha prestado essas informações, ser interpretado no sentido de que é excluído do processo o operador económico que prestou informações falsas que tenham influenciado ou que possam ter influenciado o resultado do processo, admitindo que a culpa pela indução no referido erro resulta da mera prestação de falsas declarações à entidade adjudicante, relevantes para a decisão da entidade adjudicante sobre a exclusão do operador económico (e a recusa da sua proposta), independentemente de o operador económico ter agido de forma voluntária e consciente ou involuntariamente, de forma negligente e sem ter observado a diligência devida? Só se pode considerar que ‘prestou, com culpa grave, falsas declarações ao fornecer as informações ou não tenha prestado essas informações’ um operador económico que tenha fornecido informações falsas (que não correspondem aos factos) ou também um operador económico que, não obstante ter fornecido informações corretas, o tenha feito de forma e com a intenção de convencer a entidade adjudicante de que o operador económico preenche as condições por aquela exigidas, apesar de tal não ser o caso?

Sétima questão:

O artigo 44.°, conjugado com o princípio da igualdade de tratamento dos operadores económicos previsto no artigo 48.°, n.° 2, alínea a), e no artigo 2.° da [diretiva], opõe‑se a que um operador económico faça referência à sua experiência indicando dois ou mais acordos como constituindo uma única empreitada, apesar de a entidade adjudicante não ter previsto essa possibilidade no aviso do concurso nem no caderno de encargos?»

21.      Foram apresentadas observações escritas pelos Governos polaco e italiano e pela Comissão. O Governo polaco, a Comissão e a Województwo Łódzkie (Câmara Nacional de Recursos), recorrida no processo principal, participaram na audiência de 21 de setembro de 2016.

IV – Apreciação

A –    Quanto à primeira questão (bem como à segunda e terceira questões)

22.      Com a sua primeira questão, o órgão jurisdicional de reenvio pretende determinar se, à luz dos artigos 2.° e 51.° da diretiva, é lícito a um proponente, após o termo do prazo para a apresentação das propostas, fazer referência à experiência de um terceiro, experiência essa que não foi mencionada na proposta inicial.

23.      Com a sua segunda e terceira questões, o referido órgão jurisdicional pretende que se esclareça se, à luz do acórdão Manova (3), um proponente pode apresentar documentos que comprovem a sua possibilidade de recorrer à experiência do referido terceiro após o termo do prazo para a apresentação das propostas (no presente caso, o compromisso da Medinet).

24.      Quanto à primeira questão, considero que o aditamento de tais referências não é em geral admissível, pelos motivos abaixo expostos. Esta resposta torna redundante uma análise aprofundada da segunda e terceira questões.

25.      O artigo 51.° da diretiva prevê que as entidades adjudicantes podem convidar os proponentes a «complementar ou a explicitar» os documentos apresentados. A expressão «complementar ou explicitar» é possivelmente bastante flexível. Contudo, segundo jurisprudência constante (4), o princípio da igualdade de tratamento e o dever de transparência opõem‑se a qualquer negociação entre a entidade adjudicante e um proponente durante um procedimento de adjudicação de contratos públicos. Por conseguinte, regra geral, quando a entidade adjudicante considera uma proposta imprecisa ou desconforme com os requisitos técnicos do caderno de encargos, não pode pedir esclarecimentos, ou sequer dar a entender que autorizaria a alteração de uma proposta (5).

26.      Não obstante, a diretiva «não se opõe a que os dados relativos à proposta possam ser corrigidos ou completados pontualmente, nomeadamente, porque, como é óbvio, necessitam de uma simples clarificação, ou para pôr termo a erros materiais manifestos», desde que tal não corresponda a uma nova proposta (6). Pode esperar‑se dos proponentes a devida diligência (7), mas deve‑se evitar um formalismo excessivo (8). Isto é particularmente importante atendendo à necessidade de assegurar que os concursos sejam abertos e competitivos.

27.      A possibilidade de apresentar informações complementares após o termo do prazo para a apresentação das propostas é, assim, considerada excecional, embora exista. A questão é, pois, a de saber onde traçar exatamente o limite.

28.      Na minha opinião, a abordagem do Tribunal de Justiça será talvez mais bem descrita através de uma metáfora: as informações e os documentos apresentados pelo proponente no termo do prazo para a apresentação de propostas representam uma fotografia. Só as informações e a documentação já contidas nessa fotografia podem ser tidas em conta pela entidade adjudicante. Tal não impede entidade adjudicante de fazer zoom sobre quaisquer detalhes da fotografia que estivessem um pouco desfocados e de pedir um aumento da resolução da imagem para ver claramente esses detalhes. No entanto, as informações básicas devem já constar da fotografia original, ainda que em baixa resolução.

29.      Seguindo essa lógica, considero que, em princípio, um proponente não pode ser autorizado a demonstrar que preenche os requisitos técnicos e profissionais de um concurso recorrendo a uma experiência de terceiros não referida antes do termo do prazo para a apresentação de propostas. Essa informação simplesmente não constava da fotografia original.

30.      Por conseguinte, este recurso a um terceiro não corresponde a um mero esclarecimento ou formalidade. Constitui, de facto, uma alteração significativa da proposta. Está a ser alterada a própria identidade das pessoas que executam o trabalho (ou, pelo menos, daquelas cuja experiência é invocada para essa execução. Trata‑se de uma alteração substancial que afeta um elemento‑chave do procedimento (9). Além disso, como observou a Comissão, esta alteração pode levar a entidade adjudicante a exigir verificações adicionais e pode até afetar a seleção dos candidatos convidados a apresentar uma proposta.

31.      Em termos mais gerais, admitir este tipo de alterações pode seguramente influenciar o processo de concurso. A decisão de recorrer apenas à sua própria experiência ou de recorrer também à experiência de terceiros deve ser tomada pelo proponente em determinado momento e com base na informação que possui nessa altura. Dar a um proponente uma segunda oportunidade de tomar essa decisão empresarial, depois de decorrido algum tempo, pode seguramente atribuir‑lhe uma vantagem incompatível com o requisito da igualdade de tratamento. Por exemplo, o conhecimento do número ou da identidade dos outros concorrentes ou uma recessão do mercado podem encorajar um proponente a escolher um parceiro com mais experiência, a fim de aumentar as suas hipóteses de sucesso (10).

32.      Esta conclusão é também corroborada por uma analogia com casos respeitantes à alteração da composição dos consórcios proponentes após o termo do prazo para a apresentação das propostas. No recente processo MT Højgaard e Züblin, um consórcio de duas sociedades foi pré‑selecionado e apresentou uma proposta num concurso público, mas foi subsequentemente dissolvido antes da adjudicação do contrato. Uma das sociedades, a Aarsleff, procurou então substituir‑se ao consórcio enquanto proponente pré‑selecionado no concurso. Essa alteração foi aceite e o contrato acabou por ser adjudicado à Aarsleff. A adjudicação foi impugnada nos órgãos jurisdicionais nacionais e foi submetida ao Tribunal de Justiça uma questão sobre a compatibilidade de uma alteração da composição dos consórcios com o princípio da igualdade de tratamento.

33.      No seu acórdão, o Tribunal de Justiça declarou que, de um modo geral, a regulamentação das alterações à composição de consórcios no decorrer de concursos é da competência dos Estados‑Membros (11). Porém, a fim de assegurar o respeito pelo princípio da igualdade de tratamento, a Aarsleff tinha de ter estado em posição de cumprir, por si mesma, os critérios de pré‑seleção (12).

34.      Do mesmo modo, quando uma entidade adjudicante exige a um proponente que elimine determinados elementos da lista relativa à sua experiência, este pode obviamente continuar a invocar os restantes. No entanto, não pode aditar à lista experiência nova, de terceiros (13).

35.      Por conseguinte, proponho que o Tribunal de Justiça responda à primeira questão do órgão jurisdicional de reenvio no sentido de que um operador económico não pode recorrer à experiência de terceiros pela primeira vez após o termo do prazo para a apresentação das propostas. Atendendo a esta resposta, a segunda e terceira questões do órgão jurisdicional nacional (relativas às condições em que pode ser comprovada a experiência desse terceiro) perdem, em grande parte, a sua relevância. Com efeito, se um operador não pudesse de forma alguma recorrer à experiência de um terceiro, não faria sentido apresentar declarações de compromisso desse terceiro ou comprovar a sua experiência.

36.      À luz do exposto, proponho que seja dada a seguinte resposta às três primeiras questões do órgão jurisdicional de reenvio:

O artigo 51.° da Diretiva 2004/18, lido em conjugação com o princípio da igualdade de tratamento e da não discriminação dos operadores económicos e com o princípio da transparência previstos no artigo 2.° da referida diretiva, não permite que, ao clarificar ou complementar documentos, um operador económico indique contratos executados por terceiros que não tenha referido na lista de fornecimentos anexa à proposta ou apresente uma declaração em que esse terceiro se comprometa a colocar os seus meios à disposição do proponente.

B –    Quanto à quarta questão

37.      A quarta questão diz respeito ao facto de, no processo principal, o caderno de encargos exigir que os proponentes tenham executado «pelo menos dois contratos», abrangendo cada um deles os setores branco e cinzento, conforme referido no n.° 13 das presentes conclusões. No seguimento do pedido de esclarecimentos das entidades adjudicantes, a KK incluiu na sua lista dois fornecimentos da Medinet e o fornecimento de Nowy Sącz.

38.      Nestas circunstâncias, o órgão jurisdicional de reenvio pretende determinar, em substância, se pode ser invocada a experiência resultante dos fornecimentos da Medinet e do fornecimento de Nowy Sącz para cumprir o requisito de ter executado «pelo menos dois contratos», em conformidade com os artigos 44.° e 48.°, n.° 2, alínea a), da diretiva e com o princípio da igualdade de tratamento previsto no seu artigo 2.°

39.      A redação da diretiva deixa claro que, no contexto de concursos públicos, os operadores económicos podem, em regra, recorrer às capacidades de outras entidades (14). Esta regra geral também é conforme com o objetivo de abrir os concursos públicos à concorrência (15) e tem sido repetidamente confirmada pelo Tribunal de Justiça (16). Por conseguinte, as capacidades a que um operador recorre podem ser «fragmentadas» ou «divididas» entre diferentes entidades, desde que, evidentemente, o operador disponha na prática dos meios necessários dessas outras entidades (17).

40.      Não obstante, para assegurar «níveis mínimos de capacidade» (18), o recurso a terceiros pode excecionalmente ser limitado. É o caso de «obras [que] revestem particularidades que necessitam de uma determinada capacidade não suscetível de ser obtida através da soma de capacidades inferiores de vários operadores». Tais exigências devem ter «uma ligação e [ser] proporcion[ais] ao objeto do contrato em causa» (19).

41.      No presente caso, o caderno de encargos exige «pelo menos dois contratos» que abranjam um domínio específico (SHI). Decorre dos números anteriores que é possível impor esse requisito enquanto requisito mínimo e excluir o recurso a terceiros, desde que este «tenha uma ligação e seja proporcional ao objeto do contrato em causa».

42.      Saber se esse é ou não o caso é uma questão de facto que cabe ao órgão jurisdicional nacional determinar.

43.      Não obstante, o órgão jurisdicional de reenvio sugere que existe uma diferença qualitativa entre os cadernos de encargos que exigem, por um lado, experiência acumulada, reiterada, numa determinada área e, por outro, experiência numa série de âmbitos distintos.

44.      Concordo que, intuitivamente, essa diferença existe. Nem sempre é possível combinar experiência proveniente de diferentes setores — uma experiência transetorial ou completa em sistemas integrados pode ser insubstituível. No entanto, essas combinações interdisciplinares são talvez menos problemáticas do que a simples soma de anos de experiência ou de contratos individuais. Uma sociedade que executa um segundo contrato na mesma área fá‑lo‑á com base na sua experiência anterior, potencialmente com perspetivas novas e diferentes (20).

45.      Porém, em última análise, a regra jurídica é a mesma em ambos os casos. A medida em que a experiência de um operador que executou dois contratos pode ser substituída por dois operadores que executaram um contrato cada um é uma questão de facto que cabe ao órgão jurisdicional nacional determinar.

46.      Na sua questão, o órgão jurisdicional de reenvio afirma expressamente que a experiência relevante e a execução do contrato são «indivisíveis». Isto implica que o órgão jurisdicional de reenvio já concluiu que a) está excluída a possibilidade de recorrer a experiência conjunta e que b) essa exclusão «[tem] uma ligação e [é] proporcional ao objeto do contrato em causa». Na medida em que tal seja efetivamente o caso, as disposições da diretiva referidas pelo órgão jurisdicional de reenvio permitem à entidade adjudicante excluir o recurso aos meios de outra entidade através da combinação dos conhecimentos e da experiência de duas entidades.

47.      À luz do exposto, proponho que o Tribunal de Justiça responda à quarta questão do órgão jurisdicional de reenvio nos seguintes termos:

O artigo 44.° da Diretiva 2004/18, lido em conjugação com o artigo 48.°, n.° 2, alínea a), e com o princípio da igualdade de tratamento previsto no seu artigo 2.°, opõe‑se a que um operador económico recorra ao conhecimento e à experiência de outra entidade na aceção do artigo 48.°, n.° 3, da diretiva, quando tal recurso tenha sido expressamente excluído pela entidade adjudicante. Contudo, essa exclusão deve ter uma ligação e ser proporcional ao objeto do contrato em causa.

C –    Quanto à quinta questão

48.      Com a sua quinta questão, o órgão jurisdicional de reenvio pede esclarecimentos sobre as condições em que um operador económico pode recorrer à experiência anterior adquirida por um grupo de sociedades de que era membro. Esta questão está relacionada com o facto de, no processo principal, tanto o fornecimento de Nowy Sącz como o fornecimento de Słupsk terem sido executados por um consórcio constituído de duas sociedades, a KK e a KIT. Assim, entendo que o que o órgão jurisdicional de reenvio pretende saber é se a KK pode recorrer a essa experiência incondicionalmente para sustentar a sua proposta ou se o papel por esta desempenhado no fornecimento é determinante (21).

49.      Considero que o papel específico e a consequente experiência de um membro de um consórcio são, de facto, cruciais.

50.      Os artigos 44.° e 48.°, n.° 2, alínea a), da diretiva preveem a avaliação das propostas com base na experiência, conforme comprovada por listas de obras e fornecimentos executados nos últimos anos, entre outros fatores. Ter a experiência necessária para executar um contrato não é evidentemente o mesmo que conhecer alguém que a tem. Do mesmo modo, a experiência não pode ser adquirida pelo simples facto de se ser formalmente parte num contrato ou num consórcio.

51.      O órgão jurisdicional de reenvio ilustra acertadamente essa situação com o exemplo de um consórcio de três sociedades que constroem uma autoestrada: um banco (que financia a operação), uma sociedade de construção (que executa na prática a obra) e um prestador de serviços (que presta apoio jurídico, administrativo e contabilístico). Claramente, financiar essa operação não proporciona ao banco a experiência necessária para construir uma autoestrada.

52.      No entanto, em última análise, o concreto papel de cada sociedade e a experiência que a mesma obtém dependem de circunstâncias específicas. Por exemplo, é possível que o banco tenha liderado o financiamento, mas que o prestador de serviços estivesse estreitamente associado a essa parte da operação, adquirindo assim uma certa experiência nesse domínio. Esse nível de experiência pode ser totalmente adequado e suficiente no contexto de outro concurso para um projeto diferente. Ou pode não o ser. Trata‑se de questões de facto.

53.      Do mesmo modo, o concreto papel desempenhado pela KK no fornecimento de Nowy Sącz (e no fornecimento de Słupsk) (22), bem como saber se este corresponde ao requisito de experiência estabelecido no anúncio de concurso, são questões de facto que são da competência órgão jurisdicional de reenvio.

54.      Por último, as observações precedentes dizem respeito a uma situação em que um operador económico apresenta fornecimentos anteriores efetuados por um grupo de sociedades especificamente como experiência própria. Estas observações não prejudicam a possibilidade de um operador económico recorrer às capacidades de terceiros, conforme previsto, por exemplo, no artigo 48.°, n.° 3, da diretiva e abordado em maior detalhe no n.° 39 das presentes conclusões.

55.      À luz do exposto, proponho que o Tribunal de Justiça responda à quinta questão do órgão jurisdicional de reenvio nos seguintes termos:

Os artigos 44.° e 48.°, n.° 2, alínea b), da Diretiva 2004/18 devem ser interpretados no sentido de que um operador económico que tenha executado um contrato enquanto membro de um grupo de operadores económicos só pode invocar como experiência própria a experiência que ele mesmo tenha adquirido na execução desse contrato. Esta conclusão não prejudica a possibilidade de o operador económico recorrer às capacidades de terceiros, nas condições previstas na diretiva.

D –    Quanto à sétima questão

56.      A sétima questão diz respeito ao facto de que, no processo principal, o fornecimento de Słupsk consistia em dois contratos distintos que conferiam uma experiência complementar (nos setores branco e cinzento), apesar de o anúncio de concurso e o caderno de encargos se referirem a contratos que abranjam conjuntamente os setores branco e cinzento (23).

57.      Nestas circunstâncias, o órgão jurisdicional de reenvio pede a clarificação das condições em que a experiência adquirida no contexto de dois contratos distintos pode ser apresentada em conjunto para satisfazer uma exigência que não foi expressamente apresentada como divisível.

58.      Pelos motivos expostos em seguida, considero que a resposta a esta questão é a de que os operadores devem, em geral, poder acumular desta forma experiência «fragmentada». A exclusão completa desta possibilidade pela entidade adjudicante deve ser excecional.

59.      Decorre, nomeadamente, das respostas à quarta e quinta questões acima propostas que a diretiva não estabelece exatamente de que modo ou por quem a experiência relevante deve ter sido adquirida. Assim, mediante certas condições, é geralmente possível, por exemplo, que um operador recorra à experiência adquirida: a) no contexto de contratos assinados apenas por si; b) no contexto de contratos assinados por um grupo de operadores do qual faz parte; ou c) por terceiros.

60.      O que é crucial é saber se a experiência global a que o operador pode genuinamente recorrer, seja uma experiência própria ou de terceiros, é suficiente para executar o contrato.

61.      Consequentemente, o facto de a experiência ter sido tecnicamente obtida através de dois ou mais contratos distintos e não de um único contrato deve normalmente ser irrelevante. Se a experiência combinada for suficiente para executar o contrato, isso deve bastar.

62.      Com efeito, os requisitos de um concurso podem ser cumpridos agrupando as capacidades ou a experiência de diferentes operadores. A fortiori, seria ilógico excluir, por princípio, a possibilidade de agrupar as capacidades ou a experiência adquiridas pelo mesmo operador no âmbito de diferentes contratos.

63.      Podem ser impostos limites à combinação da experiência de diferentes operadores quando estes «[tenham] uma ligação e [sejam] [proporcionais] ao objeto do contrato em causa» (24). No meu entender, este raciocínio e os referidos limites podem ser aplicados por analogia à fragmentação da experiência por diferentes contratos executados pelo mesmo operador. Assim, por exemplo, uma entidade adjudicante pode, em princípio, declarar que certos requisitos de experiência só podem ser satisfeitos através do recurso a contratos individuais que impliquem, cada um, experiência em diferentes áreas. Contudo, esta exigência deve também ser necessária, proporcional ao objeto do contrato e ter uma ligação com este.

64.      Cabe ao órgão jurisdicional de reenvio determinar se a experiência exigida no concurso em causa preenche estes requisitos. No entanto, importa salientar alguns pontos de caráter geral.

65.      Em primeiro lugar, os concursos devem, em princípio, ser abertos à concorrência (25). À luz deste objetivo, a exclusão do recurso à experiência de terceiros é a exceção. A exclusão de experiência «fragmentada» também o deveria ser. Por conseguinte, na falta de uma exclusão deste tipo no anúncio de concurso ou no caderno de encargos, a referida exclusão não pode ser simplesmente presumida. Tem de estar claramente prevista.

66.      Em segundo lugar, o órgão jurisdicional de reenvio refere expressamente o artigo 2.° da diretiva, que estabelece também o princípio da igualdade de tratamento. Na minha opinião, este não obsta ao recurso a experiência adquirida em contratos distintos, na medida em que a) qualquer operador económico que apresente uma proposta possa, em princípio, invocar conjuntamente tais contratos; ou b) nenhum operador económico o possa fazer (quando essa possibilidade tenha sido excluída pela entidade adjudicante).

67.      Em terceiro lugar, na medida em que o recurso a experiência combinada não tenha sido excluído, caberá à entidade adjudicante) determinar se a experiência combinada adquirida em dois ou mais contratos é, num caso concreto, suficiente para satisfazer os requisitos estabelecidos no caderno de encargos, sem prejuízo da fiscalização dos órgãos jurisdicionais nacionais. Com efeito, ainda que se possa em princípio combinar dois ou mais contratos, pode suceder que, num caso específico, a experiência global simplesmente não é adequada. Ao fazer essa apreciação, devem ser tidos em conta todos os elementos relevantes, incluindo, por exemplo, a relação entre os diversos contratos (26) e os requisitos específicos do concurso (27).

68.      À luz do exposto, proponho que o Tribunal de Justiça responda à sétima questão do órgão jurisdicional de reenvio nos seguintes termos:

Os artigos 44.° e 48.°, n.° 2, alínea a), da Diretiva 2004/18, lidos em conjugação com o princípio da igualdade de tratamento previsto no seu artigo 2.°, não se opõem a que um operador económico faça referência à sua experiência invocando dois ou mais contratos como se fossem um único contrato, exceto se tal invocação conjunta tiver sido expressamente excluída pela entidade adjudicante. Qualquer exclusão deste tipo deve ter uma ligação e ser proporcional ao objeto do contrato em causa.

E –    Quanto à sexta questão

69.      Com a sua sexta questão, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta se um proponente pode ser excluído com o fundamento de «[ter] prestado, com culpa grave, falsas declarações» (prestando ou não prestando informações) ao abrigo do artigo 45.°, n.° 2, alínea g), da diretiva, independentemente da sua atitude. Pergunta também se essa disposição permite a exclusão do concurso se o proponente não preencher, na realidade, os requisitos do concurso, mas tiver apresentado, de forma criativa, informações tecnicamente corretas para criar a impressão de cumprir os referidos requisitos.

70.      A redação do artigo 45.°, n.° 2, alínea g), da diretiva cria a possibilidade (28) de um Estado‑Membro excluir proponentes em certos casos de prestação de falsas declarações. Estas falsas declarações podem ocorrer quando sejam fornecidas ou omitidas as informações «exigidas», por exemplo, para comprovar as suas capacidades.

71.      De acordo com o significado natural das palavras, o artigo 45.°, n.° 2, alínea g), diz assim respeito às situações em que um operador omite ou presta determinadas informações que levam a entidade adjudicante a ter um entendimento incorreto das suas capacidades.

72.      Nem todas as falsas declarações constituem motivo de exclusão. A utilização da expressão «com culpa grave» implica que a mera prestação de informação incorreta é insuficiente para desencadear a aplicação do artigo 45.°, n.° 2, alínea g), da diretiva e que é necessário que seja atingido um certo limiar de gravidade.

73.      No entanto, não é claro como se deve estabelecer essa gravidade. A comparação de diferentes versões linguísticas só aumenta a ambiguidade nesta matéria. Em algumas versões linguísticas, a palavra que denota gravidade está associada ao termo «culpado» (29), o que pode talvez ser interpretado como exigindo uma certa atitude ou grau de negligência. Noutras versões linguísticas, a palavra que denota gravidade está associada à prestação de falsas declarações, o que sugere que o foco está no próprio ato e/ou nas suas consequências (30).

74.      O último parágrafo do artigo 45.°, n.° 2, da diretiva é suscetível de dar um indício. Exige que, em conformidade com a legislação nacional, os Estados‑Membros especifiquem as «condições de aplicação» do artigo 45.°, n.° 2. Assim, o referido artigo 45.°, n.° 2, alínea g), pode ser interpretado no sentido de que prevê requisitos mínimos para estabelecer a existência de uma prestação de falsas declarações suficientemente grave para permitir aos Estados‑Membros excluir um proponente. No entanto, não procura harmonizar totalmente o conceito (31). Esta interpretação corresponde a uma interpretação restritiva dos fundamentos de exclusão e à necessidade de avaliar a situação de cada operador individualmente.

75.      A que corresponde esse grau mínimo de gravidade? Pelas razões que se seguem, considero que a «gravidade» deve estar relacionada com as consequências (objetivas) da prestação ou da omissão da informação, independentemente da atitude ou intenção (subjetiva) da pessoa que as presta.

76.      No meu entender, apenas atos ou omissões que resultam numa vantagem competitiva que mantém um operador no concurso, quando de outra forma seria excluído, podem estar abrangidos pelo artigo 45.°, n.° 2, alínea g), da diretiva (32). Por outras palavras, se a prestação de falsas declarações (através da prestação ou omissão de informações) não for suscetível de afetar o resultado, não pode constituir uma justificação válida para excluir o operador. Doravante, designo este requisito por «requisito relativo ao resultado».

77.      Esta interpretação encontra apoio nas versões linguísticas que enfatizam a gravidade da prestação de falsas declarações. Pode ser considerada compatível com as versões que enfatizam a gravidade da «culpa». Reflete também o objetivo de abertura à concorrência e é conforme com uma interpretação restritiva dos fundamentos de exclusão. Se um proponente for a entidade mais bem colocada para executar o contrato, seja com base no preço mais baixo ou na proposta mais vantajosa (33), excluí‑lo contrariaria o objetivo da diretiva de assegurar que os contratos sejam adjudicados com base em critérios objetivos, obtendo‑se a melhor relação qualidade/preço (34).

78.      Daqui decorre que o requisito relativo ao resultado é uma condição sine qua non para qualquer exclusão com base na prestação de falsas declarações.

79.      Além disso, considero que a aplicação do artigo 45.°, n.° 2, alínea g), da diretiva pode teoricamente ser desencadeada em todos os casos em que o requisito relativo ao resultado estiver preenchido. Com efeito, se a prestação ou omissão de certas informações pode afetar o resultado, esta é já grave em si mesma. Nesta matéria, pode acontecer que, em determinadas circunstâncias, um erro «manifesto» ou «menor» ou um «mero erro material» possa ter a consequência inesperada de alterar substancialmente o resultado de um concurso. Estes erros podem ser totalmente involuntários. Contudo, claramente não são erros menores ou triviais na ótica de um concorrente que perde um concurso ou que é colocado em desvantagem significativa em resultado dos mesmos.

80.      Por conseguinte, considero que o preenchimento do requisito relativo ao resultado é, por si só, suficiente para permitir a exclusão por prestação de falsas declarações, sem necessidade de preencher outros requisitos. Esta interpretação do conceito de prestação de falsas declarações, designadamente livre de quaisquer elementos subjetivos relativos à intenção do proponente é apoiada por três argumentos adicionais, nos termos do artigo 45.°, n.° 2, alínea g).

81.      Em primeiro lugar, o artigo 45.°, n.° 2, alínea g), da diretiva não faz referência expressa à atitude em geral ou à intenção, imprudência ou negligência em especial, e muito menos desenvolve estes conceitos. Nestas condições, não é adequado procurar definir o alcance do artigo 45.°, n.° 2, alínea g), com base em conceitos tão complexos que teriam de ser construídos a partir do nada. Esse facto, por si só, milita a favor de uma interpretação objetiva da disposição, como aquela que sugeri aqui. Além disso, o artigo 45.°, n.° 2, apenas estabelece os requisitos básicos ao abrigo das quais o direito da União cria a possibilidade de excluir proponentes. Ao fazê‑lo, remete expressamente para a legislação nacional a especificação das respetivas condições de implementação, que podem envolver, por exemplo, conceitos de negligência ou dolo no direito nacional.

82.      Em segundo lugar, coloca‑se também uma questão prática: seria realmente razoável exigir, no contexto de um processo de adjudicação de um contrato público, que uma autoridade administrativa, muitas vezes sujeita a pressões significativas em termos de tempo e potencialmente confrontada com várias propostas volumosas, realize investigações e determine a intenção dos operadores económicos? É evidente que essa proposta não é viável na prática.

83.      Em terceiro lugar, mesmo que a autoridade administrativa conseguisse determinar a intenção do operador económico, quão útil seria de facto essa determinação? Em geral, espera‑se que os operadores que participam em concursos atuem com a devida diligência (35). Simplesmente, presume‑se que um profissional sabe como agir e fá‑lo com o devido cuidado. Isto implica que, além do dolo, seriam provavelmente consideradas outras formas de negligência. Se esse for efetivamente o caso, a atitude não constituiria um genuíno critério de distinção.

84.      Por conseguinte, o requisito relativo ao resultado é uma condição sine qua non e é também suficiente, por si só, para desencadear a aplicação do artigo 45.°, n.° 2, alínea g), da diretiva. Contudo, isto apenas cria a possibilidade de os Estados‑Membros excluírem um operador. De acordo com o último parágrafo do artigo 45.°, n.° 2, as condições específicas em que os operadores devem, na prática, ser excluídos são estipuladas a nível nacional.

85.      A título de observação final relativamente ao artigo 45.°, n.° 2, alínea g), da diretiva, o órgão jurisdicional de reenvio suscitou expressamente a questão de saber se essa disposição pode ser aplicável quando sejam apresentadas informações corretas de forma tendenciosa. Por outras palavras, de forma a criar a aparência de que os requisitos do concurso estão preenchidos, quando na realidade não o estão. A questão do órgão jurisdicional de reenvio neste contexto tem em vista uma situação em que o operador não preenche os requisitos do concurso.

86.      Nessa situação, o operador seria normalmente excluído, simplesmente por não cumprir esses requisitos. Tal proponente só deveria permanecer no concurso se alterasse a sua proposta de forma a cumprir os requisitos. É também apenas nesse cenário que seria necessário ponderar a exclusão com base no artigo 45.°, n.° 2, alínea g), da diretiva.

87.      Conforme referido na minha análise da primeira questão, existem claramente limites à possibilidade de alterar as propostas após o termo do prazo para a sua apresentação. Esses limites podem certamente ser ultrapassados nos casos em que as alterações resultem numa diferença substancial, como acontece no caso em apreço (isto é, a diferença entre o não cumprimento dos requisitos do concurso antes da alteração e o cumprimento dos mesmos depois da desta).

88.      No entanto, admitindo que tais alterações são teoricamente possíveis, poderia o operador em causa ser, ainda assim, excluído por ter prestado falsas declarações na sua proposta inicial?

89.      Considero que a resposta a esta pergunta é afirmativa; esse operador poderia potencialmente ser excluído. Isto sucede porque a) inicialmente não prestou as informações exigidas pelo artigo 48.°, n.° 2, alínea a), da diretiva [o que constitui um dos tipos de falsas declarações referidos no artigo 45.°, n.° 2, alínea g), da diretiva] e b) essa omissão era significativa, no sentido de que podia afetar o resultado do concurso (requisito relativo ao resultado).

90.      Consequentemente, a questão não se prende tanto com o facto de o operador ter possivelmente realizado um «marketing extremo» relativamente à sua verdadeira experiência. A questão que efetivamente se coloca é que, independentemente da forma como a sua experiência foi apresentada, o operador omitiu inicialmente informação «exigida» nos termos do artigo 48.°, n.° 2, alínea a), da diretiva, sendo que o fornecimento posterior dessa informação alterou o resultado do concurso.

91.      À luz do exposto, proponho que o Tribunal de Justiça responda à sexta questão do órgão jurisdicional de reenvio nos seguintes termos:

Apenas se pode considerar que um operador económico prestou, com culpa grave, falsas declarações, nos termos do artigo 45.°, n.° 2, alínea g), da Diretiva 2004/18, se as alegadas falsas declarações puderem afetar a decisão da entidade adjudicante, mantendo no concurso um operador que de outra forma seria excluído. A aplicação dessa disposição depende da prestação ou da não prestação das informações exigidas ao abrigo do capítulo VII, secção 2, da Diretiva 2004/18. A aplicação do artigo 45.°, n.° 2, alínea g), da referida diretiva não depende da prestação de informações factualmente incorretas nem da atitude do operador económico.

V –    Conclusão

92.      Proponho que o Tribunal de Justiça responda às questões submetidas pela Krajowa Izba Odwoławcza (Câmara Nacional de Recursos, Polónia) nos seguintes termos:

Primeira a terceira questões: O artigo 51.° da Diretiva 2004/18/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 31 de março de 2004, relativa à coordenação dos processos de adjudicação dos contratos de empreitada de obras públicas, dos contratos públicos de fornecimento e dos contratos públicos de serviços, lido em conjugação com o princípio da igualdade de tratamento e da não discriminação dos operadores económicos e com o princípio da transparência previstos no artigo 2.° da referida diretiva, não permite que, ao clarificar ou complementar documentos, um operador económico indique contratos executados por terceiros que não tenha referido na lista de fornecimentos anexa à proposta ou apresente uma declaração em que esse terceiro se comprometa a colocar os seus meios à disposição do proponente.

Quarta questão: O artigo 44.° da Diretiva 2004/18, lido em conjugação com o artigo 48.°, n.° 2, alínea a), e com o princípio da igualdade de tratamento previsto no seu artigo 2.°, opõe‑se a que um operador económico recorra ao conhecimento e à experiência de outra entidade na aceção do artigo 48.°, n.° 3, desta diretiva, quando tal recurso tenha sido expressamente excluído pela entidade adjudicante. Contudo, essa exclusão deve ter uma ligação e ser proporcional ao objeto do contrato em causa.

Quinta questão: Os artigos 44.° e 48.°, n.° 2, alínea b), da Diretiva 2004/18 devem ser interpretados no sentido de que um operador económico que tenha executado um contrato enquanto membro de um grupo de operadores económicos só pode invocar como experiência própria a experiência que ele mesmo tenha adquirido na execução desse contrato. Esta conclusão não prejudica a possibilidade de o operador económico recorrer às capacidades de terceiros, nas condições previstas na diretiva.

Sexta questão: Apenas se pode considerar que um operador económico prestou, com culpa grave, falsas declarações, nos termos do artigo 45.°, n.° 2, alínea g), da Diretiva 2004/18, se as alegadas falsas declarações puderem afetar a decisão da entidade adjudicante, mantendo no concurso um operador que de outra forma seria excluído. A aplicação dessa disposição depende da prestação ou da não prestação das informações exigidas ao abrigo do capítulo VII, secção 2, da Diretiva 2004/18. A aplicação do artigo 45.°, n.° 2, alínea g), da referida diretiva não depende da prestação de informações factualmente incorretas nem da atitude do operador económico.

Sétima questão: Os artigos 44.° e 48.°, n.o 2, alínea a), da Diretiva 2004/18, lidos em conjugação com o princípio da igualdade de tratamento previsto no seu artigo 2.°, não se opõem a que um operador económico faça referência à sua experiência invocando dois ou mais contratos como se fossem um único contrato, exceto se tal invocação conjunta tiver sido expressamente excluída pela entidade adjudicante. Qualquer exclusão deste tipo deve ter uma ligação e ser proporcional ao objeto do contrato em causa.


1 —      Língua original: inglês.


2 —      Diretiva do Parlamento Europeu e do Conselho, de 31 de março de 2004, relativa à coordenação dos processos de adjudicação dos contratos de empreitada de obras públicas, dos contratos públicos de fornecimento e dos contratos públicos de serviços (JO 2004, L 134, p. 114).


3 —      Acórdão de 10 de outubro de 2013, Manova (C‑336/12, EU:C:2013:647).


4 —      V. acórdãos de 29 de março de 2012, SAG ELV Slovensko e o. (C‑599/10, EU:C:2012:191, n.° 36); de 10 de outubro de 2013, Manova (C‑336/12, EU:C:2013:647, n.° 31); e de 7 de abril de 2016, Partner Apelski Dariusz (C‑324/14, EU:C:2016:214, n.° 62).


5 —      V. acórdão de 29 de março de 2012, SAG ELV Slovensko e o. (C‑599/10, EU:C:2012:191, n.° 41).


6 —      V. acórdãos de 7 de abril de 2016, Partner Apelski Dariusz (C‑324/14, EU:C:2016:214, n.os 63 e 64); de 29 de março de 2012, SAG ELV Slovensko e o. (C‑599/10, EU:C:2012:191, n.° 40); e de 10 de outubro de 2013, Manova (C‑336/12, EU:C:2013:647, n.os 32 a 36).


7 —      Acórdão de 29 de março de 2012, SAG ELV Slovensko e o. (C‑599/10, EU:C:2012:191, n.° 38).


8 —      Acórdão de 6 de novembro de 2014, Cartiera dell’Adda (C‑42/13, EU:C:2014:2345, n.° 45).


9 —      V., por analogia, acórdão de 6 de novembro de 2014, Cartiera dell’Adda (C‑42/13, EU:C:2014:2345, n.° 45), no qual o Tribunal de Justiça entendeu que as alterações relativas à identidade da pessoa designada como diretor técnico eram mais do que meramente formais e que, como tal, constituíam justificação suficiente para excluir o proponente.


10 —      V., por analogia, conclusões do advogado‑geral P. Mengozzi no processo MT Højgaard e Züblin (C‑396/14, EU:C:2015:774, n.os 80 e segs.).


11 —      Acórdão de 24 de maio de 2016, MT Højgaard e Züblin (C‑396/14, EU:C:2016:347, n.° 35).


12 —      V., também, acórdão de 23 de janeiro de 2003, Makedoniko Metro e Michaniki (C‑57/01, EU:C:2003:47). Nesse processo, um consórcio proponente tinha procurado alargar a sua composição após a apresentação das propostas. Estava formalmente impedido de o fazer pela legislação nacional. O Tribunal de Justiça concluiu que essa proibição era compatível com a Diretiva 92/50/CEE do Conselho, de 18 de junho de 1992, relativa à coordenação dos processos de adjudicação de contratos públicos de serviços (JO 1992, L 209, p. 1) (substituída pela Diretiva 2004/18).


13 —      Embora a questão não se coloque no presente processo, não excluo a possibilidade de o proponente ser autorizado a invocar outra experiência própria.


14 —      V., por exemplo, artigo 4.°, n.° 2 (recurso a consórcios), artigo 25.° (subcontratação) e artigo 48.°, n.° 3 (recurso a terceiros), da diretiva.


15 —      V. acórdão de 10 de outubro de 2013, Swm Costruzioni 2 e Mannocchi Luigino (C‑94/12, EU:C:2013:646, n.° 34 e jurisprudência referida).


16 —      V., por exemplo, acórdãos de 10 de outubro de 2013, Swm Costruzioni 2 e Mannocchi Luigino (C‑94/12, EU:C:2013:646, n.os 30 a 32); de 2 de dezembro de 1999, Holst Italia (C‑176/98, EU:C:1999:593, n.os 26 e 27); e de 18 de março de 2004, Siemens e ARGE Telekom (C‑314/01, EU:C:2004:159, n.° 43).


17 —      Artigo 48.°, n.° 3, da diretiva.


18 —      V. artigo 44.°, n.° 2, da diretiva.


19 —      Acórdão de 10 de outubro de 2013, Swm Costruzioni 2 e Mannocchi Luigino (C‑94/12, EU:C:2013:646, n.° 35), que reflete a redação do artigo 44.°, n.° 2, da diretiva.


20 —      A título de exemplo, se eu pretender contratar um advogado com nove anos de experiência em direito fiscal, comercial e das sociedades, poderia aceitar três advogados, cada um com nove anos de experiência em direito fiscal, comercial e das sociedades, respetivamente. No entanto, poderei ter mais reservas em contratar três advogados com três anos de experiência cada um no conjunto das três áreas. E certamente não contrataria nove advogados com um ano de experiência cada um.


21 —      Resulta claramente da decisão de reenvio que a KK não pretende de modo algum recorrer à experiência da KIT enquanto «outra entidade» na aceção do artigo 48.°, n.° 3, da diretiva, mas antes apresenta a experiência obtida no consórcio como experiência própria.


22 —      A voivodia de Łódź confirmou na audiência que a KK já não invoca formalmente ao fornecimento de Słupsk.


23 —      Na medida em que a KK tiver deixado de invocar o fornecimento de Słupsk, esta questão poderá ser considerada hipotética. No entanto, uma vez que a decisão de reenvio não é clara quanto à inexistência de um invocação continuada do fornecimento de Słupsk, aplica‑se a presunção geral de pertinência da questão.


24 —      V. n.° 40 das presentes conclusões.


25 —      V. n.° 25 das presentes conclusões.


26 —      Quaisquer ligações formais entre os contratos e semelhanças em termos de âmbito, cliente ou prazo de execução, etc.


27 —      Natureza integrada do serviço solicitado, prazo de entrega e quaisquer requisitos mínimos de capacidade correspondentes, etc.


28 —      «Pode ser excluído […]» (o sublinhado é meu).


29 —      Em francês, italiano, espanhol e neerlandês, respetivamente: «gravement coupable», «gravemente colpevole», «gravemente culpable», «in ernstige mate schuldig».


30 —      Em inglês, alemão e checo, respetivamente: «guilty of serious misrepresentation», «in erheblichem Maße falscher Erklärungen schuldig», «který se dopustil vážného zkreslení». Contudo, outras versões linguísticas, nomeadamente a eslovaca, não fazem qualquer referência à gravidade, seja em relação à atitude do proponente ou às consequências do ato — «bol uznaný vinným zo skresľovania skutočností».


31 —      V., também, artigo 45.°, n.° 2, alínea d), da diretiva, que prevê a possibilidade de exclusão quando um operador económico «tenha cometido falta grave em matéria profissional». Como observou a Comissão, a jurisprudência do Tribunal de Justiça que interpreta essa disposição refere o papel dos Estados‑Membros na definição desse conceito, mas também a necessidade de um nível mínimo de gravidade para que a disposição possa ser aplicável.


32 —      Que afetem significativamente a pré‑seleção ou a adjudicação do contrato, por exemplo.


33 —      V. artigo 53.°, n.° 1, da diretiva.


34 —      V., por exemplo, considerando 46 da diretiva.


35 —      Acórdão de 29 de março de 2012, SAG ELV Slovensko e o. (C‑599/10, EU:C:2012:191, n.° 38).