Language of document : ECLI:EU:C:2013:291

ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Segunda Secção)

8 de maio de 2013 (*)

«Cidadania da União ― Artigo 20.° TFUE ― Direito de residência dos nacionais de países terceiros membros da família de um cidadão da União que não fez uso do seu direito de livre circulação ― Direitos fundamentais»

No processo C‑87/12,

que tem por objeto um pedido de decisão prejudicial nos termos do artigo 267.° TFUE, apresentado pela Cour administrative (Luxemburgo), por decisão de 16 de fevereiro de 2012, entrado no Tribunal de Justiça em 20 de fevereiro de 2012, no processo

Kreshnik Ymeraga,

Kasim Ymeraga,

Afijete Ymeraga‑Tafarshiku,

Kushtrim Ymeraga,

Labinot Ymeraga

contra

Ministre du Travail, de l’Emploi et de l’Immigration,

O TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Segunda Secção),

composto por: R. Silva de Lapuerta (relator), presidente de secção, G. Arestis, J.‑C. Bonichot, A. Arabadjiev e J. L. da Cruz Vilaça, juízes,

advogado‑geral: P. Mengozzi,

secretário: V. Tourrès, administrador,

vistos os autos e após a audiência de 23 de janeiro de 2013,

vistas as observações apresentadas:

¾        em representação de K. Ymeraga e o., por O. Lang, avocat,

¾        em representação do Governo luxemburguês, por C. Schiltz, P. Frantzen e L. Maniewski, na qualidade de agentes,

¾        em representação do Governo belga, por T. Materne e C. Pochet, na qualidade de agentes,

¾        em representação do Governo checo, por M. Smolek e J. Vláčil, na qualidade de agentes,

¾        em representação do Governo dinamarquês, por C. Vang, na qualidade de agente,

¾        em representação do Governo alemão, por T. Henze e N. Graf Vitzthum, na qualidade de agentes,

¾        em representação do Governo polaco, por M. Szpunar e B. Majczyna, na qualidade de agentes,

¾        em representação da Comissão Europeia, por D. Maidani e C. Tufvesson, na qualidade de agentes,

vista a decisão tomada, ouvido o advogado‑geral, de julgar a causa sem apresentação de conclusões,

profere o presente

Acórdão

1        O pedido de decisão prejudicial tem por objeto a interpretação do artigo 20.° TFUE.

2        Este pedido foi apresentado no âmbito de um litígio que opõe Kreshnik Ymeraga, bem como Kasim Ymeraga e Afijete Ymeraga‑Tafarshiku (a seguir «cônjuges Ymeraga») e Kushtrim e Labinot Ymeraga, respetivamente, os progenitores e os dois irmãos do primeiro, ao ministre du Travail, de l’Emploi et de l’Immigration (a seguir «Ministro»), a respeito da decisão deste último que recusa aos cônjuges Ymeraga e a Kushtrim e Labinot Ymeraga o direito de residência no Luxemburgo e lhes ordena que abandonem o território luxemburguês.

 Quadro jurídico

 Direito da União

 Diretiva 2003/86/CE

3        O artigo 1.° da Diretiva 2003/86/CE do Conselho, de 22 de setembro de 2003, relativa ao direito ao reagrupamento familiar (JO L 251, p. 12), enuncia:

«A presente diretiva tem por objetivo estabelecer as condições em que o direito ao reagrupamento familiar pode ser exercido por nacionais de países terceiros que residam legalmente no território dos Estados‑Membros.»

4        Nos termos do artigo 3.°, n.° 3, da referida diretiva:

«A presente diretiva não é aplicável aos familiares de cidadãos da União.»

 Diretiva 2004/38/CE

5        Sob a epígrafe «Definições», o artigo 2.° da Diretiva 2004/38/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 29 de abril de 2004, relativa ao direito de livre circulação e residência dos cidadãos da União e dos membros das suas famílias no território dos Estados‑Membros, que altera o Regulamento (CEE) n.° 1612/68 e que revoga as Diretivas 64/221/CEE, 68/360/CEE, 72/194/CEE, 73/148/CEE, 75/34/CEE, 75/35/CEE, 90/364/CEE, 90/365/CEE e 93/96/CEE (JO L 158, p. 77; retificado no JO L 229, p. 35, e no JO 2005, L 197, p. 34), enuncia:

«Para efeitos da presente diretiva, entende‑se por:

1)      ‘Cidadão da União’: qualquer pessoa que tenha nacionalidade de um Estado‑Membro;

2)      ‘Membro da família’:

[…]

d)      Os ascendentes diretos que estejam a cargo, assim como os do cônjuge ou do parceiro na aceção da alínea b);

3)      ‘Estado‑Membro de acolhimento’: o Estado‑Membro para onde se desloca o cidadão da União a fim de exercer o seu direito de livre circulação e residência.»

6        O artigo 3.° da Diretiva 2004/38, com a epígrafe «Titulares», dispõe:

«1.      Nos termos do artigo 3.°, n.° 1, a presente diretiva aplica‑se a todos os cidadãos da União que se desloquem ou residam num Estado‑Membro que não aquele de que são nacionais, bem como aos membros das suas famílias, na aceção do ponto 2) do artigo 2.°, que os acompanhem ou que a eles se reúnam.

2.      Sem prejuízo de um direito pessoal à livre circulação e residência da pessoa em causa, o Estado‑Membro de acolhimento facilita, nos termos da sua legislação nacional, a entrada e a residência das seguintes pessoas:

a)      Qualquer outro membro da família, independentemente da sua nacionalidade, não abrangido pelo ponto 2) do artigo 2.°, que, no país do qual provenha, esteja a cargo do cidadão da União que tem direito de residência a título principal ou que com este viva em comunhão de habitação, ou quando o cidadão da União tiver imperativamente de cuidar pessoalmente do membro da sua família por motivos de saúde graves;

[…]

O Estado‑Membro de acolhimento procede a uma extensa análise das circunstâncias pessoais e justifica a eventual recusa de entrada ou de residência das pessoas em causa.»

 Direito luxemburguês

7        A Lei de 29 de agosto de 2008 relativa à livre circulação das pessoas e à imigração (Mémorial A 2008, p. 2024, a seguir «lei relativa à livre circulação») visa transpor as Diretivas 2003/86 e 2004/38 para a ordem jurídica luxemburguesa.

8        Nos termos do artigo 6.° desta lei:

«(1)      O cidadão da União tem o direito de residir no território por um período superior a três meses, se preencher uma das seguintes condições:

1.      exercer enquanto trabalhador uma atividade assalariada ou independente;

2.      dispor, para si próprio e para os membros da sua família, conforme referidos no artigo 12.°, de recursos suficientes a fim de não se tornar uma sobrecarga para o regime de segurança social, bem como de um seguro de doença;

3.      estiver inscrito num estabelecimento de ensino público ou privado reconhecido no Grão‑Ducado do Luxemburgo nos termos das disposições legislativas e regulamentares em vigor, com o objetivo principal de frequentar um curso ou, neste âmbito, uma formação profissional, garantindo simultaneamente que dispõe de recursos suficientes para si próprio e para os membros da sua família, a fim de evitar tornar‑se uma sobrecarga para o regime de segurança social, e de um seguro de doença.

(2)      Um regulamento grão‑ducal especifica os recursos exigidos nos pontos 2 e 3 do n.° 1, supra, e as respetivas modalidades de prova.

[…]»

9        O artigo 12.° da referida lei dispõe:

«(1) São considerados membros da família:

[…]

d)      os ascendentes diretos a cargo do cidadão da União e os ascendentes diretos a cargo do cônjuge ou do parceiro referidos na alínea b).

(2)      O Ministro pode autorizar qualquer outro membro da família, independentemente da sua nacionalidade, que não esteja abrangido pela definição do n.° 1, a residir no seu território, desde que preencha um dos seguintes requisitos:

1.      no país de origem, tenha estado a cargo ou tenha vivido em comunhão de habitação com o cidadão da União beneficiário do direito de residência a título principal;

2.      o cidadão da União tenha imperativamente de cuidar pessoalmente do membro da sua família, por motivos de saúde graves.

O pedido de entrada e de residência dos membros da família referidos no ponto anterior é sujeito a uma extensa análise que toma em consideração as suas circunstâncias pessoais.

[…]»

10      Nos termos do artigo 103.° da mesma lei:

«Antes de tomar uma decisão de recusa de residência, de retirada ou de não renovação do título de residência, ou uma decisão de afastamento do território contra o nacional de país terceiro, o Ministro toma em consideração, nomeadamente, a duração da residência da pessoa em causa no território luxemburguês, a sua idade, o seu estado de saúde, a sua situação familiar e económica, a sua integração social e cultural no país e a intensidade dos seus laços com o seu país de origem, exceto se a sua presença constituir uma ameaça para a ordem pública ou a segurança pública.

Nenhuma decisão de afastamento do território, com exceção da que se baseia em motivos graves de segurança pública, poderá ser tomada contra um menor não acompanhado de um representante legal, a não ser que o afastamento seja decidido no seu interesse.»

 Litígio no processo principal e questão prejudicial

11      Os recorrentes no processo principal são todos originários do Kosovo. Em 1999, Kreshnik Ymeraga chegou ao Luxemburgo, com 15 anos de idade, para residir em casa do seu tio, de nacionalidade luxemburguesa, que se tornou seu tutor legal. Apesar de o pedido de asilo de Kreshnik Ymeraga ter sido recusado pelas autoridades luxemburguesas, a sua situação foi regularizada em 2001 e, em seguida, começou a estudar e arranjou um emprego fixo.

12      Entre 2006 e 2008, chegaram sucessivamente ao Luxemburgo os cônjuges Ymeraga e os dois irmãos de Kreshnik Ymeraga. Eram todos maiores de idade, aquando da sua chegada, exceto Labinot Ymeraga, a quem faltavam três semanas para atingir a maioridade. No mesmo dia em que chegaram, apresentaram um pedido de proteção internacional nos termos da lei relativa ao direito de asilo e às formas complementares de proteção.

13      Tendo os seus pedidos de proteção internacional sido recusados pelas autoridades luxemburguesas, os cônjuges Ymeraga e os dois irmãos de Kreshnik Ymeraga apresentaram, em 8 de maio de 2008, um pedido de autorização de residência para reagrupamento familiar com este último. Este pedido foi indeferido implicitamente em 9 de agosto de 2009, tendo a recusa sido confirmada por decisão do tribunal administratif de 9 de março de 2010, que, todavia, não foi objeto de recurso.

14      Entretanto, em 16 de março de 2009, Kreshnik Ymeraga adquiriu a nacionalidade luxemburguesa. Em 14 de agosto do mesmo ano, os cônjuges Ymeraga apresentaram ao Ministro um pedido de cartão de residência como membros da família de um cidadão da União.

15      Em 17 de maio de 2010, os cônjuges Ymeraga renovaram o seu pedido de 14 de agosto de 2009 junto do Ministro e pediram igualmente um título de residência ou, subsidiariamente, uma autorização de residência para os dois irmãos de Kreshnik Ymeraga.

16      Mediante três decisões datadas de 12 de julho de 2012, o Ministro indeferiu os ditos pedidos. Foi igualmente negado provimento ao recurso destas decisões, por decisão do tribunal administratif de 6 de julho de 2011.

17      Segundo a decisão referida, embora Kreshnik Ymeraga contribuísse financeiramente para as despesas da sua família que ficou no Kosovo, não se podia considerar que os seus progenitores estivessem «a [seu] cargo», no sentido da lei relativa à livre circulação. Quanto aos seus dois irmãos, na medida em que Kreshnik Ymeraga tinha saído do Kosovo em 1999, também não se podia considerar que viviam em «comunhão de habitação», no sentido desta lei, apesar do apoio financeiro demonstrado no período de 19 de março de 2006 a 20 de fevereiro de 2007.

18      O tribunal administratif rejeitou igualmente, por falta de fundamento, a alegada violação do artigo 8.° da Convenção Europeia para a Proteção dos Direitos do Homem e das Liberdades Fundamentais, assinada em Roma, em 4 de novembro de 1950, uma vez que as recusas de residência dos progenitores e dos dois irmãos de Kreshnik Ymeraga não eram suscetíveis de os impedir de prosseguirem a sua vida familiar com ele, tal como esta tinha decorrido após a partida deste último do Kosovo e antes da sua chegada ao Luxemburgo.

19      Os recorrentes no processo principal interpuseram recurso da decisão do tribunal administratif no órgão jurisdicional de reenvio. As decisões de afastamento do Ministro são suspensas até à decisão de mérito no processo, com exceção da que diz respeito a Labinot Ymeraga, que foi executada antes da suspensão.

20      A Cour administrative salienta que, embora a lei relativa à livre circulação se destine a transpor as Diretivas 2003/86 e 2004/38, estas diretivas não parecem ser aplicáveis a Kreshnik Ymeraga.

21      O órgão jurisdicional de reenvio considera assim que a questão que se põe é a de saber se o artigo 20.° TFUE e, eventualmente, certas disposições da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia (a seguir «Carta») podem permitir atribuir aos membros da família de Kreshnik Ymeraga um direito ao reagrupamento familiar no Luxemburgo.

22      Foi neste contexto que a Cour administrative decidiu suspender a instância e submeter ao Tribunal de Justiça a seguinte questão prejudicial:

«Em que medida a qualidade de cidadão da União e o inerente direito de residência no país de que é nacional, como previstos pelo artigo 20.° TFUE conjugado com os direitos, garantias e obrigações previstos na Carta […], designadamente e, consoante os casos […], os artigos 20.°, 21.°, 24.°, 33.° e 34.° [desta], conferem um direito ao reagrupamento familiar ao respetivo requerente, cidadão [da União], que pretende efetuar no seu país de residência, de que é nacional, o reagrupamento dos seus progenitores e de dois dos seus irmãos, todos nacionais de um país terceiro, em caso de não circulação e de não residência do requerente do reagrupamento num Estado‑Membro distinto daquele de que é nacional?»

 Quanto à questão prejudicial

23      Com a sua questão, o órgão jurisdicional de reenvio pretende, em substância, saber se o artigo 20.° TFUE deve ser interpretado no sentido de que se opõe a que um Estado‑Membro recuse aos nacionais de um país terceiro a residência no seu território, quando esses nacionais querem residir com um membro da sua família que é cidadão da União residente nesse Estado‑Membro, de que possui a nacionalidade, e que nunca exerceu o seu direito de livre circulação enquanto cidadão da União.

 Quanto às Diretivas 2003/86 e 2004/38

24      A título liminar, importa salientar que os recorrentes no processo principal não podem beneficiar das disposições das Diretivas 2003/86 e 2004/38.

25      No que respeita, em primeiro lugar, à Diretiva 2003/86, o seu objetivo é, nos termos do seu artigo 1.°, estabelecer as condições em que o direito ao reagrupamento familiar pode ser exercido por nacionais de países terceiros que residam legalmente no território dos Estados‑Membros.

26      Contudo, segundo o artigo 3.°, n.° 3, da mesma diretiva, esta não é aplicável aos familiares de cidadãos da União.

27      Na medida em que, no âmbito do litígio no processo principal, é o cidadão da União que reside num Estado‑Membro e são os membros da sua família, nacionais de um país terceiro, que pretendem residir neste Estado‑Membro no âmbito do reagrupamento familiar com o cidadão, há que declarar que a Diretiva 2003/86 não é aplicável aos recorrentes no processo principal, no que diz respeito aos pedidos que são objeto do litígio no processo principal.

28      Em segundo lugar, no que diz respeito à Diretiva 2004/38, o Tribunal de Justiça já teve a ocasião de declarar que esta diretiva se destina a facilitar o exercício do direito fundamental e individual de circular e de residir livremente no território dos Estados‑Membros, que o Tratado FUE confere diretamente aos cidadãos da União, e que tem, nomeadamente, por objeto reforçar o referido direito (v. acórdão de 15 de novembro de 2011, Dereci e o., C‑256/11, Colet., p. I‑11315, n.° 50 e jurisprudência referida).

29      Nos termos do artigo 3.°, n.° 1, da referida diretiva, esta aplica‑se a todos os cidadãos da União que se desloquem ou residam num Estado‑Membro que não aquele de que são nacionais, bem como aos membros das suas famílias, na aceção do ponto 2 do artigo 2.°, da mesma diretiva, que os acompanhem ou que a eles se reúnam.

30      O Tribunal de Justiça já teve a oportunidade de declarar que um cidadão da União que nunca tenha exercido o seu direito de livre circulação e que tenha sempre residido num Estado‑Membro do qual possui a nacionalidade não está abrangido pelo conceito de «titular» na aceção desta disposição, pelo que a Diretiva 2004/38 não lhe é aplicável (acórdão de 5 de maio de 2011, McCarthy, C‑434/09, Colet., p. I‑3375, n.os 31 e 39, e acórdão Dereci e o., já referido, n.° 54).

31      Do mesmo modo, foi declarado que, na medida em que um cidadão da União não está abrangido pelo conceito de «titular» na aceção do artigo 3.°, n.° 1, da Diretiva 2004/38, o membro da sua família também não está abrangido por esse conceito, uma vez que os direitos conferidos por esta diretiva aos membros da família de um titular não são direitos próprios dos referidos membros, mas direitos derivados, adquiridos na sua qualidade de membros da família do titular (v. acórdãos, já referidos, McCarthy, n.° 42, e Dereci e o., n.° 55).

32      Ora, no processo principal, uma vez que o cidadão da União em causa nunca exerceu o seu direito de livre circulação e sempre residiu, enquanto cidadão da União, no Estado‑Membro de que é nacional, há que reconhecer que não está abrangido pela definição de «titular» na aceção do artigo 3.°, n.° 1, da Diretiva 2004/38, pelo que esta não lhe é aplicável, nem é aplicável aos membros da sua família.

33      Daqui resulta que as Diretivas 2003/86 e 2004/38 não são aplicáveis a nacionais de países terceiros que requerem um direito de residência para se juntarem a um cidadão da União, membro da sua família, que nunca exerceu o seu direito de livre circulação enquanto cidadão da União e que sempre residiu, enquanto cidadão da União, no Estado‑Membro de que é nacional (v., neste sentido, acórdão Dereci e o., já referido, n.° 58).

 Quanto ao artigo 20.° TFUE

34      No que diz respeito ao artigo 20.° TFUE, importa realçar que as disposições do Tratado relativas à cidadania da União não conferem nenhum direito autónomo aos nacionais de países terceiros (acórdão de 8 de novembro de 2012, Iida, C‑40/11, n.° 66).

35      Com efeito, os eventuais direitos atribuídos aos nacionais de países terceiros pelas disposições do Tratado sobre a cidadania da União não são direitos próprios dos referidos nacionais, mas direitos derivados do exercício da liberdade de circulação por parte dos cidadãos da União. A finalidade e a justificação dos referidos direitos derivados têm por base a constatação de que não os reconhecer pode afetar a liberdade de circulação dos cidadãos da União, dissuadindo‑os de exercer os seus direitos de entrada e de residência no Estado‑Membro de acolhimento (acórdão Iida, já referido, n.os 67 e 68).

36      A este respeito, o Tribunal de Justiça já constatou que há situações muito particulares em que, apesar do facto de o direito secundário relativo ao direito de residência dos nacionais de países terceiros não ser aplicável e de o cidadão da União em causa não ter feito uso da sua liberdade de circulação, o direito de residência não pode, excecionalmente, ser recusado a um nacional de um país terceiro, membro da família do referido cidadão, sob pena de se ignorar o efeito útil da cidadania da União de que este último goza, se, como consequência dessa recusa, esse cidadão for obrigado, na prática, a abandonar a totalidade do território da União, privando‑o, dessa forma, do gozo efetivo do essencial dos direitos conferidos por este estatuto (v. acórdãos, já referidos, Dereci e o., n.os 64, 66 e 67, e Iida, n.° 71).

37      O elemento que caracteriza as situações acima mencionadas, ainda que regidas por legislações que, a priori, são da competência dos Estados‑Membros, concretamente, as legislações relativas ao direito de entrada e de residência dos nacionais de países terceiros, não abrangidas pelo âmbito de aplicação das disposições do direito derivado que, em certas condições, preveem a atribuição desse direito, é essas situações terem, contudo, uma relação intrínseca com a liberdade de circulação de um cidadão da União, que impede que o referido direito de entrada e de residência seja recusado aos referidos nacionais no Estado‑Membro onde reside o cidadão da União, para que a sua liberdade de circulação não seja afetada (v., neste sentido, acórdão Iida, já referido, n.° 72).

38      O Tribunal de Justiça entendeu igualmente, a este respeito, que o simples facto de a um nacional de um Estado‑Membro poder parecer desejável, por razões de ordem económica ou a fim de manter a unidade familiar no território da União, que membros da sua família que não têm a nacionalidade de um Estado‑Membro possam residir com ele no território da União não basta, por si só, para considerar que o cidadão da União é obrigado a abandonar o território da União, se tal direito não for concedido (acórdão Dereci e o., já referido, n.° 68).

39      No processo principal, o único elemento que justifica, segundo o órgão jurisdicional de reenvio, a atribuição do direito de residência aos membros da família do cidadão em causa é a vontade de Kreshnik Ymeraga de ver realizar‑se, no seu Estado‑Membro de residência, de que tem a nacionalidade, o reagrupamento com os referidos membros, o que é insuficiente para considerar que a recusa de tal direito de residência poderá ter por efeito privar Kreshnik Ymeraga do gozo efetivo do essencial dos direitos conferidos pelo estatuto de cidadão da União.

40      No que diz respeito aos direitos fundamentais referidos pelo órgão jurisdicional de reenvio, importa recordar que, por força do seu artigo 51.°, n.° 1, as disposições da Carta têm por destinatários os Estados‑Membros, unicamente, quando estes aplicam o direito da União. Ao abrigo do n.° 2 deste mesmo artigo, a Carta não torna o âmbito de aplicação do direito da União extensivo a competências que não sejam as da União, nem cria novas competências ou atribuições para a União, nem modifica as competências e atribuições definidas pelos Tratados. Assim, o Tribunal de Justiça é chamado a interpretar o direito da União, à luz da Carta, nos limites das competências que lhe são atribuídas (v. acórdãos, já referidos, Dereci e o., n.° 71, e Iida, n.° 78).

41      Para determinar se a recusa das autoridades luxemburguesas de conceder aos membros da família de Kreshnik Ymeraga um direito de residência enquanto membros da família de um cidadão da União pertence ao domínio de execução do direito da União na aceção do artigo 51.° da Carta, importa verificar, entre outros elementos, se a legislação nacional em causa tem por objetivo executar uma disposição do direito da União, qual o caráter dessa legislação e se a mesma prossegue outros objetivos que não sejam os abrangidos pelo direito da União, ainda que seja suscetível de o afetar indiretamente, bem como se existe uma regulamentação da União específica na matéria ou suscetível de o afetar (v. acórdão de 18 de dezembro de 1997, Annibaldi, C‑309/96, Colet., p. I‑7493, n.os 21 a 23, e acórdão Iida, já referido, n.° 79).

42      Embora, é certo, a lei relativa à livre circulação vise dar execução ao direito da União, a verdade é que a situação dos recorrentes no processo principal não é regulada pelo direito da União, uma vez que Kreshnik Ymeraga não pode ser considerado beneficiário da Diretiva 2004/38 nem, no que se refere aos pedidos que são objeto do litígio no processo principal, da Diretiva 2003/86 e que a recusa de conceder um direito de residência aos membros da família de Kreshnik Ymeraga não tem por efeito privá‑lo do gozo efetivo do essencial dos direitos conferidos pelo estatuto de cidadão da União.

43      Nestas condições, a recusa das autoridades luxemburguesas de conceder aos membros da família de Kreshnik Ymeraga um direito de residência enquanto membros da família de um cidadão da União não pertence ao domínio de execução do direito da União na aceção do artigo 51.° da Carta, de modo que a conformidade desta recusa com os direitos fundamentais não pode ser examinada à luz dos direitos instituídos por esta última.

44      Tal constatação não prejudica a questão de saber se, com base num exame à luz das disposições da Convenção Europeia para a Proteção dos Direitos do Homem e das Liberdades Fundamentais, na qual todos os Estados‑Membros são partes, não pode ser recusado o direito de residência aos nacionais de países terceiros em causa no âmbito do litígio no processo principal.

45      Tendo em conta o que precede, há que responder à questão colocada que o artigo 20.° TFUE deve ser interpretado no sentido de que não se opõe a que um Estado‑Membro recuse a um nacional de um país terceiro a residência no seu território, quando esse nacional quiser residir com um membro da sua família que é cidadão da União Europeia, residente nesse Estado‑Membro, de que possui a nacionalidade, e que nunca exerceu o seu direito de livre circulação enquanto cidadão da União, desde que tal recusa não implique, para o cidadão da União em causa, a privação do gozo efetivo do essencial dos direitos conferidos pelo estatuto de cidadão da União.

 Quanto às despesas

46      Revestindo o processo, quanto às partes na causa principal, a natureza de incidente suscitado perante o órgão jurisdicional de reenvio, compete a este decidir quanto às despesas. As despesas efetuadas pelas outras partes para a apresentação de observações ao Tribunal de Justiça não são reembolsáveis.

Pelos fundamentos expostos, o Tribunal de Justiça (Segunda Secção) declara:

O artigo 20.° TFUE deve ser interpretado no sentido de que não se opõe a que um Estado‑Membro recuse a um nacional de um país terceiro a residência no seu território, quando esse nacional quiser residir com um membro da sua família que é cidadão da União Europeia, residente nesse Estado‑Membro, de que possui a nacionalidade, e que nunca exerceu o seu direito de livre circulação enquanto cidadão da União, desde que tal recusa não implique, para o cidadão da União em causa, a privação do gozo efetivo do essencial dos direitos conferidos pelo estatuto de cidadão da União.

Assinaturas


** Língua do processo: francês.