Language of document : ECLI:EU:C:2016:836

ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Grande Secção)

8 de novembro de 2016 (*)

«Regulamento n.o 407/2010/UE — Mecanismo europeu de estabilização financeira — Decisão de Execução 2011/77/UE — Assistência financeira da União Europeia à Irlanda — Recapitalização dos bancos nacionais — Direito das sociedades — Segunda Diretiva 77/91/CEE — Artigos 8.o, 25.o e 29.o — Recapitalização de um banco por via de uma direction order — Aumento do capital social sem decisão da assembleia‑geral e sem oferta das ações emitidas a título preferencial aos acionistas existentes — Emissão de novas ações por um montante inferior ao seu valor nominal»

No processo C‑41/15,

que tem por objeto um pedido de decisão prejudicial apresentado, nos termos do artigo 267.o TFUE, pela High Court (Supremo Tribunal, Irlanda), por decisão de 2 de dezembro de 2014, que deu entrada no Tribunal de Justiça em 2 de fevereiro de 2015, no processo

Gerard Dowling,

Padraig McManus,

Piotr Skoczylas,

Scotchstone Capital Fund Limited

contra

Minister for Finance,

sendo intervenientes:

Permanent TSB Group Holdings plc, anteriormente Irish Life and Permanent Group Holdings plc,

Permanent TSB plc, anteriormente Irish Life and Permanent plc,

O TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Grande Secção),

composto por: K. Lenaerts, presidente, A. Tizzano, vice‑presidentee, R. Silva de Lapuerta, M. Ilešič e T. von Danwitz (relator), presidentes de secção, J. Malenovský, J.‑C. Bonichot, A. Arabadjiev, C. Toader, M. Safjan, C. G. Fernlund, C. Vajda e S. Rodin, juízes,

advogado‑geral: N. Wahl,

secretário: C. Strömholm, administradora,

vistos os autos e após a audiência de 19 de abril de 2016,

vistas as observações apresentadas:

–        em representação de G. Dowling, pelo próprio, bem como por G. Rudden, solicitor, e N. Travers, SC,

–        em representação de P. McManus, pelo próprio, bem como por G. Rudden, solicitor, e N. Travers, SC,

–        em representação de P. Skoczylas, pelo próprio,

–        em representação da Scotchstone Capital Fund Limited, por S. O’Donnell e J. Flynn, solicitors,

–        em representação da Permanent TSB Group Holdings plc, anteriormente Irish Life and Permanent Group Holdings plc, e da Permanent TSB plc, anteriormente Irish Life and Permanent plc, por C. MacCarthy, A. Walsh, solicitors, P. Gallagher, SC, e C. Geoghegan, barrister,

–        em representação da Irlanda, por A. Joyce, L. Williams e E. Creedon, na qualidade de agentes, assistidos por A. O’Neill, BL, e E. McCullough, SC,

–        em representação do Governo italiano, por G. Palmieri, na qualidade de agente, assistida por P. Gentili, avvocato dello Stato,

–        em representação do Governo cipriota, por E. Zachariadou e D. Kalli, na qualidade de agentes,

–        em representação da Comissão Europeia, por J.‑P. Keppenne, H. Støvlbæk, L. Flynn e A. Steiblytė, na qualidade de agentes,

ouvidas as conclusões do advogado‑geral na audiência de 22 de junho de 2016,

profere o presente

Acórdão

1        O pedido de decisão prejudicial tem por objeto a interpretação dos artigos 8.o, 25.o e 29.o da Segunda Diretiva 77/91/CEE do Conselho, de 13 de dezembro de 1976, tendente a coordenar as garantias que, para proteção dos interesses dos sócios e de terceiros, são exigidas nos Estados‑Membros às sociedades, na aceção do artigo [54.o, segundo parágrafo, TFUE], no que respeita à constituição da sociedade anónima, bem como à conservação e às modificações do seu capital social, a fim de tornar equivalentes essas garantias em toda a Comunidade (JO 1977, L 26, p. 1; EE 17 F1 p. 44; a seguir «Segunda Diretiva»).

2        Este pedido foi apresentado no âmbito de um litígio que opõe Gerard Dowling, Padraig McManus, Piotr Skoczylas e a Scotchstone Capital Fund Limited (a seguir «Scotchstone») ao Minister for Finance (Ministro das Finanças, Irlanda, a seguir «Ministro») que tem por objeto a anulação da direction order proferida pela High Court (Supremo Tribunal, Irlanda), em 26 de julho de 2011 (a seguir «direction order»), que ordenava a uma sociedade, da qual os demandantes no processo principal são sócios e acionistas, que aumentasse o seu capital e emitisse, a favor do Ministro, novas ações por um montante inferior aos seu valor nominal.

 Quadro jurídico

 Direito da União

 Segunda Diretiva

3        O considerando 2 da Segunda Diretiva tem a seguinte redação:

«Considerando que, para assegurar uma equivalência mínima da proteção dos acionistas e dos credores destas sociedades, é necessário, sobretudo, coordenar as legislações nacionais respeitantes à sua constituição, bem como à conservação, ao aumento e à redução do seu capital».

4        O artigo 8.o, n.o 1, desta diretiva dispõe:

«As ações não podem ser emitidas a um valor inferior ao seu valor nominal ou, na falta de valor nominal, ao seu valor contabilístico.»

5        Nos termos do artigo 25.o da referida diretiva:

«1.      Qualquer aumento do capital deve ser deliberado pela assembleia‑geral. Esta deliberação, bem como a realização do aumento do capital subscrito devem ser objeto de publicidade […].

2.      Todavia, os estatutos, o ato constitutivo ou a assembleia‑geral, cuja deliberação deve ser objeto de publicidade nos termos do n.o 1, podem autorizar o aumento do capital subscrito até um montante máximo por eles fixado, com observância do montante máximo eventualmente previsto na lei. O órgão da sociedade designado competente para esse efeito deve decidir, se for caso disso, aumentar o capital subscrito, dentro dos limites do montante fixado. Este poder do órgão tem um prazo máximo de exercício de cinco anos, e pode ser renovado uma ou mais vezes pela assembleia‑geral, por um período que, para cada renovação, não pode ultrapassar cinco anos.

3.      Quando existam várias categorias de ações, a deliberação da assembleia‑geral relativa ao aumento do capital indicado no n.o 1, ou à autorização para aumentar o capital, referida no n.o 2, ficarão subordinadas, pelo menos, a uma votação separada, a efetuar por cada uma das categorias de acionistas cujos direitos sejam afetados pela operação.

4.      O presente artigo aplica‑se à emissão de quaisquer títulos convertíveis em ações ou providos de um direito de subscrição de ações, mas não é aplicável à conversão dos títulos, nem ao exercício do direito de subscrição.»

6        O artigo 29.o da Segunda Diretiva enuncia:

«1.      Em todos os aumentos do capital subscrito por entradas em dinheiro, as ações devem ser oferecidas com preferência aos acionistas, proporcionalmente à parte do capital representada pelas suas ações.

[…]

4.      O direito de preferência não pode ser limitado nem suprimido pelos estatutos ou pelo ato constitutivo. A limitação ou supressão deste direito podem, todavia, ser decididas pela assembleia‑geral. O órgão de direção ou de administração deve apresentar a essa assembleia um relatório escrito que indique os motivos para limitar ou suprimir o direito de preferência e justifique o preço de emissão proposto. A assembleia delibera segundo as regras de quórum e de maioria prescritas no artigo 40.o A deliberação deve ser objeto de publicidade […].

5.      A legislação de um Estado‑Membro pode estabelecer que os estatutos, o ato constitutivo ou a assembleia‑geral, deliberando em conformidade com as regras de quórum, de maioria e de publicidade indicadas no n.o 4, possam conceder o poder de limitar ou de suprimir o direito de preferência ao órgão da sociedade autorizado a decidir o aumento de capital subscrito, nos limites do capital autorizado. Esta competência não pode ter um prazo de exercício superior à do poder previsto no n.o 2 do artigo 25.o

6.      Os n.os 1 a 5 aplicam‑se à emissão de quaisquer títulos convertíveis em ações ou providos de um direito de subscrição de ações, mas não à conversão dos títulos, nem ao exercício do direito de subscrição.»

 Diretiva 2001/24/CE

7        A Diretiva 2001/24/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 4 de abril de 2001, relativa ao saneamento e à liquidação das instituições de crédito (JO 2001, L 125, p. 15), visa, conforme resulta do seu considerando 6, executar o reconhecimento mútuo, pelos Estados‑Membros, das medidas adotadas por cada um deles para restabelecer a viabilidade das instituições de crédito por eles autorizadas. Para tal, os artigos 3.o, 9.o e 10.o dessa diretiva preveem que as medidas de saneamento e de liquidação tomadas pelas autoridades do Estado‑Membro de origem produzam, em todos os outros Estados‑Membros, os efeitos que lhes atribui a lei desse Estado‑Membro.

 Regulamento n.o 407/2010/UE

8        O Regulamento n.o 407/2010/UE do Conselho, de 11 de maio de 2010, que cria um mecanismo europeu de estabilização financeira (JO 2010, L 118, p. 1), tem por fundamento o artigo 122.o, n.o 2, TFUE. Nos termos dos considerandos 4 e 5 deste regulamento:

«(4)      A agudização da crise financeira conduziu a uma grave deterioração das condições de empréstimo em vários Estados‑Membros da área do euro que nem os fundamentos económicos podem explicar. Neste momento, esta situação poderia constituir uma séria ameaça para a estabilidade, unidade e integridade de toda a área do euro se não lhe for posto cobro urgentemente.

(5)      A fim de dar resposta a esta situação excecional que foge ao controlo dos Estados‑Membros, afigura‑se necessário criar imediatamente um mecanismo de estabilização da União para preservar a estabilidade financeira na Europa. Este mecanismo deverá permitir à União responder de forma coordenada, rápida e eficaz a graves dificuldades registadas num dado Estado‑Membro da área do euro. A sua ativação será feita no âmbito de um apoio conjunto UE/Fundo Monetário Internacional (FMI).»

9        O artigo 1.o do referido regulamento dispõe:

«Tendo em vista a preservação da estabilidade financeira da União Europeia, o presente regulamento estabelece as condições e os procedimentos ao abrigo dos quais um apoio financeiro da União pode ser concedido a um Estado‑Membro que se encontra afetado ou seriamente ameaçado por perturbações severas de natureza económica ou financeira causadas por ocorrências excecionais que não possa controlar, tomando em conta o mecanismo existente de apoio financeiro a médio prazo às balanças de pagamentos dos Estados‑Membros que não tiverem adotado o euro, como previsto no Regulamento (CE) n.o 332/2002 [do Conselho, de 18 de fevereiro de 2002, que estabelece um mecanismo de apoio financeiro a médio prazo às balanças de pagamentos dos Estados‑Membros (JO 2002, L 53, p. 1)].»

10      O artigo 3.o do Regulamento n.o 407/2010 tem a seguinte redação:

«1.       O Estado‑Membro que pretenda obter o apoio financeiro da União deve avaliar com a Comissão, em colaboração com o Banco Central Europeu (BCE), as suas necessidades financeiras e apresentar à Comissão e ao Comité Económico e Financeiro um projeto de programa de ajustamento económico e financeiro.

2.      O apoio financeiro da União deve ser concedido mediante uma decisão adotada pelo Conselho, deliberando por maioria qualificada, sob proposta da Comissão.

3.      A decisão que concede um empréstimo deve conter:

a)      O montante, a duração média, a fórmula de cálculo do preço, o número máximo de prestações, o período de disponibilidade do apoio financeiro da União e restantes regras necessárias para a execução do apoio;

b)      As condições gerais de política económica em que assenta o apoio financeiro da União com o objetivo de restabelecer no Estado‑Membro em causa uma situação económica ou financeira sã e restaurar a sua capacidade de se financiar nos mercados financeiros; estas condições são definidas pela Comissão, em processo de consulta com o BCE; e

c)      A aprovação do programa de ajustamento elaborado pelo Estado‑Membro beneficiário para cumprir as condições económicas em que assenta o apoio financeiro da União.

[…]

5.      A Comissão e o Estado‑Membro em causa devem celebrar um Memorando de Entendimento do qual constam, de forma pormenorizada, as condições gerais de política económica estipuladas pelo Conselho. A Comissão transmite ao Parlamento Europeu e ao Conselho o Memorando de Entendimento.»

 Decisão de Execução 2011/77/UE

11      A Decisão de Execução 2011/77/UE do Conselho, de 7 de dezembro de 2010, relativa à concessão de assistência financeira da União à Irlanda (JO 2011, L 30, p. 34), conforme alterada pela Decisão de Execução 2011/326/UE do Conselho, de 30 de maio de 2011 (JO 2011, L 147, p. 17) (a seguir «Decisão de Execução 2011/77»), tem por fundamento, designadamente, o artigo 3.o, n.o 3, do Regulamento n.o 407/2010. Os considerandos 1 a 3 desta decisão têm a seguinte redação:

«(1)      A Irlanda tem sido recentemente sujeita a uma pressão crescente nos mercados financeiros, em reflexo de preocupações quanto à sustentabilidade das suas finanças públicas perante as extensas medidas de apoio público ao enfraquecido setor financeiro. Devido à sua excessiva exposição a projetos imobiliários e de construção, o sistema bancário nacional sofreu grandes perdas com o colapso desses setores. A atual crise económica e bancária teve também um duro impacto nas finanças públicas da Irlanda, somando‑se ao impacto da recessão. […] As medidas de apoio ao setor bancário, entre as quais significativas injeções de capital, contribuíram muito para deteriorar a situação das finanças públicas. As atuais inquietações do mercado refletem principalmente o facto de, com a crise, a solvência do Estado irlandês e o sistema bancário terem ficado inextricavelmente ligados, o que conduziu a uma subida abrupta dos rendimentos das obrigações do Estado, enquanto ao sistema bancário nacional era vedado o acesso ao financiamento no mercado internacional.

(2)      Perante esta grave perturbação económica e financeira causada por ocorrências excecionais fora do controlo do Governo, as autoridades irlandesas pediram oficialmente assistência financeira à União Europeia, aos Estados‑Membros cuja divisa é o euro e ao Fundo Monetário Internacional (FMI) em 21 de novembro de 2010, para apoiar o regresso da economia a um crescimento sustentável, assegurar um sistema bancário em bom funcionamento e salvaguardar a estabilidade financeira na União e na zona euro. Em 28 de novembro de 2010, chegou‑se a acordo a nível técnico sobre um pacote global de medidas para o período de 2010 a 2013.

(3)      O projeto de programa de ajustamento económico e financeiro […] apresentado ao Conselho e à Comissão visa restaurar a confiança do mercado financeiro no setor bancário e no Estado irlandês, possibilitando o regresso da economia a um crescimento sustentável. Para alcançar esses objetivos, o programa contém três elementos principais: Em primeiro lugar, uma estratégia para o setor financeiro que compreende redimensionar, desendividar e reorganizar profundamente o setor bancário, complementada por uma recapitalização na medida do necessário. […]»

12      O artigo 1.o da referida decisão dispõe:

«1.      A União concede à Irlanda um empréstimo no valor máximo de 22,5 mil milhões de [euros], com um prazo médio de vencimento de 7½ anos.

[…]

4.      A primeira fração é disponibilizada aquando da entrada em vigor do Acordo de Empréstimo e do Memorando de Entendimento [sobre as condições económicas específicas celebrado entre a Comissão e a Irlanda]. Os pagamentos seguintes dependem de uma avaliação trimestral favorável efetuada pela Comissão, em consulta com o [Banco Central Europeu (BCE)], do cumprimento, pela Irlanda, das condições gerais de política económica, conforme estabelecido na presente decisão e no Memorando de Entendimento.»

13      Nos termos do artigo 3.o da Decisão de Execução 2011/77:

«1.      O programa de ajustamento económico e financeiro […] preparado pelas autoridades irlandesas é aprovado.

2.      O pagamento de cada fração sucessiva é sujeito à execução satisfatória do programa a incluir no programa de estabilidade da Irlanda e no programa nacional de reformas e, em especial, ao cumprimento das condições específicas de política económica estabelecidas no Memorando de Entendimento. Estas incluem, nomeadamente, as medidas referidas nos n.os 4 a 9.

[…]

4.       A Irlanda adota as medidas especificadas nos n.os 7 a 9 antes do final do ano indicado, com especificação de prazos exatos para os anos 2011 a 2013 no Memorando de Entendimento. […]

5.      Com vista a restaurar a confiança no setor financeiro, a Irlanda deve proceder a uma recapitalização adequada, a um desendividamento rápido e a uma reestruturação cuidadosa do sistema bancário, conforme estabelece o Memorando de Entendimento. A este respeito, a Irlanda deve elaborar e acordar, com a Comissão, o BCE e o FMI, numa estratégia para a estrutura, o funcionamento e a credibilidade futuros das instituições de crédito irlandesas que identifique a forma de assegurar que estas possam ser exploradas sem mais apoios estatais. […]

[…]

7.      A Irlanda toma as seguintes medidas em 2011, em consonância com as especificações previstas no Memorando de Entendimento:

[…]

g)      Recapitalização dos bancos nacionais até ao final de julho de 2011 (sob reserva de um ajustamento adequado para as vendas esperadas de ativos no caso do Irish Life & Permanent), de acordo com os resultados de 2011 do PLAR e do PCAR [avaliação de liquidez prudencial e exame da adequação do capital prudencial], divulgados pelo Banco Central da Irlanda em 31 de março de 2011;

[…]»

 Direito irlandês

14      O Credit Institutions (Stabilisation) Act 2010 (Lei da estabilização das instituições de crédito de 2010, a seguir «Act de 2010») tem por objetivo, nos termos da sua Section 4:

«(a)      Responder à perturbação grave e continuada da economia e dos sistemas financeiros e à ameaça à estabilidade de certas instituições de crédito nacionais e do sistema financeiro em geral,

(b)      Implementar o saneamento das instituições de crédito nacionais, com vista a assegurar a sua estabilidade financeira e a sua reestruturação (em conformidade com as regras da União Europeia em matéria de auxílios estatais), no âmbito do Plano Nacional de Relançamento 2011‑2014 e do Programa de Apoio Financeiro da União Europeia/Fundo Monetário Internacional à Irlanda.

[…]».

15      A Section 7 deste Act dispõe:

«(1)      Sem prejuízo do disposto nas subsections (2) e (4), o Ministro poderá propor uma direction order, em que se ordene a uma determinada instituição que pratique (num dado período) ou que se abstenha de praticar (num dado período) uma medida ou uma série de medidas que, em conjunto, se destinem à concretização de um objetivo específico, designadamente (sem prejuízo do acima disposto) uma ou mais das seguintes medidas:

(a)      sem prejuízo de quaisquer direitos de preferência legais ou contratuais, […] emitir ações em nome do Ministro ou de quem este nomear para esse efeito, nos termos e condições especificados pelo Ministro na proposta de direction order, pelo valor estabelecido pelo Ministro;

[…]

(c)      aumentar o capital social autorizado (nomeadamente criando novas classes de ações) da instituição em causa, para permitir a emissão de ações em nome do Ministro ou de quem este nomear para esse efeito;

(d)      introduzir alterações específicas no contrato de sociedade e nos estatutos da instituição em causa […];

[…]

(2)      O Ministro só poderá propor uma direction order se, após consultar o governador [do Banco Central], considerar que a direction order proposta é necessária para assegurar o cumprimento de um objetivo do Act referido na proposta de direction order.

[…]»

16      Nos termos da Section 9(1) e (2) do referido Act:

«(1)      Logo que possível após a conclusão dos procedimentos previstos na Section 7 relativamente a uma proposta de direction order, o Ministro requererá à High Court [(Supremo Tribunal)], no âmbito de um processo sem audiação da outra parte, a emissão de uma direction order (designada, para os efeitos do presente Act, por ‘direction order’), nos termos da proposta de direction order relevante.

(2)      Após a apreciação do requerimento sem audição da outra parte apresentado nos termos da subsection 1, se considerar que os requisitos da Section 7 estão preenchidos e que o parecer do Ministro é razoável e não está viciado por um erro de direito, a High Court [(Supremo Tribunal)] emitirá a direction order nos termos da proposta de direction order […].»

17      A Section 11 do Act de 2010 dispõe que a instituição em causa ou qualquer um dos seus sócios poderão requerer à High Court (Supremo Tribunal) a anulação de qualquer direction order. O referido órgão jurisdicional só pode anular uma direction order nos casos em que considerar que não foi cumprido algum dos requisitos da Section 7 ou que o parecer do Ministro previsto na subsection 2 da referida section não é razoável ou está viciado por um erro de direito.

18      A Section 47 do Act de 2010 prevê a inclusão numa direction order de uma disposição destinada a permitir ao Ministro o exercício de qualquer poder que assista aos sócios da instituição em causa numa assembleia‑geral.

 Litígio no processo principal e questões prejudiciais

19      A Permanent TSB plc, anteriormente Irish Life and Permanent plc (a seguir «ILP») é uma instituição de crédito que exerce a sua atividade em território irlandês.

20      A Permanent TSB Group Holdings plc, anteriormente Irish Life and Permanent Group Holdings plc (a seguir «ILPGH») é uma sociedade de responsabilidade limitada constituída na Irlanda. A ILPGH não é uma instituição de crédito. Durante o período em causa no processo principal, esta sociedade detinha a totalidade do capital social da ILP.

21      Os demandantes no processo principal são sócios e acionistas da ILPGH.

22      A crise financeira e económica, com a qual a Irlanda se viu confrontada em 2008, teve repercussões graves tanto na estabilidade financeira dos bancos irlandeses como na desse Estado‑Membro, devido à relação particularmente forte que existia entre ambas devido à dimensão relativa do setor bancário comparativamente à dimensão da economia nacional e das importantes garantias das dívidas bancárias que a Irlanda concedeu a esses bancos nacionais durante esse ano.

23      Apesar das medidas de apoio adotadas pela Irlanda a favor do setor bancário, os bancos irlandeses continuaram a perder a confiança dos mercados e a situação financeira deste Estado‑Membro continuou a deteriorar‑se. Nessas condições, as autoridades irlandesas elaboraram um programa de ajustamento económico e financeiro, para o qual solicitaram, em 21 de novembro de 2010, designadamente, uma assistência financeira da União. Nesse programa, a Irlanda comprometeu‑se a reestruturar e recapitalizar o setor bancário.

24      Através da Decisão de Execução 2011/77, o Conselho aprovou o referido programa e colocou à disposição desse Estado‑Membro uma assistência financeira da União a título do mecanismo europeu de estabilização financeira, criado pelo Regulamento n.o 407/2010. Em 16 de dezembro de 2010, a Irlanda e a Comissão celebraram um memorando de entendimento nos termos do artigo 1.o n.o 4, dessa decisão (a seguir «memorando de entendimento»). Segundo os compromissos assumidos no âmbito desse memorando de entendimento e do artigo 3.o, n.os 4, 5 e 7, alínea g), da referida decisão, esse Estado‑Membro devia proceder à recapitalização dos bancos nacionais até ao final do mês de julho de 2011, com base nos resultados de um exame da adequação do capital prudencial e de uma avaliação prudencial da liquidez divulgados pelo Central Bank (Banco Central da Irlanda).

25      O Banco Central da Irlanda divulgou os resultados do seu exame em 31 de março de 2011. Com base nesses resultados, o governador do Banco Central da Irlanda ordenou à ILP, numa decisão do mesmo dia, que mobilizasse capitais próprios suplementares no valor de 4 mil milhões de euros.

26      Em julho de 2011, o Ministro apresentou aos acionistas da ILPGH uma proposta destinada a facilitar a recapitalização da ILP através, designadamente, de uma injeção de capital de 2,7 mil milhões de euros. Essa proposta foi rejeitada pela assembleia‑geral extraordinária da ILPGH, realizada em 20 de julho de 2011, que instruiu ao conselho de administração dessa sociedade que examinasse outras opções de recapitalização e requeresse, para esse efeito, um prolongamento do prazo de recapitalização previsto pela Decisão de Execução 2011/77.

27      Por força das Sections 7 e 9 do Act de 2010, com vista à recapitalização da ILP, o Ministro elaborou uma proposta de direction order que apresentou à High Court (Supremo Tribunal). A direction order foi emitida por esse órgão jurisdicional nos termos requeridos, impondo à ILPGH, como contrapartida da injeção de capital no montante de 2,7 mil milhões de euros, a emissão de novas ações em nome do Ministro, ao preço unitário fixado por este, isto é, a um preço com um desconto de 10% sobre o preço médio em 23 de junho de 2011. Consequentemente, o Ministro obteve, sem decisão da assembleia‑geral de acionistas da ILPGH, 99,2% das ações dessa sociedade. Além disso, foi ordenada a exclusão da cotação dessas ações das bolsas da Irlanda e de Londres.

28      Os demandantes no processo principal submeteram ao referido órgão jurisdicional, nos termos da Section 11 do Act de 2010, um pedido de anulação da direction order. Perante a High Court (Supremo Tribunal), invocaram que o aumento de capital resultante da direction order era incompatível com os artigos 8.o, 25.o e 29.o da Segunda Diretiva, uma vez que foi realizado sem o acordo da assembleia‑geral da ILPGH.

29      O Ministro, bem como a ILPGH e a ILP, contestaram esta argumentação, baseando‑se na Diretiva 2001/24, no Regulamento n.o 407/2010, na Decisão de Execução 2011/77, nos artigos 49.o, 65.o, 107.o, 119.o, 120.o e 126.o TFUE e nas disposições que figuram no título VIII da parte III desse Tratado. Segundo estes, essas disposições do direito da União autorizam a Irlanda a adotar as medidas necessárias para defender a integridade do seu próprio sistema financeiro, não obstante as disposições da Segunda Diretiva. Por força das suas obrigações que decorrem do título VIII da parte III do referido Tratado e, designadamente, dos artigos 119.o e 120.o do mesmo, esse Estado‑Membro estava aliás obrigado a adotar essas medidas, a fim de garantir a segurança de uma instituição de importância sistémica para a Irlanda e a União.

30      O órgão jurisdicional de reenvio concluiu, com base numa ponderação das probabilidades, que a ILP não podia mobilizar o montante de fundos próprios exigido, no valor de 4 mil milhões de euros, junto de investidores privados nem dos acionistas existentes, depois de a assembleia‑geral extraordinária da ILPGH ter rejeitado, em 20 de julho de 2011, a proposta de recapitalização do Ministro. Segundo a avaliação desse órgão jurisdicional, a inexistência de recapitalização no prazo previsto pela Decisão de Execução 2011/77 teria levado à falência da ILP, devido a vários cenários possíveis, como o levantamento em massa dos depósitos efetuados na ILP, a exigência do reembolso dos vários títulos de dívida ou a interrupção do financiamento ao abrigo dos apoios de emergência à liquidez, ou a conjugação de algumas dessas possibilidades ou de todas elas.

31      Além disso, o mesmo órgão jurisdicional entende que uma falência da ILP teria não só implicado a perda total do valor das ações dos acionistas mas teria também tido consequências graves para a Irlanda. A este respeito, refere‑se, designadamente, à possibilidade de um levantamento em massa dos depósitos efetuados nos bancos nacionais, à subsequente revogação da licença concedida à ILP pelo Estado irlandês e ainda à possibilidade de retirada total ou parcial do financiamento desse Estado concedido no âmbito do programa de ajustamento económico e financeiro devido à violação das condições do programa. Segundo o órgão jurisdicional de reenvio, as consequências que daí decorreriam para a Irlanda teriam provavelmente agravado a ameaça à estabilidade financeira de outros Estados‑Membros e da União.

32      Nestas circunstâncias, a High Court (Supremo Tribunal), decidiu suspender a instância e submeter ao Tribunal de Justiça as seguintes questões prejudiciais:

«Tendo em conta:

(i)      a [Segunda Diretiva];

(ii)      a Diretiva [2001/24];

(iii) as obrigações do Estado irlandês por força do Tratado [FUE] e, em especial, dos seus artigos 49.o, 65.o, 107.o, 120.o e do título VIII da parte III;

(iv)      as obrigações do Estado irlandês por força do Programa de Apoio [Financeiro] da [União Europeia] e do FMI;

(v)      os termos [da Decisão de Execução 2011/77 adotada] nos termos do Regulamento n.o 407/2010 […],

1)      A [Segunda Diretiva] opõe‑se, em todas as circunstâncias, nomeadamente nas circunstâncias do presente caso, à emissão de uma [d]irection [o]rder nos termos da [S]ection 9 do [Act de 2010], com base no parecer do Ministro […] quanto à sua necessidade, nos casos em que tal [d]irection [o]rder tenha por efeito o aumento do capital de uma sociedade sem a aprovação da assembleia‑geral; a atribuição de ações novas sem oferta com preferência aos acionistas existentes e sem a aprovação da assembleia‑geral; a redução do valor nominal das ações da sociedade sem a aprovação da assembleia‑geral e, para esse fim, a alteração do contrato e dos estatutos da sociedade sem a aprovação da assembleia‑geral?

2)      Relativamente à [ILPGH] e [à ILP], a [d]irection [o]rder emitida pela High Court [(Supremo Tribunal)] nos termos da [S]ection 9 do [Act de 2010] violou o direito da União […]?»

 Quanto aos pedidos de reabertura da fase oral e de medidas de instrução

33      Após a apresentação das conclusões do advogado‑geral, P. Skoczylas submeteu, em 25 de agosto de 2016, um pedido de reabertura da fase oral nos termos do artigo 83.o do Regulamento de Processo do Tribunal de Justiça. Por carta entrada na Secretaria do Tribunal de Justiça na mesma data, a Scotchstone apresentou um pedido semelhante, bem como um pedido de medidas de instrução nos termos do artigo 64.o do Regulamento de Processo do Tribunal de Justiça.

34      Como fundamento dos seus pedidos, estes demandantes no processo principal invocaram, em substância, que o acórdão de 19 de julho de 2016, Kotnik e o. (C‑526/14, EU:C:2016:570), bem como os elementos que distinguem o processo que deu origem a esse acórdão do processo principal, não foram debatidos entre os interessados.

35      Em requerimento entrado na Secretaria do Tribunal de Justiça em 6 de setembro de 2016, a Scotchstone completou o seu pedido de reabertura da fase oral invocando a decisão da Comissão de 30 de agosto de 2016 que declara que as vantagens fiscais no valor de 13 mil milhões de euros concedidas pela Irlanda à Apple de 2003 a 2014 não eram conformes com as normas da União em matéria de auxílios de Estado. Atendendo a essa decisão, a Scotchstone entende que, no período em causa no processo principal, a Irlanda dispunha de outros recursos financeiros além dos resultantes da assistência financeira da União para remediar a perturbação grave da sua economia. Esses recursos financeiros teriam dado a esse Estado‑Membro a possibilidade de recapitalizar a ILP com o acordo da assembleia‑geral da ILPGH e segundo as disposições da Segunda Diretiva.

36      A este propósito, recorde‑se que o Tribunal de Justiça pode, em qualquer momento, ouvido o advogado‑geral, ordenar a reabertura da fase oral do processo, em conformidade com o disposto no artigo 83.o do seu Regulamento de Processo, nomeadamente se considerar que está insuficientemente esclarecido ou ainda quando a causa deva ser decidida com base num argumento que não foi debatido entre as partes ou entre os interessados referidos no artigo 23.o do Estatuto do Tribunal de Justiça da União Europeia.

37      Nos termos do artigo 64.o, n.o 1, do Regulamento de Processo do Tribunal de Justiça, este determina, ouvido o advogado‑geral, as diligências de instrução que julgar convenientes, por despacho em que se especifiquem os factos a provar.

38      No caso vertente, o Tribunal de Justiça considera, ouvido o advogado‑geral, que dispõe de todos os elementos necessários para se pronunciar sobre o pedido prejudicial que lhe foi submetido e que este não tem de ser examinado à luz de um argumento que não tenha sido debatido perante o Tribunal.

39      Por conseguinte, há que julgar improcedentes os pedidos de P. Skoczylas e da Scotchstone.

 Quanto às questões prejudiciais

40      A título preliminar, cumpre salientar que, embora resulte do pedido de decisão prejudicial que este tem por objeto a interpretação do artigo 8.o, n.o 1, bem como dos artigos 25.o e 29.o, da Segunda Diretiva, as indicações que figuram nesse pedido não permitem identificar outras disposições do direito da União que, segundo o órgão jurisdicional de reenvio, se podem opor a uma medida como a direction order.

41      O artigo 8.o da Segunda Diretiva proíbe que as ações sejam emitidas a um valor inferior ao seu valor nominal ou, na falta de valor nominal, ao seu valor contabilístico. O artigo 25.o desta diretiva prevê que, em princípio, qualquer aumento do capital de uma sociedade deve ser deliberado pela assembleia‑geral da mesma. O artigo 29.o da referida diretiva dispõe, em substância, que, no caso desse aumento de capital, as ações devem ser oferecidas com preferência aos acionistas existentes.

42      Relativamente à direction order, decorre dos autos remetidos ao Tribunal de Justiça que esta tem por efeito uma emissão de ações da ILPGH com montante inferior ao seu montante nominal e um aumento do capital social dessa sociedade, juntamente com uma supressão do direito de subscrição preferencial, sem o acordo da assembleia‑geral dessa sociedade. Não se contesta, portanto, que as exigências referidas no número anterior não foram aplicadas no caso vertente.

43      Nestas circunstâncias, as duas questões submetidas, que devem ser apreciadas conjuntamente, devem ser entendidas no sentido de que o órgão jurisdicional de reenvio pretende saber, em substância, se o artigo 8.o, n.o 1, bem como os artigos 25.o e 29.o, da Segunda Diretiva devem ser interpretados no sentido de que se opõem a uma medida, como a direction order em causa no processo principal, emitida numa situação de perturbação grave da economia e do sistema financeiro de um Estado‑Membro que ameaça a estabilidade financeira da União e tem por efeito o aumento de capital de uma sociedade anónima, sem o acordo da assembleia‑geral da mesma, emitindo novas ações por um montante inferior ao seu valor nominal e sem direito de subscrição preferencial dos acionistas existentes.

44      A este respeito, resulta das indicações fornecidas pelo órgão jurisdicional de reenvio que a direction order foi emitida no contexto da crise financeira e económica que levou a Irlanda a conceder, em 2008, garantias significativas aos bancos nacionais afetados por essa crise e, no final de 2010, dado que a situação financeira desses bancos continuava a deteriorar‑se e ameaçava também a estabilidade financeira desse Estado‑Membro, a pedir a assistência financeira da União, comprometendo‑se a reestruturar e a recapitalizar o setor da banca nacional.

45      Segundo o órgão jurisdicional de reenvio, esta situação de perturbação grave da economia nacional tornou necessária, face à impossibilidade de a ILP realizar, por si só, a recapitalização, conforme previsto, designadamente, no memorando de entendimento, até ao fim de julho de 2011, uma intervenção do Estado irlandês a fim de evitar a falência dessa sociedade, que ameaçava quer a estabilidade financeira desse Estado‑Membro quer a de outros Estados‑Membros e da União.

46      A recapitalização dos bancos nacionais, entre os quais figurava a ILP, até 31 de julho de 2011 foi também prevista no artigo 1.o, n.o 4, e no artigo 3.o, n.os 2, 4, 5 e 7, alínea g), da Decisão de Execução 2011/77, como condição para o pagamento da assistência financeira da União à Irlanda. Esta assistência financeira constitui, segundo os considerandos 4 e 5 e o artigo 1.o do Regulamento n.o 407/2010 — sendo que o próprio tem como base o artigo 122.o, n.o 2, TFUE que visa permitir fazer face a «ocorrências excecionais» —, uma medida de urgência destinada a preservar a estabilidade financeira da União.

47      É certo que, para recapitalizar a ILP, a direction order impôs um aumento do capital da ILPGH. Todavia, o artigo 3.o, n.o 7, alínea g), da Decisão de Execução 2011/77 prevê a recapitalização dos bancos nacionais, entre os quais figurava a ILP, sem precisar os meios a utilizar para esse fim. Como tal, as autoridades irlandesas não estavam obrigadas a realizar uma injeção direta no capital social da ILP, podendo proceder a essa recapitalização por intermédio de um aumento de capital da ILPGH.

48      Além disso, conforme se referiu nos n.os 30 e 31 do presente acórdão, o órgão jurisdicional de reenvio chegou, após uma ponderação dos interesses em questão, à conclusão de que, após a decisão da assembleia‑geral extraordinária da ILPGH, de 20 de julho de 2011, de rejeitar a proposta de recapitalização do Ministro, a direction order era o único meio de assegurar, no prazo previsto pela Decisão de Execução 2011/77, a recapitalização da ILP necessária para evitar a falência dessa instituição financeira e prevenir assim uma ameaça grave à estabilidade financeira da União.

49      Segundo o seu considerando 2, a Segunda Diretiva visa assegurar uma equivalência mínima da proteção dos acionistas e dos credores das sociedades anónimas. Assim, conforme a ILPGH, a ILP e a Irlanda salientaram nas suas observações apresentadas ao Tribunal de Justiça, as medidas previstas por essa diretiva relativas à constituição e manutenção, ao aumento e à redução de capital dessas sociedades garantem a referida proteção contra atos dos órgãos das referidas sociedade e, portanto, dizem respeito ao seu funcionamento ordinário (v., por analogia, acórdão de 19 de julho de 2016, Kotnik e o., C‑526/14, EU:C:2016:570, n.os 86 e 87).

50      Contudo, conforme decorre dos n.os 44 a 48 do presente acórdão, a direction order não constitui um ato de um órgão da sociedade anónima no âmbito do funcionamento ordinário da mesma, mas uma medida excecional das autoridades nacionais destinada a evitar, através de um aumento de capital, a falência dessa sociedade que, segundo o órgão jurisdicional de reenvio, ameaçaria a estabilidade financeira da União. Ora, a proteção que a Segunda Diretiva confere aos acionistas e aos credores de uma sociedade anónima, no que se refere ao capital social da mesma, não abrange uma medida nacional deste tipo, adotada numa situação de perturbação grave da economia e do sistema financeiro de um Estado‑Membro com o objetivo de remediar uma ameaça sistémica à estabilidade financeira da União, resultante da insuficiência de fundos próprios da sociedade em questão.

51      As disposições da Segunda Diretiva não se opõem, portanto, a uma medida excecional relativa ao capital social de uma sociedade anónima, como a direction order, que as autoridades nacionais tomaram, numa situação de perturbação grave da economia e do sistema financeiro de um Estado‑Membro, sem a aprovação da assembleia geral dessa sociedade e com o objetivo de assegurar a estabilidade do sistema financeiro da União (v., por analogia, acórdão de 19 de julho de 2016, Kotnik e o., C‑526/14, EU:C:2016:570, n.os 88 a 90).

52      Esta conclusão não pode ser posta em causa pelo facto de, conforme alegam os demandantes no processo principal, a direction order não poder ser qualificada de «medida judicial», mas de «decisão administrativa provisória». Com efeito, resulta dos dois números anteriores que a Segunda Diretiva não se opõe, em casos como os do processo principal, à adoção de uma medida como a direction order, não sendo a natureza da autoridade nacional que a emitiu relevante para estes efeitos.

53      A interpretação anterior não é de forma alguma inconciliável com a interpretação adotada pelo Tribunal de Justiça no acórdão de 12 de março de 1996, Pafitis e o. (C‑441/93, EU:C:1996:92), contrariamente ao que sustentam os demandantes no processo principal. Com efeito, os elementos enunciados nos n.os 44 a 48 do presente acórdão distinguem a situação em causa no processo principal do processo que deu origem ao acórdão de 12 de março de 1996, Pafitis e o. (C‑441/93, EU:C:1996:92), que se caracterizava pela insolvência de um único banco. Embora o Tribunal de Justiça tenha declarado que a Segunda Diretiva continua a aplicar‑se em caso de «simples regime de saneamento» (acórdão de 12 de março de 1996, Pafitis e o., C‑441/93, EU:C:1996:92, n.o 57), não se pronunciou, todavia, conforme salientou o advogado‑geral no n.o 45 das suas conclusões, a respeito das medidas de saneamento extraordinárias, como a direction order, destinadas a evitar, numa situação de perturbação grave da economia nacional e do sistema financeiro de um Estado‑Membro, a falência de um banco a fim de preservar a estabilidade financeira da União.

54      Além disso, conforme salientaram a ILPGH, a ILP e a Irlanda nas suas observações apresentadas ao Tribunal de Justiça, as medidas nacionais contestadas no processo Pafitis e o. (C‑441/93, EU:C:1996:92) foram adotadas no período entre 1986 e 1990, e o Tribunal de Justiça proferiu esse acórdão em 12 de março de 1996, ou seja, muito antes do início da terceira fase de implementação da União Económica e Monetária, com a introdução do euro, a criação do Eurosistema e as correspondentes alterações aos Tratados da União. Embora exista um claro interesse geral em assegurar, em toda a União, uma proteção forte e coerente dos acionistas e dos credores, não se pode considerar que esse interesse prevaleça, em todas as circunstâncias, sobre o interesse geral que consiste em assegurar a estabilidade do sistema financeiro garantida por esses saneamentos (v., neste sentido, acórdão de 19 de julho de 2016, Kotnik e o., C‑526/14, EU:C:2016:570, n.o 91).

55      Atendendo às considerações precedentes, há que responder às questões submetidas que o artigo 8.o, n.o 1, e os artigos 25.o e 29.o da Segunda Diretiva devem ser interpretados no sentido de que não se opõem a uma medida, como a direction order em causa no processo principal, adotada numa situação de perturbação grave da economia e do sistema financeiro de um Estado‑Membro que ameaça a estabilidade financeira da União e que tem por efeito aumentar o capital de uma sociedade anónima, sem o acordo da assembleia‑geral da mesma, emitindo novas ações por um montante inferior ao seu valor nominal e sem o direito de subscrição preferencial dos acionistas existentes.

 Quanto às despesas

56      Revestindo o processo, quanto às partes na causa principal, a natureza de incidente suscitado perante o órgão jurisdicional de reenvio, compete a este decidir quanto às despesas. As despesas efetuadas pelas outras partes para a apresentação de observações ao Tribunal de Justiça não são reembolsáveis.

Pelos fundamentos expostos, o Tribunal de Justiça (Grande Secção) declara:

O artigo 8.o, n.o 1, e os artigos 25.o e 29.o da Segunda Diretiva 77/91/CEE do Conselho, de 13 de dezembro de 1976, tendente a coordenar as garantias que, para proteção dos interesses dos sócios e de terceiros, são exigidas nos Estados‑Membros às sociedades, na aceção do [artigo 54.o, segundo parágrafo, TFUE], no que respeita à constituição da sociedade anónima, bem como à conservação e às modificações do seu capital social, a fim de tornar equivalentes essas garantias em toda a Comunidade, devem ser interpretados no sentido de que não se opõem a uma medida, como a direction order em causa no processo principal, adotada numa situação de perturbação grave da economia e do sistema financeiro de um Estado‑Membro que ameaça a estabilidade financeira da União e que tem por efeito aumentar o capital de uma sociedade anónima, sem o acordo da assembleia‑geral da mesma, emitindo novas ações por um montante inferior ao seu valor nominal e sem o direito de subscrição preferencial dos acionistas existentes.

Assinaturas


* Língua do processo: inglês.