Language of document : ECLI:EU:T:2022:728

ACÓRDÃO DO TRIBUNAL GERAL (Terceira Secção)

30 de novembro de 2022 (*)

«Auxílios de Estado — Indústria nuclear — Auxílio previsto pela Hungria para o desenvolvimento de dois novos reatores nucleares nas instalações da Paks — Decisão que declara o auxílio compatível com o mercado interno sob reserva da observância de determinados compromissos — Artigo 107.o, n.o 3, alínea c), TFUE — Compatibilidade do auxílio com o direito da União distinto do direito dos auxílios de Estado — Nexo indissociável — Promoção da energia nuclear — Artigo 192.o, primeiro parágrafo, do Tratado Euratom — Princípios da proteção ambiental, do poluidor‑pagador, da precaução e da durabilidade — Determinação da atividade económica em causa — Deficiência do mercado — Distorção da concorrência — Proporcionalidade do auxílio — Necessidade de uma intervenção do Estado — Determinação dos elementos do auxílio — Procedimento de contratação pública — Dever de fundamentação»

No processo T‑101/18,

República da Áustria, representada por J. Schmoll, F. Koppensteiner, M. Klamert e T. Ziniel, na qualidade de agentes, assistidos por H. Kristoferitsch, advogado,

recorrente,

apoiada por:

GrãoDucado do Luxemburgo, representado por A. Germeaux e T. Schell, na qualidade de agentes, assistidos por P. Kinsch, advogado,

interveniente,

contra

Comissão Europeia, representada por K. Blanck, K. Herrmann e P. Němečková, na qualidade de agentes,

recorrida,

apoiada por:

República Checa, representada por M. Smolek, J. Vláčil, T. Müller, J. Pavliš e L. Halajová, na qualidade de agentes,

por

República Francesa, representada por E. de Moustier e P. Dodeller, na qualidade de agentes,

por

Hungria, representada por M. Fehér, na qualidade de agente, assistido por P. Nagy, N. Gràcia Malfeito, B. Karsai, advogados, e C. Bellamy, KC,

por

República da Polónia, representada por B. Majczyna, na qualidade de agente,

por

República Eslovaca, representada por S. Ondrášiková, na qualidade de agente,

e por

Reino Unido da GrãBretanha e da Irlanda do Norte, representado por F. Shibli, L. Baxter e S. McCrory, na qualidade de agentes, assistidos por T. Johnston, barrister,

intervenientes,

O TRIBUNAL GERAL (Terceira Secção),

composto, nas deliberações, por: M. van der Woude, presidente, G. De Baere e G. Steinfatt (relatora), juízes,

secretária: A. Juhász‑Tóth, administradora,

vistos os autos e após a audiência de 10 de março de 2022,

profere o presente

Acórdão (1)

1        Com o seu recurso baseado no artigo 263.o TFUE, a República da Áustria pede a anulação da Decisão (UE) 2017/2112 da Comissão, de 6 de março de 2017, relativa à medida/ao regime de auxílios/ao auxílio estatal SA.38454‑2015/C (ex 2015/N) que a Hungria tenciona aplicar para apoiar o desenvolvimento de dois novos reatores nucleares na central nuclear de Paks II (JO 2017, L 317, p. 45, a seguir «decisão impugnada»).

 Antecedentes do litígio e decisão impugnada

2        Em 22 de maio de 2015, a Hungria notificou à Comissão Europeia, sob o número C(2017) 1486, uma medida destinada a prestar uma contribuição financeira para o desenvolvimento de dois novos reatores nucleares (unidades 5 e 6) nas instalações da central nuclear de Paks, na Hungria, onde já são explorados quatro reatores nucleares. A beneficiária da medida notificada é a sociedade MVM Paks II Nuclear Power Plant Development Private Company Limited by Shares (a seguir «sociedade Paks II»), destinada a tornar‑se proprietária e a sociedade exploradora dos dois novos reatores nucleares. A sociedade Paks II é detida a 100 % pelo Estado húngaro, para o qual, em novembro de 2014, foram transferidas as participações que, no início, eram integralmente detidas pelo comerciante de eletricidade e produtor energético Magyar Villamos Művek Zártkörűen Működő Részvénytársaság (a seguir «grupo MVM»).

3        Em 23 de novembro de 2015, a Comissão decidiu dar início ao procedimento formal de investigação, nos termos do artigo 108.o, n.o 2, TFUE, relativamente à medida notificada (JO 2016, C 8, p. 2, a seguir «decisão de dar início ao procedimento»).

4        Em 6 de março de 2017, a Comissão adotou a decisão impugnada.

5        A medida notificada pela Hungria está descrita na secção 2 da decisão impugnada. A medida consiste no desenvolvimento de dois reatores nucleares de tipo russo VVER 1200 (V491) de geração III + (unidades 5 e 6) na Hungria, equipados com tecnologia de arrefecimento e regulação com água e com uma capacidade instalada de, pelo menos, 1 000 megawatts (MW) por unidade, e cuja construção é integralmente financiada pelo Estado húngaro em benefício da sociedade Paks II, que deterá e fará a exploração dos novos reatores. Nessas instalações, já são explorados quatro reatores nucleares, os quais pertencem a 100 % ao grupo MVM que é detido pelo Estado húngaro. A capacidade instalada das quatro unidades existentes de tipo russo VVER‑440 (V213) da central ascende, no total, a 2 000 MW. Prevê‑se que estes reatores sejam progressivamente encerrados até 2037, para serem substituídos pelos dois novos reatores, cuja entrada em atividade está prevista para 2025 e 2026 respetivamente.

6        Em conformidade com um acordo intergovernamental entre o Governo da Federação da Rússia e o Governo da Hungria sobre cooperação no domínio da utilização pacífica da energia nuclear, celebrado em 14 de janeiro de 2014, os dois países cooperam, no âmbito de um programa nuclear, para a manutenção e a prossecução do desenvolvimento da atual central nuclear de Paks. Segundo este acordo, a Federação da Rússia e a Hungria designam ambas uma organização pública experiente e controlada pelo Estado, que será financeira e tecnicamente responsável pelo cumprimento das suas obrigações como contratante ou proprietária no que respeita à conceção, construção, entrada em serviço e desmantelamento de duas novas unidades 5 e 6 com reatores de tipo VER. A Federação da Rússia recorreu à sociedade anónima Nizhny Novgorod Engineering Company Atomenergoproekt (a seguir «JSC NIAEP»), que construirá os novos reatores, e a Hungria designou a sociedade Paks II para a detenção e exploração dos mesmos. Para o efeito, a JSC NIAEP e a sociedade Paks II celebraram, em 9 de dezembro de 2014, um acordo sobre um contrato de engenharia, adjudicação e construção dos dois novos reatores 5 e 6 que deviam ser construídos nas instalações da central nuclear de Paks.

7        No acordo intergovernamental, a Federação da Rússia comprometeu‑se a conceder à Hungria um empréstimo estatal para financiar o desenvolvimento dos novos reatores da central nuclear de Paks. Esse empréstimo é regulado pelo acordo de financiamento intergovernamental de 28 de março de 2014 e fornece uma linha de crédito renovável de 10 mil milhões de euros que se destinam exclusivamente à conceção, construção e entrada em serviço dos novos reatores 5 e 6 da central nuclear de Paks. A Hungria disponibilizará um montante adicional de 2,5 mil milhões de euros, proveniente do seu próprio orçamento, para financiar os referidos investimentos.

8        A Hungria não transferirá os fundos necessários ao pagamento do preço de aquisição dos dois novos reatores para as contas da sociedade Paks II. A maior parte desses fundos será detida pelo Vnesheconombank (Banco para o Desenvolvimento e Assuntos Económicos Externos da Rússia). Por cada etapa considerada cumprida, a sociedade Paks II apresentará ao Banco para o Desenvolvimento e Assuntos Económicos Externos da Rússia um pedido de pagamento de 80 % do montante devido diretamente à JSC NIAEP. Apresentará igualmente um pedido à Agência de Gestão da dívida pública da Hungria para o pagamento dos 20 % restantes.

9        Na decisão impugnada, a Comissão declarou que a medida notificada constituía um auxílio estatal na aceção do artigo 107.o, n.o 1, TFUE e que os artigos 107.o e 108.o TFUE eram aplicáveis mesmo que o investimento em causa estivesse abrangido pelo âmbito de aplicação do Tratado Euratom. No que respeita à adjudicação direta da construção dos dois novos reatores à empresa JSC NIAEP, a Comissão considerou que esta não podia provocar uma distorção adicional da concorrência e das trocas comerciais no mercado relevante, a saber, o da eletricidade. O cumprimento do direito da adjudicação dos contratos públicos pela Hungria foi objeto de um procedimento separado. A Comissão considerou que a medida em causa, que visava promover a energia nuclear, prosseguia um objetivo de interesse comum consagrado pelo Tratado Euratom, contribuindo igualmente para a segurança do abastecimento de eletricidade, e que todas as potenciais distorções eram limitadas e compensadas pelo objetivo comum evidenciado e prosseguido, a realizar de forma proporcional, tendo especialmente em conta as confirmações efetuadas pela Hungria durante o procedimento. A Comissão concluiu que a medida em causa, conforme alterada pela Hungria em 28 de julho de 2016 e sob reserva das condições enunciadas no artigo 3.o da decisão impugnada, era compatível com o mercado interno, nos termos do artigo 107.o, n.o 3, alínea c), TFUE. O artigo 3.o da decisão impugnada obriga a Hungria a tomar várias medidas para garantir que a sociedade Paks II respeite certas obrigações e restrições relativas, nomeadamente, à sua estratégia de investimento ou de reinvestimento, à exploração de uma plataforma de venda em leilão e à sua autonomia jurídica e estrutural.

 Pedidos das partes

10      A República da Áustria, apoiada pelo Grão‑Ducado do Luxemburgo, conclui pedindo que o Tribunal Geral se digne:

—        anular a decisão impugnada;

—        condenar a Comissão nas despesas.

11      A Comissão, apoiada pela República Checa e pela República Eslovaca, conclui pedindo que o Tribunal Geral se digne:

—        negar provimento ao recurso;

—        condenar a República da Áustria nas despesas.

12      A República Francesa, a Hungria, a República da Polónia e o Reino Unido da Grã‑Bretanha e da Irlanda do Norte concluem pedindo que o Tribunal se digne negar provimento ao recurso.

 Questão de direito

13      A República da Áustria invoca dez fundamentos de recurso. Com o primeiro fundamento, alega que deveria ter sido lançado um procedimento de contratação pública para a adjudicação das obras de construção para os dois novos reatores da central nuclear de Paks. O segundo fundamento é relativo a uma aplicação errada do artigo 107.o, n.o 3, alínea c), TFUE, uma vez que a construção e a entrada em funcionamento dos dois novos reatores não visam realizar um objetivo de interesse comum. O terceiro fundamento é relativo a uma aplicação errada do artigo 107.o, n.o 3, alínea c), TFUE, baseada, por um lado, numa delimitação incorreta das «atividades […] económicas» e, por outro, em suposições erradas de uma deficiência dos mercados. O quarto fundamento visa demonstrar o caráter desproporcionado da medida. No âmbito do quinto fundamento, a República da Áustria alega que a medida em causa provoca distorções desproporcionadas da concorrência e desigualdades de tratamento incompatíveis com o mercado interno. Com o sexto fundamento, a República da Áustria alega que a medida em causa constitui um investimento num «projeto em dificuldades», o que falseia igualmente a concorrência de forma desproporcionada, uma vez que as Orientações relativas aos auxílios estatais de emergência e à reestruturação concedidos a empresas não financeiras em dificuldade (JO 2014, C 249, p. 1, a seguir «orientações sobre as empresas em dificuldade») não foram respeitadas. O sétimo fundamento é relativo ao reforço ou criação de uma posição dominante no mercado da eletricidade. O oitavo fundamento é relativo a um risco de liquidez para o mercado grossista de eletricidade húngaro. O nono fundamento é relativo à insuficiente determinação do auxílio de Estado. O décimo fundamento é relativo a uma violação do dever de fundamentação.

14      Na audiência, a República da Áustria renunciou ao segundo e ao terceiro fundamentos, facto que ficou registado na ata da audiência. Daqui resulta que já não há que examinar os referidos fundamentos.

 Quanto ao primeiro fundamento, relativo à inexistência de um procedimento de contratação pública

15      Com o seu primeiro fundamento, a República da Áustria alega que a decisão impugnada está ferida de ilegalidade, visto que não foi lançado um procedimento de contratação pública para a construção de novos reatores nucleares a favor da sociedade Paks II. Sustenta que o facto de a JSC NIAEP ter sido diretamente encarregada do desenvolvimento e da construção dos dois novos reatores sem concurso público constitui uma violação da Diretiva 2014/24/UE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 26 de fevereiro de 2014, relativa aos contratos públicos e que revoga a Diretiva 2004/18/CE (JO 2014, L 94, p. 65), e da Diretiva 2014/25/UE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 26 de fevereiro de 2014, relativa aos contratos públicos celebrados pelas entidades que operam nos setores da água, da energia, dos transportes e dos serviços postais e que revoga a Diretiva 2004/17/CE (JO 2014, L 94, p. 243). Por conseguinte, alega que a decisão impugnada é nula devido à violação de disposições fundamentais do direito da contratação pública cuja observância é indissociável do objeto do auxílio.

16      A República da Áustria alega que, segundo a sistemática geral do Tratado FUE, o procedimento de auxílio nunca deve conduzir a um resultado contrário às disposições específicas deste tratado. O respeito das disposições do Tratado distintas das relativas aos auxílios de Estado impõe‑se particularmente na hipótese de essas outras disposições visarem igualmente, como o direito da contratação pública, assegurar uma concorrência não falseada no mercado interno e garantir uma utilização eficaz dos recursos estatais.

17      O caráter contrário ao direito da União Europeia das modalidades do auxílio que são indissociáveis do objeto e da finalidade deste último afeta necessariamente a sua compatibilidade com o mercado interno. Só assim não seria no que respeita aos elementos do auxílio que possam ser considerados não necessários à realização do seu objetivo ou ao seu funcionamento.

18      No caso em apreço, o facto de ter incumbido a JSC NIAEP do desenvolvimento dos novos reatores constitui, segundo a República da Áustria, uma modalidade indissociável do objeto do auxílio. Um procedimento de concurso entre os concorrentes poderia ter conduzido a um auxílio totalmente diferente, atendendo nomeadamente ao montante e à estrutura do mesmo.

19      O facto de não ser a JSC NIAEP, mas a sociedade Paks II, que, enquanto futura proprietária e exploradora dos dois novos reatores nucleares, é a beneficiária do auxílio, é, segundo a República da Áustria, irrelevante neste contexto. A Comissão negou erradamente, nos considerandos 281 e 283 da decisão impugnada, o caráter indissociável do nexo entre a adjudicação direta do contrato de construção, por um lado, e o objetivo e a finalidade do auxílio, por outro, ao invocar o argumento segundo o qual a potencial violação da Diretiva 2014/25 não permitiu identificar distorções adicionais da concorrência nem das trocas comerciais no mercado da eletricidade, uma vez que tal distorção adicional não era de modo algum exigida.

20      A República da Áustria, apoiada pelo Grão‑Ducado do Luxemburgo, acrescenta que, em todo o caso, à luz do Acórdão de 22 de setembro de 2020, Áustria/Comissão (C‑594/18 P, EU:C:2020:742), pouco importa, no caso do auxílio controvertido, saber se se trata de uma «modalidade indissociável» ou mesmo de uma «modalidade» do auxílio, uma vez que, de maneira geral, um auxílio de Estado que viola disposições ou princípios gerais do direito da União não pode ser declarado compatível com o mercado interno. Daqui resulta que a Comissão devia, na decisão impugnada, ter apreciado a medida à luz das disposições do direito da União sobre a contratação pública. Deveria então ter declarado que, dado que o contrato de construção não estava excluído do âmbito de aplicação da Diretiva 2014/25 por força do artigo 20.o, n.o 1, ou do artigo 50.o, alínea c), desta última, a adjudicação direta do contrato de construção constituía uma violação grave desta diretiva.

21      A violação das disposições vinculativas da Diretiva 2014/25 é já, enquanto tal, suscetível de influenciar a importância e a forma do auxílio a favor da sociedade Paks II, pelo que a decisão impugnada é, também por esta razão, ilegal.

22      Em primeiro lugar, a República da Áustria critica o facto de a Comissão se referir, no considerando 285 da decisão impugnada, ao processo por incumprimento que instaurou. Segundo a República da Áustria, o resultado do processo por incumprimento não prejudica nem o resultado do procedimento previsto no artigo 108.o TFUE nem o do presente recurso. A Comissão não pode fazer depender a análise das modalidades de um auxílio, que está obrigada a apreciar no âmbito do artigo 108.o TFUE, do resultado de um processo nos termos do artigo 258.o TFUE, cuja instauração e tramitação dependem do seu poder de apreciação.

23      Em segundo lugar, segundo a República da Áustria, a Comissão não explica as razões pelas quais parte do princípio de que as condições de aplicação do artigo 50.o, alínea c), da Diretiva 2014/25, que dizem respeito à possibilidade de recorrer a um procedimento por negociação sem abertura prévia de concurso, estão reunidas. A República da Áustria recorda que as exceções devem ser objeto de interpretação estrita. Além disso, o ónus da prova incumbe à parte que invoca a exceção em causa.

24      A Comissão, a Hungria, a República Checa, o Reino Unido e a República Francesa contestam os argumentos da República da Áustria e do Grão‑Ducado do Luxemburgo.

25      Em primeiro lugar, há que observar que a Comissão, na secção 5.3.2 da decisão impugnada (considerandos 279 a 287), verificou a conformidade do auxílio com as disposições do direito da União diferentes das regras em matéria de auxílios estatais. Segundo o considerando 280 da decisão impugnada, a Comissão partiu do princípio de que estava obrigada, por força da sistemática geral do Tratado FUE, a respeitar a coerência entre as disposições que regem os auxílios de Estado e as disposições específicas diferentes das relativas aos auxílios de Estado e, assim, a apreciar a compatibilidade do auxílio em causa com essas disposições específicas, mas que essa obrigação se impunha unicamente quando estivessem em causa modalidades de um auxílio tão indissoluvelmente associadas ao objeto do auxílio que não seria possível apreciá‑las isoladamente. Referindo‑se ao Acórdão de 3 de dezembro de 2014, Castelnou Energía/Comissão (T‑57/11, EU:T:2014:1021), precisou que uma obrigação de tomar posição, de modo definitivo, qualquer que seja o nexo entre a modalidade de ajuda e o objeto do auxílio em causa, no âmbito de um processo em matéria de auxílios, quanto à existência ou à inexistência de violação das disposições do direito da União diferentes das abrangidas pelos artigos 107.o e 108.o TFUE colidiria, por um lado, com as regras e garantias processuais — em parte fortemente divergentes e que implicam consequências jurídicas distintas — que são próprias dos processos especialmente previstos para o controlo da aplicação dessas disposições e, por outro, com o princípio da autonomia dos processos administrativos e das vias de recurso. Segundo a referida jurisprudência, daqui resultaria que, embora a modalidade de auxílio em causa esteja indissociavelmente ligada ao objeto do mesmo, a sua conformidade com as disposições diferentes das relativas aos auxílios de Estado será apreciada pela Comissão no quadro do procedimento previsto no artigo 108.o TFUE e essa apreciação poderá levar a uma declaração de incompatibilidade do auxílio em causa com o mercado interno. Em contrapartida, mesmo que a modalidade em causa possa ser separada do objeto do auxílio, a Comissão não é obrigada a apreciar a sua conformidade com as disposições que não sejam as relativas aos auxílios de Estado no âmbito do referido procedimento.

26      A Comissão entendeu em seguida, no considerando 281 da decisão impugnada, que a apreciação da compatibilidade da medida notificada com o mercado interno poderia ser afetada por um eventual incumprimento da Diretiva 2014/25 caso conduzisse a uma distorção adicional da concorrência e das trocas comerciais no mercado da eletricidade, dado este último ser o mercado em que a beneficiária do auxílio, a sociedade Paks II, estava ativa. Dado que esse efeito de distorção adicional devido ao incumprimento da Diretiva 2014/25 não foi demonstrado, não existe «nexo indissociável» entre a eventual violação da Diretiva 2014/25 e o objeto do auxílio, pelo que a avaliação da compatibilidade do auxílio não pode ser afetada por essa eventual violação (considerandos 283 e 284 da decisão impugnada).

27      No que respeita aos argumentos da República da Áustria relativos ao Acórdão de 22 de setembro de 2020, Áustria/Comissão (C‑594/18 P, EU:C:2020:742), primeiro, há que observar que resulta nomeadamente dos n.os 40, 44 e 45 desse acórdão que a atividade económica promovida pelo auxílio deve ser compatível com o direito da União. Ora, no âmbito do primeiro fundamento, não foi invocada nenhuma violação de disposições do direito da União devido à atividade apoiada, a saber, a produção de energia nuclear.

28      Segundo, não se pode retirar nenhuma consequência do facto de o Tribunal de Justiça não ter analisado, no seu Acórdão de 22 de setembro de 2020, Áustria/Comissão (C‑594/18 P, EU:C:2020:742), a existência de um nexo indissociável. Com efeito, tal facto explica‑se por, no processo que deu origem ao referido acórdão, a alegada violação de princípios do direito da União decorrer do próprio objeto do auxílio, a saber, o desenvolvimento de uma central de produção de eletricidade de origem nuclear. Assim, a questão da existência de um nexo com uma modalidade do auxílio, distinta do seu objeto, não se colocava.

29      Terceiro, contrariamente ao que alega a República da Áustria, não resulta do Acórdão de 22 de setembro de 2020, Áustria/Comissão (C‑594/18 P, EU:C:2020:742), que o Tribunal de Justiça tenha pretendido alargar o alcance do controlo que incumbia à Comissão no âmbito de um procedimento destinado a verificar a compatibilidade de um auxílio de Estado com o mercado interno. Com efeito, foi referindo‑se ao Acórdão de 15 de abril de 2008, Nuova Agricast (C‑390/06, EU:C:2008:224, n.os 50 e 51), que o Tribunal de Justiça recordou, no n.o 44 do Acórdão de 22 de setembro de 2020, Áustria/Comissão (C‑594/18 P, EU:C:2020:742), que já tinha declarado que um auxílio de Estado que viole disposições ou princípios gerais do direito da União não podia ser declarado compatível com o mercado interno. Este princípio inscreve‑se efetivamente em jurisprudência constante do Tribunal de Justiça, como demonstram as referências que figuram no n.o 50 do Acórdão de 15 de abril de 2008, Nuova Agricast (C‑390/06, EU:C:2008:224).

30      Por conseguinte, uma vez que, no n.o 44 do Acórdão de 22 de setembro de 2020, Áustria/Comissão (C‑594/18 P, EU:C:2020:742), o Tribunal de Justiça fez referência a uma jurisprudência constante, nada permite concluir que quis abandonar a sua jurisprudência segundo a qual havia que distinguir entre as modalidades que apresentavam um nexo indissociável com o objeto do auxílio e as que não o tinham.

31      Por outro lado, uma obrigação de tomar posição, de modo definitivo, qualquer que seja o nexo entre a modalidade de auxílio e o objeto do auxílio em causa, no âmbito de um processo em matéria de auxílios, quanto à existência ou à inexistência de violação das disposições do direito da União diferentes das abrangidas pelos artigos 107.o e 108.o TFUE colidiria, por um lado, com as regras e garantias processuais — em parte fortemente divergentes e que implicam consequências jurídicas distintas — que são próprias dos processos especialmente previstos para o controlo da aplicação dessas disposições e, por outro, com o princípio da autonomia dos processos administrativos e das vias de recurso (Acórdão de 12 de fevereiro de 2008, BUPA e o./Comissão, T‑289/03, EU:T:2008:29, n.os 313 e 314; v., igualmente, Acórdão de 3 de dezembro de 2014, Castelnou Energía/Comissão, T‑57/11, EU:T:2014:1021, n.o 183 e jurisprudência referida; v., igualmente, neste sentido, Acórdão de 15 de junho de 1993, Matra/Comissão, C‑225/91, EU:C:1993:239, n.o 44).

32      Assim, deve ser rejeitada a interpretação da República da Áustria segundo a qual, à luz do Acórdão de 22 de setembro de 2020, Áustria/Comissão (C‑594/18 P, EU:C:2020:742), a Comissão está obrigada a verificar que qualquer modalidade de auxílio ou qualquer circunstância relacionada com o auxílio, mesmo que não apresente um nexo indissociável com o mesmo, não viola nenhuma disposição ou princípio geral do direito da União.

33      Há que acrescentar que, numa situação em que, como no presente processo, estão em causa dois procedimentos distintos que são ambos da competência da Comissão e cujas regras respetivas esta deve respeitar, surgiria um risco de contradição ou de violação das regras dos referidos procedimentos se a Comissão fosse obrigada a apreciar a mesma modalidade do auxílio tanto no âmbito do procedimento relativo à autorização do auxílio em causa como no âmbito de um processo por incumprimento.

34      Daqui resulta que a Comissão não cometeu um erro de direito quando considerou que a sua fiscalização, no âmbito do procedimento do artigo 108.o TFUE, deva ser limitada à própria medida de auxílio e às modalidades que apresentem um nexo indissociável com esta.

35      Em segundo lugar, a República da Áustria não tem razão ao alegar que o facto de ter encarregado a JSC NIAEP da construção dos novos reatores constitui uma modalidade indissociável do objeto do auxílio, pelo facto de um procedimento de concurso entre os concorrentes ter podido conduzir a um auxílio totalmente diferente, nomeadamente em relação ao montante e à estrutura deste último.

36      No caso em apreço, o auxílio em causa consiste na disponibilização, a título gratuito, de dois novos reatores nucleares a favor da sociedade Paks II para efeitos da sua exploração. A questão de saber se a adjudicação do contrato de construção destes dois reatores deveria ter sido objeto de concurso respeita ao fabrico e ao abastecimento do bem que será colocado à disposição a título gratuito e situa‑se, portanto, a montante da medida de auxílio propriamente dita. Assim, a decisão de adjudicação do contrato de desenvolvimento e de construção dos dois novos reatores não constitui uma modalidade do próprio auxílio.

37      A condução de um procedimento de concurso público e o eventual recurso a outra empresa para a construção dos reatores não alteraria nem o objeto do auxílio, a saber, a disponibilização, a título gratuito, de dois novos reatores nucleares para efeitos da sua exploração, nem o beneficiário do auxílio, que é a sociedade Paks II. Por outro lado, uma violação das normas relativas à contratação pública produziria efeitos unicamente no mercado das obras de construção de centrais nucleares e não poderia ter consequências no mercado referido pelo objeto da medida de auxílio controvertida.

38      Quanto à influência da falta de um concurso público no montante do auxílio, a Comissão, a Hungria e a República Francesa têm razão ao alegar que não se demonstrou que outros proponentes poderiam ter fornecido os dois reatores da tecnologia VER 1200 em melhores condições ou a um preço inferior. Além disso, é também com razão que a Comissão salienta que a legalidade da sua decisão em matéria de auxílios de Estado não depende da observância das normas da União em matéria de contratação pública quando a escolha de outra empresa para a construção dos reatores não altera a apreciação à luz das normas relativas aos auxílios de Estado. Com efeito, mesmo na hipótese de o recurso a um procedimento de concurso ter podido alterar o montante do auxílio, essa circunstância não teria, em si mesma, qualquer consequência sobre a vantagem que o referido auxílio constituía para o seu beneficiário, a sociedade Paks II, tendo em conta que a referida vantagem consistia na disponibilização gratuita de dois novos reatores para efeitos da sua exploração. Por conseguinte, um aumento ou uma diminuição do montante do auxílio não se traduz, no caso em apreço, numa alteração do auxílio propriamente dito nem numa alteração do seu efeito anticoncorrencial.

39      Daqui resulta que a Comissão teve razão ao considerar que a adjudicação do contrato de construção dos dois novos reatores não constituía uma modalidade do auxílio que apresentasse um nexo indissociável com este.

40      Em terceiro lugar, quanto ao argumento da República da Áustria de que a decisão de adjudicar o contrato de construção à JSC NIAEP violou o disposto na Diretiva 2014/25, dado que este contrato não está excluído do âmbito de aplicação da mesma por força do artigo 20.o, n.o 1, ou do seu artigo 50.o, alínea c), da mesma diretiva, há que observar que a Comissão tratou a questão da aplicabilidade da Diretiva 2014/25 no considerando 285 da decisão impugnada. No que respeita à questão de saber se o direito da União prevê a obrigação de dar início a um procedimento de concurso para o contrato de engenharia, de compra e construção dos dois novos reatores da central nuclear de Paks, a Comissão salientou que, em qualquer caso, o cumprimento da Diretiva 2014/25 por parte da Hungria foi objeto de um procedimento separado pela Comissão, em cujo âmbito a conclusão preliminar, com base na informação disponível, era que os procedimentos estabelecidos na Diretiva 2014/25 não seriam aplicáveis à adjudicação das obras de construção dos dois reatores com base no seu artigo 50.o, alínea c).

41      Contrariamente ao que alega a República da Áustria, a Comissão teve razão ao considerar, no interesse da coerência dos resultados da análise da compatibilidade do auxílio e do processo por incumprimento, que podia remeter para a apreciação que efetuou no âmbito do processo por incumprimento.

42      Com efeito, a Comissão tinha adquirido a convicção, no âmbito do processo por incumprimento, de que a adjudicação direta da construção dos dois novos reatores não violava o direito da União em matéria de contratação pública. Essa convicção baseava‑se numa análise aprofundada dos requisitos técnicos que a Hungria tinha invocado para justificar a inexistência de um procedimento de concurso.

43      Na sua resposta às questões escritas que o Tribunal Geral lhe colocou a título de uma medida de organização do processo, a Comissão confirmou que o «procedimento separado» referido no considerando 285 da decisão impugnada era o processo por incumprimento NIF 2015/4231‑32 instaurado contra a Hungria nos termos do artigo 258.o TFUE. No âmbito deste procedimento e com base nas informações prestadas pelas autoridades húngaras competentes, concluiu que a adjudicação direta à sociedade JSC NIAEP das obras de construção dos dois reatores 5 e 6 podia ser efetuada sem abertura prévia de concurso, uma vez que, por razões técnicas, não existia concorrência, pelo que o artigo 40.o, n.o 3, alínea c), ii), da Diretiva 2004/17/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 31 de março de 2004, relativa à coordenação dos processos de adjudicação de contratos nos setores da água, da energia, dos transportes e dos serviços postais (JO 2004, L 134, p. 1) [artigo 50.o, alínea c), ii), da Diretiva 2014/25] era pertinente.

44      A resposta da Comissão é confirmada pela documentação apresentada a este respeito na sequência da referida medida de organização do processo, nomeadamente por duas «fichas NIF», que têm os números 2015/4231 e 2015/4232 e expõem as razões do encerramento do processo NIF 2015/4231‑32. Daqui resulta, nomeadamente, que a Comissão considerou que o argumento segundo o qual o contrato podia ser adjudicado diretamente ao contratante por razões técnicas [artigo 40.o, n.o 3, alínea c), da Diretiva 2004/17] era justificado para as partes essenciais do projeto.

45      Resulta igualmente do mesmo documento apresentado no anexo X.5 que a Hungria se comprometeu perante a Comissão a seguir um procedimento de contratação pública relativamente à maioria das outras partes do projeto, de modo transparente e respeitando os princípios de base de tratamento igual e da não discriminação. Na audiência, a Comissão explicou que este compromisso assumido pela Hungria se encontrava refletido no considerando 372 da decisão impugnada, que devia ser lido conjuntamente com o seu considerando 285.

46      Além disso, resulta dos documentos apresentados nos anexos X.1 a X.3 que o Centro Comum de Investigação (JRC) da Comissão e os peritos da Direção‑Geral «Energia» confirmaram a singularidade técnica do reator VER 1200 produzido pela Rosatom e escolhido pela Hungria segundo a sua opção legítima, caracterizada por critérios racionais.

47      Por outro lado, não se pode admitir que, nos termos do procedimento relativo à compatibilidade do auxílio com o mercado interno, todas as decisões tomadas anteriormente e que já foram objeto de um procedimento separado, regulado por normas específicas na aceção do Acórdão de 15 de junho de 1993, Matra/Comissão (C‑225/91, EU:C:1993:239, n.o 44), e diferentes das aplicáveis em matéria de auxílios de Estado, sejam postas em causa. O princípio da segurança jurídica opõe‑se a que a Comissão reaprecie a adjudicação do contrato de construção no âmbito do procedimento de auxílio de Estado se não dispuser de novas informações relativamente ao momento em que decidiu encerrar o processo por incumprimento. A este respeito, a Comissão confirmou, na sua resposta a uma questão colocada pelo Tribunal Geral, que, no momento da adoção da decisão impugnada, ou seja, em 6 de março de 2017, dispunha das mesmas informações que as que fundamentaram a sua decisão de 17 de novembro de 2016 de pôr termo ao processo por incumprimento instaurado contra a Hungria devido à adjudicação direta do contrato de construção à JSC NIAEP.

48      Também não pode ser acolhido o argumento da República da Áustria segundo o qual o processo por incumprimento não pode prejudicar a apreciação de uma eventual violação do direito da contratação pública no âmbito do procedimento relativo ao auxílio de Estado, visto que o processo por incumprimento é regulado pelo princípio da oportunidade. Com efeito, o facto de o processo por incumprimento ser regulado pelo princípio da oportunidade é irrelevante, uma vez que a Comissão iniciou efetivamente esse processo no âmbito do qual procedeu a uma análise das razões técnicas em que se baseava a Hungria e no termo do qual chegou à conclusão de que as condições do artigo 50.o, alínea c), da Diretiva 2014/25 estavam preenchidas. Na audiência, a Comissão precisou que o conceito de oportunidade, utilizado na decisão de encerrar o processo por incumprimento, remetia para o momento da decisão e não para o seu conteúdo. Em resposta à terceira questão colocada no âmbito da medida de organização do processo, a Comissão precisou ainda que o resultado desse procedimento tinha sido qualificado de «conclusão preliminar» no considerando 285 da decisão impugnada, unicamente devido à possibilidade de que dispunha de iniciar a qualquer momento um novo procedimento da mesma natureza com base em novas informações.

49      Daqui resulta que a Comissão não cometeu um erro de direito ao apoiar‑se, em quaisquer circunstâncias, no resultado do processo por incumprimento para efeitos da decisão impugnada.

50      Resulta do que precede que o primeiro fundamento deve ser julgado improcedente.

[omissis]

 Quanto ao quinto fundamento, relativo à existência de distorções desproporcionadas da concorrência e de desigualdades de tratamento que tornam o auxílio incompatível com o mercado interno

89      No âmbito do quinto fundamento, a República da Áustria sustenta que o auxílio é incompatível com o mercado interno, dado que a sua atribuição produz distorções desproporcionadas da concorrência e desigualdades de tratamento conducentes à exclusão dos produtores de energia renovável do mercado interno liberalizado da eletricidade.

90      Em primeiro lugar, a República da Áustria invoca desigualdades de tratamento em dois aspetos, a saber, um aspeto de origem técnica e um aspeto de origem reguladora.

91      Primeiro, o importante subvencionamento da disponibilização de elevadas capacidades de carga de base provenientes da energia nuclear prejudica os produtores de eletricidade alternativa menos dispendiosa, que seriam obrigados a reduzir artificialmente as suas injeções na rede a fim de não comprometer a estabilidade desta última em caso de sobrecapacidades temporárias no mercado da eletricidade. O auxílio em causa provocaria assim distorções estruturais da concorrência no longo prazo e exclusões de produtores do mercado interno liberalizado da eletricidade. As reduções artificiais da produção afetariam igualmente os produtores transfronteiriços que exportam a sua eletricidade para a Hungria.

92      Segundo, a República da Áustria sustenta que, no caso em apreço, todos os custos originados pela planificação, construção, financiamento externo e entrada em funcionamento de um projeto não competitivo e não rentável são suportados pelo Estado, ao passo que os produtores de energia renovável beneficiam de auxílios consideravelmente menos significativos e apenas na condição de respeitarem condições de compatibilidade muito mais rigorosas, conforme definidas nas Orientações AEE. Daí resulta uma desigualdade de tratamento na perspetiva do direito dos auxílios entre produtores do mesmo produto que estão em concorrência no mesmo mercado.

93      Em segundo lugar, a República da Áustria alega que o auxílio concedido à sociedade Paks II falseia igualmente a concorrência pelo facto de ser contraditório com princípios orientadores essenciais da Diretiva 2009/72/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 13 de julho de 2009, que estabelece regras comuns para o mercado interno da eletricidade e que revoga a Diretiva 2003/54/CE (JO 2009, L 211, p. 55), e, nomeadamente, com o objetivo de criar condições de concorrência equitativas para todas as empresas de eletricidade estabelecidas na União e com o objetivo de proporcionar aos consumidores energia ao preço mais competitivo possível.

94      Além disso, alega que a decisão impugnada tem valor de precedente para outros auxílios importantes a favor de outras centrais nucleares, que podem falsear de forma estrutural e desproporcionada a concorrência em todo o mercado interno da eletricidade.

95      Por último, se, segundo a decisão impugnada, a apreciação isolada de cada auxílio individual não é prejudicial para a concorrência, mesmo com uma ordem de grandeza de 12,5 mil milhões de euros, todos os auxílios são, afinal, automaticamente compatíveis com o mercado interno.

96      A Comissão e a Hungria contestam os argumentos da República da Áustria.

97      Em primeiro lugar, no que respeita à acusação da República da Áustria respeitante ao tratamento desigual relativamente aos produtores de energia renovável baseado, designadamente, nos princípios orientadores da Diretiva 2009/72, convém recordar que o Tribunal de Justiça já decidiu que um Estado‑Membro era livre de determinar a composição do seu cabaz energético (v., neste sentido, Acórdão de 22 de setembro de 2020, Áustria/Comissão, C‑594/18 P, EU:C:2020:742, n.os 79 e 80). Por conseguinte, a Comissão não pode exigir que os financiamentos do Estado sejam afetados às fontes de energia alternativas. Daqui resulta igualmente que não pode ser imposto a um Estado‑Membro que estabeleça condições de financiamento ou de exploração absolutamente idênticas para todos os produtores de energia. Esta exigência exclui, além disso, qualquer auxílio a um projeto preciso de produção de energia.

98      Em segundo lugar, como salientou acertadamente a Comissão, a ameaça de alguma distorção da concorrência é inerente a qualquer auxílio. Assim, deve ser aceite, até certo ponto, no âmbito da apreciação da compatibilidade de um auxílio destinado a facilitar o desenvolvimento de certas atividades com o mercado interno na aceção do artigo 107.o, n.o 3, alínea c), TFUE, sendo o limite ultrapassado se esse auxílio alterar as condições das trocas comerciais numa medida contrária ao interesse comum.

99      No considerando 391 da decisão impugnada, a Comissão concluiu que os efeitos negativos eventualmente resultantes do auxílio em causa seriam, no mínimo, compensados pelo objetivo de interesse comum prosseguido. A ordem de grandeza de 12,5 mil milhões de euros deste auxílio constitui um elemento que deve ser tido em conta no âmbito da ponderação. Todavia, considerado isoladamente, este elemento não pode ser decisivo. Uma vez que se trata unicamente dos custos de investimento em dois novos reatores que visam substituir os quatro antigos reatores que serão gradualmente encerrados em razão da sua idade, dado não estar previsto um auxílio ao funcionamento, o efeito no mercado da energia será apenas limitado.

100    Com efeito, a Comissão expôs de forma fundamentada quais as quotas de mercado que podiam ser alcançadas, por um lado, unicamente pela sociedade Paks II após o encerramento dos antigos reatores e, por outro, pelo grupo MVM e pela sociedade Paks II em conjunto durante o período limitado da operação paralela no mercado húngaro e, igualmente, nos mercados acoplados da Roménia e da Eslováquia. Como demonstra o gráfico 10 que figura na decisão impugnada, a quota da sociedade Paks II nestes mercados acoplados não ultrapassará 10 %. As quotas de mercado comuns do grupo MVM e da sociedade Paks II nos mercados eslovaco e romeno, acoplados com a Hungria, não ultrapassam, segundo o mesmo gráfico, 20 %. Por conseguinte, os efeitos dos dois novos reatores terão um alcance limitado na repartição das quotas de mercado.

101    No que respeita aos interesses dos consumidores da energia em obter o preço mais competitivo possível, importa recordar que, segundo o estudo NERA, cujos resultados não são postos em causa pela República da Áustria, a central nuclear de Paks continuará a ser uma seguidora de preços, como resulta dos considerandos 113, 365, 369 e 376 da decisão impugnada. Com efeito, como explicou a Comissão, nomeadamente no considerando 365 da decisão impugnada, os preços da eletricidade são determinados sobretudo pelos custos marginais dos produtores que participam num dado mercado. As tecnologias baseadas em energias renováveis têm custos marginais reduzidos, já que a maior parte delas pode operar sem custos de combustível. A tecnologia nuclear tem igualmente baixos custos de exploração. Em contrapartida, tecnologias com base em combustíveis, como as centrais de carvão e as centrais de turbinas a gás, têm custos de exploração mais elevados e, assim, fazem aumentar o preço da eletricidade. Por conseguinte, a energia nuclear é uma seguidora de preços em vez de fixá‑los. A este respeito, não há, portanto, conflito entre o auxílio em causa e os princípios orientadores essenciais da Diretiva 2009/72 invocados pela República da Áustria.

102    Além disso, na secção 5.3.8.2 da decisão impugnada, a Comissão examinou, nomeadamente, de forma aprofundada, os obstáculos à entrada de novos operadores no mercado. Esta questão foi designadamente analisada tendo em conta os efeitos potenciais da medida no mercado húngaro (considerandos 357 a 365), os seus potenciais efeitos transfronteiriços (considerandos 366 a 371) e os potenciais efeitos da exploração paralela dos reatores antigos e novos da central nuclear de Paks (considerandos 372 a 376). A República da Áustria não demonstrou erros manifestos nesta apreciação. Dado que, como a Comissão observa com razão, a República da Áustria não contesta que a capacidade dos novos reatores não conduz, no longo prazo, a um aumento da capacidade nuclear instalada total na Hungria, que é estimada em 36 % do consumo total de eletricidade, a substituição dos quatro reatores da central nuclear de Paks por dois novos reatores que produzem a mesma quantidade de energia e são financiados graças ao auxílio ao investimento em causa não pode causar uma exclusão considerável dos produtores de energia provenientes de outras fontes.

103    Em terceiro lugar, há que rejeitar o argumento da República da Áustria segundo o qual a decisão impugnada tem um valor de precedente para outros auxílios importantes a favor de outras centrais nucleares, que poderão falsear de forma estrutural e desproporcionada a concorrência no mercado interno da eletricidade no seu conjunto. A este respeito, a Comissão constata acertadamente que o valor de precedente da decisão impugnada não é um argumento jurídico, mas um argumento político que não pode implicar a nulidade dessa decisão.

104    Resulta das considerações precedentes que o quinto fundamento é improcedente e deve ser rejeitado.

[omissis]

 Quanto ao sétimo fundamento, relativo ao reforço ou criação de uma posição dominante no mercado

[omissis]

125    A República da Áustria recorda que as duas sociedades que exploram os antigos e os novos reatores da central nuclear de Paks são detidas a 100 % pelo Estado húngaro, sendo este último o proprietário indireto destas sociedades por intermédio da MVM Hungarian Electricity Ltd., o que, na decisão de dar início ao procedimento, suscitou dúvidas, visto que a entrada em funcionamento dos novos reatores da central nuclear de Paks conduziria a uma concentração do mercado muito significativa na Hungria.

126    Segundo a República da Áustria, os dois compromissos mínimos da Hungria previstos na decisão impugnada não são suficientes. A circunstância de a gestão das duas sociedades ser atribuída a ministérios diferentes em nada altera o facto de, afinal de contas, ser o Estado húngaro que, enquanto detentor do capital, possui a totalidade das participações sociais das duas sociedades e está em condições de controlar o comportamento destas últimas. Do ponto de vista funcional, importa, no âmbito da apreciação da concentração do mercado, adicionar as quotas das duas empresas. A referência, feita pela Comissão no considerando 353 da decisão impugnada, à sua Comunicação consolidada da Comissão em matéria de competência ao abrigo do Regulamento (CE) n.o 139/2004 do Conselho, de 20 de janeiro de 2004, relativo ao controlo das concentração de empresas (JO 2008, C 95, p. 1), em nada altera a apreciação precedente.

127    No que respeita à exploração em paralelo dos antigos e dos novos reatores da central nuclear, a República da Áustria salienta que o facto de esta última só ter de durar sete anos não é suscetível de afastar as dúvidas a título do direito da concorrência. Na realidade, durante este período, os concorrentes seriam excluídos do mercado. Além disso, a data prevista para o encerramento dos antigos reatores nucleares não está garantida.

128    Por outro lado, a Comissão não examinou as repercussões sobre as possibilidades de entrada de novos operadores no mercado, nomeadamente no período compreendido entre 2026 e 2032 ou 2037. Não teve em conta o facto de os investimentos em centrais nucleares contribuírem de forma geral para uma diminuição dos investimentos estatais nas fontes de energia renovável e, ao mesmo tempo, para um aumento significativo da concentração do conjunto do mercado da energia.

129    No que respeita à constatação de que as quotas de mercado combinadas do grupo MVM e da sociedade Paks II no mercado associado da Hungria, da Eslováquia e da Roménia não excedem 20 %, a República da Áustria considera que apenas este facto não é suficiente para concluir pela exclusão automática de um efeito transfronteiriço. Segundo a República da Áustria, a Comissão deveria, nomeadamente, ter tido igualmente em conta a estrutura do mercado no seu conjunto. Tendo em conta que a central nuclear de Paks, com os antigos reatores, já dispõe de uma quota de mercado da Hungria superior a 50 %, o risco de um abuso dessa posição e de uma distorção da concorrência daí resultante é evidente.

130    A Comissão, a Hungria e a República Checa contestam a argumentação da República da Áustria.

131    Importa recordar que, em conformidade com o artigo 107.o, n.o 3, alínea c), TFUE, um auxílio só pode ser autorizado se não alterar as condições das trocas comerciais de maneira que contrarie o interesse comum, o que implica ponderar os efeitos positivos do auxílio previsto para o desenvolvimento das atividades que visa apoiar e os efeitos negativos que esse auxílio pode ter no mercado interno (Acórdão de 22 de setembro de 2020, Áustria/Comissão, C‑594/18 P, EU:C:2020:742, n.o 101). Tais efeitos negativos sobre a concorrência existem nomeadamente quando os auxílios provocam a criação ou a manutenção de uma posição dominante no mercado do beneficiário do auxílio.

132    Nesta perspetiva, a Comissão examinou, na secção 5.3.8.1 da decisão impugnada, a questão de saber se o aumento de uma eventual concentração do mercado resultava da fusão da propriedade e da exploração futuras dos antigos reatores da central nuclear de Paks com os novos.

133    No considerando 347 da decisão impugnada, a Comissão observou que o mercado de produção de eletricidade húngaro se caracterizava por uma concentração de mercado relativamente elevada, uma vez que a atual central nuclear de Paks (grupo MVM) produzia cerca de 50 % da eletricidade nacional. Resulta do considerando 349 da decisão impugnada que a Comissão estava preocupada com o facto de uma separação jurídica da sociedade Paks II e do grupo MVM ser insuficiente ou não poder ser mantida sem garantias adicionais a esse respeito. Todavia, a Comissão considerou que determinadas informações respondiam às suas preocupações, a saber, primeiro, que o objetivo da medida húngara era a substituição progressiva das capacidades nucleares existentes da central nuclear de Paks entre 2025 e 2037, segundo, que a Hungria tinha alegado que o grupo MVM e a sociedade Paks II eram independentes e sem ligação e, terceiro, que, segundo a Hungria, a sociedade Paks II, os seus sucessores e filiais eram entidades juridicamente e estruturalmente distintas, e eram mantidos, geridos e explorados de forma independente e autónoma do Grupo MVM e de todas as suas empresas, sucessores e filiais e outras empresas controladas pelo Estado, ativas na produção e venda por grosso ou a retalho de energia (considerandos 350 a 354 da decisão impugnada).

 Quanto ao poder da central nuclear de Paks no mercado húngaro e no mercado interno da União

134    A República da Áustria alega a criação de uma posição dominante no mercado pelo auxílio em causa.

135    Em primeiro lugar, a República da Áustria afirma que a central nuclear de Paks, com os antigos reatores, já dispõe na Hungria de uma quota de mercado superior a 50 %, o que dá lugar a uma presunção inilidível da existência de uma posição dominante. Ora, este argumento resulta de um erro quanto aos factos.

136    Segundo o considerando 43 da decisão impugnada, «[e]nquanto produtor, o Grupo MVM detido pelo Estado tem uma presença significativa no mercado, devido ao seu principal ativo de produção, a Paks II, que forneceu 52,67 % da eletricidade produzida a nível nacional em 2015». Ora, esta constatação, tal como os considerandos 18 e 347 da decisão impugnada, respeita à quota da central nuclear de Paks na energia produzida na Hungria. Todavia, as referidas percentagens não indicam a quota de mercado da central nuclear de Paks no mercado húngaro da energia elétrica. Esta última resulta antes do gráfico 1, igualmente reproduzido no considerando 43 da decisão impugnada, que se refere à «composição do consumo total de eletricidade na Hungria em 2015» e segundo o qual a quota de mercado da central nuclear de Paks ascende a 36,19 %. Sendo a Hungria um importador líquido de eletricidade cujas importações representam cerca de 30 % do consumo de eletricidade, como a Comissão explicou no considerando 47 da decisão impugnada, a quota de mercado da central nuclear de Paks é diminuída mecanicamente pelas referidas importações, que cobrem uma parte substancial do consumo doméstico na Hungria.

137    A Comissão sublinha, pois, com justeza que, no considerando 358 da decisão impugnada, se baseou no facto de a eletricidade produzida pela central nuclear de Paks representar 36 % do consumo total de eletricidade da Hungria. Além disso, no considerando 358 da decisão impugnada, a Comissão considerou que, primeiro, a eletricidade produzida nessa altura pela central nuclear de Paks representava 36 % do consumo total de eletricidade da Hungria, segundo, a percentagem diminuiria atendendo ao crescimento previsto da procura e, terceiro, a produção dos novos reatores da central nuclear de Paks devia apresentar resultados semelhantes após a desativação gradual dos seus antigos reatores.

138    Importa acrescentar que as quotas de mercado não determinam, em si, uma posição dominante, como refere, com justeza, a Hungria, servindo unicamente de ponto de partida para uma análise do mercado que deve tomar em consideração todas as outras circunstâncias pertinentes, como os obstáculos à entrada e o desenvolvimento do mercado num período mais longo (v., neste sentido, Acórdão de 14 de fevereiro de 1978, United Brands et United Brands Continentaal/Comissão, 27/76, EU:C:1978:22, n.o 66), ou a estrutura do mercado em questão. A este respeito, a Hungria recorda acertadamente que, por um lado, a construção dos novos reatores da central nuclear de Paks é um projeto que visa a manutenção da capacidade de produção de eletricidade e não o seu alargamento, e oferece uma solução na previsão de uma situação de carência, ao mesmo tempo que contribui para a estabilização da rede, e, por outro, a decisão impugnada foi acompanhada, no seu artigo 3.o, de condições, nomeadamente sobre a utilização dos lucros, sobre as modalidades de negociação comercial e sobre a separação jurídica e estrutural da sociedade Paks II e do grupo MVM, que visam limitar os efeitos anticoncorrenciais do auxílio e relativamente aos quais, além disso, a Hungria se comprometeu a apresentar relatórios anuais.

139    Com efeito, na decisão impugnada, a Comissão baseou a sua apreciação de uma eventual distorção do mercado em todos estes elementos, sem que a República da Áustria tenha posto em causa os estudos económicos relativos à situação atual e aos prognósticos do desenvolvimento no mercado húngaro e nos mercados interligados nos quais a Comissão se baseou.

140    A este respeito, importa nomeadamente recordar que, segundo os referidos estudos e como explicou a Comissão nos considerandos 360 e 388 da decisão impugnada, a situação de escassez energética na Hungria persistirá, pelo que o país continuará a ser um importador líquido após a desativação gradual das quatro unidades atualmente em funcionamento na central nuclear de Paks. Além disso, segundo o considerando 373 da decisão impugnada, resulta do estudo NERA que mesmo durante o funcionamento simultâneo dos novos e antigos reatores da central nuclear de Paks de 2025 a 2037, a crescente procura interna esperada não será satisfeita somente por centrais energéticas nacionais. A afirmação da República da Áustria segundo a qual, durante o funcionamento simultâneo dos antigos e dos novos reatores da central nuclear de Paks entre 2026 e 2032, há um bloqueio do mercado húngaro da eletricidade com um obstáculo à entrada no mercado de novos atores que a Comissão não teve em conta na decisão impugnada é, assim, infundada.

141    No que respeita à alegação relativa aos concorrentes no mercado húngaro e nos mercados acoplados da Hungria, da Eslováquia e da Roménia, os efeitos sobre estes foram analisados nos considerandos 357 e seguintes e nos considerandos 366 e seguintes da decisão impugnada e tidos em conta na conclusão sobre as distorções da concorrência e a compensação global no considerando 388 da decisão impugnada. A este respeito, importa recordar que, contrariamente ao que sustenta a República da Áustria, não há que tomar em consideração as quotas de mercado combinadas das duas empresas, visto que a independência da sociedade Paks II do grupo MVM foi provada e garantida, conforme exposto nos n.os 152 e seguintes, infra.

142    Independentemente do que precede, a crítica da República da Áustria segundo a qual os sete anos de produção paralela constituem um período durante o qual os concorrentes estão sujeitos ao afastamento do mercado, pelo que é inevitável no longo prazo um efeito de exclusão, não tem fundamento. A este respeito, há que recordar que a Comissão, no considerando 387 da decisão impugnada e com base em estudos nela apresentados, concluiu que qualquer obstáculo à entrada de outros tipos de capacidades de produção, especialmente no período limitado de funcionamento em simultâneo dos antigos e dos novos reatores da central nuclear de Paks, era limitado por o défice na futura capacidade total instalada, identificado pela operadora do sistema de transporte de eletricidade da Hungria, permitir a penetração de outras tecnologias de produção, renováveis ou com teor baixo ou nulo de carbono, independentemente da construção dos novos reatores.

143    Por último, quanto a uma eventual exclusão dos produtores de energia de fontes novas e renováveis, há que ter em conta o facto, exposto nos articulados e não contestado pela República da Áustria, de essas energias serem por natureza intermitentes e apenas dificilmente poderem contribuir para o encargo de base que deve ser coberto (v. considerando 181 da decisão impugnada).

144    Em segundo lugar, há que rejeitar o argumento da República da Áustria segundo o qual a Comissão, no âmbito da apreciação de uma eventual concentração do mercado, deveria ter tido em conta um estudo realizado pela Candole Partners, no qual se baseou para determinar as vantagens do auxílio em causa e que contém estimativas relativas à concentração do mercado. A República da Áustria deduz deste estudo que os investimentos em centrais nucleares contribuem, de maneira geral, para uma diminuição dos investimentos estatais nas fontes de energia renovável e, ao mesmo tempo, para um aumento significativo da concentração do mercado em todo o mercado da energia.

145    Primeiro, importa recordar que cabe ao Estado‑Membro determinar livremente o seu cabaz energético.

146    Por outro lado, a este respeito, resulta do considerando 362 da decisão impugnada que a estratégia nacional da Hungria prevê a energia renovável no seu cabaz energético, em conformidade com o pacote clima‑energia 2020 da União, com os objetivos nacionais de energias renováveis no mercado interno da eletricidade, estabelecidos na Diretiva 2009/28/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 23 de abril de 2009, relativa à promoção da utilização de energia proveniente de fontes renováveis que altera e subsequentemente revoga as Diretivas 2001/77/CE e 2003/30/CE (JO 2009, L 140, p. 16), e com os grandes objetivos fixados no quadro relativo ao clima e energia para 2030. Além disso, tendo em conta os referidos objetivos e as obrigações ao nível da União e ao nível nacional em matéria de energias renováveis, a Hungria não constitui exceção à implantação de mecanismos de apoio com vista à entrada em funcionamento de novas centrais elétricas que produzam eletricidade a partir de fontes de energia renováveis. A Comissão observou igualmente que uma parte do regime de energias renováveis da Hungria estava operacional desde janeiro de 2017, ao passo que outras partes do sistema relacionado com grandes produtores a partir de fontes de energia renováveis estavam na data de adoção da decisão impugnada a aguardar a aprovação de auxílios estatais junto da Comissão.

147    Segundo, os índices que medem a concentração do mercado reproduzidos pela República da Áustria apenas confirmam em números o que já revelam as constatações da Comissão na decisão impugnada: o índice de Herfindahl‑Hirschman (HHI) ascende a valores que correspondem a uma «concentração de mercado elevada» de 2 594 atualmente, de 6 889 em 2030 (período de sobreposição) e de 2 582 em 2040. Uma vez que a República da Áustria não precisa em que medida os dados resultantes do referido estudo podem influenciar a apreciação do alcance de uma eventual distorção da concorrência, há que rejeitar o argumento de não ter integrado na ponderação o estudo realizado pela Candole Partners.

148    Em conclusão, a Comissão considerou acertadamente, no considerando 372 da decisão impugnada, que a incidência do auxílio em causa no mercado era proporcionada atendendo aos objetivos de segurança do abastecimento e à necessidade de preparar cuidadosamente a desativação das unidades da central nuclear de Paks. A República da Áustria não demonstrou um erro manifesto de apreciação da Comissão quanto à análise da concentração do mercado que pode resultar do auxílio em causa. Assim, a presente acusação não pode ser acolhida.

 Quanto à prorrogação da exploração paralela dos antigos e dos novos reatores da central nuclear de Paks

149    Segundo a República da Áustria, a Comissão devia ter estabelecido, na decisão impugnada, a obrigação de encerrar os antigos reatores da central nuclear de Paks como condição da autorização do auxílio. Na falta de tal condição, a exploração paralela dos antigos e dos novos reatores poderia manter‑se, em teoria, durante muito tempo, pelo que não é certo que os reatores 1 a 4 da central nuclear de Paks não sejam explorados para além de 2032, 2034, 2036 e 2037, uma vez que a prorrogação do período de vida seria desejada ou aplicada em numerosos Estados.

150    Ora, no caso em apreço, o enunciado de uma condição no dispositivo da decisão impugnada não constitui uma exigência imperativa para garantir a fiabilidade do referido facto. Resulta do considerando 350 da decisão impugnada, por um lado, que o período de sobreposição se deve limitar ao período compreendido entre 2026 e 2032 e, por outro, que a desativação de todas as capacidades nucleares dos antigos reatores da central nuclear de Paks ocorreria até 2037. A programação da desativação das capacidades nucleares consta igualmente da descrição do auxílio na secção 2 da decisão impugnada, intitulada «Descrição pormenorizada da medida», na qual a Comissão precisou no considerando 10 que «[o] funcionamento das unidades 5 e 6 [se destinava] a compensar a perda de capacidade quando as unidades 1 a 4 (2 000 MW no total) forem desativadas» e que «[a] Hungria [tinha comunicado] que as unidades 1 a 4 estarão em funcionamento até ao final de 2032, 2034, 2036 e 2037, respetivamente, sem que haja perspetivas de prolongamento da sua vida útil». Por conseguinte, na descrição do auxílio, a medida é descrita como consistindo numa substituição progressiva das capacidades nucleares dos antigos reatores da central nuclear de Paks. Ora, a decisão da Comissão de declarar o auxílio compatível com o mercado interno visa apenas o auxílio tal como descrito na referida decisão, pelo que a decisão impugnada só autoriza o auxílio desde que este se mantenha em conformidade com a medida notificada.

151    Por outro lado, os argumentos da República da Áustria que põem em causa a fiabilidade da afirmação da Hungria de que o período previsto durante o qual os quatro reatores atualmente em uso funcionarão de forma paralela com os dois novos deveria limitar‑se ao período compreendido entre 2026 e 2032, com a desativação de todas as suas capacidades nucleares até 2037, não foram sustentados por elementos de prova suscetíveis de demonstrar que a Comissão cometeu um erro manifesto de apreciação quanto à provável existência de uma posição dominante.

 Quanto à independência da empresa que explora os antigos reatores da central nuclear da Paks relativamente à empresa que explora os novos reatores da mesma central nuclear

152    No que diz respeito ao segundo e terceiro elementos em que a Comissão, nos considerandos 351 a 353 da decisão impugnada, se baseia na perspetiva de dissipar as suas preocupações quanto ao reforço de uma influência no mercado húngaro da energia, a saber, a inexistência de uma conjugação do operador dos antigos reatores da central nuclear de Paks, o grupo MVM, por um lado, e da sociedade Paks II que explora os novos reatores, por outro, ou uma coordenação das suas atividades, a República da Áustria sustenta, em substância, que as quatro características em que a Comissão baseia a sua constatação de uma separação jurídica e estrutural não são suficientes para o efeito. Estas características consistem na gestão por diferentes administrações (o Ministério do Desenvolvimento Nacional que gere a MVM e o Gabinete do primeiro‑ministro que gere a sociedade Paks II), na falta de uma direção partilhada ou comum no conselho de administração de cada empresa, na existência de garantias de que as empresas não troquem informações comercialmente sensíveis e confidenciais e no facto de os poderes de decisão de cada empresa serem distintos e independentes uns dos outros.

153    Em primeiro lugar, há que rejeitar o argumento da República da Áustria de que a sociedade Paks II fazia parte do grupo MVM quando da sua criação. Resulta do considerando 27 da decisão impugnada que as participações da sociedade Paks II, inicialmente detidas pelo grupo MVM, foram transferidas para o Estado húngaro em 2014. Ora, a decisão impugnada foi adotada em 6 de março de 2017, pelo que, no momento em que a Comissão adotou a referida decisão, o facto de as participações da sociedade Paks II serem inicialmente detidas pelo grupo MVM era desprovido de pertinência.

154    Em segundo lugar, a alegação de que a República da Áustria visa pôr em causa a validade do segundo critério enumerado no considerando 352 da decisão impugnada (v. n.o 152, supra), concretamente, a existência de um poder de decisão autónomo, não pode ser convincente. A República da Áustria sustenta que, apesar da separação jurídica e estrutural dos dois produtores de energia, o facto de a gestão das duas sociedades ser atribuída a ministérios diferentes em nada altera a circunstância de, afinal, ser o Estado húngaro que possui todas as quotas das duas sociedades e que está em condições de dirigir ou coordenar o comportamento destas últimas, tanto mais que se trata de ministros do mesmo Governo e que, nomeadamente, o «ministro presidente» desempenha um papel especial no Governo húngaro.

155    Todavia, a Hungria salienta, com justeza, que a República da Áustria não forneceu nenhum elemento para fundamentar a alegação de que o papel especial desempenhado pelo primeiro‑ministro húngaro no Governo húngaro lhe permite controlar e orientar a estratégia da sociedade que explora os antigos reatores e da empresa que explora os novos reatores. A República da Áustria também não forneceu mais informações a respeito de eventuais direitos de instrução. Especialmente, não se pode pressupor que o simples facto de o primeiro‑ministro dispor, ao abrigo da Constituição húngara, do direito de propor a destituição dos ministros, como sustentou a República da Áustria na audiência, é um indício suficiente de uma gestão coordenada dessas sociedades juridicamente distintas.

156    Em terceiro lugar, a República da Áustria contesta a abordagem da Comissão seguida no considerando 353 da decisão impugnada para determinar a independência da sociedade Paks II, dos seus sucessores e filiais, nos planos jurídico e estrutural, relativamente ao grupo MVM. A este respeito, a Comissão baseou‑se nos números 52 e 53 da sua Comunicação consolidada ao abrigo do Regulamento n.o 139/2004. O ponto 52 desta comunicação trata das concentrações que envolvem empresas públicas e utiliza como critério para distinguir uma reestruturação interna de uma concentração o facto de as empresas disporem de «poder de decisão autónomo».

157    A este respeito, a República da Áustria não explica as razões pelas quais esta abordagem é incorreta. Limita‑se a propor a aplicação de uma abordagem diferente por referência ao direito dos contratos públicos.

158    Ora, no caso em apreço, não se trata de contratos celebrados entre duas entidades pertencentes à mesma pessoa coletiva. Os critérios previstos para esta situação constantes do artigo 28.o, n.o 2, da Diretiva 2014/25 não são transponíveis para a questão de saber se há que fazer a adição do poder de duas entidades num mercado idêntico pertencentes ambas ao Estado, mas estruturalmente separadas. Com efeito, o objetivo prosseguido pelo artigo 28.o, n.o 2, da Diretiva 2014/25 não é impedir a criação ou o reforço de uma posição dominante. A questão de saber se, numa situação «in house» em que uma das entidades tem de efetuar serviços para a outra, esta deve poder efetuar os referidos serviços sem entrar em concorrência com empresas externas não é, com efeito, comparável à da determinação de uma eventual concentração no mercado em que as duas entidades exercem atividade. A regra invocada do direito dos contratos públicos não tem por objeto a concertação das atividades de duas entidades no mesmo mercado, mas trata da situação de um contrato celebrado entre as respetivas entidades. Por conseguinte, é irrelevante para o presente processo que, com base na jurisprudência do Tribunal de Justiça no domínio do direito da adjudicação de contratos públicos, relativa às situações ditas «in house», o grupo MVM, por um lado, e a sociedade Paks II, por outro, devam, como invoca a República da Áustria, ser imputados ao Estado.

159    Quanto à referência da República da Áustria a um acórdão relativo ao direito da concorrência, a mesma também não põe em causa a abordagem adotada pela Comissão. Com efeito, no Acórdão de 10 de janeiro de 2006, Cassa di Risparmio di Firenze e o. (C‑222/04, EU:C:2006:8, n.os 112 e 113), o Tribunal de Justiça não declarou que todas as entidades que eram juridicamente ou de facto controladas pela mesma entidade eram consideradas uma única empresa, mas declarou que uma entidade que não exercia nenhuma atividade económica além do controlo de outra empresa era ela própria qualificada de empresa. Esta situação específica do processo que deu origem ao referido acórdão não tem, todavia, nenhuma relação com as circunstâncias do presente processo.

160    Em quarto lugar, importa referir que o estabelecimento e a manutenção das garantias estruturais que asseguram uma autonomia de decisão do grupo MVM e da sociedade Paks II são garantidos pelo artigo 3.o, quinto parágrafo, da decisão impugnada, que contém a seguinte condição: «Além disso, a Hungria deve assumir o compromisso de que a Paks e os seus sucessores e filiais sejam entidades legalmente e estruturalmente distintas sujeitas a um poder decisório independente, na aceção dos números 52 e 53 da Comunicação das concentrações e sejam mantidas, geridas e exploradas de forma independente e autónoma do Grupo MVM e todas as suas empresas, sucessores e filiais e outras empresas controladas pelo Estado, ativas na produção e venda de energia por grosso ou a retalho». Além disso, o artigo 4.o da decisão impugnada prevê que «[a] Hungria deve apresentar à Comissão relatórios anuais sobre o cumprimento dos compromissos a que se refere o artigo 3.o» e que «[o] primeiro relatório deve ser apresentado um mês após a data de encerramento do primeiro exercício de exploração comercial da Paks II». Como salientam a Hungria e a República Checa, graças a esta condição e ao considerando 381 da decisão impugnada, a situação do mercado após o lançamento dos novos reatores da central nuclear de Paks está sob o controlo permanente da Comissão. A Hungria acrescenta, com razão, que a inobservância destas condições implicaria um novo inquérito da Comissão sobre os auxílios de Estado, o que comprometeria o investimento em curso da Hungria no projeto.

161    Resulta do exposto que a determinação da independência da sociedade Paks II relativamente ao grupo MVM efetuada pela Comissão não contém nenhum erro de apreciação e que não existem indícios para sustentar a preocupação da República da Áustria quanto ao facto de o Estado húngaro poder exercer a sua influência de forma coordenada sobre as duas empresas e, consequentemente, reforçar a sua posição dominante.

162    Por conseguinte, o sétimo fundamento deve ser julgado improcedente.

 Quanto ao oitavo fundamento, relativo ao risco para a liquidez do mercado grossista de eletricidade húngaro

163    Com o oitavo fundamento, a República da Áustria alega que a Comissão não teve suficientemente em conta o risco para a liquidez do mercado grossista de eletricidade húngaro.

164    A República da Áustria afirma que, no âmbito do exame das repercussões económicas negativas do auxílio, há que verificar os efeitos nos mercados a jusante. Alega que a aprovação do auxílio é ilegal, visto que o risco de redução da liquidez do mercado, concedido pela própria Comissão no considerando 377 da decisão impugnada, subsiste e é mesmo agravado. Vários fatores aumentam o risco para a liquidez, nomeadamente a exploração paralela dos antigos e dos novos reatores da central nuclear de Paks durante um período relativamente longo e a elevada concentração no mercado da eletricidade húngaro. Segundo a República da Áustria, a Comissão aceitou, sem justificação real, dissipar as suas dúvidas quanto ao facto de o mercado, em cujo âmbito as capacidades de produção são largamente controladas pelo Estado, poder tornar‑se ainda menos líquido, dado que os raros atores do mercado poderiam limitar as ofertas de abastecimento. Não basta constatar, como fez a Comissão, a exclusão de ligações entre a sociedade Paks II e os operadores estatais no mercado retalhista e recordar as outras condições‑quadro estabelecidas na decisão impugnada que preveem a garantia, pela Hungria, de uma venda na bolsa de energia e de vendas em hasta pública. Na realidade, as relações continuariam a existir, dado a sociedade Paks II, tal como o grupo MVM, ser controlada pelo Estado, que, mesmo no caso de uma empresa intermediária, enquanto proprietária a 100 %, estaria em condições de tomar todas as decisões necessárias, nomeadamente a respeito do pessoal. Do mesmo modo, a divisão de competências entre diferentes ministérios poderia ser facilmente alterada ao abrigo do direito nacional e, no Governo, existe um mínimo de comunicação e de concertação. Apesar da distinção entre as duas empresas a nível jurídico e estrutural, o Estado pode, portanto, exercer a sua influência de forma coordenada sobre as duas empresas, pelo que não é possível excluir uma posição dominante no mercado. Quanto à garantia de uma venda na bolsa de energia e de vendas em hasta pública, a República da Áustria afirma que a eletricidade subvencionada chega ao mercado e produz efeitos diretos no preço do mercado da eletricidade, qualquer que seja a via de venda. Uma vez que não está prevista nenhuma quantidade mínima de eletricidade que deva obrigatoriamente ser vendida desta maneira, poderia perfeitamente ser estabelecida uma estratégia comercial do grupo MVM e da sociedade Paks II que consistisse em reduzir a oferta de eletricidade para fazer subir os preços.

165    A Comissão e a Hungria sustentam que o oitavo fundamento deve ser julgado improcedente.

166    A República da Áustria baseia o seu oitavo fundamento, relativo ao facto de a Comissão não ter tido suficientemente em conta o risco para a liquidez do mercado grossista de eletricidade húngaro, em dois grupos de argumentos.

167    Em primeiro lugar, há que rejeitar desde já os argumentos da República da Áustria baseados na afirmação de uma posição dominante da sociedade Paks II.

168    A este respeito, por um lado, há que remeter para a apreciação efetuada no âmbito do exame do sétimo fundamento nos n.os 131 e seguintes, supra. Por outro lado, há que sublinhar que a condição estabelecida no artigo 3.o, quinto parágrafo, da decisão impugnada, referida no n.o 160, supra, que visa impedir a criação de uma posição dominante no mercado da energia durante o período de operação paralela dos antigos e dos novos reatores, prevê que a garantia da independência da gestão e exploração dos novos reatores e da inexistência de qualquer nexo com o grupo MVM diz expressamente respeito a outras empresas sob controlo estatal ativas na venda de energia por grosso ou a retalho. A conclusão da Comissão, no considerando 379 da decisão impugnada, segundo a qual a exclusão de ligações entre a sociedade Paks II e os operadores estatais do mercado de retalho ajudou a dar resposta a algumas das suas preocupações não é posta em causa pelo argumento da República da Áustria segundo o qual a situação poderia ser facilmente modificada nos termos do direito nacional e segundo o qual, no Governo, existe um mínimo de comunicação e de concertação. Com efeito, a este respeito, a Hungria observa, com razão, que a Comissão declarou que o auxílio era compatível com o mercado interno sob reserva de condições que incluam, igualmente, o compromisso anteriormente referido relativo à separação das duas empresas. Tendo em conta a obrigação de apresentar um relatório anual estabelecida no artigo 4.o da decisão impugnada, o respeito da referida condição fica sob o controlo da Comissão.

169    Em segundo lugar, no que respeita à distribuição da energia produzida, há que notar que, na decisão impugnada, nomeadamente na sua secção 2.6, a Comissão expressou a sua preocupação quanto à situação das estruturas atuais da venda grossista de energia produzida na central nuclear de Paks pelo grupo MVM. No considerando 377 da decisão impugnada, indicou que as transações mais comuns no setor do comércio por grosso de eletricidade húngaro eram realizadas mediante a celebração de acordos bilaterais de aquisição de eletricidade e que a bolsa de energia húngara ainda não tinha criado um nível adequado de liquidez. Salientou que os mercados poderiam tornar‑se menos líquidos, uma vez que os atores em causa poderiam limitar o número de ofertas de abastecimento disponíveis no mercado. No considerando 378 da decisão impugnada, a Comissão considerou igualmente que o modo como a eletricidade produzida pelos novos reatores era comercializada poderia afetar de forma significativa a liquidez e que os custos suportados pelos concorrentes a jusante poderiam aumentar pela restrição do seu acesso a um fator de produção importante (exclusão de fatores de produção ou inputs), e que tal poderia acontecer se a eletricidade produzida pela central nuclear de Paks II fosse vendida principalmente mediante contratos de longo prazo apenas a certos fornecedores, transferindo assim o poder de mercado da Paks II no mercado de produção para o mercado de retalho.

170    Com base na análise dessa situação, a Comissão estabeleceu condições destinadas a limitar o risco de liquidez através do compromisso da Hungria em garantir a observância de determinadas regras de negociação da produção da sociedade Paks II. Essas regras constam do artigo 3.o, terceiro e quarto parágrafos, da decisão impugnada e preveem o seguinte:

«A Hungria deve garantir que a estratégia de negociação da produção energética da Paks II consiste numa estratégia comercial de otimização de lucros em condições normais de mercado, executada mediante acordos comerciais celebrados através de ofertas compensadas numa bolsa ou plataforma de negociação transparente. A estratégia de negociação da produção energética da Paks II (excluindo o consumo próprio da Paks II) deve ser a seguinte:

Nível 1: Paks II deve vender pelo menos 30 % da totalidade da eletricidade que produzir no mercado intradiário, de futuros e para o dia seguinte da Bolsa de Energia Húngara (HUPX). Podem ser utilizadas outras bolsas de energia semelhantes com o acordo ou o consentimento dos serviços da Comissão, que deve ser concedido ou recusado no prazo de duas semanas a contar da data do pedido apresentado pelas autoridades húngaras.

Nível 2: a restante eletricidade produzida pela Paks II deve ser vendida pela Paks II em leilão, de acordo com critérios objetivos, transparentes e não discriminatórios. As condições referentes a esses leilões são estabelecidas pela autoridade reguladora do setor da energia da Hungria, à semelhança dos requisitos relativos a leilões impostos à MVM Partner (Decisão 741/2011 da autoridade reguladora húngara). O regulador do setor de energia húngaro deve igualmente supervisionar a realização desses leilões.

A Hungria deve garantir que a plataforma de leilão do Nível 2 é gerida pela Paks II e que as ofertas e propostas são igualmente acessíveis a todos os operadores licenciados ou registados nas mesmas condições de mercado. O sistema de compensação de propostas deve ser transparente e passível de verificação. Não pode ser aplicada qualquer restrição à utilização final da eletricidade adquirida.»

171    Como resulta do artigo 4.o da decisão impugnada, a Hungria comprometeu‑se igualmente a apresentar à Comissão relatórios anuais sobre o cumprimento dos compromissos a que se refere o artigo 3.o da decisão impugnada, pelo que a sua execução permanece sob o controlo contínuo da Comissão.

172    Nos considerandos 383 e 384 da decisão impugnada, a Comissão declarou, com justeza, que, deste modo, se assegurou que a eletricidade produzida pelos novos reatores estará disponível no mercado grossista para todos os operadores do mercado de forma transparente, e que não existe qualquer risco de que a eletricidade produzida pela Paks II venha a ser monopolizada mediante contratos a longo prazo que representem um risco para a liquidez do mercado. Consequentemente, verifica‑se que a Comissão concluiu com justeza que os riscos de liquidez de mercado que poderiam ocorrer eram irrelevantes.

173    A República da Áustria não esclarece em que medida as condições estabelecidas pela Comissão não são suficientes para sanar os problemas encontrados quando da atribuição do auxílio que conduz à substituição da produção dos antigos reatores pela dos novos reatores. Com efeito, a liquidez será aumentada e não há nenhum indício que demonstre que a situação resultante das condições do auxílio que figuram no artigo 3.o da decisão impugnada produza distorções desproporcionadas da concorrência no mercado.

174    A crítica da República da Áustria segundo a qual a falta de determinação de uma quantidade mínima de eletricidade que deve obrigatoriamente ser vendida pode permitir uma estratégia comercial por parte do grupo MVM e da sociedade Paks II consistente em reduzir a oferta de eletricidade para fazer subir os preços igualmente no âmbito da venda de energia na bolsa ou no âmbito de vendas em hasta pública não é convincente. Com efeito, a Comissão recorda, com razão, que as duas centrais nucleares devem produzir a chamada capacidade de base, pelo que não poderão baixar arbitrariamente a potência dos reatores unicamente para limitar a oferta de energia, uma vez que a reativação das centrais nucleares comporta custos elevados e implica um volume de trabalho significativo.

175    Por conseguinte, a Comissão não cometeu um erro manifesto de apreciação ao considerar que a atribuição de um auxílio de Estado à sociedade Paks II para substituir os antigos reatores da central nuclear de Paks por novos reatores era conforme ao artigo 107.o, n.o 3, alínea c), TFUE no que respeita ao aspeto da liquidez do mercado grossista de eletricidade.

176    Por conseguinte, o oitavo fundamento é infundado e deve ser julgado improcedente.

 Quanto ao nono fundamento, relativo à insuficiente determinação do auxílio de Estado

177    Com o nono fundamento, a República da Áustria sustenta que a Comissão não tornou o elemento de auxílio claramente determinável. Especialmente, não foram mencionados os custos do financiamento da dívida e os custos do tratamento dos resíduos.

[omissis]

Pelos fundamentos expostos,

O TRIBUNAL GERAL (Terceira Secção)

decide:

1)      É negado provimento ao recurso.

2)      A República da Áustria suportará as suas próprias despesas e as despesas efetuadas pela Comissão Europeia.

3)      A República Checa, a República Francesa, o GrãoDucado do Luxemburgo, a Hungria, a República da Polónia, a Roménia, a República Eslovaca e o Reino Unido da GrãBretanha e da Irlanda do Norte suportarão as suas próprias despesas.

Van der Woude

De Baere

Steinfatt

Proferido em audiência pública no Luxemburgo, em 30 de novembro de 2022.

Assinaturas


*      Língua do processo: alemão.


1 Reproduzem‑se unicamente os números do presente acórdão cuja publicação o Tribunal Geral considera útil.