Language of document : ECLI:EU:T:2005:333

ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DE PRIMEIRA INSTÂNCIA (Segunda Secção)

21 de Setembro de 2005 (*)

«Concorrência – Concentração – Regulamento (CEE) n.° 4064/89 – Decisão que declara uma concentração incompatível com o mercado comum – Mercados da electricidade e do gás portugueses – Aquisição da GDP pela EDP e pela Eni – Directiva 2003/55/CE – Liberalização dos mercados do gás – Compromissos»

No processo T‑87/05,

EDP – Energias de Portugal, SA, com sede em Lisboa (Portugal), representada por C. Botelho Moniz, R. García‑Gallardo, A. Weitbrecht e J. Ruiz Calzado, advogados,

recorrente,

contra

Comissão das Comunidades Europeias, representada por A. Bouquet e M. Schneider, na qualidade de agentes, com domicílio escolhido no Luxemburgo,

recorrida,

apoiada por

Gas Natural SDG, SA, com sede em Barcelona (Espanha), representada por J. Perez‑Bustamante Köster e P. Suárez Fernández, advogados,

interveniente,

que tem por objecto um pedido de anulação da Decisão C(2004) 4715 final da Comissão, de 9 de Dezembro de 2004, que declara incompatível com o mercado comum a operação de concentração por meio da qual a EDP – Energias de Portugal, SA e a Eni Portugal Investment, SpA pretendem adquirir o controlo conjunto da Gás de Portugal SGPS, SA (processo COMP/M.3440 – EDP/ENI/GDP),

O TRIBUNAL DE PRIMEIRA INSTÂNCIA
DAS COMUNIDADES EUROPEIAS (Segunda Secção),

composto por: J. Pirrung, presidente, N. J. Forwood e S. Papasavvas, juízes,

secretário: J. Plingers, administrador,

vistos os autos e após a audiência de 5 de Julho de 2005,

profere o presente

Acórdão

 Quadro jurídico

1        O artigo 2.°, n.° 3, do Regulamento (CEE) n.° 4064/89 do Conselho, de 21 de Dezembro de 1989, relativo ao controlo das operações de concentração de empresas (JO L 395, p. 1), rectificado (JO 1990, L 257, p. 13), e alterado pelo Regulamento (CE) n.° 1310/97 do Conselho, de 30 de Junho de 1997 (JO L 180, p. 1) (a seguir «Regulamento n.° 4064/89»), dispõe:

«Devem ser declaradas incompatíveis com o mercado comum as operações de concentração que criem ou reforcem uma posição dominante de que resultem entraves significativos à concorrência efectiva no mercado comum ou numa parte substancial deste.»

2        O artigo 18.°, n.° 2, do Regulamento (CE) n.° 447/98 da Comissão, de 1 de Março de 1998, relativo às notificações, prazos e audições previstos no Regulamento n.° 4064/89 (JO L 61, p. 1), prevê o seguinte:

«Os compromissos propostos à Comissão pelas empresas em causa, nos termos do n.° 2 do artigo 8.° do Regulamento (CEE) n.° 4064/89, que os interessados pretendam que constitua[m] a base para uma decisão nos termos do n.° 2 do referido artigo, devem ser apresentados à Comissão, o mais tardar três meses após a data em que o processo foi iniciado. A Comissão pode, em circunstâncias excepcionais, prorrogar este prazo.»

3        O ponto 43 da comunicação da Comissão sobre as soluções passíveis de serem aceites nos termos do Regulamento (CEE) n.° 4064/89 do Conselho e do Regulamento (CE) n.° 447/98 (JO 2001, C 68, p. 3, a seguir «comunicação sobre as soluções»), dispõe:

«[…] Se as partes alterarem subsequentemente os compromissos propostos, a Comissão só pode aceitar os compromissos alterados se puder verificar inequivocamente a partir da apreciação de informações já recebidas durante a investigação, incluindo os resultados do inquérito de mercado anterior e sem necessidade de proceder a outro inquérito deste tipo que tais compromissos, uma vez executados, resolverão os problemas de concorrência identificados e proporcionam tempo suficiente para uma consulta adequada dos Estados‑Membros.»

4        O artigo 3.°, n.° 1, da Directiva 2003/55/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 26 de Junho de 2003, que estabelece regras comuns para o mercado interno de gás natural e que revoga a Directiva 98/30/CE (JO L 176, p. 57, a seguir «segunda directiva gás»), dispõe:

«Os Estados‑Membros devem assegurar, com base na sua organização institucional e no respeito pelo princípio da subsidiariedade, […] que as empresas de gás natural sejam exploradas de acordo com os princípios constantes da presente directiva, na perspectiva da realização de um mercado de gás natural competitivo, seguro e ambientalmente sustentável, e não devem fazer discriminações entre essas empresas no que respeita a direitos ou obrigações.»

5        O artigo 2.°, ponto 31, da segunda directiva gás define o mercado emergente como «um Estado‑Membro em que o primeiro fornecimento comercial no âmbito do seu primeiro contrato de fornecimento de gás natural a longo prazo tenha sido efectuado há menos de dez anos».

6        O artigo 28.°, n.os 2 e 3, da segunda directiva gás dispõe:

«2. Qualquer Estado‑Membro considerado mercado emergente que, por força da aplicação da presente directiva, seja confrontado com sérios problemas pode derrogar o disposto nos artigos 4.° e 7.°, nos n.os 1 e 2 do artigo 8.°, nos artigos 9.° e 11.°, no n.° 5 do artigo 12.°, nos artigos 13.°, 17.° e 18.°, no n.° 1 do artigo 23.° e/ou no artigo 24.° Tal derrogação cessa automaticamente de produzir efeitos no momento em que o Estado‑Membro deixe de ser considerado mercado emergente. Qualquer derrogação desta natureza deve ser notificada à Comissão.

3. Na data em que caducar a derrogação referida no n.° 2, a definição de clientes elegíveis deve dar origem a uma abertura do mercado igual, no mínimo, a 33% do consumo total anual do mercado nacional do sector do gás. Dois anos mais tarde deve ser aplicável a alínea b) do n.° 1 do artigo 23.° e passados três anos deve aplicar‑se a alínea c) do n.° 1 do mesmo artigo. Enquanto não for aplicável a alínea b) do n.° 1 do artigo 23.°, os Estados‑Membros referidos no n.° 2 podem decidir não aplicar o artigo 18.° aos serviços auxiliares e unidades de armazenamento temporário necessários para o processo de regaseificação de GNL e subsequente entrega à rede de transporte.»

 Antecedentes do litígio

7        A recorrente, a EDP – Energias de Portugal, SA (a seguir «EDP» ou «recorrente»), é a companhia histórica portuguesa de electricidade. Tem como principais actividades a produção, a distribuição e o fornecimento de electricidade em Portugal. A EDP está cotada na Bolsa Euronext de Lisboa (Portugal). O Estado português é o seu accionista mais importante, detendo, directa ou indirectamente, 30 % das respectivas acções, enquanto as suas restantes acções se encontram dispersas por vários accionistas. A EDP controla a Hydrocantábrico, uma companhia que exerce a sua actividade nos sectores da electricidade e do gás em Espanha. A EDP detém participações na Turbogás (20%) e na Tejo Energia (10 %), companhias que exercem a sua actividade no sector da produção de electricidade em Portugal. A EDP possui igualmente 30% das acções da Rede Eléctrica Nacional, SA, a empresa gestora da rede eléctrica portuguesa.

8        A Eni SpA é uma companhia italiana que opera em todos os níveis da cadeia de fornecimento e de distribuição de energia.

9        A Gás de Portugal SGPS, SA (a seguir «GDP») é a companhia histórica portuguesa de gás. A GDP é uma filial a 100% da companhia portuguesa Galp Energia SGPS, SA (a seguir «Galp»). A Galp é actualmente controlada pelo Estado português e pela Eni e tem interesses tanto no sector petrolífero como no sector do gás. A GDP e as suas filiais cobrem todos os níveis da cadeia de fornecimento de gás em Portugal. A GDP, por intermédio da sua filial Transgás, importa gás natural para Portugal através de um gasoduto e do terminal de GNL («Liquefied Natural Gas», gás natural liquefeito) de Sines e é responsável pelo transporte, armazenamento, distribuição e fornecimento através de gasodutos de alta pressão (a seguir «rede de gás»). A GDP também opera no fornecimento de gás natural a grandes clientes industriais e no desenvolvimento e futura gestão do primeiro local de armazenamento subterrâneo de gás natural. A GDP, por intermédio da sua filial GDP Distribuição Energia, SA, controla igualmente cinco das seis empresas locais de distribuição de gás.

10      A Rede Eléctrica Nacional SA (a seguir «REN») é uma empresa portuguesa resultante da autonomização («spin‑off»), em 1994, da rede eléctrica portuguesa, que pertencia anteriormente à EDP. A REN gere actualmente a rede eléctrica portuguesa e actua como «comprador único» na acepção das directivas comunitárias, comprando electricidade aos produtores e revendendo‑a aos distribuidores/fornecedores para fornecimento aos clientes «não elegíveis», isto é, aos clientes que não podem escolher os seus fornecedores. O Estado português controla, directa ou indirectamente, 70% da REN.

11      Em 2003, o Governo português definiu a sua política de reestruturação do sector energético em Portugal atendendo à próxima liberalização completa deste sector exigida pelas directivas comunitárias aplicáveis. Conforme originariamente previsto pelo Governo português, esta reestruturação teria as seguintes fases:

–        a separação das actividades da Galp relativas ao gás e ao petróleo em três partes distintas: (a) o transporte de gás (Transgás), (b) a distribuição e fornecimento de gás (GDP) e (c) a refinação e distribuição de produtos petrolíferos (Petrogal);

–        a promoção da integração das actividades relativas ao gás e à electricidade no mesmo grupo económico;

–        a aquisição das actividades de transporte de gás (em particular, a rede de gás e, potencialmente, outros elementos objecto de regulação) pela REN.

12      Em conformidade com um acordo de compra de acções de 31 de Março de 2004, a EDP, a Eni (por intermédio da sua filial a 100% Eni Portugal Investment, SpA) e a REN deviam adquirir em conjunto todo o capital da GDP à Galp. No mesmo dia, foi celebrado outro acordo sobre a participação temporária da REN na GDP e a futura venda da rede de gás à REN em troca das suas acções na GDP. A realização de toda a transacção estava condicionada pela autorização da mesma, no seu todo, por parte das autoridades da concorrência competentes.

13      Em 9 de Julho de 2004, a Comissão recebeu uma notificação de toda a transacção, em conformidade com o artigo 4.° do Regulamento n.° 4064/89. Considerando que a transacção no seu todo conduzia a duas operações distintas, uma que tinha por objectivo a aquisição do controlo exclusivo da rede de gás pela REN e outra que tinha por objectivo a aquisição do controlo conjunto da GDP pela EDP e pela Eni (a seguir «partes») através da compra de acções, a Comissão considerou que esta última operação (a seguir «concentração») tinha dimensão comunitária (JO C 185, p. 3).

14      Na mesma data, foi notificada à autoridade da concorrência portuguesa a aquisição pela REN do controlo exclusivo da rede de gás.

15      Após uma análise preliminar, a Comissão concluiu que a concentração suscitava sérias dúvidas quanto à sua compatibilidade com o mercado comum. Por conseguinte, em 12 de Agosto de 2004, deu início a um processo de exame dessa concentração, em conformidade com o artigo 6.°, n.° 1, alínea c), do Regulamento n.° 4064/89.

16      Em 12 de Outubro de 2004, a Comissão enviou às partes uma comunicação de acusações, nas quais concluiu, a título provisório, que a concentração era incompatível com o mercado comum.

17      Em 27 de Outubro de 2004, as partes responderam à comunicação das acusações.

18      Em 28 de Outubro de 2004, as partes propuseram compromissos destinados a resolver os problemas de concorrência identificados pela Comissão na comunicação das acusações.

19      Em 29 de Outubro e 4 de Novembro de 2004, a Comissão enviou um questionário, em conformidade com o artigo 11.° do Regulamento n.° 4064/89, aos potenciais concorrentes da entidade resultante da concentração, às autoridades reguladoras espanhola e portuguesa e ao operador da rede de gás espanhola (a seguir «inquérito de mercado»).

20      Em 17 de Novembro de 2004, as partes apresentaram alterações aos seus anteriores compromissos.

21      Em 26 de Novembro de 2004, as partes apresentaram novas alterações aos seus compromissos relativos ao sector da electricidade e anunciaram novas alterações aos seus compromissos relativos ao sector do gás. No fim do dia 3 de Dezembro de 2004, comunicaram à Comissão a versão definitiva das alterações relativas ao sector do gás.

22      Por decisão de 9 de Dezembro de 2004 [processo COMP/M.3440 – EDP/ENI/GDP C(2004) 4715 final] (a seguir «decisão recorrida»), a Comissão declarou a concentração incompatível com o mercado comum.

23      Para efeitos do presente processo, resume‑se assim a decisão recorrida:

24      Em primeiro lugar, a Comissão identificou os seguintes oito mercados susceptíveis de serem afectados pela concentração:

–        relativamente à electricidade:

–        o mercado grossista de fornecimento de electricidade em Portugal;

–        o mercado retalhista de fornecimento de electricidade a grandes clientes industriais em Portugal;

–        o mercado retalhista de fornecimento de electricidade a pequenos clientes industriais, comerciais e domésticos em Portugal;

–        o mercado do ajustamento da oferta e da procura de electricidade («balancing power», a seguir «ajustamento») e dos serviços auxiliares em Portugal;

–        relativamente ao gás:

–        o mercado do fornecimento de gás aos produtores de electricidade em centrais de ciclo combinado a gás natural («Combined Cycle Gas Turbine», a seguir «CCGT») em Portugal;

–        o mercado do fornecimento de gás a empresas locais de distribuição («Local Distribution Companies», a seguir «LDC») em Portugal;

–        o mercado do fornecimento de gás a grandes clientes industriais em Portugal;

–        o mercado do fornecimento de gás a pequenos clientes industriais, comerciais e domésticos em Portugal ou à escala local.

25      Em segundo lugar, no âmbito da sua apreciação da concorrência, a Comissão considerou que a concentração:

–        nos mercados da electricidade:

–        eliminaria a potencial concorrência significativa da GDP no mercado grossista da electricidade (efeito horizontal);

–        eliminaria a potencial concorrência significativa da GDP em cada um dos mercados retalhistas da electricidade (efeito horizontal);

–        eliminaria a potencial concorrência significativa da GDP no mercado do ajustamento e dos serviços auxiliares (efeito horizontal);

–        daria à EDP conhecimento dos custos de compra e das necessidades diárias de gás dos seus actuais concorrentes e dissuadiria ou retardaria a entrada de potenciais concorrentes que pretendessem gerir uma nova CCGT (efeito não horizontal);

–        concederia à EDP um acesso privilegiado e preferencial aos recursos de gás natural disponíveis em Portugal (efeito não horizontal);

–        possibilitaria e incitaria a EDP a excluir de forma significativa os seus concorrentes através do aumento do nível dos preços do gás e/ou da diminuição da qualidade do fornecimento (efeito não horizontal);

–        eliminaria a procura no mercado do fornecimento de gás a produtores de electricidade (efeito não horizontal);

–        nos mercados do gás:

–        eliminaria a procura no mercado do fornecimento de gás às LDC (efeito não horizontal);

–        eliminaria a potencial concorrência significativa da EDP no mercado do fornecimento de gás a grandes clientes (efeito horizontal);

–        eliminaria a potencial concorrência significativa da EDP no mercado do fornecimento de gás a pequenos clientes (efeito horizontal).

26      Como já foi acima referido, as partes propuseram à Comissão vários compromissos, em 28 de Outubro de 2004 (A – P), em 17 de Novembro de 2004 (EDP.1 – EDP.5; ENI.II – ENI.XIV), em 26 de Novembro de 2004 e em 3 de Dezembro de 2004. Estes compromissos continham as seguintes soluções:

–        venda do terminal de regaseificação de Sines à REN (A/ENI.II);

–        venda das instalações de armazenamento subterrâneo de Carriço à REN (B/ENI.III);

–        venda antecipada da rede de gás à REN (ENI.IV);

–        garantias de acesso à rede de gás até à publicação do código de acesso à rede por terceiros ou à venda da rede à REN (C/ENI.V);

–        liberação de capacidades de gás em Campo Maior, o ponto de entrada do gasoduto em Portugal, actualmente reservadas e inutilizadas pela Transgás (D/ENI.VI);

–        compromisso de não reservar capacidades suplementares em Campo Maior (E/ENI.VII);

–        compromisso de não reservar capacidades suplementares do gasoduto da Estremadura (F/ENI.VIII);

–        compromisso de disponibilizar capacidades do gasoduto da Estremadura e/ou em Campo Maior em determinadas condições (ENI.IX);

–        alteração do acordo de compra de 31 de Março de 2004 no que se refere aos direitos da GDP ditos «mecanismo de alinhamento pela melhor oferta» […] (1) (G/ENI.X);

–        medidas destinadas a eliminar as preocupações relativas a um possível acesso privilegiado às informações sobre preços (H/ENI.XI);

–        medidas destinadas a assegurar uma liberalização efectiva da procura por parte de grandes clientes (I/ENI.XII);

–        compromisso de vender uma ou várias LDC controladas por uma das partes (J/ENI.XIV);

–        compromisso de não realizar ofertas combinadas de gás natural e de electricidade a pequenos e grandes clientes até que estes mercados sejam liberalizados (K/ENI.XIII);

–        redução de 30% para cerca de 5% da participação da EDP no capital social da REN (L/EDP.1);

–        adiamento da construção de novas CCGT (M/EDP.3);

–        compromisso de locar temporariamente a capacidade de uma das três CCGT da EDP situadas no Ribatejo (na central termoeléctrica do Ribatejo, a seguir «TER»,) (N/EDP.4);

–        compromisso de vender as acções da EDP na Tejo Energia (O/EDP.2);

–        compromisso de suspender temporariamente certos direitos de voto da EDP na Turbogás e de nomear membros independentes para a administração desta (P/EDP.5).

27      Em terceiro lugar, a Comissão procedeu à apreciação dos efeitos da série de compromissos de 28 de Outubro de 2004 e, seguidamente, dos efeitos da série de compromissos alterada de 17 de Novembro de 2004, tendo concluído que nenhum compromisso resolvia os problemas de concorrência por ela identificados. A Comissão considerou que a série de compromissos alterada proposta em 26 de Novembro de 2004 não eliminava inteiramente e sem ambiguidade os problemas de concorrência, excepto em relação ao mercado do fornecimento de gás às LDC, e que os referidos compromissos eram, em parte, simplesmente intenções. Também rejeitou a série de compromissos alterada proposta em 3 de Dezembro de 2004, que se destinava a confirmar a série de 26 de Novembro 2004, por duas razões: por um lado, porque lhe tinha sido submetida demasiado tarde e, por outro, porque apenas implementava os compromissos propostos em 26 de Novembro de 2004.

28      Pelas razões supramencionadas, consideradas individualmente ou em conjunto, a Comissão chegou à conclusão de que, apesar dos compromissos propostos pelas partes, a concentração reforçaria as posições dominantes da EDP no mercado grossista da electricidade, no mercado do ajustamento e dos serviços auxiliares e no mercado retalhista de fornecimento de electricidade a grandes e pequenos clientes em Portugal e reforçaria igualmente as posições dominantes da GDP nos mercados do fornecimento de gás às CCGT, a grandes clientes e a pequenos clientes, das quais resultariam impedimentos significativos à concorrência numa parte substancial do mercado comum. Por conseguinte, a concentração devia ser declarada incompatível com o mercado comum, em conformidade com o artigo 2.°, n.° 3, do Regulamento n.° 4064/89.

 Tramitação processual e pedidos das partes

29      Por petição registada na Secretaria do Tribunal em 25 de Fevereiro de 2005, a recorrente interpôs o presente recurso da decisão recorrida.

30      Por requerimento separado entrado no mesmo dia, a recorrente pediu também a concessão da tramitação acelerada, em conformidade com o artigo 76.°‑A do Regulamento de Processo do Tribunal de Primeira Instância.

31      No âmbito das medidas de organização do processo previstas no artigo 64.° do Regulamento de Processo, a recorrente e a recorrida foram convidadas a assistir a uma reunião informal com o juiz‑relator em 6 de Abril de 2005, a fim de ser examinada a possibilidade de deferir o pedido de tramitação acelerada. No fim desta reunião informal, a recorrente comprometeu‑se a apresentar a sua petição de forma resumida, de acordo com as exigências fixadas nas instruções práticas do Tribunal às partes, e a Comissão pediu uma prorrogação do prazo para preparar a sua defesa. O juiz‑relator forneceu um calendário provisório para o processo. Em 22 de Abril de 2005, a recorrente apresentou a sua petição resumida, que difere da original principalmente por ter havido desistência dos primeiro e segundo fundamentos. A Comissão apresentou a sua contestação em 14 de Maio de 2005.

32      Em 25 de Maio de 2005, a Segunda Secção do Tribunal, à qual o presente processo foi distribuído, decidiu conceder o benefício da tramitação acelerada no presente processo.

33      Por despacho do presidente da Segunda Secção do Tribunal de 13 de Junho de 2005, tendo sido ouvidas as partes principais, a Gas Natural foi autorizada a intervir na audiência do presente processo em apoio da Comissão, em conformidade com o artigo 76.°‑A do Regulamento de Processo, e o pedido de confidencialidade apresentado pelas partes principais foi igualmente deferido sob reserva das observações da interveniente. Esta última confirmou não ter objecções relativamente a esse pedido de confidencialidade.

34      Com base no relatório do juiz‑relator, o Tribunal decidiu dar início à fase oral e, como medida de organização do processo, convidou a interveniente a apresentar antecipadamente o plano detalhado da sua intervenção na audiência. Na sequência de um pedido da recorrente neste sentido, o Tribunal convidou a Comissão e a interveniente a apresentarem a acta de uma reunião que teve lugar entre estas duas últimas em Madrid em 27 de Agosto de 2004, o que elas fizeram. Por último, o Tribunal colocou questões por escrito às partes principais, convidando‑as a responder às mesmas na audiência. Na véspera da audiência, a recorrente respondeu por escrito a todas as questões colocadas (a seguir «resposta para a audiência»). Esta resposta foi comunicada às outras partes no mesmo dia.

35      Foram ouvidas as alegações e as respostas das partes às questões do Tribunal na audiência de 5 de Julho de 2005. Os documentos apresentados pela recorrente na audiência não foram juntos ao processo.

36      A recorrente conclui pedindo que o Tribunal se digne:

–        anular a decisão recorrida;

–        condenar a Comissão das despesas.

37      A Comissão conclui que o Tribunal se digne:

–        negar provimento ao recurso;

–        condenar a recorrente nas despesas.

38      A interveniente conclui pedindo que o Tribunal se digne negar provimento ao recurso.

 Quanto ao mérito

39      Há que notar a título preliminar que, em razão das limitações impostas pela tramitação acelerada seguida no presente processo, com o acordo, aliás, das partes principais, só será, em princípio, indicado o teor dos argumentos da parte vencida quanto à alegação em questão e unicamente na medida em que isso seja necessário. A este respeito, foram tidos em conta todos os argumentos das partes susceptíveis de influir sobre a resolução do litígio, incluindo os que não são expressamente referidos no relatório para audiência, que foi aprovado pelas partes sob reserva de alterações pouco significativas. Por conseguinte, a exposição do raciocínio do Tribunal limita‑se à fundamentação necessária para sustentar plena e totalmente a parte dispositiva da presente decisão (v., neste sentido, acórdão do Tribunal de Justiça de 15 de Junho de 2000, Dorsch Consult/Conselho e Comissão, C‑237/98 P, Colect., p. I‑4549, n.° 51).

40      O Tribunal verifica que a recorrente aceitou expressamente desistir, na condição de o pedido de tramitação acelerada ser deferido, dos seus dois primeiros fundamentos e da terceira parte do seu terceiro fundamento da petição inicial, com o objectivo de contribuir para a rápida prolação de uma decisão jurisdicional. Esta desistência foi motivada pelo facto de, na hipótese de a decisão recorrida ser anulada com base nesses dois fundamentos de forma, relativos à falta de acesso ao processo e à falta de fundamentação, ou devido à terceira parte do terceiro fundamento, relativa à violação do princípio da boa administração, a Comissão não estar a priori obrigada a adoptar uma posição em matéria de concorrência diferente da adoptada na decisão recorrida ao adoptar uma eventual nova decisão. Tendo o pedido de tramitação acelerada sido deferido no presente caso, o Tribunal regista a desistência desses dois fundamentos e da terceira parte do terceiro fundamento.

41      De acordo com a petição resumida, a recorrente invoca quatro fundamentos. Em primeiro lugar, a recorrente alega que a Comissão não teve em conta a derrogação de que a República Portuguesa beneficia ao abrigo do artigo 28.°, n.° 2, da segunda directiva gás. Em segundo lugar, a recorrente invoca a violação do artigo 2.°, n.° 3, do Regulamento n.° 4064/89, pelo facto de a Comissão não ter provado que o segundo critério estabelecido neste artigo estava preenchido. Em terceiro lugar, a recorrente invoca violações formais e/ou processuais do artigo 8.°, n.os 2 e 3, do Regulamento n.° 4064/89. Em quarto lugar, a recorrente invoca erros de apreciação da Comissão relativamente aos compromissos apresentados ao abrigo do artigo 8.°, n.os 2 e 3, do Regulamento n.° 4064/89.

42      Há que observar previamente que certos fundamentos de ordem geral, isto é, não especificamente relacionados com um dos mercados em causa, são susceptíveis de conduzir, por si próprios, à anulação da decisão recorrida. Por consequência, devem ser examinados, antes de mais, esses fundamentos de ordem geral, isto é, os segundo e terceiro fundamentos, a seguir o primeiro fundamento relativo, principalmente, aos mercados do gás e, por último, o quarto fundamento.

43      Na audiência, a Comissão expressou reservas quanto ao facto de a recorrente ter dado a sua resposta para a audiência por escrito. Deve recordar‑se a este respeito que, das 23 questões colocadas às partes principais, só duas das respostas dadas pela recorrente tinham sido exigidas por escrito pelo Tribunal. Contudo, esta última apresentou todas as suas respostas por escrito na véspera da audiência e, na audiência, limitou‑se a fazer referência a este documento. Na medida em que a Comissão alega a violação do direito de defesa, há que salientar que este documento lhe foi transmitido no final da tarde da véspera da audiência e que lhe foi materialmente possível pronunciar‑se sobre o mesmo na audiência. O prazo, sem dúvida curto, assim concedido à Comissão permanece, porém, ao nível do aceitável no quadro da tramitação acelerada que caracteriza o presente processo, durante o qual foram impostos a todas as partes e ao Tribunal prazos extremamente curtos. Além disso, a possibilidade dada à Comissão de conhecer o essencial das respostas da recorrente na véspera da audiência em vez de no próprio dia garantiu uma melhor tramitação do processo contraditório.

I –  Quanto ao segundo fundamento, relativo à violação do artigo 2.°, n.° 3, do Regulamento n.° 4064/89

44      Através do presente fundamento, a recorrente alega essencialmente, em primeiro lugar, que o artigo 2.°, n.° 3, do Regulamento n.º 4064/89 contém dois critérios distintos e, em segundo lugar, que a Comissão não declarou na decisão recorrida que o segundo destes critérios estava preenchido.

45      O Tribunal recorda que o artigo 2.°, n.os 2 e 3, do Regulamento n.° 4064/89 estabelece efectivamente dois critérios cumulativos, sendo o primeiro a criação ou ao reforço de uma posição dominante e o segundo o facto de que a concorrência efectiva no mercado comum será entravada de modo significativo pela criação ou reforço dessa posição (v., neste sentido, acórdãos do Tribunal de Primeira Instância de 19 de Maio de 1994, Air France/Comissão, T‑2/93, Colect., p. II‑323, n.° 79; de 27 de Novembro de 1997, Kaysersberg/Comissão, T‑290/94, Colect., p. II‑2137, n.° 156, e de 25 de Outubro de 2002, Tetra Laval/Comissão, T‑5/02, Colect., p. II‑4381, n.° 146).

46      Todavia, em certos casos, a criação ou o reforço de uma posição dominante podem ter como consequência, em si mesmos, um entrave significativo à concorrência.

47      Assim, o facto de uma empresa numa posição dominante reforçar esta posição através da aquisição de um concorrente ao ponto de o grau de domínio assim atingido colocar entraves substanciais à concorrência é susceptível de constituir um abuso de posição dominante (acórdão de 21 de Fevereiro de 1973, Europemballage e Continental Can/Comissão, 6/72, Colect., p. 109, n.° 26). A pertinência desta jurisprudência é reforçada pelo facto de a situação analisada pelo Tribunal de Justiça neste acórdão, numa época em que o Regulamento n.° 4064/89 ainda não existia, se revelar muito próxima da situação que pode resultar de uma operação de concentração na acepção do referido regulamento.

48      Do mesmo modo, em matéria de concentração de empresas, uma posição dominante é caracterizada por uma situação de poderio económico detida por uma ou mais empresas que lhes daria a faculdade de impedir a manutenção de uma concorrência efectiva no mercado em causa, dando‑lhes a possibilidade de adoptarem comportamentos independentes numa medida apreciável em relação aos seus concorrentes, aos seus clientes e, finalmente, em relação aos consumidores (acórdão do Tribunal de 25 de Março de 1999, Gencor/Comissão, T‑102/96, Colect., p. II‑753, n.° 200).

49      Daqui resulta que a demonstração da criação ou do reforço de uma posição dominante, na acepção do artigo 2.°, n.° 3, do Regulamento n.° 4064/89, pode corresponder, em certos casos, à demonstração de um entrave significativo à concorrência efectiva. Esta conclusão não significa, de forma alguma, que o segundo critério se confunde juridicamente com o primeiro, mas apenas que pode resultar de uma mesma análise factual de um determinado mercado que os dois critérios estão preenchidos.

50      Decorre do exposto que, na medida em que resulte dos considerandos de uma decisão que declara a incompatibilidade de uma operação de concentração com o mercado comum, incluindo os consagrados formalmente a uma análise da criação ou do reforço de uma posição dominante, que esta operação produzirá efeitos anticoncorrenciais significativos, essa decisão não deve ser considerada ilegal apenas pela razão de a Comissão não ter relacionado expressa e especificamente a sua descrição desses elementos com o segundo critério do artigo 2.° do Regulamento n.° 4064/89, quer seja à luz do dever de fundamentação, previsto no artigo 253.° CE, quer quanto ao seu conteúdo. Com efeito, o ponto de vista inverso consistiria em impor à Comissão uma obrigação puramente formal que a coagiria a invocar duas vezes determinadas considerações idênticas, em primeiro lugar, na sua análise da criação ou do reforço de uma posição dominante num determinado mercado e, uma segunda vez, em relação ao entrave significativo à concorrência no mercado comum.

51      No presente caso, importa, a título liminar, rejeitar a tese da Comissão de que o presente fundamento invoca uma falta de fundamentação. Supondo que resulta da decisão recorrida que a Comissão não examinou se o segundo critério do artigo 2.°, n.° 3, do Regulamento n.° 4064/89 estava preenchido ou que não demonstrou que o estava, deverá concluir‑se que a Comissão não respeitou esta disposição. Com efeito, no quadro deste regulamento, a falta de fundamentação a este respeito apenas pode traduzir a inexistência ou a insuficiência do exame da questão de saber se este segundo critério estava preenchido e não que este exame foi realizado mas que a sua exposição foi omitida.

52      No que se refere à principal alegação da recorrente, deve observar‑se que a Comissão teve o cuidado de concluir na decisão recorrida, relativamente a cada um dos mercados relevantes, que os dois critérios do artigo 2.°, n.° 3, do Regulamento n.° 4064/89 estavam preenchidos. Assim, a Comissão concluiu que a concentração reforçaria as posições dominantes preexistentes da EDP e da GDP, o que teria como consequência entravar de forma significativa a concorrência efectiva no mercado grossista da electricidade (considerandos 364, 379, 410, 428 e 429), no mercado do ajustamento e dos serviços auxiliares (considerando 432), nos mercados retalhistas da electricidade (considerando 473), nos mercados do fornecimento de gás aos produtores de electricidade (considerando 528), às LDC (considerando 538), a grandes clientes (considerando 550), a pequenos clientes (considerando 602) e em geral (considerando 609), inclusivamente após o exame de todos os compromissos (considerando 914).

53      É certo que deve igualmente ser observado que, na decisão recorrida, a Comissão examinou em conjunto e sem distinção os elementos que a levavam a concluir que existiria um reforço das posições dominantes preexistentes da EDP e da GDP e os que a levavam a concluir que a concentração teria ainda como consequência entravar de forma significativa a concorrência efectiva.

54      Todavia, tendo em conta que os elementos que demonstram o reforço significativo das posições dominantes da EDP e da GDP e os que demonstram o entrave significativo à concorrência na sequência da concentração, indicados na decisão recorrida, são muitas vezes os mesmos, o simples facto de a Comissão não ter consagrado secções específicas da decisão à análise do entrave significativo à concorrência não implica a conclusão de que a Comissão não teve em conta o segundo critério do artigo 2.°, n.° 3, do Regulamento n.° 4064/89. Assim, no caso em apreço, a maioria ou mesmo todas as considerações da Comissão que a levaram a concluir que existiria um reforço das posições dominantes preexistentes são baseadas numa restrição efectiva da concorrência, tal como esta última poderia existir se a concentração não tivesse lugar, e, portanto, têm igualmente por objectivo demonstrar que o segundo critério do artigo 2.°, n.° 3, do Regulamento n.° 4064/89 está preenchido. Em particular, na medida em que a concentração não conduz, ou apenas conduz acessoriamente, a um aumento das quotas de mercado das partes num dos mercados relevantes, os efeitos anticoncorrenciais da concentração resultam principalmente, ou mesmo essencialmente, segundo a Comissão, de restrições efectivas à concorrência em cada um dos mercados relevantes. Por exemplo, a demonstração do reforço das posições dominantes da EDP e da GDP devido ao desaparecimento de um potencial concorrente importante ou significativo na maioria dos mercados considerados na decisão recorrida assenta na demonstração de que a concentração teria como consequência um entrave significativo à concorrência, que, segundo a Comissão, se verificaria efectivamente (v., por exemplo, quanto ao desaparecimento da GDP como o mais provável potencial concorrente importante no mercado grossista da electricidade, considerandos 335 a 364, nos mercados retalhistas da electricidade, considerandos 450 a 473, ou, quanto ao desaparecimento da EDP como o potencial concorrente mais significativo no mercado retalhista do gás, considerandos 559 a 599).

55      Contrariamente ao alegado pela recorrente, decorre igualmente do exposto que, na decisão recorrida, a Comissão não tratou a questão de saber se o segundo critério do artigo 2.º, n.º 3, do Regulamento n.º 4064/89 estava preenchido como uma consequência automática do primeiro critério, mas que, ao invés, baseou o seu raciocínio no facto de os entraves significativos colocados à concorrência reforçarem as posições dominantes da EDP ou da GDP.

56      Por conseguinte, a análise dos compromissos efectuada pela Comissão com base nesse raciocínio também não está afectada pelo vício alegado pela recorrente. Assim, quando a Comissão concluiu que os compromissos eram insuficientes para resolver os problemas de concorrência previamente identificados, considerou que o reforço das posições dominantes da EDP ou da GDP continuaria a existir devido à subsistência dos entraves significativos à concorrência (v., por exemplo, no que se refere ao desaparecimento da GDP como o mais provável potencial concorrente importante no mercado grossista da electricidade, considerandos 650 a 675, nos mercados retalhistas da electricidade, considerandos 708 a 714, ou, quanto ao desaparecimento da EDP, como o potencial concorrente mais significativo no mercado retalhista do gás, considerandos 735 a 738).

57      Por último, deve observar‑se que a alegação da recorrente não é mais do que uma crítica de princípio. Em particular, no âmbito deste fundamento, a recorrente não alega nem, a fortiori, demonstra que, num dos mercados relevantes, as considerações em matéria de concorrência tecidas pela Comissão são inaptas para demonstrar materialmente a existência de um entrave significativo à concorrência efectiva.

58      Resulta do que precede que a Comissão não omitiu o segundo critério do artigo 2.º, n.° 3, do Regulamento n.° 4064/89. Por consequência, o presente fundamento deve ser julgado improcedente.

II –  Quanto ao terceiro fundamento, relativo à violação do artigo 8.°, n.os 2 e 3, do Regulamento n.° 4064/89

59      A recorrente apoia o seu fundamento a respeito dos compromissos em quatro argumentos, relativos, em primeiro lugar, à inobservância das regras sobre o ónus da prova, em segundo lugar, à inobservância do carácter global dos compromissos, em terceiro lugar, a um desvio de poder e, em quarto lugar, ao exagero das dificuldades de controlo do respeito de certos compromissos de comportamento.

A –  Quanto à primeira parte do terceiro fundamento, relativa ao ónus da prova

60      Segundo a recorrente, por um lado, a Comissão baseou‑se erradamente na presunção de que incumbia às partes provar que os seus compromissos eliminavam as preocupações em matéria de concorrência identificadas pela Comissão. Em seu entender, a Comissão aplicou desta forma um padrão de controlo incorrecto, exposto no ponto 6 da comunicação sobre as soluções.

61      Importa recordar que, por força do artigo 2.º, n.° 2, do Regulamento n.º 4064/89, a Comissão «deve» declarar compatível uma operação de concentração que não crie ou não reforce uma posição dominante de que resultem entraves significativos à concorrência efectiva no mercado comum. Resulta deste artigo que incumbe à Comissão demonstrar que uma operação de concentração não pode ser declarada compatível com o mercado comum.

62      Em seguida, por força do artigo 8.º, n.º 2, do Regulamento n.º 4064/89, a Comissão adopta uma decisão que declara a operação de concentração compatível com o mercado comum, se verificar que uma operação de concentração notificada, «eventualmente após as alterações introduzidas pelas empresas em causa», preenche o critério do n.° 2 do artigo 2.° do Regulamento n.° 4064/89. Decorre daquele artigo que uma operação de concentração alterada por compromissos está sujeita aos mesmos critérios, em matéria de ónus de prova, que uma operação não alterada.

63      Por conseguinte, por um lado, a Comissão tem a obrigação de examinar uma operação de concentração tal como alterada pelos compromissos validamente propostos pelas partes na operação (v., neste sentido, acórdão do Tribunal de 30 de Setembro de 2003, ARD/Comissão, T‑158/00, Colect., p. II‑3825, n.° 280) e, por outro, a Comissão só a pode declarar incompatível com o mercado comum se esses compromissos forem insuficientes para impedir a criação ou o reforço de uma posição dominante de que resultem entraves significativos à concorrência efectiva. A este respeito, deve, contudo, recordar‑se que, no caso de apreciações económicas complexas, o ónus da prova que incumbe à Comissão não prejudica o seu amplo poder de apreciação nesse domínio (v., neste sentido, acórdão do Tribunal de 3 de Abril de 2003, Petrolessence e SG2R/Comissão, T‑342/00, p. II‑1161, n.° 101, e a jurisprudência aí citada, e acórdão do Tribunal de Justiça de 15 de Fevereiro de 2005, Comissão/Tetra Laval, C‑12/03 P, Colect., p. I‑0000, n.° 38).

64      Por outro lado, o facto de o ponto 6 da comunicação sobre as soluções indicar que «[i]ncumbe às partes demonstrar que as soluções propostas […] suprimem a criação ou o reforço da posição dominante identificada pela Comissão» não é susceptível de alterar esse quadro jurídico. Mesmo admitindo que a Comissão pretende assim impor às partes de uma operação notificada a demonstração da eficácia dos compromissos propostos, demonstração esta que é conforme aos interesses das partes, a Comissão não pode concluir que, em caso de dúvida, deve proibir essa operação. Muito pelo contrário, no final, a Comissão deve demonstrar que essa operação, tal como eventualmente alterada por compromissos, deve ser declarada incompatível com o mercado comum devido à persistência da criação ou do reforço de uma posição dominante que coloca entraves significativos à concorrência efectiva.

65      Decorre do exposto que cabe à Comissão demonstrar que os compromissos validamente apresentados pelas partes de uma operação de concentração não tornam essa operação, conforme alterada por esses compromissos, compatível com o mercado comum.

66      A Comissão alega que é necessário distinguir nesta matéria entre os compromissos apresentados antes ou após a data‑limite prevista no artigo 18.°, n.° 2, do Regulamento n.° 447/98 para a apresentação de compromissos. No caso em apreço, é pacífico que as partes apresentaram alterações à sua primeira série de compromissos tanto antes do termo deste prazo, em 17 de Novembro de 2004, como após, em 26 de Novembro de 2004 e mesmo em 3 de Dezembro de 2004. Ora, o ponto 43 da comunicação sobre as soluções, entendido à luz dos seus pontos 41 e 42, não distingue consoante a alteração desses compromissos tenha sido apresentada antes ou após a data‑limite. Todavia, esse ponto 43 dispõe que os compromissos alterados devem, nomeadamente, permitir à Comissão concluir inequivocamente, sem necessidade de realizar um inquérito suplementar e com tempo suficiente para consultar os Estados‑Membros, que, uma vez executados, esses compromissos resolverão os problemas de concorrência identificados.

67      A este respeito, por um lado, a redacção do ponto 43 da comunicação sobre as soluções não dispõe que incumbe às partes de uma operação de concentração provar que os seus compromissos alterados eliminam claramente os problemas de concorrência identificados. Por outro lado, apesar de a Comissão se ter obrigado a aceitar, em certas condições, compromissos alterados, a mesma não dispõe, porém, do poder de alterar o ónus da prova fixado no Regulamento n.° 4064/89 para efeitos da adopção uma decisão final ao abrigo do artigo 8.°, n.os 2 ou 3, deste regulamento, com o fundamento de que a operação de concentração preenche os critérios estabelecidos no artigo 2.°, n.os 2 ou 3, deste regulamento. Assim, segundo as condições especiais fixadas no ponto 43 da comunicação sobre as soluções, cabe igualmente à Comissão demonstrar que os compromissos alterados não bastam para provar inequivocamente, sem necessidade de um inquérito suplementar ou pelo facto de não existir um prazo suficiente para consultar os Estados‑Membros, que os mesmos eliminarão os problemas de concorrência identificados.

68      Por último, há que salientar que, segundo a lógica do procedimento administrativo em matéria de concentração, a Comissão identifica, a título provisório, os problemas de concorrência que, segundo ela, a operação de concentração suscita, em primeiro lugar, explicando por que razão considera necessário dar início ao processo por força do artigo 6.°, n.° 1, do Regulamento n.° 4064/89 e, em segundo lugar, dirigindo uma comunicação de acusações às partes na operação. Nesta fase, as partes na operação podem contestar a própria existência desses problemas de concorrência e/ou propor compromissos susceptíveis de os resolver, quer na sua resposta à comunicação de acusações quer num estádio ulterior das discussões. É, assim, evidente que, ao proporem compromissos, as partes na operação pretendem convencer a Comissão de que esses compromissos resolvem plena e inteiramente os problemas de concorrência previamente identificados. Ao considerar que os compromissos são insuficientes, a Comissão entende necessariamente, pelo contrário, que as partes na operação não a convenceram do valor dos seus compromissos para suprimir o ou os problemas anticoncorrenciais gerados pela operação em causa.

69      Resulta do que precede que o facto de a Comissão considerar que os compromissos validamente apresentados, isto é, quer os propostos inicialmente quer, em conformidade com o ponto 43 da comunicação sobre as soluções, enquanto alterações aos primeiros compromissos, são insuficientes só constitui uma inversão indevida do ónus da prova se a Comissão fundar esta apreciação da sua insuficiência, não numa apreciação desses compromissos com base em critérios objectivos e verificáveis mas antes na asserção de que as partes não lhe forneceram provas suficientes para efectuar uma apreciação material. Com efeito, neste último caso, a dúvida não aproveitaria às partes na operação e haveria que concluir que o ónus da prova da compatibilidade dessa operação com o mercado comum tinha sido invertido.

70      No caso em apreço, a recorrente invoca um único exemplo assente no considerando 833 da decisão recorrida, relativo aos compromissos de 17 de Novembro de 2004, que foram apresentados antes da data‑limite, e nos termos do qual «subsistem dúvidas e incertezas consideráveis quanto à questão de saber se o efeito combinado [das medidas propostas] compensará suficientemente o desaparecimento da EDP como o maior potencial concorrente» no mercado do fornecimento de gás a grandes clientes. Na decisão recorrida, a Comissão baseia expressamente esta apreciação na comunicação sobre as soluções.

71      Deve observar‑se que a Comissão concluiu o considerando em causa de forma muito afirmativa, sustentando que as medidas propostas pelas partes não impediriam o reforço da posição dominante da GDP no mercado considerado em resultado da concentração. Assim, a Comissão chegou à conclusão de que os compromissos em causa eram insuficientes para permitir a autorização da concentração.

72      Além disso, as dúvidas e incertezas manifestadas pela Comissão dizem respeito à questão de saber se os compromissos eram, nomeadamente, incondicionais e certos. No considerando 832 da decisão recorrida, indicou cinco razões pelas quais considerava que os compromissos em causa eram insuficientes para garantir a disponibilização efectiva de capacidades adicionais de gás a terceiros (a exclusão das filiais espanholas das partes do compromisso de não reservar capacidades suplementares; a não aprovação obrigatória pela autoridade reguladora espanhola do código de acesso por terceiros; o direito das partes de reservarem capacidades ditas «estratégicas»; a eficácia reduzida do compromisso de liberar capacidades em Campo Maior devido às capacidades actualmente limitadas do gasoduto e às consequências negativas para as capacidades disponíveis no terminal de GNL de Sines; os direitos especiais das partes face ao operador deste terminal e a possibilidade de construir um local de armazenamento de gás natural). Por conseguinte, as dúvidas manifestadas não se referem a eventuais violações da concorrência resultantes da concentração, mas sim à impossibilidade de assegurar a operacionalidade plena dos compromissos em causa. Ora, a Comissão tem o direito de recusar compromissos não vinculativos ou, o que se reconduz ao mesmo, compromissos cujos efeitos podem ser reduzidos ou mesmo eliminados pelas partes. Ao fazê‑lo, a Comissão não transferiu o ónus da prova para as partes, mas negou o carácter certo e mensurável dos compromissos, características que estes últimos deviam possuir. Por último, note‑se que, no âmbito deste fundamento, a recorrente não contestou perante o Tribunal o carácter incerto dos efeitos dos compromissos em causa.

73      À luz das considerações precedentes, há que concluir que a Comissão não inverteu o ónus da prova que lhe incumbia quanto à sua obrigação de demonstrar que a concentração era incompatível com o mercado comum. Pelo contrário, tentou demonstrar porque é que a concentração devia ser proibida apesar dos compromissos propostos.

74      Por conseguinte, a primeira parte do terceiro fundamento deve ser julgada improcedente.

B –  Quanto à segunda parte do terceiro fundamento, relativa à apreciação global da concentração tal como alterada

75      A recorrente alega, essencialmente, que a Comissão não apreciou a situação que existiria após a concentração, tendo em conta os compromissos, em função da situação que existiria sem a realização da concentração. Na sua resposta escrita para a audiência, a recorrente precisou o seu argumento, esclarecendo que censura a Comissão por esta ter apreciado as debilidades que podem ser apontadas aos compromissos em vez de apreciar os efeitos prováveis da concentração, tal como alterada num determinado mercado, o que conduz a um resultado diferente. Além disso, a Comissão apreciou os compromissos considerando cada um deles de forma isolada. Na sua resposta escrita, a recorrente referiu como exemplo o exame distinto dos compromissos destinados a solucionar o problema horizontal no mercado grossista da electricidade e dos relativos aos problemas não horizontais neste mercado.

76      Deve observar‑se que a decisão recorrida está formalmente estruturada de modo que são apresentadas, sucessivamente, a identificação dos problemas de concorrência gerados pela concentração, tal como notificada, em cada um dos mercados (considerandos 280 a 609), seguidamente, a apreciação do ponto de vista da concorrência dos compromissos de 28 de Outubro de 2004 (considerandos 650 a 738), depois dos de 17 de Novembro de 2004 (considerandos 741 a 841) e, por último, dos de 26 de Novembro de 2004 (considerandos 860 a 912). Ao realizar a sua apreciação, a Comissão examinou sucessivamente cada um dos compromissos considerados pertinentes para cada um dos mercados relevantes. Quando, num mercado, foram identificados vários problemas de concorrência, a Comissão examinou sucessivamente os compromissos no quadro de cada um dos problemas. Concluiu que, em todos os casos, com excepção do mercado do fornecimento de gás às LDC, os compromissos eram insuficientes para eliminar o problema de concorrência identificado e/ou o reforço da posição dominante em causa (v., no que se refere ao mercado grossista da electricidade escolhido como exemplo pela recorrente, relativamente ao problema horizontal, os considerandos 675, 767 e 868 ou, relativamente aos problemas não horizontais, considerandos 700, 702, 703, 801, 874 e 875).

77      Recorde‑se que a Comissão tem a obrigação de examinar uma operação de concentração tal como alterada pelos compromissos validamente propostos pelas partes (v. supra, n.° 63). Todavia, como a recorrente reconheceu na audiência, este postulado não obsta a um exame sucessivo dos problemas de concorrência gerados por essa operação, seguido do exame dos compromissos propostos pelas partes da mesma a fim de eliminar esses problemas, nem a um exame sucessivo de cada um dos compromissos pertinentes quanto a esses problemas, desde que a Comissão acabe por realizar uma apreciação global da operação de concentração tal como alterada, isto é, dos efeitos desta operação em cada um dos mercados identificados tendo em conta todos os compromissos pertinentes para cada mercado.

78      Por outro lado, compete à Comissão examinar todos os compromissos pertinentes em relação a um problema de concorrência identificado num dos mercados relevantes, incluídos os que não são expressamente designados como tais pelas partes numa operação de concentração. No entanto, a Comissão não comete qualquer erro de direito ao apreciar unicamente os compromissos específicos em relação a um único mercado ou a um único problema de concorrência relativo a esse mercado ou problema, se os outros compromissos não são pertinentes e não têm um real significado económico nesse quadro.

79      No presente caso, a alegação da recorrente assenta num postulado irrealista e numa leitura incorrecta da decisão recorrida.

80      Em primeiro lugar, impõe‑se lembrar que os compromissos propostos pelas partes numa operação de concentração são especificamente destinados a solucionar os problemas de concorrência previamente identificados. É, portanto, inevitável que a Comissão, quando é confrontada com um compromisso, se interrogue, antes de mais, sobre o alcance desse compromisso e, em particular, sobre as suas eventuais debilidades intrínsecas e verifique depois se esse compromisso é apto, no todo ou em parte, para resolver o problema identificado. Com efeito, a análise dos efeitos prováveis da operação de concentração alterada pressupõe que se aprecie, em primeiro lugar, o alcance desta alteração. Importa notar a este respeito que, na sua petição e nos respectivos anexos, a recorrente também adoptou este método faseado, o que levou, de resto, o Tribunal a proceder da mesma forma. Por outro lado, é irrealista imaginar que a Comissão poderia, dentro dos limites de tempo que lhe são impostos pelo Regulamento n.° 4064/89, recomeçar inteiramente a sua análise de uma operação de concentração, face à apresentação de compromissos, como se essa operação tivesse sido notificada de novo na sua forma alterada pelos compromissos. Este método seria contrário ao imperativo de celeridade que caracteriza a economia geral do Regulamento n.° 4064/89 (acórdão do Tribunal de 28 de Abril de 1999, Endemol/Comissão, T‑221/95, Colect., p. II‑1299, n.° 68). O carácter irrealista do método implicitamente proposto pela recorrente é reforçado, no caso em apreço, pelo facto de terem sido sucessivamente propostas três ou mesmo quatro séries de compromissos, a ou as últimas numa data tardia, quando o processo chegava ao seu termo. A este respeito, o argumento da recorrente segundo o qual estas séries sucessivas constituem apenas alterações dos compromissos anteriores e não novos compromissos não altera esta análise. Nesta situação, a Comissão é obrigada, de cada vez, a confrontar esses novos elementos com a sua análise, a fim de examinar se essas alterações são susceptíveis de infirmar as suas conclusões anteriores.

81      Em segundo lugar, a Comissão teve o cuidado de explicar na decisão recorrida em que medida as debilidades de cada um dos compromissos não lhes permitiam, por si sós, resolver o problema de concorrência em causa. No entanto, a seguir a esta análise pontual, concluiu sistematicamente que todos os compromissos pertinentes relativos a esse problema eram igualmente insuficientes para resolver o referido problema. Relativamente aos compromissos de 18 de Outubro e de 17 de Novembro de 2004, precisou que o reforço da posição dominante em causa continuaria (v., por exemplo, relativamente ao problema horizontal no mercado grossista da electricidade referido pela recorrente, os considerandos 675 e 767 ou, relativamente aos problemas não horizontais nesse mercado, os considerandos 700, 702, 703 e 801). Quando considerou que era necessário, a Comissão examinou igualmente compromissos que não tinham sido especificamente propostos pelas partes com vista a resolver um problema de concorrência determinado (considerandos 809 a 812). Ao fazê‑lo, a análise da Comissão foi equivalente à análise da concentração tal como alterada pelos compromissos. Embora, no caso dos compromissos de 26 de Novembro de 2004, a Comissão se tenha limitado a concluir que os compromissos em questão eram insuficientes para solucionar os problemas de concorrência em causa, procedeu, porém, a uma apreciação global desses compromissos à luz dos referidos problemas (v., quanto ao problema horizontal no mercado grossista da electricidade, o considerando 868 ou, quanto aos problemas não horizontais neste mercados, os considerandos 874 e 875). Acresce que, uma vez que o exame dos compromissos tardiamente apresentados preenche condições especiais estabelecidas na comunicação sobre as soluções, não é possível inferir do facto de a Comissão não ter concluído expressamente que existia um reforço das posições dominantes examinadas que a mesma não procedeu a uma análise global da concentração tal como alterada.

82      Resulta do exposto que a Comissão procedeu efectivamente a uma análise global da concentração tal como alterada pelos compromissos propostos pelas partes.

83      No que se refere ao exemplo, invocado pela recorrente, do exame isolado dos compromissos relativos ao problema horizontal e aos problemas não horizontais no mercado grossista da electricidade, deve observar‑se que este argumento se confunde inteiramente com o argumento exposto no âmbito do quarto fundamento, segundo o qual os compromissos relativos aos problemas não horizontais permitiriam a entrada no mercado de um certo número de concorrentes, ao passo que a GDP era apenas um potencial concorrente. Supondo que a Comissão considerou sem razão que podia permitir‑se não examinar o alcance indirecto de certos compromissos em relação a um problema de concorrência ou a um mercado para os quais esses compromissos não eram directamente pertinentes, a Comissão não teria cometido um erro de direito, mas um erro de apreciação. Com efeito, embora a Comissão tenha a obrigação de examinar todos os compromissos pertinentes à luz de um problema de concorrência identificado num dos mercados relevantes, incluídos os não expressamente designados como tais pelas partes numa operação de concentração, a questão de saber se um ou outro desses compromissos é pertinente em relação a um problema específico colocado por uma operação de concentração faz parte da apreciação económica da operação em causa e deve ser examinada neste contexto.

84      Tendo a recorrente igualmente invocado este argumento no âmbito do seu quarto fundamento, relativo à existência de erros de apreciação da concentração, tal como alterada, por parte da Comissão, o mesmo deve ser apreciado ao examinar este fundamento.

85      Face às considerações precedentes, a segunda parte do terceiro fundamento deve ser julgada improcedente.

C –  Quanto à terceira parte do terceiro fundamento, relativa à existência de um desvio de poder

86      A recorrente alega essencialmente que a Comissão violou os poderes que lhe foram conferidos pelo Regulamento n.° 4064/89, ao exigir que os compromissos tivessem por objectivo liberalizar os mercados da electricidade e do gás.

87      Segundo jurisprudência assente, o conceito de desvio de poder refere‑se ao facto de uma autoridade administrativa ter usado os seus poderes com um objectivo diferente daquele para que lhe foram conferidos. Uma decisão só enferma de desvio de poder se, com base em indícios objectivos, pertinentes e concordantes, se verificar que foi adoptada para um fim dessa natureza (acórdãos do Tribunal de Justiça de 13 de Novembro de 1990, Fedesa e o., C‑331/88, Colect., p. I‑4023, n.° 24, e de 10 de Maio de 2005, Itália/Comissão, C‑400/99, Colect., p. I‑0000, n.° 38). Em caso de pluralidade de objectivos prosseguidos, mesmo quando um motivo injustificado se junta aos motivos válidos, a decisão não enferma por esse facto de desvio de poder, quando não sacrifique o objectivo essencial (acórdão do Tribunal de Justiça de 21 de Dezembro de 1954, Itália/Alta Autoridade, 2/54, Recueil, pp. 73, 103, Colect. 1954‑1961, p. 5, e, neste sentido, acórdão do Tribunal de 8 de Julho de 1999, Vlaamse Televisie Maatschappij/Comissão, T‑266/97, Colect., p. II‑2329, n.° 131).

88      Há que observar previamente que é pacífico que a concentração é abrangida pelo âmbito de aplicação do Regulamento n.° 4064/89 (considerandos 12 e 13 da decisão recorrida). Deve igualmente ser referido que a recorrente não alega que a concentração não podia ser objecto de uma decisão de abertura do processo de exame ao abrigo do artigo 6.° do Regulamento n.° 4064/89 e, portanto, de uma decisão final ao abrigo do artigo 8.° do Regulamento n.° 4064/89. A este respeito, a recorrente reconhece, nomeadamente na sua resposta escrita para a audiência, que a concentração, tal como alterada, reforçava as posições dominantes da EDP nos mercados da electricidade. Por conseguinte, a apresentação de compromissos pelas partes com o objectivo de obter uma decisão que declarasse a concentração compatível com o mercado comum era inevitável.

89      Deve, portanto, concluir‑se que a Comissão, ao tomar em conta os compromissos propostos para efeitos da adopção da decisão recorrida, actuou plenamente no quadro do Regulamento n.° 4064/89. A Comissão prosseguiu, assim, o objectivo deste regulamento, que pretende impedir a criação ou o reforço de uma posição dominante de que resultem entraves significativos à concorrência efectiva.

90      No entanto, a recorrente alega que a Comissão exigiu mais dos referidos compromissos, tendo ido para além do que era necessário para assegurar que as posições dominantes da EDP ou da GDP não fossem reforçadas. Alega, em particular, que a Comissão exigiu um grau de abertura do mercado que excedia o necessário para solucionar o problema de concorrência gerado pela concentração.

91      Os numerosos exemplos invocados pela recorrente – segundo os quais, essencialmente, a Comissão julgou os compromissos insuficientes para assegurar a entrada de novos concorrentes nos mercados relevantes (v., nomeadamente, considerandos 659, 665, 707, 714, 725, 749, 805, 812, 862, 879 e 888 da decisão recorrida) – demonstram simplesmente que o objectivo do Regulamento n.° 4064/89, isto é, impedir que uma operação de concentração crie ou reforce posições dominantes que tenham por efeito entravar de modo significativo a concorrência efectiva, foi prosseguido pela Comissão. Com efeito, a entrada de novos concorrentes nos mercados nos quais é pacífico que a EDP e a GDP detêm posições dominantes muito fortes constitui uma preocupação em matéria de concorrência que é essencial no quadro da aplicação do artigo 2.°, n.° 3, do Regulamento n.° 4064/89. Assim, o objectivo essencial prosseguido pela Comissão ao recusar‑se a alterar a sua posição após a consideração dos compromissos inscrevia‑se plenamente no quadro do Regulamento n.° 4064/89.

92      A este respeito, cumpre notar que, no âmbito do seu fundamento relativo à apreciação da concentração, tal como alterada, do ponto de vista da concorrência, a recorrente se prevalece do facto de a concentração constituir um avanço importante tendo em vista a abertura à concorrência dos mercados do gás e da electricidade. Por consequência, salvo se entrar em contradição consigo própria, a recorrente reconhece que a resolução, através dos compromissos, dos problemas de concorrência colocados pela concentração e a prossecução da abertura dos mercados à concorrência podem coexistir.

93      Mesmo supondo, o que será examinado infra, que a verificação da insuficiência de um dos compromissos propostos ou a exigência de um compromisso particular por parte da Comissão sejam consideradas excessivas à luz da resolução dos problemas de concorrência identificados pela Comissão na decisão recorrida, tal erro constituiria uma violação do artigo 2, n.° 3, do Regulamento n.° 4064/89 e não um desvio de poder.

94      Por outro lado, a recorrente considera que a Comissão parece ter sido atraída pela tese exposta num relatório elaborado pela Cambridge Economic Policy Associates a pedido da autoridade da concorrência portuguesa, intitulado «Report on Electricity and Gas Markets in Portugal», segundo a qual, na opinião da recorrente, a Comissão devia utilizar activamente a concentração para melhorar as condições de concorrência. Contudo, há que referir que, nas passagens da decisão recorrida que citam esse relatório (v., nomeadamente, considerandos 137, 172, 333 e 573), a Comissão não adoptou, de forma alguma, o objectivo eventualmente proposto por esse relatório, tendo‑se, ao invés, limitado a extrair do mesmo apreciações económicas objectivas. As referências a esse relatório não podem, assim, constituir um indício de desvio de poder.

95      Quanto aos outros elementos invocados pela recorrente, nomeadamente as declarações de M. Monti, na época membro da Comissão responsável pela concorrência, ou outras decisões da Comissão em matéria de concentração de empresas no sector da energia (decisão da Comissão de 7 de Fevereiro de 2001, processo COMP/M.1853 – EDF/EnBW; decisão da Comissão de 19 de Março de 2002, processo COMP/M.2684.1853 – EnBW/EDP/Gastajur/Hidrocantábrico), os mesmos não podem constituir indícios pertinentes para demonstrar a existência de desvio de poder no caso em apreço, uma vez que esses elementos não fundamentam a decisão recorrida. Além disso, mesmo que essas duas decisões proferidas em matéria de concentração de empresas estivessem afectadas pelo vício alegado pela recorrente, ou seja, exigir uma abertura dos mercados desnecessária à luz dos problemas de concorrência identificados nessas decisões, isso não significaria que a decisão recorrida, que se baseia numa situação concorrencial que é própria deste processo, está afectada pelo mesmo vício.

96      A circunstância alegada pela recorrente de que a Comissão pretendia, na realidade, realizar os objectivos da segunda directiva gás, quando esta directiva tem por base o artigo 47.°, n.° 2, CE (direito de estabelecimento), o artigo 55.° CE (livre prestação de serviços) e o artigo 95.° CE (aproximação das legislações), não demonstra que a Comissão tenha pretendido, incorrectamente, prosseguir os referidos objectivos. Por um lado, a base jurídica desta directiva destina‑se antes a demonstrar que a Comissão só pôde prosseguir muito indirectamente os objectivos desta directiva mediante o favorecimento da entrada de novos concorrentes, nomeadamente nacionais, nos mercados em causa. Por outro lado, há que reconhecer que a Directiva 98/30/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 22 de Junho de 1998, relativa a regras comuns para o mercado do gás natural (JO L 204, p. 1, a seguir «primeira directiva gás»), e a segunda directiva gás têm por efeito, se não por objecto, nomeadamente, introduzir a concorrência num sector tradicionalmente não sujeito a esta até então [v. considerandos 2, 6, 21, 22, 26 e, em particular, 31 da Directiva 2003/54/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 26 de Junho de 2003, que estabelece regras comuns para o mercado interno da electricidade e que revoga a Directiva 96/92/CE (JO L 176, p. 37, a seguir «segunda directiva electricidade»), e considerandos 2, 7, 19, 21, 25, 27 e, em particular, 30 da segunda directiva gás; v. igualmente, relativamente à Directiva 96/92/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 19 de Dezembro de 1996, que estabelece regras comuns para o mercado interno da electricidade (JO L 27, p. 20), acórdão do Tribunal de Justiça de 7 de Junho de 2005, VEMW e o., C‑17/03, Colect., p. I‑0000, n.° 62]. Resulta daqui que um dos objectivos da segunda directiva gás é claramente concorrencial. Por conseguinte, não surpreende que o objectivo concorrencial do Regulamento n.° 4064/89 seja igualmente assumido por um dos objectivos da segunda directiva electricidade e da segunda directiva gás. Por consequência, a prossecução da realização da segunda directiva gás não pode constituir um desvio de poder, dado que o seu objectivo é igualmente aquele para o qual esse regulamento conferiu poderes à Comissão.

97      Em último lugar, a recorrente alega que a liberalização dos sectores da energia deveria ter sido realizada por via da aplicação do artigo 86.° CE. Sem que seja necessário decidir a questão de saber se a Comissão podia ainda empregar os poderes que lhe são conferidos por este artigo, não obstante a existência da segunda directiva electricidade e da segunda directiva gás, o argumento da recorrente não é pertinente no âmbito da presente parte do fundamento ora em apreço. Com efeito, mesmo supondo que o artigo 86.° CE permite realizar a liberalização dos mercados em questão, essa suposição apenas pode conduzir à conclusão de que esta disposição de direito da concorrência e o Regulamento n.° 4064/89, cujos objectivos, como já vimos, foram correctamente prosseguidos pela Comissão, podem ser aplicados concomitantemente.

98      Face às considerações precedentes, há que julgar improcedente a terceira parte do terceiro fundamento.

D –  Quanto à quarta parte do terceiro fundamento, relativa às dificuldades de controlo de certos compromissos de comportamento

99      A recorrente alega que a Comissão rejeitou certos compromissos devido à sua natureza comportamental e à necessidade de proceder a um controlo ex post dos mesmos. Desta forma, violou a jurisprudência e a sua prática administrativa recente e não teve em conta a possibilidade de vincular as autoridades portuguesas competentes a realizarem esse controlo ex post.

100    Deve recordar‑se, antes de mais, que os compromissos de comportamento não são, pela sua natureza, insuficientes para impedir a criação ou o reforço de uma posição dominante e devem ser apreciados caso a caso do mesmo modo que os compromissos estruturais (acórdãos Gencor/Comissão, n.° 48 supra, n.° 319, e Tetra Laval/Comissão n.° 45 supra, n.° 161, confirmado a este respeito pelo acórdão do Tribunal de Justiça de 15 de Fevereiro de 2005, Comissão/Tetra Laval, n.° 63 supra, n.° 85).

101    No entanto, a alegação da recorrente decorre de uma leitura errada da decisão recorrida, uma vez que, nos três exemplos por ela invocados, a Comissão não rejeitou os compromissos em causa unicamente por causa da sua natureza comportamental ou devido a dificuldades de controlo desses compromissos, mas devido à sua insuficiência global face aos problemas de concorrência identificados.

102    Assim, no considerando 663, é certo que a Comissão concluiu que o compromisso relativo à locação da capacidade de produção equivalente a uma CCGT da TER estava longe de conferir as vantagens de um compromisso estrutural e que eram necessárias extensas verificações posteriores da sua parte. Todavia, a Comissão pretendia assim salientar que as partes previram o termo antecipado deste compromisso a partir do momento em que estivessem preenchidas condições complexas e que elas lhe tinham pedido para verificar se uma dessas condições estava realmente preenchida. Assim, a Comissão considerou principalmente que essas condições introduziam graves incertezas neste compromisso. Em primeiro lugar, não foi, portanto, a sua natureza comportamental que constituiu o fundamento da rejeição deste compromisso pela Comissão. Em segundo lugar, a dificuldade de controlo dessas condições resultava da complexidade e do carácter inadequado das mesmas e não de uma recusa da Comissão de proceder a um controlo ex post. Em terceiro e último lugar, os considerandos 662 e 664 dão conta de vários outros factores que justificavam igualmente, na óptica da Comissão, a recusa deste compromisso, como, nomeadamente, o facto de que o locatário não poderia gerir a CCGT de forma autónoma, que ficaria dependente da EDP ou que as condições para o termo antecipado do compromisso se baseiam em considerações transnacionais quando o mercado continuará a ser nacional.

103    No considerando 678, a Comissão invocou apenas como razão suplementar e marginal o facto de o compromisso relativo à venda do terminal de GNL de Sines exigir um extenso controlo posterior da sua parte. Não se baseou, de forma alguma, na natureza comportamental deste compromisso. Além disso, o considerando é quase totalmente consagrado a outras razões, como, nomeadamente, a data do desinvestimento, as debilidades relativas ao acesso por terceiros às capacidades de gás e a manutenção pela GDP de uma participação minoritária no operador que gere o terminal, que levaram a Comissão a concluir, no considerando seguinte, que os efeitos positivos deste compromisso corriam o risco de ser seriamente reduzidos.

104    É verdade que, no considerando 719, a Comissão considerou que o compromisso relativo à suspensão dos direitos de voto da EDP na administração da Turbogás sobre questões relativas ao fornecimento de gás e a investimentos e relativo à nomeação de membros independentes para a administração da Turbogás era puramente comportamental e seria difícil de controlar. No entanto, este aspecto só foi salientado a título suplementar e é invocado na sequência de três razões principais pelas quais a Comissão considerou este compromisso insuficiente, a saber, o facto de a independência dos membros nomeados não estar garantida, o facto de a EDP conservar os seus direitos de voto sobre questões importantes e poder influenciar indirectamente a escolha do fornecedor de gás e o facto de a suspensão dos direitos de voto estar limitada a três anos.

105    Por último, no que se refere à crítica segundo a qual a Comissão não teve em conta a possibilidade de as autoridades portuguesas competentes procederem aos controlos necessários para verificar a ocorrência das condições que determinam o termo antecipado dos compromissos em causa, há que notar, em primeiro lugar, que, no caso da locação da TER, foram as próprias partes que previram expressamente pedir à Comissão para verificar a ocorrência dessas condições. A Comissão não podia, portanto, confiar esse controlo às autoridades nacionais sem modificar, ela própria, o compromisso proposto, o que não é da sua competência. De igual modo, no caso dos outros compromissos invocados pela recorrente, a Comissão não estava obrigada a instaurar um método de supervisão particular, nomeadamente delegada nas autoridades nacionais competentes, mesmo que tivesse essa possibilidade no quadro das discussões com as partes. Incumbia, pelo contrário, às partes propor compromissos completos e eficazes sob todos os pontos de vista, em particular se esses compromissos de comportamento tivessem debilidades intrínsecas quanto ao seu carácter vinculativo que justificassem uma supervisão ex post.

106    Atentas as considerações que precedem, há que julgar improcedente a quarta parte do terceiro fundamento.

107    Por conseguinte, o terceiro fundamento deve ser julgado totalmente improcedente.

III –  Quanto ao primeiro fundamento, relativo à derrogação de que a República Portuguesa beneficia ao abrigo da segunda directiva gás

108    A recorrente considera essencialmente que a Comissão, ao apreciar a situação da concorrência nos mercados não abertos à concorrência, não teve em conta, em primeiro lugar, a derrogação temporária do calendário de liberalização de que a República Portuguesa beneficia ao abrigo da Segunda Directiva Gás e, em, segundo lugar, o artigo 2.°, n.° 3, do Regulamento n.° 4064/89, ao prospectivar a sua análise em matéria de concorrência sobre um período de mais de cinco anos após a concentração.

A –  Observações preliminares

109    Importa recordar previamente que os mercados da electricidade e do gás na Comunidade eram, de facto, mercados não obrigatoriamente abertos à concorrência antes da adopção da primeira e da segunda directiva gás, devido aos monopólios nacionais existentes em certos Estados‑Membros. Todavia, o Tribunal de Justiça teve ocasião de lembrar que as disposições em matéria de concorrência constantes do Tratado CE eram aplicáveis às decisões de empresas que operassem nesses sectores (acórdão do Tribunal de Justiça de 27 de Abril de 1994, Almelo e o., C‑393/92, Colect., p. I‑1477, n.os 34 a 51). No entanto, a primeira directiva gás e a posterior segunda directiva gás, que veio acelerar o calendário previsto pela primeira, baseiam‑se no postulado de que os Estados‑Membros não estavam imediatamente obrigados a abrir os mercados do gás à concorrência a partir da data prevista para dar cumprimento a essas directivas. Há, portanto, que admitir que os diferentes mercados do gás não estão obrigatoriamente sujeitos à concorrência antes dos prazos fixados na segunda directiva gás.

110    A segunda directiva gás tem por objectivo criar um mercado interno do gás em que prevaleça a lealdade de concorrência (trigésimo considerando da segunda directiva gás), isto é, dar a possibilidade aos consumidores de escolherem livremente o seu fornecedor e aos fornecedores de abastecerem livremente os seus clientes (quarto considerando da segunda directiva gás). Um dos eixos principais desta liberalização dos mercados do gás consiste em estabelecer um calendário para a abertura progressiva desses mercados baseado no aumento progressivo do número de clientes elegíveis, ou seja, dos clientes livres de comprarem gás ao fornecedor da sua escolha. Por força da segunda directiva gás, todos os clientes não domésticos deviam ser elegíveis em 1 de Julho de 2004, e todos os clientes deverão ser elegíveis em 1 de Julho de 2007.

111    Todavia, por força do artigo 28.°, n.° 2, da segunda directiva gás, os Estados‑Membros considerados mercados emergentes estão sujeitos a um calendário derrogatório. Até às datas previstas neste calendário, esses Estados‑Membros podem derrogar as seguintes obrigações: a autorização não discriminatória para a construção ou exploração de instalações de gás, a designação dos operadores das redes de transporte, a definição das atribuições desses operadores, a separação jurídica dos operadores das redes de transporte, a designação dos operadores das redes de distribuição, a definição das tarefas de compensação da rede de distribuição pelos operadores das redes de distribuição, a separação jurídica dos operadores das redes de distribuição, a separação de contas, a organização de um sistema de acesso de terceiros à rede de gás natural e às instalações de GNL, a fixação de um calendário de liberalização e a criação de um regime para as condutas directas (v. supra, n.° 6).

112    Resulta do exposto que essa derrogação exonera o Estado‑Membro em questão da obrigação de aplicar as principais disposições da segunda directiva gás que asseguram a abertura dos diferentes mercados à concorrência e garantem uma concorrência efectiva. Impõe‑se, portanto, concluir que, por força dessa derrogação, os mercados do gás em causa não estão abertos à concorrência enquanto o Estado‑Membro em questão não tiver aberto esses mercados.

B –  Quanto à primeira parte do primeiro fundamento, relativa à não consideração da derrogação concedida à República Portuguesa

113    Com a primeira parte do seu fundamento, a recorrente alega que a Comissão, ao apreciar os efeitos da concentração nos mercados não abertos à concorrência, violou o direito da República Portuguesa de reestruturar o sector do gás durante o período concedido pela derrogação conferida pelo artigo 28.° da Segunda Directiva Gás. Ao invés, a Comissão considera, em primeiro lugar, que a concentração resulta unicamente de decisões de empresas e que deve ser examinada, antes de mais, à luz do Regulamento n.° 4064/89. Em segundo lugar, a Comissão considera ter salvaguardado a coerência necessária entre este regulamento e a segunda directiva gás ao não apreciar os efeitos da concentração durante o período coberto pela derrogação. Em terceiro lugar, considera que esta derrogação não dá a um Estado‑Membro o direito de favorecer uma operação de concentração que afectará significativamente a concorrência após o termo desta derrogação.

114    É pacífico que a República Portuguesa beneficia da derrogação prevista no artigo 28.°, n.° 2, da segunda directiva gás e que esta derrogação cessará em 2007, o que implicará a aplicação do calendário de abertura progressiva dos mercados do gás à concorrência.

115    A República Portuguesa aproveitou esta derrogação para criar uma indústria de gás nacional que opera numa situação de monopólio em todos os sectores do gás (transporte, armazenamento, distribuição, fornecimento). Há que assinalar que a criação desses monopólios não foi objecto de qualquer contestação por razões de concorrência da parte da Comissão. De igual modo, no caso em apreço, o Governo português ainda não abriu oficialmente nenhum dos mercados em causa à concorrência. A Comissão alega, nomeadamente, que a abertura do mercado do fornecimento de gás aos produtores de electricidade estava prevista para 2004 e foi adiada para 2005 (considerando 211 da decisão recorrida). Todavia, não foi apresentada qualquer prova documental da abertura efectiva desse mercado. Acresce que, como a própria Comissão afirma, esse mercado não estava aberto à concorrência na data da adopção da decisão recorrida. Por outro lado, a Comissão apoia‑se no facto de a República Portuguesa estar a considerar muito seriamente antecipar a liberalização de todos os mercados do gás. No entanto, mesmo supondo que a liberalização em Portugal é acelerada, antes de toda e qualquer liberalização efectiva, todos os mercados do gás em questão permanecem cobertos pela derrogação. Além disso, nada indica que a República Portuguesa aceitaria antecipar o calendário de liberalização sem a realização da concentração.

116    Daí resulta que os mercados do gás em Portugal não estavam abertos à concorrência na data da adopção da decisão recorrida. Ora, esta circunstância afecta directa e inevitavelmente a aplicação do artigo 2.°, n.° 3, do Regulamento n.° 4064/89 a esses mercados.

117    Por um lado, no que se refere ao primeiro critério do artigo 2.°, n.° 3, do Regulamento n.° 4064/89, isto é, a criação ou o reforço de uma posição dominante, o mesmo não pode ser aplicado, uma vez que a GDP detém actualmente uma situação de monopólio nos mercados do fornecimento de gás aos produtores de electricidade, às LDC e a grandes clientes (considerando 475 da decisão recorrida). Com efeito, num determinado mercado, um monopólio representa a posição dominante absoluta, que por este motivo não pode ser reforçada nesse mercado. O único mercado no qual a posição dominante da GDP poderia ser reforçada é o do fornecimento de gás pelas LDC a pequenos clientes, na medida em que a GDP só possui cinco das seis LDC existentes. Todavia, deve observar‑se que cada uma das LDC possui um monopólio geográfico que impede qualquer concorrência actual entre as mesmas.

118    Por outro lado, no que diz respeito ao segundo critério do artigo 2.°, n.° 3, do Regulamento n.° 4064/89, isto é, o entrave significativo à concorrência efectiva, o qual, como já vimos supra, constituía um critério autónomo, o mesmo também não pode estar preenchido no quadro de um mercado não aberto à concorrência. Com efeito, não existindo qualquer concorrência, a concentração não poderia entravar de modo significativo qualquer concorrência efectiva na data da adopção da decisão recorrida.

119    Esta análise é plenamente corroborada pela jurisprudência geral em matéria de concorrência. Assim, em matéria de acordos, decisões e práticas concertadas e de abuso de posição dominante, já foi decidido que, se uma legislação nacional cria um quadro jurídico que elimina qualquer possibilidade de comportamento concorrencial por parte das empresas, os artigos 81.° CE e 82.° CE não são aplicáveis (acórdãos do Tribunal de Justiça de 16 de Dezembro de 1975, Suiker Unie e o./Comissão, 40/73 a 48/73, 50/73, 54/73 a 56/73, 111/73, 113/73 e 114/73, Colect., p. 563, n.os 71 e 72, e de 11 de Novembro de 1997, Comissão e França/Ladbroke Racing, C‑359/95 P e C‑379/95 P, Colect., p. I‑6265, n.° 33; acórdão do Tribunal de 30 de Setembro de 2003, Atlantic Container Line e o./Comissão, T‑191/98, T‑212/98 a T‑214/98, Colect., p. II‑3275, n.° 1130). Do mesmo modo, o Tribunal de Justiça decidiu, em matéria de auxílios de Estado, que «um regime de auxílios instituído num mercado inicialmente fechado à concorrência deve ser considerado, a partir do momento da liberalização deste mercado, um regime de auxílios existente, na medida em que não se encontra abrangido, no momento da sua instituição, pelo âmbito de aplicação do artigo 92.°, n.° 1, do Tratado, o qual é apenas aplicável aos sectores abertos à concorrência, tendo em conta as condições referidas neste texto, relativas à afectação das trocas comerciais entre os Estados‑Membros e às repercussões na concorrência» (acórdão do Tribunal de 15 de Junho de 2000, Alzetta e o./Comissão, T‑298/97, T‑312/97, T‑313/97, T‑315/97, T‑600/97 a T‑607/97, T‑1/98, T‑3/98 a T‑6/98 e T‑23/98, Colect., p. II‑2319, n.° 143, confirmado indirectamente em sede de recurso pelo acórdão do Tribunal de Justiça de 29 de Abril de 2004, Itália/Comissão, C‑298/00 P, Colect., p. I‑4087, n.os 66 a 68).

120    Deve observar‑se que esta situação afecta apenas o preenchimento das condições estabelecidas pelo artigo 2.°, n.° 3, do Regulamento n.° 4064/89 e não a sua aplicação ou a aplicabilidade de todo o referido regulamento à concentração. Com efeito, quando uma operação de concentração é abrangida pelo âmbito de aplicação deste regulamento, em conformidade com o seu artigo 1.°, essa operação está sujeita ao referido regulamento, mas não pode ser proibida com fundamento nos seus efeitos nos mercados não abertos à concorrência.

121    A este respeito, há que referir que a Comissão alega ter respeitado a derrogação ao prospectivar a sua análise em matéria de concorrência, na decisão recorrida, para um período em que os mercados do gás deveriam estar abertos à concorrência, quer em função do calendário previsto pelas autoridades portuguesas quer em função do calendário, mais tardio mas vinculativo, da derrogação. Desta forma, a Comissão confirma, em parte, a análise acima realizada sobre a impossibilidade de preencher os critérios do artigo 2.°, n.° 3, do Regulamento n.° 4064/89 no caso de mercados não abertos à concorrência.

122    O argumento da Comissão deve ser rejeitado. Com efeito, o facto de prospectivar a análise em matéria de concorrência para um período posterior à data do termo da derrogação não significa que esta derrogação tenha sido tida em conta. Ao proibir o operador monopolista no mercado do gás de realizar imediatamente operações económicas que conduzissem à alteração da sua posição concorrencial, apesar de a derrogação reconhecida à República Portuguesa a exonerar das regras comuns de concorrência, a Comissão não teve em conta a possibilidade de este Estado estruturar livremente o seu mercado do gás durante a existência da derrogação. Por outras palavras, a Comissão proibiu as partes de beneficiarem dos efeitos da concentração nos mercados do gás durante o período em que a concentração não podia ser proibida com base no Regulamento n.° 4064/89 e na segunda cirectiva gás.

123    Acresce que, ao apreciar unicamente os efeitos futuros da concentração nos mercados do gás, na data em que serão susceptíveis de preencher as condições do artigo 2.°, n.° 3, do Regulamento n.° 4064/89, isto é, quando esses mercados estiverem abertos à concorrência, a Comissão absteve‑se deliberadamente de ter em conta os efeitos imediatos da concentração nesses mercados.

124    Ora, quando, no âmbito da aplicação do artigo 2.°, n.° 3, do Regulamento n.° 4064/89, a Comissão examina uma operação de concentração, deve determinar se a criação ou o reforço de uma posição dominante, susceptível de entravar significativamente e de forma duradoura a concorrência efectiva existente no ou nos mercados em causa, é a consequência directa e imediata da concentração. Não havendo uma modificação dessa natureza da concorrência existente, a operação deveria a priori ser autorizada (acórdão do Tribunal de 6 de Junho de 2002, Airtours/Comissão, T‑342/99, Colect., p. II‑2585, n.° 58, e a jurisprudência aí citada). É verdade que a Comissão pode, sendo esse o caso, ter em conta os efeitos de uma operação de concentração num futuro próximo (acórdão do Tribunal de 25 de Outubro de 2002, Tetra Laval/Comissão, T‑5/02, Colect., p. II‑4381, n.° 153), ou basear a sua proibição de uma operação de concentração nesses efeitos futuros. Todavia, isto não a autoriza a abster‑se de analisar os efeitos imediatos de uma operação deste tipo se os mesmos existirem e de os tomar em consideração na sua apreciação global desta operação.

125    No presente caso, a Comissão não examinou o período compreendido entre a data da concentração e a data da abertura dos mercados do gás à concorrência, ou seja, um período que se estende, consoante os mercados, de três a seis ou oito anos após a concentração. Ora, a concentração, tal como alterada pelos compromissos, produziria efeitos significativos imediatos nos mercados do gás, que consistiriam principalmente numa antecipação da abertura desses mercados de cerca de dois a três anos em relação ao calendário previsto pela derrogação. Com efeito, embora a abertura legal desses mercados à concorrência devesse ser realizada pelo Governo português em conformidade com as garantias que tinha dado neste sentido, numerosos compromissos garantiam a própria efectividade dessa mesma abertura, em particular no que diz respeito ao acesso de terceiros às capacidades de gás. Esta abstenção da Comissão está longe de ser neutra do ponto de vista da concorrência, na medida em que a passagem antecipada de uma situação de monopólio para uma situação na qual a existência de concorrentes se torna possível, nomeadamente através do acesso não discriminatório ou menos discriminatório de terceiros aos recursos de gás e da possibilidade de esses terceiros intervirem em mercados anteriormente fechados, não pode ser completamente ignorada.

126    A este respeito, há que rejeitar o argumento da Comissão segundo o qual as empresas em causa apenas estariam sujeitas ao Regulamento n.° 4064/89 e não poderiam beneficiar da derrogação concedida ao Estado‑Membro em questão pela segunda directiva gás. É certo que este regulamento e esta directiva têm bases jurídicas diferentes e destinatários diferentes. Há igualmente que admitir que a concentração resulta de decisões de empresas, embora decorra dos autos que o Estado português é parte interessada nesta concentração, na medida em que a previu visivelmente, se é que não a organizou (v. supra, n.° 11). Todavia, contrariamente à premissa da Comissão, o Regulamento n.° 4064/89 e a segunda directiva gás não podem ser analisados separadamente. Como foi acima recordado, a inexistência de concorrência nos mercados do gás, por força da derrogação concedida pela segunda directiva gás, impede a aplicação do artigo 2.°, n.° 3, do Regulamento n.° 4064/89. Com efeito, as empresas não podem ser acusadas de restringirem de forma significativa a concorrência efectiva quando essa concorrência não existe devido às legislações nacional e comunitária.

127    É certo que, como a Comissão salienta na decisão recorrida (considerandos 210 a 214), se não puder apreciar os efeitos concorrenciais futuros da concentração nos mercados actualmente ainda não abertos à concorrência, isso impede‑a totalmente de apreciar os efeitos da concentração nos mercados do gás. Em particular, apesar de os mercados em causa deverem ser abertos à concorrência segundo um calendário estrito e vinculativo em conformidade com a segunda directiva gás, a Comissão não pode apreciar se a concentração impede a introdução de uma concorrência efectiva no âmbito deste calendário.

128    Se a consequência desta análise, como sublinha a Comissão, é que as empresas não estão plenamente sujeitas às regra habituais de concorrência, incluídas as promovidas pela segunda directiva gás, até ao momento em que estas lhes sejam aplicáveis, esse resultado é, no presente caso, fruto da vontade do legislador, tal como formalizada na derrogação introduzida pelo artigo 28.°, n.° 2, desta directiva.

129    Além disso, a Comissão não se pode prevalecer do facto de as partes terem notificado a concentração para concluir que reconheceram assim a aplicabilidade do Regulamento n.° 4064/89. Por um lado, não é a aplicabilidade do regulamento no seu todo, mas a aplicação da sua principal disposição de proibição a uma parte da concentração que está aqui causa. Por outro, essa notificação continuava a ser obrigatória por força do artigo 1.° deste regulamento. Acrescente‑se que a aplicabilidade do Regulamento n.° 4064/89 não pode depender da vontade das partes numa operação de concentração.

130    Por conseguinte, há que concluir que, ao basear a proibição da concentração no reforço de posições dominantes que teriam como consequência um entrave significativo à concorrência nos mercados do gás não abertos à concorrência por força da derrogação concedida pelo artigo 28.°, n.° 2, da segunda directiva gás, a Comissão não teve em conta os efeitos e, portanto, o alcance desta derrogação.

131    No entanto, é de referir que o erro cometido pela Comissão reside unicamente no facto de ter considerado preenchidas as condições de aplicação do artigo 2.°, n.° 3, do Regulamento n.° 4064/89 no que diz respeito a mercados não abertos à concorrência. Pelo contrário, as suas apreciações sobre a concorrência baseadas no Regulamento n.° 4064/89 e relativas à situação dos mercados do gás antes da concentração, as relativas à situação dos mercados do gás na data previsível de abertura destes mercados e as relativas à situação dos mercados da electricidade antes e após a concentração não estão afectadas por esse erro. Com efeito, a situação da concorrência existente na data da adopção da decisão recorrida ou na data da abertura à concorrência dos mercados em causa constitui um dado objectivo que não é afectado pela não aplicação de um critério jurídico.

132    Importa igualmente notar que a impossibilidade de preencher as condições estabelecidas no artigo 2.°, n.° 3, do Regulamento n.° 4064/89 se limita ao único sector no qual a concorrência não existe e que este artigo continua a ser plenamente aplicável aos outros sectores eventualmente afectados pela operação notificada. A este respeito, deve recordar‑se que o Regulamento n.° 4064/89 se dirige à análise de uma ou várias posições dominantes no ou nos mercados afectados por uma operação de concentração. É inteiramente possível, até frequente, que uma operação de concentração apenas produza efeitos anticoncorrenciais significativos num ou em alguns dos mercados relevantes, sem provocar esses efeitos nos outros mercados. Nesta hipótese, a operação deve, no entanto, ser proibida, em conformidade com o artigo 2.°, n.° 3, do Regulamento n.° 4064/89. Por conseguinte, a aplicação do artigo 2.°, n.° 3, do Regulamento n.° 4064/89 aos mercados da electricidade não é afectada pelo erro cometido a respeito dos mercados do gás.

133    À luz das afirmações precedentes, há que decidir que a decisão recorrida enferma de um erro de direito pelo facto de concluir que existiria um reforço das posições dominantes preexistentes da GDP nos mercados do fornecimento de gás aos produtores de electricidade, a grandes clientes e a pequenos clientes, o que teria como consequência entravar de forma significativa a concorrência efectiva.

C –  Quanto à segunda parte do primeiro fundamento, relativa a uma incidência excessiva da análise sobre o futuro

134    A recorrente considera que a Comissão violou o artigo 2.°, n.° 3, do Regulamento n.° 4064/89 ao prospectivar a sua análise acerca da concorrência nos mercados do gás para um período de mais de cinco anos após a concentração.

135    Há que recordar antes de mais que já se concluiu que a decisão recorrida continha um erro de direito relativo à aplicação do artigo 2.°, n.° 3, do Regulamento n.° 4064/89 aos mercados do gás. Por esta razão, deixou de ser necessário apreciar a presente parte do fundamento em apreço no que diz respeito ao reforço das posições dominantes da GDP nestes mercados.

136    No entanto, na sua análise dos mercados da electricidade, a Comissão baseou‑se na sua análise sobre a concorrência nos mercados do gás, sem que este procedimento esteja afectado pelo erro de direito acima verificado. Interrogada sobre a questão de saber quais eram as interacções entre os mercados do gás e da electricidade que tinham sido expostas na decisão recorrida, a recorrente referiu vários considerandos que são todos relativos ao fornecimento de gás às CCGT, quer directamente (considerandos 336, 340, 365 e 506) quer indirectamente no quadro dos efeitos não horizontais da concentração, a saber, a possibilidade de a entidade resultante da concentração utilizar a sua nova posição de força em relação ao gás para lesar produtores de electricidade concorrentes (considerandos 367 a 429).

137    Por conseguinte, não é necessário examinar a presente parte do primeiro fundamento no que se refere às apreciações da Comissão sobre a concorrência em mercados que não o do fornecimento de gás às CCGT, a saber, os mercados do fornecimento de gás às LDC, a grandes clientes e a pequenos clientes.

138    No que se refere ao mercado do fornecimento de gás às CCGT, a sua abertura à concorrência devia ter lugar em 2004, segundo as Resoluções n.° 63/2003 e n.° 68/2003 do Conselho de Ministros português, mas esta abertura foi alegadamente adiada para 2005 (considerandos 203 e 505). Esta última data não foi contestada pela recorrente. Seja como for, devido à dimensão e à natureza deste mercado, que representa actualmente quase metade do consumo total em Portugal e que possui uma finalidade industrial, este seria um dos primeiros mercados sujeitos à obrigação de abertura à concorrência em 2007 ao abrigo da derrogação, ou seja, o mais tardar, três anos após a concentração.

139    Ora, a recorrente apenas critica a Comissão pelo facto de ter excedido o período máximo de exame habitual, que é de três a cinco anos após a concentração.

140    Por consequência, também deixou de ser necessário apreciar a presente parte do primeiro fundamento no que diz respeito ao mercado do fornecimento de gás às CCGT.

141    Face ao exposto, não é necessário apreciar a presente parte do primeiro fundamento.

IV –  Quanto ao quarto fundamento, relativo à existência de erros de apreciação no que diz respeito aos compromissos

A –  Observações preliminares

142    Há que recordar previamente que as condições estabelecidas no artigo 2.°, n.° 3, do Regulamento n.° 4064/89 não podiam ser satisfeitas no caso dos mercados do gás. Assim, já não é necessário apreciar a segunda parte do quarto fundamento, relativa a eventuais erros de apreciação no que diz respeito à insuficiência dos compromissos à luz dos problemas de concorrência identificados no sector do gás.

143    A Comissão alega que é suficiente que um dos problemas de concorrência identificados na decisão recorrida permaneça por resolver por um dos compromissos de 26 de Novembro de 2004 para que a decisão recorrida seja confirmada.

144    Segundo jurisprudência várias vezes reiterada, na medida em que certos fundamentos de uma decisão sejam, por si sós, susceptíveis de a justificar juridicamente, os vícios de que pudessem estar feridos outros fundamentos desse acto não têm, de qualquer forma, influência na sua parte dispositiva (v., por analogia, acórdão do Tribunal de Justiça de 12 de Julho de 2001, Comissão e França/TF1, C‑302/99 P e C‑308/99 P, Colect., p. I‑5603, n.os 26 a 29; acórdão do Tribunal de 8 de Julho 2004, Dalmine/Commission, T‑50/00, Colect., p. II‑0000, n.os 134 e 146, objecto de recurso).

145    Em matéria de concentração de empresas, a Comissão deve proibir uma operação de concentração quando os critérios do artigo 2.°, n.° 3, do Regulamento n.° 4064/89 estão preenchidos, mesmo que apenas relativamente a um dos mercados relevantes.

146    Por conseguinte, segundo jurisprudência actualmente assente, há que considerar que uma decisão em matéria de concentração de empresas que declare a incompatibilidade de uma operação de concentração com o mercado comum apenas pode ser anulada caso se deva concluir que os eventuais fundamentos que não estão feridos de ilegalidade, em particular os relativos a um dos mercados em causa, não são suficientes para justificar a sua parte dispositiva (acórdão do Tribunal de 22 de Outubro de 2002, Schneider Electric/Comissão, T‑310/01, Colect., p. II‑4071, n.° 412).

147    Todavia, esta conclusão não exclui a necessidade de, durante o exame de um mercado particular, examinar igualmente a situação da concorrência nos outros mercados se a decisão em causa se basear quer de forma global nos efeitos da operação de concentração nos diferentes mercados relevantes quer no reforço mútuo de certos efeitos concorrenciais da operação nos diferentes mercados.

148    No presente caso, na decisão recorrida, a Comissão concluiu a sua análise de cada um dos mercados relevantes com a consideração de que a concentração conduziria ao reforço da posição dominante em causa nesse mercado, sem fazer referência aos outros mercados. No entanto, uma vez que a Comissão se baseou na situação da concorrência em diferentes mercados da electricidade e na situação da concorrência em diferentes mercados do gás para verificar a existência de problemas de concorrência num ou noutro dos mercados de electricidade, há que examinar, na medida do necessário, a justeza de todas essas apreciações sobre a concorrência nos mercados relevantes. Deve ser recordado a este respeito que, em conformidade com o n.° 131 deste acórdão, a apreciação da situação da concorrência nos mercados do gás não é afectada, em si mesma, pelo facto de os critérios do artigo 2.°, n.° 3, do Regulamento n.° 4064/89 não poderem ser preenchidos nestes mercados.

149    Em particular, o pedido da Comissão de que o presente fundamento seja julgado improcedente pelo único motivo de que a recorrente não contestou seriamente o reforço das posições dominantes da EDP nos mercados da electricidade relativos ao ajustamento ou aos serviços auxiliares e aos mercados retalhistas deve ser julgado improcedente, dado que a fundamentação da decisão recorrida a respeito destes mercados se baseia efectivamente, como a recorrente alega, pelo menos em parte, em apreciações sobre a concorrência no mercado grossista da electricidade e a anulação da apreciação relativa a este último mercado pode ter como consequência a anulação da apreciação relativa aos mercados em questão.

150    Há ainda que rejeitar a tese da Comissão segundo a qual a recorrente reconheceu que os compromissos de 28 de Outubro e de 17 de Novembro de 2004 não eram suficientes para solucionar os problemas de concorrência identificados pela Comissão. Embora a recorrente tenha admitido na sua petição, para efeitos do presente fundamento, que a concentração, tal como notificada, reforçaria as posições dominantes da GDP e, na sua resposta para a audiência, que a concentração, tal como notificada, reforçaria as posições dominantes da EDP, não admitiu, no entanto, que os compromissos propostos quer em 28 de Outubro, quer em 17 de Novembro, quer em 26 de Novembro de 2004 eram insuficientes para solucionar os problemas de concorrência identificados.

151    Segundo jurisprudência assente, a fiscalização exercida pelo juiz comunitário sobre as apreciações económicas complexas efectuadas pela Comissão no exercício do poder de apreciação que lhe é conferido pelo Regulamento n.° 4064/89 deve limitar‑se à verificação do respeito das regras processuais e da fundamentação, bem como da exactidão da matéria de facto, da inexistência de erro manifesto de apreciação e de desvio de poder (v. acórdão Petrolessence e SG2R/Comissão, n.° 63 supra, n.° 101, bem como a jurisprudência aí citada e, neste sentido, acórdão Comissão/Tetra Laval, n.° 63 supra, n.° 38).

152    A este respeito, sublinhando o facto de a recorrente nunca ter expressamente invocado qualquer erro manifesto de apreciação, a Comissão alega implicitamente que esta omissão torna o presente fundamento inoperante. Esta tese deve ser rejeitada. Dado que a recorrente invoca um erro de análise e que a jurisprudência exige o carácter manifesto desse erro, seria irrazoável extrair dessa imprecisão formal um motivo para julgar improcedente um fundamento essencial do presente recurso e há, portanto, que considerar que a recorrente pretendeu invocar a existência de erros manifestos de apreciação. Isto não obsta a que os erros invocados pela recorrente tenham carácter manifesto para poderem conduzir à anulação da decisão recorrida.

153    Finalmente, na sua petição, a recorrente faz várias referências a um relatório económico elaborado a seu pedido pela Lexecon (a seguir «relatório Lexecon»), intitulado «EDP‑Eni/GDP: uma apreciação económica da tese a favor da proibição da concentração tal como alterada», de Fevereiro de 2005.

154    A este respeito, há que acolher a crítica da Comissão de que certas remissões gerais para o relatório Lexecon devem ser declaradas inadmissíveis.

155    Com efeito, segundo jurisprudência assente, a fim de garantir a segurança jurídica e uma boa administração da justiça, é necessário, para que um recurso seja admissível, que os elementos essenciais de facto e de direito em que este se baseia resultem, pelo menos sumariamente, mas de forma coerente e compreensível, do texto da própria petição (v., neste sentido, acórdão do Tribunal de Justiça de 15 de Dezembro de 1961, Société Fives Lille Cail e o./Alta Autoridade, 19/60, 21/60, 2/61 e 3/61, Recueil, pp. 561, 588, Colect. 1954‑1961, p. 637, e acórdão do Tribunal de 16 de Março de 2004, Danske Busvognmænd/Comissão, T‑157/01, Colect., p. II‑0000, n.° 45). A este respeito, se o corpo da petição pode ser apoiado e completado, em aspectos específicos, por remissões para extractos de documentos que a ela são anexados, uma remissão global para outros escritos, mesmo anexados à petição, não poderá atenuar a ausência dos elementos essenciais da argumentação de direito, que, por força das disposições pertinentes, devem figurar na petição (despacho do Tribunal de 21 de Maio de 1999, Asia Motor France e o./Comissão, T‑154/98, Colect., p. II‑1703, n.° 49, e, neste sentido, acórdão do Tribunal de Justiça de 28 de Junho de 2005, Dansk Rørindustri e o./Comissão, C‑189/02 P, C‑202/02 P, C‑205/02 P a C‑208/02 P e C‑213/02 P, Colect., p. I‑0000, n.os 94 a 101).

156    Assim, na medida em que a recorrente não faz especificamente referência a um ponto preciso do relatório Lexecon, em particular no momento em que é feita referência à conclusão geral deste relatório ou em que faz referência a uma passagem cujo teor não foi vertido na petição, as referências a esse relatório devem ser declaradas inadmissíveis.

157    Devido à sua concisão e às dificuldades criadas pela remissão para o relatório Lexecon, os argumentos da recorrente expostos no âmbito do quarto fundamento e relativos aos erros de apreciação económica da Comissão serão reproduzidos quase integralmente.

158    Em último lugar, a Comissão não pode invocar, de forma geral, a jurisprudência segundo a qual a legalidade do acto impugnado deve ser apreciada em função dos elementos de direito e de facto existentes na data em que o acto foi adoptado (acórdão Kaysersberg/Comissão, n.° 45 supra, n.° 140) a respeito do relatório Lexecon. Com efeito, a elaboração de uma lista de argumentos, posteriormente à data da adopção da decisão recorrida, para que o Tribunal declare a existência de erros de apreciação económica na referida decisão, constitui um simples exercício do direito de defesa e não uma tentativa de alterar o quadro jurídico e factual anteriormente submetido à Comissão para efeitos da adopção da referida decisão. Contudo, a Comissão pode alegar em sua defesa, quanto a pontos precisos, o facto de este relatório não ter em conta as declarações expressas ou as omissões das partes durante o processo administrativo.

B –  Quanto à primeira parte do quarto fundamento, relativa à tomada em consideração dos compromissos de 26 de Novembro de 2004

159    Para pedir que o Tribunal examine a legalidade da apreciação pela Comissão da concentração tal como alterada, a recorrente descreve a concentração, conforme alterada pelos compromissos de 26 de Novembro de 2004, e alega que estes foram apresentados a tempo de serem tidos em conta na decisão final. A Comissão contesta que estes compromissos tenham sido apresentados em tempo útil e considera que os mesmos não resolviam claramente, sem necessidade de um inquérito suplementar, todos os problemas de concorrência identificados. Por estas razões, o presente fundamento deve, em seu entender, ser julgado improcedente.

160    A título liminar, há que observar que os compromissos apresentados, em parte, em 26 de Novembro de 2004, o foram após a data‑limite de 17 de Novembro de 2004.

161    Resulta da leitura conjugada do artigo 8.° Regulamento n.° 4064/89 e do artigo 18.° do Regulamento n.° 447/98 que os regulamentos em matéria de concentrações não obrigam a Comissão a aceitar os compromissos apresentados após a data‑limite. Esta data‑limite explica‑se principalmente pelo imperativo de celeridade que caracteriza a economia geral do Regulamento n.° 4064/89 (acórdão Endemol/Comissão, n.° 80 supra, n.° 68).

162    Todavia, através da comunicação sobre as soluções, à qual se vinculou voluntariamente, a Comissão aceitou examinar compromissos alterados, nomeadamente quando lhe sejam submetidos após a data‑limite prevista no Regulamento n.° 447/98, «se puder verificar inequivocamente a partir da apreciação de informações já recebidas durante a investigação, incluindo os resultados do inquérito de mercado anterior e sem necessidade de proceder a outro inquérito deste tipo que tais compromissos, uma vez executados, resolverão os problemas de concorrência identificados e proporcionam tempo suficiente para uma consulta adequada dos Estados‑Membros» (ponto 43).

163    Resulta daqui que os compromissos que não são tempestivamente apresentados pelas partes numa operação de concentração notificada podem ser tidos em conta se estiverem preenchidas duas condições cumulativas, que são: por um lado, que esses compromissos resolvam claramente e sem necessidade de proceder a um inquérito suplementar os problemas de concorrência previamente identificados e, por outro, que exista tempo suficiente para consultar os Estados‑Membros sobre esses compromissos.

164    No presente caso, as partes apresentaram os compromissos em causa na manhã do próprio dia da reunião do comité consultivo, prevista para a tarde do dia 26 de Novembro de 2004. Além disso, no que se refere aos compromissos relativos ao sector do gás, os compromissos de 26 de Novembro de 2004 constituíam uma simples manifestação da intenção das partes de procederem a alterações dos seus anteriores compromissos (considerando 859 da decisão recorrida). O texto definitivo dos compromissos anunciados relativamente ao sector do gás foi apresentado na tarde do dia 3 de Dezembro de 2004.

165    No que diz respeito aos compromissos de 26 de Novembro de 2004 relativos ao sector da electricidade, a Comissão não alegou, na decisão recorrida, que deviam ser rejeitados pelo facto de não dispor de tempo suficiente para consultar os Estados‑Membros. Pelo contrário, aceitou examinar esses compromissos à luz da primeira condição do ponto 43 da comunicação sobre as soluções (considerandos 855 a 881). No caso em apreço, tendo a Comissão, na decisão recorrida, aceite livremente tomar em consideração esses compromissos, há que aceitar examinar a concentração tal como alterada por esses compromissos, embora sem prejuízo da qualidade particular que os mesmos devem ter à luz do referido ponto 43.

166    No caso dos compromissos de 26 de Novembro de 2004 relativos ao sector do gás, destinados a solucionar tanto certos problemas de concorrência nos mercados do gás como certos problemas nos mercados de electricidade, os mesmos só se tornaram completos e incondicionais em 3 de Dezembro de 2004. Por conseguinte, há que considerar que a data efectiva da sua apresentação é a de 3 de Dezembro de 2004. Na decisão recorrida, a Comissão analisou sumariamente o projecto de 26 de Novembro de 2004 relativo a esses compromissos, tendo sublinhado que o seu carácter provisório era suficiente para os rejeitar (considerando 882). Além disso, a Comissão invocou expressamente o facto de a versão definitiva desses compromissos ter sido submetida demasiado tardiamente para ser tida em conta com vista à adopção da decisão final (considerando 913). Há que admitir que a Comissão tinha o direito de recusar os compromissos de 3 de Dezembro de 2004 apenas com fundamento no seu carácter extremamente tardio. Com efeito, por um lado, estes compromissos foram submetidos sete dias após a consulta do comité consultivo e apenas três dias úteis antes da adopção da decisão final. Por outro lado, a comunicação sobre as soluções não garante que os compromissos apresentados após a data da consulta do comité consultivo possam ser tidos em conta. A este respeito, deve recordar‑se que a Comissão tem a obrigação, salvo se se verificarem circunstâncias excepcionais que não foram alegadas no presente caso, de fixar a data da reunião do comité consultivo catorze dias antes da sua realização (artigo 19.°, n.° 5, do Regulamento n.° 4064/89). Em consequência, uma vez que este comité aceitou que a Comissão não lhe submetesse esses compromissos se os considerasse insuficientes, a Comissão não tinha qualquer obrigação e, tendo em conta as considerações que precedem, não tinha efectivamente tempo para reunir de novo este comité.

167    A circunstância alegada pela recorrente de que os últimos compromissos apenas constituíam uma alteração dos compromissos anteriores e eram o resultado de discussões intensas com a Comissão não é susceptível de alterar esta conclusão. Com efeito, mesmo supondo que os compromissos de 3 de Dezembro de 2004 apenas continham alterações menores em relação aos compromissos anteriores, os mesmos não foram, todavia, apresentados a tempo de serem submetidos ao comité consultivo.

168    Por conseguinte, só os compromissos de 26 de Novembro de 2004 relativos ao sector da electricidade devem ser tidos em conta no âmbito do presente processo.

169    No que diz respeito ao exame destes últimos compromissos à luz da primeira das condições previstas no ponto 43 da comunicação sobre as soluções, a recorrente salienta a distorção existente entre esta e a sua tradução na decisão recorrida, segundo a qual os compromissos tardiamente apresentados devem «responder inteiramente e sem ambiguidade, isto é, de forma directa, aos problemas de concorrência identificados durante a investigação» (considerando 859 da decisão recorrida). Todavia, a recorrente limita‑se a verificar esta diferença, sem dela extrair consequências, e a alegar que os compromissos de 26 de Novembro de 2004 eliminavam plenamente os problemas de concorrência previamente identificados. Não é, portanto, necessário examinar se esta alteração terminológica tem consequências reais no caso em apreço.

170    Por outro lado, nesta fase da apreciação, há que rejeitar o argumento da Comissão de que, uma vez que os compromissos lhe foram submetidos intempestivamente e não resolviam inequivocamente os problemas de concorrência previamente identificados, o quarto fundamento da recorrente deve ser considerado improcedente apenas por esta razão. Com efeito, a segunda premissa da Comissão, segundo a qual os últimos compromissos são insuficientes, apenas pode ser apreciada no âmbito da última parte do quarto fundamento.

C –  Quanto à terceira parte do quarto fundamento, relativa à existência de erros de apreciação da concentração, tal como alterada, no que diz respeito ao sector da electricidade

171    Na decisão recorrida, a Comissão verificou que a EDP detém posições dominantes fortes ou muito fortes nos quatro mercados problemáticos do fornecimento da electricidade por grosso, do ajustamento e dos serviços auxiliares, do fornecimento da electricidade a retalho a grandes clientes e do fornecimento da electricidade a retalho a pequenos clientes.

172    Em primeiro lugar, segundo a decisão recorrida, a EDP detém uma posição dominante no mercado grossista da electricidade devido às suas posições do lado da oferta [com 70% da capacidade total de produção, sendo o resto detido pela Turbogás (8,6%), na qual a EDP possui uma participação minoritária de 20%, pela Tejo Energia (5,1%), na qual a EDP possui uma participação minoritária de 10%, e por outros produtores não significativos que operam ao abrigo do regime especial estabelecido, nomeadamente, para as energias renováveis; considerandos 283 a 289] e do lado da procura (90% a 100% do consumo total nacional; considerandos 299 a 301 e 433 a 443), devido ao sistema «CMEC», que tem por objectivo compensar o desaparecimento dos acordos de compra garantida celebrados ao abrigo do sistema não liberalizado (considerandos 294 a 298), devido ao número e à diversidade dos seus meios de produção de electricidade (considerandos 292 e 293), devido às suas futuras capacidades de produção [três unidades CCGT (TER); considerandos 302 a 304], devido ao facto de a construção de novas CCGT independentes previstas para 2007 ser duvidosa e apenas ter lugar, em qualquer hipótese, três anos após a concentração (considerandos 305 a 331) e, por último, devido à insuficiência das interligações entre as redes espanhola e portuguesa para garantir importações suficientes de electricidade (considerandos 332 a 334). Em segundo lugar, a EDP detém uma posição dominante no ou nos mercados emergentes do ajustamento e dos serviços auxiliares, que apenas podem ser abastecidos por um produtor de electricidade em Portugal. A EDP é a única que pode assegurar esses serviços (considerandos 430 a 432). Em terceiro lugar, a EDP detém posições dominantes no mercado retalhista dos grandes clientes, que foi aberto à concorrência em 2003, com uma quota de mercado de 90% a 100%, e no mercado retalhista dos pequenos clientes. Estas posições dominantes resultam igualmente do facto de a EDP apenas ter dois concorrentes menores que suportam os riscos que afectam a satisfação das suas necessidades através de importações de Espanha, pelo facto de que continuará a ser o fornecedor habitual no sistema público regulado, pelo facto de 70% a 80% dos clientes que passam do sistema público para o sistema livre permanecerem na EDP, pelo facto de deter a concessão da rede eléctrica secundária (baixa tensão) e pelo facto de, enquanto anterior monopolista, deter todas as informações relativas ao perfil de consumo da clientela (considerandos 433 a 443).

173    Na decisão recorrida, a Comissão considerou que a concentração reforçaria as posições dominantes da EDP, o que teria como consequência entravar de forma significativa a concorrência efectiva, devido, por um lado, de um efeito horizontal nos quatro mercados da electricidade, que consistiria no desaparecimento da GDP como o mais provável potencial concorrente importante (considerandos 335 a 364; v., em particular, considerando 363; considerandos 431 e 450 a 473), e, por outro, de efeitos não horizontais no mercado grossista da electricidade, que consistiriam no acesso a informações confidenciais dos seus concorrentes, no acesso privilegiado e preferencial aos recursos de gás disponíveis em Portugal bem como na possibilidade e na intenção de aumentar os custos de produção dos seus concorrentes (considerandos 365 a 428).

174    A título prévio, há que observar que a recorrente não pôs em causa a definição dos mercados da electricidade (v. supra, n.° 24). Na sua resposta escrita para a audiência, admite igualmente a existência dos problemas de concorrência identificados nesses mercados, apesar de negar a sua intensidade.

175    A recorrente faz duas alegações destinadas a pôr em causa a persistência tanto do efeito horizontal como dos efeitos não horizontais nos mercados da electricidade à luz dos compromissos. Por outro lado, afirma de forma transversal no âmbito destas duas alegações que a concentração, tal como alterada, terá um impacto positivo sobre os mercados da electricidade portugueses. A este respeito, centra‑se, de forma quase exclusiva, no exame do mercado grossista da electricidade.

176    Em primeiro lugar, há que examinar esses argumentos à luz do efeito horizontal da concentração nos mercados da electricidade.

177    Segundo a decisão recorrida, o único efeito horizontal da concentração em todos os mercados da electricidade consiste no desaparecimento da GDP como o mais provável potencial concorrente importante da EDP. No que se refere, em primeiro lugar, ao mercado grossista da electricidade, a Comissão expôs vários factores gerais que demonstram que é economicamente racional e interessante para um fornecedor de gás entrar no mercado grossista da electricidade (considerandos 335 a 344). Este incentivo geral é confirmado pelo inquérito de mercado e pelo exemplo de outros Estados‑Membros em que a liberalização destes mercados conduziu a um resultado deste tipo, em particular em Espanha e no Reino Unido. Além disso, a Comissão apresentou no decurso do processo no Tribunal os fundamentos ocultados na decisão recorrida, por razões de confidencialidade, que demonstravam o interesse individual da GDP em entrar no mercado da produção de electricidade (considerandos 345 a 361). No que diz respeito, em segundo lugar, ao ou aos mercados emergentes do ajustamento e dos serviços auxiliares, a Comissão considera que o desaparecimento da GDP como potencial novo operador no mercado grossista faria igualmente desaparecer um potencial novo operador significativo nos mercados em causa, ao passo que a entrada da GDP no mercado grossista enfraqueceria a posição da EDP nesses mercados (considerandos 430 a 432). No que se refere, em terceiro lugar, aos mercados retalhistas da electricidade, a Comissão considera que a GDP era o potencial concorrente significativo devido à sua presença comercial já existente, ao prestígio da sua marca nacional e à sua capacidade de apresentar ofertas combinadas (electricidade + gás). A este respeito, a Comissão baseou‑se, em larga medida, no inquérito de mercado e em exemplos retirados da situação de outros Estados‑Membros (considerandos 449 a 473).

178    A recorrente admite que a concentração, tal como notificada, reforçaria as posições dominantes da EDP nos mercados em causa, o que teria como consequência entravar de forma significativa a concorrência efectiva. No entanto, afirma, em primeiro lugar, que é altamente duvidoso que a GDP tenha um forte incentivo para entrar no mercado grossista da electricidade se a concentração não tiver lugar. Em segundo lugar, alega que as consequências favoráveis para a estrutura da concorrência, que resultariam, com toda a probabilidade, dos compromissos propostos, fazem mais do que compensar toda a perda da potencial concorrência proveniente da GDP.

179    Há que salientar que, embora, em várias passagens da decisão recorrida, a Comissão faça referência ao desaparecimento da «GDP» como o mais provável potencial concorrente importante nos mercados da electricidade, resulta da decisão, lida no seu todo, e, em particular, da secção consagrada à demonstração do interesse particular da GDP em entrar no mercado grossista da electricidade (considerandos 345 a 364), que a Comissão considerou que essa entrada seria efectuada «através do grupo Galp» enquanto entidade económica única, que abrange a GDP e outras filiais da Galp, sem que a Comissão tenha julgado necessário distinguir precisamente que filial do grupo Galp exerceria que funções. Na análise que se segue, o Tribunal só fará referência expressa à Galp ou ao grupo Galp, incluindo a GDP (a seguir «Galp/GDP»), se for necessário.

1.     Quanto ao desaparecimento da GDP como o mais provável potencial concorrente importante

180    No que se refere ao incentivo da GDP para entrar no mercado grossista da electricidade, a recorrente critica a pertinência dos exemplos relativos a outros Estados‑Membros, a importância da actual participação da GDP nas duas centrais de co‑geração (petição resumida, n.° 119, nota 105), a não tomada em consideração das ligações estruturais existentes entre a EDP e a GDP e a falta de interesse da GDP em concorrer com a EDP (petição resumida, n.° 127). Relativamente ao incentivo da GDP para entrar nos mercados do ajustamento e retalhista da electricidade, a recorrente limita‑se a alegar que estes mercados beneficiariam com a melhoria das condições de concorrência no mercado grossista da electricidade (petição resumida, n.° 129).

181    Na petição resumida para efeitos da tramitação acelerada, substancialmente idêntica à petição originária neste ponto, a recorrente remete, nas notas de rodapé, para várias partes do relatório Lexecon intituladas «a perspectiva de ver uma forte concorrência por parte da GDP materializar‑se no sector da electricidade é exagerada» e «um modelo formal dos incentivos ao investimento no mercado grossista da electricidade em Portugal». Consequentemente, a Comissão limita‑se a remeter para o relatório do seu economista principal com o objectivo de contradizer as afirmações feitas no relatório Lexecon.

182    Há que recordar que uma remissão geral para os anexos dos articulados das partes deve ser declarada inadmissível na medida em que não venha sustentar argumentos já presentes nos articulados principais das partes (v. jurisprudência supracitada no n.° 155). Com efeito, incumbia, em primeiro lugar, à recorrente apresentar na sua petição os argumentos que demonstravam que a Comissão cometeu um erro manifesto de apreciação. Ora, os únicos argumentos a favor da afirmação de que a entrada da GDP era duvidosa, constantes tanto da petição como da petição resumida, são os acima expostos no n.° 180. Em contrapartida, o relatório Lexecon contém vários outros argumentos destinados a demonstrar a inexistência de incentivos para a GDP entrar nos mercados da electricidade que não encontram quaisquer indícios na petição. A remissão para o relatório Lexecon apenas é, portanto, aceitável em relação aos argumentos constantes da petição e os outros argumentos devem ser rejeitados.

183    Note‑se ainda que o facto de o presente recurso seguir a tramitação acelerada reforça a pertinência da jurisprudência citada no n.° 155 supra em vez de a enfraquecer. Com efeito, a tramitação acelerada, na qual não existe a possibilidade de apresentar segundos articulados, supõe que os argumentos da recorrente sejam clara e definitivamente definidos desde o início na petição ou, sendo esse o caso, na sua versão resumida. Além disso, a necessária limitação do volume dos articulados das partes, em conformidade com as instruções práticas do Tribunal às partes (ponto VI, n.os 2 e 3), e, portanto, implicitamente, a limitação do número e da complexidade dos argumentos invocados não podem ser contornadas pela remissão sistemática para relatórios volumosos e/ou complexos.

184    No que se refere, em primeiro lugar, à pertinência dos exemplos de liberalização espanhol e britânico, a recorrente sustenta que a Comissão devia ter demonstrado a pertinência destes exemplos para o mercado português e invoca os exemplos contrários alemão e francês.

185    Há que observar que esses exemplos se destinavam a demonstrar o interesse, em geral, de um importante fornecedor de gás em proceder a uma integração vertical mediante o fornecimento às suas próprias CCGT. Ora, por um lado, a recorrente não invocou qualquer razão pela qual esses exemplos não seriam pertinentes no caso de Portugal. Também não apresentou qualquer motivo preciso que explicasse porque é que os exemplos contrários dos mercados francês ou alemão seriam mais pertinentes no caso de Portugal. Acresce que, contrariamente à petição, o relatório Lexecon se baseia em exemplos nacionais para demonstrar a reduzida percentagem de centrais construídas pelos novos operadores no mercado grossista da electricidade [relatório Lexecon, 3.3 (b)]. Além disso, esse interesse geral dos fornecedores de gás é confirmado pelas respostas ao inquérito de mercado, que se baseiam nos referidos exemplos britânico e, sobretudo, espanhol.

186    Por outro lado, e principalmente, a Comissão demonstrou na decisão recorrida, tomando por base o inquérito de mercado, as vantagens económicas que um fornecedor de gás teria se procedesse a uma integração vertical da actividade de produção de electricidade, devido ao facto de as novas centrais eléctricas construídas serem geralmente alimentadas a gás, que esse fornecedor poderia assim beneficiar das suas condições económicas favoráveis de acesso ao gás, de o operador histórico em matéria de gás procurar ganhar novos mercados para compensar a redução das suas quotas de mercado no sector do gás após a liberalização deste e, em último lugar, de essa integração poder ser prosseguida com a entrada desse fornecedor nos mercados retalhistas da electricidade. Ora, a recorrente não alegou a existência de qualquer erro, a fortiori manifesto, relativamente a estes factores suplementares de incentivo.

187    No que se refere, em segundo lugar, ao interesse da GDP em entrar nos mercados da electricidade, a Comissão afirmou na decisão recorrida que a Galp, que possui todo o capital da GDP, entrou no mercado da produção de electricidade no ano 2000, através de uma filial, a Galp Power, ao participar em dois projectos de centrais eléctricas de co‑geração com uma potência de 44 MW e 30 MW (considerando 347 da decisão recorrida, nota 236). Como a Comissão salienta, esta participação demonstra que a Galp tinha interesse na produção de electricidade previamente à concentração. A circunstância alegada pela recorrente na sua petição – segundo a qual Galp não participa nestes dois projectos em concorrência com a EDP, mas em colaboração com esta última – não é susceptível de pôr em causa a demonstração do interesse da Galp na produção de electricidade manifestada por esta participação. Além disso, a Comissão fez referência à declaração do presidente da Galp reproduzida num artigo de imprensa da AFX News, segundo a qual a sua companhia desejava entrar nos mercados da electricidade, em particular nos da produção, sem que os seus accionistas, entre os quais a EDP, tenham criticado esta declaração. Este artigo vem confirmar a conclusão a que a Comissão chegou a este respeito na decisão recorrida. Em último lugar, essa mesma circunstância já não é relevante para os outros projectos a seguir examinados.

188    Resulta da decisão recorrida, na sua versão confidencial, que […]

189    […] Por conseguinte, a recorrente não demonstrou que a Comissão cometeu um erro manifesto de apreciação ao considerar que a concentração provocaria o desaparecimento da GDP, através do grupo Galp, enquanto o mais provável potencial concorrente importante da EDP.

190    Em terceiro lugar, quanto ao argumento da recorrente de que a GDP estaria menos bem colocada do que outros potenciais concorrentes da EDP devido às suas ligações estruturais com esta última, através das acções detidas pela EDP na Galp, que possui todo o capital social da GDP, e às acções detidas pelo Estado português na EDP e na GDP, há que recordar que, segundo a decisão recorrida (considerando 7, nota 6), o Estado português controla directamente 30 % e indirectamente 18,3% do capital social da Galp, possuindo a Eni 33,34% do capital social desta e a EDP 14% do mesmo. Impõe‑se concluir que, segundo estes números, a EDP não possui o controlo da GDP. A este respeito, a Comissão salienta correctamente que a EDP sempre alegou que a participação de 20% que possui na Turbogás não lhe conferiam o controlo sobre esta última. Todavia, o argumento pode perfeitamente ser refutado, na medida em que a Comissão, por seu lado, sempre considerou que, apesar do compromisso da EDP de não utilizar os seus direitos de voto em certos domínios e de nomear membros independentes para o conselho de administração da Turbogás, esse mesmo compromisso não impediria a EDP de conservar uma influência negativa sobre o comportamento da Turbogás. Segundo a Comissão, a EDP sempre alegou que o Estado não tinha o controlo da EDP. Contudo, há que observar que o Governo português parece ser o arquitecto real da concentração. Com efeito, o facto de a concentração corresponder exactamente ao cenário anunciado pelo Governo português em 2003 (v. supra, n.° 11), tanto para a EDP como para a GDP, constitui prova disso mesmo.

191    Todavia, mesmo supondo que a EDP, sozinha ou através do Estado português, conserva uma influência sobre a GDP, a concentração transformaria esta influência num controlo puro e simples, com, in fine, 51% das participações sociais. Ora, não havendo concentração, como é demonstrado na decisão recorrida, o interesse económico da GDP pode convencer os seus accionistas, em particular o Estado português e a Eni, os accionistas maioritários, a abandonar uma estratégia de protecção dos interesses da EDP para privilegiar os interesses da GDP.

192    Quanto a esta questão, a Comissão recorda com razão que […]

193    Em quarto lugar, no que se refere ao argumento segundo o qual a GDP tinha um incentivo limitado para entrar no mercado da produção de electricidade ou para facilitar a entrada de novos operadores a fim de manter os seus lucros, mediante o favorecimento da EDP como único cliente a jusante, o mesmo assenta na hipótese de que, ao aumentar a concorrência no mercado da produção de electricidade, a GDP perderia mais no mercado do fornecimento de gás à EDP ou a produtores independentes do que poderia ganhar no mercado da produção [relatório Lexecon, directamente, 3.3 (d) e, indirectamente, 3.3 (c)]. Este argumento parte da premissa de que, em caso de diluição da posição dominante da EDP neste mercado, quer em razão da entrada da GDP quer em razão da entrada de novos concorrentes, a «boa vontade» (willingness) da EDP para pagar os seus fornecimentos de gás a uma tarifa tão alta como a actual diminuiria.

194    Abstraindo do facto de a premissa em que este argumento se baseia não estar, de forma alguma, demonstrada, a Comissão refere‑se com razão ao argumento apresentado pelo seu economista principal, segundo o qual esta premissa não tem em conta a estrutura dos contratos em matéria de fornecimento de gás, nomeadamente o princípio «take‑or‑pay» ou a longa duração dos contratos de fornecimento de gás. Além disso, mesmo supondo que este argumento apenas diz respeito às necessidades a curto prazo da EDP e que a concorrência no mercado grossista da electricidade provoca tensões ao nível dos preços do gás enquanto matéria‑prima, nem a recorrente nem o relatório Lexecon explicam como ou em que medida a diferença entre o preço de venda do gás pela GDP e o custo interno para a GDP numa situação de autofornecimento seria menor do que uma eventual perda no mercado do fornecimento de gás.

195    Por conseguinte, a recorrente não demonstrou qualquer erro manifesto da Comissão quando esta última considerou que a GDP possuía fortes incentivos para entrar no mercado grossista da electricidade e que a concentração faria desaparecer o mais provável potencial concorrente importante da EDP neste mercado (considerandos 344 e 868).

196    Em último lugar, no que se refere ao efeito horizontal nos mercados do ajustamento e retalhista da electricidade, a recorrente limita‑se a afirmar que a melhoria das condições de concorrência no mercado grossista da electricidade seria igualmente sentida nestes mercados derivados. Por um lado, não tendo esta premissa sido demonstrada e, por outro, não tendo os factores expostos pela Comissão para demonstrar a existência do efeito horizontal nesses mercados sido contestados, há que concluir que a recorrente não fez prova da existência de qualquer erro manifesto de apreciação relativamente a esses mercados. Por conseguinte, há que admitir que existiria um efeito horizontal nos mercados do ajustamento e retalhista da electricidade. Por outro lado, sendo este efeito nestes mercados facto assente, importa observar que o incentivo da GDP para entrar nos mesmos, em particular nos mercados retalhistas, é susceptível de reforçar consideravelmente o seu interesse em entrar no mercado da produção de electricidade, na medida em que esses mercados lhe permitem escoar directamente a sua produção de electricidade.

197    Assim, deve concluir‑se que a recorrente não demonstrou de forma alguma a existência de um erro manifesto de apreciação da parte da Comissão quanto aos fortes incentivos da GDP para entrar em todos os mercados da electricidade, incluindo os mercados do ajustamento e dos serviços auxiliares e os mercados retalhistas da electricidade (considerandos 432, 473, 876 e 881), e ao desaparecimento da GDP como o mais provável potencial concorrente importante da EDP nesses mercados.

2.     Quanto à compensação concorrencial relativa aos compromissos

198    Há que recordar que a Comissão deve proibir uma operação de concentração quando os critérios do artigo 2.°, n.° 3, do Regulamento n.° 4064/89 estão preenchidos relativamente a pelo menos um dos mercados relevantes (v. n.os 144 a 146 supra).

199    A recorrente é de opinião de que o efeito combinado dos diferentes compromissos relativos ao sector da electricidade faz mais do que compensar a perda da potencial concorrência da GDP. Alega igualmente que os compromissos relativos aos mercados do gás também melhoraram as condições de concorrência no mercado grossista da electricidade.

200    A este respeito, é de admitir que, se os compromissos gerassem num dos mercados relevantes uma compensação em termos de concorrência superior ao entrave significativo à concorrência provocado pela concentração tal como notificada, o balanço em termos de concorrência da concentração no mercado em causa seria positivo. Por conseguinte, a concentração não poderia ser proibida relativamente a esse mercado ao abrigo do artigo 2.°, n.° 3, do Regulamento n.° 4064/89.

201    Na sua resposta escrita para a audiência, e nesta última, a recorrente salientou com veemência que, devido às fortes interligações existentes entre os mercados do gás e da electricidade e entre os diferentes mercados de cada um destes sectores, a apreciação correcta da situação da concorrência em cada um dos mercados pressupunha a tomada em consideração da situação da concorrência nos outros mercados. Por seu lado, a Comissão entende que é suficiente que um dos problemas de concorrência identificados num dos mercados em causa na decisão recorrida não seja solucionado pelos compromissos propostos para que esta decisão seja confirmada.

202    A título liminar, deve observar‑se que as duas teses não são incompatíveis. Com efeito, a recorrente reconheceu na audiência que a concentração, tal como alterada, não podia ser objecto de um balanço global em termos de concorrência, no qual o benefício em matéria de concorrência num dos mercados poderia compensar o défice de concorrência existente noutro mercado. Por outro lado, a Comissão também não alegou que a situação da concorrência num dos mercados relevantes era completamente independente da dos outros mercados.

203    Há que considerar que, quando uma operação de concentração envolve vários mercados distintos, mas ligados, e a situação da concorrência em um ou vários desses mercados influencia a situação num ou noutro mercado, devem ser tidos em conta esses outros mercados a fim de poder apreciar correcta e plenamente se a operação em causa cria ou reforça uma posição dominante num dos mercados relevantes tendo como consequência um entrave significativo na concorrência. Não é, pelo contrário, necessário verificar se a operação em causa terá essa consequência em cada um dos mercados envolvidos para concluir que essa operação deve ser proibida.

204    No caso em apreço, é evidente que as situações da concorrência em cada um dos mercados da electricidade estão ligadas, apesar de não dependerem exclusivamente uma da outra. Assim, como a Comissão refere na decisão recorrida, os incentivos para entrar no mercado grossista da electricidade são reforçados pela entrada nos mercados retalhistas da electricidade (considerandos 338, 342, 343 e 362) e vice‑versa (considerandos 456 e 472). A Comissão considerou de igual modo que só os produtores de electricidade em Portugal estavam em condições de participar no mercado do ajustamento e dos serviços auxiliares no sector da electricidade (considerandos 430 e 431).

205    Parece igualmente que as situações da concorrência em cada um dos mercados da electricidade estão ligadas às existentes nos mercados do gás. Assim, nomeadamente, a entrada de concorrentes no mercado grossista da electricidade depende, em parte, da possibilidade de estes se abastecerem de gás de forma independente devido aos entraves à entrada neste mercado referidos pela Comissão ao identificar os efeitos não horizontais da concentração (considerandos 365 a 428). De igual modo, o incentivo para a GDP entrar no mercado da produção de electricidade consiste, em parte, nos preços do gás que ela obtém enquanto fornecedora (considerandos 340, 341 e 343). Por outro lado, a Comissão considerou que um dos principais incentivos da GDP para entrar nos mercados retalhistas da electricidade consistia na sua capacidade de fazer ofertas combinadas (considerandos 453 a 458), o que pressupõe necessariamente uma influência sobre a capacidade dos concorrentes da fazerem ofertas semelhantes e, portanto, sobre a liberalização dos mercados do gás.

206    Por conseguinte, a apreciação dos problemas de concorrência nos mercados da electricidade deve obrigatoriamente ter em conta a situação da concorrência noutros mercados da electricidade ou do gás que resulta da concentração tal como alterada pelos compromissos.

a)     Quanto aos compromissos relativos ao sector da electricidade

207    Relativamente ao efeito combinado dos diferentes compromissos relativos ao sector da electricidade, a recorrente faz referência ao desinvestimento da EDP na REN e na Tejo Energia, ao adiamento da construção de novas CCGT, à locação da TER e à suspensão dos direitos de voto na Turbogás remetendo, a título principal, para a parte do relatório Lexecon intitulada «Os compromissos melhoram provavelmente os incentivos para os terceiros entrarem no mercado da electricidade». Por outro lado, a recorrente apresenta argumentos relativos ao adiamento da construção de novas CCGT, à locação da TER e à Tejo Energia no contexto sua crítica relativa aos efeitos não horizontais no mercado grossista da electricidade. A Comissão salienta a falta de argumentos e de elementos de facto no que se refere ao efeito combinado desses compromissos e remete igualmente para duas partes do relatório do seu economista principal. Todavia, a Comissão tem o cuidado de impugnar de forma detalhada os argumentos da recorrente apresentados na petição.

208    Há que recordar que a remissão para o relatório Lexecon só é aceitável em relação aos argumentos constantes da petição e que os outros argumentos devem ser rejeitados.

209    No que se refere ao adiamento da construção de novas CCGT e ao compromisso de locar a TER, há que notar que, não havendo concentração, a EDP realizaria o seu projecto da TER de construir três centrais CCGT, devendo a última iniciar a sua produção em 2006, com uma produção total de [1000 a 1500] MW, o que representa cerca de 20% do consumo actual em Portugal (considerando 302 da decisão recorrida). Através da concentração, as partes comprometem‑se a não construir outras CCGT e a locar a capacidade de produção de uma ou duas CCGT da TER até 30 de Junho de 2010 ou mais cedo se as condições suspensivas estiverem preenchidas, sendo a principal a concessão de licenças de construção de CCGT por parte do governo a uma ou duas entidades não controladas pela EDP.

210    Na decisão recorrida, em primeiro lugar, a Comissão concluiu que a construção de CCGT era mesmo a única possibilidade de abrir significativamente o mercado grossista da electricidade, devido aos limites estruturais às importações, ao atraso do mercado ibérico e à vantagem conferida pelos CMEC aos actuais produtores (considerandos 292 a 334). Em segundo lugar, a Comissão salientou a duração limitada do adiamento da construção de novas CCGT e da locação, o facto de lhes poder ser posto termo antecipadamente mesmo antes da construção efectiva ou do funcionamento de novas CCGT, o facto de este fim antecipado devido à concessão de licenças a entidades não controladas pela EDP não impedir esta última de estar ligada a essas entidades e o facto de esses compromissos não impedirem a EDP de pedir licenças para si própria. No que se refere à locação da TER, a Comissão considerou ainda que as incertezas quanto à sua duração iriam pesar muito sobre o locatário, que este locatário não adquiriria qualquer experiência em matéria de produção e que a EDP teria conhecimento de informações essenciais sobre o locatário, uma vez que este último apenas locava a capacidade de produção e não geria os meios de produção (v., em relação aos compromissos de 17 de Novembro de 2004, considerandos 743 a 753 e, quanto aos compromissos de 26 de Novembro de 2004, considerando 868). A Comissão concluiu com base nestas considerações que estava longe de ser certo que esses compromissos conduziriam à entrada efectiva de novos produtores no mercado.

211    Ora, na sua petição, a recorrente não fez críticas sérias aos factores identificados pela Comissão para concluir que esses dois compromissos eram insuficientes relativamente ao problema de concorrência identificado.

212    Assim, há que concluir que a Comissão não cometeu um erro manifesto de apreciação ao considerar que o adiamento da nova construção e a locação de CCGT da TER eram, em si mesmos, inadequados para resolver o problema horizontal no mercado grossista da electricidade.

213    Por outro lado, a recorrente alega que, sem a concentração, a EDP continuaria a estar em posição de construir novas CCGT (sem o adiamento), o que deixaria apenas um espaço extremamente limitado para a entrada de terceiros no mercado.

214    É certo que, sem a concentração, existe um entrave real à entrada de novos produtores de electricidade, resultante da intenção e da capacidade da EDP de construir novas centrais num mercado já largamente aprovisionado. Todavia, sem a concentração, este entrave à entrada no mercado não afectava visivelmente a GDP ou o grupo Galp, dado que a Comissão demonstrou, sem cometer erro manifesto de apreciação (v. supra, n.os 184 a 196), que a GDP ou o grupo Galp tinham a intenção de entrar no mercado da produção de electricidade. Ora, a Comissão considerou, sem cometer erro manifesto de apreciação (v. supra, n.os 210 a 212), que se a construção se realizasse, os compromissos seriam insuficientes para permitir a provável entrada de novos concorrentes no mercado grossista da electricidade, ao passo que a GDP desapareceria como mais provável potencial concorrente importante. Por conseguinte, o argumento da recorrente não permite reconhecer qualquer erro manifesto da Comissão relativamente ao efeito horizontal da concentração, tal como alterada, no mercado grossista da electricidade.

215    A recorrente alega que a venda das suas participações sociais na Tejo Energia destruiu a ligação estrutural existente entre a EDP e um produtor de electricidade concorrente e teria certamente tido um efeito estrutural positivo sobre a concorrência, ao passo que a entrada da GDP estava longe de ser certa [relatório Lexecon, 4.4 (c)].

216    Na decisão recorrida, a Comissão reconhece de bom grado que o desinvestimento da EDP na Tejo Energia é positivo. Contudo, a Comissão afirmou, sem ser contestada, que vários outros factores impedem a Tejo Energia de construir uma CCGT, em particular, as opiniões contraditórias dos accionistas a este respeito e o facto de os principais accionistas, a International Power e a Endesa, estarem ligados à EDP por outros acordos que têm por objecto a produção de electricidade em Portugal (considerandos 669, 756 a 758 e 867 da decisão recorrida). Não tendo a recorrente demonstrado que a Tejo Energia constituía um concorrente tão importante como a GDP, há que concluir que o compromisso relativo à Tejo Energia é, em si mesmo, insuficiente para solucionar o problema horizontal identificado no mercado grossista.

217    A recorrente invoca igualmente o seu compromisso relativo à limitação dos seus direitos de voto na Turbogás no que se refere às decisões relativas à aquisição de gás natural e a novos investimentos e à substituição dos representantes da EDP na administração por membros independentes.

218    Na decisão recorrida (considerandos 759 a 766 e 861), a Comissão considerou que a EDP conservava influência sobre a Turbogás devido à manutenção dos seus direitos de voto nos domínios não abrangidos pelo compromisso e ao carácter temporário deste compromisso. A Comissão salienta igualmente o facto de a EDP se ter reservado o direito de dar instruções aos seus representantes independentes para preservar o valor da sua participação. A este respeito, faz referência ao interesse dos outros accionistas da Turbogás, nomeadamente a International Power, em manterem boas relações com a EDP. Em último lugar, a Comissão afirma que a EDP adquiriu recentemente um direito de opção sobre uma participação adicional de 20% na Turbogás e sobre a gestão de toda a capacidade de produção da Turbogás. Nos seus articulados, a Comissão alegou, sem ser contestada, que a EDP […]. Não tendo a recorrente demonstrado a existência de um erro manifesto de apreciação por parte da Comissão quando esta considerou que a Turbogás não constituía um concorrente significativo, há que concluir que o compromisso relativo à Turbogás é, em si mesmo, insuficiente para solucionar o problema horizontal identificado no mercado grossista.

219    A recorrente alega igualmente que a redução da sua participação de 30% para 5% na REN teria um efeito claramente positivo sobre a concorrência [relatório Lexecon, 4.4 (c)]. Na decisão recorrida, a Comissão não examinou este compromisso à luz do efeito horizontal nos mercados da electricidade, mas à luz dos efeitos não horizontais nestes mercados, como as partes indicaram na sua carta de 2 de Novembro de 2004. Não fornecendo outras indicações suplementares para além da existência deste compromisso, a recorrente não demonstra qualquer erro manifesto de apreciação quanto a esse compromisso.

220    Em conclusão, deve ainda ser referido que a recorrente não demonstrou que a Comissão tinha cometido um erro manifesto de apreciação ao considerar que a concentração, tal como alterada por todos os compromissos directamente relacionados com o problema horizontal, considerada no seu todo, devia ser declarada incompatível com o mercado comum devido ao seu efeito horizontal nos mercados da electricidade. Em particular, embora esses compromissos no seu todo melhorem inegavelmente a possibilidade de entrar no mercado grossista da electricidade, a recorrente não refutou a conclusão da Comissão baseada no inquérito de mercado, segundo a qual esses compromissos no seu todo não criavam um ambiente competitivo suficiente para tornar essa entrada provável. Além disso, mesmo supondo que essa entrada seja previsível num dos mercados da electricidade, nada indica que esse novo concorrente possuiria a força e as vantagens da GDP para entrar em todos ou certos mercados da electricidade (considerandos 362 a 364, 675, 767 e 868 da decisão recorrida).

b)     Quanto aos compromissos relativos ao sector do gás

221    A recorrente limita‑se a afirmar que um certo número de compromissos relativos aos mercados do gás permitirão a um novo operador no mercado grossista da electricidade obter gás de forma independente da entidade resultante da concentração. Todavia, não indica quais os compromissos pertinentes, nem em que medida o são, referindo‑se antes, de forma geral, à parte da sua petição consagrada ao exame dos mercados do gás. A Comissão salienta esta omissão e apenas identifica, na parte dos articulados da recorrente consagrada aos mercados do gás, uma única afirmação de ordem geral, de acordo com a qual «esses compromissos [relativos ao gás] criarão um ambiente manifestamente mais competitivo no sector da electricidade».

222    Resulta dos autos que os compromissos relativos ao sector do gás são de duas ordens, consoante se destinem a priori, por um lado, a solucionar os problemas não horizontais identificados no mercado grossista da electricidade, essencialmente através da melhoria das condições de fornecimento de gás aos produtores de electricidade concorrentes da entidade resultante da concentração (A/ENI.II a F/ENI.IX, H/ENI.XI e L/EDP.1), ou, por outro, a solucionar os problemas horizontais e não horizontais nos mercados do gás (G/ENI.X, I/ENI.XII e J/ENI.XIV).

223    Há que observar previamente que, na decisão recorrida, a Comissão identificou o efeito horizontal em todos os mercados da electricidade bem como os compromissos que se destinavam directamente a solucionar este problema de concorrência, independentemente dos efeitos não horizontais no mercado grossista da electricidade e dos compromissos destinados a solucionar estes últimos problemas de concorrência (considerandos 362 a 364, 675, 767 e 868 da decisão recorrida). Considerou assim necessariamente que a concentração, tal como alterada, devia ser proibida, eventualmente pelo único motivo de que esta reforçava a posição dominante da EDP, o que tinha como consequência entravar de forma significativa a concorrência no mercado grossista da electricidade devido ao desaparecimento da GDP como o mais provável potencial concorrente importante. Importa assim examinar se, como a recorrente alega no âmbito da segunda parte do seu terceiro fundamento (v. supra, n.° 84) e no âmbito do presente fundamento, a Comissão deveria ter examinado os compromissos no seu todo para poder concluir que os seus efeitos combinados fazem mais do que compensar o desaparecimento da potencial concorrência da GDP.

224    Em primeiro lugar, há que observar que os compromissos relativos aos efeitos não horizontais no mercado grossista da electricidade (A/ENI.II a F/ENI.IX, H/ENI.XI, e L/EDP.1) apenas têm uma incidência muito fraca sobre o problema horizontal identificado em todos os mercados da electricidade, isto é, o desaparecimento da GDP como o mais provável potencial concorrente importante na sequência da concentração tal como alterada.

225    Por um lado, esses compromissos não afectam a análise da Comissão relativa à GDP. Com efeito, a GDP não era afectada pelos problemas não horizontais que esses compromissos se propunham resolver, uma vez que dispunha, caso a concentração não se realizasse, do seu acesso privilegiado ao gás. Por esta razão, tanto o próprio incentivo da GDP para entrar nos mercados da electricidade como a força desta entrada não são alterados por esses compromissos.

226    Por outro lado, esses compromissos só afectam marginalmente a análise da Comissão relativa à força da entrada da GDP no mercado grossista da electricidade em comparação com as entradas de outros concorrentes da entidade resultante da concentração. Com efeito, a Comissão considerou que a GDP possuía vantagens concorrenciais importantes sobre os outros potenciais concorrentes da entidade resultante da concentração nos mercados da electricidade, isto é, principalmente, a integração vertical das actividades relativas ao gás e à electricidade no seio do grupo Galp, um acesso privilegiado ao gás, o prestígio da sua marca e o conhecimento da clientela em Portugal. Ora, mesmo supondo que os compromissos destinados a resolver os problemas não horizontais seriam plenamente eficazes, a situação da concorrência no mercado grossista da electricidade permaneceria menos favorável com a concentração do que sem ela. Antes de mais, os compromissos em causa apenas contribuíam, essencialmente, para fazer desaparecer o problema de concorrência criado pela própria concentração, isto é, colocar ao serviço da empresa que se encontrava numa forte posição dominante no mercado grossista da electricidade a posição dominante da outra empresa que possuía uma posição dominante no mercado do fornecimento de gás aos produtores de electricidade. Depois, mesmo que esses compromissos fossem adequados para favorecer a concorrência no mercado da produção de electricidade através de CCGT, os mesmos apenas conseguiriam garantir um acesso ao gás menos discriminatório e mais confidencial aos concorrentes da entidade resultante da concentração. Todavia, a Comissão não considerou o acesso ao gás, no caso de a concentração não se realizar, um entrave real à entrada no mercado por parte de concorrentes que não a GDP, tendo‑se, ao invés, baseado no seu inquérito de mercado para demonstrar que era pouco provável que os actuais ou potenciais concorrentes identificados entrem ou se desenvolvam realmente neste mercado (v. considerandos 305 a 331). Em último lugar, a recorrente não alegou, o que, aliás, teria sido difícil, que esses compromissos davam a esses concorrentes um acesso ao gás tão fácil e economicamente favorável como aquele que a GDP possuiria na inexistência da concentração. Por consequência, todas as vantagens concorrenciais da GDP em relação aos outros concorrentes permaneceriam. Por outras palavras, do ponto de vista da concorrência, a clara melhoria no fornecimento de gás aos concorrentes da entidade resultante da concentração não podia compensar significativamente o desaparecimento da GDP.

227    Resulta das considerações precedentes que os compromissos destinados a resolver os problemas não horizontais no mercado grossista apenas tinham uma influência marginal sobre a análise feita pela Comissão do problema horizontal em todos os mercados da electricidade. Por conseguinte, a Comissão podia, com razão e sem cometer erro manifesto de apreciação, abster‑se de ter em conta esses compromissos para concluir que a concentração, tal como alterada, reforçaria a posição dominante da EDP, tendo como consequência um entrave significativo na concorrência no mercado grossista da electricidade devido ao desaparecimento da GDP como o mais provável potencial concorrente importante.

228    Em segundo lugar, no que diz respeito aos compromissos inteiramente relativos ao sector do gás (G/ENI.X, I/ENI.XII e J/ENI.XIV), a recorrente não indicou, de modo algum, em que medida os mesmos melhorariam a capacidade competitiva de eventuais concorrentes da EDP. Ora, não compete ao juiz apurar oficiosamente que efeitos esses compromissos poderiam ter nos mercados da electricidade nem, sobretudo, apreciar oficiosamente a intensidade desses efeitos para verificar se a Comissão cometeu um erro manifesto de apreciação.

c)     Conclusão sobre o balanço global da concentração, tal como alterada, em termos de concorrência nos mercados da electricidade

229    Há que recordar que a recorrente não demonstrou que a Comissão cometeu um erro manifesto de apreciação ao concluir que a GDP era o mais provável potencial concorrente importante da EDP nos mercados da electricidade.

230    A recorrente não demonstrou, de igual modo, a existência de erro manifesto na conclusão da Comissão de que os compromissos relativos ao problema horizontal identificado pela Comissão nos mercados da electricidade eram inadequados para favorecer a entrada de um concorrente importante da EDP que não a GDP.

231    Por outro lado, a recorrente não demonstrou qualquer erro manifesto de apreciação por parte da Comissão pelo facto de esta não ter tido em conta o efeito dos compromissos propostos com vista a resolver os problemas de concorrência não horizontais nos mercados da electricidade ou com vista a resolver os problemas de concorrência nos mercados do gás para apreciar o efeito horizontal no mercado grossista da electricidade na sequência da concentração tal como alterada.

232    Em particular, a melhoria sensível da situação da concorrência nos mercados do gás na sequência da concentração, tal como alterada, não resolve os problemas de concorrência nos mercados da electricidade.

233    É certo que a situação nos mercados do gás seria claramente melhorada pela concentração, tal como alterada. Na sequência da concentração, seria criado pelos compromissos um acesso concorrencial ao gás por parte de terceiros, ao contrário da actual situação monopolista da GDP antes da concentração, com garantias reais de acesso não discriminatórias ao gás, mesmo que estas, segundo a Comissão, permanecessem incompletas. De igual modo, as propostas apresentadas pelas autoridades portuguesas, nomeadamente em relação à aceleração da liberalização dos mercados do gás, criam uma nova situação concorrencial nos mercados do gás. Esta situação é susceptível de fazer surgir novos operadores nos mercados do gás, novos operadores que, pelas mesmas razões que a GDP, são, por seu turno, susceptíveis de entrar nos mercados da electricidade. Esta situação nos mercados do gás é igualmente susceptível de melhorar a situação da concorrência no mercado derivado da produção de electricidade através de CCGT, na medida em que os potenciais concorrentes da EDP podem esperar obter um abastecimento mais competitivo e não discriminatório ou menos discriminatório.

234    Todavia, a Comissão não cometeu qualquer erro manifesto ao considerar que as vantagens conferidas por esses compromissos e por essas propostas não conduziriam a uma situação concorrencial nos mercados da electricidade equivalente ou melhor do que a resultante da potencial entrada da GDP nesses mercados no caso de a concentração não se realizar. Por um lado, nem um eventual novo operador nos mercados do gás nem um eventual novo operador no mercado grossista da electricidade poderia, durante pelo menos um certo tempo, deter a força que a GDP pode utilizar, na inexistência da concentração, para entrar nos mercados da electricidade. Em particular, a Comissão salientou as numerosas vantagens particulares da GDP no que se refere, nomeadamente, ao seu acesso ao gás, ao prestígio da sua marca, ao seu conhecimento da clientela e aos seus projectos já realizados em matéria de electricidade. Por outro lado, a simples potencial concorrência nos mercados do gás e, portanto, a diminuição correlativa de um dos entraves à entrada no mercado da produção de electricidade não permitem refutar a análise da Comissão de que a entrada neste mercado de outros concorrentes tão importantes como a GDP permanecia pouco provável.

235    Em consequência, mesmo que a Comissão não tenha, incorrectamente, apreciado as vantagens induzidas pela concentração nos mercados do gás (v. supra, n.° 123), a comparação entre a situação actual da concorrência, antes da concentração, nos mercados da electricidade, principalmente caracterizada pelo monopólio da GDP no fornecimento de gás aos produtores de electricidade e pelas fortes posições dominantes da EDP em todos os mercados da electricidade, e a situação da concorrência após a concentração, principalmente caracterizada, por um lado, por uma abertura significativa do mercado do fornecimento de gás aos produtores de electricidade e, por outro, pelo desaparecimento de um potencial concorrente importante em todos os mercados da electricidade, isto é, a GDP, não demonstra que a Comissão tenha cometido erro manifesto de apreciação ao considerar que o balanço em termos de concorrência em cada um dos mercados da electricidade após a concentração era negativo.

236    Há ainda que referir a título adicional que, uma vez que a melhoria geral da concorrência nos mercados do gás na sequência da concentração, tal como alterada, não produz efeitos suficientemente importantes nos mercados da electricidade para eliminar os problemas de concorrência previamente identificados nestes últimos mercados, a Comissão não pode aceitar declarar a concentração compatível com o mercado comum com base nos efeitos benéficos para a concorrência num dos sectores em causa, a despeito dos efeitos negativos noutro sector. A este respeito, há que ter em consideração o facto de a maioria dos benefícios em termos de concorrência esperados no sector do gás na sequência da concentração, ou mesmo todos, constituírem benefícios a curto ou a médio prazo, na medida em que todas essas vantagens, ou a maioria delas, serão, de qualquer modo, obtidas dois a três anos após a data prevista para a sua obtenção com a concentração, mediante o simples respeito do calendário de liberalização fixado pelas regras derrogatórias da segunda directiva gás aplicáveis à República Portuguesa.

237    Há, portanto, que concluir que a recorrente não demonstrou a existência de qualquer erro manifesto de apreciação por parte da Comissão quando esta concluiu que a concentração, tal como alterada, teria por efeito reforçar a posição dominante da EDP nos mercados da electricidade, tendo como consequência um entrave significativo à concorrência efectiva.

V –  Conclusão

238    Deve recordar‑se que a decisão recorrida enferma de um erro de direito na parte relativa aos mercados do gás em Portugal.

239    A decisão recorrida não está, ao invés, afectada por nenhum dos erros de direito alegados no âmbito dos segundo e terceiro fundamentos nem por nenhum dos erros manifestos de apreciação alegados no âmbito da segunda parte do quarto fundamento, relativa ao sector da electricidade.

240    Por força da jurisprudência acima referida nos n.os 144 a 146, há que concluir que os fundamentos não anulados da decisão recorrida são suficientes para fundar a sua parte dispositiva, segundo a qual a concentração deve ser declarada incompatível com o mercado comum.

241    Por conseguinte, há que negar provimento ao recurso.

 Quanto às despesas

242    Nos termos do artigo 87.°, n.° 2, do Regulamento de Processo, a parte vencida é condenada nas despesas se a parte vencedora o tiver requerido. Tendo a Comissão pedido a condenação da recorrente e tendo esta sido vencida, há que condená‑la nas despesas.

243    Não tendo a interveniente pedido a condenação da recorrente nas despesas, cada uma das partes suportará as suas próprias despesas relativas à intervenção.

Pelos fundamentos expostos,

O TRIBUNAL DE PRIMEIRA INSTÂNCIA (Segunda Secção)

decide:

1)      É negado provimento ao recurso.

2)      A recorrente é condenada nas despesas.

3)      Cada uma das partes suportará as suas próprias despesas relativas à intervenção.

Pirrung

Forwood

Papasavvas

Proferido em audiência pública no Luxemburgo, em 21 de Setembro de 2005.

O secretário

 

       O presidente

H. Jung

 

      J. Pirrung

Índice

Quadro jurídico

Antecedentes do litígio

Tramitação processual e pedidos das partes

Quanto ao mérito

I –  Quanto ao segundo fundamento, relativo à violação do artigo 2.°, n.° 3, do Regulamento n.° 4064/89

II –  Quanto ao terceiro fundamento, relativo à violação do artigo 8.°, n.os 2 e 3, do Regulamento n.° 4064/89

A –  Quanto à primeira parte do terceiro fundamento, relativa ao ónus da prova

B –  Quanto à segunda parte do terceiro fundamento, relativa à apreciação global da concentração tal como alterada

C –  Quanto à terceira parte do terceiro fundamento, relativa à existência de um desvio de poder

D –  Quanto à quarta parte do terceiro fundamento, relativa às dificuldades de controlo de certos compromissos de comportamento

III –  Quanto ao primeiro fundamento, relativo à derrogação de que a República Portuguesa beneficia ao abrigo da segunda directiva gás

A –  Observações preliminares

B –  Quanto à primeira parte do primeiro fundamento, relativa à não consideração da derrogação concedida à República Portuguesa

C –  Quanto à segunda parte do primeiro fundamento, relativa a uma incidência excessiva da análise sobre o futuro

IV –  Quanto ao quarto fundamento, relativo à existência de erros de apreciação no que diz respeito aos compromissos

A –  Observações preliminares

B –  Quanto à primeira parte do quarto fundamento, relativa à tomada em consideração dos compromissos de 26 de Novembro de 2004

C –  Quanto à terceira parte do quarto fundamento, relativa à existência de erros de apreciação da concentração, tal como alterada, no que diz respeito ao sector da electricidade

1.  Quanto ao desaparecimento da GDP como o mais provável potencial concorrente importante

2.  Quanto à compensação concorrencial relativa aos compromissos

a)  Quanto aos compromissos relativos ao sector da electricidade

b)  Quanto aos compromissos relativos ao sector do gás

c)  Conclusão sobre o balanço global da concentração, tal como alterada, em termos de concorrência nos mercados da electricidade

V –  Conclusão

Quanto às despesas


* Língua do processo: inglês.


1 – Dados confidenciais ocultados.