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CONCLUSÕES DO ADVOGADO‑GERAL

ATHANASIOS RANTOS

apresentadas em 5 de outubro de 2023 (1)

Processo C390/22

Obshtina Pomorie

contra

«ANHIALO AVTO» OOD

[pedido de decisão prejudicial apresentado pelo Okrazhen sad Burgas (Tribunal Regional de Burgas, Bulgária)]

«Reenvio prejudicial — Transportes — Regulamento (CE) n.o 1370/2007 — Serviços públicos de transporte ferroviário e rodoviário de passageiros — Artigo 4.o, n.o 1, alínea b), i) — Conteúdo obrigatório dos contratos de serviço público e das regras gerais — Determinação antecipada, de modo objetivo e transparente, dos parâmetros de cálculo da compensação por serviço público — Requisitos adicionais previstos na regulamentação nacional para o pagamento dessa compensação — Remissão para regras gerais para a fixação dos parâmetros com base nos quais a referida compensação é calculada»






I.      Introdução

1.        O Regulamento (CE) n.o 1370/2007 (2), que estabelece um regime comum para as compensações de obrigações de serviço público no domínio do transporte ferroviário e rodoviário de passageiros, prevê, no seu artigo 4.o, n.o 1, alínea b), i), que os contratos de serviço público e as regras gerais estabelecem antecipadamente, de modo objetivo e transparente, os parâmetros com base nos quais a compensação por serviço público deve ser calculada, se for caso disso.

2.        É compatível com esta disposição a falta de pagamento integral de uma compensação a um operador de serviço público pelo cumprimento de uma obrigação de serviço público pelo facto de os fundos correspondentes à referida compensação não terem sido previstos na Lei do Orçamento de Estado e pagos à respetiva autoridade competente? Esta é, em substância, a questão principal colocada pelo Okrazhen sad Burgas (Tribunal Regional de Burgas, Bulgária).

3.        O pedido de decisão prejudicial foi apresentado no âmbito de um litígio que opõe o Obshtina Pomorie (Município de Pomorie, Bulgária) à sociedade «ANHIALO AVTO» OOD (a seguir «Anhialo») a propósito da concessão de uma compensação de serviço público devida por um contrato de serviço público celebrado para a prestação de serviços de transporte público de passageiros por autocarro.

4.        Embora o Tribunal de Justiça já tenha tido a oportunidade de interpretar, no Acórdão de 8 de setembro de 2022, Lux Express Estonia (C‑614/20, EU:C:2022:641), o artigo 4.o, n.o 1, alínea b), i), do Regulamento n.o 1370/2007, o presente processo levará o Tribunal de Justiça a pronunciar‑se, pela primeira vez, sobre a faculdade ou não de um Estado‑Membro introduzir requisitos adicionais aos já previstos neste regulamento relativos ao pagamento de uma compensação por serviço público.

II.    Quadro jurídico

A.      Direito da União

5.        O artigo 1.o do Regulamento n.o 1370/2007, sob a epígrafe «Objetivo e âmbito de aplicação», enuncia, no seu n.o 1:

«O presente regulamento tem por objetivo definir o modo como, no respeito das regras do direito comunitário, as autoridades competentes podem intervir no domínio do transporte público de passageiros para assegurar a prestação de serviços de interesse geral que sejam, designadamente, mais numerosos, mais seguros, de melhor qualidade e mais baratos do que aqueles que seria possível prestar apenas com base nas leis do mercado.

Para este fim, o presente regulamento define as condições em que as autoridades competentes, ao imporem obrigações de serviço público ou ao celebrarem contratos relativos a obrigações de serviço público, compensam os operadores de serviços públicos pelos custos incorridos e/ou concedem direitos exclusivos em contrapartida da execução de obrigações de serviço público.»

6.        O artigo 2.o deste regulamento, sob a epígrafe «Definições», prevê:

«Para efeitos do presente regulamento, entende‑se por:

[…]

b)      “Autoridade competente”, qualquer autoridade pública, ou agrupamento de autoridades públicas, de um ou mais Estados‑Membros com poder para intervir no transporte público de passageiros numa determinada zona geográfica, ou qualquer organismo investido dessas competências;

[…]

e)      “Obrigação de serviço público”, a imposição definida ou determinada por uma autoridade competente com vista a assegurar serviços públicos de transporte de passageiros de interesse geral que um operador, caso considerasse o seu próprio interesse comercial, não assumiria, ou não assumiria na mesma medida ou nas mesmas condições sem contrapartidas;

[…]

g)      “Compensação por serviço público”, qualquer vantagem, nomeadamente financeira, concedida direta ou indiretamente por uma autoridade competente através de recursos públicos durante o período de execução de uma obrigação de serviço público ou ligada a esse período;

h)      “Adjudicação por ajuste direto”, a adjudicação de um contrato de serviço público a um determinado operador de serviços públicos sem qualquer processo prévio de concurso;

i)      “Contrato de serviço público”, um ou vários atos juridicamente vinculativos que estabeleçam o acordo entre uma autoridade competente e um operador de serviço público para confiar a este último a gestão e a exploração dos serviços públicos de transporte de passageiros sujeitos às obrigações de serviço público. Nos termos da legislação dos Estados‑Membros, o contrato pode consistir igualmente numa decisão aprovada pela autoridade competente:

–        sob a forma de um ato individual de tipo legislativo ou regulamentar, ou

–        que inclua as condições em que a autoridade competente presta ela própria os serviços ou confia a sua prestação a um operador interno;

[…]

l)      “Regra geral”, a medida que é aplicável sem discriminação a todos os serviços de transporte público de passageiros de um mesmo tipo numa determinada zona geográfica da responsabilidade de uma autoridade competente;

[…]»

7.        O artigo 3.o do referido regulamento, sob a epígrafe «Contratos de serviço público e regras gerais», dispõe, nos seus n.os 1 e 2:

«1.      Quando uma autoridade competente decida conceder ao operador da sua escolha um direito exclusivo e/ou uma compensação, qualquer que seja a sua natureza, em contrapartida da execução de obrigações de serviço público, deve fazê‑lo no âmbito de um contrato de serviço público.

2.      Em derrogação do n.o 1, as obrigações de serviço público destinadas a estabelecer tarifas máximas para o conjunto dos passageiros ou para determinadas categorias de passageiros podem também ser objeto de regras gerais. A autoridade competente compensa os operadores de serviços públicos, de acordo com os princípios definidos nos artigos 4.o e 6.o e no anexo, do efeito financeiro líquido, positivo ou negativo, sobre os custos e as receitas decorrentes do cumprimento das obrigações tarifárias estabelecidas mediante regras gerais por forma a evitar sobrecompensações. Esta disposição não prejudica o direito de as autoridades competentes incluírem obrigações de serviço público que estabeleçam tarifas máximas em contratos de serviço público.»

8.        O artigo 4.o do referido regulamento, sob a epígrafe «Conteúdo obrigatório dos contratos de serviço público e das regras gerais», tem a seguinte redação, no seu n.o 1:

«Os contratos de serviço público e as regras gerais devem:

a)      Definir claramente as obrigações de serviço público que os operadores de serviço público devem cumprir e as zonas geográficas abrangidas;

b)      Estabelecer, antecipadamente e de modo objetivo e transparente:

i)      os parâmetros com base nos quais deve ser calculada a compensação, se for caso disso, e

ii)      a natureza e a extensão dos direitos exclusivos eventualmente concedidos,

por forma a evitar sobrecompensações. No caso de contratos de serviço público adjudicados nos termos dos n.os 2, 4, 5 e 6 do artigo 5.o, esses parâmetros são determinados de modo a que cada compensação não possa, em caso algum, exceder o montante necessário para a cobertura do efeito financeiro líquido sobre os custos e as receitas decorrentes da execução das obrigações de serviço público, tendo em conta as respetivas receitas, conservadas pelo operador de serviço público, e um lucro razoável;

c)      Estabelecer as modalidades de repartição dos custos ligados à prestação dos serviços. […]»

9.        O artigo 5.o do Regulamento n.o 1370/2007, sob a epígrafe «Adjudicação de contratos de serviço público», enuncia:

«1.      Os contratos de serviço público devem ser adjudicados de acordo com as regras estabelecidas no presente regulamento. […]

[…]

5.      Em caso de rutura ou de risco iminente de rutura dos serviços, a autoridade competente pode tomar uma medida de emergência. Essa medida de emergência assume a forma de uma adjudicação por ajuste direto ou de um acordo formal de prorrogação de um contrato de serviço público, ou ainda de uma imposição de prestar determinadas obrigações de serviço público. O operador de serviço público tem o direito de impugnar a decisão que impõe a prestação de determinadas obrigações de serviço público. A adjudicação ou prorrogação de um contrato de serviço público por força de uma medida de emergência ou a imposição de tal contrato não podem referir‑se a um período superior a dois anos.

[…]»

10.      O artigo 6.o deste regulamento, sob a epígrafe «Compensações pelo serviço público», prevê, no seu n.o 1:

«Qualquer compensação ligada a uma regra geral ou a um contrato de serviço público deve obedecer às disposições estabelecidas no artigo 4.o, independentemente das modalidades de adjudicação do contrato Qualquer compensação, seja qual for a sua natureza, ligada a um contrato de serviço público adjudicado por ajuste direto ao abrigo dos n.os 2, 4, 5 ou 6 do artigo 5.o ou ligada a uma regra geral deve obedecer, além disso, às disposições estabelecidas no anexo.»

11.      O anexo do referido regulamento (a seguir «anexo»), sob a epígrafe «Regras aplicáveis à compensação nos casos referidos no n.o 1 do artigo 6.o», enuncia, nos seus pontos 2 e 3:

«2.      A compensação não pode exceder um montante que corresponda ao efeito financeiro líquido decorrente da soma das incidências, positivas ou negativas, da execução da obrigação de serviço público sobre os custos e as receitas do operador de serviço público. As incidências devem ser avaliadas comparando a situação em que é executada a obrigação de serviço público com a situação que teria existido se a obrigação não tivesse sido executada. […]

3.      A execução da obrigação de serviço público pode ter um impacto sobre as eventuais atividades de transporte de um operador para além da obrigação ou obrigações de serviço público em causa. Para evitar a sobrecompensação ou a falta de compensação, devem por conseguinte ser tidos em conta, ao proceder ao cálculo da incidência financeira líquida, os efeitos financeiros quantificáveis sobre as redes do operador.»

B.      Direito búlgaro

1.      Lei relativa à Circulação Rodoviária

12.      O artigo 4.o das disposições finais da Zakon za avtomobilnite prevozi (Lei relativa à Circulação Rodoviária) (3), de 17 de setembro de 1999, na versão aplicável ao litígio no processo principal, enuncia, nos seus n.os 1 e 3:

«(1)      O Orçamento de Estado da República da Bulgária deve prever anualmente as despesas destinadas à:

1.      subvenção de transporte de passageiros em percursos não rentáveis de autocarros nos transportes urbanos, bem como de montanha e noutras zonas, sob proposta do Ministro dos Transportes, das Tecnologias da Informação e das Comunicações;

2.      compensação por perda de receitas provenientes da aplicação das tarifas de transporte previstas em atos legislativos para determinadas categorias de passageiros.

[…]

(3)      As condições e as modalidades de concessão dos fundos referidos no n.o 1, bem como as condições e modalidades de emissão dos títulos de transporte para o transporte de determinadas categorias de passageiros previstas na regulamentação, são determinadas por regulamento adotado pelo Conselho de Ministros, sob proposta do Ministro dos Transportes, das Tecnologias da Informação e das Comunicações.»

2.      Regulamento de 2005

13.      O Naredba no 3 za usloviata i reda za predostavyane na sredstva za subsidirane na prevoza na patnitsite po nerentabilni avtobusni linii vav vatreshnogradskia transport i transporta v planinski i drugi rayoni (Regulamento n.o 3 sobre as Condições e as Modalidades de Concessão de Fundos para a Subvenção do Transporte de Passageiros em Linhas de Autocarros não Rentáveis nos Transportes Urbanos e de Montanha e outras Zonas)      (4), de 4 de abril de 2005 (a seguir «Regulamento de 2005»), previa, no seu artigo 1.o, n.o 1:

«O presente regulamento fixa as condições e as modalidades de concessão das subvenções previstas no orçamento central para o transporte urbano e interurbano de passageiros nas zonas montanhosas e fronteiriças escassamente povoadas do país.»

3.      Regulamento de 2015

14.      O Naredba za usloviata i reda za predostavyane na sredstva za kompensirane na namalenite prihodi ot prilaganeto na tseni za obshtestveni patnicheski prevozi po avtomobilnia transport, predvideni v normativnite aktove za opredeleni kategorii patnitsi, za subsidirane na obshtestveni patnicheski prevozi po nerentabilni avtobusni linii vav vatreshnogradskia transport i transporta v planinski i drugi rayoni i za izdavane na prevozni dokumenti za izvarshvane na prevozite (Regulamento relativo às Condições e às Modalidades de Concessão de Fundos para Compensar a Perda de Receitas devida à Aplicação de Tarifas para o Transporte Público Rodoviário de Passageiros, previstas em Atos Legislativos para determinadas Categorias de Passageiros e para a Subvenção do Transporte Público de Passageiros em Linhas de Autocarro não Rentáveis nos Transportes Urbanos e nos Transportes em Montanha e outras Zonas, e de Emissão de Documentos de Transporte para a Prestação de Serviços de Transporte) (5), de 29 de março de 2015 (a seguir «Regulamento de 2015»), dispõe, no seu artigo 1.o, n.os 1 e 2:

«(1)      O presente regulamento define as condições e as modalidades de concessão de fundos previstos no orçamento central para compensar e subvencionar os transportadores que cumprem obrigações de serviço público para o transporte gratuito e a preço reduzido de passageiros e para o transporte urbano e interurbano de passageiros nas zonas montanhosas e outras zonas escassamente povoadas do país.

(2)      Os fundos referidos no n.o 1 constituem uma compensação por serviço público para o transporte público de passageiros na aceção do Regulamento [n.o 1370/2007] e são concedidos sob reserva das condições e modalidades prescritas pelo referido regulamento e pela legislação nacional em vigor.»

15.      O artigo 2.o, n.o 1, deste regulamento tem a seguinte redação:

«Os fundos referidos no presente regulamento são concedidos até ao limite do montante determinado pela Lei do Orçamento de Estado para o ano em causa.»

16.      Nos termos do artigo 3.o, n.os 1 e 4, do referido regulamento:

«(1) Os fundos abrangidos pelo presente regulamento são concedidos sob a forma de transferências específicas provenientes do orçamento central através do sistema de pagamentos orçamentais eletrónicos (sistema SEBRA). Para este efeito, são fixados limites para os municípios que respeitaram o processo legal de adjudicação dos serviços públicos de transporte de passageiros nos termos do Regulamento n.o 1370/2007 e das disposições da Lei dos Contratos Públicos ou da Lei das Concessões, sem prejuízo dos princípios da publicidade e da transparência, da concorrência livre e equitativa e da igualdade de tratamento e da não discriminação.

[…]

(4)      Os presidentes dos municípios remuneram os transportadores em função dos serviços de transporte efetivamente prestados.»

17.      O artigo 55.o, n.os 1 e 2, do mesmo regulamento enuncia:

«1.      As subvenções para o transporte de passageiros são concedidas às empresas de transporte através dos orçamentos dos municípios, num montante que não exceda a quantia correspondente à incidência financeira líquida do cumprimento da obrigação de serviço público.

2.      A incidência financeira líquida é determinada acrescentando os custos incorridos com a obrigação de serviço público imposta pela autoridade competente, incluída num contrato de serviço público e/ou numa regra geral, menos as incidências financeiras positivas geradas na rede explorada ao abrigo da obrigação de serviço público em causa, menos as receitas decorrentes da aplicação do tarifário ou quaisquer outras receitas decorrentes do cumprimento da obrigação de serviço público em causa, mais um lucro razoável.»

18.      O artigo 56.o do Regulamento de 2015 prevê:

«(1)      As subvenções só serão concedidas às empresas de transporte com as quais o município em causa tenha celebrado contratos que cumpram os requisitos do Regulamento n.o 1370/2007.

(2)      Os contratos regulam necessariamente as seguintes condições:

1.      os parâmetros com base nos quais é calculada a subvenção;

2.      a natureza, a extensão e o alcance dos direitos exclusivos conferidos e a duração do contrato;

3.      mecanismos para determinar os custos diretamente relacionados com a prestação de serviços, como os custos de pessoal, a energia, as taxas de utilização da infraestrutura, a manutenção e a reparação de veículos de transporte público, o material circulante e as instalações necessárias à prestação de serviços de transporte de passageiros, bem como a parte dos custos indiretos da prestação de serviços;

4.      os mecanismos de repartição das receitas ligadas às vendas de títulos de transporte, que podem ser conservadas pelo operador de serviço público, transferidas para a autoridade competente ou partilhadas entre ambos.

5.      o montante do lucro razoável;

6.      a obrigação de os presidentes dos municípios e as empresas de transporte procederem a controlos efetivos da regularidade dos passageiros nas linhas de transporte urbanas e interurbanas subvencionadas.

[…]

(4)      Quando as empresas de transporte não cumpram os termos dos contratos, os presidentes dos municípios podem reduzir o montante das subvenções e podem igualmente suspender a sua concessão.»

III. Litígio no processo principal, questões prejudiciais e tramitação processual no Tribunal de Justiça

19.      Por Decisão de 14 de agosto de 2013, o Governador da Oblast de Burgas (Bulgária) autorizou o presidente do Município de Pomorie a adjudicar diretamente, por um período máximo de seis meses, a prestação de serviços de transporte público de autocarro nas rotas especificadas nesta decisão, nomeadamente no que respeita à linha de autocarro entre as cidades de Pomorie e de Kableshkovo (Bulgária), bem como às linhas de autocarro urbanas n.os 1 e 2 de Pomorie. O contrato de serviço público devia ser celebrado por ajuste direto, em conformidade com o artigo 5.o, n.o 5, do Regulamento n.o 1370/2007, como medida de emergência para resolver o problema da interrupção do serviço público de transporte de passageiros nas linhas em causa, devido à cessação dos contratos anteriormente celebrados e à conclusão simultânea de um procedimento de adjudicação de um novo contrato de serviço público.

20.      Em 1 de novembro de 2013, com base na referida decisão, o Município de Pomorie, na qualidade de autoridade competente, e a Anhialo, enquanto operador de serviço público, celebraram um contrato nos termos do qual foi confiada a esta sociedade a exploração do serviço público de transporte de passageiros nas linhas de autocarros em causa (a seguir «contrato em causa»). O artigo 2.o deste contrato estipulava que este se mantinha vigente até à conclusão do procedimento previsto na Lei dos Contratos Públicos, pela autoridade competente. Por outro lado, nos termos do artigo 5.o do referido contrato, esta autoridade comprometia‑se a transferir para o operador, nos prazos fixados pelo Ministério das Finanças, os fundos correspondentes, se fosse caso disso, a uma subvenção, em conformidade com a legislação nacional em vigor, e a uma compensação pelas viagens gratuitas e a preço reduzido de determinadas categorias de cidadãos elegíveis, em aplicação desta legislação.

21.      Está provado que a Anhialo prestou os serviços de transporte previstos no contrato em causa. Em 15 de janeiro de 2019, este contrato foi rescindido no termo de um procedimento realizado em conformidade com a Lei dos Contratos Públicos. No que respeita ao período compreendido entre 1 de janeiro de 2016 e 31 de dezembro de 2018, em relação ao qual a Anhialo reclamou o pagamento das compensações devidas em conformidade com o contrato em causa, o Município de Pomorie pagou‑lhe a quantia de 3 690 levs búlgaros (BGN) (cerca de 1 886 euros à data relevante), que corresponde ao montante total dos fundos fixados e pagos pelo orçamento central da República da Bulgária a este município a título de subvenções pelos transportes urbanos e interurbanos.

22.      Contestando o montante desta quantia, a Anhialo intentou uma ação no Rayonen sad Pomorie (Tribunal de Primeira Instância de Pomorie, Bulgária). Uma peritagem judicial contabilística fixou a incidência financeira líquida, na aceção das disposições do anexo e do artigo 55.o do Regulamento de 2015, para esta sociedade relativamente aos anos de 2016 a 2018, que ascendia a cerca de 86 000 BGN (cerca de 43 800 euros à data relevante). Resulta também dessa peritagem que a organização contabilística da referida sociedade permitia uma repartição precisa dos custos e das receitas entre as atividades subvencionadas e não subvencionadas, em conformidade com os requisitos previstos no anexo. Neste órgão jurisdicional, a Anhialo pediu o pagamento de 24 931,60 BGN (cerca de 12 700 euros à data relevante), que representava parte do montante devido e não pago.

23.      Por Sentença de 8 de novembro de 2021, o Rayonen sad Pomorie (Tribunal de Primeira Instância de Pomorie) julgou a ação procedente. Este órgão jurisdicional considerou, nomeadamente, que o objetivo da compensação por serviço público, na aceção do Regulamento n.o 1370/2007, é compensar o efeito financeiro líquido negativo através da cobertura dos custos da prestação do serviço público suportados pelo operador e que, tendo o contrato em causa sido celebrado em 2013, o Município de Pomorie não pode alegar que a Anhialo não tem direito a uma compensação de serviço público pelo facto de este contrato não conter as condições obrigatórias referidas no artigo 56.o, n.o 2, do Regulamento de 2015. Com efeito, segundo o referido órgão jurisdicional, tendo em conta a data de adoção deste regulamento, a exigência prevista nesta disposição de indicar necessariamente os parâmetros com base nos quais a subvenção é calculada não se podia aplicar ao contrato em causa e, uma vez que a Anhialo prestou o serviço de transporte público para o qual este contrato foi celebrado, tem direito a uma subvenção e as autoridades competentes são obrigadas a conceder‑lhe uma compensação por serviço público em conformidade com o Regulamento n.o 1370/2007.

24.      O Município de Pomorie interpôs recurso desta sentença no Okrazhen sad Burgas (Tribunal Regional de Burgas), o órgão jurisdicional de reenvio, alegando que as condições previstas no Regulamento de 2015 também são aplicáveis no âmbito do Regulamento n.o 1370/2007. Este regulamento tem efeito direto desde a sua adoção, ou seja, em 23 de outubro de 2007, de modo que os requisitos previstos no seu artigo 4.o, n.o 1, estavam em vigor desde esta data e que a sua falta no contrato em causa torna o pagamento de uma subvenção totalmente infundado. O Município de Pomorie invocou também o artigo 5.o do contrato em causa, do qual concluiu que a sua obrigação de transferir subvenções não é incondicional, mas está subordinada à verificação das condições previstas na regulamentação nacional. Assim, na falta de uma subvenção transferida do orçamento central do Estado para o seu orçamento, não se lhe pode censurar o facto de não ter sigo paga nenhuma compensação por serviço público às empresas de transporte. Este município acrescentou que ele próprio não tinha o poder legal de determinar o montante das compensações e das subvenções, mas apenas de repartir as que lhe são atribuídas para um fim específico.

25.      A Anhialo alegou perante o órgão jurisdicional de reenvio que o artigo 56.o, n.o 2, do Regulamento de 2015 é uma disposição de natureza substantiva e que, enquanto tal, não tem efeito retroativo. Por conseguinte, a legalidade do contrato em causa não pode ser examinada à luz deste regulamento. O Regulamento n.o 1370/2007 prevê o direito inalienável do operador de serviço público a uma compensação por serviço público e este regulamento não proíbe expressamente o pagamento de uma tal compensação no caso de o contrato não satisfazer formalmente as exigências nele previstas. O objetivo do referido regulamento é assegurar a transparência do mecanismo de cálculo da compensação por serviço público e impedir a sobrecompensação, sem privar os operadores da compensação que lhes é devida. A Anhialo salientou também que, segundo as verificações efetuadas pela peritagem judicial contabilística, respeitou todas as exigências previstas no Regulamento n.o 1370/2007 e no Regulamento de 2015, no que respeita à compensação por serviço público. Segundo esta sociedade, tendo em conta o artigo 3.o, n.o 1, deste regulamento, a concessão de subvenções provenientes do orçamento central do Estado depende unicamente do município em causa e do respeito por este pelas exigências legais relativas à adjudicação dos contratos de serviço público. Por conseguinte, o Município de Pomorie, obrigado a assegurar os transportes públicos no seu território, continua a ser devedor de uma compensação integral ao operador de serviço público interessado, independentemente da questão de saber se foi ou não concedida uma subvenção.

26.      O órgão jurisdicional de reenvio salienta que o Regulamento de 2015 foi adotado com base na Lei relativa à Circulação Rodoviária, nomeadamente no artigo 4.o, n.o 1, das suas disposições finais, e que o artigo 2.o, n.o 1, deste regulamento prevê que os fundos são concedidos até ao montante fixado pela Lei do Orçamento de Estado para o ano em causa. Este órgão jurisdicional acrescenta que, ao mesmo tempo, o artigo 56.o, n.o 1, do referido regulamento dispõe que só são concedidas subvenções aos operadores de serviço público com os quais o município em causa tenha celebrado contratos que cumpram os requisitos previstos no Regulamento n.o 1370/2007 e que os restantes números deste artigo 56.o estabelecem requisitos adicionais relativamente ao conteúdo dos contratos celebrados com os operadores. Conforme interpretada pelas autoridades nacionais competentes, a regulamentação nacional prevê, em relação ao pagamento de uma compensação por serviço público, os requisitos segundo os quais esta foi prevista na Lei do Orçamento de Estado para o ano em causa e foi paga à autoridade competente. Caso contrário, esta última não está em condições de pagar legitimamente esta compensação ao operador de serviço público, apesar da execução efetiva do contrato de serviço público.

27.      No entanto, o Regulamento n.o 1370/2007, nomeadamente o seu artigo 6.o, n.o 1, não contém tais requisitos no que respeita ao pagamento de uma compensação por serviço público. Por conseguinte, o órgão jurisdicional de reenvio pretende saber se este regulamento permite que um Estado‑Membro introduza, através da sua legislação nacional ou de regras internas, requisitos e restrições adicionais em relação ao pagamento de uma compensação por serviço público a uma empresa de transportes pelo cumprimento de uma obrigação de serviço público.

28.      Por outro lado, o contrato em causa não define os parâmetros com base nos quais a compensação por serviço público é calculada, mas remete, a este respeito, para a regulamentação nacional. Segundo o órgão jurisdicional de reenvio, uma vez que o artigo 4.o, n.o 1, alínea b), i), do Regulamento n.o 1370/2007 menciona «os contratos de serviço público e as regras gerais», a utilização da conjunção «e» pode ser interpretada no sentido de que basta que os parâmetros com base nos quais a compensação é calculada sejam estabelecidos em regras gerais, a saber, as adotadas no âmbito do Regulamento de 2015 e, anteriormente, do Regulamento de 2005. A outra interpretação possível é a de que estes parâmetros devem necessariamente ser estabelecidos não só em regras gerais mas também no contrato de serviço público, na aceção deste regulamento.

29.      Neste contexto, o Okrazhen sad Burgas (Tribunal Regional de Burgas) suspendeu a instância e submeteu ao Tribunal de Justiça as seguintes questões prejudiciais:

«1)      As disposições do Regulamento [n.o 1370/2007] permitem a um Estado‑Membro introduzir, através da legislação nacional ou de regulamentação interna, requisitos e restrições adicionais em relação ao pagamento de compensações a uma empresa de transportes pelo cumprimento de uma obrigação de serviço público que não estejam previstos neste regulamento?

2)      O artigo 4.o, n.o 1, alínea b), i), do Regulamento [n.o 1370/2007] permite o pagamento de uma compensação à empresa de transportes pelo cumprimento de uma obrigação de serviço público quando os parâmetros com base nos quais é calculada a compensação não foram previamente estabelecidos num contrato de serviço público mas em disposições gerais e o efeito financeiro líquido ou o montante da compensação devida foi determinado em conformidade com o procedimento previsto [neste regulamento]?»

30.      Foram apresentadas observações escritas pelo Município de Pomorie, pelo Governo Búlgaro e pela Comissão Europeia. Estas duas últimas partes interessadas também apresentaram observações orais na audiência de alegações realizada em 21 de junho de 2023.

IV.    Análise

A.      Quanto à primeira questão prejudicial

31.      Com a sua primeira questão, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta, em substância, se o Regulamento n.o 1370/2007 deve ser interpretado no sentido de que se opõe a que um Estado‑Membro adote disposições segundo as quais uma compensação por serviço público, na aceção deste regulamento, só pode ser concedida a um operador de serviço público se os fundos correspondentes a esta compensação tiverem sido previstos na Lei do Orçamento desse Estado para o ano em causa e tiverem sido pagos à autoridade competente.

32.      A título preliminar, importa recordar que, nos termos do artigo 288.o, segundo parágrafo, TFUE, o regulamento é obrigatório em todos os seus elementos e diretamente aplicável em todos os Estados‑Membros. Assim, pela sua própria natureza e pela sua função no sistema de fontes do direito da União, as disposições dos regulamentos têm, regra geral, um efeito imediato nos ordenamentos jurídicos nacionais, sem necessidade de as autoridades nacionais tomarem medidas de execução. Uma vez que a aplicação de determinadas disposições de um regulamento o exija, os Estados‑Membros podem adotar medidas de execução deste, desde que não criem obstáculos à sua aplicabilidade direta, não dissimulem a sua natureza de ato de direito da União e precisem o exercício da margem de apreciação que lhes é conferida por este regulamento, não deixando de respeitar os limites das suas disposições (6).

33.      A este respeito, é com base nas disposições aplicáveis do regulamento em causa, interpretadas à luz dos seus objetivos, que se deve determinar se estas proíbem, impõem ou permitem que os Estados‑Membros aprovem certas medidas de execução e, nomeadamente neste último caso, se esta medida está abrangida pela margem de apreciação reconhecida a cada Estado‑Membro. Importa também recordar que todas as disposições do direito da União que preencham os requisitos exigidos para produzir efeito direto se impõem a todas as autoridades dos Estados‑Membros, isto é, não só aos órgãos jurisdicionais nacionais mas também a todos os órgãos da Administração, incluindo as autoridades descentralizadas, e estas autoridades são obrigadas a aplicá‑las (7).

34.      No que respeita às disposições pertinentes do Regulamento n.o 1370/2007 no caso em apreço, cabe salientar que, nos termos do artigo 1.o, n.o 1, deste regulamento, este tem por objetivo definir o modo como, no respeito das regras do direito da União, as autoridades competentes podem intervir no domínio do transporte público de passageiros para assegurar a prestação de serviços de interesse geral que sejam, designadamente, mais numerosos, mais seguros, de melhor qualidade e mais baratos do que aqueles que seria possível prestar apenas com base nas leis do mercado e que, para este fim, o referido regulamento define as condições em que as autoridades competentes, ao imporem obrigações de serviço público ou ao celebrarem contratos relativos a obrigações de serviço público, compensam os operadores de serviços públicos pelos custos incorridos e/ou concedem direitos exclusivos em contrapartida da execução de obrigações de serviço público.

35.      Por conseguinte, o Regulamento n.o 1370/2007 regula a atribuição a um operador público de uma «compensação por serviço público», definida, no seu artigo 2.o, alínea g), deste regulamento, como qualquer vantagem, nomeadamente financeira, concedida direta ou indiretamente por uma autoridade competente através de recursos públicos durante o período de execução de uma obrigação de serviço público ou ligada a este período. Como precisa o considerando 34 do referido regulamento, «[p]odem ser necessárias compensações por serviço público no setor dos transportes terrestres de passageiros, a fim de que as empresas encarregadas dos serviços públicos funcionem com base em princípios e em condições que lhes permitam cumprir as suas missões».

36.      Além disso, o artigo 3.o, n.o 1, do Regulamento n.o 1370/2007 enuncia que, quando uma autoridade competente decida conceder ao operador da sua escolha um direito exclusivo e/ou uma compensação, qualquer que seja a sua natureza, em contrapartida da execução de obrigações de serviço público, deve fazê‑lo no âmbito de um contrato de serviço público. O artigo 4.o, n.o 1, deste regulamento precisa que os contratos de serviço público e as regras gerais devem: a) definir claramente as obrigações de serviço público que os operadores de serviço público devem cumprir, e as zonas geográficas abrangidas; b) estabelecer, antecipadamente e de modo objetivo e transparente: i) os parâmetros com base nos quais deve ser calculada a compensação, se for caso disso, e ii) a natureza e a extensão dos direitos exclusivos eventualmente concedidos, por forma a evitar sobrecompensações; e c) estabelecer as modalidades de repartição dos custos ligados à prestação dos serviços.

37.      A este respeito, no que respeita ao artigo 4.o, n.o 1, alínea b), i), do Regulamento n.o 1370/2007, o Tribunal de Justiça declarou que, quanto à expressão «se for caso disso», resulta do contexto em que esta disposição se insere que esta expressão evoca a possibilidade, prevista no artigo 1.o, n.o 1, segundo parágrafo, e no artigo 3.o, n.o 1, deste regulamento, de as autoridades competentes optarem, no âmbito de um contrato de serviço público, por conceder aos operadores, em complemento ou em vez de direitos exclusivos, uma compensação em contrapartida da execução de obrigações de serviço público (8).

38.      Por outro lado, nos termos do artigo 5.o, n.o 5, do Regulamento n.o 1370/2007, a autoridade competente pode tomar uma medida de emergência, que pode ser realizada sob a forma de «adjudicação por ajuste direto», sendo esta definida, no artigo 2.o, alínea h), deste regulamento como a adjudicação de um contrato de serviço público a um determinado operador de serviços públicos sem qualquer processo prévio de concurso. Nesse caso, o referido regulamento prevê requisitos adicionais relativos à compensação por serviço público (9).

39.      Com efeito, por um lado, o artigo 4.o, n.o 1, alínea b), do Regulamento n.o 1370/2007 enuncia que, no caso de contratos de serviço público adjudicados em conformidade, nomeadamente, com o artigo 5.o, n.o 5, deste regulamento, os parâmetros com base nos quais deve ser calculada a compensação, se for caso disso, são determinados de modo que nenhuma compensação possa exceder o montante necessário para a cobertura do efeito financeiro líquido sobre os custos e as receitas decorrentes da execução das obrigações de serviço público, tendo em conta as respetivas receitas, conservadas pelo operador de serviço público, e um lucro razoável.

40.      Por outro lado, o artigo 6.o, n.o1, do Regulamento n.o 1370/2007 dispõe que qualquer compensação ligada a uma regra geral ou a um contrato de serviço público deve obedecer às disposições estabelecidas no artigo 4.o, independentemente das modalidades de adjudicação do contrato, e que qualquer compensação, seja qual for a sua natureza, ligada a um contrato de serviço público adjudicado por ajuste direto ao abrigo, nomeadamente, do n.o 5 do artigo 5.o ou ligada a uma regra geral deve obedecer, além disso, às disposições estabelecidas no anexo. Este indica, no seu ponto 2, que «[a]compensação não pode exceder um montante que corresponda ao efeito financeiro líquido decorrente da soma das incidências, positivas ou negativas, da execução da obrigação de serviço público sobre os custos e as receitas do operador de serviço público». O ponto 3 desse anexo precisa que «[a] execução da obrigação de serviço público pode ter um impacto sobre as eventuais atividades de transporte de um operador para além da obrigação ou obrigações de serviço público em causa» e que, «[p]ara evitar a sobrecompensação ou a falta de compensação, devem por conseguinte ser tidos em conta, ao proceder ao cálculo da incidência financeira líquida, os efeitos financeiros quantificáveis sobre as redes do operador».

41.      Resulta assim dos termos das disposições pertinentes do Regulamento n.o 1370/2007 que, tratando‑se de uma compensação por serviço público, este regulamento visa, antes de mais, prevenir uma sobrecompensação a favor do operador de serviço público (10), que conduziria a um enriquecimento sem causa deste. Há que salientar que o processo principal não diz respeito à situação de uma sobrecompensação mas, pelo contrário, a uma falta de compensação, que é também mencionada no ponto 3 do anexo, situação em que o operador é obrigado a respeitar as suas obrigações de serviço público, em conformidade com o contrato de serviço público, sem receber nenhuma contrapartida. A fim de evitar estes dois tipos de situações, um contrato de serviço público deve incluir os parâmetros de cálculo da compensação por serviço público, que devem ser fixados antecipadamente, de modo objetivo e transparente, e, além disso, no que respeita aos contratos objeto de adjudicação por ajuste direto, o montante da compensação deve ser determinado tendo em conta o efeito financeiro líquido para o operador de serviço público. Decorre também destas disposições que, como o Tribunal de Justiça salientou, o Regulamento n.o 1370/2007 obriga as autoridades competentes a conceder uma compensação pelos encargos decorrentes das obrigações de serviço público (11).

42.      No caso em apreço, resulta da decisão de reenvio que a Anhialo e o Município de Pomorie celebraram o contrato em causa no âmbito de uma adjudicação por ajuste direto nos termos do artigo 5.o, n.o 5, do Regulamento n.o 1370/2007. Por outro lado, não é contestado que esta sociedade tenha cumprido as obrigações de serviço público visadas neste contrato. No entanto, este município não lhe pagou a totalidade do montante da contribuição de serviço público a que tinha direito, conforme fixada por peritagem judicial. A este respeito, o órgão jurisdicional de reenvio salienta que, conforme interpretada pelas autoridades nacionais competentes, a regulamentação nacional prevê, em relação ao pagamento de uma compensação por serviço público, as exigências segundo as quais esta tenha sido prevista na Lei do Orçamento de Estado para o ano em causa e paga à autoridade competente. Ora, no caso em apreço, relativamente ao período em causa, o Município de Pomorie só pagou a Anhialo a quantia de 3 690 BGN (cerca de 1 886 euros à data relevante) (12), correspondente ao montante total dos fundos fixados e transferidos pelo orçamento central da República da Bulgária para esse município a título de subvenções aos transportes urbanos e interurbanos (13).

43.      Por conseguinte, numa causa como a do processo principal, há que concluir, por um lado, que os parâmetros com base nos quais a compensação por serviço público deve ser calculada não são estabelecidos antecipadamente, de modo objetivo e transparente. Com efeito, este montante depende dos fundos atribuídos pelo Orçamento de Estado, que podem variar de ano para ano, e segundo critérios que não estão ligados à execução do contrato de serviço público que o operador de serviço público celebrou. Ora, como enuncia o considerando 9 do Regulamento n.o 1370/2007, a fim de garantir a aplicação dos princípios da transparência, da igualdade de tratamento dos operadores concorrentes e da proporcionalidade, é indispensável, aquando da atribuição de compensações ou de direitos exclusivos, definir, num contrato de serviço público celebrado entre a autoridade competente e o operador de serviço público selecionado, a natureza das obrigações de serviço público e as contrapartidas acordadas.

44.      Por outro lado, no que respeita mais especificamente aos contratos de serviço público que foram objeto de adjudicação direta, o requisito segundo o qual os fundos devem ser fixados e pagos pelo orçamento central para que seja concedida ao operador uma contribuição de serviço público não tem em conta o efeito financeiro líquido sobre os custos e as receitas ocasionados pela execução de uma obrigação de serviço público, como exigido no artigo 6.o, n.o 1, do Regulamento n.o 1370/2007 e no anexo. Ora, um contrato de serviço público não pode limitar uma compensação por serviço público, cuja lógica é «retributiva» (14), ao montante concedido à autoridade competente, a partir do orçamento de Estado, uma vez determinada contratualmente esta obrigação.

45.      Acrescento que, como salientaram o Governo Búlgaro e a Comissão, um Estado‑Membro, se a sua capacidade orçamental não o permitir, pode decidir, no futuro, limitar a adjudicação de serviços públicos ou mesmo não celebrar contratos de serviço público. Em contrapartida, no que respeita ao passado, quando o contrato foi executado pelo operador de serviço público, como no processo principal, parece‑me evidente que este tem direito a uma compensação por serviço público em contrapartida das obrigações de serviço público que lhe foram impostas, em conformidade com o Regulamento n.o 1370/2007. Além da aplicação deste regulamento, importa recordar que o princípio da segurança jurídica, que faz parte dos princípios gerais do direito da União, exige, nomeadamente, que as regras jurídicas sejam claras, precisas e previsíveis nos seus efeitos (15).

46.      Além disso, de forma geral, nos termos do artigo 2.o, alínea e), do referido regulamento, uma «obrigação de serviço público» é a imposição definida ou determinada por uma autoridade competente com vista a assegurar serviços públicos de transporte de passageiros de interesse geral que um operador, caso considerasse o seu próprio interesse comercial, não assumiria, ou não assumiria na mesma medida ou nas mesmas condições sem contrapartidas. Na falta de uma compensação por serviço público adequada, nenhum operador estaria assim disposto a prestar estes serviços de interesse geral. Ora, a abordagem que consiste em associar o pagamento de uma determinada compensação por serviço público ao pagamento de uma subvenção concedida pelo Estado‑Membro à autoridade competente, em condições como as do processo principal, é suscetível de conduzir a uma não compensação ou a uma subcompensação, que podem comprometer a própria existência dos contratos de serviço público e das obrigações de serviço público a eles associadas.

47.      Neste contexto, tendo em conta a jurisprudência referida nos n.os 32 e 33 das presentes conclusões, há que concluir que a regulamentação nacional em causa não se inscreve no âmbito da margem de apreciação reconhecida a cada Estado‑Membro para adotar medidas de execução de um regulamento, neste caso, o Regulamento n.o 1370/2007, quanto à determinação da compensação por serviço público a que um operador de serviço público tem direito.

48.      Atendendo ao que precede, proponho que se responda à primeira questão que o Regulamento n.o 1370/2007 deve ser interpretado no sentido de que se opõe a que um Estado‑Membro adote disposições segundo as quais uma compensação por serviço público, na aceção deste regulamento, só pode ser concedida a um operador de serviço público se os fundos correspondentes tiverem sido previstos na Lei do Orçamento desse Estado para o ano em causa e tiverem sido pagos à autoridade competente.

B.      Quanto à segunda questão prejudicial

49.      Com a sua segunda questão, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta, em substância, se o artigo 4.o, n.o 1, alínea b), i), do Regulamento n.o 1370/2007 deve ser interpretado no sentido de que permite o pagamento de uma compensação por serviço público a um operador de serviço público quando os parâmetros com base nos quais esta compensação é calculada não estão estabelecidos num contrato de serviço público, mas são fixados antecipadamente em regras gerais que determinam o montante da referida compensação em conformidade com as disposições deste regulamento.

50.      A título preliminar, importa salientar que o artigo 2.o, alínea l), do Regulamento n.o 1370/2007 define uma «regra geral» como uma medida que é aplicável sem discriminação a todos os serviços de transporte público de passageiros de um mesmo tipo numa determinada zona geográfica da responsabilidade de uma autoridade competente.

51.      A fim de responder à questão submetida, importa recordar que, em conformidade com jurisprudência constante do Tribunal de Justiça, na interpretação de uma disposição do direito da União, há que ter em conta não só os seus termos mas também o contexto em que se insere e os objetivos da regulamentação de que faz parte (16).

52.      Em primeiro lugar, no que respeita à redação do artigo 4.o, n.o 1, alínea b), i), do Regulamento n.o 1370/2007, esta disposição enuncia que os contratos de serviço público «e» as regras gerais devem estabelecer, antecipadamente e de modo objetivo e transparente, os parâmetros com base nos quais deve ser calculada a compensação, se for caso disso, por forma a evitar sobrecompensações. Parece‑me claro que, com a utilização da conjunção «e», o legislador da União pretendeu incluir as «regras gerais» entre os elementos que permitem determinar o montante da compensação. Por outras palavras, os termos da referida disposição não impõem que todos os parâmetros do cálculo da compensação por serviço público sejam definidos num único documento, mas apenas que estes parâmetros sejam determinados antecipadamente, de modo objetivo e transparente.

53.      Em segundo lugar, no que respeita ao contexto em que se insere o artigo 4.o, n.o 1, alínea b), i), do Regulamento n.o 1370/2007, importa salientar que o artigo 2.o, alínea i), deste regulamento define o «contrato de serviço público» como um ou vários atos juridicamente vinculativos que estabeleçam o acordo entre uma autoridade competente e um operador de serviço público para confiar a este último a gestão e a exploração dos serviços públicos de transporte de passageiros sujeitos às obrigações de serviço público. Esta disposição enuncia, além disso, que, segundo o direito dos Estados‑Membros, o contrato pode também consistir numa decisão aprovada pela autoridade competente, que assume a forma de um ato individual, legislativo ou regulamentar, ou que contém condições ao abrigo das quais a autoridade competente presta ela própria os serviços ou confia a prestação destes serviços a um operador interno. Neste sentido, o considerando 9 deste regulamento enuncia que a forma e a designação deste contrato podem variar em função do direito interno dos Estados‑Membros.

54.      Assim, tendo em conta as diferenças entre os sistemas jurídicos dos Estados‑Membros, o legislador da União optou por conferir ao conceito de «contrato de serviço público», na aceção do Regulamento n.o 1370/2007, uma aceção ampla e flexível (17), que inclui atos de natureza contratual mas também outros tipos de atos de natureza diferente (18), reconhecendo a conjugação de um ato jurídico geral que atribui a gestão de serviços a um operador com um ato administrativo que pormenoriza os requisitos relativos aos serviços a prestar e que precisa o método aplicável ao cálculo da compensação (19). Este contexto corrobora, assim, a interpretação segundo a qual os parâmetros de cálculo da compensação por serviço público podem ser determinados por referência a regras gerais, de natureza legislativa ou regulamentar, desde que estas regras estabeleçam esses parâmetros antecipadamente, de modo objetivo e transparente.

55.      Em terceiro lugar, quanto aos objetivos prosseguidos pelo Regulamento n.o 1370/2007, como resulta dos seus considerandos 9 e 30, o objetivo de transparência reveste especial importância na definição dos parâmetros de cálculo da compensação por serviço público. Ora, para realizar este objetivo, não é necessário que todos os parâmetros de cálculo da compensação por serviço público estejam incluídos no contrato celebrado entre a autoridade competente e o operador de serviço público. Com efeito, uma vez que as regras gerais relativas aos parâmetros de cálculo da compensação são estabelecidas antecipadamente, de modo objetivo e transparente, como exige o artigo 4.o, n.o 1, alínea b), i), deste regulamento, e respeitam as condições previstas no anexo, um operador de serviço público pode determinar o montante da compensação que pode receber. Por outro lado, no âmbito da aplicação desta disposição, estas regras gerais devem ser facilmente acessíveis aos operadores em causa. É o que sucede, nomeadamente, quando tenham sido objeto de publicação no Jornal Oficial do Estado‑Membro em causa.

56.      Por conseguinte, proponho que se responda à segunda questão que o artigo 4.o, n.o 1, alínea b), i), do Regulamento n.o 1370/2007 deve ser interpretado no sentido de que permite o pagamento de uma compensação por serviço público a um operador de serviço público quando os parâmetros com base nos quais esta compensação é calculada não estão estabelecidos num contrato de serviço público, mas são fixados antecipadamente, de modo objetivo e transparente, em regras gerais que determinam o montante da referida compensação em conformidade com as disposições deste regulamento.

V.      Conclusão

57.      Atendendo às considerações anteriores, proponho ao Tribunal de Justiça que responda às questões prejudiciais submetidas pelo Okrazhen sad Burgas (Tribunal Regional de Burgas, Bulgária) nos seguintes termos:

1)      O Regulamento (CE) n.o 1370/2007 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 23 de outubro de 2007, relativo aos serviços públicos de transporte ferroviário e rodoviário de passageiros e que revoga os Regulamentos (CEE) n.o 1191/69 e (CEE) n.o 1107/70 do Conselho,

deve ser interpretado no sentido de que:

se opõe a que um Estado‑Membro adote disposições segundo as quais uma compensação por serviço público, na aceção deste regulamento, só pode ser concedida a um operador de serviço público se os fundos correspondentes a essa compensação tiverem sido previstos na Lei do Orçamento desse Estado para o ano em causa e tiverem sido pagos à autoridade competente.

2)      O artigo 4.o, n.o 1, alínea b), i), do Regulamento n.o 1370/2007

deve ser interpretado no sentido de que:

permite o pagamento de uma compensação a um operador de serviço público quando os parâmetros com base nos quais essa compensação é calculada não estão estabelecidos num contrato de serviço público, mas são fixados antecipadamente, de modo objetivo e transparente, em regras gerais que determinam o montante da referida compensação em conformidade com as disposições deste regulamento.


1      Língua original: francês.


2      Regulamento do Parlamento Europeu e do Conselho, de 23 de outubro de 2007, relativo aos serviços públicos de transporte ferroviário e rodoviário de passageiros e que revoga os Regulamentos (CEE) n.o 1191/69 e (CEE) n.o 1107/70 do Conselho (JO 2007, L 315, p. 1). Nos termos do artigo 12.o do Regulamento n.o 1370/2007, este entrou em vigor em 3 de dezembro de 2009.


3      DV n.o 82, de 17 de setembro de 1999.


4      DV n.o 33, de 15 de abril de 2005.


5      DV n.o 51, de 7 de julho de 2015.


6      V. Acórdão de 22 de janeiro de 2020, Ursa Major Services (C‑814/18, EU:C:2020:27, n.os 33 e 34 e jurisprudência referida).


7      V. Acórdão de 22 de janeiro de 2020, Ursa Major Services (C‑814/18, EU:C:2020:27, n.os 35 e 36 e jurisprudência referida).


8      V. Acórdão de 8 de setembro de 2022, Lux Express Estonia (C‑614/20, EU:C:2022:641, n.os 73 e 74).


9      A este respeito, o considerando 27 do Regulamento n.o 1370/2007 enuncia que, quando tencionar adjudicar um contrato de serviço público sem concurso, a autoridade competente deverá também respeitar regras pormenorizadas que assegurem a adequação do montante das compensações e que correspondam a uma preocupação de eficácia e qualidade dos serviços. Além disso, nos termos do considerando 30 deste regulamento, os contratos de serviço público adjudicados por ajuste direto deverão estar subordinados a maior transparência.


10      Neste sentido, o considerando 27 do Regulamento n.o 1370/2007 enuncia também que a compensação concedida pelas autoridades competentes para cobrir os custos decorrentes da execução das obrigações de serviço público deverá ser calculada de modo que se evite a sobrecompensação.


11      V. Acórdão de 8 de setembro de 2022, Lux Express Estonia (C‑614/20, EU:C:2022:641, n.o 71).


12      Na audiência, não foi contestado que, no caso em apreço, o não pagamento integral da compensação de serviço publico devida tem caráter definitivo.


13      Nas suas observações escritas, o Governo Búlgaro alega que, em caso de insuficiência dos fundos de compensação atribuídos pelo orçamento central a um município, este poderia suprir essa insuficiência com fundos provenientes do orçamento municipal. No entanto, uma vez que esta situação não é objeto das questões prejudiciais submetidas pelo órgão jurisdicional de reenvio, não será aqui analisada detalhadamente.


14      V., neste sentido, Conclusões do advogado‑geral M. Campos Sánchez‑Bordona no processo Lux Express Estonia (C‑614/20, EU:C:2022:180, n.os 39 a 42).


15      V. Acórdão de 27 de abril de 2023, BVAEB (Montante da pensão de reforma) (C‑681/21, EU:C:2023:349, n.o 51 e jurisprudência referida).


16      Acórdão de 4 de maio de 2023, Bundesrepublik Deutschland (Caixa de correio eletrónico dos tribunais) (C‑60/22, EU:C:2023:373, n.o 49 e jurisprudência referida).


17      V., na doutrina, Vieu, P., «À propos de l’intégration de l’Europe des transports. Observations sur l’interprétation et l’application de la norme européenne: le cas du règlement OSP», RTD eur., 2010, n.o 2, pp. 297 à 331, em particular p. 320.


18      V., na doutrina, Franco Escobar S. E., «Las compensaciones económicas por obligaciones de servicio público en el transporte regular de viajeros por carretera», Financiación de las obligaciones de servicio público: ayudas públicas a las telecomunicaciones, televisión, correos y transporte aéreo, marítimo y terrestre, Tirant lo Blanch, 2009, Madrid, pp. 201 à 230, em particular p. 211.


19      V., neste sentido, Comunicação da Comissão sobre as orientações interpretativas respeitantes ao Regulamento n.o 1370/2007 (JO 2014, C 92, p. 1), especialmente o n.o 2.2.1.