Language of document : ECLI:EU:T:2001:100

ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DE PRIMEIRA INSTÂNCIA (Quarta Secção Alargada)

21 de Março de 2001 (1)

«Auxílios de Estado - Auxílios ao investimento em materiais no sector do transporte combinado - Artigo 93.° do Tratado CE (actual artigo 88.° CE) - Recurso de anulação - Admissibilidade»

No processo T-69/96,

Hamburger Hafen- und Lagerhaus Aktiengesellschaft, com sede em Hamburgo (Alemanha),

Z entralverband der Deutschen Seehafenbetriebe eV, com sede em Hamburgo,

e

Unternehmensverband Hafen Hamburg eV, com sede em Hamburgo,

representadas por E. A. Undritz e G. Schohe, advogados, com domicílio escolhido no Luxemburgo,

recorrentes,

contra

Comissão das Comunidades Europeias, representada por P. F. Nemitz, na qualidade de agente, com domicílio escolhido no Luxemburgo,

recorrida,

que tem por objecto um pedido de anulação das decisões da Comissão, comunicadas ao Governo neerlandês em 25 de Outubro e 6 de Dezembro de 1995, relativas aos projectos de auxílios de Estado n.os 618/95 e 484/95,

O TRIBUNAL DE PRIMEIRA INSTÂNCIA

DAS COMUNIDADES EUROPEIAS (Quarta Secção Alargada),

composto por: V. Tiili, presidente, P. Lindh, R. M. Moura Ramos, J. D. Cooke e P. Mengozzi, juízes,

secretário: J. Palacio González, administrador,

vistos os autos e após a audiência de 28 de Junho de 2000,

profere o presente

Acórdão

     Factos na origem do litígio

1.
    Por carta de 28 de Abril de 1995, as autoridades neerlandesas notificaram a Comissão um projecto de auxílio de Estado, registado sob o n.° 484/95. Por carta de 6 de Dezembro de 1995, a Comissão comunicou-lhes a sua decisão de não levantar objecções à concessão do auxílio. Esta decisão tinha sido tomada em 20 de Setembro de 1995, após obtenção, junto das autoridades neerlandesas, de informações complementares acerca do auxílio previsto.

2.
    O auxílio n.° 484/95 consistia num subsídio a fundo perdido de 241 000 ecus à empresa NS Cargo, destinado a facilitar a compra de duas composições de 20 vagões ferroviários destinados ao transporte combinado de mercadorias. Oobjectivo deste auxílio era o desenvolvimento do transporte combinado caminho-de-ferro/estrada, em particular no trajecto Roterdão-Praga.

3.
    Por carta de 27 de Junho de 1995, as autoridades neerlandesas notificaram à Comissão um segundo projecto de auxílio de Estado, que consistia num regime geral de auxílios, igualmente destinado a investimentos em material de transporte combinado caminho-de-ferro/estrada. Este projecto foi registado sob o n.° 618/95 e, por carta de 25 de Outubro de 1995 dirigida ao Governo neerlandês, a Comissão comunicou a sua decisão de não levantar objecções à concessão do mesmo.

4.
    O auxílio n.° 618/95 consistia em subsídios a fundo perdido num montante total de 960 000 ecus, que deviam ser concedidos em 1995 e 1996 a empresas do sector do transporte combinado caminho-de-ferro/estrada.

5.
    Tanto na sua carta de 25 de Outubro de 1995 como na de 6 de Dezembro de 1995, a Comissão fundamentou as suas decisões (a seguir «decisões controvertidas») indicando que «[e]stas medidas de auxílio inscrevem-se no quadro da política comum intermodal e, em particular, correspondem ao objectivo definido da política comum de transportes de desenvolver o transporte combinado, incluindo através de comparticipações públicas em investimentos em materiais especializados». Ainda segundo as mesmas cartas, as decisões desfavoráveis baseavam-se no artigo 3.°, n.° 1, alínea e), do Regulamento (CEE) n.° 1107/70, de 4 de Junho de 1970, relativo aos auxílios concedidos no domínio dos transportes ferroviários, rodoviários e por via navegável (JO L 130, p. 1; EE 08 F1 p. 164), modificado pelo Regulamento (CEE) n.° 3578/92 do Conselho, de 7 de Dezembro de 1992 (JO L 364, p. 11).

6.
    O artigo 3.°, n.° 1, alínea e), do Regulamento n.° 1107/70 autorizava os Estados-Membros a tomar, até 31 de Dezembro de 1995, medidas de coordenação dos transportes que envolvessem a concessão de auxílios a título do artigo 77.° do Tratado CE (actual artigo 73.° CE), desde que os auxílios fossem concedidos a título temporário e se destinassem a facilitar o desenvolvimento dos transportes combinados, devendo, nomeadamente, respeitar a «investimentos em materiais de transporte especificamente adaptados aos transportes combinados e utilizados exclusivamente no transporte combinado».

7.
    A recorrente Hamburger Hafen- und Lagerhaus (a seguir «HHLA») é uma empresa que assegura o transbordo e a armazenagem de mercadorias no porto de Hamburgo.

8.
    As recorrentes Unternehmensverband Hafen Hamburg (a seguir «UVHH») e Zentralverband der Deutschen Seehafenbetrieb (a seguir «ZDS») são associações empresariais que representam os interesses dos portos marítimos alemães.

9.
    A empresa NS Cargo, beneficiária do auxílio n.° 484/95, é uma filial da empresa ferroviária neerlandesa Nederlandse Spoorwegen (a seguir «NS»). Tem como actividade o transporte de mercadorias.

10.
    Em Setembro de 1995, a HHLA tomou conhecimento, através da imprensa, dos projectos de auxílio do Governo neerlandês. Em 23 de Outubro de 1995, o seu advogado contactou a Comissão a fim de saber se os projectos lhe tinham sido notificados. Por carta de 28 de Novembro de 1995, a HHLA apresentou queixa contra os dois projectos de auxílio, pedindo acesso aos documentos do respectivo processo e a abertura do procedimento previsto no artigo 93.°, n.° 2, do Tratado CE (actual artigo 88.°, n.° 2).

11.
    Na sequência de contacto telefónico com um agente da Comissão, em 29 de Novembro de 1995, o advogado da HHLA ficou a saber que os auxílios em causa tinham sido declarados compatíveis com o mercado comum e que o procedimento visado no artigo 93.°, n.° 2, do Tratado não tinha, por conseguinte, sido instaurado.

12.
    A partir de 1 de Dezembro de 1995, a HHLA solicitou diversas vezes à Comissão que lhe fosse transmitido o texto de qualquer decisão relativa aos projectos de auxílio em questão e, por carta de 4 de Fevereiro de 1996, convidou-a no sentido de agir na acepção do artigo 175.° do Tratado CE (actual artigo 232.° CE). Em 8 de Março de 1996, a Comissão transmitiu à HHLA cópia das duas decisões dirigidas ao Governo neerlandês, respeitantes aos projectos de auxílio de Estado n.os 484/95 e 618/95.

13.
    A Comissão indeferiu o pedido de acesso a outros documentos. Nem os projectos de auxílio nem as decisões controvertidas foram publicados no Jornal Oficial das Comunidades Europeias.

Tramitação processual

14.
    Por petição que deu entrada na Secretaria do Tribunal de Primeira Instância em 13 de Maio de 1996, as recorrentes interpuseram o presente recurso.

15.
    Por acto separado, que deu entrada na Secretaria em 1 de Outubro de 1996, a recorrida suscitou uma questão prévia de inadmissibilidade, ao abrigo do artigo 114.°, n.° 1, do Regulamento de Processo do Tribunal de Primeira Instância, no que respeita à decisão n.° 618/95.

16.
    Em 13 de Dezembro de 1996, as recorrentes apresentaram as suas observações acerca da questão prévia de inadmissibilidade.

17.
    Por despacho de 4 de Agosto de 1997, o Tribunal decidiu reservar para final a decisão sobre essa questão prévia de inadmissibilidade.

18.
    Em 8 de Agosto de 1997, o Tribunal convidou as partes a responder a determinadas questões.

19.
    Em 20 de Junho de 2000, as recorrentes solicitaram ao Tribunal autorização para incorporar no processo um estudo, realizado pela Planco Consulting GmbH em 19 de Junho de 2000, acerca da relação existente entre o tráfico interno proveniente de e com destino a portos marítimos, por um lado, e a concorrência entre portos marítimos, por outro.

20.
    Em 21 de Junho de 2000, o presidente da Quarta Secção Alargada decidiu incorporar o referido documento no processo.

21.
    Com base no relatório preliminar do juiz-relator, o Tribunal (Quarta Secção Alargada) decidiu dar início à fase oral do processo.

22.
    Foram ouvidas as alegações das partes e as suas respostas às perguntas orais do Tribunal, na audiência de 28 de Junho de 2000.

Conclusões das partes

23.
    As recorrentes concluem pedindo que o Tribunal se digne:

-    anular as decisões controvertidas;

-    condenar a recorrida nas despesas.

24.
    A recorrida conclui pedindo que o Tribunal se digne:

-    julgar o recurso inadmissível, na parte em que respeita ao auxílio n.° 618/95;

-    julgar o recurso inadmissível, ou improcedente por falta de fundamento, na parte em que respeita ao auxílio n.° 484/95;

-    condenar as recorrentes nas despesas.

Quanto à admissibilidade

Argumentação das partes

25.
    Segundo a recorrida, as recorrentes não são individualmente visadas pela decisão relativa ao auxílio n.° 618/95. A este respeito, a mesma explica que a medida de auxílio em questão instituiu, na realidade, um regime geral de auxílios. A decisão da Comissão relativa ao auxílio n.° 618/95 produz, por conseguinte, efeitos jurídicosem relação a uma categoria de pessoas considerada de modo abstracto. Isto mesmo é ilustrado pelo quarto parágrafo da carta de 25 de Outubro de 1995, que descreve as beneficiárias do auxílio como «pessoas colectivas privadas estabelecidas nos Países Baixos e que exploram, a título profissional e para efeitos de transporte combinado, material de transporte de que são proprietárias».

26.
    Além disso, as recorrentes não são directamente afectadas pela decisão relativa ao auxílio n.° 618/95. Quanto a esta questão, a Comissão explica que, visto num regime geral de auxílios a concessão real de um auxílio só se verificar mediante uma decisão tomada pelas autoridades competentes do Estado-Membro em causa, a decisão da Comissão não diz directamente respeito a qualquer das potenciais beneficiárias. Por consequência, as recorrentes também não poderiam ser directamente afectadas pela decisão da Comissão, mesmo que provassem ser concorrentes directas das potenciais beneficiárias.

27.
    Seguidamente, a Comissão alega que, de resto, as recorrentes não são concorrentes das potenciais beneficiárias do regime de auxílios. A este respeito, sublinha que as recorrentes se dedicam a actividades exclusivamente portuárias, enquanto as potenciais beneficiárias do regime de auxílios são empresas de transporte.

28.
    A Comissão contesta igualmente a admissibilidade do recurso na parte em que este diz respeito à decisão relativa ao auxílio n.° 489/95. Nomeadamente, alega não existir qualquer relação de concorrência directa e actual entre as recorrentes, de um lado, e a beneficiária do auxílio, a empresa NS Cargo, por outro. Segundo a Comissão, apenas as empresas de transporte entre Roterdão e Praga são, no quadro do auxílio controvertido, concorrentes da NS Cargo. A Comissão chama a atenção para o facto de que as recorrentes não demonstraram, de forma alguma, em que é que consistira a desvantagem concorrencial por elas sofrida em virtude do auxílios em questão. Por consequência, não podem ser consideradas «interessadas» na acepção do artigo 93.°, n.° 2, do Tratado.

29.
    Segundo as recorrentes, a HHLA deve ser considerada «interessada» na acepção do artigo 93.°, n.° 2, do Tratado, e é, por conseguinte, individualmente afectada pelas decisões controvertidas. Sublinham, a este respeito, que, em razão da interpermutabilidade, do ponto de vista quer dos operadores de navios quer dos expedidores do interior da Europa, das actividades de transbordo nos diferentes portos marítimos situados entre Hamburgo e o Havre, a HHLA é concorrente da empresas de transbordo que operam no porto de Roterdão. Estas empresas estão reunidas no seio da sociedade Europe Combined Terminal (a seguir «ECT»). Ora, no essencial, a beneficiária dos auxílios controvertidos é a ECT e não a NST Cargo ou as outras empresas de transporte que operam a partir do porto de Roterdão. No que respeita ao auxílio n.° 618/95, na realidade, não se trata de um regime geral de auxílios mas de uma comparticipação financeira única de que a ECT é beneficiária. As empresas de transporte serviram de meras intermediárias, uma vez que as vantagens concorrenciais se destinaram às empresas de transbordo. Asrecorrentes sublinham, a este respeito, que a NS Cargo detém 10% do capital da ECT.

30.
    As recorrentes consideram igualmente que a HHLA é directamente afectada pelas decisões controvertidas. Estas últimas tinham-se traduzido, nomeadamente, numa vantagem directa para a ECT, na medida em que os operadores de navios e os expedidores optam mais frequentemente pelo porto de Roterdão em razão das reduções dos custos obtidas pelas empresas de transporte que operam a partir deste porto graças aos auxílios controvertidos. Nesta medida, as decisões controvertidas acarretaram uma desvantagem directa para as empresas de transbordo que operam nos portos concorrentes do porto de Roterdão, como o de Hamburgo. A circunstância de as autoridades neerlandesas ainda não terem concedido todos os auxílios em nada altera esta situação, pois, em primeiro lugar, é certo que aquelas autoridades pagariam os montantes de auxílios autorizados pela Comissão e, em segundo lugar, os critérios de pagamento já tinham sido fixados de forma detalhada e vinculativa por esta última.

31.
    Em seguida, as recorrentes consideram que a UVHH e a ZDS devem, também elas, ser consideradas individual e directamente afectadas pelas decisões controvertidas enquanto organizações profissionais das concorrentes beneficiárias dos auxílios.

32.
    Acrescentam que, mesmo que o Tribunal decida que o auxílio n.° 618/95 constitui um regime geral de auxílios, nem por esse facto o recurso deixa de ser admissível relativamente à UVHH e à ZDS. A este respeito, salientam que, de acordo com jurisprudência constante, as associações dispõem de um direito de recurso mesmo que o acto litigioso apresente alcance geral. Quanto a esta questão, as recorrentes recordam que basta o acto litigioso respeitar a uma associação no seu papel de interlocutora privilegiada da Comissão para que aquela possa interpor recurso de anulação. Ao abrigo dos direitos de defesa reconhecidos pela jurisprudência nos processos administrativos relativos a auxílios de Estado, tais associações gozavam do direito de apresentar observações à Comissão antes da adopção das decisões controvertidas

33.
    Por último, as recorrentes explicam que o presente recurso de anulação é a única via jurídica de que dispõem para impugnar os auxílios controvertidos. Não lhes é possível, nomeadamente, impugnar os actos respeitantes ao pagamento de auxílios perante os órgãos jurisdicionais neerlandeses, dada a dificuldade inultrapassável de obter informações sobre tais actos.

Apreciação do Tribunal

34.
    Nos termos do artigo 173.°, quarto parágrafo, do Tratado CE (que passou, após alteração, a artigo 230.°, quarto parágrafo, CE), uma pessoa singular ou colectiva só pode interpor recurso de uma decisão dirigida a outra pessoa se a referidadecisão lhe disser directa e individualmente respeito. Tendo as decisões controvertidas sido dirigidas ao Governo neerlandês, deve examinar-se, em primeiro lugar, se dizem individualmente respeito às recorrentes.

35.
    Segundo jurisprudência constante, os sujeitos que não são os destinatários de uma decisão só podem pretender ser individualmente afectados se essa decisão os afectar em razão de certas qualidades que lhes são próprias ou de uma situação de facto que os caracterize em relação a qualquer outra pessoa e, nessa medida, os individualiza de modo análogo ao do destinatário (acórdãos do Tribunal de Justiça de 15 de Julho de 1963, Plaumann/Comissão, 25/62, Colect., p. 279, e de 28 de Janeiro de 1986, Cofaz e o./Comissão, 169/84, Colect., p. 391, n.° 22; acórdãos do Tribunal de Primeira Instância de 15 de Dezembro de 1998, BP Chemicals/Comissão, T-11/95, Colect., p. II-3235, n.° 71, e de 15 de Dezembro de 1999, T-132/96 e T-143/96, Freistaat Sachsen e o./Comissão, Colect., p. II-3663, n.° 83).

36.
    No âmbito do controlo dos auxílios de Estado, a fase preliminar do exame dos auxílios, instituída pelo artigo 93.°, n.° 3, do Tratado, que tem unicamente por objectivo permitir à Comissão formar uma primeira opinião sobre a compatibilidade parcial ou total do auxílio em causa, deve ser distinguida da fase de exame do artigo 93.°, n.° 2, do Tratado. É apenas no âmbito desta última, que se destina a permitir à Comissão ter uma informação completa sobre a totalidade dos dados do processo, que o Tratado prevê a obrigação de a Comissão notificar os interessados para apresentarem as suas observações (acórdão do Tribunal de Primeira Instância de 16 de Setembro de 1998, Waterleiding Maatschappij/Comissão, T-188/95, Colect., p. II-3713, n.° 52).

37.
    Quando, sem iniciar o processo do artigo 93.°, n.° 2, do Tratado, a Comissão verifica, no âmbito do n.° 3 do mesmo artigo, que um auxílio é compatível com o mercado comum, os beneficiários destas garantias processuais só podem obter o seu respeito se tiverem a possibilidade de contestar perante o juiz comunitário esta decisão da Comissão (acórdãos do Tribunal de Justiça de 19 de Maio de 1993, Cook/Comissão, C-198/91, Colect., p. I-3203, n.° 17, e de 15 de Junho de 1993, Matra/Comissão, C-225/91, Colect., p. I-3203, n.° 17; acórdão Waterleiding Maatschappij/Comissão, já referido, n.° 53). Por estes motivos, o Tribunal de Justiça e o Tribunal de Primeira Instância declaram admissível um recurso em que se pede a anulação de uma decisão adoptada com base no artigo 93.°, n.° 3, do Tratado, por um interessado na acepção do artigo 93.°, n.° 2, do Tratado, quando o interessado pretenda, através da interposição do seu recurso, salvaguardar os direitos processuais que o artigo 93.°, n.° 2, do Tratado lhe confere (acórdãos Cook/Comissão, já referido, n.os 23 a 26, Matra/Comissão, já referido, n.os 17 a 20 e Waterleiding Maatschappij/Comissão, já referido, n.° 53).

38.
    No caso vertente, as decisões controvertidas foram adoptadas com base no artigo 93.°, n.° 3, do Tratado, sem que a Comissão tenha iniciado o processo formal previsto pelo artigo 93.°, n.° 2, do Tratado. Acresce que as recorrentes pedem aanulação das decisões controvertidas com fundamento em que a Comissão não instaurou o referido processo no presente caso. Com efeito, as mesmas entendem que a abertura desse processo se impunha, uma vez que uma primeira apreciação dos auxílios em questão suscitava dificuldades sérias quanto à sua compatibilidade com o mercado comum.

39.
    À luz dos elementos que precedem, as recorrentes deverão, portanto, ser consideradas directa e individualmente afectadas pelas decisões controvertidas se se verificar que possuem a qualidade de interessadas na acepção do artigo 93.°, n.° 2, do Tratado.

40.
    Resulta de jurisprudência constante que os interessados visados pelo artigo 93.°, n.° 2, do Tratado são, não só, a empresa ou empresas favorecidas por um auxílio, mas também as pessoas, empresas ou associações eventualmente afectadas nos seus interesses pela concessão dos auxílios, nomeadamente, as empresas concorrentes e as organizações profissionais (acórdão do Tribunal de Justiça de 14 de Novembro de 1984, Intermills/Comissão, 323/82, Recueil, p. 3809, n.° 16; Cook/Comissão, já referido, n.° 24; Matra/Comissão, já referido, n.° 18; e de 2 de Abril de 1998, Comissão/Sytraval e Brink's France, C-367/95 P, Colect., p. I-1719, n.° 41, que confirma o acórdão do Tribunal de Primeira Instância de 28 de Setembro de 1995, Sytraval e Brink's France/Comissão, T-95/94, Colect., p. II-2651).

41.
    Resulta igualmente da jurisprudência que, para que o seu recurso seja admissível, o concorrente do beneficiário do auxílio deve demonstrar que a sua posição concorrencial no mercado é afectada pela concessão do auxílio. Caso contrário, não se verifica a qualidade de interessado na acepção do artigo 93.°, n.° 2, do Tratado (acórdão Waterleiding Maatschappij/Comissão, já referido, n.° 62).

42.
    No caso vertente, no que toca à afectação da posição das recorrentes no mercado, deve sublinhar-se, em primeiro lugar, que as mesmas não são concorrentes directas das beneficiárias dos auxílios controvertidos, uma vez que estas se dedicam ao transporte combinado de mercadorias caminho-de-ferro/estrada, enquanto as recorrentes são, uma delas, uma empresa que assegura o transporte e a armazenagem de mercadorias no porto de Hamburgo e, as outras duas, associações que representam, nomeadamente, os interesses de empresas que desenvolvem a referida actividade nos portos marítimos alemães. Esta conclusão não é invalidada pelo estudo da Planco Consulting GmbH. Este estudo visa demonstrar que uma redução dos custos dos transportes internos provenientes de e com destino a portos marítimos influencia a concorrência entre portos, mas não prova que os operadores no domínio do transbordo e da armazenagem de mercadorias nos portos alemães sejam concorrentes directos das beneficiárias dos auxílios controvertidos.

43.
    Além disso, há que concluir que as recorrentes não provaram ter sido afectadas pelas decisões controvertidas.

44.
    A este respeito, as mesmas invocam as reduções de volumes de negócios que registaram no quadro do transporte de mercadorias com destino a Praga. Ora, por um lado, resulta do conjunto do processo que os volumes de negócios das recorrentes não sofreram, durante os anos da concessão dos auxílios, uma redução substancial e, por outro, as recorrentes não fizeram prova da existência de uma ligação directa entre estas reduções e a concessão dos auxílios controvertidos.

45.
    Com efeito, as recorrentes apresentam, a este respeito, volumes de negócios realizados pela Metrans, sociedade controlada pela HHLA e que assegurava o transporte interno de contentores no trajecto Hamburgo-Praga e Zelechovice entre Janeiro de 1992 e Dezembro de 1996, os quais demonstrariam que, no momento da entrada em funcionamento do transporte intermodal de Roterdão (directamente comparticipado pelo auxílio n.° 489/95), o porto de Roterdão teria ganho as quantidades de contentores perdidas pelo porto de Hamburgo.

46.
    Ora, deve observar-se que, embora segundo os dados do quadro que figura no anexo 24 da réplica resulte que, durante o mês de Setembro de 1994, isto é, aquando da entrada em funcionamento do transporte intermodal entre Roterdão e Praga, os volumes de negócios da Metrans sofreram uma redução, resulta desse mesmo quadro que a partir de Outubro de 1994 tais volumes aumentaram de novo, paralelamente aos do referido transporte. Mesmo supondo que o transporte intermodal de Roterdão tenha, de facto, absorvido uma parte das actividades dos comboios que partem do porto de Hamburgo, tal situação revelou-se provisória e não afectou seriamente os volumes de negócios dos operadores alemães. Além disso, como a redução temporária dos volumes de negócios da Metrans se registou nos meses de Agosto e Setembro de 1994, isto é, aquando da entrada em funcionamento do transporte intermodal entre Roterdão e Praga, e não durante os anos de 1995 e 1996, quando o auxílio foi concedido, pode considerar-se que qualquer eventual repercussão nas actividades dos operadores alemães deve ser atribuída à referida entrada em funcionamento e não à concessão do auxílio.

47.
    Por último, a única conclusão que se pode retirar dos dados fornecidos pelas partes é a de que, durante os anos de 1994 a 1996, os portos marítimos alemães se desenvolveram mais, no que respeita ao transporte interno para a Europa de Leste, do que o porto de Roterdão, facto este que as recorrentes admitiram. Em particular, o anexo 20 da réplica, que contém um extracto das estatísticas oficiais da navegação marítima elaboradas pelo Instituto Federal de Estatística, sobre a evolução do transbordo de contentores nos portos de Hamburgo, Brême e Bremerhaven durante os anos de 1994 a 1996, indica que o número de contentores transbordados continuou a aumentar de forma regular.

48.
    Por conseguinte, as recorrentes não forneceram elementos suficientes de natureza a demonstrar que a sua posição concorrencial no mercado foi afectada pela concessão dos auxílios controvertidos.

49.
    No que respeita à pretensa admissibilidade do recurso da UVHH e da ZDS, enquanto associações que representam os interesses dos portos marítimos alemães, deve recordar-se que, segundo jurisprudência constante, uma associação constituída para promover os interesses colectivos de uma categoria de cidadãos não pode ser considerada individualmente atingida, na acepção do artigo 173.°, quarto parágrafo, do Tratado, por um acto que afecta os interesses gerais dessa categoria e, por conseguinte, não pode interpor um recurso de anulação quando os seus membros não o possam fazer a título individual (acórdãos do Tribunal de Justiça de 14 de Dezembro de 1962, Fédération nationale de la boucherie en gros et du commerce en gros des viandes e o./Conselho, 19/62 a 22/62, Recueil, p. 943, Colect. 1962-1964, p. 191, e de 2 de Abril de 1998, Greenpeace Council e o./Comissão, C-321/95, Colect., p. I-1651, n.os 14 e 29). Ora, no caso vertente, uma vez que a UVHH e a ZDS não provaram que os seus membros podem interpor um recurso admissível, estas associações também não podem fazê-lo.

50.
    Por outro lado, o recurso das referidas associações não pode ser considerado admissível na acepção dos acórdãos do Tribunal de Justiça de 2 de Fevereiro de 1988, Van der Kooy e o./Comissão (67/85, 68/85 e 70/85, Colect., p. 219, n.os 21 a 24), e de 24 de Março de 1993, CIRFS e o./Comissão (C-313/90, Colect., p. I-1125, n.os 29 e 30). Com efeito, nestes dois acórdãos, o Tribunal de Justiça reconheceu a existência de um interesse próprio em agir da associação recorrente em razão das suas qualidades, respectivamente, de negociadora das disposições contestadas pela Comissão e de interlocutora desta última a respeito da instauração, da prorrogação e da adaptação de um regime de auxílios de Estado no sector em causa. Ora, a UVHH e a ZDS não demonstraram ter tido qualquer intervenção nessas qualidades. Daqui decorre que as mesmas não têm qualquer interesse próprio em agir na acepção da jurisprudência atrás citada (v., neste sentido, acórdão do Tribunal de Primeira Instância de 11 de Fevereiro de 1999, Arbeitsgemeinschaft Deutscher Luftfahrt-Unternehmen e Hapag-Lloyd/Comissão, T-86/96. Colect., p. II-179, n.os 55 a 64).

51.
    Quanto à afirmação das recorrentes segundo a qual o presente recurso de anulação é a única via jurídica de que dispõem para impugnar os auxílios controvertidos, a mesma é desprovida de pertinência. Com efeito, a este respeito, basta sublinhar que a inexistência de uma via de recurso eficaz perante o órgão jurisdicional nacional não pode levar o Tribunal a ultrapassar os limites da sua competência fixados pelo artigo 173.°, quarto parágrafo, do Tratado (v. despachos do Tribunal de Justiça de 23 de Novembro de 1995, Asocarne/Conselho, C-10/95 P, Colect., p. I-4149, n.° 26, e de 24 de Abril de 1996, CNPAAP/Conselho, C-87/95 P, Colect., p. I-2003, n.° 38, bem como acórdãos do Tribunal de Primeira Instância de 5 de Junho de 1996, Kahn Scheepvaart/Comissão, Colect., p. II-477, n.° 50, e Arbeitsgemeinschaft Deutscher Luftfahrt-Unternehmen e Hapag-Lloyd/Comissão, já referido, n.° 52).

52.
    De tudo o que foi acima exposto decorre que as decisões controvertidas não constituem, relativamente às recorrentes, decisões que lhes digam individualmente respeito na acepção do artigo 173.°, quarto parágrafo, do Tratado.

53.
    Por conseguinte, o recurso deve ser declarado inadmissível, sem que seja necessário examinar se as recorrentes são directamente afectadas pelas decisões controvertidas.

Quanto às despesas

54.
    Por força do artigo 87.°, n.° 2, do Regulamento de Processo do Tribunal de Primeira Instância, a parte vencida é condenada nas despesas, se tal tiver sido pedido.

55.
    Tendo as recorrentes sido vencidas, há que condená-las no pagamento das despesas, como pedido pela Comissão.

Pelos fundamentos expostos,

O TRIBUNAL DE PRIMEIRA INSTÂNCIA (Quarta Secção Alargada),

decide:

1)    O recurso é rejeitado por inadmissibilidade.

2)    As recorrentes suportarão as suas próprias despesas, bem como as da Comissão.

Tiili
Lindh
Moura Ramos

Cooke

Mengozzi

Proferido em audiência pública no Luxemburgo, em 21 de Março de 2001

O secretário

O presidente

H. Jung

P. Mengozzi


1: Língua do processo: alemão.