Language of document : ECLI:EU:T:1998:74

ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DE PRIMEIRA INSTÂNCIA (Segunda Secção)

28 de Abril de 1998 (1)

«Responsabilidade extracontratual por facto lícito — Regulamento n.° 2340/90 — Embargo ao comércio com o Iraque — Lesão de um direito equivalente a uma expropriação — Responsabilidade por acto ilícito — Prejuízo»

No processo T-184/95,

Dorsch Consult Ingenieurgesellschaft mbH, sociedade de direito alemão com sede em Munique (Alemanha), representada por Karl M. Meessen, professor, com domicílio escolhido no Luxemburgo no escritório do advogado Patrick Kinsch, 100, boulevard de la Pétrusse,

demandante,

contra

Conselho da União Europeia, representado inicialmente por Yves Crétien, consultor jurídico, e depois por Stephan Marquardt e Antonio Tanca, membros do Serviço Jurídico, na qualidade de agentes, com domicílio escolhido no Luxemburgo no gabinete de Alessandro Morbilli, director-geral da Direcção dos Assuntos Jurídicos do Banco Europeu de Investimento, 100, boulevard Konrad Adenauer,

e

Comissão das Comunidades Europeias, representada por Peter Gilsdorf e Allan Rosas, consultores jurídicos principais, e Jörn Sack, consultor jurídico, na qualidade

de agentes, com domicílio escolhido no Luxemburgo no gabinete de Carlos Gómez de la Cruz, membro do Serviço Jurídico, Centre Wagner, Kirchberg,

demandados,

que tem por objecto um pedido de indemnização pelos prejuízos alegadamente sofridos pela demandante em consequência da adopção do Regulamento (CEE) n.° 2340/90 do Conselho, de 8 de Agosto de 1990, que impede as trocas comerciais da Comunidade no que diz respeito ao Iraque e ao Koweit (JO L 213, p. 1),

O TRIBUNAL DE PRIMEIRA INSTÂNCIA

DAS COMUNIDADES EUROPEIAS (Segunda Secção),

composto por: C. W. Bellamy, presidente, A. Kalogeropoulos e V. Tiili, juízes,

secretário: H. Jung,

vistos os autos e após a audiência de 19 de Junho de 1997,

profere o presente

Acórdão

Matéria de facto na origem do processo

1.
    A demandante Dorsch Consult Ingenieurgesellschaft mbH (a seguir «Dorsch Consult») é uma sociedade por quotas de direito alemão com sede em Munique (Alemanha), que tem como actividade principal a prestação de serviços de consultadoria na área da engenharia em diferentes países.

2.
    Em 30 de Janeiro de 195, a recorrente celebrou com o Ministry of Works and Housing da República do Iraque (a seguir «ministro iraquiano») um contrato através do qual se comprometeu a prestar serviços no âmbito da organização e do seguimento dos trabalhos de construção do Iraq Express Way n.° 1. Este contrato, celebrado por um período mínimo de seis anos, foi posteriormente renovado por diversas vezes, tendo em conta as necessidades da execução e do seguimento dos trabalhos acima referidos. O artigo X do mesmo contrato prevê, além de outras coisas, que, em caso de divergências relativamente à interpretação das suas disposições ou de incumprimento das obrigações que dele resultam, as partes contraentes devem procurar encontrar uma solução aceitável através da

concertação (artigo X, n.° 1). No caso de se manterem as divergências, o diferendo deve ser submetido ao Planning Board, cuja decisão é definitiva e vinculativa. Todavia, nenhuma decisão adoptada no âmbito do contrato em causa pode impedir as partes contraentes de submeter igualmente o diferendo aos tribunais iraquianos competentes (artigo X, n.° 2).

3.
    Conforme decorre do processo, os créditos ainda não pagos, de que, no início de 1990, a recorrente era titular sobre as autoridades iraquianas, resultantes dos serviços prestados no âmbito do contrato acima referido, foram reconhecidos em duas cartas de 5 e 6 de Fevereiro de 1990, dirigidas pelo ministro iraquiano ao banco iraquiano Rafidian Bank (a seguir «banco Rafidian») dando ordem para transferir para a conta da demandante os montantes que lhe são devidos.

4.
    Em 2 de Agosto de 1990, o Conselho de Segurança das Nações Unidas adoptou a resolução n.° 660 (1990), na qual deu por verificada uma ruptura da paz e segurança internacionais em consequência da invasão do Koweit pelo Iraque e exigiu a retirada imediata e incondicional das forças iraquianas do território do Koweit.

5.
    Em 6 de Agosto de 1990, o Conselho de Segurança das Nações Unidas adoptou a resolução n.° 661 (1990), na qual declarou estar «consciente das responsabilidades que lhe incumbem nos termos da carta das Nações Unidas no que respeita à manutenção da paz e da segurança internacionais» e, constatando que a República do Iraque (a seguir «Iraque») não respeitou a resolução n.° 660 (1990), decidiu a instauração de um embargo ao comércio com o Iraque e o Koweit.

6.
    Em 8 de Agosto de 1990, o Conselho, referindo-se à «grave situação resultante da invasão do Koweit pelo Iraque» e à resolução n.° 661 (1990) do Conselho de Segurança das Nações Unidas, adoptou, mediante proposta da Comissão, o Regulamento (CEE) n.° 2340/90, que impede as trocas comerciais da Comunidade no que diz respeito ao Iraque e ao Koweit (JO L 213, p. 1).

7.
    O artigo 1.° do Regulamento n.° 2340/90 proíbe, a partir de 7 de Agosto de 1990, a introdução no território da Comunidade de qualquer produto originário ou proveniente do Iraque ou do Koweit, bem como a exportação para esses países de qualquer produto originário ou proveniente da Comunidade. O artigo 2.° do mesmo regulamento proíbe, a partir de 7 de Agosto de 1990, a) qualquer actividade ou transacção comercial, incluindo qualquer operação relativa a transacções já celebradas ou parcialmente executadas, que tenha por objecto ou por efeito favorecer a exportação de qualquer produto originário ou proveniente do Iraque ou do Koweit, b) a venda ou o fornecimento de qualquer produto, seja qual for a sua origem ou proveniência, a toda e qualquer pessoa singular ou colectiva que se encontre no Iraque ou no Koweit, ou a toda e qualquer outra pessoa singular ou colectiva para efeitos de actividade comercial de qualquer natureza, conduzida no

ou a partir do território do Iraque ou do Koweit, e c) qualquer actividade que tenha por objecto ou por efeito favorecer essas vendas ou esses fornecimentos.

8.
    Conforme resulta dos autos, em 16 de Setembro de 1990 o «conselho superior da revolução da República do Iraque», invocando as «decisões arbitrárias de determinados governos», adoptou, com efeito retroactivo a 6 de Agosto de 1990, a lei n.° 57, relativa à protecção do património, dos interesses e dos direitos iraquianos no interior e exterior do Iraque (a seguir «lei n.° 57»). O artigo 7.° da referida lei congelou todos os bens e haveres bem como os rendimentos pelos mesmos produzidos de que, na época, dispunham os governos, empresas, sociedades e bancos dos Estados que adoptaram as referidas «decisões arbitrárias» contra o Iraque.

9.
    Dado que não recebeu o pagamento dos seus créditos da parte das autoridades iraquianas, conforme foi reconhecido nas cartas acima referidas do ministro iraquiano, de 5 e 6 de Fevereiro de 1990 (v. supra n.° 3), a demandante, por cartas de 4 de Agosto de 1995, dirigiu-se ao Conselho e à Comissão solicitando que a indemnizassem dos prejuízos sofridos pelo facto de os referidos créditos se terem tornado incobráveis pela aplicação da lei n.° 57, na medida em que a referida lei foi adoptada como retaliação ao Regulamento n.° 2340/90 adoptado pela Comunidade. Nas referidas cartas, a demandante alega que o legislador comunitário é obrigado a indemnizar os operadores lesados pela instauração do embargo ao Iraque e que a omissão de o fazer responsabiliza a Comunidade nos termos do artigo 215.°, segundo parágrafo, do Tratado CE. A demandante acrescenta que, como medida de precaução, registou os seus créditos sobre o Iraque na United Nations Iraq Claims Compensation Commission.

10.
    Por carta de 20 de Setembro de 1995, o Conselho indeferiu o pedido de indemnização apresentado pela demandante.

11.
    Foi nestas circunstâncias que, por petição inicial entrada na Secretaria do Tribunal de Primeira Instância em 6 de Outubro de 1995, a demandante propôs a presente acção.

12.
    Com base no relatório do juiz-relator, o Tribunal (Segunda Secção) decidiu iniciar a fase oral do processo sem instrução. No âmbito das medidas de organização do processo, as partes foram, porém, convidadas a responder por escrito a determinadas questões.

13.
    Foram ouvidas as alegações das partes e as suas respostas às questões orais do Tribunal na audiência pública de 19 de Junho de 1997.

Pedidos das partes

14.
    A demandante conclui pedindo que o Tribunal se digne:

—    condenar a Comunidade a pagar-lhe o montante de 2 279 859,69 DM, acrescidos de juros à taxa de 8% ao ano, a contar de 9 de Agosto de 1990, a título de contrapartida pela cessão do saldo do crédito de igual montante de que é titular sobre o Iraque;

—    condenar os demandados nas despesas,

—    declarar o acórdão exequível;

—    subsidiariamente, declarar o acórdão provisoriamente exequível mediante apresentação de garantia bancária.

15.
    O Conselho conclui pedindo que o Tribunal se digne:

—    julgar a acção inadmissível;

—    se assim se não entender, julgá-la improcedente;

—    condenar a demandante nas despesas.

16.
    A Comissão conclui pedindo que o Tribunal se digne:

—    julgar a acção improcedente;

—    condenar a demandante nas despesas.

Quanto à admissibilidade

Fundamentos e argumentos das partes

17.
    O Conselho, sem levantar formalmente uma questão prévia de admissibilidade nos termos do artigo 114.°, n.° 1, do Regulamento de Processo, afirma que a acção é inadmissível uma vez que não pode haver lugar a responsabilidade da Comunidade relativamente aos prejuízos alegadamente sofridos pela demandante (acórdão do Tribunal de Justiça de 26 de Novembro de 1975, Grands moulins des Antilles/Comissão, 99/74, Recueil, p. 1531, Colect., p. 527).

18.
    Em primeiro lugar, o Conselho afirma que não é o Regulamento n.° 2340/90 que está na origem do prejuízo invocado, mas sim a lei n.° 57. Ao contrário do que a demandante afirma, a adopção da referida lei não foi uma «reacção directa» à adopção do Regulamento n.° 2340/90, mas, tal como resulta do seu preâmbulo, uma reacção às «decisões arbitrárias» adoptadas por «determinados governos». No entender do Conselho, foram as resoluções n.os 660 (1990) e 661 (1990) do Conselho de Segurança das Nações Unidas que, na realidade, levaram à adopção da lei n.° 57. Nestas condições, o facto de o embargo decretado pelo Conselho de

Segurança das Nações Unidas ao Iraque ser justificado pelo comportamento ilegal deste Estado (invasão do Koweit) impede que se estabeleça uma relação objectiva entre a adopção do Regulamento n.° 2340/90 e a adopção, em retaliação, da lei n.° 57 pelo Iraque e, assim, se admita a existência de um nexo de causalidade entre o regulamento comunitário e o prejuízo invocado pela demandante.

19.
    Em segundo lugar, o Conselho levanta a questão de saber se os créditos da demandante sobre as autoridades iraquianas constituem «haveres» que foram congelados nos termos do artigo 7.° da lei n.° 57 (v. supra n.° 8). Em especial, a demandante não demonstrou que foi por aplicação da lei n.° 57 que o banco Rafidian recusou dar cumprimento às ordens de transferência dadas pelo ministro iraquiano. O Conselho salienta que as ordens de transferência em questão foramdadas por cartas do ministro iraquiano de 5 e 6 de Fevereiro de 1990, ou seja, muito antes da adopção da lei n.° 57, que teve lugar em Setembro de 1990.

20.
    Em terceiro lugar, o Conselho afirma que, mesmo na hipótese de ter sido por aplicação da lei n.° 57 que as autoridades iraquianas recusaram o pagamento das dívidas à demandante, na ausência de qualquer medida comunitária ou nacional que proibisse a transferência de fundos do Iraque para a Alemanha, foi apenas a referida lei que esteve na origem do prejuízo invocado pela recorrente. A situação da recorrente é, por isso, diferente da de outros operadores alemães que sofreram prejuízos devido às medidas nacionais alemãs que, nos termos do Regulamento n.° 2340/90, proibiam toda e qualquer transacção comercial com o Iraque.

21.
    Por sua parte, a Comissão considera que a jurisprudência do Tribunal de Justiça em matéria de responsabilidade extracontratual não permite, em princípio, com base nos artigos 178.°, e 215.°, segundo parágrafo, do Tratado, a propositura de uma acção de indemnização com base na responsabilidade da Comunidade por facto lícito. Contudo, a Comissão considera que deveria existir uma base jurídica no Tratado que permitisse a um particular accionar a Comunidade com base na responsabilidade desta por facto lícito.

22.
    A demandante afirma que a acção é admissível e que as considerações de direito e de facto desenvolvidas pelo Conselho, designadamente as relativas à ausência de nexo de causalidade entre a adopção do Regulamento n.° 2340/90 e a impossibilidade de a demandante cobrar os seus créditos sobre as autoridades iraquianas, têm a ver com o mérito da causa e não com a admissibilidade da acção.

Apreciação do Tribunal

23.
    O Tribunal salienta que a demandante descreve na petição claramente a natureza e a dimensão do prejuízo invocado, bem como as razões pelas quais considera que existe um nexo de causalidade entre o referido prejuízo e a adopção do Regulamento n.° 2340/90. Assim, a petição contém elementos suficientes para satisfazer os requisitos da admissibilidade exigidos nesta matéria pelo artigo 44.°, n.° 1, alínea c), do Regulamento de Processo e pela jurisprudência, devendo os

argumentos do Conselho relativos à existência e natureza do prejuízo invocado e ao nexo de causalidade, por estarem ligados à apreciação da procedência da acção, ser, consequentemente, analisados no âmbito da mesma. Daqui resulta que a acção deve ser julgada admissível (acórdãos do Tribunal de Primeira Instância de 16 de Abril de 1997, Saint e Murray/Conselho e Comissão, T-554/93, Colect., p. II-563, n.° 59, e de 10 de Julho de 1997, Guérin automobiles/Comissão, T-38/96, Colect., p. II-1223, n.° 42).

Quanto ao mérito

24.
    A demandante afirma que, na medida em que a lei n.° 57 teve origem na adopção do Regulamento n.° 2340/90, que instaurou um embargo ao comércio com o Iraque, a Comunidade é obrigada a indemnizá-la pelos prejuízos sofridos em consequência da recusa das autoridades iraquianas de pagar as dívidas que têm para consigo. A demandante afirma que a responsabilidade da Comunidade pelo prejuízo desta forma suportado assenta, a título principal, no princípio da responsabilidade da Comunidade por facto lícito, devido a uma lesão dos seus direitos patrimoniais que equivale a uma expropriação e, a título subsidiário, no princípio da responsabilidade da Comunidade por facto ilícito, uma vez que a ilegalidade em questão consiste, no presente processo, no facto de o legislador comunitário, ao adoptar o Regulamento n.° 2340/90, não prever uma indemnização pelos prejuízos causados pelo referido regulamento às empresas afectadas.

Quanto à responsabilidade da Comunidade por facto lícito

Argumentos das partes

Quanto ao fundamento da responsabilidade da Comunidade por facto lícito

25.
    A título liminar, a demandante afirma que, em conformidade com o artigo 1.° do Protocolo adicional n.° 1, anexo à Convenção Europeia para a Protecção dos Direitos do Homem e das Liberdades Fundamentais (a seguir «CEDH»), bem como com os princípios gerais de direito internacional relativos à obrigação de indemnização das ofensas à propriedade, o § 14, n.° 3, da Grundgesetz (constituição alemã) prevê que uma expropriação decidida no interesse geral só pode ser efectuada mediante o pagamento de uma indemnização. No entender da demandante, idêntica regra se aplica também no caso de «uma ofensa que equivale a uma expropriação», relativamente à qual, segundo a jurisprudência alemã, existe a obrigação de pagamento de uma indemnização quando actos estatais lícitos, que não constituam medidas formais de expropriação, tiverem, contudo, como consequência acessória a ofensa de direitos patrimoniais.

26.
    Por outro lado, resulta da jurisprudência do Tribunal Europeu dos Direitos do Homem que os créditos se enquadram também na noção de propriedade protegida contra ofensas equiparáveis a uma expropriação nos termos do artigo 1.° do

Protocolo n.° 1 da CEDH (acórdão do Tribunal Europeu dos Direitos do Homem de 9 de Dezembro de 1994, Raffineries grecques Stan e Stratis Andreadis/Grécia). Idêntica solução é, por outro lado, consagrada pela jurisprudência em matéria de direito internacional público bem como pelo direito dos Estados-Membros.

27.
    Com base nestas considerações, a demandante afirma que o facto de os seus créditos preexistentes e não contestados se terem tornado incobráveis por aplicação da lei n.° 57, adoptada como medida de retaliação à instauração de um embargo ao Iraque pelo Regulamento n.° 2340/90, lhe causou um prejuízo «efectivo e actual» que tem de ser indemnizado pela Comunidade.

28.
    A demandante afirma que o seu pedido de indemnização por ofensa lícita dos seus direitos patrimoniais se justifica pela consideração de que a sua contribuição para os custos da política de embargo aplicada pela Comunidade não deve ser mais pesada do que a dos restantes contribuintes comunitários que devem, também, suportar os referidos custos, nos termos do princípio da igualdade de tratamento (acórdão do Tribunal de Justiça de 5 de Março de 1980, Ferwerda, 265/78, Recueil, pp. 617, 628).

29.
    Ao argumentos dos demandados de que se trata, no presente processo, de uma medida comunitária que se enquadra nas opções de política económica, pelo que o prejuízo que a demandante invoca não ultrapassa os limites inerentes aos riscos das actividades económicas no domínio em causa e também não ameaça a sua existência como empresa, responde a demandante que a questão de saber se o embargo instaurado contra o Iraque constitui uma medida de política económica ou de política de segurança que ameaça a sua existência é irrelevante, uma vez que não se trata, no presente processo, de prejuízos económicos futuros, mas de uma ofensa de direitos de propriedade preexistentes. No que respeita à questão de saber se, ao prestar serviços no Iraque, assumiu conscientemente o risco de não poder posteriormente cobrar os seus créditos, a demandante recorda que o contrato que celebrou em 1975 com as autoridades iraquianas é quatro anos anterior ao actual regime do Iraque e cinco anos anterior à guerra entre o Iraque e o Irão.

30.
    A título liminar, o Conselho afirma que as condições para que se verifique a responsabilidade da Comunidade por facto lícito têm de ser mais estritas do que as aplicáveis no âmbito da responsabilidade por facto ilícito.

31.
    O Conselho observa que, segundo a jurisprudência sobre a matéria, as condições para que se verifique a responsabilidade por facto lícito pressupõem que um particular suporte, em benefício do interesse geral, um encargo que normalmente não lhe incumbiria (acórdão do Tribunal de Justiça de 24 de Junho de 1986, Développement SA e Clemessy/Comissão, 267/82, Colect., p. 1907), ou que um grupo particular de empresas especializadas em determinados produtos assuma uma parte desproporcionada dos encargos resultantes da adopção pela Comunidade de determinadas medidas económicas (acórdão do Tribunal de Justiça

de 29 de Setembro de 1987, De Boer Buizen/Conselho e Comissão, 81/86, Colect., p. 3677).

32.
    Ora, no entender do Conselho, nenhuma destas condições foi preenchida no presente processo. Quanto à afirmação da demandante de que não é admissível que a mesma contribua mais do que os restantes operadores económicos para os custos da política de embargo ao Iraque pelo simples facto de os seus créditos não terem ainda sido regularizados no momento da aplicação da referida política, o Conselho responde que não compete à Comunidade indemnizar os «azares» dos operadores envolvidos em transacções que implicam riscos económicos.

33.
    A Comissão salienta que o conceito do direito alemão de «sacrifício especial» («Sonderopfer»), no qual a demandante baseia o seu pedido de indemnização, pressupõe que um particular tenha sofrido um prejuízo especial e não é transponível nos mesmos termos para o direito comunitário. Além disso, é duvidoso que a demandante possa ser considerada como fazendo parte de um grupo de empresas suficientemente definido que tenha feito um «sacrifício especial» na acepção da referida doutrina.

34.
    A Comissão salienta que as referências que a demandante faz à jurisprudência alemã dizem respeito a ofensas à propriedade imobiliária ou comercial em consequência da adopção de medidas estatais em matéria de construção ou de emparcelamento de terrenos e não são, por isso, comparáveis ao presente caso. Do mesmo modo, a jurisprudência do Tribunal Europeu dos Direitos do Homem em matéria de protecção do direito de propriedade, referida pela demandante (v. supra n.° 29) diz respeito, de facto, à privação directa da propriedade por actos do poder público e não às consequências indirectas de actos jurídicos lícitos adoptados pela Comunidade, como sucede no presente caso.

35.
    Por outro lado, como resulta da jurisprudência sobre a matéria, só se verifica a responsabilidade da Comunidade por facto lícito se o prejuízo invocado não for previsível ou não puder ser evitado por um operador económico diligente. Ora, a previsibilidade da insolvência e/ou da recusa de pagamento por parte do Iraque é, no caso concreto, manifesta, tendo em conta, por um lado, o contexto geral e, por outro, a situação especial deste país. No entender da Comissão, empresas como a demandante, que não puderam obter garantias de organismos públicos ou de companhias de seguros para cobrir os riscos decorrentes de transacções comerciais com países considerados «de alto risco», aceitaram conscientemente os riscos acrescidos daí resultantes.

36.
    Por último, a recorrente não invocou qualquer circunstância susceptível de afectar de modo grave o seu funcionamento e de pôr em causa a respectiva sobrevivência como empresa (v. conclusões do advogado-geral C. O. Lenz nos processos apensos 279/84, 280/84, 285/84 e 286/84, acórdão do Tribunal de Justiça de 11 de Março de 1987, Rau e o./Comissão, Colect., pp. 1069, 1084, 1114).

Quanto ao nexo de causalidade

37.
    A demandante afirma que o prejuízo invocado foi causado pela adopção do Regulamento n.° 2340/90, que instaurou um embargo ao Iraque, uma vez que a recusa das autoridades iraquianas de efectuar o pagamento dos seus créditos está em conformidade com a lei n.° 57, que foi adoptada em retaliação ao referido regulamento. Ao contrário do que o Conselho afirma, a adopção pelo Iraque da lei n.° 57 não constitui uma consequência «remota» na acepção da jurisprudência (acórdão do Tribunal de Justiça de 4 de Outubro de 1979, Dumortier Frères/Conselho, 64/76, 113/76, 167/78, 239/78, 27/79, 28/79 e 45/79, Recueil, p. 3091), mas sim uma consequência típica e previsível de um acto de aplicação de um embargo.

38.
    A este respeito, a demandante afirma que, na adopção do Regulamenton.° 2340/90, tanto a Comissão como o Conselho tomaram efectivamente em conta os custos e outras consequências resultantes da eventual suspensão por parte do Iraque do pagamento das suas dívidas vencidas às empresas comunitárias. Em apoio desta afirmação, a demandante oferece como testemunhas o anterior presidente da Comissão, J. Delors, e o anterior presidente do Conselho, De Michelis, e requer ao Tribunal que ordene ao Conselho e à Comissão que apresentem todos os actos preparatórios do Regulamento n.° 2340/90 (acórdão do Tribunal de Primeira Instância de 19 de Outubro de 1995, Carvel e Guardian Newspapers/Conselho, T-194/94, Colect., p. II-2765).

39.
    No entender da demandante, o argumento dos demandados nos termos do qual o prejuízo invocado não se deveu à adopção do Regulamento n.° 2340/90, mas apenas ao facto de, já antes da adopção do referido regulamento, e mesmo antes da invasão do Koweit em 2 de Agosto de 1990, o Iraque não poder pagar as suas dívidas, é contrariado pelo facto de, em Abril e Maio de 1990, as autoridades iraquianas terem transferido para a demandante um montante de cerca de 200 000 DM como pagamento dos serviços prestados. Do mesmo modo, o atraso com que as autoridades iraquianas procederam ao pagamento em divisas de diversas facturas explica-se apenas pelas dificuldades burocráticas que a administração iraquiana defrontou, e não pela alegada insolvência do Iraque.

40.
    A demandante rejeita o argumento do Conselho nos termos do qual a impossibilidade de cobrar os seus créditos se não deve ao Regulamento n.° 2340/90, mas a uma causa mais remota, ou seja a invasão do Koweit pelo Iraque, em violação do direito internacional público. O facto de o embargo comunitário contra o Iraque se justificar por um prévio comportamento ilícito deste Estado não exclui a obrigação da Comunidade de indemnizar terceiros por uma lesão dos seus direitos que equivale a uma expropriação. A existência da relação directa invocada no presente processo também não é posta em questão pelo facto de o prejuízo sofrido ser devido a uma causa ilegal, ou seja a lei n.° 57, adoptada em retaliação a um acto anterior lícito, ou seja, a adopção do Regulamento n.° 2340/90 (acórdão

do Tribunal de Justiça de 7 de Novembro de 1985, Adams/Comissão, 145/83, Recueil, p. 3539).

41.
    No que respeita ao argumento do Conselho de que, em última análise, foram as resoluções adoptadas pelo Conselho de Segurança das Nações Unidas que deram origem ao prejuízo, a demandante responde que as resoluções do Conselho de Segurança das Nações Unidas não têm efeito directo nos ordenamentos jurídicos dos Estados-Membros.

42.
    Quanto à questão levantada pelos demandados de saber se, por um lado, os créditos da demandante constituem efectivamente um «haver» na acepção da lei n.° 57 e, por outro, se a referida lei ainda está em vigor, a demandante afirma que o que importa é facto de as autoridades iraquianas continuarem a recusar o pagamento das suas dívidas.

43.
    Por último, a demandante afirma que, ao contrário do que alega o Conselho, o facto de o Regulamento n.° 2340/90 dizer unicamente respeito às exportações e importações de mercadorias, e não à prestação de serviços, não tem consequências para a apreciação da existência do nexo de causalidade, uma vez que foi por causa da adopção do referido regulamento que as autoridades iraquianas recusaram o pagamento dos créditos da demandante.

44.
    O Conselho afirma que, mesmo que os créditos que a demandante tem sobre o Iraque devam ser considerados incobráveis e que, por esse motivo, a demandante tenha sofrido um prejuízo, não existe qualquer nexo, ou pelo menos, nexo «suficientemente directo» entre o referido prejuízo e a adopção do Regulamento n.° 2340/90.

45.
    No entender do Conselho, a recusa do Iraque de proceder ao pagamento dos créditos da demandante não se deve à aplicação da lei n.° 57, enquanto retaliação ao Regulamento n.° 2340/90, mas sim às dificuldades financeiras que o Iraque defronta devido à sua política de agressão para com os Estados vizinhos. Além disso, na medida em que no momento da adopção da lei n.° 57 as autoridades iraquianas não tinham ainda efectuado a transferência de fundos para uma conta bancária da demandante, nenhum «bem» ou «haver» pertencente à demandante foi congelado na acepção estrita do disposto na mesma lei.

46.
    Na hipótese de o prejuízo invocado pela demandante ser considerado como devido à aplicação da lei n.° 57, o Conselho considera, contrariamente ao que afirma a demandante, que não foi o Regulamento n.° 2340/90 que esteve na origem da adopção da referida lei, mas sim as resoluções n.os 660 (1990) e 661 (1990) do Conselho de Segurança das Nações Unidas, que decretaram a instauração de um embargo ao Iraque que a Comunidade era juridicamente obrigada a aplicar. Daqui resulta que a adopção da lei n.° 57 não pode ser considerada como consequência

«suficientemente directa» da adopção do Regulamento n.° 2340/90, na acepção da jurisprudência sobre a matéria.

47.
    Por outro lado, o nexo de causalidade invocado não existe, uma vez que, numa perspectiva histórica dos factos, a lei n.° 57 não pode ser considerada como «reacção» do Iraque às medidas de embargo decretadas pelo Conselho de Segurança das Nações Unidas e aplicadas pela Comunidade através do Regulamento n.° 2340/90, dado que as medidas contra o Iraque foram adoptadas em consequência de anteriores violações do direito internacional público cometidas pelo referido país.

48.
    Por último, o Conselho afirma que, dado que o objecto do Regulamento n.° 2340/90 é proibir as importações e exportações de mercadorias e não proibir aos operadores económicos comunitários que recebam o pagamento dos créditos de que já eram titulares sobre as autoridades iraquianas, não há qualquer nexo de causalidade suficientemente directo entre a adopção do referido regulamento e o prejuízo invocado.

49.
    A Comissão afirma que o prejuízo invocado pela demandante resulta unicamente da lei n.° 57, e não da adopção do Regulamento n.° 2340/90, uma vez que este apenas serviu de pretexto ao Iraque para suspensão do pagamento das suas dívidas, devido às dificuldades com que deparava e à má situação financeira em que se encontrava, causada pelas suas actividades bélicas na região e pela sua política armamentista.

50.
    Além disso, resulta dos artigos 5.° e 7.° da lei n.° 57 que o Iraque não se recusou, em definitivo, a proceder ao pagamento dos créditos da demandante, o que explica que a demandante tenha proposto aos demandados ceder-lhes os seus créditos como contrapartida de uma indemnização, pelo que, também por essa razão, não existe qualquer relação directa entre o prejuízo invocado e o Regulamento n.° 2340/90. Em qualquer caso, mesmo que a existência de um nexo indirecto de causalidade pudesse bastar para se verificar a responsabilidade extracontratual da Comunidade, não é menos verdade que esse nexo careceria de relevância no caso de, como no presente processo, se referir a um comportamento lícito (a adopção pelo Conselho do Regulamento n.° 2340/90) o qual, deu lugar, consequentemente, a um comportamento ilícito por parte de um terceiro (a adopção pelo Iraque da lei n.° 57).

51.
    A Comissão acrescenta que, por carta enviada ao presidente do Conselho de Segurança das Nações Unidas em 28 de Fevereiro de 1991, o Iraque reconheceu formalmente a legalidade da resolução n.° 660 (1990) do Conselho de Segurança das Nações Unidas, bem como a das restantes resoluções que levaram à adopção da lei n.° 57, e que a referida lei foi finalmente revogada em 3 de Março de 1991, pelo que, a partir daquela data, a demandante podia solicitar às autoridades iraquianas o pagamento dos seus créditos.

52.
    Quanto ao pedido de inquirição na qualidade de testemunhas do seu anterior presidente e do anterior presidente do Conselho, a Comissão salienta que a referida inquirição carece de interesse, uma vez que as provas a apresentar pela demandante não podem consistir em declarações das pessoas em questão.

Quanto ao prejuízo

53.
    A demandante afirma que sofreu um prejuízo «efectivo e actual» na acepção da jurisprudência em matéria de responsabilidade extracontratual da Comunidade, devido ao facto de os seus créditos sobre o Iraque se tornarem incobráveis em consequência da adopção do Regulamento n.° 2340/90. A circunstância de ter proposto aos demandados ceder-lhes os seus créditos, como contrapartida da indemnização solicitada, nada retira à existência do prejuízo, pois apenas tinha em vista evitar o enriquecimento sem causa da sua parte. No caso de os demandados entenderem pôr em causa tanto a existência dos seus créditos sobre o Iraque como a impossibilidade da respectiva cobrança, a demandante oferece como prova certificados que podem ser apresentados pelo seu director comercial, Hartwig von Bredow, e pelo seu representante na época em Bagdade, Wolfang Johner. A demandante esclarece que, se não deu explicações sobre as razões pelas quais as autoridades iraquianas recusaram o pagamento dos seus créditos, foi porque não as recebeu, tanto mais que o embargo comunitário à prestação de serviços no Iraque [Regulamento (CEE) n.° 3155/90 do Conselho, de 29 de Outubro de 1990, que amplia e altera o Regulamento (CEE) n.° 2340/90 (JO L 304, p. 1, a seguir «Regulamento n.° 3155»] a impedia de mandatar representantes legais no Iraque.

54.
    A demandante calcula o montante do seu prejuízo em 2 279 859,69 DM, valor que corresponde aos créditos que o ministério iraquiano reconheceu por cartas de 5 e 6 de Fevereiro de 1990, ordenando o respectivo pagamento, montantes esses que, todavia, ainda não recebeu.

55.
    A demandante afirma que, nos termos da jurisprudência do Tribunal Europeu dos Direitos do Homem, a fixação do montante da sua indemnização deve conduzir a um justo equilíbrio entre as exigências do interesse geral da Comunidade, por um lado, e os imperativos da salvaguarda dos direitos fundamentais do indivíduo, por outro. A demandante considera que isto não exclui, contudo, que a indemnização possa cobrir o montante total dos créditos tornados incobráveis em consequência da adopção de uma medida estatal, incluindo todos os juros devidos a contar do respectivo início (acórdão Raffineries grecques Stan e Stratis Andreadis/Grécia, já referido). Efectivamente, o direito alemão permite obter indemnização de todas as perdas financeiras causadas por uma «lesão dum direito que equivale a uma expropriação». O mesmo sucede na jurisprudência do Tribunal Europeu dos Direitos do Homem. A Comunidade deve, assim, ser condenada a pagar à demandante, contra a cessão dos créditos que a mesma detém sobre o Iraque, uma indemnização correspondente ao montante dos seus créditos, incluindo os juros

devidos. Contudo, a demandante não exclui que a indemnização solicitada possa ser reduzida em função das circunstâncias do caso concreto.

56.
    O Conselho afirma que as medidas adoptadas pelo Iraque e, designadamente, a lei n.° 57, tiveram como efeito apenas retardar o pagamento dos créditos da demandante, pelo que, do ponto de vista jurídico, a demandante não sofreu um prejuízo «efectivo e actual» na acepção da jurisprudência sobre a matéria, o que resulta, por outro lado, do facto de a mesma estar pronta a ceder os seus créditos às instituições comunitárias mediante uma indemnização pelo prejuízo alegadamente sofrido.

57.
    Por outro lado, resulta da carta que a demandante enviou ao Conselho em 4 de Agosto de 1994 que aquela procedeu ao registo dos seus créditos junto das autoridades administrativas competentes na Alemanha, a fim de os poder invocar na Claims Commission, instituída pela Organização das Nações Unidas (a seguir «ONU») para regularizar a questão dos danos económicos sofridos pelos operadores em consequência da instauração do embargo ao Iraque, o que demonstra que a existência de um prejuízo para a demandante irá depender, afinal, do eventual levantamento pela ONU do embargo ao Iraque.

58.
    A Comissão afirma que o montante exacto do prejuízo sofrido não está actualmente assente, uma vez que, do ponto de vista jurídico, os créditos da demandante não deixaram de existir, e rejeita a proposta da mesma de ceder os seus créditos mediante uma indemnização a conceder pela Comunidade.

Apreciação do Tribunal

59.
    A título liminar, o Tribunal recorda, em primeiro lugar, que a verificação da responsabilidade extracontratual da Comunidade por facto ilícito ou lícito pressupõe, em qualquer hipótese, a demonstração da realidade do prejuízo alegadamente sofrido e a existência de um nexo de causalidade entre o prejuízo e aquele facto (acórdãos do Tribunal de Justiça de 29 de Setembro de 1982, Oleifici Mediterranei/CEE, 26/81, Recueil, p. 3057, n.° 16, e do Tribunal de Primeira Instância de 13 de Dezembro de 1995, Exporteurs in Levende Varkens e o./Comissão, T-481/93 e T-484/93, Colect., p. II-2941, n.° 80; de 11 de Julho de 1996, International Procurement Services/Comissão, T-175/94, Colect., p. II-729, n.° 44; de 16 de Outubro de 1996, Efisol/Comissão, T-336/94, Colect., p. II-1343, n.° 30; de 11 de Julho de 1997, Oleifici Italiani/Comissão, T-267/94, Colect., p. II-1239, n.° 20, e de 229 de Janeiro de 1998, Dubois e Fils/Conselho e Comissão, T-113/96, ainda não publicado na Colectânea, n.° 54). Em segundo lugar, tratando-se, como no presente caso, da verificação da responsabilidade da Comunidade por facto lícito, o Tribunal salienta que resulta da jurisprudência sobre a matéria que, na hipótese de o direito comunitário admitir esse princípio, a existência dessa responsabilidade pressuporia, em qualquer caso, a existência de um prejuízo «anormal» e «especial» (acórdãos do Tribunal de Justiça de 13 de Junho de 1972, Compagnie d'approvisionnement et grands moulins de Paris/Comissão,

9/71 e 11/71, Recueil, p. 391, n.os 45 e 46; Colect., p. 131, de 6 de Dezembro de 1984, Biovilac/CEE, 59/83, Recueil, p. 4057, n.° 28, Développement SA e Clemessy/Comissão, já referido, n.° 33, e De Boer Buizen/Conselho e Comissão, já referido, n.os 16 e 17). Consequentemente, deve analisar-se se o prejuízo invocado existe, no sentido de que se trata de um prejuízo «real e quantificável», se o mesmo prejuízo resulta directamente da adopção pelo Conselho do Regulamento n.° 2340/90, e se o prejuízo invocado é susceptível de implicar a responsabilidade da Comunidade por facto lícito, na acepção da jurisprudência referida.

Quanto à existência do prejuízo invocado

60.
     No que respeita à questão de saber se a recorrente sofreu efectivamente um prejuízo «real e quantificável», na acepção da jurisprudência sobre a matéria (acórdãos do Tribunal de Justiça de 27 de Janeiro de 1982, Birra Wührer e o./Conselho e Comissão, 256/80, 257/80, 265/80, 267/80 e 5/81, Recueil, p. 85, n.° 9, e De Franceschi/Conselho e Comissão, 51/81, Recueil, p. 117, n.° 9; acórdãos do Tribunal de Primeira Instância de 16 de Janeiro de 1996, Candiotte/Conselho, T-108/94, Colect., p. II-87, n.° 54, de 12 de Dezembro de 1996, Scott/Comissão, T-99/95, Colect., p. II-2227, n.° 72, e de 11 de Julho de 1997, Oleifici Italiani/Comissão, já referido, n.° 74), ou seja se os créditos da demandante sobre o Iraque se tornaram definitivamente incobráveis, o Tribunal recorda, a título liminar, que, segundo jurisprudência assente, incumbe ao recorrente fornecer ao juiz comunitário os elementos susceptíveis de provar a existência do prejuízo que pretende ter sofrido (acórdão do Tribunal de Primeira Instância, de 9 de Janeiro de 1996, Koelman/Comissão, T-575/93, Colect., p. II-1, n.° 97).

61.
    Ora, deve verificar-se que, no presente processo, embora seja pacífico entre as partes que os créditos da demandante ainda não foram pagos, não é menos verdade que os elementos de prova por esta apresentados não são susceptíveis de demonstrar de modo bastante que as autoridades iraquianas se recusaram definitivamente a regularizar as suas dívidas devido à adopção do Regulamento n.° 2340/90. Efectivamente, a demandante não apresentou elementos de prova de onde resulte que contactou efectivamente, ou pelo menos que procurou contactar, as autoridades estatais iraquianas em causa ou o banco Rafidian a fim esclarecer as razões pelas quais não foram ainda executadas as ordens de pagamento dos seus créditos, transmitidas ao banco Rafidian por cartas de 5 e 6 de Fevereiro de 1990 do ministro iraquiano.

62.
    A este respeito, no âmbito das medidas de organização do processo, o Tribunal convidou a demandante a apresentar a correspondência que eventualmente tivesse mantido com as autoridades iraquianas a respeito do pagamento dos seus créditos. Nas suas respostas escritas às questões do Tribunal, a demandante admitiu não ter trocado correspondência com as autoridades iraquianas, salientando que não era do seu interesse «pôr em questão através de nova correspondência o carácter vinculativo das ordens dadas em 5 e 6 de Fevereiro pelo Ministry of Housing and

reconstruction e pelo banco Rafidian» e que «teria, por outro lado, sido inadmissível e, por isso, contraproducente, procurar acelerar a execução interna das ordens do ministério através de tomadas de posição por escrito». Ora, o facto de a demandante não ter julgado útil ou oportuno procurar «acelerar a execução administrativa interna das ordens do ministério iraquiano» não basta, por si só, para fundamentar a sua afirmação de que as autoridades iraquianas se recusaram definitivamente a satisfazer os seus créditos. Consequentemente, não se pode pôr de parte que a falta de pagamento dos seus créditos se deva a um simples atraso de natureza administrativa, a uma recusa temporária de pagamento ou à insolvência temporária ou permanente do Iraque.

63.
    Esta conclusão não pode ser posta em questão pela carta de 10 de Outubro de 1990 enviada pelo ministro iraquiano à demandante, por esta apresentada na audiência de 19 de Julho de 1997, de onde resulta, no entender da demandante, que o ministro iraquiano deu a entender, «numa linguagem diplomática», que os créditos da demandante não seriam pagos enquanto o embargo comunitário ao Iraque se mantivesse em vigor. Efectivamente, a referida carta, enviada à demandante «por ocasião da declaração de união entre a República Federal da Alemanha e a República Democrática Alemã» não se refere às relações contratuais da demandante com as autoridades iraquianas resultantes do contrato de 1975 nem, por maioria de razão, ao tipo de créditos da demandante, limitando-se a declarações de natureza geral relativas à contribuição das empresas alemãs para o «desenvolvimento de uma cooperação bilateral frutuosa» entre a Alemanha e o Iraque e aos prejuízos causados às mesmas relações pelo embargo e pelas «ameaças que pairam sobre o Iraque».

64.
    Além disso, embora a demandante, na resposta escrita à referida questão do Tribunal, tenha feito referência a determinados relatórios confidenciais elaborados pelo director adjunto da sua sucursal no Iraque, de onde resulta que as autoridades iraquianas continuam a recusar o pagamento das suas dívidas devido à manutenção do embargo comunitário, deve salientar-se que a demandante não apresentou cópias dos referidos relatórios em Tribunal.

65.
    Em qualquer caso, mesmo pressupondo que, como a demandante afirma na petição inicial, a recusa do pagamento pelo Iraque dos créditos da demandante resulte da adopção da lei n.° 57, que congelou todos os haveres das empresas estabelecidas nos Estados cujos governos adoptaram «decisões arbitrárias» a seu respeito, tais como o Regulamento n.° 2340/90, a referida lei, como os demandados salientaram nos seus articulados, foi finalmente revogada em 3 de Março de 1991. Daqui resulta que, pelo menos a partir desta data, em princípio, não deveria haver obstáculos jurídicos que impedissem as autoridades iraquianas de proceder ao pagamento dos créditos da demandante. O Tribunal, no âmbito das medidas de organização do processo ordenadas, convidou a demandante a esclarecer se tinha efectuado as diligências necessárias, após a revogação da lei n.° 57, para obter o pagamento dos seus créditos, e quais os motivos pelos quais os mesmos continuam por pagar apesar da referida revogação. Na sua resposta escrita, a demandante

esclareceu, tal como tinha feito pela primeira vez na réplica, que a lei n.° 57 não pode ser considerada a causa da recusa do pagamento por parte do Iraque, mas antes um indício da mesma recusa, no sentido de que, enquanto devedor, o Iraque não tem necessidade de uma base legal para não dar cumprimento às suas obrigações contratuais. Ora, mesmo pressupondo que não fosse, em última análise, devido à adopção da lei n.° 57 que o Iraque se recusou a satisfazer os créditos da demandante, o que, em qualquer caso, está em contradição com a tese exposta pela mesma na petição inicial, não é menos certo que se trata, no presente processo, de uma afirmação sem apoio, na medida em que, como acaba de ser referido, a demandante continua a não provar o carácter definitivo da recusa de pagamento e não esclarece as razões que justificam essa recusa apesar da revogação da lei n.° 57.

66.
    Por outro lado, o Tribunal salienta que, conforme resulta dos autos, a demandante nem sequer tentou recorrer às vias contratuais previstas para o efeito no contrato que celebrou com o ministro iraquiano em 30 de Janeiro de 1975 a fim de obter uma tomada de posição definitiva da parte das autoridades iraquianas quanto à falta de pagamento dos seus créditos. Efectivamente, nos termos do artigo X do referido contrato (v. supra n.° 2), em caso de divergências quanto à interpretação das suas disposições ou de incumprimento das obrigações que do mesmo decorrem, as partes contratantes devem tentar encontrar uma solução aceitável através da concertação e, na falta da mesma, submeter o diferendo ao Planning Board, sem que isso, contudo, as impeça, de pleno direito, de submeter igualmente o diferendo aos tribunais iraquianos competentes( n.os 1 e 2 do artigo X do referido contrato). Como a demandante esclareceu na audiência de 19 de Junho de 1997, o embargo comunitário à prestação de serviços no Iraque e no Koweit, instaurado pelo Regulamento n.° 3155/90, impedia a demandante de recorrer a advogados ou a representantes legais iraquianos. Ora, embora não possa ser excluído que, tendo em conta a situação interna do Iraque após o termo da guerra do Golfo, o recurso das empresas estrangeiras a advogados iraquianos a fim de resolver os diferendos entre as mesmas e as autoridades iraquianas fosse difícil, não é menos certo que, ao contrário do que a demandante afirma, essa dificuldade não resulta do Regulamento n.° 3155/90, uma vez que o mesmo apenas proibiu, na Comunidade ou a partir do seu território, a prestação de serviços a pessoas singulares no Iraque ou a empresas registadas neste país que tivessem como objecto ou efeito favorecer a economia do Iraque, e não a prestação de serviços no Iraque a terceiros por pessoas singulares ou colectivas sediadas nesse país (artigo 1.° do regulamento).

67.
    Por último, o facto de a demandante propor aos demandados ceder-lhes os créditos de que é titular sobre o Iraque contra o pagamento do montante correspondente impede, na falta de provas em contrário, que se considere que os referidos créditos se tornaram definitivamente incobráveis.

68.
    Do que antecede resulta que a demandante não demonstrou de forma bastante que sofreu um prejuízo real e quantificável na acepção da jurisprudência já referida (v. supra n.° 60).

69.
    Contudo, mesmo pressupondo que o prejuízo invocado pela demandante possa ser considerado «real e quantificável», a responsabilidade da Comunidade por facto lícito só se verifica se existir um nexo de causalidade directa entre o Regulamento n.° 2340/90 e o referido prejuízo. Tendo em conta os aspectos especiais da presente acção, o Tribunal considera que há que analisar esta hipótese e verificar se existe, no caso concreto, um nexo de causalidade deste tipo.

Quanto ao nexo de causalidade

70.
    Resulta dos argumentos da demandante que, na medida em que os seus créditos se tornaram incobráveis devido à adopção da lei n.° 57 pelo Iraque, como medida de retaliação, previsível e directa, à adopção do Regulamento n.° 2340/90 que lhe aplica um embargo comercial, o prejuízo que a demandante alega ter sofrido deve, em última análise, ser imputado à Comunidade. Consequentemente, há queanalisar, em primeiro lugar, se os créditos de que a demandante é titular sobre o Iraque se tornaram incobráveis devido à adopção da lei n.° 57 e, em caso afirmativo, se a adopção desta lei, bem como a posterior recusa das autoridades iraquianas de solver os referidos créditos, resultam directamente da adopção do Regulamento n.° 2340/90 (v. acórdão International Procurement Services/Comissão, já referido, n.° 55).

71.
    A este respeito, o Tribunal salienta, em primeiro lugar, que resulta do preâmbulo da lei n.° 57 que a sua adopção se justificou pela adopção, por parte de «determinados governos» de «decisões arbitrárias» contra o Iraque. Ora, há que concluir que a lei n.° 57 não contém qualquer referência à Comunidade Europeia nem ao Regulamento n.° 2340/90. Mesmo pressupondo que a lei n.° 57 abranja implicitamente os Governos de todos os Estados-Membros, é pacífico que não foram os referidos governos, mas sim a Comunidade, quem adoptou o Regulamento n.° 2340/90 que impede as trocas comerciais entre a Comunidade e o Iraque.

72.
    Mesmo na hipótese de a adopção pelo Conselho do Regulamento n.° 2340/90 dever ser interpretada como «decisão arbitrária» tomada por «determinados governos», na acepção da lei n.° 57, o Tribunal considera que a demandante, a quem cabe o ónus da prova (acórdãos do Tribunal de Justiça de 21 de Janeiro de 1976, Produits Bertrand, 40/75, Colect., p. 1, e do Tribunal de Primeira Instância, de 24 de Setembro de 1996, Dreyfus/Comissão, T-485/93, Colect., p. II-1101, n.° 69), não demonstrou de forma bastante que a adopção desta lei, como medida de retaliação, constituiu uma consequência objectivamente previsível da adopção do referido regulamento, segundo o curso normal dos acontecimentos. Por outro lado, mesmo que exista um nexo de causalidade directa entre o prejuízo alegadamente sofrido e a adopção da lei n.° 57, resulta dos autos que a referida lei, que entrou em vigor

em 6 de Agosto de 1990, foi finalmente revogada em 3 de Março de 1991. Daqui decorre que, pelo menos a partir desta data, a lei n.° 57 não pode ser considerada como a origem da recusa de pagamento dos créditos da demandante.

73.
    Em qualquer caso, mesmo pressupondo que a lei n.° 57 possa ser considerada uma consequência previsível da adopção do Regulamento n.° 2340/90 e/ou que, apesar da revogação desta lei, é ainda a título de retaliação à manutenção do embargo comunitário que as autoridades iraquianas se recusam a satisfazer os créditos da demandante, o Tribunal considera que o prejuízo invocado, em última análise, não pode ser atribuído ao Regulamento n.° 2340/90, mas sim, como o Conselho, por outro lado, afirma, à resolução n.° 661 (1990) do Conselho de Segurança das Nações Unidas, que decretou o embargo ao Iraque.

74.
    A este respeito, o Tribunal realça que, nos termos do artigo 25.° da Carta das Nações Unidas, apenas os «[Estados] membros da Organização» são obrigados a acatar e a aplicar as resoluções do Conselho de Segurança das Nações Unidas. Ora, embora seja certo que os Estados membros da ONU devem, nessa qualidade, adoptar toda e qualquer medida necessária para dar aplicação ao embargo ao comércio com o Iraque decretado pela resolução n.° 661 (1990), não é menos verdade que os Estados que são membros da ONU mas têm também a qualidade de Estados-Membros da Comunidade só podem actuar, para a referida aplicação, no âmbito do Tratado, uma vez que qualquer medida de política comercial comum, como a instauração de um embargo ao comércio, é da competência exclusiva da Comunidade, nos termos do artigo 113.° do Tratado. Foi com base nestas considerações que foi adoptado o Regulamento n.° 2340/90, cujo preâmbulo refere que «a Comunidade e os seus Estados-Membros acordaram em recorrer a um instrumento comunitário, de modo a garantir uma execução unificada, na Comunidade, das medidas relativas às trocas comerciais com o Iraque e o Koweit decididas pelo Conselho de Segurança das Nações Unidas». Consequentemente, o Tribunal considera que, na hipótese em análise, o prejuízo invocado não pode ser atribuído à adopção do Regulamento n.° 2340/90, mas sim à resolução n.° 661 (1990) do Conselho de Segurança das Nações Unidas, que decretou o embargo ao Iraque. Resulta do que antecede que a demandante não demonstrou a existência de um nexo de causalidade directa entre o prejuízo invocado e a adopção do Regulamento n.° 2340/90.

75.
    Tendo em conta as circunstâncias especiais do processo, o Tribunal considera que há que analisar também a questão de saber se, na hipótese de as condições relativas à existência de um prejuízo e de um nexo de causalidade directa estarem preenchidas, o prejuízo se pode qualificar como «especial» e «anormal» na acepção da jurisprudência supra referida (n.° 59), relativa à responsabilidade da Comunidade por facto lícito.

Quanto à natureza do prejuízo sofrido

76.
    O Tribunal lembra que, no acórdão Compagnie d'approvisionnement et grands moulins de Paris/Comissão, já referido, o Tribunal de Justiça julgou improcedente um pedido de indemnização de um prejuízo «anormal e especial» apresentado pelas demandantes com base na responsabilidade da Comunidade por facto lícito devido a «quebra da igualdade perante os encargos públicos», dado que «não se pode conceber a eventual responsabilidade decorrente de um acto normativo legal numa situação como a do presente processo, tendo em conta o facto de que as medidas tomadas pela Comissão apenas tinham em vista, no interesse económico geral, atenuar as consequências resultantes, designadamente para o conjunto dos importadores franceses, da decisão nacional de proceder a uma desvalorização do franco» (n.os 45 e 46 do acórdão).

77.
    Do mesmo modo, no acórdão Biovilac/CEE, já referido, o Tribunal de Justiça declarou que a condição segundo a qual a responsabilidade da Comunidade por um acto normativo ilegal só se verifica quando o prejuízo invocado ultrapassar os limites dos riscos económicos inerentes às actividades do sector em causa «deve ser aplicada a fortiori na hipótese de um regime de responsabilidade sem culpa de ser admitido pelo direito comunitário» (n.° 28 do acórdão). No processo que deu lugar ao referido acórdão, a demandante baseava o pedido de indemnização por facto lícito nos conceitos do direito alemão de «sacrifício especial» (Sonderopfer) e do direito francês de «quebra da igualdade perante os encargos públicos», princípios igualmente invocados pela demandante no presente processo.

78.
    No acórdão Développement SA e Clemessy/Comissão, já referido, o Tribunal de Justiça também julgou improcedente um pedido de indemnização baseado no princípio da responsabilidade objectiva e declarou que o referido princípio, tal como foi referido pelas demandantes, pressupunha que «um particular suporte um encargo que normalmente não lhe incumbiria» o que, contudo, não sucedia no referido processo (n.° 33 do acórdão).

79.
    Por último, no acórdão De Boer Buizen/Conselho e Comissão, já referido, o Tribunal de Justiça, considerando que o regime instituído pelas instituições comunitárias para dar aplicação ao convénio celebrado entre a Comunidade e os Estados Unidos da América relativo às trocas comerciais de tubos de aço não introduzia qualquer discriminação entre os produtores comunitários dos mesmos produtos e os distribuidores e que, consequentemente, não estavam reunidas as condições para que se verificasse a responsabilidade da Comunidade por um acto ilícito, acrescentou, contudo, que a ausência de uma discriminação deste tipo entre produtores e distribuidores comunitários dos produtos em causa não pode excluir que «as instituições estivessem isentas de responsabilidade» caso se verificasse que «essas empresas, enquanto categoria, tinham de suportar uma parte desproporcionada dos encargos» resultantes da aplicação do referido convénio comercial. Segundo o Tribunal de Justiça, nessa hipótese, «competiria às instituições comunitárias remediar essa situação» (n.os 16 e 17).

80.
    Resulta da jurisprudência do Tribunal de Justiça acima referida que, na hipótese de o princípio da responsabilidade da Comunidade por facto lícito ser reconhecido em direito comunitário, essa responsabilidade só se verifica se o prejuízo invocado, partindo do princípio que é «efectivo e actual», afectar uma categoria específica de operadores económicos de modo desproporcionado em relação aos restantes operadores (prejuízo anormal) e ultrapassar os limites dos riscos económicos inerentes às actividades do sector em causa (prejuízo especial), sem que o acto legislativo que está na origem do prejuízo invocado seja justificado por um interesse económico geral (acórdãos De Boer Buizen/Conselho e Comissão, Compagnie d'approvisionnement et grands moulins de Paris/Comissão, e Biovilac/CEE, já referidos).

81.
    Quanto ao carácter anormal do prejuízo invocado, no sentido de que afecta uma categoria especial de operadores económicos de um modo desproporcionado em relação aos restantes operadores, o Tribunal salienta, em primeiro lugar, que a adopção da lei n.° 57, à qual, no sentido da argumentação da demandante, deve ser equiparada qualquer outra medida de retaliação de efeito idêntico das autoridades iraquianas, teve por objecto congelar os «haveres» que possuíam no Iraque empresas estabelecidas na Comunidade, bem como os «rendimentos» provenientes dos mesmos «haveres». Daqui resulta que não foram apenas os créditos da demandante que foram afectados, mas também os créditos de todas as outras empresas comunitárias que não tinham ainda sido pagos quando o embargo ao Iraque foi aplicado pelo Regulamento n.° 2340/90. Como a demandante salientou na audiência, os créditos que as empresas comunitárias tinham sobre o Iraque e que, em consequência da instituição do embargo comunitário ao referido país se tornaram incobráveis e tiveram de ser cobertos por garantias estatais, atingiram, com efeito, 18 milhares de milhões de USD.

82.
    Nestas condições, não se pode considerar que a demandante faça parte de uma categoria de operadores económicos que foram afectados nos seus interesses patrimoniais de um modo que os distingue de todos os restantes operadores económicos cujos créditos se tornaram incobráveis devido à instauração do embargo comunitário. A demandante não pode, por isso, alegar ter sofrido um prejuízo especial ou ter suportado um sacrifício especial. Deve acrescentar-se que o facto de os seus créditos não terem podido ser abrangidos por garantias estatais, por serem resultantes do cumprimento de um contrato celebrado antes da aplicação na Alemanha de um sistema de garantias contra riscos comerciais corridos em países como o Iraque, conforme a demandante esclareceu nas suas respostas escritas às questões do Tribunal e na audiência, não é susceptível de a distinguir das empresas que efectivamente beneficiaram daquelas garantias. Efectivamente, a demandante não demonstrou que era a única empresa ou que pertencia a uma categoria limitada de operadores económicos que não puderam beneficiar da cobertura proporcionada pelo referido tipo de seguro.

83.
    Em segundo lugar, quanto ao carácter especial do prejuízo alegado, no sentido de o mesmo ultrapassar os riscos económicos inerentes às actividades económicas no sector em causa, o Tribunal considera que, no presente processo, não foram ultrapassados estes limites. Efectivamente, é pacífico que, devido ao seu envolvimento em operações bélicas com o Irão, o Iraque, muito antes da invasão do Koweit em 2 de Agosto de 1990, e conforme os demandados afirmaram sem serem contrariados pela demandante, era já considerado um «país de alto risco». Nestas condições, os riscos económicos e comerciais resultantes de um eventual envolvimento do Iraque em novas operações bélicas com os países vizinhos e da suspensão do pagamento das suas dívidas por razões de política externa constituíam riscos previsíveis, inerentes a qualquer actividade de prestação de serviços no Iraque. O facto de o Iraque, conforme a demandante afirma, conseguir pagar as suas dívidas, embora com um atraso considerável, não pode significar que os riscos acima referidos tivessem desaparecido.

84.
    Esta conclusão tem apoio, por outro lado, numa carta de 28 de Novembro de 1995 do Ministério Federal das Finanças à Comissão, de onde resulta que o sistema de garantias instituído na Alemanha entre 1980 e 1990 para cobrir os créditos decorrentes das exportações alemãs para o Iraque foi por várias vezes suspenso devido, precisamente, à deterioração da situação política no Iraque.

85.
    Daqui resulta que os riscos que a prestação de serviços pela demandante no Iraque implicava faziam parte dos riscos inerentes às actividades do sector em causa.

86.
    Por último, e em qualquer caso, deve salientar-se, por um lado, que, mesmo pressupondo que o Regulamento n.° 2340/90 esteja, como a demandante afirma, na origem do prejuízo invocado, o mesmo constitui, como foi referido (v. supra n.° 74), o cumprimento na Comunidade do dever que incumbe sobre os seus Estados-Membros, enquanto membros da ONU, de tornarem efectiva através de um acto comunitário a resolução n.° 661 (1990) do Conselho de Segurança das Nações Unidas, que decretou um embargo ao comércio com o Iraque. Por outro lado, deve salientar-se que, conforme resulta designadamente da resolução n.° 661 (1990), o embargo ao comércio com o Iraque foi decidido no âmbito da «manutenção da paz e segurança internacionais» e com base no «direito natural de legítima defesa, individual ou colectiva, consagrado no artigo 51.° da Carta [das Nações Unidas], perante a agressão armada do Iraque ao Koweit».

87.
    Ora, como o Tribunal de Justiça decidiu no acórdão de 30 de Julho de 1996, Bosphorus (C-84/95, Colect., p. I-3953), embora seja certo que uma regulamentação que, através da instauração de um embargo a um país terceiro, com vista à manutenção da paz e segurança internacionais, implique, por definição, efeitos que afectam o livre exercício das actividades económicas, causando assim prejuízos às partes que não têm qualquer responsabilidade na situação que levou à adopção das sanções, não é menos certo que a importância dos objectivos prosseguidos por essa regulamentação é, contudo, susceptível de justificar consequências negativas, mesmo consideráveis, para determinados operadores.

88.
    Consequentemente, tendo em conta um objectivo de interesse geral tão fundamental para a comunidade internacional como o que consistiu em pôr termo à invasão e ocupação do Koweit pelo Iraque e em manter a paz e segurança internacionais na região, o prejuízo invocado pela demandante, mesmo que deva ser qualificado como considerável, na acepção do acórdão Bosphorus, já referido, não pode implicar, no presente processo, a responsabilidade da Comunidade (v. acórdão Compagnie d'approvisionnement et grands moulins de Paris/Comissão, já referido, n.° 46, e as conclusões do advogado-geral Mayras, no mesmo acórdão, Colect., p. 131; Recueil, pp. 417, 425 e 426).

89.
    Resulta de tudo quanto antecede que é infundado e deve, consequentemente, ser julgado improcedente o pedido de indemnização da demandante baseado no princípio da responsabilidade da Comunidade por facto lícito.

Quanto ao pedido subsidiário de indemnização pelo prejuízo alegadamente sofrido devido a um acto ilícito

Argumentos das partes

Quanto à ilegalidade do Regulamento n.° 2340/90

90.
    A demandante invoca, a título subsidiário, a responsabilidade da Comunidade por facto ilícito, caso o Tribunal de Primeira Instância considere que a demandante não tem direito a uma indemnização correspondente ao valor venal dos seus créditos, mas antes à atribuição pelo legislador comunitário de uma indemnização de montante fixo pelo prejuízo sofrido. A este respeito, a demandante afirma que, na medida em que, ao adoptar o Regulamento n.° 2340/90, o legislador comunitário não previu um mecanismo de indemnização aos operadores económicos cujos créditos sobre o Iraque se tornariam incobráveis devido à instauração do embargo contra o referido país, a condição imposta para que se verifique a responsabilidade da Comunidade, ou seja, a existência de um acto ilegal, está preenchida no caso concreto, uma vez que esta ilegalidade consiste precisamente na violação do dever de indemnizar ou de prever a indemnização às vítimas de lesões não culposas dos direitos patrimoniais, que constitui um princípio geral de direito. No entender da demandante, o Conselho e a Comissão, no presente processo, violaram a sua obrigação de exercerem o seu poder de apreciação na matéria para determinarem uma indemnização de 100%, 50%, ou outra percentagem, cometendo desse modo um erro de apreciação, como considerou, por outro lado, o Tribunal de Primeira Instância no acórdão Carvel e Guardian Newspapers/Conselho, já referido.

91.
    O Conselho entende que a pretensa omissão ilegal do legislador comunitário de, quando da adopção do Regulamento n.° 2340/90, prever um mecanismo de indemnização aos operadores económicos afectados pelas medidas de embargo ao Iraque suscita, no essencial, a mesma questão de fundo que o pedido de indemnização apresentado pela demandante devido a uma ofensa lícita aos seus

direitos patrimoniais equivalente a uma expropriação. Em ambos os casos, trata-se de saber se a violação do direito de propriedade, invocada pela demandante, constitui violação de uma norma superior de direito que implique a responsabilidade da Comunidade nos termos do artigo 215.°, segundo parágrafo, do Tratado. O Conselho considera que a resposta a esta questão é negativa.

92.
    No entender do Conselho, dado que o Regulamento n.° 2340/90 é um acto normativo de natureza económica, a responsabilidade da Comunidade só pode verificar-se caso exista uma violação suficientemente caracterizada de uma norma superior de direito que proteja os particulares, o que, contudo, não sucede no presente caso. O Conselho lembra que, nos termos da jurisprudência, o exercício do direito de propriedade pode ser sujeito a restrições, desde que as mesmas se inscrevam nos objectivos da Comunidade e não constituam uma intervenção desproporcionada e intolerável que afecte a própria essência dos direitos garantidos (acórdão do Tribunal de Justiça de 11 de Julho de 1989, Schräder/Hauptzollamt Gronau, 265/87, Colect., p. 2237). Ora, mesmo que os créditos da demandante sobre as autoridades iraquianas se tornassem definitivamente irrecuperáveis, o prejuízo que a demandante sofreria não constitui uma ofensa desproporcionada e grave à essência do seu direito de propriedade.

93.
    Por outro lado, no entender do Conselho, em caso de prejuízo de natureza económica, a responsabilidade extracontratual da Comunidade também só se verifica se, por um lado, a instituição comunitária em questão, sem demonstrar um interesse público económico superior, se tiver abstido totalmente de tomar em consideração a situação especial de uma categoria distinta de operadores económicos (acórdão do Tribunal de Justiça de 19 de Maio de 1992, Mulder e o./Conselho, C-104/89 e C-37/90, Colect., p. I-3061) e, por outro, o prejuízo invocado ultrapassar os limites dos riscos economicamente inerentes às actividades do sector económico em causa. Ora, no presente processo, a demandante foi afectada nos seus interesses comerciais do mesmo modo que qualquer outro operador económico titular de créditos sobre o Iraque ou sobre uma sociedade com sede no mesmo país. Por outro lado, é pacífico que, na época, o Iraque se encontrava em tal situação financeira que a incobrabilidade dos créditos decorrentes de transacções com o referido país fazia parte dos riscos inerentes às actividades comerciais em causa. Por último, dado que se trata do domínio da política económica da Comunidade, os particulares, dentro de limites razoáveis, têm de suportar as consequências prejudiciais que um acto normativo pode ter sobre os seus interesses económicos, sem que lhes seja reconhecido o direito a uma indemnização (acórdãos do Tribunal de Justiça de 25 de Maio de 1978, Bayerische HNL e o./Conselho e Comissão, 83/76 e 94/76, 4/77, 15/77 e 40/77, Colect., p. 421; Recueil, p. 1209, n.° 6, e do Tribunal de Primeira Instância de 14 de Setembro de 1995, Antillean Rice Mills e o./Comissão, T-480/93 e T-483/93, Colect., p. II-2305).

94.
    A Comissão afirma que a justeza dos argumentos da demandante que consistem no carácter alegadamente ilegal do Regulamento n.° 2340/90 depende da existência do direito a indemnização que a demandante invoca no âmbito do seu pedido

principal, pelo que a inexistência desse direito implica necessariamente que seja julgado improcedente o seu pedido subsidiário de indemnização.

Quanto ao nexo de causalidade e ao prejuízo sofrido

95.
    A demandante, o Conselho e a Comissão invocam fundamentos relativamente ao alegado prejuízo e à existência de um nexo de causalidade entre o mesmo e o Regulamento n.° 2340/90 idênticos aos invocados no âmbito do pedido principal de indemnização por facto lícito (v. supra n.os 42 a 57 e 58 a 63).

Apreciação do Tribunal

96.
    A título liminar, o Tribunal realça que, como a demandante salientou na réplica e na audiência de 19 de Junho de 1997, o pedido subsidiário de indemnização que apresentou só é válido para a hipótese de o Tribunal reconhecer a operadores económicos como a demandante, cujos créditos se tornaram incobráveis devido à instauração do embargo comercial ao Iraque, apenas direito a uma indemnização de montante fixo e não o direito a uma indemnização correspondente ao valor venal do seu crédito (v. supra n.° 90), que é objecto do pedido de indemnização principal da demandante por facto lícito.

97.
    No âmbito do pedido subsidiário, a demandante afirma, em especial, que as condições exigidas para que se verifique a responsabilidade da Comunidade resultante do carácter ilegal do Regulamento n.° 2340/90, estão preenchidas no presente processo, dado que o legislador comunitário, na adopção do referido regulamento, não exerceu o poder de apreciação de que dispunha para prever a indemnização do prejuízo que os operadores económicos iriam sofrer em consequência da instauração de um embargo ao comércio com o Iraque.

98.
    O Tribunal considera que este pedido subsidiário de indemnização da demandante, formulado nos referidos termos, pressupõe, como os demandados, por outro lado, salientaram, a existência do direito a indemnização por parte da demandante, conforme esta o reivindica a título principal no âmbito do seu pedido de indemnização por facto lícito.

99.
    Ora, resulta da análise do pedido principal da demandante que não pode ser reconhecido à mesma qualquer direito a indemnização, uma vez que esta não demonstrou, designadamente, ter sofrido um prejuízo real e quantificável. Nestas circunstâncias, seja qual for a relevância da distinção feita pela demandante entre o eventual direito a uma indemnização correspondente ao valor venal dos créditos e o eventual direito a uma indemnização de montante fixo, por um lado, e na medida em que ambos os pedidos têm em vista a indemnização por um único e mesmo prejuízo, por outro, o seu pedido subsidiário deve também ser julgado improcedente. Nestas condições, e na ausência de direito a indemnização, a demandante também não pode alegar que o legislador comunitário não exerceu o

poder de apreciação para adoptar medidas de indemnização às empresas que se encontram na mesma situação que a demandante. No que respeita ao acórdão Carvel e Guardian Newspapers/Conselho, já referido (n.° 78), invocado a este respeito pela demandante, o Tribunal considera que o mesmo é irrelevante, uma vez que, naquele processo, ao contrário do que sucede no presente, uma disposição de direito derivado comunitário convidava efectivamente o Conselho a exercer o seu poder de apreciação quanto à questão de saber se devia ou não deferir os pedidos no âmbito das suas competências em matéria de acesso aos seus documentos.

100.
    Daqui resulta que deve também ser julgado improcedente o pedido subsidiário de indemnização apresentado pela demandante pelo prejuízo sofrido em consequênciade um acto ilícito.

101.
    Resulta de tudo quanto antecede que a acção deve ser julgada totalmente improcedente.

Quanto às despesas

102.
    Por força do disposto no n.° 2 do artigo 87.° do Regulamento de Processo, a parte vencida deve ser condenada nas despesas se a parte vencedora o tiver requerido. Tendo os demandados formulado este pedido e tendo a demandante sido vencida, há que condená-la nas despesas.

Pelos fundamentos expostos,

O TRIBUNAL DE PRIMEIRA INSTÂNCIA (Segunda Secção),

decide:

1.
    A acção é julgada improcedente.

2.
    A demandante é condenada nas despesas.

Bellamy
Kalogeropoulos
Tiili

Proferido em audiência pública no Luxemburgo, em 28 de Abril de 1998.

O secretário

O presidente

H. Jung

A. Kalogeropoulos


1: Língua do processo: alemão.