Language of document : ECLI:EU:T:1999:166

ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DE PRIMEIRA INSTÂNCIA

(Primeira Secção Alargada)

9 de Setembro de 1999 (1)

«Tratado CECA — Auxílios de Estado — Auxílios ao funcionamento — Autorização retroactiva de um auxílio já pago — Melhoria da viabilidade das empresas beneficiárias, na acepção do artigo 3.° da Decisão n.° 3632/93/CECA»

No processo T-110/98,

RJB Mining plc, sociedade de direito inglês, com sede em Harworth (Reino Unido), representada por Mark Brealey, barrister, e Jonathan Lawrence, solicitor, do foro de Inglaterra e do País de Gales, com domicílio escolhido no Luxemburgo no escritório dos advogados Arendt e Medernach, 8-10, rue Mathias Hardt,

recorrente,

contra

Comissão das Comunidades Europeias, representada por Paul F. Nemitz e Nicholas Khan, membros do Serviço Jurídico, na qualidade de agentes, com domicílio escolhido no Luxemburgo no gabinete de Carlos Gómez de la Cruz, membro do Serviço Jurídico, Centre Wagner, Kirchberg,

recorrida,

apoiada por

República Federal da Alemanha, representada por Claus-Dieter Quassowski, Regierungsdirektor no Ministério Federal das Finanças, na qualidade de agente, e Michael Schütte, advogado em Berlim, Ministério Federal das Finanças, Bona,

Reino de Espanha, representado por Rosario Silva de Lapuerta, abogado del Estado, do Serviço do Contencioso Comunitário, na qualidade de agente, com domicílio escolhido no Luxemburgo na Embaixada de Espanha, 4-6, boulevard Emmanuel Servais,

e

RAG Aktiengesellschaft, sociedade de direito alemão, com sede em Essen (Alemanha), representada por Sven B. Völcker, advogado em Berlim, com domicílio escolhido no Luxemburgo no escritório do advogado Marc Loesch, 11, rue Goethe,

intervenientes,

que tem por objecto um pedido de anulação da Decisão 98/687/CECA da Comissão, de 10 de Junho de 1998, relativa a intervenções financeiras da Alemanha a favor da indústria do carvão em 1997 (JO L 324, p. 30),

O TRIBUNAL DE PRIMEIRA INSTÂNCIA

DAS COMUNIDADES EUROPEIAS (Primeira Secção Alargada),

composto por: B. Vesterdorf, presidente, C. W. Bellamy, J. Pirrung, A. W. H. Meij e M. Vilaras, juízes,

secretário: A. Mair, administrador,

vistos os autos e após a audiência de 15 de Dezembro de 1998,

profere o presente

Acórdão

Enquadramento jurídico

Regulamentação

1.
    O Tratado que instituiu a Comunidade Europeia do Carvão e do Aço proíbe, em princípio, os auxílios de Estado a empresas carboníferas. O artigo 4.° estabelece assim que são incompatíveis com o mercado comum do carvão e do aço e, por conseguinte, proibidas, «na Comunidade, nas condições previstas no presente Tratado, [...] c) as subvenções ou auxílios concedidos pelos Estados [...], independentemente da forma que assumam [...]».

2.
    O artigo 95.°, primeiro parágrafo, do Tratado CECA, dispõe:

«Em todos os casos não previstos no presente Tratado em que se revele necessária uma decisão [...] da Comissão para atingir, no funcionamento do mercado comum do carvão e do aço e em conformidade com o disposto no artigo 5.°, um dos objectivos da Comunidade, tal como vêm definidos nos artigos 2.°, 3.° e 4.°, essa decisão [...] pode ser adoptada mediante parecer favorável do Conselho, o qual deliberará por unanimidade após consulta do Comité Consultivo.»

3.
    Foi em execução deste último artigo que a Alta Autoridade e posteriormente a Comissão aprovaram, a partir de 1965, regulamentações que autorizavam a concessão de auxílios no sector do carvão. A última desta série de regulamentações foi a Decisão geral n.° 3632/93/CECA da Comissão, de 28 de Dezembro de 1993, relativa ao regime comunitário das intervenções dos Estados-Membros a favor da indústria do carvão (JO L 329, p. 12, a seguir «código de 1993» ou «código»). Este código foi objecto de um parecer favorável do Conselho, deliberando por unanimidade, com base, após discussão, numa comunicação da Comissão, de 27 de Janeiro de 1993, intitulada «Pedido de parecer favorável do Conselho e consulta do Comité CECA, nos termos do artigo 95.° do Tratado CECA, a respeito de um projecto de decisão da Comissão relativo ao regime comunitário das intervenções dos Estados-Membros a favor da indústria do carvão» (a seguir «comunicação de 27 de Janeiro de 1993»).

4.
    Nos termos do artigo 1.°, n.° 1, do código, «quaisquer auxílios à indústria do carvão [...] concedidos pelos Estados-Membros [...] só poderão ser considerados auxílios comunitários e, portanto, compatíveis com o bom funcionamento do mercado comum se satisfizerem o disposto nos artigos 2.° a 9.° da presente decisão».

5.
    O artigo 2.°, n.° 1, do código — que faz igualmente parte da secção I «Âmbito e objectivos gerais» — prevê que «os auxílios concedidos à indústria do carvão podem ser considerados compatíveis com o bom funcionamento do mercado comum se concorrerem para a realização de, pelo menos, um dos seguintes objectivos:

—    em função dos preços do carvão nos mercados internacionais, realizar novos progressos no sentido da viabilidade económica, a fim de realizar a degressividade dos auxílios,

—    resolver os problemas sociais e regionais ligados à redução de actividade, total ou parcial, de unidades de produção,

—    facilitar a adaptação da indústria do carvão às normas de protecção do ambiente.»

6.
    Segundo dispõe o artigo 3.°, n.° 1, do código, «os auxílios ao funcionamento» destinados à cobertura da diferença entre o custo de produção e o preço de venda resultante da situação no mercado mundial podem considerar-se compatíveis com o mercado comum em certas condições. O auxílio notificado por tonelada não deve, designadamente, exceder para cada empresa ou unidade de produção a diferença entre o custo de produção e a receita previsível para o exercício carbonífero seguinte.

7.
    O artigo 3.°, n.° 2, primeiro parágrafo, do código estabelece que os Estados-Membros que prevejam conceder auxílios ao funcionamento a empresas carboníferas durante os exercícios carboníferos de 1994 a 2002 comunicarão previamente à Comissão «um plano de modernização, racionalização e reestruturação destinado a aumentar a viabilidade económica dessas empresas, que será conseguida pela redução dos custos de produção».

8.
    Nos termos do artigo 3.°, n.° 2, segundo parágrafo, do código, esse plano deverá prever as medidas adequadas e esforços, a fim de conseguir «uma redução tendencial dos custos de produção, aos preços de 1992, no período compreendido entre 1994 e 2002».

9.
    O artigo 4.° do código refere-se aos «auxílios à redução de actividade», quer dizer, aos auxílios destinados a cobrir os custos de produção das empresas ou unidades de produção «que não possam preencher as condições fixadas no n.° 2 do artigo 3.°» Estes auxílios podem ser autorizados se se integrarem num plano de encerramento.

10.
    O artigo 5.° do código tem por objecto os auxílios à cobertura de encargos excepcionais.

11.
    Da secção III do código, intitulada «Processos de notificação, de análise e de autorização», constam os artigos 8.° e 9.° O artigo 8.° tem a seguinte redacção:

«1. Os Estados-Membros que, nos exercícios carboníferos de 1994 a 2002, pretendam conceder auxílios ao funcionamento, contemplados no n.° 2 do artigo 3.°, e/ou auxílios à redução de actividade contemplados no artigo 4.° da presente decisão apresentarão à Comissão, o mais tardar até 31 de Março de 1994, um plano de modernização, racionalização e reestruturação da indústria, nos termos do disposto no n.° 2 do artigo 3.° e/ou um plano de redução de actividade em conformidade com o disposto no artigo 4.° da presente decisão.

2. A Comissão examinará a conformidade do ou dos referidos planos com os objectivos gerais fixados no n.° 1 do artigo 2.° e com os critérios e objectivos específicos fixados nos artigos 3.° e 4.° da presente decisão.

3. Num prazo de três meses a contar da notificação dos referidos planos, a Comissão dará parecer sobre a conformidade dos mesmos com os objectivos gerais e específicos, sem com isso condicionar a sua avaliação da capacidade das medidas previstas para atingir esses objectivos [...]».

12.
    Por sua vez, o artigo 9.° do código estabelece:

«1. Os Estados-Membros notificarão todos os anos, o mais tardar até 30 de Setembro (ou três meses antes da respectiva entrada em vigor), todas as medidas financeiras que tencionem tomar a favor da indústria do carvão durante o ano seguinte e especificarão a natureza dessas medidas, fazendo referência aos objectivos e critérios gerais estabelecidos no artigo 2.° e às diversas formas de auxílio previstas nos artigos 3.° a 7.° da presente decisão. Estabelecerão igualmente um nexo com os planos notificados à Comissão nos termos do artigo 8.° da presente decisão.

2. Os Estados-Membros notificarão todos os anos, o mais tardar até 30 de Setembro, o montante dos auxílios efectivamente pagos durante o exercício carbonífero anterior e comunicarão as regularizações eventualmente efectuadas em relação aos montantes inicialmente notificados.

3. Os Estados-Membros fornecerão, por ocasião da notificação dos auxílios referidos nos artigos 3.° e 4.° da presente decisão e por ocasião da relação anual dos auxílios efectivamente pagos, todas as informações necessárias à verificação dos critérios estabelecidos nos artigos em questão.

4. Os Estados-Membros só poderão dar início à execução dos auxílios previstos após aprovação da Comissão, que deliberará nomeadamente em função dos objectivos e critérios gerais enunciados no artigo 2.° e dos critérios específicos estabelecidos nos artigos 3.° a 7.° da presente decisão. Se, a contar da data de recepção da notificação das medidas projectadas, tiver decorrido um prazo de três meses sem que a Comissão tenha deliberado, tais medidas podem ser executadas quinze dias úteis após o envio à Comissão de um pré-aviso a comunicar a intenção de as pôr em prática. Todo o pedido de informação complementar por parte da Comissão que resulte de uma notificação insuficiente terá por efeito adiar para a data em que a Comissão receba as requeridas informações o início da contagem do prazo de três meses.

5. Todos os pagamentos efectuados previamente a uma autorização da Comissão deverão, em caso de decisão negativa, ser integralmente reembolsados pela empresa beneficiária; serão sempre considerados como concessão de um benefício

anormal sob a forma de um adiantamento de tesouraria injustificado e, como tal, deverão ser remunerados pelo beneficiário à taxa do mercado.

6. Na análise das medidas assim notificadas, a Comissão avaliará da conformidade das medidas previstas com os planos comunicados em conformidade com o artigo 8.° e com os objectivos enunciados no artigo 2.°, podendo solicitar aos Estados-Membros que justifiquem qualquer desvio relativamente aos planos inicialmente apresentados e proponham as medidas de correcção necessárias.

[...]».

13.
    Segundo o seu artigo 12.°, o código expira em 23 de Julho de 2002.

Decisões individuais de aprovação de auxílios a favor da indústria do carvão alemã para os anos de 1994, 1995 e 1996

14.
    Por carta de 28 de Dezembro de 1993, a República Federal da Alemanha notificou à Comissão projectos de intervenções financeiras que se propunha efectuar, nos termos do artigo 5.° do código, a favor da sua indústria do carvão no ano de 1994. Em consequência, a Comissão adoptou, em 1 de Junho de 1994, a Decisão 94/573/CECA que autoriza a concessão pela Alemanha de um auxílio a favor da indústria hulhífera em 1994 (JO L 220, p. 10).

15.
    Por carta datada igualmente de 28 de Dezembro de 1993, a República Federal da Alemanha notificou outras intervenções, ao abrigo do artigo 3.° do código, para o ano de 1994. Submeteu, além disso, à Comissão, por carta datada de 29 de Abril de 1994, um plano de modernização, racionalização e reestruturação da indústria carbonífera alemã. Pela Decisão 94/1070/CECA, de 13 de Dezembro de 1994, relativa às intervenções de Estado alemãs a favor da indústria do carvão para o ano de 1994 (JO L 385, p. 18, a seguir «Decisão 94/1070»), a Comissão aprovou as medidas financeiras notificadas. Esta decisão abrange igualmente a avaliação, à luz do disposto nos artigos 2.°, 3.° e 4.° do código, do plano de modernização, de racionalização e reestruturação apresentado. A Comissão entende que este plano é, em princípio, conforme aos objectivos e critérios definidos por estes artigos.

16.
    Por carta de 25 de Janeiro de 1995, o Governo alemão notificou os auxílios previstos, ao abrigo dos artigos 3.° e 5.° do código, para o ano de 1995. A Comissão aprovou-os através da Decisão 95/464/CECA, de 4 de Abril de 1995, relativa às intervenções financeiras da República Federal da Alemanha a favor da indústria do carvão para o ano de 1995 (JO L 267, p. 42).

17.
    Por carta de 4 de Abril de 1995, o Governo alemão notificou ainda outra medida financeira complementar, ao abrigo do artigo 3.° do código, para o ano de 1994, que foi aprovada pela Decisão 95/499/CECA da Comissão, de 19 de Julho de 1995, que autoriza a concessão, pela Alemanha, de um auxílio complementar a favor da indústria do carvão para o ano de 1994 (JO L 287, p. 53).

18.
    Por carta de 5 de Outubro de 1995, o Governo alemão notificou, por último, intervenções financeiras que se propunha efectuar, ao abrigo dos artigos 3. ° e 5.° do código, a favor da indústria do carvão alemã nos anos de 1995 e 1996. Estes auxílios foram autorizados pela Decisão 96/560/CECA da Comissão, de 30 de Abril de 1996, relativa a auxílios de Estado alemães a favor da indústria do carvão para os anos de 1995 e 1996 (JO L 244, p. 15).

19.
    Nenhuma das decisões acima referidas foi objecto de recurso por parte da recorrente.

Decisão individual impugnada

20.
    Por carta de 30 de Setembro de 1996, a República Federal da Alemanha notificou à Comissão, nos termos do artigo 9.°, n.° 1, do código, intervenções financeiras que se propunha efectuar a favor da indústria do carvão no ano de 1997. Estas intervenções consistiam em auxílios ao funcionamento, à redução da actividade e à cobertura de encargos excepcionais, na acepção dos artigos 3.°, 4.° e 5.° do código. Respondendo a pedidos da Comissão, a República Federal da Alemanha forneceu informações complementares a este respeito por cartas de 15 de Outubro de 1996, 5 de Junho e 22 de Outubro de 1997 e de 27 de Janeiro e 4 de Março de 1998.

21.
    Pela Decisão 98/687/CECA da Comissão, de 10 de Junho de 1998, relativa a intervenções financeiras da Alemanha a favor da indústria do carvão em 1997 (JO L 324, p. 30), estas intervenções financeiras, num montante de 10,4 mil milhões de DM, foram autorizadas (a seguir «decisão impugnada»). Nesta decisão, a Comissão salienta designadamente que apreciou, por força do disposto no artigo 9.°, n.° 6, do código, a conformidade das intervenções previstas com o plano alemão que tinha sido objecto de um parecer favorável na Decisão 94/1070.

22.
    Não foi contestado que os auxílios cobertos pela decisão impugnada foram pagos antes de serem autorizados.

Factos subjacentes ao litígio e tramitação processual

23.
    A recorrente é uma sociedade privada de exploração de minas estabelecida no Reino Unido que retomou o essencial da exploração mineira da British Coal. Tendo o aparecimento de energias de substituição e o aumento das importações de carvão não comunitário tido por efeito, a partir de 1990, uma forte diminuição da procura de carvão na Inglaterra — o mercado «tradicional» da recorrente —, esta tentou encontrar um mercado, designadamente na Alemanha, para uma parte da sua produção excedentária.

24.
    Como a Comissão precisou no seu relatório intercalar [COM (1988) 288 final] de 8 de Maio de 1998, submetido ao Conselho nos termos do artigo 10.°, n.° 2, do

código e respeitante à experiência de aplicação do código (a seguir «relatório intercalar»), a produção comunitária de carvão baixou, durante os anos de 1992 a 1996, de 184 milhões de toneladas (1992) para 128 milhões de toneladas (1996). No Reino Unido, a produção passou de 84 milhões de toneladas em 1992 para 50 milhões de toneladas em 1996, ao passo que, na Alemanha, a produção baixou de 72 para 53 milhões de toneladas durante o mesmo período (p. 5 do relatório).

25.
    Por requerimento que deu entrada na Secretaria do Tribunal de Primeira Instância em 20 de Julho de 1998, a recorrente interpôs o presente recurso contra a decisão impugnada.

26.
    Por requerimento entrado na mesma data, a recorrente interpôs um segundo recurso pedindo a anulação de três decisões da Comissão que tinham autorizado as intervenções financeiras em Espanha na indústria do carvão nos anos de 1994 a 1996, 1997 e 1998. Este recurso foi inscrito sob o número T-111/98.

27.
    Por requerimentos separados que deram igualmente entrada na Secretaria do Tribunal em 20 de Julho, a recorrente requereu medidas provisórias nos dois processos (T-110/98 R e T-111/98 R).

28.
    Por requerimentos separados, entrados na Secretaria do Tribunal em 18 de Setembro de 1998, a recorrente apresentou, nos dois processos principais, pedidos de adopção de determinadas medidas de instrução e de organização do processo. A recorrente pediu, designadamente, que fosse aplicado o artigo 55.° do Regulamento de Processo e que estes processos fossem julgados com prioridade, pelo facto de dizerem respeito aos próprios fundamentos do regime CECA de auxílios do Estado no sector do carvão e pelo facto de os acórdãos a proferir serem igualmente relevantes para os auxílios futuros neste sector.

29.
    Nas observações que apresentou em 15 de Outubro do mesmo ano, a Comissão concordou parcialmente com este ponto de vista processual, propondo ao Tribunal que tratasse prioritariamente certas questões de direito suscitadas pelos recursos e que proferisse acórdãos interlocutórios limitados a estas questões.

30.
    Na sequência destas observações, a recorrente precisou, por faxes de 20 de Outubro de 1998, que as medidas de instrução e de organização do processo requeridas bem como os processos de medidas provisórias se tornariam inúteis se o Tribunal concordasse em proferir acórdãos interlocutórios sobre as questões estritamente de direito, idênticas nos dois processos T-110/98 e T-111/98, ou seja:

—    a questão de saber se a Comissão está habilitada pelo código a autorizar a posteriori um auxílio já pago sem a sua aprovação prévia;

—    a questão de saber se a Comissão está habilitada, nos termos do artigo 3.° do código, a autorizar a concessão de um auxílio ao funcionamento, unicamente sujeito à condição de que esse auxílio permita às empresas

beneficiárias reduzir os respectivos custos de produção e conseguir uma degressividade dos auxílios, quando essas empresas não têm nenhuma hipótese razoável de atingirem alguma viabilidade económica num futuro previsível.

31.
    Na perspectiva de um acordo sobre a tramitação processual a seguir, a recorrente, por fax de 22 de Outubro de 1998, desistiu dos seus pedidos de medidas provisórias nos dois processos T-110/98 R e T-111/98 R.

32.
    Com base no relatório do juiz-relator, o Tribunal (Primeira Secção Alargada) admitiu o princípio de uma limitação do objecto dos litígios e de uma aceleração concomitante dos processos em conformidade com os pedidos concordantes das partes. Decidiu organizar uma reunião informal com as partes para discutir a tramitação subsequente do processo.

33.
    Nesta reunião, realizada em 27 de Outubro de 1998, a recorrente anunciou que não iria apresentar réplica no processo T-110/98, e as partes concordaram em limitar, para efeitos do presente processo, o objecto do litígio aos dois fundamentos de direito referidos no n.° 30 supra, tal como estes foram discutidos na petição e na contestação. Em consequência, o presidente indicou às partes que estas poderiam dispor de muito mais tempo na audiência para desenvolverem a respectiva argumentação. Além disso, as partes apresentaram um pedido comum, nos termos do artigo 77.°, alínea c), do Regulamento de Processo, de suspensão do processo T-111/98, largamente análogo ao presente litígio.

34.
    Por decisão de 28 de Outubro de 1998, o presidente da Primeira Secção Alargada fixou em 15 de Dezembro de 1998 a data da audiência no processo T-110/98.

35.
    Por despacho do presidente de 28 de Outubro de 1998, o processo T-111/98 foi suspenso até ser proferido acórdão no processo T-110/98.

36.
    Por despachos da mesma data e de 25 de Novembro de 1998, o presidente admitiu a República Federal da Alemanha, o Reino de Espanha e a sociedade RAG Aktiengesellschaft a intervir no processo T-110/98 em apoio dos pedidos da Comissão.

37.
    Em 16 e 24 de Novembro e em 9 de Dezembro de 1998 respectivamente, o Reino de Espanha, a República Federal da Alemanha e a sociedade RAG Aktiengesellschaft apresentaram os seus pedidos de intervenção.

38.
    As alegações das partes e as suas respostas às perguntas orais do Tribunal foram ouvidas na audiência de 15 de Dezembro de 1998.

39.
    Na audiência, a Comissão — que, na sua contestação, tinha invocado a inadmissibilidade parcial do fundamento baseado em violação do artigo 3.° do

código — declarou que renunciava, no quadro do presente processo limitado às questões de direito, a invocar que o carácter não impugnável da Decisão 94/1070 se opunha a que fossem postos em causa os auxílios ao funcionamento controvertidos que faziam parte do plano alemão plurianual para os anos de 1994 a 2002, e que tinham, portanto, sido definitivamente autorizados por aquela decisão.

Pedidos das partes

40.
    A recorrente conclui pedindo que o Tribunal se digne:

—    anular a decisão impugnada;

—    condenar a Comissão nas despesas.

41.
    A Comissão conclui que o Tribunal se digne:

—    negar provimento ao recurso;

—    condenar a recorrente nas despesas.

42.
    As intervenientes concluem pedindo que o Tribunal se digne:

—    responder às questões de direito suscitadas no sentido de que, por um lado, a Comissão tem poderes, ao abrigo do código de 1993, para autorizar um auxílio de Estado, ainda que este último já tenha sido pago antes da adopção da decisão de autorização e, por outro, que o artigo 3.° do códigonão exige nenhuma verificação da viabilidade da empresa em causa;

—    em consequência, negar provimento ao recurso.

Questões de direito

43.
    Há que começar por salientar que a recorrente não contestou, no presente processo, nem a legalidade do código de 1993 nem a correcção das avaliações efectuadas pela Comissão no plano histórico, económico e jurídico na sua comunicação de 27 de Janeiro de 1993 (v. n.° 3 supra). Em consequência, a análise dos dois fundamentos invocados pela recorrente processar-se-á, designadamente, no quadro das disposições aplicáveis desse código, tendo em consideração a referida comunicação.

Quanto ao fundamento baseado em falta de competência da Comissão para autorizar a posteriori um auxílio já pago

— Argumentos das partes

44.
    A recorrente entende que, dado que os auxílios a que se refere a decisão impugnada foram concedidos pela República Federal da Alemanha às empresas beneficiárias antes da data da sua autorização, o código de 1993 não autorizava a Comissão a aprová-los a posteriori.

45.
    A recorrente recorda a este propósito que, nos termos do n.° 1 do artigo 1.° do código, os auxílios à indústria do carvão só podem ser considerados auxílios comunitários e, portanto, compatíveis com o bom funcionamento do mercado comum «se satisfizerem o disposto nos artigos 2.° a 9.°» Esta redacção clara subordinaria com carácter imperativo a autorização de um auxílio estatal à observância, designadamente, do disposto no artigo 9.° do código.

46.
    A recorrente precisa que o artigo 9.°, n.° 1, do código estabelece uma regra geral de aprovação prévia, para a qual só prevê uma única excepção: a contemplada no seu n.° 4, que não é, porém, aplicável no presente caso.

47.
    A recorrente considera que a inclusão no código do procedimento excepcional do artigo 9.°, n.° 4, permite deduzir a contrario que a Comissão não tem poderes para aprovar noutros casos um auxílio já concedido. Com efeito, se a Comissão tivesse poderes para aprovar um auxílio já concedido, todo o processo de notificação prévia ficaria reduzido a nada e a eficácia do regime de controlo preventivo instituído pelo código, nos seus artigos 8.° e 9.°, consideravelmente restringida.

48.
    A recorrente sustenta que, posto que se trata de uma derrogação ao disposto no artigo 4.°, alínea c), do Tratado CECA — que proíbe qualquer auxílio de Estado —, o código e em especial a fórmula «se satisfizerem o disposto nos artigos 2.° a 9.°» constante do seu artigo 1.°, n.° 1, deve ser objecto de interpretação restritiva.

49.
    Por outro lado, a redacção do n.° 1 do artigo 1.°, que impõe a observância do disposto no artigo 9.° como condição prévia de qualquer autorização, teria modificado o texto do código dos auxílios à indústria do carvão anterior, isto é, a Decisão n.° 2064/86/CECA da Comissão, de 30 de Junho de 1986, relativa ao regime comunitário das intervenções dos Estados-Membros a favor da indústria hulhífera (JO L 177, p. 1, a seguir «código de 1986»). Com efeito, o artigo 1.° deste código de 1986 só exigiria a conformidade com os «objectivos e critérios enunciados nos artigos 2.° a 8.°», sem se referir aos artigos 9.° e 10.° relativos aos procedimentos de notificação, análise e autorização.

50.
    A recorrente daí deduz que o regime processual estabelecido pelo código de 1993 foi consideravelmente reforçado em relação ao do código de 1986. Os considerandos do código de 1993 confirmariam esta tendência para o reforço das condições de autorização, como se pode ver pelo ponto IV, último parágrafo, dos considerandos, segundo o qual «é imperativo que nenhum pagamento total ou parcial seja efectuado antes da autorização explícita da Comissão».

51.
    Quanto ao artigo 9.°, n.° 5, do código, a recorrente considera que esta disposição só é aplicável no quadro do procedimento do artigo 9.°, n.° 4. Em consequência — e tendo em conta o último parágrafo dos considerandos do código —, este texto não poderia ser interpretado no sentido de que confere aos Estados-Membros o direito de pagarem um auxílio antes da respectiva autorização.

52.
    A recorrente admite que, no domínio do Tratado CE, o Tribunal de Justiça declarou que a falta de notificação não tornava um auxílio intrinsecamente ilegal, no sentido de que não dispensava a Comissão de verificar se o auxílio era de facto compatível com o mercado comum (acórdão de 14 de Fevereiro de 1990, França/Comissão, C-310/87, Colect., p. I-307, a seguir «acórdão Boussac»). A recorrente sublinha, porém, que o Tribunal chegou a esta conclusão com base numa análise dos poderes e responsabilidades respectivos da Comissão e dos Estados-Membros (acórdão Boussac, n.° 12). Seria, assim, essencial que não se ignorassem os poderes e responsabilidades que o Tratado CECA e o código de 1993 atribuem aos Estados-Membros e à Comissão. Neste contexto, a recorrente sustenta que vários elementos distinguem o regime dos auxílios de Estado no Tratado CE do instituído pelo Tratado CECA.

53.
    Em primeiro lugar, o Tribunal de Justiça teria declarado que a proibição geral constante do artigo 92.°, n.° 1, do Tratado CE (que passou, após alteração, a artigo 87.° CE) não é nem absoluta nem incondicional, visto que o n.° 3 do mesmo artigo confere à Comissão um largo poder de apreciação para isentar um auxílio dessa proibição. Em contrapartida, a regra fundamental do artigo 4.°, alínea c), do Tratado CECA proibiria de forma absoluta e incondicional a concessão de auxílios de Estado. Ao contrário do Tratado CE, o Tratado CECA estabeleceria, pois, a ilegalidade intrínseca do auxílio de Estado.

54.
    Em segundo lugar, diferentemente do que acontece com os artigos 92.° e 93.° do Tratado CE (actual artigo 88.° CE), que estabelecem uma base de análise do auxílio, o código de 1993 deveria ser interpretado à luz do referido artigo 4.°, alínea c), quer dizer, enquanto derrogação a este artigo, de maneira restritiva. Além disso, tendo sido adoptado com fundamento no artigo 95.° do Tratado CECA, o código constituiria uma base jurídica derrogatória, limitada e secundária. A base jurídica de isenção da proibição do auxílio seria, portanto, a autorização prévia.

55.
    Em terceiro lugar, o Tribunal de Justiça teria salientado que o Conselho ainda não tinha adoptado, com base no artigo 94.° do Tratado CE (actual artigo 89.° CE), nenhum regulamento de execução dos artigos 92.° e 93.° do Tratado CE (n.° 14 do acórdão Boussac). Ora, no caso ora em apreço, o código de 1993 estabelece condições de isenção fixas e pormenorizadas, tal como estas deveriam constar de um regulamento de execução daqueles artigos. Neste aspecto, o regime instaurado nos termos do Tratado CECA seria, portanto, diferente do do Tratado CE. Em especial, o carácter específico e completo do artigo 9.° do código excluiria qualquer transposição automática da solução adoptada no acórdão Boussac. Segundo a recorrente, esta regulamentação do código ficaria destituída de efeito no seu

conjunto se a Comissão pudesse basear-se, no domínio do Tratado CECA, nesta decisão.

56.
    A recorrente recorda, por último, que o Tribunal de Justiça declarou que a última frase do n.° 3 do artigo 93.° do Tratado CE constitui a salvaguarda do mecanismo de controlo instituído por este artigo, que é essencial para garantir o funcionamento do mercado comum (acórdão Boussac, n.° 17). Entende que esta afirmação se aplica, por maioria de razão, ao domínio muito mais estrito do Tratado CECA.

57.
    Em apoio da sua tese, a recorrente invoca várias decisões do Tribunal de Justiça e do Tribunal de Primeira Instância.

58.
    Em primeiro lugar, apoia-se no acórdão do Tribunal de Primeira Instância de 25 de Setembro de 1997, UK Steel Association/Comissão (T-150/95, Colect., p. II-1433, n.os 95 e 101), nos termos do qual uma decisão da Comissão de autorização de auxílios de Estado, com fundamento na sua Decisão n.° 3855/91/CECA, de 27 de Novembro de 1991, que cria normas comunitárias para os auxílios à siderurgia (JO L 362, p. 57, a seguir «quinto código aço»), foi anulada pelo facto de nenhuma das condições de fundo prévias de compatibilidade desses auxílios com o bom funcionamento do mercado comum em matéria de ambiente ter sido respeitada.

59.
    Remete, a seguir, para o acórdão deste mesmo Tribunal de 31 de Março de 1998, Preussag Stahl/Commissão (T-129/96, Colect., p. II-609), igualmente respeitante ao quinto código aço e designadamente ao seu artigo 1.°, n.os 1 e 3, segundo o qual todos os auxílios previstos por este código «só podem ser considerados como auxílios comunitários e, consequentemente, compatíveis com o bom funcionamento do mercado comum se respeitarem o disposto nos artigos 2.° a 5.°», precisando-se que estes auxílios «só podem ser concedidos nos termos dos procedimentos previstos no artigo 6.°», que «o prazo para o pagamento dos auxílios [regionais ao investimento] nos termos do artigo 5.° [termina em] 31 de Dezembro de 1994». Tendo o Tribunal decidido que, depois de 31 de Dezembro de 1994, a Comissão já não tinha competência para aprovar os auxílios, uma vez que da economia das disposições processuais do quinto código aço resultava que a Comissão devia dispor de um prazo de pelo menos seis meses para decidir quanto aos projectos de auxílios notificados e que estes só poderiam ser postos em prática depois de terem sido previamente autorizados. Segundo a recorrente, o ensinamento a retirar deste acórdão para o presente caso é que a autorização prévia deve ser considerada uma condição processual que deve ser estritamente respeitada.

60.
    Em terceiro lugar, a recorrente lembra que o estrito respeito das condições processuais se impõe igualmente no domínio das isenções por categoria ao abrigo do artigo 85.°, n.° 3, do Tratado CE (actual artigo 81.° CE), o que, segundo a recorrente, pode ser comparado com as condições processuais que são objecto do

presente litígio. Assim, o Tribunal de Justiça, no seu acórdão de 28 de Fevereiro de 1991, Delimitis (C-234/89, Colect., p. I-935, n.os 39 e 46), e o advogado-geral Van Gerven, nas conclusões que apresentou neste processo (Colect., p. I-955), teriam sublinhado a necessidade de uma interpretação estrita das condições dessa isenção. A recorrente sustenta que o mesmo raciocínio se opõe a que sejam ignorados os termos do artigo 1.°, n.° 1, do código: «se satisfizerem o disposto nos artigos 2.° a 9.°» A este propósito, a recorrente remete ainda para o acórdão do Tribunal de Justiça de 10 de Julho de 1980, Distillers Company/Comissão (30/78, Recueil, p. 2229).

61.
    A recorrente refere-se, por último, ao despacho de 3 de Maio de 1996, Alemanha/Comissão (C-399/95 R, Colect., p. I-2441), mais uma vez respeitante ao quinto código aço, no qual o presidente do Tribunal de Justiça salientou a particular sensibilidade do sector do aço, a importância da obrigação dos Estados-Membros de notificarem à Comissão os seus projectos de auxílio e a obrigação de sujeitar qualquer concessão de auxílio à prévia tomada de posição da Comissão (n.os 53 a 55 do despacho).

62.
    A Comissão e os intervenientes em apoio das suas conclusões consideram, ao invés, que o pagamento de um auxílio não obsta à sua autorização posterior nos termos do código de 1993. Com efeito, a redacção do artigo 9.°, n.° 5, do códigoreconheceria explicitamente a possibilidade de um auxílio poder ser pago antes de ser autorizado, determinando quais as consequências desse pagamento e estabelecendo que o montante do auxílio só deverá ser restituído «em caso de decisão negativa».

63.
    Concluem que, em caso de pagamento antecipado, a Comissão tem não só o poder, mas também o dever de examinar a compatibilidade do auxílio com o mercado comum. Com efeito, esta situação, sujeita ao Tratado CECA, não se distinguiria da regulada pelo Tratado CE.

64.
    No que diz respeito às implicações do acórdão Boussac, a Comissão precisa que, até este acórdão ter sido proferido, era seu entendimento que a falta de notificação implicava, por si só, a recuperação do auxílio, sem análise suplementar. Ora, o acórdão Boussac demonstraria que o pagamento antecipado não impede a autorização de um auxílio. Se a Comissão tivesse pretendido que a posição que sustentou nesse processo prevalecesse no código de 1993, teria sido necessário inserir neste uma disposição com essa finalidade, dotando-se do poder de declarar um auxílio incompatível com o mercado comum exclusivamente devido à falta de notificação. Ora, a Comissão ter-se-ia limitado a prever, nos termos do artigo 9.°, n.° 5, que o pagamento antecipado devia levar à restituição do auxílio, acrescido de juros, em caso de decisão negativa.

— Apreciação do Tribunal

65.
    Há que declarar, desde logo, que nenhuma disposição do código proíbe à Comissão a análise da compatibilidade com o mercado comum de um projecto de auxílio, pelo simples facto de o Estado-Membro que notificou o projecto ter já pago o auxílio sem aguardar a sua autorização prévia.

66.
    Deverá recordar-se, a seguir, que, nos termos do artigo 1.°, n.° 1, do código, os auxílios «só poderão ser considerados auxílios comunitários e, portanto, compatíveis com o bom funcionamento do mercado comum se satisfizerem o disposto nos artigos 2.° a 9.°» Este preceito destina-se a definir, através de uma remissão global, como «auxílios comunitários» as medidas financeiras projectadas pelos Estados-Membros que satisfaçam «o disposto nos artigos 2.° a 9.°» do código.

67.
    A leitura dos artigos 2.° a 9.° do código revela que um grande número das disposições deles constantes incidem efectivamente sobre as próprias características das medidas financeiras em causa. Assim, segundo o n.° 1 do artigo 2.°, essas medidas devem concorrer para a realização de determinados objectivos. Do mesmo modo, os artigos 3.° a 7.° enumeram várias categorias de auxílios que são per se consideradas compatíveis com o mercado comum.

68.
    Verifica-se, no entanto, que os artigos 2.° a 9.° prevêem igualmente medidas de natureza processual. Assim, a obrigação, para os Estados-Membros, de notificarem, todos os anos, o montante global dos auxílios efectivamente pagos durante o exercício carbonífero anterior (artigo 9.°, n.° 2) não tem qualquer incidência quanto à questão de saber se um projecto financeiro individual apresenta características susceptíveis de o qualificar como auxílio comunitário. Esta constatação vale igualmente para as disposições que obrigam a Comissão a proceder a determinadas análises específicas ou a emitir pareceres (artigo 3.°, n.° 2, terceiro parágrafo, artigo 8.°, n.os 2 e 3, primeiro período).

69.
    De onde resulta que a remissão do artigo 1.°, n.° 1, para os artigos 2.° a 9.° do código vale para dois tipos de disposições, isto é, disposições de fundo, por um lado, e disposições processuais, por outro. Se as primeiras, que se referem às características de um auxílio, podem determinar definitivamente a compatibilidade deste com o mercado comum, a incidência das segundas na análise de um auxílio depende, relativamente a cada disposição, da função que lhe é atribuída no sistema do código.

70.
    Ora, a este propósito, há que declarar que as disposições do artigo 9.° do código visam no seu conjunto não a determinar as características de um auxílio, mas a regular as modalidades processuais da sua notificação, da sua análise, da sua autorização e da sua execução.

71.
    É certamente incontestável que o artigo 1.°, n.° 1, do código de 1986 só remetia, para efeitos de definição dos auxílios comunitários, para as disposições de fundo (artigos 2.° a 8.°), embora, noutro artigo, estabelecesse que esses auxílios deviam

ser aplicados com respeito das disposições processuais (artigos 9.° e 10.°). Porém, a substituição no código de 1993 dessas duas remissões distintas por uma remissão global para as disposições de fundo e processuais em conjunto não pode ter como efeito a transformação de disposições processuais em disposições de fundo. Tendo em conta o que acima se expôs, só pode tratar-se de uma simples mudança na apresentação geral relativamente ao código anterior.

72.
    Esta análise é corroborada pela génese do código de 1993. Com efeito, a comunicação de 27 de Janeiro de 1993 (v. n.° 3, supra), com base na qual este código foi aprovado pelo Conselho, não contém qualquer elemento revelador da intenção do legislador de elevar à categoria de disposições de fundo as disposições processuais, o que teria como consequência que a apreciação, quanto ao fundo, de um auxílio comunitário seria de aí em diante função do cumprimento das formalidades previstas a esse respeito.

73.
    Pelo contrário, segundo esta comunicação, o novo código deveria não só inscrever-se na continuidade da política carbonífera comunitária, mas igualmente preparar a integração do sector do carvão no Tratado CE (p. 2). Esta constatação permite concluir que não se previa o abandono da distinção entre disposições de fundo e processuais, tal como esta tinha sido inscrita no código de 1986 e que consta do regime dos artigos 92.° e 93.° do Tratado CE. É, portanto, lógico que o próprio texto do código de 1993, com excepção da remissão global acima analisada, mantenha essa distinção.

74.
    Relativamente às consequências jurídicas da violação do princípio processual de autorização prévia, há que recordar que o artigo 9.°, n.° 5, do código prevê que «todos os pagamentos efectuados previamente a uma autorização da Comissão deverão, em caso de decisão negativa, ser integralmente reembolsados». Esta disposição, ao fazer depender expressamente a restituição do auxílio pago antecipadamente da condição de a Comissão ter tomado uma decisão negativa, implica necessariamente que esta pode tomar uma decisão de autorização.

75.
    Por outro lado, a tese da recorrente de que o n.° 5 só cobre os casos regulados pelo n.° 4 do artigo 9.° é contrariada pela redacção do n.° 5, que é aplicável explicitamente a «todos os pagamentos». Também vai contra a economia interna do artigo 9.°, dado que a disposição enunciada pelo n.° 5 é objecto de um número distinto e autónomo no sistema deste artigo e não faz precisamente parte do n.° 4.

76.
    Num plano geral, há que declarar que, se a proibição do artigo 4.°, alínea c), do Tratado CECA tem uma formulação mais restritiva do que a do artigo 92.° do Tratado CE, as disposições de fundo e processuais constantes do código de 1993 e o regime estabelecido pelos artigos 92.° e 93.° do Tratado CE não revelam diferenças de princípio. Em consequência, não se justificaria interpretar mais restritivamente as disposições do código de 1993, em relação ao artigo 4.°, alínea c), do Tratado CECA, do que as dos n.os 2 e 3 do artigo 92.° do Tratado CE à luz do n.° 1 deste mesmo artigo.

77.
    Há que recordar que o Tribunal de Justiça já declarou que o incumprimento das obrigações processuais a que se refere o artigo 93.°, n.° 3, do Tratado CE não é susceptível de dispensar a Comissão de examinar a compatibilidade de um auxílio à luz do artigo 92.°, n.° 2, do Tratado CE e que a Comissão não pode declarar um auxílio ilegal sem ter verificado se este é ou não compatível com o mercado comum (v. os acórdãos do Tribunal de Justiça Boussac, n.os 21 a 23, e mais explicitamente, de 21 de Março de 1990, Bélgica/Comissão, C-142/87, Colect., p. I-959, n.° 20, e de 21 de Novembro de 1991, Fédération nationale du commerce extérieur de produits alimentaires e Syndicat national des négociants et transformateurs de saumon, C-354/90, Colect., p. I-5505, n.° 13).

78.
    Esta interpretação, que obriga a Comissão a proceder a uma análise a posteriori, leva necessariamente a responder afirmativamente à questão de saber se a Comissão tem poderes para aprovar a posteriori um auxílio pago antes de ser autorizado. Por outras palavras, nada impunha à Comissão que aplicasse, no presente caso, uma linha de conduta mais restritiva, em matéria processual, do que a indicada pela jurisprudência mencionada no número anterior.

79.
    Tendo em conta as especificidades do presente caso, que se enquadra no regime dos auxílios a favor da indústria hulhífera, os ensinamentos que a recorrente pretende tirar dos acórdãos Delimitis e Distillers Company/Comissão, já referidos, relativos aos artigos 85.° do Tratado CE e 86.° do Tratado CE (actual artigo 82.° CE), para as isenções por categoria e para as isenções individuais não são pertinentes.

80.
    Relativamente à jurisprudência estabelecida com respeito ao quinto código aço, que a recorrente invoca no presente contexto, há que salientar que o sector siderúrgico se caracteriza pela competitividade das empresas que actuam no mercado. Em contrapartida, o sector do carvão está marcado, desde 1965, pela necessidade da indústria comunitária de obtenção de apoios financeiros constantes e pela falta estrutural de competitividade desta indústria (comunicação de 27 de Janeiro de 1993, pp. 2 e seguintes, designadamente p. 10). Ora, o presidente do Tribunal de Justiça sublinhou precisamente, no seu despacho Alemanha/Comissão (já referido, n.os 54, 57 e 80), que o sector siderúrgico é particularmente sensível às perturbações do seu funcionamento concorrencial, tendo o regime de auxílios a este sector como objectivo garantir a sobrevivência das empresas rentáveis e não a manutenção de empresas que não poderiam sobreviver em condições normais de mercado. O enquadramento do sector siderúrgico em matéria de auxílios de Estado sendo, portanto, mais estrito do que o do sector do carvão, esta jurisprudência não pode ser transposta para o presente caso.

81.
    No que se refere ao acórdão UK Steel Association/Comissão, já referido, basta recordar que o Tribunal de Primeira Instância anulou a decisão impugnada neste processo, pelo facto de a Comissão ter desrespeitado uma das disposições de fundo do quinto código aço e autorizado auxílios que, na realidade, não podiam ser

considerados compatíveis com o bom funcionamento do mercado comum. No presente caso, trata-se, ao contrário, da aplicação das disposições processuais do código de 1993.

82.
    Finalmente, no acórdão Preussag Stahl/Comissão, já referido, o Tribunal de Primeira Instância deduziu do carácter limitado do período durante o qual os auxílios controvertidos neste processo podiam ser considerados compatíveis com o mercado comum que a autorização pela Comissão destes auxílios devia igualmente ser concedida no decurso desse período (n.os 38 a 43). Ora, os auxílioscontrovertidos podem ser considerados auxílios comunitários, compatíveis com o mercado comum, até 2002. Em consequência, a decisão impugnada que autorizou esses auxílios em 1998 não é em nada atingida pela problemática que foi objecto do acórdão Preussag Stahl/Comissão, já referido.

83.
    Por tudo o exposto, o fundamento baseado na pretensa falta de competência da Comissão para autorizar a posteriori um auxílio já pago, tal como foi exposto no n.° 30, primeiro travessão, supra, não merece acolhimento.

Quanto ao fundamento baseado em violação do artigo 3.° do código de 1993

— Argumentos das partes

84.
    A recorrente afirma, liminarmente, que os auxílios de Estado pagos na Alemanha e autorizados pela Comissão fazem fracassar as suas tentativas de aceder ao mercado alemão, por um lado, e, por outro, que exercem uma influência artificial nos preços do mercado mundial, o que impede a sua produção de se tornar mais competitiva tanto no mercado britânico como no mercado mundial. Precisa que, depois de ter efectuado uma reestruturação, sem receber auxílios do Estado, se tornou muito competitiva e que pratica preços próximos do nível mundial. Ora, estaria exposta à concorrência das empresas alemãs que, como beneficiárias desses auxílios, poderiam propor preços inferiores aos seus.

85.
    A recorrente considera que, ao aprovar, ao abrigo do artigo 3.° do código, auxílios ao funcionamento sem ter examinado a viabilidade económica de cada uma das empresas beneficiárias, a Comissão infringiu o Tratado CECA e cometeu um erro manifesto. Com efeito, como resulta do artigo 3.°, n.° 2, e do artigo 4.°, bem como do preâmbulo do código, importaria distinguir o auxílio ao funcionamento (artigo 3.°) do auxílio destinado a permitir a cessação da produção (artigo 4.°). Nos termos do artigo 2.°, n.° 1, primeiro travessão, do código, só as empresas susceptíveis de se tornarem viáveis num futuro próximo poderiam beneficiar de auxílios ao funcionamento.

86.
    A recorrente conclui daí que o artigo 3.° do código exclui a concessão de auxílios ao funcionamento a empresas, pelo simples facto de estas tencionarem reduzir os seus custos de produção. Quando não existe qualquer perspectiva de viabilidade,

o único auxílio possível seria o previsto no artigo 4.° do código, dependente da apresentação de um plano de encerramento que se concretize até 2002.

87.
    Segundo a recorrente, esta distinção de princípio entre o artigo 3.° e o artigo 4.° do código é confirmada pelos seus considerandos: nos termos do ponto III, décimo parágrafo, dos considerandos, só quando existam empresas que não possam esperar progredir no sentido de uma maior viabilidade económica em função dos preços do carvão nos mercados internacionais é que os sistemas de auxílios deverão permitir atenuar as consequências sociais e regionais dos encerramentos. Segundo o ponto III, décimo primeiro parágrafo, dos considerandos, é conveniente não só criar condições para uma concorrência mais sã, mas também melhorar a prazo, a nível comunitário, a competitividade deste sector relativamente ao mercado mundial.

88.
    A recorrente acrescenta que a sua tese é confortada pelas orientações comunitárias da Comissão relativas aos auxílios estatais de emergência e à reestruturação concedidos a empresas em dificuldade (JO 1994 C 368, p. 12, a seguir «orientações»). Refere, a este propósito, designadamente o ponto 3.2.2, subalínea i), segundo o qual a condição sine qua non de todos os planos de reestruturação reside no restabelecimento num prazo razoável da viabilidade a longo prazo e da competitividade da empresa com base em hipóteses realistas no que diz respeito às suas condições futuras de exploração. Neste contexto, a recorrente remete para o acórdão UK Steel Association/Comissão, já referido.

89.
    Quanto à noção de viabilidade, a recorrente, remetendo para as orientações, precisa que se deve entender por este termo não a competitividade da empresa em causa no momento em que o auxílio é concedido, mas a sua capacidade de conseguir atingir, num prazo razoável e com base em hipóteses realistas quanto à sua exploração futura, uma situação em que esteja em condições de afrontar a longo prazo a concorrência no mercado mundial, graças às suas próprias forças e sem novo auxílio. Refere-se também à comunicação de 27 de Janeiro de 1993 (v. supra, n.° 3). Segundo esta comunicação, o objectivo prioritário da gestão de qualquer empresa carbonífera deve ser a rentabilidade económica, devendo o auxílio ao funcionamento contribuir para tornar qualquer subsídio inútil em dois períodos de quatro anos (p. 23); por auxílio ao funcionamento, entender-se-ia qualquer auxílio destinado à produção actual de empresas que se preparam para se tornarem em empresas economicamente viáveis a longo prazo.

90.
    A recorrente refere ainda o relatório intercalar (v. supra, n.° 24), em que a Comissão afirma que a concessão de auxílios ao funcionamento está condicionada pela obrigação de realizar, em função dos preços do carvão nos mercados internacionais, novos progressos no sentido da viabilidade económica, a fim de realizar a degressividade dos auxílios, o que deveria implicar que as empresas beneficiárias destes auxílios «possam ter perspectivas de alcançar, a prazo, uma

situação de uma certa competitividade com o carvão importado» (p. 4 do relatório).

91.
    Segundo a recorrente, a tese defendida pela Comissão teria consequências absurdas visto que as empresas mineiras mais rentáveis da Comunidade deveriam encerrar, enquanto as que não têm qualquer hipótese de se tornarem competitivas continuariam a funcionar. Com efeito, uma empresa A que já tenha reestruturado e racionalizado a sua produção, mas que não pode reduzir mais os seus custos de produção, ficaria, por esta razão, excluída do benefício do auxílio ao funcionamento, enquanto que a outra empresa B, cujos custos de produção sejam efectivamente muito mais elevados do que os da empresa A, poderia ser concedido e autorizado esse tipo de auxílio desde que esta última demonstrasse apenas que conseguiu diminuí-los, ainda que continuem a ser muito superiores aos da empresa A e mesmo que não tenha qualquer perspectiva de viabilidade a longo prazo.

92.
    A recorrente opõe-se a qualquer interpretação extensiva, na acepção pretendida pela Comissão, do artigo 3.° do código. Sublinha que a proibição geral de auxílios de Estado por força do artigo 4.°, alínea c), do Tratado CECA bem como o carácter de excepção do código adoptado ao abrigo do artigo 95.° do Tratado demonstram que, para poder ser autorizado, um auxílio deve respeitar rigorosamente as condições fixadas por esse código.

93.
    Assim, qualquer excepção à regra geral do artigo 4.° do Tratado CECA, que proíbe os auxílios de Estado, deveria ser necessária para atingir um dos objectivos comunitários fixados nos artigos 2.° a 4.° do Tratado, como, por exemplo, garantir a repartição mais racional da produção ao mais elevado nível de produtividade (artigo 2.°), velar pelo estabelecimento dos mais baixos preços [artigo 3.°, alínea c)], e velar pela manutenção de condições que incentivem as empresas a desenvolver e a melhorar os seus potenciais de produção [artigo 3.°, alínea d)].

94.
    Finalmente, uma decisão tomada ao abrigo do artigo 95.° do Tratado CECA, como o código de 1993, deveria igualmente ter em conta o artigo 5.° do Tratado segundo o qual a Comunidade assegura, designadamente, a manutenção de condições normais de concorrência e só intervindo directamente na produção e no mercado quando as circunstâncias o exijam.

95.
    Respondendo às observações liminares da recorrente, a Comissão sustentou, sem ser contraditada quanto a este ponto, que a recorrente teria podido, por sua vez, solicitar auxílios de Estado, mas que o Reino Unido da Grã-Bretanha e da Irlanda do Norte, tendo embora concordado com o código de 1993 aquando da adopção deste, optou politicamente por não atribuir novos auxílios à indústria do carvão britânica. Segundo a Comissão, é portanto a política praticada pelo seu próprio governo que afecta os interesses económicos da recorrente. Esta tentaria impor, pela via judicial, os efeitos dessa política às empresas dos outros Estados-Membros.

96.
    Quanto ao fundo, a Comissão e os intervenientes em apoio dos seus pedidos afirmam que o critério preconizado pela recorrente para a autorização de um auxílio ao funcionamento ao abrigo do artigo 3.° do código, isto é, «a perspectiva realista de se tornar viável a longo prazo», é contrário aos termos explícitos dos artigos 2.° e 3.° do código e incompatível com a finalidade do código tal como esta é exposta no respectivo preâmbulo. Reconhecendo que o objectivo de viabilidade é de difícil realização para as minas de hulha, não sendo estas estruturalmente competitivas, o código exigiria apenas que estas minas sejam capazes de reduzir os seus custos de produção, a fim de realizar a degressividade dos auxílios ao funcionamento. Seria inconcebível que o Conselho tivesse dado o seu parecer favorável com uma condição que, segundo a interpretação da recorrente, teria por efeito que nenhum auxílio ao abrigo do artigo 3.° do código poderia ser concedido em nenhum Estado-Membro.

— Apreciação do Tribunal

97.
    Há que começar por salientar que nenhuma disposição do código prevê expressamente que a concessão de auxílios ao funcionamento deve ser estritamente reservada às empresas com hipóteses razoáveis de conseguirem uma viabilidade económica a longo prazo, no sentido de que devem ser capazes de afrontar a concorrência no mercado mundial graças às suas próprias forças. É, pois, através de uma interpretação das disposições pertinentes do código que se deve determinar o sentido do conceito de viabilidade inerente ao regime dos auxílios ao funcionamento, isto é, segundo a acepção geralmente admitida, dos auxílios que visam libertar, parcial ou totalmente, uma empresa dos custos que normalmente deveria suportar no quadro da sua gestão corrente ou das suas actividades habituais (v., por exemplo, o acórdão do Tribunal de Primeira Instância de 8 de Junho de 1995, Siemens/Commissão, T-459/93, Colect., p. II-1675, n.° 48).

98.
    O artigo 3.° do código define, no n.° 1, os auxílios ao funcionamento, com referência à sua finalidade, como auxílios «destinados à cobertura da diferença entre o custo de produção e o preço de venda resultante do livre consentimento das partes contratantes perante as condições existentes no mercado mundial».

99.
    Nos termos das disposições conjugadas do artigo 3.°, n.° 2, do artigo 8.° e do artigo 9.°, n.° 6, do código, a autorização de auxílios ao funcionamento está, ainda, dependente da comunicação prévia de um plano de modernização, racionalização e reestruturação que, nos termos do disposto no primeiro parágrafo do n.° 2 do artigo 3.°, se destine «a aumentar a viabilidade económica dessas empresas, que será conseguida pela redução dos custos de produção». O segundo parágrafo desta última disposição acrescenta que o plano deverá prever as medidas adequadas «a fim de conseguir uma redução tendencial dos custos de produção, aos preços de 1992, no período compreendido entre 1994 e 2002».

100.
    Estes artigos não exigem que a empresa beneficiária de um auxílio ao funcionamento se encontre, no termo de um período predeterminado, em situação de viabilidade. Só impõe, com efeito, «aumentar» a viabilidade económica. O artigo 2.°, n.° 1, do código, cujo primeiro travessão se refere aos auxílios ao funcionamento abrangidos pelo artigo 3.°, contenta-se igualmente em exigir arealização de «novos progressos no sentido da viabilidade económica», sem fixar prazos precisos à realização desta condição.

101.
    Esta fórmula maleável explica-se pelos dados económicos em que se funda o regime dos auxílios de Estado a favor da indústria hulhífera comunitária, isto é, a falta estrutural de competitividade a que esta indústria se encontra confrontada pelo facto de a maior parte das suas empresas continuarem a não ser competitivas face às importações provenientes de países terceiros.

102.
    Com efeito, como se pode ver pela comunicação de 27 de Janeiro de 1993 (pp. 2 e seguintes), o sector hulhífero comunitário caracteriza-se, desde 1965, por apoios financeiros permanentes através de auxílios de Estado. As necessidades financeiras constantes da indústria do carvão comunitária impuseram, portanto, igualmente a adopção do código de 1993. Segundo o gráfico constante da comunicação de 27 de Janeiro de 1993 (p. 10), os custos de produção médios nacionais ultrapassavam, entre 1975 e 1991, largamente o preço médio do carvão importado, o que levou a Comissão a concluir que se verificava «claramente que a falta de competitividade é uma problemática à qual continua confrontado o conjunto da indústria comunitária». A Comissão prossegue, na mesma comunicação, afirmando que «a indústria hulhífera comunitária continua tributária, em graus diversos, das intervenções dos Estados-Membros» (p. 19). Além disso, no seu relatório intercalar, a Comissão constata a ausência subsistente de qualquer perspectiva, a médio ou a longo prazo, de viabilidade económica para a maior parte da indústria carbonífera comunitária (p. 26 do relatório).

103.
    De onde se conclui que o aumento da viabilidade económica de uma dada empresa se reconduz necessariamente a uma diminuição de grau da sua não rentabilidade e da sua não competitividade. Por outro lado, na sua comunicação de 27 de Janeiro de 1993 (p. 23), a Comissão refere que a definição de um objectivo de competitividade com base numa estimativa fiável da evolução a longo prazo do mercado mundial se revela um exercício difícil.

104.
    Se a recorrente se refere à declaração da Comissão de que o objectivo da degressividade dos auxílios ao funcionamento deveria ser atingido em duas fases correspondendo respectivamente a dois períodos de quatro anos (pp. 22 e 23 da referida comunicação), há que declarar que este calendário prospectivo não pode ser destacado do sistema de custos de orientação comunitária que a Comissão se propunha instaurar a fim de acelerar a degressividade dos auxílios ao funcionamento. Ora, este sistema, mais restritivo em matéria de autorização de auxílios que o do artigo 3.° do código, não foi aprovado pelo Conselho. De onde

resulta que os dois períodos de quatro anos invocados pela recorrente são destituídos de pertinência na lógica das disposições do artigo 3.° do código.

105.
    Há que examinar, a seguir, quais os meios, instituídos por força do código, através dos quais o objectivo consistente no aumento da viabilidade económica deve ser realizado.

106.
    A este propósito, deve sublinhar-se que, nos termos do artigo 3.°, n.° 2, primeiro parágrafo, do código, este aumento deve ser «conseguido pela redução dos custos de produção». Assim, ao prever explicitamente que essa redução deve aumentar a «viabilidade» e não apenas melhorar a situação económica dessas empresas, o legislador expressou a ideia de que uma redução insignificante, mesmo puramente simbólica, dos custos de produção não é suficiente para justificar a autorização de auxílios ao funcionamento a favor dessas empresas. Com efeito, não se pode encarar seriamente um aumento da competitividade do sector hulhífero comunitário (ponto III, décimo primeiro parágrafo, dos considerandos do código), se a redução dos custos de produção for insignificante no plano económico e financeiro.

107.
    Esta afirmação não é contrariada pelo artigo 3.°, n.° 2, segundo parágrafo, do código, segundo o qual uma redução «tendencial» até 2002 é considerada suficiente. Se esta formulação não exclui que, designadamente no início do período de 1994-2002, uma empresa se abstenha, durante um determinado ano, de reduzir os seus custos de produção por razões imperiosas, sem perder por isso o direito a auxílios futuros ao funcionamento, o aumento da viabilidade exige que essa empresa proceda, nos anos seguinte, a uma redução dos custos de produção muito mais firme.

108.
    Ao contrário do que a Comissão sustenta, a redução dos custos de produção não basta para justificar a autorização de um auxílio ao funcionamento. Com efeito, o artigo 2.°, n.° 1, do código estabelece, além disso, o princípio de que só se pode considerar compatível com o mercado comum um auxílio que contribua para a realização de pelo menos um dos objectivos nele enunciados. Além disso, o artigo 9.°, n.os 4 e 6, do código obriga a Comissão a apreciar a conformidade de qualquer projecto de auxílio com estes mesmos objectivos.

109.
    Há que realçar a este propósito que resulta da própria letra do artigo 2.°, n.° 1, do código que os três objectivos mencionados correspondem a determinadas categorias de auxílios. O objectivo de realizar, em função dos preços do carvão nos mercados internacionais, novos progressos no sentido da viabilidade económica, a fim de realizar a degressividade dos auxílios (primeiro travessão), respeita aos auxílios ao funcionamento regulados pelo artigo 3.° do código. Tendo em atenção esta correspondência entre os objectivos e as categorias dos auxílios, a tese da Comissão, de que seria suficiente a prossecução, através da concessão dos auxílios ao funcionamento, de qualquer um dos três objectivos acima referidos,

designadamente do respeitante aos problemas ligados à redução da actividade, deve ser rejeitada.

110.
    Quanto à determinação do alcance do objectivo definido pelo artigo 2.°, n.° 1, primeiro travessão, do código, a análise jurídica, económica e histórica que acaba de ser feita em relação com a interpretação do artigo 3.° do código mantém-se válida. De onde resulta que a realização, «em função dos preços do carvão nos mercados internacionais, [de] novos progressos no sentido da viabilidade económica» é virtualmente sinónimo de «aumentar a viabilidade económica», tal como foi interpretado supra, desde que os benefícios financeiros obtidos graças à redução dos custos de produção se traduzam na «degressividade dos auxílios».

111.
    Em consequência, se a redução significativa dos custos de produção permitir a degressividade dos auxílios ao funcionamento, a Comissão pode entender que as empresas em questão são susceptíveis de aumentar a sua viabilidade económica.

112.
    De onde resulta que as empresas cujos custos de produção sejam tais que não possa contar-se com nenhum progresso real no sentido da viabilidade económica na acepção referida só podem ser admitidas a beneficiar de auxílios à redução da actividade nos termos do artigo 4.°

113.
    Estas conclusões não são prejudicadas pelas passagens da comunicação de 27 de Janeiro de 1993 e do relatório intercalar invocadas pela recorrente. Com efeito, nestes documentos, a Comissão mantém o princípio de que o conceito de viabilidade económica deve ser «conforme aos objectivos e critérios da presente decisão», precisando que a «degressividade do montante dos auxílios através de uma redução dos custos de produção [é a] condição necessária para a melhoria da competitividade internacional da indústria hulhífera comunitária» (pp. 20 e 22 da comunicação de 27 de Janeiro de 1993) e que as empresas «capazes de atingir o objectivo da redução dos custos... poderão, portanto, ter perspectivas de atingir um certo grau de competitividade» (p. 4 do relatório intercalar).

114.
    As orientações invocadas pela recorrente também não podem justificar uma solução diferente, tendo em conta a análise das disposições pertinentes do código efectuada pelo Tribunal, tanto mais quanto essas orientações limitam elas próprias, no ponto 2.2., o respectivo âmbito de aplicação, só sendo aplicáveis ao sector do carvão na medida em que forem compatíveis com as regras especiais que regem este sector.

115.
    Finalmente, estas conclusões à luz do texto, do contexto e da finalidade dos artigos 2.°, 3.° e 4.° do código não estão em contradição com a interpretação restritiva do artigo 4.°, alínea c), do Tratado CECA preconizada pela recorrente. Com efeito, como foi salientado supra (n.° 111), a autorização de auxílios ao funcionamento está sujeita à condição de as empresas beneficiárias realizarem uma redução significativa dos respectivos custos de produção que permita a degressividade dos auxílios.

116.
    De onde se conclui que o fundamento baseado em violação do artigo 3.° do código, tal como está formulado no n.° 30, segundo travessão, supra, deve ser rejeitado.

Quanto às despesas

117.
    Reserva-se para final a decisão quanto às despesas.

Pelos fundamentos expostos,

O TRIBUNAL DE PRIMEIRA INSTÂNCIA (Primeira Secção Alargada),

deliberando, em conformidade com o pedido das partes, sobre os dois fundamentos invocados pela recoreente, tal como estão formulados no n.° 3, supra,

decide:

1)    O fundamento baseado em violação da pretensa proibição de autorizar a posteriori auxílios pagos sem aprovação prévia não merece acolhimento.

2)    O fundamento baseado em violação do artigo 3.° da Decisão n.° 3632/93/CECA da Comissão, de 28 de Dezembro de 1993, relativa ao regime comunitário das intervenções dos Estados-Membros a favor da indústria do carvão, não procede.

3)    Nega-se provimento ao recurso na parte em que se baseia nestes dois fundamentos.

4)    As partes são convidadas a pronunciar-se sobre o seguimento do processo, num prazo a determinar pelo presidente do Tribunal.

5)    Reserva-se para final a decisão quanto às despesas.

    Vesterdorf                                        Bellamy

Pirrung

Meij
                        Vilaras

Proferido em audiência pública no Luxemburgo, em 9 de Setembro de 1999.

O secretário

O presidente

H. Jung

B. Vesterdorf


1: Língua do processo: inglês.