Language of document : ECLI:EU:C:2014:2064

ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Terceira Secção)

10 de julho de 2014 (*)

«Incumprimento de Estado — Proteção dos consumidores — Práticas comerciais desleais — Diretiva 2005/29/CE — Harmonização completa — Exclusão das profissões liberais, dos dentistas e dos fisioterapeutas — Modalidades de anúncio de reduções de preços — Limitação ou proibição de certas formas de atividades de venda ambulante»

No processo C‑421/12,

que tem por objeto uma ação por incumprimento nos termos do artigo 258.° TFUE, entrada em 13 de setembro de 2012,

Comissão Europeia, representada por M. van Beek e M. Owsiany‑Hornung, na qualidade de agentes, com domicílio escolhido no Luxemburgo,

demandante,

contra

Reino da Bélgica, representado por T. Materne e J.‑C. Halleux, na qualidade de agentes, assistidos por É. Balate, avocat,

demandado,

O TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Terceira Secção),

composto por: M. Ilešič, presidente de secção, C. G. Fernlund, A. Ó Caoimh, C. Toader (relatora) e E. Jarašiūnas, juízes,

advogado‑geral: P. Cruz Villalón,

secretário: A. Calot Escobar,

vistos os autos e ouvidas as conclusões do advogado‑geral na audiência de 26 de novembro de 2013,

profere o presente

Acórdão

1        Com a sua ação, a Comissão Europeia pede ao Tribunal de Justiça que declare que:

–        ao excluir os titulares de uma profissão liberal, bem como os dentistas e os fisioterapeutas, do âmbito de aplicação da Lei de 14 de julho de 1991 sobre as práticas comerciais e sobre a informação e a proteção do consumidor (Moniteur belge de 29 de agosto de 1991, p. 18712), conforme alterada pela Lei de 5 de junho de 2007 (Moniteur belge de 21 de junho de 2007, p. 34272, a seguir «Lei de 14 de julho de 1991»), que transpõe a Diretiva 2005/29/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 11 de maio de 2005, relativa às práticas comerciais desleais das empresas face aos consumidores no mercado interno e que altera a Diretiva 84/450/CEE do Conselho, as Diretivas 97/7/CE, 98/27/CE e 2002/65/CE do Parlamento Europeu e do Conselho e o Regulamento (CE) n.° 2006/2004 do Parlamento Europeu e do Conselho («diretiva sobre as práticas comerciais desleais») (JO L 149, p. 22), o Reino da Bélgica não cumpriu as obrigações que lhe incumbem por força do artigo 3.° desta diretiva, lido em conjugação com o seu artigo 2.°, alíneas b) e d);

–        ao manter em vigor os artigos 20.°, 21.° e 29.° da Lei de 6 de abril de 2010 relativa às práticas do mercado e à proteção do consumidor (Moniteur belge de 12 de abril de 2010, p. 20803, a seguir «Lei de 6 de abril de 2010»), o Reino da Bélgica não cumpriu as obrigações que lhe incumbem por força do artigo 4.° da Diretiva 2005/29;

–        ao manter em vigor o artigo 4.°, n.° 3, da Lei de 25 de junho de 1993 relativa ao exercício e à organização de atividades ambulantes e feirantes (Moniteur belge de 30 de setembro de 1993, p. 21526), conforme alterada pela Lei de 4 de julho de 2005 (Moniteur belge de 25 de agosto de 2005, p. 36965, a seguir «Lei de 25 de junho de 1993»), e o artigo 5.°, n.° 1, do Decreto Real de 24 de setembro de 2006 relativo ao exercício e à organização de atividades ambulantes (Moniteur belge de 29 de setembro de 2006, p. 50488, a seguir «Decreto Real de 24 de setembro de 2006»), o Reino da Bélgica não cumpriu as obrigações que lhe incumbem por força do artigo 4.° da Diretiva 2005/29.

 Quadro jurídico

 Direito da União

 Diretiva 2005/29

2        Os considerandos 6, 15 e 17 da Diretiva 2005/29 têm a seguinte redação:

«(6)      […] [A] presente diretiva aproxima as legislações dos Estados‑Membros relativas às práticas comerciais desleais, incluindo a publicidade desleal, que prejudicam diretamente os interesses económicos dos consumidores e consequentemente prejudicam indiretamente os interesses económicos de concorrentes legítimos. […] Não abrange nem afeta as legislações nacionais relativas às práticas comerciais desleais que apenas prejudiquem os interesses económicos dos concorrentes ou que digam respeito a uma transação entre profissionais; na plena observância do princípio da subsidiariedade, os Estados‑Membros continuarão a poder regulamentar tais práticas, em conformidade com a legislação comunitária, se assim o desejarem. […]

[…]

(15)      Sempre que a legislação comunitária impuser requisitos de informação relativos às comunicações comerciais, à publicidade e ao marketing, essa informação é considerada substancial na aceção da presente diretiva. Os Estados‑Membros poderão manter ou acrescentar requisitos de informação relacionados com o direito contratual e que produzam efeitos em termos de direito contratual, se tal for permitido pelas cláusulas mínimas previstas nos instrumentos de direito comunitário existentes. O anexo II contém uma lista não exaustiva desses requisitos de informação previstos no acervo [comunitário aplicável às práticas comerciais que prejudicam os interesses económicos dos consumidores]. Dado que a presente diretiva introduz uma harmonização plena, só as informações exigidas na legislação comunitária são consideradas substanciais para efeitos do n.° 5 do seu artigo 7.° Sempre que os Estados‑Membros tiverem introduzido requisitos de informação que vão além do que é especificado na legislação comunitária, com base nas cláusulas mínimas, a omissão dessas informações adicionais não constitui uma omissão enganosa na aceção da presente diretiva. Em contrapartida, os Estados‑Membros poderão, se tal lhes for permitido pelas cláusulas mínimas da legislação comunitária, manter ou introduzir disposições mais restritivas conformes com o direito comunitário para garantir um nível elevado de proteção dos direitos contratuais individuais dos consumidores.

[…]

(17)      É desejável que essas práticas comerciais consideradas desleais em quaisquer circunstâncias sejam identificadas por forma a proporcionar segurança jurídica acrescida. Por conseguinte, o anexo I contém uma lista exaustiva dessas práticas. Estas são as únicas práticas comerciais que podem ser consideradas desleais sem recurso a uma avaliação casuística nos termos dos artigos 5.° a 9.° A lista só poderá ser alterada mediante revisão da presente diretiva.»

3        Conforme resulta do seu artigo 1.°, a Diretiva 2005/29 «tem por objetivo contribuir para o funcionamento correto do mercado interno e alcançar um elevado nível de defesa dos consumidores através da aproximação das disposições legislativas, regulamentares e administrativas dos Estados‑Membros relativas às práticas comerciais desleais que lesam os interesses económicos dos consumidores».

4        Em aplicação do artigo 2.°, alínea b), desta diretiva, entende‑se por «[p]rofissional» «qualquer pessoa singular ou coletiva que, no que respeita às práticas comerciais abrangidas pela presente diretiva, atue no âmbito da sua atividade comercial, industrial, artesanal ou profissional e quem atue em nome ou por conta desse profissional». Por sua vez, o artigo 2.°, alínea d), da referida diretiva define as «[p]ráticas comerciais das empresas face aos consumidores» por «qualquer ação, omissão, conduta ou afirmação e as comunicações comerciais, incluindo a publicidade e o marketing, por parte de um profissional, em relação direta com a promoção, a venda ou o fornecimento de um produto aos consumidores».

5        O artigo 3.° desta mesma diretiva, intitulado «Âmbito de aplicação», dispõe:

«1.      A presente diretiva é aplicável às práticas comerciais desleais das empresas face aos consumidores, tal como estabelecidas no artigo 5.°, antes, durante e após uma transação comercial relacionada com um produto.

2.      A presente diretiva não prejudica o direito contratual e, em particular, as normas relativas à validade, à formação ou aos efeitos de um contrato.

[…]

5.      Por um período de seis anos após 12 de junho de 2007, os Estados‑Membros podem continuar a aplicar disposições nacionais, no domínio sujeito a uma aproximação por força da presente diretiva, que sejam mais restritivas ou prescritivas do que a presente diretiva e que apliquem diretivas que contenham cláusulas de harmonização mínima. Estas medidas devem ser fundamentais para garantir que os consumidores sejam suficientemente protegidos contra as práticas comerciais desleais e devem ser proporcionais ao objetivo perseguido. A revisão referida no artigo 18.° poderá, caso seja adequado, incluir uma proposta no sentido de prolongar a presente derrogação durante um novo período limitado.

6.      Os Estados‑Membros devem notificar a Comissão sem demora das disposições nacionais aplicadas com base no n.° 5.

[…]»

6        Nos termos do artigo 4.° da Diretiva 2005/29:

«Os Estados‑Membros não podem restringir a livre prestação de serviços nem a livre circulação de mercadorias por razões ligadas ao domínio que é objeto de aproximação por força da presente diretiva.»

7        O artigo 5.° desta diretiva, intitulado «Proibição de práticas comerciais desleais», prevê:

«1.      São proibidas as práticas comerciais desleais.

2.      Uma prática comercial é desleal se:

a)      For contrária às exigências relativas à diligência profissional;

e

b)      Distorcer ou for suscetível de distorcer de maneira substancial o comportamento económico, em relação a um produto, do consumidor médio a que se destina ou que afeta, ou do membro médio de um grupo quando a prática comercial for destinada a um determinado grupo de consumidores.

[…]

4.      Em especial, são desleais as práticas comerciais:

a)      Enganosas, tal como definido nos artigos 6.° e 7.°;

ou

b)      Agressivas, tal como definido nos artigos 8.° e 9.°

5.      O anexo I inclui a lista das práticas comerciais que são consideradas desleais em quaisquer circunstâncias. A lista é aplicável em todos os Estados‑Membros […]»

 Diretiva 85/577/CEE

8        Nos termos do artigo 1.°, n.° 1, da Diretiva 85/577/CEE do Conselho, de 20 de dezembro de 1985, relativa à proteção dos consumidores no caso de contratos negociados fora dos estabelecimentos comerciais (JO L 372, p. 31; EE 15 F6 p. 131), esta diretiva é aplicável aos contratos celebrados entre um comerciante que forneça bens ou serviços e um consumidor durante uma excursão organizada pelo comerciante fora dos seus estabelecimentos comerciais ou durante uma visita do comerciante, nomeadamente a casa do consumidor, quando a visita não se efetua a pedido expresso desse consumidor.

9        Em conformidade com o artigo 5.°, n.° 1, desta diretiva, no âmbito de contratos abrangidos pelo seu âmbito de aplicação, o consumidor tem o direito de renunciar aos efeitos do compromisso que assumiu desde que envie uma notificação, no prazo de pelo menos sete dias a contar da data em que o comerciante o informou do direito que lhe assiste de rescindir o contrato.

10      Segundo o artigo 8.° da referida diretiva, esta «não impede os Estados‑Membros de adotarem ou manterem disposições mais favoráveis à proteção do consumidor no domínio por ela abrangido».

 Diretiva 98/6/CE

11      Como resulta do artigo 1.° da Diretiva 98/6/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 16 de fevereiro de 1998, relativa à defesa dos consumidores em matéria de indicações dos preços dos produtos oferecidos aos consumidores (JO L 80, p. 27), a finalidade desta diretiva é estipular a indicação do preço de venda e do preço por unidade de medida dos produtos vendidos pelos comerciantes aos consumidores, a fim de melhorar a informação dos consumidores e de facilitar a comparação dos preços.

12      Nos termos do artigo 10.° da mesma diretiva, esta «não obsta a que os Estados‑Membros adotem ou mantenham disposições mais favoráveis no tocante à informação dos consumidores e à comparação dos preços, sem prejuízo das suas obrigações decorrentes do Tratado».

 Diretiva 2011/83/UE

13      Nos termos do considerando 9 da Diretiva 2011/83/UE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 25 de outubro de 2011, relativa aos direitos dos consumidores, que altera a Diretiva 93/13/CEE do Conselho e a Diretiva 1999/44/CE do Parlamento Europeu e do Conselho e que revoga a Diretiva 85/577/CEE do Conselho e a Diretiva 97/7/CE do Parlamento Europeu e do Conselho (JO L 304, p. 64), esta diretiva estabelece, nomeadamente, regras relativas à informação a facultar para os contratos celebrados à distância, os contratos celebrados fora do estabelecimento comercial e os contratos diferentes dos celebrados à distância e fora do estabelecimento comercial e regula igualmente o direito de retratação dos contratos celebrados à distância e fora do estabelecimento comercial.

14      Nos termos do artigo 28.° da referida diretiva, os Estados‑Membros adotam e publicam, até 13 de dezembro de 2013, as disposições legislativas, regulamentares e administrativas necessárias para dar cumprimento à referida diretiva e aplicam essas medidas a partir de 13 de junho de 2014.

15      O artigo 31.° desta mesma diretiva revoga a Diretiva 85/577 com efeitos a partir de 13 de junho de 2014.

 Direito belga

16      A Lei de 14 de julho de 1991, conforme alterada pela Lei de 5 de junho de 2007, transpôs para o direito interno a Diretiva 2005/29. Esta lei foi revogada com efeitos a partir de 12 de maio de 2010 pela Lei de 6 de abril de 2010.

17      Essas duas leis sucessivas excluem do seu âmbito de aplicação os titulares de uma profissão liberal, bem como os dentistas e os fisioterapeutas. Deste modo, os artigos 2.°, pontos 1 e 2, e 3.°, n.° 2, da Lei de 6 de abril de 2010 tinham a seguinte redação:

«Artigo 2.°      Para efeitos da presente lei, entende‑se por:

1º      empresa: qualquer pessoa singular ou coletiva que prossiga de forma durável uma finalidade económica, incluindo as suas associações;

2º      titular de uma profissão liberal: qualquer empresa que não seja comerciante na aceção do artigo 1.° do Código Comercial e que esteja sujeita a um órgão disciplinar instituído pela lei;

[...]

Artigo 3.°      [...]

2.      A presente lei não se aplica aos titulares de uma profissão liberal, aos dentistas nem aos fisioterapeutas.»

18      Nos seus acórdãos n.° 55/2011, de 6 de abril de 2011 (Moniteur belge de 8 de junho de 2011, p. 33389), e n.° 192/2011, de 15 de dezembro de 2011 (Moniteur belge de 7 de março de 2012, p. 14196), o Tribunal Constitucional declarou inconstitucionais os artigos 2.°, pontos 1 e 2, e 3.°, n.° 2, da Lei de 6 de abril de 2010, na medida em que essas disposições tinham como efeito excluir os titulares de uma profissão liberal, bem como os dentistas e os fisioterapeutas, do âmbito de aplicação dessa lei.

19      O artigo 4.° da Lei de 2 de agosto de 2002 relativa à publicidade enganosa e comparativa, às cláusulas abusivas e aos contratos à distância nas profissões liberais (Moniteur belge de 20 de novembro de 2002, p. 51704, a seguir «Lei de 2 de agosto de 2002») contém uma definição de publicidade enganosa e prevê a sua proibição no que respeita às profissões liberais.

20      Os artigos 43.°, n.° 2, e 51.°, n.° 3, da Lei de 14 de julho de 1991 previam, em substância, que os comerciantes não podiam anunciar uma redução de preços, nomeadamente no âmbito dos saldos, se o preço do produto colocado à venda não sofresse uma redução real relativamente ao preço efetivamente praticado durante um período continuado de um mês imediatamente anterior à data a partir da qual o preço reduzido era aplicado.

21      Nos termos dos artigos 20.°, 21.° e 29.° da Lei de 6 de abril de 2010, os produtos só se podem considerar em saldos se o preço pedido for inferior ao preço de referência, entendido este como o preço mais baixo que a empresa tenha fixado para os referidos produtos no decurso do mês em causa, nesse ponto de venda ou segundo essa técnica de venda.

22      O artigo 4.° da Lei de 25 de junho de 1993 prevê que podem organizar‑se atividades ambulantes em casa do consumidor sempre que essas atividades digam respeito a produtos ou serviços de um valor global que não ultrapasse os 250 euros por consumidor. Por outro lado, o artigo 5.° do Decreto Real de 24 de setembro de 2006, adotado em aplicação da Lei de 25 de junho de 1993, prevê que determinados produtos, como os medicamentos, os dispositivos médicos e ortopédicos, as lentes de correção e respetivas armações, os metais e pedras preciosos, as pérolas finas ou de cultura e as armas e as munições, não podem ser objeto de atividade ambulante.

 Procedimento pré‑contencioso

23      Em 2 de fevereiro de 2009, a Comissão enviou ao Reino da Bélgica uma notificação para cumprir sobre onze acusações relativas a diversos incumprimentos da Diretiva 2005/29. Nas suas cartas de resposta de 3 e 24 de junho de 2009, esse Estado‑Membro anunciou a introdução de algumas alterações legislativas no sentido de resolver as questões suscitadas pela Comissão. Foi neste contexto que, em 12 de maio de 2010, a Lei de 6 de abril de 2010 entrou em vigor.

24      Depois de ter analisado esta lei, a Comissão constatou que esta não solucionava quatro das acusações de incumprimento suscitadas na notificação para cumprir. Assim, em 15 de março de 2011, enviou ao Reino da Bélgica um parecer fundamentado a esse respeito. Esse Estado‑Membro respondeu ao referido parecer em 11 de maio de 2011.

25      Não estando satisfeita com a reposta dada pelo Reino da Bélgica em relação a três das acusações de incumprimento apresentadas no seu parecer fundamentado, a Comissão decidiu intentar a presente ação.

 Quanto à ação

 Quanto à primeira acusação

26      Através desta acusação, a Comissão alega que, ao excluir as profissões liberais, os dentistas e os fisioterapeutas do âmbito de aplicação da Lei de 6 de abril de 2010, o Reino da Bélgica não cumpriu as obrigações que lhe incumbem por força do artigo 3.°, n.° 1, da Diretiva 2005/29, lido em conjugação com o seu artigo 2.°, alíneas b) e d).

 Quanto à admissibilidade da primeira acusação

–       Argumentos das partes

27      O Reino da Bélgica observa que, no âmbito desta acusação, a Comissão não teve em conta a Lei de 2 de agosto de 2002. Esta legislação, ainda em vigor, define o que constitui uma publicidade enganosa cometida por uma pessoa que exerce uma profissão liberal e estabelece também medidas específicas de fiscalização jurisdicional. Ora, na sua petição, a Comissão não especificou quais as disposições relativas à proteção dos consumidores previstas na Diretiva 2005/29 que não foram transpostas para o direito belga nem o motivo pelo qual a Lei de 2 de agosto de 2002 não cumpre esta diretiva.

28      O Reino da Bélgica nota também que a Comissão não nega que o artigo 4.° da Lei de 2 de agosto de 2002 proíbe às profissões liberais a publicidade enganosa e aplica, assim, o artigo 2.°, alínea d), da Diretiva 2005/29. Considera, deste modo, que esta disposição de direito nacional assegura, pelo menos, uma transposição parcial das disposições da referida diretiva. Na medida em que essa instituição não teve em conta a Lei de 2 de agosto de 2002 na formulação da sua petição, a primeira acusação é inadmissível.

29      Na sua réplica, a Comissão afirma que, mesmo que a Lei de 2 de agosto de 2002 proíba os titulares de profissões liberais de procederem a atos de publicidade enganosa, esta lei, invocada pela primeira vez pelo Reino da Bélgica na sua contestação, não tem, na realidade, por objeto transpor para o direito interno a Diretiva 2005/29, mas, essencialmente, a Diretiva 84/450/CEE do Conselho, de 10 de setembro de 1984, relativa à aproximação das disposições legislativas, regulamentares e administrativas dos Estados‑Membros em matéria de publicidade enganosa (JO L 250, p. 17; EE 15 F5 p. 55).

–       Apreciação do Tribunal

30      Nos termos do artigo 21.°, primeiro parágrafo, do Estatuto do Tribunal de Justiça da União Europeia e do artigo 120.°, alínea c), do seu Regulamento de Processo, incumbe à Comissão, nas petições apresentadas nos termos do artigo 258.° TFUE, indicar as acusações exatas sobre as quais o Tribunal de Justiça se deve pronunciar, bem como, de forma pelo menos sumária, os elementos de direito e de facto em que essas acusações se baseiam. Daqui resulta que a ação da Comissão deve conter uma exposição coerente e pormenorizada das razões que a conduziram à convicção de que o Estado‑Membro em causa não cumpriu uma das obrigações que lhe incumbem por força dos Tratados (v., designadamente, acórdão Comissão/Bélgica, C‑150/11, EU:C:2012:539, n.os 26, 27 e jurisprudência referida).

31      No caso em apreço, a petição apresentada pela Comissão, nos termos da qual acusa, em substância, o Reino da Bélgica de ter excluído, em violação dos artigos 3.°, n.° 1, e 2.°, alíneas b) e d), da Diretiva 2005/29, as profissões liberais, os dentistas e os fisioterapeutas do âmbito de aplicação da legislação nacional que transpõe esta diretiva, isto é, a Lei de 6 de abril de 2010, contém uma exposição clara desta acusação e dos elementos de facto e de direito em que se baseia.

32      É pacífico que neste ato processual a Comissão não procurou demonstrar como é que a Lei de 2 de agosto de 2002, em vigor quando da adoção da Diretiva 2005/29, que proíbe às profissões liberais a publicidade enganosa, não estava em conformidade com as disposições desta diretiva.

33      Contudo, deve recordar‑se que, no âmbito de uma ação por incumprimento intentada ao abrigo do artigo 258.° TFUE, incumbe também ao Estado‑Membro em causa, por força do artigo 4.°, n.° 3, TUE, facilitar‑lhe o cumprimento da sua missão que consiste, designadamente, nos termos do artigo 17.°, n.° 1, TUE, em velar pela aplicação das disposições do Tratado FUE assim como das medidas tomadas pelas instituições por força deste (v., neste sentido, acórdão Comissão/Itália, C‑456/03, EU:C:2005:388, n.° 26 e jurisprudência referida).

34      Uma aplicação do princípio da cooperação leal está prevista no artigo 19.° da Diretiva 2005/29 que, como outras diretivas, impõe aos Estados‑Membros um dever de informação clara e precisa. Como o Tribunal de Justiça já declarou, na falta de tal informação, a Comissão não tem condições para verificar se o Estado‑Membro aplicou realmente e completamente a diretiva. O incumprimento desta obrigação dos Estados‑Membros, seja por falta total de informação ou por uma informação insuficientemente clara e precisa, pode, por si só, justificar a abertura do procedimento previsto no artigo 258.° TFUE com vista à declaração desse incumprimento (acórdão Comissão/Itália, EU:C:2005:388, n.° 27 e jurisprudência referida).

35      Ora, no presente caso, não se contesta o facto de o Reino da Bélgica ter invocado pela primeira vez na sua contestação no Tribunal de Justiça o argumento segundo o qual a Lei de 2 de agosto de 2002 constitui uma transposição da Diretiva 2005/29. Na sua resposta ao parecer fundamentado, esse Estado‑Membro limitou‑se, como única defesa, a fazer referência ao acórdão n.° 55/2011 do Tribunal Constitucional, proferido em 6 de abril de 2011, que declarou inconstitucional a exclusão das profissões liberais da Lei de 6 de abril de 2010. Além disso, o referido Estado‑Membro indicou que uma alteração legislativa teria lugar «nas próximas semanas» tendo em vista a conformidade com o direito da União.

36      Nestas condições, o Reino da Bélgica não pode acusar a Comissão de se ter limitado, na sua petição, a expor de que modo a Lei de 6 de abril de 2011 não constitui uma transposição correta da Diretiva 2005/29, sem tentar explicar em que medida a Lei de 2 de agosto de 2002 não tinha nenhuma influência a este respeito. Com efeito, a alegada falta de precisão da petição resulta do próprio comportamento das autoridades desse Estado‑Membro durante o procedimento pré‑contencioso.

37      Resulta do exposto que a primeira acusação da Comissão em apoio da sua ação deve ser declarada admissível.

 Quanto ao mérito da primeira acusação

–       Argumentos das partes

38      Baseando‑se na redação dos artigos 2.°, alínea b), e 3.°, n.° 1, da Diretiva 2005/29, que visa expressamente as atividades liberais, a Comissão alega que esta diretiva se aplica às práticas comerciais de todos os profissionais, seja qual for o seu estatuto jurídico ou o respetivo setor de atividade. Por conseguinte, a exclusão expressa das profissões liberais, dos dentistas e dos fisioterapeutas do âmbito de aplicação da Lei de 6 de abril de 2010 viola o artigo 3.° da Diretiva 2005/29, lido em conjugação com o seu artigo 2.°, alínea b).

39      No âmbito da fase pré‑contenciosa, o Reino da Bélgica tinha sustentado que o Tribunal Constitucional, no seu acórdão n.° 55/2011, de 6 de abril de 2011, tinha precisamente declarado contrárias à Constituição as disposições da Lei de 6 de abril de 2010 que excluíam essas profissões do seu âmbito de aplicação e que essa declaração de inconstitucionalidade tinha aberto o caminho para a interposição de um recurso de anulação contra essa lei num prazo de seis meses, o qual poderia levar à anulação retroativa das disposições controvertidas da referida lei. A este respeito, a Comissão observa, em primeiro lugar, que, com esta argumentação, o Reino da Bélgica reconhece a justeza do incumprimento que lhe é imputado, incluindo à data do termo do prazo concedido no parecer fundamentado. Em segundo lugar, essa instituição considera que a hipotética anulação retroativa à qual o Tribunal Constitucional poderia proceder não pode sanar o incumprimento imputado e opõe‑se à jurisprudência do Tribunal de Justiça sobre a necessidade de clareza e de segurança jurídica na transposição das regras do direito da União relativas à proteção dos consumidores, uma vez que essa regularização não é suscetível de eliminar a infração existente no termo do prazo estabelecido no parecer fundamentado.

40      Quanto ao mérito, o Reino da Bélgica não contesta a realidade da exclusão de certas profissões do âmbito de aplicação da Lei de 6 de abril de 2010. No entanto, esse Estado‑Membro recorda que o Tribunal Constitucional anulou esta exclusão através dos seus acórdãos n.° 55/2011, de 6 de abril de 2011, e n.° 192/2011, de 15 de dezembro de 2011. Sustenta que a apreciação, pelo Tribunal de Justiça, da transposição em causa deve ser efetuada tendo em conta esses acórdãos, na medida em que os mesmos tiveram por efeito tornar inaplicáveis para os tribunais e os órgãos jurisdicionais belgas, antes do termo do prazo concedido no parecer fundamentado, as disposições em causa da Lei de 6 de abril de 2010, de modo que a exclusão que estas continham deixou de produzir efeito a partir da prolação desses acórdãos.

41      Na sua contestação, o Reino da Bélgica precisa também que, à data da apresentação da mesma, foi interposto um recurso de anulação no Tribunal Constitucional que, em caso de obter provimento, teria por efeito anular retroativamente os artigos 2.°, ponto 2, e 3.°, n.° 2, da Lei de 6 de abril de 2010. Daqui resulta que essas disposições de direito nacional devem ser consideradas como nunca tendo feito parte da ordem jurídica belga, de modo que o incumprimento imputado ao Reino da Bélgica poderia nunca ter existido.

–       Apreciação do Tribunal

42      Há que salientar que, reconhecendo a justeza da primeira acusação, o Reino da Bélgica sustentou que, na realidade, o incumprimento alegado pela Comissão foi «sanado» por efeito dos acórdãos n.° 55/2011, de 6 de abril de 2011, e n.° 192/2011, de 15 de dezembro de 2011, do Tribunal Constitucional que declaram inconstitucionais os artigos 2.°, ponto 2, e 3.°, n.° 2, da Lei de 6 de abril de 2010.

43      Contudo, importa recordar que decorre de jurisprudência constante do Tribunal de Justiça que um Estado‑Membro não pode invocar disposições, práticas ou situações da sua ordem jurídica interna para justificar a inobservância das obrigações que resultam das normas do direito da União (v., designadamente, acórdãos Comissão/Luxemburgo, C‑450/00, EU:C:2001:519, n.° 8, e Comissão/Luxemburgo, C‑375/04, EU:C:2005:264, n.° 11).

44      Por outro lado, a existência de vias de direito abertas nos órgãos jurisdicionais nacionais não pode prejudicar o exercício da ação prevista no artigo 258.° TFUE dado que as duas ações prosseguem fins diversos e têm efeitos diferentes (v. acórdão Comissão/Itália, C‑87/02, EU:C:2004:363, n.° 39 e jurisprudência referida).

45      Resulta também de jurisprudência constante do Tribunal de Justiça que a existência de um incumprimento deve ser apreciada em função da situação do Estado‑Membro tal como se apresentava no termo do prazo fixado no parecer fundamentado (v. acórdãos Comissão/Espanha, C‑168/03, EU:C:2004:525, n.° 24; Comissão/Alemanha, C‑152/05, EU:C:2008:17, n.° 15; e Comissão/Luxemburgo, C‑282/08, EU:C:2009:55, n.° 10). As alterações ocorridas posteriormente não podem ser tomadas em consideração pelo Tribunal de Justiça (v., designadamente, acórdãos Comissão/Irlanda, C‑482/03, EU:C:2004:733, n.° 11, e Comissão/Suécia, C‑185/09, EU:C:2010:59, n.° 9).

46      Além disso, o Tribunal de Justiça já declarou que uma jurisprudência nacional, admitindo‑se que existe, que interprete disposições do direito interno num sentido considerado conforme às exigências de uma diretiva não tem a mesma clareza e precisão necessárias para satisfazer a exigência de segurança jurídica, sendo esse especialmente o caso no domínio da proteção dos consumidores (v. acórdão Comissão/Países Baixos, C‑144/99, EU:C:2001:257, n.° 21).

47      Daqui resulta que as circunstâncias invocadas pelo Reino da Bélgica não têm influência na existência do incumprimento, o que, de resto, não foi contestado por esse Estado‑Membro.

48      Atendendo ao exposto, há que julgar procedente a primeira acusação invocada pela Comissão.

 Quanto à segunda acusação

 Argumentos das partes

49      A Comissão constata que os artigos 20.°, 21.° e 29.° da Lei de 6 de abril de 2010 preveem que qualquer anúncio de redução do preço deve fazer referência a um preço definido pela lei, no presente caso, o preço mais baixo aplicado durante o mês que precede o primeiro dia do anúncio em questão. Além disso, essas disposições proíbem, por um lado, o anúncio de redução do preço para além de um mês e, por outro, que esses anúncios tenham, em princípio, uma duração inferior a um dia.

50      Ora, na medida em que a Diretiva 2005/29 procedeu a uma harmonização completa da regulamentação em matéria de práticas comerciais desleais, o seu artigo 4.° opõe‑se à existência de disposições nacionais mais restritivas, como as previstas no número precedente.

51      Com efeito, o anexo I da Diretiva 2005/29 estabelece uma lista exaustiva de 31 práticas comerciais consideradas desleais em quaisquer circunstâncias, entre as quais não figuram as práticas previstas na legislação belga relativa ao anúncio de reduções de preço. Assim, essas práticas deviam ser objeto de um exame caso a caso para determinar se devem ou não ser consideradas desleais. Ora, a regulamentação belga tem como efeito proibir quaisquer reduções de preços não conformes com os critérios impostos por essa lei, ainda que tais práticas, após um exame caso a caso, possam não ser consideradas enganosas ou desleais na aceção dessa diretiva.

52      O Reino da Bélgica sublinha, por um lado, que a Diretiva 2005/29, embora proceda a uma harmonização completa, não contém regras harmonizadas que permitam determinar a realidade económica dos anúncios de reduções de preços. Por outro lado, a Diretiva 98/6 não foi alterada pela Diretiva 2005/29. Ora, o artigo 10.° da Diretiva 98/6 autoriza os Estados‑Membros a adotarem ou a manterem disposições mais favoráveis relativamente à informação dos consumidores assim como à comparação dos preços.

53      Além disso, alega que o Tribunal de Justiça, no seu acórdão GB‑INNO‑BM (C‑362/88, EU:C:1990:102), estabeleceu o princípio do direito à informação do consumidor e, consequentemente, os artigos 20.°, 21.° e 29.° da Lei de 6 de abril de 2010 devem ser analisados apenas à luz do artigo 28.° TFUE.

 Apreciação do Tribunal

54      A título preliminar, há que precisar que os artigos 20.°, 21.° e 29.° da Lei de 6 de abril de 2010 dizem respeito a anúncios de redução de preços, que constituem práticas comerciais, na aceção do artigo 2.°, alínea d), da Diretiva 2005/29, e estão, por isso, abrangidos pelo âmbito de aplicação desta diretiva (v., neste sentido, despacho INNO, C‑126/11, EU:C:2011:851, n.° 30 e jurisprudência referida).

55      O Tribunal de Justiça já declarou que a Diretiva 2005/29 procede a uma harmonização completa, a nível da União, das regras relativas às práticas comerciais desleais das empresas face aos consumidores. Assim, tal como o artigo 4.° da mesma prevê expressamente, os Estados‑Membros não podem adotar medidas mais restritivas do que as definidas pela referida diretiva, mesmo que seja com o fim de assegurar um grau mais elevado de proteção dos consumidores (v. acórdãos Plus Warenhandelsgesellschaft, C‑304/08, EU:C:2010:12, n.° 41, e Mediaprint Zeitungs‑ und Zeitschriftenverlag, C‑540/08, EU:C:2010:660, n.° 37).

56      Além disso, a Diretiva 2005/29 estabelece, no seu anexo I, uma lista taxativa de 31 práticas comerciais que, em conformidade com o disposto no artigo 5.°, n.° 5, da mesma diretiva, são consideradas desleais «em quaisquer circunstâncias». Por conseguinte, como o considerando 17 da referida diretiva expressamente especifica, trata‑se das únicas práticas comerciais que podem ser consideradas desleais sem serem objeto de uma avaliação caso a caso ao abrigo das disposições dos artigos 5.° a 9.° da Diretiva 2005/29 (v. acórdão Plus Warenhandelsgesellschaft, EU:C:2010:12, n.° 45).

57      O Reino da Bélgica sustenta, no essencial, que as medidas mais restritivas, conforme previstas nos artigos 20.°, 21.° e 29.° da Lei de 6 de abril de 2010, continuam a ser permitidas nos termos da cláusula de harmonização mínima prevista no artigo 10.° da Diretiva 98/6, segundo a qual os Estados‑Membros podem adotar ou manter disposições mais favoráveis no que respeita à informação dos consumidores e à comparação dos preços.

58      A este respeito, é pacífico que, em conformidade com o artigo 3.°, n.° 5, da Diretiva 2005/29, por um período de seis anos após 12 de junho de 2007, os Estados‑Membros podiam continuar a aplicar disposições nacionais, no domínio sujeito a uma aproximação por força desta diretiva, que sejam mais restritivas ou prescritivas do que a referida diretiva e que apliquem diretivas que contenham cláusulas de harmonização mínima.

59      Todavia, há que observar que, como referiu o advogado‑geral nos n.os 58 e seguintes das suas conclusões, a Diretiva 98/6 não tem por objetivo a defesa dos consumidores relativamente à indicação dos preços em geral ou quanto à realidade económica dos anúncios de redução de preços, mas em matéria de indicação dos preços dos produtos com referência a diferentes tipos de unidades de medida.

60      Por conseguinte, não se pode validamente sustentar que o artigo 10.° da Diretiva 98/6 possa justificar a manutenção de disposições nacionais mais restritivas respeitantes à realidade económica dos anúncios de redução de preços, como os artigos 20.°, 21.° e 29.° da Lei de 6 de abril de 2010, na medida em que essas disposições não entram no âmbito de aplicação da Diretiva 98/6.

61      Consequentemente, uma regulamentação nacional dessa natureza que proíbe de forma geral práticas não previstas no anexo I da Diretiva 2005/29, sem proceder a uma análise individual do caráter «desleal» dessas práticas à luz dos critérios enunciados nos artigos 5.° a 9.° desta diretiva, colide com o conteúdo do artigo 4.° da referida diretiva e é contrária ao objetivo de harmonização completa prosseguido pela referida diretiva mesmo quando essa regulamentação visa garantir um nível de proteção mais elevado dos consumidores (v., neste sentido, acórdão Plus Warenhandelsgesellschaft, EU:C:2010:12, n.os 41, 45 e 53).

62      Quanto ao argumento relativo aos efeitos do acórdão GB‑INNO‑BM (EU:C:1990:102), há que sublinhar, à semelhança da Comissão, que as circunstâncias do processo que deu origem ao referido acórdão são diferentes das que justificaram a propositura da presente ação. Com efeito, naquele processo, o Tribunal de Justiça tinha declarado que a livre circulação de mercadorias se opõe, em princípio, a uma legislação nacional que recusa aos consumidores qualquer acesso a determinadas informações, ao passo que a Diretiva 2005/29, conforme resulta do seu artigo 1.°, tem por objetivo «contribuir para o funcionamento correto do mercado interno e alcançar um elevado nível de defesa dos consumidores».

63      Todavia, segundo jurisprudência constante do Tribunal de Justiça, qualquer medida nacional num domínio que foi objeto de uma harmonização exaustiva a nível da União deve ser apreciada à luz das disposições dessa medida de harmonização e não das disposições do direito primário (v. acórdão Gysbrechts e Santurel Inter, C‑205/07, EU:C:2008:730, n.° 33 e jurisprudência referida).

64      Tendo a Diretiva 2005/29 procedido, como já foi referido no n.° 55 do presente acórdão, a uma harmonização completa da regulamentação em matéria de práticas comerciais desleais, as medidas nacionais em causa devem, por conseguinte, ser apreciadas apenas à luz das disposições da referida diretiva, e não do artigo 28.° TFUE.

65      O acórdão GB‑INNO‑BM (EU:C:1990:102), invocado pelo Reino da Bélgica, não tem influência a este propósito, uma vez que dizia respeito a um domínio que, à época, ainda não tinha sido harmonizado.

66      Resulta do exposto que a segunda acusação invocada pela Comissão é procedente.

 Quanto à terceira acusação

 Argumentos das partes

67      A Comissão observa, por um lado, que o artigo 4.°, n.° 3, da Lei de 25 de junho de 1993 continua a proibir em princípio, com exceção de determinados produtos e serviços, qualquer venda ambulante quando esta for efetuada em casa do consumidor para produtos ou serviços de um valor total superior a 250 euros por consumidor. Por outro lado, essa instituição refere que o artigo 5.°, n.° 1, do Decreto Real de 24 de setembro de 2006 proíbe a venda ambulante de um determinado número de produtos, como os metais e pedras preciosos e as pérolas finas.

68      Depois de recordar que a Diretiva 2005/29 procede a uma harmonização completa e que as práticas desleais são enumeradas de forma exaustiva no anexo I desta diretiva, essa instituição acrescenta que as proibições previstas por essas disposições nacionais não figuram no referido anexo, daí concluindo que tais vendas não podem ser proibidas de forma absoluta, mas devem, pelo contrário, ser objeto de um exame caso a caso para determinar se constituem ou não práticas abusivas que devem ser proibidas.

69      O Reino da Bélgica alega, em substância, que tanto o artigo 5.°, n.° 1, do Decreto Real de 24 de setembro de 2006 como o artigo 4.°, n.° 3, da Lei de 25 de junho de 1993 estão abrangidos pelo âmbito de aplicação da Diretiva 85/577 e constituem medidas nacionais mais restritivas, autorizadas no âmbito da referida diretiva. Em particular, esse Estado‑Membro alega que a Diretiva 2005/29 veio juntar‑se às disposições da União já em vigor em matéria de proteção dos consumidores sem alterar ou limitar o alcance da Diretiva 85/577, cujo âmbito de aplicação complementa o da Diretiva 2005/29.

70      Além disso, as referidas medidas nacionais fazem parte de medidas de transposição da Diretiva 2011/83 que esse Estado‑Membro estava obrigado a adotar o mais tardar até 13 de dezembro de 2013.

 Apreciação do Tribunal

71      A título liminar, há que precisar, conforme salienta o advogado‑geral no n.° 79 das suas conclusões, que é manifesto, por um lado, que as medidas nacionais em causa sobre a proibição de certas vendas ambulantes estão abrangidas pelo âmbito de aplicação da Diretiva 2005/29, uma vez que constituem práticas comerciais na aceção do artigo 2.°, alínea d), desta diretiva, e que, por outro, são suscetíveis de serem conformes com a Diretiva 85/577 relativa à proteção dos consumidores no caso de contratos negociados fora dos estabelecimentos comerciais, cuja cláusula de harmonização mínima prevista no seu artigo 8.° permite aos Estados‑Membros adotarem ou manterem «disposições mais favoráveis à proteção do consumidor no domínio por ela abrangido».

72      O artigo 4.° da Diretiva 2005/29 opõe‑se à manutenção em vigor dessas medidas nacionais mais restritivas, sem prejuízo do artigo 3.°, n.° 5, desta diretiva, segundo o qual, «[p]or um período de seis anos após 12 de junho de 2007, os Estados‑Membros podem continuar a aplicar disposições nacionais, no domínio sujeito a uma aproximação por força da [referida] diretiva, que sejam mais restritivas ou prescritivas do que a [mesma] diretiva e que apliquem diretivas que contenham cláusulas de harmonização mínima».

73      Por conseguinte, resulta claramente do artigo 3.°, n.° 5, da Diretiva 2005/29 que os Estados‑Membros só podem continuar a aplicar disposições nacionais mais restritivas ou mais prescritivas já existentes à data da entrada em vigor da Diretiva 2005/29.

74      Ora, o artigo 4.°, n.° 3, da Lei de 25 de junho de 1993 e o artigo 5.º, n.° 1, do Decreto Real de 24 de setembro de 2006 entraram em vigor em 4 de julho de 2005 e 24 de setembro de 2006, respetivamente, ou seja, após a entrada em vigor da Diretiva 2005/29. Assim, o Reino da Bélgica não continuou a aplicar uma legislação existente à data da entrada em vigor desta diretiva.

75      Consequentemente, decorre do artigo 3.°, n.° 5, da Diretiva 2005/29 que esta diretiva se opõe à legislação nacional em causa.

76      Quanto ao argumento do Reino da Bélgica de que a regulamentação nacional em causa se baseia na Diretiva 2011/83, basta salientar que esta diretiva não estava em vigor quando do termo do prazo fixado no parecer fundamentado, em 15 de maio de 2011, de modo que esse argumento não pode ser acolhido à luz dos princípios enunciados no n.° 45 do presente acórdão.

77      Tendo em conta essas considerações, há que julgar procedente a terceira acusação invocada pela Comissão.

78      Resulta do exposto que, ao excluir os titulares de uma profissão liberal, bem como os dentistas e os fisioterapeutas, do âmbito de aplicação da Lei de 14 de julho de 1991, que transpôs para o direito interno a Diretiva 2005/29, ao manter em vigor os artigos 20.°, 21.° e 29.° da Lei de 6 de abril de 2010 e ao manter em vigor o artigo 4.°, n.° 3, da Lei de 25 de junho de 1993 e o artigo 5.°, n.° 1, do Decreto Real de 24 de setembro de 2006, o Reino da Bélgica não cumpriu as obrigações que lhe incumbem por força dos artigos 2.°, alíneas b) e d), 3.° e 4.° da Diretiva 2005/29.

 Quanto às despesas

79      Nos termos do artigo 138.°, n.° 1, do Regulamento de Processo do Tribunal de Justiça, a parte vencida é condenada nas despesas se a parte vencedora o tiver requerido. Tendo a Comissão pedido a condenação do Reino da Bélgica e tendo este sido vencido, há que condená‑lo nas despesas.

Pelos fundamentos expostos, o Tribunal de Justiça (Terceira Secção) decide:

1)      O Reino da Bélgica

–        ao excluir os titulares de uma profissão liberal, bem como os dentistas e os fisioterapeutas, do âmbito de aplicação da Lei de 14 de julho de 1991 sobre as práticas comerciais e sobre a informação e a proteção do consumidor, conforme alterada pela Lei de 5 de junho de 2007, que transpôs para o direito interno a Diretiva 2005/29/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 11 de maio de 2005, relativa às práticas comerciais desleais das empresas face aos consumidores no mercado interno e que altera a Diretiva 84/450/CEE do Conselho, as Diretivas 97/7/CE, 98/27/CE e 2002/65/CE do Parlamento Europeu e do Conselho e o Regulamento (CE) n.° 2006/2004 do Parlamento Europeu e do Conselho («diretiva sobre as práticas comerciais desleais»);

–        ao manter em vigor os artigos 20.°, 21.° e 29.° da Lei de 6 de abril de 2010 relativa às práticas do mercado e à proteção do consumidor; e

–        ao manter em vigor o artigo 4.°, n.° 3, da Lei de 25 de junho de 1993 relativa ao exercício e à organização de atividades ambulantes e feirantes, conforme alterada pela Lei de 4 de julho de 2005, e o artigo 5.°, n.° 1, do Decreto Real de 24 de setembro de 2006 relativo ao exercício e à organização de atividades ambulantes;

não cumpriu as obrigações que lhe incumbem por força dos artigos 2.°, alíneas b) e d), 3.° e 4.° da Diretiva 2005/29.

2)      O Reino da Bélgica é condenado nas despesas.

Assinaturas


* Língua do processo: francês.