Language of document : ECLI:EU:T:2023:429

ACÓRDÃO DO TRIBUNAL GERAL (Segunda Secção)

26 de julho de 2023 (*)

«Ambiente — Diretiva 2003/87/CE — Regime de comércio de licenças de emissão de gases com efeito de estufa — Medidas nacionais de execução — Atribuição transitória a título gratuito de licenças de emissão de gases com efeito de estufa — Decisão de excluir uma instalação que utilize exclusivamente biomassa — Dever de diligência — Direito de ser ouvido — Dever de fundamentação — Erro manifesto de apreciação — Igualdade de tratamento — Confiança legítima — Exceção de ilegalidade — Ponto 1 do anexo I da Diretiva 2003/87/CE»

No processo T‑269/21,

Arctic Paper Grycksbo AB, com sede em Grycksbo (Suécia), representada por A. Bryngelsson, A. Johansson e F. Sjövall, avocats,

recorrente,

contra

Comissão Europeia, representada por G. Wils, B. De Meester e P. Carlin, na qualidade de agentes,

recorrida,

apoiada por:

Parlamento Europeu, representado por C. Ionescu Dima, W. Kuzmienko e P. Biström, na qualidade de agentes,

e por

Conselho da União Europeia, representado por A. Norberg e J. Himmanen, na qualidade de agentes,

intervenientes,

O TRIBUNAL GERAL (Segunda Secção),

composto por: A. Marcoulli, presidente, S. Frimodt Nielsen (relator) e R. Norkus, juízes,

secretária: H. Eriksson, administradora,

vistos os autos,

após a audiência de 2 de fevereiro de 2023,

profere o presente

Acórdão

1        Com o seu recurso interposto ao abrigo do artigo 263.o TFUE, a recorrente, Arctic Paper Grycksbo AB, pede a anulação, no que lhe diz respeito, do artigo 1.o, n.o 1, e do anexo I da Decisão (UE) 2021/355 da Comissão, de 25 de fevereiro de 2021, relativa às medidas nacionais de execução para a atribuição transitória a título gratuito de licenças de emissão de gases com efeito de estufa, em conformidade com o artigo 11.o, n.o 3, da Diretiva 2003/87/CE do Parlamento Europeu e do Conselho (JO 2021, L 68, p. 221, a seguir «decisão impugnada»).

I.      Antecedentes do litígio

2        O presente recurso diz respeito a uma instalação de produção de papel gráfico fino revestido explorada pela recorrente em Grycksbo (Suécia). A recorrente é titular de uma licença de emissão de gases com efeito de estufa desde 2005.

3        A decisão impugnada tem por efeito excluir a instalação em causa do regime de comércio de licenças de emissão de gases com efeito de estufa (a seguir «RCLE») instituído pela Diretiva 2003/87/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 13 de outubro de 2003, relativa à criação de um RCLE na Comunidade e que altera a Diretiva 96/61/CE do Conselho (JO 2003, L 275, p. 32), conforme alterada pela Diretiva (UE) 2018/410 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 14 de março de 2018, que altera a Diretiva 2003/87/CE para reforçar a relação custo‑eficácia das reduções de emissões e favorecer o investimento nas tecnologias hipocarbónicas, e pela Decisão (UE) 2015/1814 (JO 2018, L 76, p. 3). Esta exclusão tem, nomeadamente, por efeito privar a recorrente da atribuição de licenças de emissão a título gratuito para o quarto período de comércio (2021‑2025)

4        Para poder beneficiar desta atribuição, em 7 de maio de 2019, a recorrente apresentou à Naturvårdsverket (Agência de Proteção do Ambiente, Suécia) um pedido nesse sentido. Nesse pedido, arredondou para zero o número de toneladas de dióxido de carbono de origem fóssil emitido durante o período de referência (de 2014 a 2018). No seu entender, as suas emissões reais eram superiores a 0 e inferiores a 0,5 toneladas nos anos de 2018 a 2020.

5        Em 27 de setembro de 2019, o Reino da Suécia apresentou à Comissão Europeia a medida nacional de execução (a seguir «MNE») prevista no artigo 11.o da Diretiva 2003/87, ou seja, a lista das instalações que devem ser abrangidas pelo RCLE para o quarto período de comércio. A instalação em causa figurava nessa lista, sob a referência SE468. As quantidades de dióxido de carbono de origem fóssil declaradas para esta instalação eram de 0 toneladas por ano do período de referência (2014‑2018).

6        Por carta de observações de 19 de maio de 2020, a Comissão contestou a inclusão de 49 instalações na MNE, entre as quais a instalação em causa, nos seguintes termos:

«Durante pelo menos um ano do período de referência, [a instalação em causa] gerou cerca de 100 % das emissões de biomassa. Tais instalações não devem ser incluídas no RCLE. Queira fornecer explicações.»

7        Em 16 de junho de 2020, a Agência de Proteção do Ambiente respondeu às observações da Comissão indicando que a instalação em causa estava abrangida por uma medida nacional de opção, aprovada pela Comissão, que previa a inclusão das instalações ligadas a uma rede de aquecimento urbano.

8        Por mensagem de correio eletrónico enviada à Agência de Proteção do Ambiente em 30 de setembro de 2020, a Comissão reiterou a sua posição de que as instalações que utilizaram exclusivamente biomassa durante o período de referência (2014‑2018) acima mencionado deviam ser excluídas do RCLE.

9        Em 1 de outubro de 2020, a Agência de Proteção do Ambiente enviou à Comissão uma mensagem de correio eletrónico na qual reconhecia que a instalação em causa não estava ligada a uma rede de aquecimento urbano e que a sua inclusão no RCLE era discutível. No entanto, não considerava poder retirar esta instalação da MNE nessa fase do procedimento, uma vez que o direito administrativo nacional não previa a possibilidade de uma revogação unilateral e sem base jurídica da licença de que a recorrente dispunha. Indicava, além disso, que não se podia excluir que a instalação em causa utilizasse no futuro combustível de origem fóssil.

10      Por mensagem de correio eletrónico de 17 de dezembro de 2020, a Agência de Proteção do Ambiente informou a Comissão de que a identificação das instalações cuja exclusão era pretendida pela Comissão era uma tarefa difícil, devido ao critério de utilização exclusiva de biomassa e do período de referência que tinha sido adotado (2014‑2018).

11      Em 14 de janeiro de 2021, a Comissão comunicou aos representantes dos Estados‑Membros com assento no Comité das Alterações Climáticas um projeto de regulamento sobre a revisão dos valores dos parâmetros de referência relativos aos produtos para o período de comércio compreendido entre 2021 e 2025. Este projeto foi objeto de uma versão alterada em 26 de janeiro de 2021, com vista à sua aprovação no dia seguinte pelo referido comité.

12      Por mensagem de correio eletrónico de 26 de janeiro de 2021, a Agência de Proteção do Ambiente comunicou à Comissão que tinha detetado diferenças nas declarações das empresas que emitiram menos de 0,5 toneladas de dióxido de carbono de origem fóssil durante o período de referência. Indicava que certas empresas, que não identificava, tinham arredondado essas emissões para 0 t, enquanto outras tinham indicado as suas emissões reais sem proceder a esse arredondamento. Observava que a Comissão contestava apenas a inclusão das instalações que tinham declarado emissões de dióxido de carbono de origem fóssil iguais a 0 t, ao passo que a das instalações que declararam as suas emissões sem as arredondar não tinham sido objeto de contestação. Pedia à Comissão que precisasse os métodos que pretendia aplicar a todas as instalações que utilizassem biomassa.

13      Em 28 de janeiro de 2021, a Comissão informou a Agência de Proteção do Ambiente de que a fase de exame das MNE estava concluída e de que já não podia, doravante, ter em conta alterações com impacto na lista das instalações e no cálculo dos parâmetros de referência relativos aos produtos.

14      No mesmo dia, o texto final do projeto de regulamento mencionado no n.o 11, supra, foi comunicado aos Estados‑Membros para adoção por procedimento escrito. A data‑limite para a apresentação de observações foi fixada em 11 de fevereiro de 2021.

15      Em 1 de fevereiro de 2021, a Agência de Proteção do Ambiente indicou que a lista das instalações que figuram na MNE não podia ser considerada definitiva enquanto a Comissão não tivesse tomado posição sobre as questões mencionadas na mensagem de correio eletrónico de 26 de janeiro de 2021. (v. n.o 12, supra).

16      Por mensagem de correio eletrónico do mesmo dia, a Comissão respondeu nos seguintes termos:

«Concluímos todas as etapas da avaliação das MNE antes de apresentar o regulamento sobre os parâmetros de referência ao Comité das Alterações Climáticas para parecer favorável e a decisão da Comissão relativa às MNE para adoção.

Como indicado numa mensagem de correio eletrónico anterior, se um Estado‑Membro detetar um erro na lista das MNE que não afeta os valores dos parâmetros de referência relativos aos produtos nem as decisões relativas às MNE, mas apenas a atribuição de licenças a título gratuito (ou que apenas atualiza os dados para que a referência exata seja mencionada no futuro, e a fim de evitar uma correção futura das MNE), podemos aceitar uma lista atualizada das [MNE] nesta fase, antes de apresentar a quantidade anual preliminar de licenças gratuitas.

No que diz respeito à metodologia que usámos para as instalações que utilizam exclusivamente biomassa, a mesma baseou‑se nas emissões e não foi aplicado nenhum arredondamento às emissões diretas nem às emissões provenientes de biomassa.»

17      Por mensagem de correio eletrónico de 4 de fevereiro de 2021, a Agência de Proteção do Ambiente indicou à Comissão incoerências aparentes na forma como esta pretendia tratar, no que respeita à exclusão das instalações que utilizam exclusivamente biomassa, instalações cujas emissões de dióxido de carbono de origem fóssil lhe pareciam comparáveis. Na mesma mensagem de correio eletrónico, observava igualmente à Comissão que a recorrente tinha declarado uma quantidade de emissões de 0,3727 toneladas de dióxido de carbono de origem fóssil no ano de 2018. Perguntava, por último, se lhe era possível atualizar a MNE mencionando sem os arredondar, para cada instalação considerada pela Comissão como utilizando exclusivamente biomassa, as quantidades de dióxido de carbono de origem fóssil efetivamente emitidas durante o período de referência.

18      Por mensagem de correio eletrónico de 16 de fevereiro de 2021, a Comissão respondeu à Agência de Proteção do Ambiente que já não era possível proceder a alterações que afetassem a identidade das instalações que figuram nas MNE ou o cálculo dos parâmetros de referência relativos aos produtos, dado que os atos a elas relativos estavam em vias de adoção.

19      Em 25 de fevereiro de 2021, a Comissão adotou a decisão impugnada.

20      Na decisão impugnada, a Comissão indicou os casos em que pretendia levantar objeções às MNE que lhe tinham sido propostas. Quanto à recorrente, a Comissão indicou o seguinte no considerando 11 da referida decisão:

«A [República da Finlândia] e o [Reino da Suécia] propuseram a inclusão de 51 instalações que utilizam exclusivamente biomassa. Algumas dessas instalações foram objeto de inclusão unilateral no período 2004‑2007, aprovada pela Comissão nos termos do artigo 24.o da Diretiva 2003/87/CE. No entanto, as instalações que utilizam apenas biomassa foram posteriormente excluídas do CELE, em conformidade com uma nova disposição do anexo I, ponto 1, da Diretiva 2003/87/CE. Esta disposição, […] introduzida pela Diretiva 2009/29/CE […] e, desde a sua aplicação em 1 de janeiro de 2013, determinou um novo âmbito de aplicação para o CELE, nomeadamente no que diz respeito às inclusões anteriores. Por conseguinte, a inclusão das instalações que utilizavam exclusivamente biomassa deve ser rejeitada para todos os anos do período de referência, inclusive no período em que estavam enumeradas na lista referida no artigo 11.o, n.o 1, da Diretiva 2003/87.»

21      Em 12 de março de 2021, a Comissão adotou o Regulamento de Execução (UE) 2021/447 que determina os valores dos parâmetros de referência revistos para a atribuição de licenças de emissão a título gratuito entre 2021 e 2025, nos termos do artigo 10.o‑A, n.o 2, da Diretiva 2003/87 (JO 2021, L 87, p. 29).

22      Em 2 de junho de 2021, o Reino da Suécia comunicou à Comissão uma nova MNE, na qual a recorrente já não figurava.

II.    Pedidos das partes

23      A recorrente conclui pedindo que o Tribunal Geral se digne:

–        anular a decisão recorrida na parte em que lhe diz respeito;

–        condenar a Comissão nas despesas.

24      A Comissão pede que o Tribunal Geral se digne:

–        negar provimento ao recurso;

–        condenar a recorrente nas despesas.

25      O Parlamento Europeu conclui, em substância, pedindo que o Tribunal Geral se digne de negar provimento ao recurso.

26      O Conselho da União Europeia conclui pedindo que o Tribunal Geral se digne:

–        negar provimento ao recurso;

–        condenar a recorrente nas despesas.

III. Questão de direito

27      A recorrente invoca seis fundamentos de recurso. O primeiro é relativo a um erro manifesto de apreciação. O segundo é relativo à violação do princípio da igualdade de tratamento. O terceiro é relativo à violação de formalidades essenciais. O quarto fundamento é relativo à violação do princípio da proteção da confiança legítima. O quinto fundamento é relativo à violação da Diretiva 2003/87, nomeadamente do seu artigo 10.o‑A do ponto 1 do seu anexo I. Por último, o sexto fundamento é relativo à ilegalidade do referido ponto.

28      Além disso, sem os associar formalmente aos seis fundamentos de recurso, as partes principais trocaram argumentos relativos ao quadro jurídico aplicável ao procedimento de adoção da decisão impugnada e às obrigações que incumbiam à Comissão. Estes argumentos têm incidência, nomeadamente, na apreciação do segundo e terceiro fundamentos de recurso.

29      Por conseguinte, antes de mais, importa recordar o quadro jurídico em que se insere o RCLE, bem como os objetivos da Diretiva 2003/87, em seguida, examinar os argumentos das partes relativos à regularidade do procedimento de adoção da decisão impugnada e, por último, os que põem em causa o mérito desta.

A.      Observações preliminares relativas ao RCLE e aos objetivos prosseguidos pela Diretiva 2003/87

30      O RCLE, regulado pela Diretiva 2003/87, diz respeito às instalações que preencham os critérios definidos no seu anexo I e que emitam um ou mais dos gases com efeito de estufa enumerados no seu anexo II (artigo 2.o desta diretiva). Em conformidade com o artigo 1.o da referida diretiva, o RCLE tem por finalidade incentivar as empresas a reduzirem as suas emissões de gases com efeito de estufa em condições que ofereçam uma boa relação custo‑eficácia e sejam economicamente eficientes. O RCLE, como resulta do considerando 8 da mesma diretiva, implica, portanto, a inclusão das atividades que têm um determinado potencial de redução das emissões de gases com efeito de estufa (v. Acórdão de 20 de junho de 2019, ExxonMobil Production Deutschland, C‑682/17, EU:C:2019:518, n.os 55 e 56 e jurisprudência referida).

31      A este respeito, há que recordar que a Diretiva 2003/87 tem por objeto a criação de um RCLE com vista à redução das emissões de gases com efeito de estufa na atmosfera para um nível que previna qualquer perturbação antrópica perigosa do clima e cujo objetivo último consiste na proteção do ambiente (v., neste sentido, Acórdãos de 8 de março de 2017, ArcelorMittal Rodange e Schifflange, C‑321/15, EU:C:2017:179, n.o 24 e jurisprudência referida, e de 20 de junho de 2019, ExxonMobil Production Deutschland, C‑682/17, EU:C:2019:518, n.o 62 e jurisprudência referida). A referida diretiva visa, assim, reduzir as emissões globais de gases com efeito de estufa da União Europeia relativamente aos níveis de 1990, em condições economicamente eficazes (v., neste sentido, Acórdão de 20 de junho de 2019, ExxonMobil Production Deutschland, C‑682/17, EU:C:2019:518, n.o 64 e jurisprudência referida).

32      O RCLE visa assim cumprir os compromissos internacionais da União Europeia e dos Estados‑Membros em matéria ambiental, prosseguindo simultaneamente objetivos múltiplos, como a «menor redução possível do desenvolvimento económico e do emprego» (considerando 5 da Diretiva 2003/87), «preservar a integridade do mercado interno» (considerando 7 da referida diretiva), «evitar distorções da concorrência» (considerando 7 desta diretiva) (v. Acórdão de 20 de junho de 2019, ExxonMobil Production Deutschland, C‑682/17, EU:C:2019:518, n.o 101 e jurisprudência referida) e prevenir as «fugas de carbono», ou seja, a deslocalização, para fora do mercado interno, dos produtores emissores de gases com efeito de estufa, nas condições previstas no artigo 10.o‑B da mesma diretiva, nomeadamente.

33      Para o efeito, as empresas incluídas no RCLE são obrigadas, por um lado, a obter uma licença de emissão de gases com efeito de estufa, que lhes é atribuída pelos Estados‑Membros, sob reserva da demonstração da sua capacidade para vigiar e comunicar as suas emissões, e, por outro, a devolver anualmente licenças de emissão, transferíveis dentro e fora da União. A equivalência entre as licenças devolvidas por cada instalação e as suas emissões efetivas de gases com efeito de estufa avaliadas em toneladas de equivalente dióxido de carbono é objeto de verificação e contabilização pelos Estados‑Membros [artigo 3.o, alínea a), e artigos 4.o a 6.o, 12.o, 15.o, 19.o e 25.o da Diretiva 2003/87].

34      Assim, o RCLE cria um conjunto de incentivos económicos à redução dos gases com efeito de estufa pelas próprias instalações. Com efeito, embora o objetivo final do RCLE seja a proteção do ambiente, este regime não reduz, por si só, as emissões de gases com efeito de estufa. Em contrapartida, encoraja e fornece incentivos para que se encontrem formas de alcançar uma redução das referidas emissões para um nível compatível com os compromissos internacionais da União e dos seus Estados‑Membros, o que depende do rigor com que se determina a quantidade total de licenças de emissão concedidas (Acórdãos de 16 de dezembro de 2008, Arcelor Atlantique et Lorraine e o., C‑127/07, EU:C:2008:728, n.o 31, e de 17 de outubro de 2013, Billerud Karlsborg e Billerud Skärblacka, C‑203/12, EU:C:2013:664, n.o 26).

35      O RCLE assenta, portanto, numa lógica económica, que consiste em incitar quem nele participa a emitir uma quantidade de gases com efeito de estufa inferior às licenças que lhe foram inicialmente atribuídas, para que ceda o excedente a outro participante que tenha produzido uma quantidade de emissões superior às licenças atribuídas ou adquiridas. As licenças de emissão têm, por esse facto, valor comercial (v. Acórdão de 8 de março de 2017, ArcelorMittal Rodange e Schifflange, C‑321/15, EU:C:2017:179, n.o 22 e jurisprudência referida; Acórdão de 20 de junho de 2019, ExxonMobil Production Deutschland, C‑682/17, EU:C:2019:518, n.o 63; v., igualmente, Conclusões do advogado‑geral M. Campos Sánchez‑Bordona no processo ArcelorMittal Rodange e Schifflange, C‑321/15, EU:C:2016:516, n.os 48 a 55).

36      O RCLE prevê, além disso, através de uma exceção transitória à regra segundo a qual as licenças de emissão são leiloadas, a distribuição de determinadas licenças a título gratuito (artigos 9.o, 9.o‑A, 10.o, 10.o‑A e 10.o‑C da Diretiva 2003/87), cujo número tem vindo a decrescer ininterruptamente desde 2013. O número de licenças de emissão atribuídas a título gratuito é doravante determinado em função de um parâmetro de referência calculado para cada produto que, em princípio, e na medida do possível, corresponde à média dos resultados dos 10 % dos produtores mais eficientes do ponto de vista ambiental, nas condições previstas no artigo 10.o‑A da referida diretiva. Por força do n.o 2, alíneas a) e b), deste último artigo, para o período de 2021‑2025, os valores dos parâmetros de referência estão sujeitos a uma taxa de redução anual máxima de 1,6 %.

37      Para poder beneficiar da atribuição de licenças de emissão a título gratuito, uma instalação deve estar incluída na medida de execução cuja adoção, pelo Estado‑Membro em cujo território se situa, está prevista no artigo 11.o, n.o 1 da Diretiva 2003/87. Nos termos do n.o 3 do mesmo artigo, os Estados‑Membros não podem atribuir licenças de emissão a título gratuito a instalações cuja inscrição tenha sido rejeitada pela Comissão. Por outro lado, é tendo em conta as emissões das instalações incluídas que é calculado o desempenho médio para cada parâmetro de referência relativo a produtos, de que depende a atribuição de licenças a título gratuito.

38      As licenças que não são distribuídas a título gratuito são leiloadas nas condições previstas no artigo 10.o da Diretiva 2003/87. A atribuição de licenças de emissão tende, portanto, progressivamente, a basear‑se em exclusivo no princípio da venda em leilão, o qual, segundo o legislador da União, é geralmente considerado o regime mais eficaz do ponto de vista económico (v., neste sentido, Acórdão de 20 de junho de 2019, ExxonMobil Production Deutschland, C‑682/17, EU:C:2019:518, n.o 66).

39      Entre as categorias de atividades mencionadas no anexo I da Diretiva 2003/87, consta o fabrico de papel ou de cartão com uma capacidade de produção superior a 20 toneladas por dia. As instalações em causa estão, nos termos desse mesmo anexo, sujeitas ao RCLE no que respeita às suas emissões de dióxido de carbono.

40      No entanto, os pontos 1 e 3 do anexo I da Diretiva 2003/87 dispõem:

«1.      […] as instalações que utilizem exclusivamente biomassa não estão abrangidas pela presente diretiva […]

3.      […] as “unidades que utilizam exclusivamente a biomassa” não devem ser tidas em conta para efeitos deste cálculo [da potência térmica nominal total de uma instalação]. As “unidades que utilizam exclusivamente a biomassa” incluem as unidades que utilizam combustíveis fósseis apenas durante a colocação em funcionamento ou a desativação da unidade.»

41      O anexo IV, parte A, da Diretiva 2003/87 contém um ponto intitulado «Cálculo [das emissões]», cujo quarto parágrafo, última frase, dispõe que «[o] fator de emissão para a biomassa será igual a zero».

42      A Diretiva (UE) 2018/2001 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 11 de dezembro de 2018, relativa à promoção da utilização de energia de fontes renováveis (JO 2018, L 328, p. 82), inclui a biomassa entre as fontes de energia renováveis. O artigo 2.o, ponto 24, da referida diretiva define biomassa como «a fração biodegradável de produtos, resíduos e detritos de origem biológica provenientes da agricultura, incluindo substâncias de origem vegetal e animal, da silvicultura e de indústrias afins, como a pesca e a aquicultura, bem como a fração biodegradável de resíduos, incluindo resíduos industriais e urbanos de origem biológica».

43      As partes opõem‑se no que respeita ao alcance e à legalidade da exceção relativa às emissões de gases com efeito de estufa a partir da biomassa, a qual, como foi recordado nos n.os 2 a 22, supra, levou a Comissão, na decisão impugnada, a recusar a inclusão no RCLE da instalação em causa, o que tem, nomeadamente, por efeito privá‑la de qualquer atribuição de licenças de emissão de gases com efeito de estufa a título gratuito para o quarto período de comércio (2021‑2025).

B.      Quanto à regularidade do procedimento de adoção da decisão impugnada

44      Além dos argumentos especificamente relacionados com a regularidade do procedimento de adoção da decisão impugnada, as partes discordam quanto a duas questões, que devem ser examinadas a título preliminar.

45      Por um lado, a recorrente critica a Comissão por se ter recusado a ter em conta elementos que lhe foram apresentados em 26 de janeiro e 4 de fevereiro de 2021 (v. n.os 12 e 17, supra), com o fundamento de que, nesta fase da adoção das MNE previstas no artigo 11.o da Diretiva 2003/87 e do regulamento delegado relativo ao valor dos parâmetros de referência previsto no artigo 10.o‑A da referida diretiva, esta instituição já não podia ter em conta alterações com impacto na identificação das instalações incluídas no RCLE e elegíveis para uma atribuição de licenças a título gratuito. Estes argumentos, apresentados de forma autónoma, coincidem em larga medida com os apresentados pela recorrente em apoio da primeira parte do terceiro fundamento e serão examinados nesse âmbito.

46      Por outro lado, as partes opõem‑se quanto ao alcance das regras de arredondamento resultantes do artigo 72.o, n.o 1, primeiro parágrafo, do Regulamento de Execução (UE) 2018/2066 da Comissão, de 19 de dezembro de 2018, relativo à monitorização e comunicação de informações relativas às emissões de gases com efeito de estufa nos termos da Diretiva 2003/87 e que altera o Regulamento (UE) n.o 601/2012 da Comissão (JO 2018, L 334, p. 1). Importa examinar, em primeiro lugar, a questão de saber se a recorrente, como alega, podia argumentar que os dados arredondados que apresentou à Agência de Proteção do Ambiente e que foram transmitidos por esta à Comissão correspondiam, porém, a emissões reais de dióxido de carbono de origem fóssil não nulas, mas compreendidas entre 0 e 0,5 toneladas

1.      Quanto à tomada em consideração dos dados arredondados declarados durante o procedimento de adoção da decisão impugnada

47      Em 2018, como mencionado na mensagem de correio eletrónico que a Agência de Proteção do Ambiente enviou à Comissão em 4 de fevereiro de 2021 (v. n.o 17, supra), a recorrente alega ter emitido 0,37 toneladas de dióxido de carbono de origem fóssil. A recorrente apresenta igualmente declarações certificadas relativas aos anos de 2019 e 2020, segundo as quais emitiu, para esses dois anos, quantidades, respetivamente, de 0,29 e de 0,46 toneladas de dióxido de carbono de origem fóssil.

48      A recorrente alega que, uma vez que cumpriu as regras de arredondamento adotadas pela Comissão ao declarar as emissões nulas para o ano de 2018, encontra‑se, por esse simples facto, numa situação mais desfavorável do que aquela em que foram colocadas as empresas que, em violação dessas regras, tinham declarado as suas emissões reais quando estas eram inferiores a 0,5 toneladas. Com efeito, estas últimas instalações não foram excluídas do RCLE.

49      Por último, a recorrente sustenta que a posição da Comissão segundo a qual todas as instalações que emitiram menos de 0,5 toneladas de dióxido de carbono de origem fóssil, quer tenham ou não procedido a um arredondamento nas suas declarações, deviam ser excluídas do RCLE constitui uma racionalização a posteriori da qual a Agência de Proteção do Ambiente não estava manifestamente informada antes da adoção da decisão impugnada.

50      A Comissão contesta a argumentação da recorrente.

51      Nos termos do artigo 72.o, n.o 1, primeiro parágrafo, do Regulamento de Execução 2018/2066, «o total anual das emissões de cada um dos gases com efeito de estufa [dióxido de carbono, protóxido de azoto e perfluorocarbonetos] deve ser quantificado, por arredondamento, em toneladas de [dióxido de carbono ou de equivalente dióxido de carbono]».

52      É facto assente e resulta especialmente dos documentos apresentados pela Comissão em resposta à medida de organização do procedimento que lhe foi dirigida pelo Tribunal Geral, bem como dos documentos espontaneamente apresentados pela recorrente que, durante todo o procedimento que conduziu à adoção da decisão impugnada, os dados de emissões relativos à recorrente relativos ao período de referência de 2014‑2018 que foram comunicados pela Agência de Proteção do Ambiente à Comissão eram nulos.

53      A recorrente não contesta não ter emitido dióxido de carbono de origem fóssil durante os anos de 2014 a 2017. Por outro lado, argumenta que o valor de 0 toneladas para 2018 foi o resultado do arredondamento para a unidade inferior das suas emissões reais, que teriam sido de 0,37 toneladas. Argumenta que o cumprimento das regras de arredondamento lhe teria causado um prejuízo relativo em comparação com as instalações que não comunicaram dados nulos, apesar de as suas emissões reais serem inferiores a 0,5 toneladas e não terem sido excluídas do RCLE, o que lhes permitiu continuar a beneficiar de uma atribuição de licenças de emissão a título gratuito.

54      Sem contestar a realidade das alegações da recorrente, a Comissão alega que as regras de arredondamento têm caráter imperativo e que a recorrente não tem fundamento para se queixar das consequências da sua aplicação.

55      Contudo, não há dúvida de que, se a recorrente respeitou as regras de arredondamento previstas pela disposição acima referida, não é esse o caso de todas as instalações que figuram na MNE. A Comissão reconhece, aliás, ter erradamente omitido a exclusão de duas instalações cujas emissões declaradas eram inferiores a 0,5 t, mas não tinham sido arredondadas.

56      É certamente lamentável que a Comissão não tenha mantido sobre esta questão uma posição constante durante o procedimento de adoção da decisão impugnada, o que é nomeadamente ilustrado pelas questões que colocou à Agência de Proteção do Ambiente e pela identificação das instalações que pretendia excluir do RCLE. No entanto, a aplicação da regra de arredondamento é exigida pelo artigo 72.o, n.o 1, primeiro parágrafo, do Regulamento de Execução 2018/2066. Esta obrigação retoma a que estava anteriormente prevista no artigo 72.o, n.o 1, primeiro parágrafo, do Regulamento (UE) n.o 601/2012 da Comissão, de 21 de junho de 2012, relativo à monitorização e comunicação de informações relativas às emissões de gases com efeito de estufa nos termos da Diretiva 2003/87/CE do Parlamento Europeu e do Conselho (JO 2012, L 181, p. 30), que substitui. Por conseguinte, era aplicável tanto aos relatórios anuais de emissões elaborados pelas instalações abrangidas pelo RCLE para cada um dos anos do período de 2014‑2018 como ao relatório de emissões relativo ao período de referência que os Estados‑Membros eram obrigados a apresentar em apoio dos seus projetos de MNE.

57      Não pode ser acolhido o argumento da recorrente segundo o qual esta regra não pode ser aplicada para determinar se, na aceção do ponto 1 do anexo I da Diretiva 2003/87, é possível considerar que uma instalação utiliza exclusivamente a biomassa.

58      Com efeito, como decorre dos artigos 1.o e 2.o do Regulamento de Execução 2018/2066, esta regra imperativa aplica‑se a todas as informações sobre as emissões enumeradas no anexo I da Diretiva 2003/87. Trata‑se, por conseguinte, de um método objetivo, aplicável a todas as instalações abrangidas pelo âmbito de aplicação da diretiva em relação a cada um dos anos do período de referência, como recordado no ponto 56, supra, para determinar se uma instalação que utiliza biomassa é ou não abrangida pela exclusão relativa à utilização exclusiva de biomassa na aceção do ponto 1 do referido anexo.

59      Em contrapartida, a interpretação proposta pela recorrente segundo a qual se deve considerar que uma instalação que utiliza biomassa e declara 0 toneladas de emissões de dióxido de carbono de origem fóssil não utiliza exclusivamente biomassa, uma vez que as suas emissões reais não são nulas, contraria o imperativo de coerência do RCLE, que depende, nomeadamente, da harmonização das regras de comunicação de informações e de monitorização que o Regulamento de Execução 2018/2066 visa garantir. Além disso, há que observar que, ao equiparar às instalações que utilizam exclusivamente biomassa as que emitem dióxido de carbono de origem fóssil unicamente para efeitos do arranque e da paragem do processo de produção, o ponto 3 do anexo I da Diretiva 2003/87 prevê expressamente a não inclusão no RCLE de instalações cujas emissões de dióxido de carbono de origem fóssil são marginais, mas não necessariamente nulas.

60      Seguidamente, a recorrente estava obrigada, como fez, a declarar nulas emissões de dióxido de carbono de origem fóssil relativas a cada um dos anos do período de referência e, nomeadamente, a arredondar para zero a sua declaração de emissões relativa ao ano de 2018. Por conseguinte, não tem fundamento para se queixar, sem prejuízo das consequências de uma eventual violação do princípio da igualdade de tratamento, de a Comissão ter tido em conta as declarações relativas à instalação em causa que lhe foram transmitidas pela Agência de Proteção do Ambiente, as quais revelavam a inexistência de emissões de dióxido de carbono de origem fóssil e, consequentemente, a utilização exclusiva de biomassa.

2.      Quanto ao terceiro fundamento, relativo à violação de formalidades essenciais

61      O terceiro fundamento, relativo à violação de formalidades essenciais, divide‑se em três partes: a recorrente invoca, na primeira parte, a violação do dever de diligência, na segunda, a violação do direito de ser ouvida e, na terceira, a violação do dever de fundamentação.

a)      Quanto à primeira parte do terceiro fundamento, relativa à violação do dever de diligência

62      A recorrente alega que se a Comissão tivesse apreciado corretamente as informações transmitidas pela Agência de Proteção do Ambiente, esta teria chegado a uma conclusão diferente no que respeita à inclusão da instalação em causa no RCLE. A Comissão violou, portanto, o seu dever de diligência.

63      Segundo a recorrente, para a aplicação da exclusão das instalações que utilizam exclusivamente a biomassa prevista no ponto 1 do anexo I da Diretiva 2003/87, a questão de saber se a instalação em causa gera ou não emissões de dióxido de carbono de origem fóssil é um elemento pertinente. Ora, a Comissão não cumpriu o seu dever de verificar devidamente se a referida instalação utilizava exclusivamente biomassa. Além disso, a Comissão dirigiu uma questão à Agência de Proteção do Ambiente, nos termos da qual lhe parecia que esta instalação utilizava «quase exclusivamente» biomassa, o que significa que estava ao corrente da utilização de combustíveis de origem fóssil por essa instalação. Assim, optou deliberadamente por afastar, sem razão, os dados certificados fornecidos pela Agência de Proteção do Ambiente, cuja imparcialidade não podia ser posta em causa.

64      Por outro lado, a Comissão demorou a indicar à Agência de Proteção do Ambiente que considerava que as instalações, como a instalação em causa, que tinham declarado quantidades de emissão de dióxido de carbono de origem fóssil iguais a zero deviam ser excluídas do RCLE. Segundo a recorrente, a imposição à Agência de Proteção do Ambiente de um pretenso prazo além do qual novos dados, ainda que pertinentes, já não poderiam ser tidos em conta, é falaciosa.

65      Na réplica, a recorrente censura, além disso, a Comissão por não ter imposto claramente um prazo à Agência de Proteção do Ambiente. Por conseguinte, a Comissão não tem razão ao argumentar com a extemporaneidade de algumas das informações que lhe foram apresentadas. Ora, segundo a recorrente, a Comissão não poderia ter excluído a instalação em causa do RCLE se esta instituição tivesse tido em conta que tinha arredondado as suas emissões em conformidade com as regras em vigor, quando, na realidade, estas não eram nulas.

66      Segundo a recorrente, a Comissão não pode invocar o desrespeito de um prazo que esta não fixou. Contrariamente às alegações da Comissão, os dados comunicados pela Agência de Proteção do Ambiente na mensagem de correio eletrónico de 26 de janeiro de 2021 não o foram demasiado tarde para que esta instituição os tivesse em conta. Com efeito, a própria Comissão procedeu a alterações dos atos que estavam então em vias de adoção, relativos, nomeadamente, ao valor das emissões dos 10 % das instalações mais eficientes abrangidas por outros parâmetros de referência relativos aos produtos. Por outro lado, resulta do anexo A 10 da petição que duas instalações foram autorizadas a fornecer dados atualizados posteriormente à adoção da decisão impugnada e, portanto, a fortiori, depois de 26 de janeiro de 2021.

67      Acresce que, a decisão impugnada foi adotada mais de um mês após a comunicação pela Agência de Proteção do Ambiente da existência de uma disparidade de tratamento entre as instalações que procederam ou não ao arredondamento das suas declarações e o regulamento relativo aos parâmetros de referência relativos aos produtos foi adotado quase um mês e meio mais tarde. Ora, a tomada em consideração da instalação em causa para o cálculo do parâmetro de referência relativo ao produto constituiu apenas uma adaptação menor. Embora a Comissão alegue que o procedimento de adoção da decisão impugnada durou 15 meses, importa, no entanto, observar que o problema ligado à tomada em consideração das instalações que arredondaram as suas declarações para zero só pôde ser suscitado pela Agência de Proteção do Ambiente ao fim de 12 meses e que a extemporaneidade dessas informações, alegada pela Comissão, é, na realidade, amplamente imputável a esta.

68      A Comissão contesta a argumentação da recorrente.

69      Segundo a jurisprudência, tratando‑se de um processo administrativo que diz respeito a avaliações técnicas complexas, as instituições e os órgãos da União devem dispor de um poder de apreciação para que possam desempenhar as suas funções. Contudo, nos casos em que as instituições da União dispõem de um amplo poder de apreciação, o respeito das garantias atribuídas pela ordem jurídica da União nos processos administrativos assume uma importância ainda mais fundamental. De entre essas garantias constam, nomeadamente, a obrigação de examinar, com cuidado e imparcialidade, todos os elementos relevantes do caso em apreço (v., neste sentido, Acórdão de 21 de novembro de 1991, Technische Universität München, C‑269/90, EU:C:1991:438, n.os 13 e 14).

70      Como resulta dos considerandos 2 a 8 da decisão impugnada, a Comissão efetuou controlos sobre a exaustividade e a coerência das informações que lhe foram comunicadas pelos serviços competentes dos Estados‑Membros.

71      Contrariamente ao que sustenta a Comissão, a recorrente não a acusa de modo algum de não ter procedido a inspeções no local nem de não ter verificado a exatidão das declarações apresentadas pelas instalações às autoridades dos Estados‑Membros competentes. Em contrapartida, a recorrente alega que esta instituição não podia afastar como extemporâneas as informações que lhe foram transmitidas pela Agência de Proteção do Ambiente, segundo as quais, por um lado, tinha arredondado as suas declarações de emissão e, por outro, as suas emissões reais de dióxido de carbono de origem fóssil não eram nulas em 2018.

72      Nos termos do artigo 11.o, n.o 1, segundo parágrafo, da Diretiva 2003/87, as MNE relativas ao quarto período de comércio (2021‑2025) devem ser comunicadas à Comissão até 30 de setembro de 2019. É facto assente que este prazo foi respeitado no caso em apreço pela Agência de Proteção do Ambiente.

73      Em contrapartida, resulta dos autos que não foi imposto à Agência de Proteção do Ambiente nenhum prazo além do mencionado no n.o 72, supra. A este respeito, a afirmação da Comissão segundo a qual foi fixado um prazo em 7 de dezembro de 2021 não é convincente. Com efeito, esse prazo, mencionado numa mensagem de correio eletrónico, foi objeto de contestação imediata pela Agência de Proteção do Ambiente, à qual os serviços da Comissão não se opuseram.

74      Por outro lado, é facto assente que as alterações das MNE relativas aos valores declarados pelas instalações são, à primeira vista, suscetíveis de ter impacto na definição do parâmetro de referência do produto, visto que estão abrangidas pelo RCLE. É tanto mais assim quanto é certo que instalações que utilizam biomassa, uma vez que essas emissões não são contabilizadas para o cálculo do número de licenças de emissão que devem ser devolvidas. Todavia, as partes divergem quanto às consequências que a Comissão deveria ter tirado no caso em apreço, das informações que lhe foram transmitidas pela Agência de Proteção do Ambiente entre 26 de janeiro e 4 de fevereiro de 2021. A recorrente alega que a Comissão estava obrigada a apreciar todos os dados pertinentes, independentemente da data da sua transmissão, ao passo que a Comissão entende que, a partir do momento em que o procedimento de adoção do regulamento que institui os parâmetros de referência relativos aos produtos estava em curso, era demasiado tarde para lhe submeter alterações suscetíveis de pôr em causa os projetos de parâmetros de referência. A Comissão sustenta que, se essas alterações devessem então ter sido tidas em conta, a adoção dos atos indispensáveis à atribuição das licenças a título gratuito teria sofrido um atraso considerável.

75      Ora, não foi contestado que, na data em que a Agência de Proteção do Ambiente avisou a Comissão de problemas relacionados com diferenças relativas ao arredondamento dos valores declarados e, a fortiori, quando a Agência de Proteção do Ambiente informou a Comissão de que o valor das emissões da instalação em causa não era nulo em 2018, mas que era de 0,3727 toneladas de dióxido de carbono de origem fóssil (v. n.o 17, supra), ou seja, em 4 de fevereiro de 2021, o projeto de regulamento que institui os parâmetros de referência relativos aos produtos já tinha sido submetido ao Comité das Alterações Climáticas. Por mensagem de correio eletrónico de 1 de fevereiro de 2021 (v. n.o 16, supra), a Comissão tinha informado a Agência de Proteção do Ambiente de que apenas podiam ser tidas em conta alterações sem impacto nos parâmetros de referência relativos aos produtos.

76      É certo que a Comissão tem razão ao sustentar que o artigo 10.o‑A da Diretiva 2003/87 prevê que as atribuições de licenças a título gratuito pressupõem previamente a definição dos parâmetros de referência por setor de atividade e que, nos termos do artigo 11.o, n.o 2, da referida diretiva, as atribuições de licenças a título gratuito devem ocorrer até 28 de fevereiro do ano em curso. Com efeito, o artigo 10.o‑A, n.o 2, desta diretiva, ao prever que o ponto de partida dos parâmetros de referência ex ante é a média dos resultados de 10 % das instalações mais eficientes do setor, pressupõe a elaboração da lista das instalações incluídas no RCLE. Por conseguinte, a Comissão pode, em princípio, tomar as medidas de organização do procedimento administrativo necessárias para garantir o respeito dos prazos previstos no artigo 11.o, n.o 2, da mesma diretiva, nomeadamente fixando prazos às autoridades nacionais para apresentarem todos os dados necessários para elaborar a lista das instalações incluídas e o seu desempenho energético. Todavia, como foi constatado no n.o 73, supra, não resulta dos autos que, no caso em apreço, a Comissão tenha claramente fixado à Agência de Proteção do Ambiente um prazo imperativo.

77      Assim sendo, a Comissão tinha a obrigação de tomar em consideração as informações que lhe tinham sido transmitidas.

78      Ora, como resulta da mensagem de correio eletrónico da Comissão de 1 de fevereiro de 2021, dirigida à Agência de Proteção do Ambiente (v. n.o 16, supra), a Comissão, no caso em apreço, recusou, por princípio, tomar em consideração qualquer informação nova suscetível de ter incidência na lista das instalações incluídas e no cálculo dos valores dos parâmetros de referência. Esta recusa foi confirmada pela mensagem de correio eletrónico da Comissão de 16 de fevereiro de 2021 (v. n.o 18, supra), em que a Comissão informou a Agência de Proteção do Ambiente de que não podia ter em conta as informações enviadas pela agência em 4 de fevereiro de 2021 relativas, por um lado, à inclusão de duas instalações que tinham declarado valores diferentes de zero, mas inferiores a 0,5 toneladas de emissões de dióxido de carbono de origem fóssil e, por outro, à exclusão da instalação da recorrente, apesar de ter arredondado as suas declarações de emissões de 2018 para 0 t, quando as suas emissões reais não arredondadas eram superiores a 0 tonelada se inferiores a 0,5 toneladas. Ao fazê‑lo, a Comissão não cumpriu a sua obrigação, nos termos da jurisprudência citada no n.o 77, supra, de examinar cuidadosa e imparcialmente todos os elementos pertinentes para o caso em apreço.

79      Além disso, como alega a recorrente, cabe observar que o critério de exclusão mencionado na carta de observações da Comissão de 19 de maio de 2020, dirigida à Agência de Proteção do Ambiente (v. n.o 7, supra) era relativo à utilização, mesmo durante um único ano do período de referência, de cerca de 100 % de biomassa. Uma vez que este critério apresenta um caráter mais estrito do que aquele que a Comissão acabou por adotar, essa informação errada teve por efeito privar a Agência de Proteção do Ambiente da possibilidade de conhecer precisamente, durante o procedimento de adoção da decisão impugnada, a interpretação pela Comissão do ponto 1 do anexo I da Diretiva 2003/87.

80      No entanto, decorre dos n.os 51 a 60 do presente acórdão que a tomada em consideração dos dados apresentados em 4 de fevereiro de 2021 pela Agência de Proteção do Ambiente não teria sido suscetível de produzir qualquer efeito na exclusão da instalação da recorrente, uma vez que, como resulta dos n.os 51 a 60, supra, importa considerar que as instalações que emitem menos de 0,5 toneladas de dióxido de carbono de origem fóssil utilizam exclusivamente biomassa, na aceção do ponto 1 do anexo I da Diretiva 2003/87. Além disso, resulta das declarações das partes na audiência que a redução máxima do valor de referência prevista no artigo 10.o‑A, n.o 2, alínea b) da referida diretiva (v. n.o 36, supra), tinha sido conseguida, pelo que é verosímil que a inclusão de uma instalação mais eficiente do que a média, ou a exclusão de duas instalações incorretamente incluídas, seria no caso em apreço, tendo em conta o grande número de instalações abrangidas por esse parâmetro de referência, nula ou, pelo menos, muito marginal.

81      Nestas condições, deve considerar‑se que a violação pela Comissão da sua obrigação de examinar com cuidado e imparcialidade todos os elementos pertinentes do caso concreto, constatada no n.o 78, supra, não afeta a legalidade da exclusão da instalação em causa do RCLE. Importa também observar que, no âmbito do presente litígio, não foi submetida ao Tribunal Geral a questão da inclusão na MNE notificada pelo Reino da Suécia das duas outras instalações mencionadas na mensagem de correio eletrónico de 4 de fevereiro de 2021, que declarou, sem as arredondar, emissões de dióxido de carbono de origem fóssil inferiores a 0,5 toneladas.

82      Daqui resulta que, apesar do erro cometido pela Comissão ao recusar, por princípio, ter em conta informações que lhe foram transmitidas pela Agência de Proteção do Ambiente em 4 de fevereiro de 2021, a primeira parte do terceiro fundamento deve ser julgada improcedente.

b)      Quanto à segunda parte do terceiro fundamento, relativa à violação do direito de ser ouvido

83      A recorrente alega que, como a Comissão não lhe deu a possibilidade de apresentar observações antes de adotar a decisão impugnada, esta violou o seu direito de ser ouvida. Considera que esta violação é contrária ao artigo 41.o da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia e que, se essa violação não tivesse existido, poderia ter demonstrado que a instalação em causa não utilizava exclusivamente biomassa, mas que as suas emissões de dióxido de carbono eram em parte de origem fóssil. Sustenta que teria assim podido assegurar melhor a sua defesa se o seu direito de ser ouvida tivesse sido respeitado. Alega que podia ter indicado à Comissão que tinha arredondado a zero as suas emissões de dióxido de carbono de origem fóssil, quando estas não eram nulas e que pretendia continuar a emitir dióxido de carbono de origem fóssil durante o período de 2021‑2025.

84      A recorrente também alega que a decisão impugnada a prejudica muito significativamente. Em seu entender, por um lado, fica privada de um lucro anual superior a 3 milhões de euros, estimado com base na atribuição de licenças de emissão a título gratuito de que beneficiou em 2020. Por outro lado, sustenta que a exclusão da instalação em causa do RCLE a priva da licença de emitir dióxido de carbono de origem fóssil e expõe‑na a sanções penais.

85      Por último, a recorrente indica que, uma vez que o ponto 1 do anexo I da Diretiva 2003/87 está redigido no tempo presente, a eventual circunstância de só ter utilizado biomassa durante o período de referência (2014‑2018) não deve ser determinante no que respeita à questão de saber se pretendia emitir dióxido de carbono de origem fóssil nos anos seguintes. Considera que, se tivesse podido invocar este argumento, teria podido demonstrar o direito da instalação em causa a permanecer no RCLE.

86      A Comissão contesta a argumentação da recorrente.

87      Nos termos do artigo 41.o, n.o 2, alínea a), da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia, é garantido o direito de qualquer pessoa a ser ouvida antes de a seu respeito ser tomada qualquer medida individual que a afete desfavoravelmente.

88      Resulta da jurisprudência do Tribunal de Justiça que o respeito dos direitos de defesa em qualquer processo instaurado contra uma pessoa e suscetível de conduzir a um ato que lhe cause prejuízo constitui um princípio fundamental do direito da União que deve ser assegurado mesmo na ausência de qualquer regulamentação relativa à tramitação processual. O direito de ser ouvido garante que qualquer pessoa tenha a possibilidade de dar a conhecer, de maneira útil e efetiva, o seu ponto de vista no decurso do procedimento administrativo e antes da adoção de qualquer decisão suscetível de afetar desfavoravelmente os seus interesses (v. Acórdãos de 9 de junho de 2005, Espanha/Comissão, C‑287/02, EU:C:2005:368, n.o 37 e jurisprudência referida, e de 22 de novembro de 2012, M., C‑277/11, EU:C:2012:744, n.o 87 e jurisprudência referida).

89      No caso em apreço, o direito de ser ouvido não foi violado. Com efeito, como afirma a Comissão, o procedimento previsto no artigo 11.o, n.o 3, da Diretiva 2003/87 é aberto apenas contra o Estado‑Membro em causa. Este procedimento destina‑se a que a Comissão se certifique de que as MNE relativas à atribuição de licenças de emissão a título gratuito, apresentadas pelo Estado‑Membro em causa, estão em conformidade com as regras referidas no artigo 10.o‑A, n.o 1, da referida diretiva.

90      No que respeita a este procedimento, segundo o artigo 14.o do Regulamento Delegado (UE) 2019/331 da Comissão, de 19 de dezembro de 2018, sobre a determinação das regras transitórias da União relativas à atribuição harmonizada de licenças de emissão a título gratuito nos termos do artigo 10.o‑A da Diretiva 2003/87 [do Parlamento Europeu e do Conselho] (JO 2019, L 59, p. 8), os operadores de instalações em causa não dispõem de nenhum direito processual específico. Segundo as regras previstas no referido regulamento delegado, é no âmbito do processo nacional relativo à apresentação à Comissão da lista das instalações abrangidas pela Diretiva 2003/87 e das licenças gratuitas atribuídas a cada instalação que os operadores de instalações em causa devem ser ouvidos. A este respeito, o artigo 3.o deste regulamento delegado prevê que os Estados‑Membros devem adotar as disposições administrativas adequadas com vista à aplicação das regras deste regulamento. Por outro lado, a recorrente não afirmou que, perante a Agência de Proteção do Ambiente, não estava em condições de dar a conhecer o seu ponto de vista de maneira útil e efetiva (v., neste sentido, Acórdão de 26 de setembro de 2014, Arctic Paper Mochenwangen/Comissão, T‑634/13, não publicado, EU:T:2014:828, n.o 105 e jurisprudência referida).

91      Daqui resulta que a segunda parte do terceiro fundamento deve ser julgada improcedente.

c)      Quanto à terceira parte do terceiro fundamento, relativa à violação do dever de fundamentação

92      A recorrente sustenta que, para cumprir o dever de fundamentação previsto no artigo 296.o TFUE, a decisão impugnada deveria, por um lado, ter indicado os motivos que justificam a interpretação pela Comissão dos critérios de aplicação da isenção relativa à biomassa e, por outro, indicar expressamente as razões pelas quais, em primeiro lugar, o facto de emitir dióxido de carbono de origem fóssil não era pertinente, em segundo lugar, as razões pelas quais as instalações cujos níveis de emissão eram comparáveis foram tratadas de forma diferente, em terceiro lugar, as razões pelas quais a Comissão não teve em conta as informações relativas à existência das suas emissões de dióxido de carbono de origem fóssil que lhe tinham sido comunicadas pela Agência de Proteção do Ambiente, em quarto lugar, as razões pelas quais a Agência não foi ouvida apesar das informações de que a Comissão dispunha e, em quinto lugar, para determinar se a exceção relativa à biomassa lhe era aplicável, as razões pelas quais a Comissão só teve em conta as emissões passadas de dióxido de carbono de origem fóssil da instalação em causa e não as suas emissões atuais ou futuras.

93      A Comissão contesta a argumentação da recorrente.

94      A fundamentação exigida pelo artigo 296.o TFUE deve evidenciar, de forma clara e inequívoca, o raciocínio da autora do ato impugnado, de forma a permitir aos interessados conhecerem as justificações da medida tomada a fim de defenderem os seus direitos e ao juiz da União exercer a sua fiscalização (v. Acórdão de 23 de setembro de 2009, Polónia/Comissão, T‑183/07, EU:T:2009:350, n.o 136 e jurisprudência referida).

95      A exigência de fundamentação deve ser apreciada em função das circunstâncias do caso concreto, nomeadamente do conteúdo do ato, da natureza dos fundamentos invocados e do interesse que os destinatários do ato ou outras pessoas direta e individualmente interessadas no mesmo podem ter em obter explicações. Não se exige que a fundamentação especifique todos os elementos de facto e de direito pertinentes, na medida em que a questão de saber se a fundamentação de um ato satisfaz as exigências do artigo 296.o TFUE deve ser apreciada não apenas à luz do seu teor literal, mas também do seu contexto e de todas as regras jurídicas que regem a matéria em causa (v. Acórdão de 23 de setembro de 2009, Polónia/Comissão, T‑183/07, EU:T:2009:350, n.o 137 e jurisprudência referida).

96      Deve igualmente observar‑se que o cumprimento do dever de fundamentação imposto pelo artigo 296.o TFUE, no que respeita a uma decisão relativa às MNE para a atribuição transitória a título gratuito de licenças de emissão de gases com efeito de estufa, em conformidade com o artigo 11.o, n.o 3, da Diretiva 2003/87, reveste uma importância tanto mais fundamental quanto, no caso em apreço, o exercício do poder de fiscalização da Comissão ao abrigo desta última disposição implica avaliações económicas e ecológicas complexas e que a fiscalização da legalidade e do mérito dessas avaliações pelo juiz da União é limitada (v., por analogia, Acórdão de 23 de setembro de 2009, Polónia/Comissão, T‑183/07, EU:T:2009:350, n.o 138 e jurisprudência referida).

97      No caso em apreço, a fundamentação que figura no considerando 11 da decisão impugnada (v. n.o 20, supra) evidencia inequivocamente o raciocínio seguido na decisão impugnada. Com efeito, resulta do referido considerando que a Comissão considerou que a instalação em causa, porque tinha utilizada exclusivamente biomassa, devia ser excluída do RCLE em aplicação do ponto 1 do anexo I da Diretiva 2003/87.

98      Uma vez que estas indicações eram suficientes para permitir à recorrente interpor utilmente o seu recurso e ao Tribunal Geral apreciar a legalidade da decisão impugnada, a Comissão não estava, portanto, contrariamente ao que alega a recorrente, obrigada a fornecer uma fundamentação específica sobre as questões mencionadas no n.o 92, supra.

99      Por conseguinte, há que julgar improcedente a terceira parte do terceiro fundamento e, consequentemente, o referido fundamento na sua totalidade.

C.      Quanto ao mérito da decisão impugnada

100    Importa começar por examinar o quinto fundamento invocado pela recorrente, relativo à legalidade da interpretação dos critérios de exclusão adotados pela Comissão na decisão impugnada. Com efeito, em apoio deste fundamento, a recorrente sustenta que, ao ter considerado que devem ser excluídas do RCLE todas as instalações que declararam emissões de dióxido de carbono de origem fóssil nulas, incluindo as que arredondaram a zero as suas emissões reais, a Comissão violou as disposições essenciais da Diretiva 2003/87.

1.      Quanto ao quinto fundamento, relativo à violação da Diretiva 2003/87

101    O presente fundamento divide‑se em duas partes. Em apoio da primeira parte, a recorrente sustenta que a Comissão teve erradamente em conta o período de referência definido no artigo 2.o, ponto 14, do Regulamento Delegado 2019/331 para determinar se a instalação em causa podia estar abrangida pelo RCLE. Em apoio da segunda parte, alega que a interpretação feita pela Comissão da Diretiva 2003/87, e nomeadamente do ponto 1 do seu anexo I, enferma de vários erros de direito.

a)      Quanto à primeira parte do quinto fundamento, relativa à errada tomada em consideração de valores antigos

102    A recorrente alega que resulta do artigo 11.o da Diretiva 2003/87 que o período de referência definido no artigo 2.o, ponto 14, do Regulamento Delegado 2019/331, a saber, o período compreendido entre 2014 e 2018, só é pertinente para determinar o número de licenças suscetíveis de serem atribuídas a título gratuito. Em contrapartida, não foi estabelecida nenhuma ligação entre este período de referência e a exceção relativa à exclusão das instalações que utilizam exclusivamente biomassa prevista no ponto 1 do anexo I da referida diretiva. Por conseguinte, a recorrente considera que a Comissão cometeu um erro de direito ao deduzir a exclusão da instalação em causa do RCLE com base no facto de esta não ter declarado emissões de dióxido de carbono de origem fóssil durante o período de referência.

103    Segundo a recorrente, a questão de saber se uma instalação está abrangida pelo RCLE deve, pelo contrário, depender não das suas emissões históricas, anteriores em mais de dois anos, mas das efetivamente libertadas no momento da adoção das MNE e da intenção da empresa de as libertar no futuro. Se assim não fosse, uma empresa que pretendesse emitir dióxido de carbono de origem fóssil ficaria privada da possibilidade de obter a licença necessária.

104    A Comissão contesta a argumentação da recorrente.

105    Nos termos do artigo 11.o, n.o 1, segundo parágrafo, da Diretiva 2003/87, a lista das instalações abrangidas pela referida diretiva para o período de cinco anos a contar de 1 de janeiro de 2021 devia ser apresentada até 30 de setembro de 2019, sendo que as listas para cada período subsequente de cinco anos devem ser apresentadas, posteriormente, de cinco em cinco anos. Cada lista inclui informações sobre a atividade de produção, as transferências de calor e gases, a produção de eletricidade e as emissões a nível de subinstalação ao longo dos cinco anos civis que antecedem a sua apresentação. Só podem ser atribuídas licenças de emissão a título gratuito às instalações que tenham fornecido essas informações.

106    O artigo 2.o, ponto 14, do Regulamento Delegado 2019/331 define, por seu turno, o «período de referência» como «o período de cinco anos civis anteriores ao prazo‑limite para a apresentação dos dados à Comissão, nos termos do artigo 11.o, n.o 1, da Diretiva 2003/87».

107    O artigo 11.o, n.o 1, primeiro parágrafo, da Diretiva 2003/87 tem a seguinte redação:

«Cada Estado‑Membro publica e apresenta à Comissão […] a lista das instalações abrangidas pela […] [D]iretiva [2003/87] no seu território e de eventuais atribuições a título gratuito a cada instalação […]»

108    Antes de mais, há que salientar que o artigo 11.o, n.o 1, da Diretiva 2003/87 refere a «lista de instalações abrangidas pela [referida] diretiva». Em contrapartida, a interpretação da recorrente de que importa distinguir entre o período de referência, a título do qual os dados históricos de cada instalação devem ser tidos em conta para o cálculo do número de licenças que lhe podem ser atribuídas a título gratuito, e o período que deve ser tido em conta para a aplicação da exclusão das instalações que utilizam exclusivamente biomassa, não encontra nenhum fundamento nas disposições da referida diretiva.

109    Com efeito, o conceito de «instalações abrangidas» pela Diretiva 2003/87 não pode ser interpretado independentemente do artigo 2.o, n.o 1, da referida diretiva, que remete para as atividades indicadas no anexo I desta diretiva, cujo ponto 1 prevê a exclusão das instalações que utilizam exclusivamente biomassa. Assim, decorre da economia destas disposições, consideradas em conjunto, que, para serem elegíveis para a distribuição de licenças a título gratuito, as instalações devem figurar na lista das MNE, o que pressupõe que satisfazem um dos critérios de inclusão no RCLE previsto no referido anexo.

110    A distinção apresentada pela recorrente segundo a qual há que ter em conta intenções futuras do operador para figurar na lista das MNE e beneficiar assim da atribuição de licenças a título gratuito é, portanto, contrária às disposições claras da Diretiva 2003/87.

111    Por conseguinte, há que afastar a primeira parte do quinto fundamento.

b)      Quanto à segunda parte do quinto fundamento, relativa a erros de direito

112    Em primeiro lugar, a recorrente alega que a alteração do ponto 1 do anexo I da Diretiva 2003/87 pela Diretiva 2009/29/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 23 de abril de 2009, que altera a Diretiva 2003/87 a fim de melhorar e alargar o RCLE (JO 2009, L 140, p. 63), visa atenuar os condicionalismos dos operadores de instalações que utilizam biomassa, dispensando‑os das declarações necessárias para obter as licenças exigidas para cobrir as emissões associadas ao seu processo de produção. Em seu entender, esta isenção apresenta um caráter menor em relação às outras alterações introduzidas por esta última diretiva.

113    Em segundo lugar, a recorrente sustenta que, em contrapartida, o elemento central das alterações introduzidas no RCLE pela Diretiva 2009/29 consistia na definição de parâmetros de referência relativos aos produtos para o cálculo das atribuições de licenças de emissão a título gratuito. Observa que o artigo 10.o‑A da Diretiva 2003/87, que foi introduzido pela Diretiva 2009/29, define as licenças a atribuir em função das emissões realizadas por 10 % das instalações mais eficientes do ponto de vista ambiental e das quantidades produzidas por cada instalação, independentemente das suas emissões reais. Esta nova disposição visa, assim, incentivar cada operador a reduzir a relação entre as suas emissões e a sua produção e um dos métodos explicitamente mencionados para esse efeito consiste em encorajar o recurso à biomassa, renovável, em detrimento dos combustíveis de origem fóssil. Em todo o caso, segundo a recorrente, as alterações introduzidas visavam expressamente a não incentivar os operadores a aumentarem as suas emissões (artigo 10.o‑A da Diretiva 2003/87 e considerando 23 da Diretiva 2009/29).

114    A recorrente sustenta que a tomada em consideração da eficiência da biomassa do ponto de vista ambiental resulta da atribuição de um fator igual a zero às emissões libertadas pela biomassa e do facto de o cálculo das emissões libertadas pelos 10 % das instalações com melhor desempenho só ter em conta as emissões de combustíveis de origem fóssil. No entanto, seria absurdo, nesta lógica, não poder ter em conta a redução a zero das emissões que ocorreria no caso de os operadores conseguirem substituir completamente os combustíveis de origem fóssil pela biomassa. Nessa situação, os operadores seriam incentivados a não utilizar exclusivamente a biomassa para poderem continuar a beneficiar da atribuição de licenças de emissão a título gratuito. Segundo a recorrente, a interpretação da exceção relativa à biomassa feita pela Comissão na decisão impugnada, porque conduz ao resultado paradoxal de excluir a instalação em causa, uma das mais eficientes do ponto de vista ambiental, do parâmetro de referência relativo ao produto, é diretamente contrária à redação e à economia do artigo 10.o‑A da Diretiva 2003/87.

115    Em terceiro lugar, em consequência do que precede, a recorrente entende que a interpretação dada na decisão impugnada ao ponto 1 do anexo I da Diretiva 2003/87 entra em conflito com o artigo 10.o‑A da mesma diretiva, que deve, porém, prevalecer sobre o referido ponto.

116    A Comissão contesta a argumentação da recorrente.

117    Em primeiro lugar, como acertadamente alega a Comissão, a alteração introduzida no ponto 1 do anexo I da Diretiva 2003/87, que visa excluir as instalações que utilizam exclusivamente a biomassa, não reveste caráter acessório, uma vez que define o âmbito de aplicação do RCLE. Com efeito, o artigo 2.o da referida diretiva define as instalações abrangidas pelo RCLE remetendo para o referido anexo, ou seja, nomeadamente, para a disposição em questão. Por outro lado, a recorrente não apresenta nenhum elemento suscetível de corroborar o seu argumento de que esta disposição visa unicamente aliviar os constrangimentos administrativos que o RCLE impõe às instalações por ela abrangidas. A delimitação do âmbito de aplicação desta diretiva que exclui as instalações que utilizam exclusivamente biomassa não apresenta, portanto, caráter secundário em relação ao artigo 10.o‑A da mesma diretiva. Com efeito, os parâmetros de referência ex ante aí definidos só se destinam a ser aplicados às instalações abrangidas pelo RCLE.

118    Em segundo lugar, como alega a recorrente, a exclusão das instalações que utilizam exclusivamente biomassa obsta a que sejam tidos em conta os desempenhos ecológicos dessas instalações no cálculo dos parâmetros de referência. No entanto, tem como contrapartida, para as instalações em questão, a inexistência da obrigação de devolver licenças de emissão em número igual às emissões de dióxido de carbono produzidas por essas instalações, a qual já estava prevista no anexo IV da Diretiva 2003/87 na sua redação inicial. Esta circunstância, embora não permita ter em conta o desempenho do ponto de vista ambiental das instalações que utilizam exclusivamente a biomassa, permite, em contrapartida, evitar os efeitos de inércia que implica a possibilidade de uma instalação reputada não emitir dióxido de carbono dispor de uma atribuição de licenças de emissão a título gratuito. A inexistência de impacto nos valores das instalações que utilizam exclusivamente a biomassa não pode, porém, ter como consequência que o ponto 1 do anexo I da referida diretiva possa ser interpretado independentemente do artigo 11.o da mesma diretiva. Ora, como resulta do exame da primeira parte do presente fundamento, a inclusão no RCLE de uma instalação que utiliza a biomassa está ligada ao facto de ter emitido dióxido de carbono de origem fóssil durante o período de referência.

119    Em terceiro lugar, a interpretação do ponto 1 do anexo I da Diretiva 2003/87 segundo a qual devem ser excluídas as instalações cujas emissões foram nulas durante o período de referência também não é contrária ao artigo 10.o‑A da referida diretiva. Com efeito, esta disposição não impõe que se tenha em conta o desempenho do ponto de vista ambiental realizado por instalações não abrangidas pelo RCLE, mas prevê, pelo contrário, que devem ser tidas em conta as emissões das instalações abrangidas por um parâmetro de referência ex ante. Ora, devido à exclusão dessas instalações quando utilizam exclusivamente biomassa, não se pode considerar que estas estejam abrangidas por esse parâmetro de referência.

120    Em quarto lugar, é facto assente que as instalações não abrangidas pelo RCLE não são elegíveis para as atribuições de licenças a título gratuito. Daqui resulta que, uma vez que a instalação em causa foi excluída do RCLE, a recorrente não se encontra numa situação comparável à de outras empresas que têm instalações abrangidas por esse regime para efeitos dessas atribuições e que têm a obrigação de devolver um número de licenças de emissão igual às suas emissões. Por este motivo, a recorrente escapa igualmente ao risco de sofrer as sanções previstas no artigo 16.o da Diretiva 2003/87 em caso de violação das suas obrigações pelas instalações incluídas no RCLE. Por conseguinte, a circunstância de a interpretação do ponto 1 do anexo I da referida diretiva adotada na decisão impugnada conduzir a que a recorrente já não possa beneficiar de atribuições de licenças a título gratuito não é suscetível de violar o princípio da igualdade de tratamento.

121    Em quinto lugar, nenhuma disposição da Diretiva 2003/87 implica que a inclusão de uma instalação no RCLE seja estritamente neutra à luz da situação concorrencial dessas instalações relativamente às que não estão abrangidas ou estão excluídas da mesma. Daqui resulta que as distorções de concorrência alegadas pela recorrente não são suscetíveis de demonstrar a ilegalidade da interpretação do ponto 1 do anexo I da referida diretiva levada a cabo pela Comissão na decisão impugnada.

122    Em sexto lugar, contrariamente ao que alega a recorrente, a circunstância de a interpretação dada no ponto 1 do anexo I da Diretiva 2003/87 na decisão impugnada ser suscetível de levar a que instalações assim excluídas deixem de utilizar exclusivamente biomassa não pode demonstrar a ilegalidade desta interpretação. Com efeito, o objetivo global de redução das emissões prosseguido pelo RCLE não pode conduzir à anulação da exclusão das instalações que utilizam exclusivamente biomassa pelo facto de certos operadores poderem ser levados a fazer livremente escolhas menos eficientes do ponto de vista ambiental. Estas eventualidades são, com efeito, inerentes a qualquer efeito de limiar, não podendo ser evitadas nos casos em que o âmbito de aplicação de uma medida como o RCLE está delimitado. Por conseguinte, a recorrente não tem razão ao sustentar que a exclusão das instalações que utilizam exclusivamente a biomassa dos mecanismos de atribuição de licenças a título gratuito é contrária aos objetivos da referida diretiva e viola o princípio da proporcionalidade.

123    Assim sendo, a recorrente não conseguiu demonstrar a ilegalidade da interpretação do ponto 1 do anexo I da Diretiva 2003/87 adotada pela Comissão na decisão impugnada. Por conseguinte, a segunda parte do quinto fundamento e, portanto, a totalidade do referido fundamento devem ser julgados improcedentes.

2.      Quanto ao primeiro fundamento, relativo a um erro manifesto de apreciação

124    A recorrente alega que, ao ter considerado que a instalação em questão utilizava exclusivamente biomassa, a Comissão cometeu um erro manifesto de apreciação. A este respeito, sustenta que a instalação em causa emitiu dióxido de carbono de origem fóssil durante o período de referência, em 2018, bem como em 2019 e em 2020, e que os valores declarados de 0 toneladas resultavam de um arredondamento. Ao recusar ter em conta essas informações, que lhe tinham sido comunicadas pela Agência de Proteção do Ambiente antes da adoção da decisão impugnada, a Comissão não só tratou de maneira diferente instalações comparáveis, uma vez que não se opôs à inclusão na MNE sueca de instalações que emitiram quantidades de dióxido de carbono de origem fóssil efetivas equivalentes, como também recusou erradamente ter em conta informações pertinentes. Por conseguinte, cometeu um erro manifesto de apreciação quando considerou que a instalação em causa utilizava exclusivamente biomassa na aceção do ponto 1 do anexo I da Diretiva 2003/87.

125    Além disso, a Comissão não seguiu uma prática coerente. Com efeito, a Comissão parece agora basear a sua interpretação da exceção de utilização exclusiva da biomassa no facto de uma instalação não ter declarado nenhuma emissão de dióxido de carbono de origem fóssil em todo o período de referência quinquenal, bastando uma declaração positiva relativa a um único ano do referido período para a subtrair à exclusão do RCLE. Ora, na sua carta de observações de 19 de maio de 2020, a Comissão sustentou uma posição diferente, segundo a qual o simples facto de uma instalação que tenha declarado emissões quase nulas durante um único ano do período de referência ser suficiente para justificar a sua exclusão. Por força desses critérios, que contesta, a recorrente considera que também devia ter sido excluída relativamente ao terceiro período de comércio, compreendido entre 2013 e 2020. [RPQ 28 a 37]

126    Assim, a recorrente observa que, em virtude da decisão impugnada, se encontra numa situação paradoxal, dado que, para poder beneficiar no futuro da atribuição de licenças a título gratuito, já teria de aumentar as suas emissões de dióxido de carbono de origem fóssil para mais de uma tonelada por ano. Além disso, estaria disposta a aumentá‑las em mais de cinco toneladas por ano se fosse adotada uma alteração legislativa que alargasse a exclusão da utilização exclusiva de biomassa às instalações que emitem menos de cinco toneladas de dióxido de carbono de origem fóssil por ano.

127    Além disso, uma vez que não estão redigidos em termos exatamente idênticos, os pontos 1 e 3 do anexo I da Diretiva 2003/87 (v. n.o 40, supra) não podem dizer respeito às mesmas instalações. Seria, portanto, ilógico equiparar em todos os casos as instalações com baixas emissões de dióxido de carbono de origem fóssil às instalações que utilizam combustíveis de origem fóssil apenas para as fases de arranque e de extinção da unidade. Por conseguinte, contrariamente ao que alega a Comissão, pequenas emissões de dióxido de carbono de origem fóssil não significam que possam ser consideradas desprovidas de alcance para a aplicação da exclusão prevista no ponto 1 do referido anexo.

128    Por último, a recorrente remete para a sua argumentação destinada a demonstrar que as informações suscetíveis de justificar a manutenção da instalação em causa no RCLE foram transmitidas à Comissão pela Agência de Proteção do Ambiente numa data que não impedia que fossem tidas em conta. (v. n.os 66 e 67, supra).

129    A Comissão contesta a argumentação da recorrente.

130    Segundo jurisprudência, num quadro técnico complexo e de caráter evolutivo como o do presente processo, as autoridades competentes da União dispõem de um amplo poder de apreciação, nomeadamente quanto à apreciação dos elementos factuais de ordem científica e técnica altamente complexos, para determinar a natureza e o alcance das medidas que adota, ao passo que a fiscalização do juiz da União se deve limitar a examinar se o exercício desse poder de apreciação não foi viciado por erro manifesto ou desvio de poder, ou ainda se o legislador não ultrapassou manifestamente os limites do seu poder de apreciação. Em tal contexto, o juiz da União não pode efetivamente substituir pela sua própria apreciação dos elementos factuais de ordem científica e técnica a apreciação realizada pelo legislador, a quem o Tratado conferiu esta tarefa (v., neste sentido, Acórdãos de 21 de julho de 2011, Etimine, C‑15/10, EU:C:2011:504, n.o 60, e de 21 de junho de 2018, Polónia/Parlamento e Conselho, C‑5/16, EU:C:2018:483, n.o 150 e jurisprudência referida).

131    Além disso, deve especificar‑se que o amplo poder de apreciação das autoridades da União, que implica uma fiscalização jurisdicional limitada do seu exercício, não se aplica exclusivamente à natureza e ao alcance das disposições a adotar, mas também, em certa medida, ao apuramento dos dados de base. Embora tenha um alcance limitado, esta fiscalização jurisdicional exige que as autoridades da União, autoras do ato em causa, estejam em condições de demonstrar no Tribunal de Justiça que o ato foi adotado mediante um exercício efetivo do seu poder de apreciação, o qual pressupõe a tomada em consideração de todos os elementos e circunstâncias pertinentes da situação que esse ato pretendeu regular (Acórdão de 8 de julho de 2010, Afton Chemical, C‑343/09, EU:C:2010:419, n.os 33 e 34; v., também, Acórdão de 30 de abril de 2015, Polynt e Sitre/ECHA, T‑134/13, não publicado, EU:T:2015:254, n.o 53 e jurisprudência referida).

132    Incumbe, portanto, ao juiz da União, à luz dos elementos invocados pela recorrente, verificar a exatidão material dos elementos de prova invocados, a sua fiabilidade e a sua coerência, bem como fiscalizar se estes elementos correspondem à totalidade dos dados relevantes a tomar em consideração para apreciar uma situação complexa e se os mesmos são de molde a escorar as conclusões que deles se tiram (Acórdão de 6 de novembro de 2008, Países Baixos/Comissão, C‑405/07 P, EU:C:2008:613, n.o 55; v., igualmente, Acórdão de 9 de setembro de 2011, França/Comissão, T‑257/07, EU:T:2011:444, n.o 87 e jurisprudência referida).

133    Segundo a Comissão, na lista das instalações abrangidas pela MNE, a Agência de Proteção do Ambiente declarou nulas emissões de dióxido de carbono de origem fóssil, no que respeita à recorrente, para todos os anos do período de referência. A própria recorrente sustenta ter arredondado para zero as suas declarações de emissões durante cada um dos anos do período de referência, para respeitar as regras de arredondamento. Os documentos dos autos submetidos ao Tribunal Geral não permitem determinar com certeza se os dados que figuram na mensagem de correio eletrónico enviada pela Agência de Proteção do Ambiente à Comissão em 4 de fevereiro de 2021 (v. n.o 17, supra), segundo as quais a recorrente tinha declarado uma quantidade de emissões de 0,3727 toneladas de dióxido de carbono de origem fóssil relativas ao ano de 2018, tinham sido comunicadas à Comissão antes dessa mensagem de correio eletrónico. A este respeito, não resulta dos documentos relativos à recorrente que foram apresentados pelas partes na sequência da medida de organização do procedimento adotada pelo Tribunal Geral que a Comissão tivesse disposto dessas informações antes dessa data.

134    Todavia, ainda que tivesse sido esse o caso, a tomada em consideração de emissões inferiores a 0,5 toneladas de dióxido de carbono de origem fóssil teria, em todo o caso, violado as regras de arredondamento, as quais, como foi salientado nos n.os 60 e 61, supra, apresentavam um caráter geral e imperativo. Ora, a aplicação uniforme das regras de funcionamento do RCLE visa evitar uma distorção no mercado das licenças de emissão, o que é indispensável para alcançar, indiretamente, o objetivo de proteção ambiental prosseguido por esse mercado (Conclusões do advogado‑geral M. Campos Sánchez‑Bordona no processo ArcelorMittal Rodange e Schifflange, C‑321/15, EU:C:2016:516, n.o 78).

135    Daqui resulta que, quando considerou que a instalação em causa utilizava exclusivamente biomassa e que, assim sendo, a exclusão prevista no ponto 1 do anexo I da Diretiva 2003/87 devia ser aplicada à referida instalação, a Comissão não cometeu nenhum erro manifesto de apreciação.

136    Além disso, cabe salientar, primeiro, que a alegada violação do princípio da igualdade de tratamento, resultante, segundo a recorrente, do tratamento diferente de instalações em situações comparáveis, não é pertinente no que respeita à aplicação das regras de funcionamento do RCLE à instalação em causa. Esta questão, aliás, será apreciada em seguida, no âmbito do exame do segundo fundamento de recurso.

137    Segundo, mesmo admitindo que está demonstrada, a circunstância de a instalação em causa já ter sido excluída relativamente ao período anterior em aplicação do critério de exclusão adotado pela Comissão na decisão impugnada, não tem incidência sobre a legalidade da decisão impugnada, a qual apenas diz respeito ao período de atribuição de licenças compreendido entre 2021 e 2025.

138    Terceiro, resulta tanto do artigo 11.o, n.o 1, segundo parágrafo, da Diretiva 2003/87, na sua redação resultante da Diretiva 2018/410, como do artigo 2.o, ponto 14, do Regulamento Delegado 2019/331, que o período quinquenal de referência que devia ser tido em conta na decisão impugnada para a avaliação das emissões ia de 2014 a 2018. A intenção da recorrente de proceder a emissões de dióxido de carbono de origem fóssil durante o período de 2021‑2025 não tem, portanto, impacto na legalidade da decisão impugnada.

139    Quarto, como aliás as partes acordaram na audiência em resposta a uma questão do Tribunal Geral, a finalidade do RCLE não consiste em atribuir licenças a título gratuito, mas incentivar as instalações a diminuir as suas emissões de gases com efeito de estufa e, especialmente, incentivar o recurso à biomassa em detrimento dos combustíveis de origem fóssil. Por conseguinte, quando uma instalação foi excluída do RCLE devido à sua utilização exclusiva de biomassa, não se pode sustentar validamente que esta exclusão está viciada por um erro manifesto de apreciação.

140    Por fim, quinto, dado que, em apoio do seu primeiro fundamento, a recorrente retoma as alegações relativas ao arredondamento de que foi objeto a declaração das suas emissões de dióxido de carbono de origem fóssil relativa ao ano de 2018, bem como o facto de a Comissão não ter tido em conta os dados que lhe foram transmitidos pela Agência de Proteção do Ambiente em 26 de janeiro e em 4 de fevereiro de 2021, que já foram apreciadas no presente acórdão, remete‑se para os n.os 51 a 60 e 69 a 82, supra.

141    Resulta do exposto que o primeiro fundamento não deve ser acolhido.

3.      Quanto ao segundo fundamento, relativo à violação do princípio da igualdade de tratamento

142    Segundo a recorrente, na decisão impugnada, a Comissão violou o princípio da igualdade de tratamento em dois aspetos.

143    Por um lado, como a Agência de Proteção do Ambiente comunicou à Comissão na sua mensagem de correio eletrónico de 4 de fevereiro de 2021, instalações com níveis comparáveis de emissão de dióxido de carbono de origem fóssil eram tratadas de forma diferente no que respeita à sua inclusão no RCLE, pela simples razão de algumas delas terem arredondado as suas declarações, ao passo que outras não. A recorrente observa igualmente que pelo menos uma das instalações cuja inclusão no RCLE não foi contestada pela Comissão emitiu menos dióxido de carbono de origem fóssil do que a instalação em causa. O respeito do princípio da igualdade de tratamento implicaria que a Comissão, que tinha sido informada da situação antes da adoção da decisão impugnada, evitasse tratar de modo diferente situações comparáveis. Contrariamente ao que alega a Comissão, uma simples diferença nas declarações resultante do facto de, para certas instalações, se ter procedido a um arredondamento, ao passo que para outras não, não é pertinente e não justifica um tratamento diferente entre estas duas categorias de explorações.

144    Por outro lado, a violação do princípio da igualdade de tratamento cometida pela Comissão no caso em apreço está na origem de distorções de concorrência e recompensa indevidamente os produtores que utilizam combustíveis de origem fóssil, os quais, contrariamente à recorrente, têm acesso ao RCLE e podem assim realizar lucros revendendo as suas licenças gratuitas não utilizadas. Por conseguinte, a recorrente considera que a sua exclusão implica, entre produtores pertencentes ao mesmo parâmetro de referência relativo ao produto, uma diferença de tratamento injustificada à luz dos objetivos ambientais prosseguidos pelo RCLE.

145    A Comissão contesta a argumentação da recorrente.

146    O princípio geral da igualdade, que faz parte dos princípios fundamentais do direito da União, exige que situações comparáveis não sejam tratadas de maneira diferente e que situações diferentes não sejam tratadas de maneira igual, a menos que esse tratamento seja objetivamente justificado (v., neste sentido, Acórdãos de 19 de outubro de 1977, Ruckdeschel e o., 117/76 e 16/77, EU:C:1977:160, n.o 7, e de 17 de dezembro de 2020, Centraal Israëlitisch Consistorie van België e o., C‑336/19, EU:C:2020:1031, n.o 85 e jurisprudência referida).

147    Resulta dos autos, nomeadamente da tréplica e das respostas da Comissão e da recorrente na sequência da medida de organização do procedimento adotada pelo Tribunal Geral que, salvo em dois casos em que reconheceu ter cometido um erro ao não excluir as instalações em causa, a Comissão excluiu do RCLE as instalações que declararam emissões de dióxido de carbono de origem fóssil nulas ou inferiores a 0,5 toneladas durante o período de referência. A recorrente, encontrando‑se nesta situação, não tem razão ao sustentar, com base no princípio da igualdade de tratamento, que deveria ter beneficiado de um tratamento diferente.

148    É verdade que a Comissão indicou que deveria ter excluído duas instalações cujas emissões de dióxido de carbono de origem fóssil eram inferiores a 0,5 toneladas. Todavia, resulta de jurisprudência constante que o princípio da igualdade de tratamento deve ser conciliado com o respeito do princípio da legalidade, o que implica que ninguém pode invocar, em seu benefício, uma ilegalidade cometida a favor de outrem. Este entendimento equivaleria a consagrar o princípio da «igualdade de tratamento na ilegalidade» (v. Acórdão de 16 de novembro de 2006, Peróxidos Orgánicos/Comissão, T‑120/04, EU:T:2006:350, n.o 77 e jurisprudência referida). A este respeito, há que observar que, na audiência, a Comissão não excluiu a possibilidade de sanar a ilegalidade da inclusão dessas duas instalações na sequência do presente acórdão.

149    Cabe também julgar improcedentes as alegações da recorrente segundo as quais se encontra numa situação mais desfavorável do que as empresas abrangidas pelo mesmo parâmetro de referência relativo ao produto. Com efeito, a exclusão das instalações que utilizam exclusivamente biomassa impede que sejam consideradas abrangidas por um parâmetro de referência relativo a produtos. A recorrente não se encontra, portanto, na mesma situação que as empresas abrangidas por um parâmetro de referência ex ante e incluídas no RCLE. A este respeito, importa ainda recordar que, como resulta da apreciação do quinto fundamento (v. n.o 120, supra), a interpretação do critério de exclusão previsto no ponto 1 do anexo I da Diretiva 2003/87 segundo a qual as instalações que não emitiram dióxido de carbono de origem fóssil ou que emitiram quantidades que devem ser arredondadas a zero não podem beneficiar da atribuição a título gratuito de licenças de emissão de gases com efeito de estufa não viola o princípio da igualdade de tratamento.

150    Consequentemente, a recorrente não tem razão ao sustentar que a decisão impugnada viola diretamente o princípio da igualdade de tratamento, e isto sem prejuízo da questão, objeto do sexto fundamento de recurso, de saber se a exclusão das instalações que utilizam exclusivamente biomassa constitui, por si só, uma violação deste princípio.

151    Daqui decorre que o segundo fundamento deve ser julgado improcedente.

4.      Quanto ao quarto fundamento, relativo à violação do princípio da proteção da confiança legítima

152    A recorrente alega que procedeu voluntariamente à transição para a exploração da sua fábrica essencialmente a partir de biomassa e, assim, cumpriu espontaneamente os objetivos prosseguidos pela Diretiva 2003/87. Além disso, sustenta que não podia prever que este comportamento implicaria a sua exclusão do RCLE, com a consequente privação da licença de utilização de combustível de origem fóssil e do produto financeiro da revenda das licenças de emissão que lhe foram atribuídas a título gratuito. Pelo contrário, considera que podia deduzir da posição adotada pela Comissão nas atribuições de licenças para o terceiro período de comércio (2013‑2020), quando a sua conversão para biomassa já tinha tido lugar, que poderia contar com uma decisão positiva a seu respeito para o período de 2021‑2025. Com efeito, relativamente ao período anterior, já tinha declarado emissões nulas, o que não levou à sua exclusão do RCLE. Beneficia, assim, de uma garantia precisa por parte da Comissão e encontra‑se numa situação comparável à do recorrente no processo que deu origem ao Acórdão de 28 de abril de 1988, Mulder (120/86, EU:C:1988:213). No caso em apreço não existe um interesse público superior que justifique o afastamento do princípio da proteção da confiança legítima.

153    Sem associar expressamente este argumento ao quarto fundamento, a recorrente alega também que dispôs de informações confidenciais segundo as quais a Agência de Proteção do Ambiente, por um lado, e os agentes da Comissão especializados na aplicação do RCLE, por outro, partilhavam do ponto de vista de que a instalação em causa não devia ser excluída do RCLE.

154    A Comissão contesta a argumentação da recorrente.

155    Corolário do princípio da segurança jurídica, o direito de exigir a proteção da confiança legítima estende‑se a qualquer particular a quem a Administração da União tenha feito surgir esperanças fundadas. Constituem garantias suscetíveis de fazer surgir tais esperanças, qualquer que seja a forma como são comunicadas, as informações precisas, incondicionais e concordantes que emanam de fontes autorizadas e fiáveis. Em contrapartida, ninguém pode invocar uma violação deste princípio na falta de garantias precisas fornecidas pela administração. Do mesmo modo, quando um operador económico prudente e avisado estiver em condições de prever a adoção de uma medida suscetível de afetar os seus interesses, não pode invocar o benefício de tal princípio quando essa medida for adotada (v., neste sentido, Acórdão de 21 de junho de 2018, Polónia/Parlamento e Conselho, C‑5/16, EU:C:2018:483, n.os 110, 111, 113 e jurisprudência referida).

156    A este respeito, por um lado, constata‑se que a recorrente não demonstrou que a Comissão lhe deu garantias na aceção da jurisprudência referida no n.o 155, supra, segundo as quais beneficiava, para o período de 2021‑2025, de atribuições de licenças de emissão de gases com efeito de estufa a título gratuito.

157    Com efeito, importa observar que a circunstância de a Comissão não ter decidido excluir a instalação em causa da MNE notificada pelo Reino da Suécia a título do terceiro período de comércio (2013‑2020), não pode ser considerada uma tomada de posição incondicional pela Comissão quanto ao direito de a recorrente continuar a estar abrangida pelo RCLE e de beneficiar, consequentemente, de atribuições de licenças a título gratuito no período seguinte.

158    Acrescente‑se que, é facto assente que a recorrente «concluiu a sua transição para a biomassa em 2010». Ora, resulta do artigo 10.o‑A, n.o 5, da Diretiva 2003/87, na sua redação então em vigor, que o período de referência a tomar em consideração para o cálculo do número de licenças que deviam ser atribuídas gratuitamente a instalações como a da recorrente compreendia os anos de 2005 a 2007. Contudo, a recorrente não demonstra e, de resto, não sustenta, que as suas emissões de dióxido de carbono de origem fóssil eram nulas ou tiveram de ser arredondadas a zero durante esses três anos.

159    Por outro lado, a aplicação da exclusão prevista no ponto 1 do anexo I da Diretiva 2003/87 era bastante previsível à data da adoção da decisão impugnada, dado que resultava da Diretiva 2009/29, cujo prazo de transposição expirava em 31 de dezembro de 2012. Uma vez que esta disposição não foi posteriormente alterada, um operador económico avisado na aceção da jurisprudência referida no n.o 155, supra, não podia, portanto, ignorar que a exclusão das instalações que utilizam exclusivamente biomassa, aplicável desde 1 de janeiro de 2013, ainda estava em vigor para o quarto período de comércio (2021‑2025) abrangido pela decisão impugnada.

160    Daqui resulta que o quarto fundamento deve ser julgado improcedente.

5.      Quanto ao sexto fundamento, relativo à ilegalidade do ponto 1 do anexo I da Diretiva 2003/87

161    Em aplicação do artigo 277.o TFUE, no caso de o Tribunal Geral não dar provimento a um dos cinco primeiros fundamentos de recurso, a recorrente deduz a ilegalidade do ponto 1 do anexo I da Diretiva 2003/87. Segundo a recorrente, se esta disposição não puder ser interpretada em conformidade com o artigo 10.o‑A da referida diretiva e com os princípios fundamentais do direito primário da União, deve ser declarada ilegal. A este respeito, remete para os argumentos invocados em apoio do quinto fundamento.

162    Segundo a recorrente, a exclusão relativa à utilização exclusiva da biomassa implica a impossibilidade de tomar em conta, para o cálculo dos parâmetros de referência relativos aos produtos, as instalações mais eficientes do ponto de vista ambiental. Tal exclusão seria, portanto, por esse facto, incompatível com os objetivos prosseguidos pela Diretiva 2003/87 e com o princípio da proporcionalidade.

163    Tal seria também contrário ao princípio da igualdade de tratamento. Com efeito, em primeiro lugar, as instalações que procederam a um arredondamento das suas declarações são tratadas de forma menos favorável do que as que não arredondaram as suas declarações. Em segundo lugar, as instalações que emitiram dióxido de carbono de origem fóssil durante o período de 2014‑2018 são tratadas de forma menos favorável do que as que emitiram dióxido de carbono de origem fóssil em 2019 e 2020. Em terceiro lugar, as instalações cujas emissões de dióxido de carbono de origem fóssil são inferiores a 0,5 toneladas são tratadas de forma menos favorável do que aquelas cujas emissões excedem esse limiar. Em quarto lugar, do ponto de vista da concorrência, a situação das instalações em que 100 % das emissões têm origem na biomassa não é diferente daquelas em que uma parte ou a totalidade das emissões são de origem fóssil.

164    A Comissão, apoiada pelo Parlamento e pelo Conselho, contesta a argumentação da recorrente.

165    Resulta da análise do quinto fundamento que a interpretação do ponto 1 do anexo I da Diretiva 2003/87 adotada pela Comissão na decisão impugnada não viola as disposições e os objetivos da referida diretiva nem os princípios da igualdade de tratamento e da proporcionalidade. Todavia, a recorrente sustenta, no âmbito do sexto fundamento, que, se for esse o caso, a exclusão do RCLE das instalações que utilizam exclusivamente biomassa é então, em si mesma, contrária a esses princípios e a essas disposições.

166    A este respeito, há que observar, antes de mais, que a admissibilidade da exceção de ilegalidade deduzida pela recorrente não é contestada e que não suscita nenhuma dúvida. Com efeito, não é certo que a recorrente tivesse legitimidade para pedir a anulação da alteração em causa, introduzida pela Diretiva 2009/29, e é facto assente que foi através da aplicação do ponto 1 do anexo I da Diretiva 2003/87 na decisão impugnada que a Comissão considerou que a recorrente devia ser retirada da MNE.

167    No entanto, uma vez que a recorrente invoca os mesmos argumentos que os invocados em apoio da segunda parte do quinto fundamento, basta recordar que esses argumentos foram julgados improcedentes nos n.os 120 a 122, supra.

168    Quanto ao restante, num domínio em que o legislador da União dispõe de uma ampla margem de apreciação, só uma violação manifesta desses princípios poderia demonstrar a ilegalidade da exclusão prevista na disposição impugnada.

169    Contudo, é incontestável que o regime atual, tal como é definido, conduz à penalização da recorrente por ter reduzido quase a zero as suas emissões de dióxido de carbono de origem fóssil. Por um lado, a recorrente indica, sem ser seriamente contestada, que a sua transição para a biomassa implicou investimentos extremamente onerosos relativamente aos quais já não dispõe de nenhuma contrapartida. Por outro lado, resulta das declarações das partes na audiência que a posição adotada pela Comissão, de que a recorrente não pode, mesmo no caso de decidir recorrer de novo a combustíveis de origem fóssil, ser considerada um «novo operador» a priva de qualquer possibilidade de beneficiar novamente de uma atribuição de licenças a título gratuito.

170    Porém, como foi salientado no n.o 122, supra, tais efeitos são inerentes a qualquer regime que preveja limiares de inclusão e de exclusão. A exclusão prevista no ponto 1 do anexo I da Diretiva 2003/87 em causa no presente processo tem por efeito isentar das obrigações inerentes ao RCLE as instalações que optaram integralmente por um processo de produção que utiliza energias renováveis e incentivar as instalações que não exerceram completamente esta opção a substituir os combustíveis de origem fóssil pela biomassa. A este respeito, observa‑se, por outro lado, que a posição defendida pela recorrente de que deveria beneficiar novamente de uma atribuição de licenças a título gratuito no caso de voltar a utilizar combustíveis de origem fóssil, contrariaria diretamente esse objetivo.

171    Por conseguinte, apesar dos efeitos negativos para a recorrente, a exclusão das instalações que utilizam exclusivamente biomassa e a equiparação a essas instalações das que emitiram menos de 0,5 toneladas de dióxido de carbono de origem fóssil durante o período de referência não são suscetíveis de configurar uma violação manifesta dos princípios da proporcionalidade e da igualdade de tratamento pelo legislador da União.

172    Por último, a recorrente pretende argumentar com base numa proposta legislativa, transmitida pela Comissão ao Parlamento e ao Conselho, que visa fixar em 5 % o limiar de emissões de dióxido de carbono de origem fóssil abaixo do qual se considera que as instalações utilizam exclusivamente biomassa. Segundo a recorrente, esta vontade do legislador de alterar o regime revelaria as suas imperfeições. Todavia, tais observações de lege ferenda não podem levar a considerar ilegais as regras em vigor e, por conseguinte, a considerá‑las inaplicáveis.

173    Daqui decorre que há que julgar improcedente a exceção de ilegalidade deduzida pela recorrente, resultando de tudo o que precede que deve ser negado provimento ao recurso.

 Quanto às despesas

174    Ao abrigo do artigo 134.o, n.o 1, do Regulamento de Processo do Tribunal Geral, a parte vencida é condenada nas despesas se a parte vencedora o tiver requerido. Todavia, nos termos do artigo 135.o, n.o 1, do referido regulamento quando a equidade o exigir, o Tribunal pode decidir que uma parte vencida suporte, além das suas próprias despesas, apenas uma fração das despesas da outra parte, ou mesmo que não deve ser condenada a este título.

175    O disposto no artigo 138.o, n.o 1, do Regulamento de Processo, segundo o qual as instituições que intervenham no litígio devem suportar as suas próprias despesas, obsta a que se dê provimento ao pedido do Conselho de condenação da recorrente nas despesas.

176    Além disso, nas circunstâncias do caso em apreço, nomeadamente dos erros detetados nos n.os 78 e 79, supra, importa decidir que cada parte suportará as suas próprias despesas.

Pelos fundamentos expostos,

O TRIBUNAL GERAL (Segunda Secção)

decide:

1)      É negado provimento ao recurso.

2)      Cada parte suporta as suas próprias despesas.

Marcoulli

Frimodt Nielsen

Norkus

Proferido em audiência pública no Luxemburgo, em 26 de julho de 2023.

Assinaturas


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*      Língua do processo: sueco.