Language of document : ECLI:EU:T:1999:167

ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DE PRIMEIRA INSTÂNCIA (Quarta Secção)

9 de Setembro de 1999 (1)

«Concorrência — Acção por omissão — Obrigação de instrução da Comissão — Prazo razoável»

No processo T-127/98,

UPS Europe SA, sociedade de direito belga, com sede em Bruxelas, representada por Tom R. Ottervanger, advogado no foro de Roterdão, e Dirk Arts, advogado no foro de Bruxelas, com domicílio escolhido no Luxemburgo no escritório de Loeff, Claeys e Verbeke, 5, rue Charles Martel,

demandante,

contra

Comissão das Comunidades Europeias, representada por Barry Doherty e Klaus Wiedner, na qualidade de agentes, com domicílio escolhido no Luxemburgo no escritório de Carlos Gómez de la Cruz, membro do Serviço Jurídico, Centre Wagner, Kirchberg,

demandada,

que tem por objecto um pedido, nos termos do artigo 175.° do Tratado CE (actual artigo 232.° CE), de declaração de omissão por parte da Comissão, na medida em que se absteve de tomar posição sobre a queixa apresentada pela demandante com fundamento no artigo 3.°, n.° 2, do Regulamento n.° 17 do Conselho, de 6 de

Fevereiro de 1962, Primeiro Regulamento de aplicação dos artigos 85.° e 86.° do Tratado (JO 1962, 13, p. 204; EE 08 F1 p. 22), denunciando certas práticas anticoncorrenciais da Deutsche Post AG,

O TRIBUNAL DE PRIMEIRA INSTÂNCIA

DAS COMUNIDADES EUROPEIAS (Quarta Secção),

composto por: R. M. Moura Ramos, presidente, V. Tiili e P. Mengozzi, juízes,

secretário: B. Pastor,

vistos os autos e após a audiência de 9 de Março de 1999,

profere o presente

Acórdão

Factos na origem da acção

1.
    A demandante é uma sociedade do grupo United Parcel Service (a seguir «UPS»), que exerce a sua actividade de distribuição de encomendas a nível mundial. Possui escritórios em todos os Estados-Membros da Comunidade Europeia, nomeadamente na Alemanha.

2.
    Por carta de 7 de Julho de 1994, a demandante apresentou queixa junto da Comissão, pedindo-lhe que iniciasse um processo destinado à verificação e declaração, nomeadamente, que o comportamento abusivo da Deutsche Bundespost, entretanto Deutsche Post AG (a seguir «Deutsche Post»), no mercado do serviço postal e os financiamentos cruzados deste serviço eram contrários aos artigos 86.° do Tratado CE (actual artigo 82.° CE), 90.° do Tratado CE (actual artigo 86.° CE), 92.° do Tratado CE (que passou, após alteração, a artigo 87.° CE) e 93.° do Tratado CE (actual artigo 88.° CE).

3.
    Após uma reunião entre a demandante e a Comissão, que teve lugar em Agosto de 1994, esta transmitiu à Deutsche Post, em 11 de Agosto de 1994, a queixa bem como um primeiro pedido de informações nos termos do artigo 11.° do Regulamento n.° 17 do Conselho, de 6 de Fevereiro de 1992, Primeiro Regulamento de aplicação dos artigos 85.° e 86.° do Tratado (JO 1962, 13, p. 204, a seguir «Regulamento n.° 17»), a qual respondeu em 24 de Novembro de 1994. A versão não confidencial desta resposta foi transmitida pela Comissão à demandante em 28 de Novembro. A mesma foi objecto de discussão entre a demandante e a Comissão.

4.
    Por carta de 21 de Março de 1995, a Comissão informou a demandante que a queixa seria examinada apenas sob a perspectiva do artigo 86.° do Tratado e que, se esta desejasse, podia apresentar uma outra queixa «substancialmente reforçada por novas provas», com base no artigo 92.° do Tratado.

5.
    Em 3 de Abril de 1995, a demandante apresentou os seus comentários relativos à resposta da Deutsche Post de 24 de Novembro de 1994.

6.
    Em 10 de Julho de 1995, a Comissão enviou à Deutsche Post um segundo pedido de informações nos termos do artigo 11.° do Regulamento n.° 17. Esta respondeu em 2 de Outubro de 1995.

7.
    Em 13 de Dezembro de 1995, a demandante pediu informações junto da Comissão acerca do andamento da sua queixa relativa ao artigo 82.° do Tratado.

8.
    Em 30 de Abril de 1996, a Comissão dirigiu à Deutsche Post um terceiro pedido de informações nos termos do artigo 11.° do Regulamento n.° 17 . Esta respondeu por cartas de 31 de Maio, 27 de Junho e 12 de Setembro de 1996.

9.
    Em 19 de Novembro de 1996, o advogado da demandante dirigiu à Comissão uma interpelação referindo-se expressamente ao artigo 175.° do Tratado CE (actual artigo 232.° CE).

10.
    Na sequência desta carta, Temple Lang, Director-Geral da Concorrência da Comissão (DG IV), enviou em 24 de Janeiro de 1997 à Deutsche Post uma comunicação na qual afirmava:

«A Direcção Geral da Concorrência informa pela presente que, com base nas informações de que dispõe, conta adoptar uma posição negativa no que diz respeito ao comportamento denunciado pela UPS e elaborar uma comunicação das acusações a fim de propor à Comissão que considere a hipótese de adopção de uma decisão negativa. As acusações da Comissão respeitantes ao referido comportamento ser-vos-ão apresentadas numa comunicação de acusações devidamente fundamentada, segundo os procedimentos habituais.»

Acrescentava:

«Atendendo às prioridades e à sobrecarga de trabalho com que a Comissão actualmente se defronta, o calendário provisório para o seguimento do processo neste caso será o seguinte:

—    comunicação das acusações em Abril de 1997;

—    observações escritas das partes em Junho de 1997;

—    audição em Julho de 1997;

—    Comité Consultivo em Setembro de 1997;

—    decisão final em Setembro de 1997.»

11.
    Em 28 de Fevereiro de 1997, a Deutsche Post respondeu a esta carta.

12.
    Em 3 de Julho de 1997, a Comissão respondeu a um novo pedido de informações da demandante acerca do andamento do processo indicando que, na sequência da queixa apresentada em 23 de Janeiro de 1997 por um outro concorrente da Deutsch Post, aquele exame levaria mais tempo.

13.
    Na mesma data, a Comissão encarregou igualmente um gabinete exterior de consultoria de elaborar um relatório sobre os estudos apresentados pela Deutsche Post. Esse relatório foi entregue em 11 de Setembro de 1997.

14.
    Por carta de 25 de Agosto de 1997, Temple Lang informou a demandante de que a Comissão suspendia a sua investigação ao abrigo do artigo 86.° do Tratado, prosseguindo-a ao abrigo do artigo 92.° do Tratado.

15.
    Em 22 de Outubro de 1997, a demandante convidou oficialmente a Comissão — referindo-se expressamente ao artigo 232.° CE — a tomar posição sobre a sua queixa apresentada em 7 de Julho de 1994 e a reconsiderar a posição expressa na carta de 25 de Agosto de 1997 quanto ao processo contra a Deutsche Post ao abrigo do artigo 86.° do Tratado.

16.
    Em 19 de Dezembro de 1997, o director geral da DG IV enviou à demandante uma carta referindo-se ao artigo 6.° do Regulamento n.° 99/63/CEE da Comissão, de 25 de Julho de 1963, relativo às audições referidas nos n.os 1 e 2 do artigo 19.° do Regulamento n.° 17 do Conselho (JO 1963, 127, p. 2268; EE 08 F1 p. 62), a seguir «Regulamento n.° 99/63»). Nesta carta, precisou o seguinte:

«Tal como foi acima indicado, a Comissão considera, portanto, que, por agora, a vossa queixa só deve ser examinada na parte em que dá conhecimento de uma infracção às disposições em matéria de auxílios de Estado. A Comissão iniciará o processo previsto no artigo 93.°, n.° 2 do Tratado CE no início do próximo ano. (...) Face ao acima exposto, os serviços da Comissão concluíram que não há qualquer motivo para satisfazer o vosso pedido na parte em que respeita ao artigo 86.° do Tratado CE.»

Convidou também a demandante a apresentar as suas observações. Não excluiu, todavia, a hipótese de reabrir a investigação a respeito artigo 86.° do Tratado.

17.
    Por carta de 2 de Fevereiro de 1998, a demandante apresentou as suas observações relativas à carta de 19 de Dezembro de 1997, contestando a intenção da Comissão

de não prosseguir a investigação no que respeita ao artigo 86.° do Tratado. Convidou a Comissão a indeferir a queixa, se assim o desejasse, mediante uma decisão formal adoptada num prazo razoável.

18.
    Em 2 de Junho de 1998, a demandante dirigiu à Comissão uma notificação referindo-se expressamente ao artigo 175.° do Tratado, convidando-a a tomar uma posição definitiva a respeito do processo contra a Deutsche Post ao abrigo do artigo 86.° do Tratado.

Tramitação processual e pedidos das partes

19.
    Por petição que deu entrada na secretaria do Tribunal de Primeira Instância em 7 de Agosto de 1998, a demandante propôs a presente acção.

20.
    Com base no relatório do juiz-relator, o Tribunal decidiu iniciar a fase oral sem proceder a medidas de instrução prévias. Todavia, no quadro das medidas de organização do processo, previstas no artigo 64.° do Regulamento de Processo, a demandante foi convidada a responder a uma questão por escrito.

21.
    As partes foram ouvidas nas suas alegações e nas suas respostas às perguntas do Tribunal, na audiência de 9 de Março de 1999.

22.
    A demandante conclui pedindo que o Tribunal se digne:

—    declarar, nos termos do artigo 175.° do Tratado, a omissão da Comissão por não ter adoptado uma decisão na sequência da queixa apresentada pela demandante em 7 de Julho de 1994;

—    condenar a demandada nas despesas;

—    ordenar qualquer medida que entenda necessária.

Na audiência, a demandante pediu igualmente que o Tribunal se digne:

—    impor à Comissão o prazo de um mês para adoptar as medidas necessárias nos termos do artigo 176.°, primeiro parágrafo, do Tratado CE (actual artigo 233.° CE).

23.
    A Comissão conclui pedindo que o Tribunal se digne:

—    indeferir a acção;

—    condenar a demandante nas despesas do presente processo.

Quanto ao pedido por omissão

Argumentação das partes

24.
    A demandante, referindo-se ao acórdão do Tribunal de Justiça de 18 de Março de 1997, Guérin automobiles/Comissão (C-282/95 P, Colect., p. I-1503, n.° 36), entende que é jurisprudência constante que a Comissão é obrigada ou a iniciar um processo contra a pessoa objecto da queixa, ou a adoptar uma decisão definitiva de indeferimento da queixa, quando o queixoso apresentou as suas observações por carta enviada em conformidade com o artigo 6.° do Regulamento n.° 96/63.

25.
    Acrescenta que, de acordo com os princípios da boa administração, a decisão definitiva da Comissão deve ser tomada num prazo razoável a contar da recepção das observações do queixoso (acórdão Guérin automobiles/Comissão, já referido, n.° 37). Alega que à data da proposição da presente acção, ou seja 6 meses após a apresentação das suas observações, a Comissão ainda não tinha adoptado a sua decisão.

26.
    Por outro lado, a demandante sublinha que a queixa foi inicialmente apresentada em Julho de 1994 pelo que a Comissão teve mais de quatro anos para a examinar.

27.
    Na audiência, defendeu igualmente que os artigos 86.° e 92.° do Tratado não se excluem. Assim, a Comissão tinha obrigação de proceder à investigação com base nestas duas disposições da mesma forma e simultaneamente.

28.
    A demandada alega que a queixa denuncia em particular a utilização por parte da Deutsche Post de receitas provenientes do seu monopólio no mercado das cartas para subsidiar de forma cruzada os seus serviços de encomendas. A queixa suscitava questões complexas de análise económica, em especial no que diz respeito aos preços praticados pela Deutsche Post e à estrutura das suas despesas. Exigia igualmente da Comissão uma análise do alcance das obrigações inerentes a um serviço público impostas à Deutsche Post. A Comissão devia também ter em conta uma queixa paralela que existia contra a Deutsche Post.

29.
    A Comissão acrescenta que reconsiderou a sua posição após ter recebido a carta da demandante de 2 de Fevereiro de 1998 e decidiu reabrir o inquérito a respeito do artigo 86.° do Tratado, suspendendo as suas investigações a título do artigo 92.° do Tratado. Todavia, esta nova abordagem requeria um exame em profundidade que não podia estar terminado em algumas semanas.

30.
    A Comissão alega que, nestas circunstâncias, não pode razoavelmente esperar-se dela que tenha terminado a sua análise nesta fase, o que excluía que fosse considerada culpada por omissão.

31.
    Na audiência, a Comissão precisou que é provavelmente culpada de violação técnica do artigo 175.° do Tratado, mas no caso vertente não pôde agir de outro modo. Acrescentou que a demandante tem direito a que seja adoptada uma decisão quanto à existência ou não de uma violação do artigo 86.° do Tratado, mas

que, dadas as circunstâncias, não quis indeferir a queixa, uma vez que esta pode ser fundada.

32.
    A Comissão admitiu igualmente que os artigos 86.° CE e 92.° do Tratado não se excluem, mas acrescentou que seria um perda de recursos proceder ao exame da violação destes artigos em simultâneo.

Apreciação do Tribunal

33.
    A título liminar, deve clarificar-se o objecto do pedido da acção por omissão constante da petição. Este pedido destina-se a obter a declaração da omissão da Comissão relativamente à queixa apresentada pela demandante em 7 de Julho de 1994 com o fundamento de que tinham decorrido seis meses desde que esta apresentou, em 2 de Fevereiro de 1998, as suas observações sobre a carta da Comissão de 19 de Dezembro de 1997 nos termos do artigo 6.° do Regulamento 99/63. Na audiência, a demandada, ao admitir que é provavelmente culpada de violação técnica do artigo 175.° do Tratado, não contestou que o objecto do pedido da acção por omissão é o que foi acima mencionado. Por outro lado, em resposta a uma questão escrita do Tribunal, a demandante confirmou que a sua petição diz exclusivamente respeito à eventual omissão da Comissão no exame da sua queixa baseada no artigo 86.° do Tratado.

34.
    A fim de decidir sobre a procedência do pedido por omissão, há que verificar se, aquando da notificação da Comissão, na acepção do artigo 175.° do Tratado, impendia sobre a instituição a obrigação de agir (acórdão do Tribunal de Primeira Instância de 15 de Setembro de 1998, Gestevisión Telecinco/Comissão, T-95/96, Colect., p. II-3407, n.° 71).

35.
    Resulta da jurisprudência que uma carta dirigida ao queixoso, que esteja em conformidade com as condições estabelecidas no artigo 6.° do Regulamento n.° 99/63, constitui uma tomada de posição na acepção do artigo 175.°, segundo parágrafo, do Tratado (acórdão do Tribunal de Justiça de 18 de Outubro de 1979, GEMA/Comissão, 125/78, Colect., p. 3173, n.° 21). Tal tomada de posição põe fim à omissão da Comissão (acórdão Guérin automobiles/Comissão, já referido, n.os 30 e 31).

36.
    É igualmente jurisprudência constante que, quando o queixoso apresentou as suas observações por carta enviada em conformidade com o artigo 6.° do Regulamento n.° 96/63, a Comissão é obrigada ou a iniciar um processo contra a pessoa objecto da queixa, ou a adoptar uma decisão definitiva de indeferimento da queixa, susceptível de ser objecto de um recurso de anulação perante o juiz comunitário (acórdão Guérin automobiles/Comissão, já referido, n.° 36).

37.
    Segundo a mesma jurisprudência, de acordo com os princípios da boa administração, a decisão definitiva da Comissão deve ser tomada num prazo

razoável a contar da recepção das observações do queixoso (acórdão Guérin automobiles/Comissão, já referido, n.° 37).

38.
    A razoabilidade da duração do procedimento administrativo aprecia-se em função das circunstâncias próprias de cada processo, nomeadamente, do contexto em que se inscreve, das diferentes etapas processuais seguidas pela Comissão, da conduta das partes ao longo do processo, da sua complexidade, bem como da importância que reveste para as diferentes partes interessadas (acórdãos do Tribunal de Primeira Instância de 19 de Março de 1997, Oliveira/Comissão, T-73/95, Colect., p. II-381, n.° 45, e de 22 de Outubro de 1997, SCK e FNK/Comissão, T-213/95 e T-18/96, Colect., p. II-1739, n.° 57).

39.
    No caso vertente, a queixa da demandante foi apresentada em 7 de Julho de 1994. A demandante apresentou, em 2 de Fevereiro de 1998, as suas observações acerca da comunicação de 19 de Dezembro de 1997, enviada nos termos do artigo 6.° do Regulamento n.° 99/63. A notificação da Comissão teve lugar em 2 de Junho de 1998 e a petição deu entrada no Tribunal em 7 de Agosto de 1998. Daqui resulta que, à data da notificação da Comissão, nos termos do artigo 175.° do Tratado, e à data da introdução da petição, tinham decorrido, respectivamente, os prazos de quatro meses e seis meses a contar da recepção das observações da demandante.

40.
    A fim de apreciar se os prazos eram suficientes, há que examinar aquilo que a Comissão devia ter feito nesse lapso de tempo. Tal como o Tribunal de Primeira Instância referiu no acórdão de 10 de Julho de 1990, Automec/Comissão (T-64/89, Colect., p. II-367, n.os 45 a 47), o processo para a análise de uma queixa articula-se à volta de três fases sucessivas. Durante a primeira fase, que se segue à apresentação da queixa, a Comissão recolhe os elementos que lhe permitirão apreciar o seguimento a dar à queixa. Esta fase pode compreender uma troca informal de pontos de vista entre a Comissão e a parte queixosa, com vista a precisar os elementos de facto e de direito que são objecto da queixa e dar-lhe oportunidade de expor as suas alegações, sendo caso disso, à luz de uma primeira reacção dos serviços da Comissão. Na segunda fase, a Comissão indica à parte queixosa, numa comunicação prevista no artigo 6.° do Regulamento n.° 99/63, os fundamentos pelos quais não lhe parece justificado dar seguimento favorável à queixa e dá-lhe oportunidade de apresentar, num prazo que fixa para esse efeito, as suas eventuais observações. Na terceira fase do processo, a Comissão toma conhecimento das observações apresentadas pela parte queixosa. Embora o artigo 6.° do Regulamento n.° 99 não preveja expressamente essa possibilidade, no final desta fase, a Comissão é obrigada ou a iniciar um processo contra a pessoa objecto da queixa, ou a adoptar uma decisão definitiva de indeferimento da queixa susceptível de ser objecto de um recurso de anulação perante o juiz comunitário (acórdão Guérin automobiles/Comissão, já referido, n.° 36).

41.
    No caso vertente, quando a demandante dirigiu à Comissão, em 2 de Junho de 1998, uma notificação, na acepção do artigo 175.° do Tratado, convidando-a a tomar uma posição acerca da sua queixa, o processo de exame encontrava-se na

terceira e última fase. A Comissão tomara conhecimento da queixa que denunciava uma violação do artigo 86.° do Tratado há 47 meses e já tinha procedido à instrução do processo. Por consequência, para examinar se o prazo decorrido entre as observações da demandante apresentadas na sequência da comunicação em aplicação do artigo 6.° do Regulamento n.° 99/63 e a notificação da Comissão é aceitável, há que tomar em conta os anos de instrução já decorridos, o estado actual de instrução do processo, bem como as condutas das partes consideradas no seu conjunto.

42.
    Daqui resulta que, aquando da notificação, a Comissão devia ou iniciar um processo contra a pessoa objecto da queixa, ou adoptar uma decisão definitiva de indeferimento da queixa. Não era obrigada a retomar o exame. Por conseguinte, a defesa da Comissão, segundo a qual a reconsideração da situação se verificou apenas depois de ter recebido as observações da demandante na sequência da comunicação em aplicação do artigo 6.° do Regulamento n.° 99/63 e segundo o qual não se pode razoavelmente esperar dela que tenha terminado a sua análise nesta fase, pouco tempo após ter decidido concentrar-se na violação do artigo 86.° do Tratado, é inaceitável.

43.
    Pelo contrário, a Comissão devia razoavelmente ter sido capaz de ou iniciar um processo contra a pessoa objecto da queixa, ou adoptar uma decisão definitiva de indeferimento da queixa, salvo se provasse a existência de circunstâncias excepcionais justificativas do esgotamento desses prazos (acórdão Gestevisión Telecinco/Comissão, já referido, n.° 81).

44.
    Impõe-se, pois, concluir que nenhum dos argumentos apresentados pela Comissão é de natureza a justificar a sua inacção nos prazos em causa.

45.
    Por outro lado, a Comissão não nega o seu dever de agir. Em resposta a uma questão do Tribunal, a Comissão confirmou mesmo que à data da audiência nenhuma medida concreta fora adoptada após as observações da demandante sobre a carta de 19 de Dezembro de 1997 no que respeita à sua queixa relativa ao artigo 86.° do Tratado. Assim, admite que ainda não iniciara um processo contra a pessoa objecto da queixa, nem adoptara uma decisão definitiva de indeferimento da queixa. Na audiência, admitiu mesmo não ter agido no presente caso «de uma forma impressionante» e que há, manifestamente, violação do artigo 175.° do Tratado.

46.
    Resulta dos desenvolvimentos precedentes que a Comissão se colocou em situação de omissão em 2 de Agosto de 1998, quando expirou o prazo de dois meses após a recepção, em 2 de Junho de 1998, do convite para agir, em virtude de se ter abstido de iniciar um processo contra a pessoa objecto da queixa apresentada em 7 de Julho de 1994, ou de adoptar uma decisão definitiva de indeferimento dessa queixa.

47.
    Consequentemente, o pedido de declaração de omissão relativo ao artigo 86.° do Tratado deve ser considerado como procedente.

Quanto ao pedido destinado a que seja imposto à Comissão o prazo de um mês para agir nos termos do artigo 176.° do Tratado

Argumentação das partes

48.
    Na audiência, a demandante pediu ao Tribunal que imponha à Comissão o prazo de um mês após a decisão para adoptar as medidas necessárias nos termos do artigo 176.°, primeiro parágrafo, do Tratado. A demandante entende que, na falta de fixação deste prazo, era necessária uma outra acção nos termos do artigo 175.° do Tratado. A demandante considera este pedido admissível atendendo ao carácter geral da terceira parte do pedido na petição.

49.
    A este respeito, a Comissão contesta a competência do Tribunal para impor tal obrigação.

Apreciação do Tribunal

50.
    Há que julgar este fundamento inadmissível. Com efeito, o Tribunal de PrimeiraInstância não tem competência para dirigir injunções às instituições comunitárias (Despacho do Tribunal de Primeira Instância de 12 de Novembro de 1996, SDDDA/Comissão, T-47/96, Colect., p. II-1559, n.° 45). Por consequência, nos termos do artigo 175.° do Tratado, o Tribunal tem unicamente a possibilidade de declarar a existência de uma omissão ilegal. Incumbe, depois, à instituição em causa, nos termos do artigo 176.° do Tratado, tomar as medidas necessárias à execução do acórdão do Tribunal.

Quanto às despesas

51.
    Por força do artigo 87.°, n.° 2, do Regulamento de Processo, a parte vencida é condenada nas despesas, se tal tiver sido requerido.

52.
    Tendo a Comissão sido vencida, é condenada nas despesas da demandante, conforme pedido desta nesse sentido.

Pelos fundamentos expostos,

O TRIBUNAL DE PRIMEIRA INSTÂNCIA (Quarta Secção),

decide:

1.
    A Comissão não cumpriu as obrigações que lhe incumbem por força do Tratado CE, ao abster-se ou de iniciar um processo contra a pessoa objecto da queixa apresentada pela demandante em 7 de Julho de 1994, ou de adoptar uma decisão definitiva de indeferimento dessa queixa, na sequência das observações de 2 de Fevereiro de 1998 sobre a comunicação dirigida à demandante nos termos do artigo 6.° do Regulamento n.° 99/63/CEE da Comissão, de 25 de Julho de 1963, relativo às audições previstas no artigo 19.°, n.os 1 e 2, do Regulamento n.° 17 do Conselho.

2.
    A acção é julgada inadmissível quanto ao restante.

3.
    A Comissão é condenada nas despesas.

Moura Ramos
Tiili
Mengozzi

Proferido em audiência pública no Luxemburgo, em 9 de Setembro de 1999.

O secretário

O presidente

H. Jung

R. M. Moura Ramos


1: Língua do processo: inglês.