Language of document : ECLI:EU:T:2019:681

Processo T219/18

Piaggio & C. SpA

contra

Instituto da Propriedade Intelectual da União Europeia

 Acórdão do Tribunal Geral (Sexta Secção) de 24 de setembro de 2019

«Desenho ou modelo comunitário — Processo de declaração de nulidade — Desenho ou modelo comunitário registado que representa um ciclomotor — Desenho ou modelo comunitário anterior — Causa de nulidade — Caráter singular — Impressão global diferente — Utilizador informado — Artigos 6.° e 25.°, n.° 1, alínea b), do Regulamento (CE) n.° 6/2002 — Interpretação conforme ao artigo 6.° do Regulamento n.° 6/2002 — Inexistência de utilização de uma marca nacional tridimensional anterior não registada no desenho ou modelo registado — Artigo 25.°, n.° 1, alínea e), do Regulamento n.° 6/2002 — Inexistência de uso não autorizado de uma obra protegida pela legislação de um Estado‑Membro em matéria de direitos de autor no desenho ou modelo registado — Artigo 25.°, n.° 1, alínea f), do Regulamento n.° 6/2002»

1.      Direito da União Europeia — Interpretação — Textos multilingues — Interpretação uniforme — Divergências entre as diferentes versões linguísticas — Contexto e finalidade da regulamentação em causa como base de referência

(cf. n.° 30)

2.      Desenhos ou modelos comunitários — Requisitos de proteção — Caráter singular — Desenho ou modelo que produz no utilizador informado uma impressão global diferente da produzida pelo desenho ou modelo anterior — Impressão global que não deve diferir significativamente

(Regulamento n.° 6/2002 do Conselho, artigo 6.°, n.° 1)

(cf. n.os 31‑35)

3.      Desenhos ou modelos comunitários — Requisitos de proteção — Caráter singular — Desenho ou modelo que produz no utilizador informado uma impressão global diferente da produzida pelo desenho ou modelo anterior — Determinação da impressão global em relação a um ou vários desenhos ou modelos anteriores considerados individualmente

(Regulamento n.° 6/2002 do Conselho, artigo 6.°, n.° 1)

(cf. n.° 46)

4.      Desenhos ou modelos comunitários — Causas de nulidade — Falta de caráter singular — Desenho ou modelo que não produz no utilizador informado uma impressão global diferente da produzida pelo desenho ou modelo anterior — Representação de uma scooter

[Regulamento n.° 6/2002 do Conselho, artigos 6, n.° 1, e 25.°, n.° 1, alínea b)]

(cf. n.os 41‑45, 49‑63)

5.      Desenhos ou modelos comunitários — Requisitos de proteção — Caráter singular — Desenho ou modelo que produz no utilizador informado uma impressão global diferente da produzida pelo desenho ou modelo anterior — Apreciação global de todos os elementos apresentados pelo desenho ou modelo anterior

(Regulamento n.° 6/2002 do Conselho, artigo 6.°, n.° 1)

(cf. n.os 47, 48)

6.      Desenhos ou modelos comunitários — Causas de nulidade — Uso de um sinal distintivo num desenho ou modelo posterior — Comparação entre o desenho ou modelo contestado e o sinal distintivo — Público relevante

[Regulamento n.° 6/2002 do Conselho, artigo 25.°, n.° 1, alínea e)]

(cf. n.° 67)

7.      Desenhos ou modelos comunitários — Causas de nulidade — Uso de um sinal distintivo num desenho ou modelo posterior — Comparação entre o desenho ou modelo contestado e o sinal distintivo — Risco de confusão

[Regulamento n.° 6/2002 do Conselho, artigo 25.°, n.° 1, alínea e)]

(cf. n.° 86)

8.      Desenhos ou modelos comunitários — Causas de nulidade — Uso não autorizado de uma obra protegida pela legislação de um EstadoMembro em matéria de direitos de autor — Direito do EstadoMembro que intervém para definir as modalidades de aquisição e prova do direito de autor

[Regulamento n.° 6/2002 do Conselho, artigo 25.°, n.° 1, alínea f), e n.° 3; Regulamento n.° 2245/2002 da Comissão, artigo 28.°, n.° 1, alínea b), iii)]

(cf. n.° 99)

Resumo

No seu Acórdão de 24 de setembro de 2019, Piaggio & C./EUIPO — Zhejiang Zhongneng Industry Group (Ciclomotores) (T‑219/18), o Tribunal Geral clarificou o alcance e os conceitos referentes a três das causas de nulidade de um desenho ou modelo comunitário registado explanadas no artigo 25.° do Regulamento n.° 6/2002, a saber, as relativas, em primeiro lugar, à falta de caráter singular de um desenho ou modelo, nos termos do artigo 25.°, n.° 1, alínea b), do referido regulamento, lido em conjugação com o respetivo artigo 6.°, em segundo lugar, ao uso, num desenho ou modelo, de um sinal distintivo anterior, na aceção do artigo 25.°, n.° 1, alínea e), do Regulamento n.° 6/2002 e, em terceiro lugar, ao uso, por um desenho ou modelo, de uma obra intelectual protegida pelos direitos de autor, nos termos do artigo 25.°, n.° 1, alínea f), desse regulamento.

O Tribunal Geral confirmou a decisão da Terceira Câmara de Recurso do EUIPO que julgou improcedente o pedido de declaração de nulidade do desenho ou modelo que representa uma scooter, apresentado pela Piaggio & C. SpA.

Desde logo, no que respeita à falta de caráter singular do desenho ou modelo contestado, nos termos do artigo 25.°, n.° 1, alínea b), do referido regulamento, lido em conjugação com o seu artigo 6.°, na medida em que a Piaggio & C. tinha invocado o desenho ou modelo anterior «Vespa LX», o Tribunal Geral declarou que a Câmara de Recurso não cometeu nenhum erro de apreciação ao considerar que o desenho ou modelo contestado e o desenho ou modelo anterior produziam no utilizador informado impressões globais diferentes e ao concluir que o desenho ou modelo contestado não era desprovido de caráter singular, na aceção do artigo 6.° do Regulamento n.° 6/2002, em relação ao desenho ou modelo anterior.

A este respeito, o Tribunal Geral salientou, em primeiro lugar, que a recorrente não tem razão ao sustentar que o facto de os desenhos ou modelos em causa apresentarem vários elementos comuns e terem uma forma geral muito semelhante permite demonstrar que o desenho ou modelo contestado gera uma impressão global de «déjà vu» relativamente ao desenho ou modelo anterior.

Em segundo lugar, o Tribunal Geral observou que as diferenças que a Câmara de Recurso corretamente referiu entre os desenhos ou modelos em causa, que dizem igualmente respeito aos elementos que a recorrente invoca como sendo as características distintivas do desenho ou modelo anterior, são percetíveis pelo utilizador informado e influenciam a impressão global que os desenhos ou modelos em causa suscitam neste último, independentemente da perspetiva sob a qual o utilizador informado observará os referidos desenhos ou modelos.

Em terceiro lugar, o Tribunal Geral considerou que a Câmara de Recurso, que não está vinculada pelas apreciações de facto efetuadas pela Divisão de Anulação, explicou de forma juridicamente bastante as razões pelas quais tinha chegado, após o exame do mérito do recurso e na sequência de uma apreciação técnica objetiva das diferenças existentes entre os desenhos ou modelos em causa, a conclusões divergentes das da Divisão de Anulação.

Em seguida, no que respeita à violação do artigo 25.°, n.° 1, alínea e), do Regulamento n.° 6/2002, o Tribunal Geral declarou que a Câmara de Recurso não cometeu nenhum erro de apreciação ao considerar que não existia nenhum risco de confusão no espírito do público relevante, o qual incluía o risco de associação, para efeitos de aplicação dessa disposição.

A este respeito, o Tribunal Geral considerou que, em razão, por um lado, da impressão visual de conjunto produzida pela marca anterior invocada pela Piaggio & C., constituída pela forma tridimensional de scooter protegida igualmente pelo desenho ou modelo anterior, que é diferente da que resulta do desenho ou modelo contestado e, por outro, da importância que a estética reveste na escolha que efetua, o consumidor médio, que faz prova de um nível de atenção elevado, excluirá que, no desenho ou modelo contestado, se faz uso da marca anterior, apesar da identidade dos produtos em causa.

Mais especificamente, o Tribunal Geral salientou que, ao observar a forma tridimensional de scooter protegida pela marca anterior e a do desenho ou modelo contestado, o consumidor médio, que não é um perito dotado de competências técnicas aprofundadas, não conseguirá identificar espontaneamente a forma em X da carenagem posterior e da parte inferior do assento ou a forma em Ω invertido da parte inferior do assento e do tablier, nem se aperceberá automaticamente da forma em flecha do tablier, mesmo fazendo prova de um nível de atenção elevado. Quanto à carroçaria, notará sobretudo a diferença entre a forma cónica da carroçaria da marca anterior, sendo que a do desenho ou modelo contestado se parece mais com um semicírculo. Mais globalmente, o consumidor médio, que faz prova de um nível de atenção elevado, apreenderá o estilo, as linhas e o aspeto que caracterizam a forma tridimensional de scooter protegida pela marca anterior como diferentes, no plano visual, dos do desenho ou modelo contestado.

Por último, o Tribunal Geral declarou que a Câmara de Recurso não cometeu nenhum erro de apreciação ao considerar, com base nos elementos de que dispunha, que o modelo de scooter correspondente ao desenho ou modelo anterior, protegido pelos direitos de autor italiano e francês, não era objeto de uso não autorizado no desenho ou modelo contestado, para efeitos de aplicação do artigo 25.°, n.° 1, alínea f), do Regulamento n.° 6/2002.

A este respeito, o Tribunal Geral salientou que, ao abrigo do direito de autor italiano, o uso do núcleo artístico e criativo constituído pelas características de forma do modelo de scooter correspondente ao desenho ou modelo anterior não é identificável no desenho ou modelo contestado. Com efeito, entre a carenagem posterior e a parte inferior do assento, assim como entre a parte inferior do assento e o tablier, o desenho ou modelo contestado apresenta sobretudo linhas de aspeto anguloso. O seu tablier pontiagudo representa uma «gravata» até ao guarda‑lamas, mais do que uma flecha. Quanto à carroçaria, a forma da do desenho ou modelo contestado não é cónica, contrariamente à forma de gota da carroçaria do desenho ou modelo anterior.

Além disso, segundo o Tribunal Geral, o aspeto global específico e a forma particular, dotada de um «caráter arredondado, feminino e “vintage”», do desenho ou modelo anterior também não podem encontrar‑se no desenho ou modelo contestado, caracterizado por linhas direitas e ângulos, de modo que as impressões que resultam da obra, correspondente ao desenho ou modelo anterior, e do desenho ou modelo contestado são diferentes.