Language of document : ECLI:EU:C:2019:113

ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Segunda Secção)

14 de fevereiro de 2019 (*)

«Reenvio prejudicial — Igualdade de tratamento no emprego e na atividade profissional — Diretiva 2000/78/CE — Artigo 2.o, n.o 2, alínea b) — Discriminação indireta em razão da idade — Professores recém‑contratados — Data da contratação — Tabela salarial e classificação no escalão aplicáveis no momento da contratação menos favoráveis do que as aplicáveis aos professores já em funções»

No processo C‑154/18,

que tem por objeto um pedido de decisão prejudicial apresentado, nos termos do artigo 267.o TFUE, pela Labour Court (Tribunal do Trabalho, Irlanda), por Decisão de 23 de fevereiro de 2018, que deu entrada no Tribunal de Justiça em 27 de fevereiro de 2018, no processo

Tomás Horgan,

Claire Keegan

contra

Minister for Education & Skills,

Minister for Finance,

Minister for Public Expenditure & Reform,

Ireland,

Attorney General,

O TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Segunda Secção),

composto por: A. Arabadjiev (relator), presidente de secção, E. Levits, M. Berger, C. Vajda e P. G. Xuereb, juízes,

advogado‑geral: Y. Bot,

secretário: A. Calot Escobar,

vistos os autos,

considerando as observações apresentadas:

–        em representação de T. Horgan e de C. Keegan, por A. M. Lyne, solicitor,

–        em representação do Minister for Education & Skills, do Minister for Finance, do Minister for Public Expenditure & Reform, da Irlanda e do Attorney General, por M. Browne, L. Williams e A. Joyce, na qualidade de agentes,

–        em representação da Comissão Europeia, por J. Tomkin e D. Martin, na qualidade de agentes,

vista a decisão tomada, ouvido o advogado‑geral, de julgar a causa sem apresentação de conclusões,

profere o presente

Acórdão

1        O pedido de decisão prejudicial tem por objeto a interpretação do artigo 2.o, n.o 2, alínea b), da Diretiva 2000/78/CE do Conselho, de 27 de novembro de 2000, que estabelece um quadro geral de igualdade de tratamento no emprego e na atividade profissional (JO 2000, L 303, p. 16).

2        Este pedido foi apresentado no âmbito de um litígio que opõe Tomás Horgan e Claire Keegan ao Minister for Education & Skills (Ministro da Educação e das Qualificações, Irlanda), ao Minister for Finance (Ministro das Finanças, Irlanda), ao Minister for Public Expenditure & Reform (Ministro das Despesas Públicas e da Reforma, Irlanda), à Ireland (Irlanda) e ao Attorney General (Irlanda), a respeito da legalidade de uma medida nacional aplicável desde 1 de janeiro de 2011 aos funcionários recém‑contratados, incluindo os professores das escolas nacionais, que prevê uma tabela salarial e uma classificação no escalão aplicáveis no momento da contratação menos favoráveis do que as aplicáveis aos professores já em funções.

 Quadro jurídico

 Direito da União

3        O artigo 1.o da Diretiva 2000/78 prevê:

«A presente diretiva tem por objeto estabelecer um quadro geral para lutar contra a discriminação em razão da religião ou das convicções, de uma deficiência, da idade ou da orientação sexual, no que se refere ao emprego e à atividade profissional, com vista a pôr em prática nos Estados‑Membros o princípio da igualdade de tratamento.»

4        O artigo 2.o da referida diretiva dispõe:

«1.      Para efeitos da presente diretiva, entende‑se por “princípio da igualdade de tratamento” a ausência de qualquer discriminação, direta ou indireta, por qualquer dos motivos referidos no artigo 1.o

2.      Para efeitos do n.o 1:

[…]

b)      Considera‑se que existe discriminação indireta sempre que uma disposição, critério ou prática aparentemente neutra seja suscetível de colocar numa situação de desvantagem pessoas com uma determinada religião ou convicções, com uma determinada deficiência, pessoas de uma determinada classe etária ou pessoas com uma determinada orientação sexual, comparativamente com outras pessoas, a não ser que:

i)      essa disposição, critério ou prática sejam objetivamente justificados por um objetivo legítimo e que os meios utilizados para o alcançar sejam adequados e necessários […]

[…]»

 Direito irlandês

5        A Circular 0040/2011, intitulada «Novas tabelas salariais para os novos professores nomeados em 2011», dispõe, nos seus n.os 1 a 4:

«Introdução

1.      O Ministro da Educação e das Qualificações informa os comités do ensino profissional, os órgãos de direção e os professores da aplicação de taxas revistas de remuneração e subsídios aos novos professores nomeados a partir de 1 de janeiro de 2011.

2.      No orçamento de 2011, o Governo aplicou uma redução de 10% à remuneração dos funcionários recém‑contratados (a seguir «novos funcionários») e todos os novos funcionários contratados no grau de base do serviço público devem começar no primeiro escalão da tabela salarial aplicável a partir de 1 de janeiro de 2011.

Aplicação de novas taxas de remuneração

3.      A redução de 10% é aplicável ao salário de base, aos subsídios e ao prémio de vigilância e de substituição.

a)      Salário de base

A redução de 10% aplica‑se ao salário de base em todos os escalões dos aumentos indexados. Foram igualmente reduzidas as taxas por dia e hora para os professores no ensino primário, suplentes ou não, e as taxas por hora para os professores a tempo parcial no ensino pós‑primário, suplentes ou não. As taxas revistas são fixadas num anexo à presente circular […]

b)      Subsídios

A redução de 10% aplica‑se igualmente a todas as prestações de subsídio, com exceção das prestações relativas a uma promoção, a saber, os abonos para funções especiais, assim como para os diretores adjuntos, vice‑presidentes e diretores de estabelecimentos de ensino.

Novos professores nomeados

4.      As novas taxas de remuneração aplicam‑se a todos os professores nomeados em 1 de janeiro de 2011 ou depois dessa data.»

 Litígio no processo principal e questões prejudiciais

6        Em 2011, T. Horgan e C. Keegan obtiveram as qualificações que lhes permitem aceder à profissão de professor. Desde o outono desse ano exercem essa profissão numa escola primária pública irlandesa.

7        As novas tabelas salariais dos professores recém‑contratados, previstas na Circular 0040/2011, estabelecem, a partir de 1 de janeiro de 2011, uma redução salarial de 10% em cada escalão da tabela salarial relativamente à remuneração dos funcionários contratados antes desta data.

8        Além disso, de acordo com esta circular, todos os professores recém‑contratados foram classificados no primeiro escalão da tabela salarial aplicável, contrariamente à prática anterior que consistia em classificar os novos professores no segundo ou no terceiro escalão desta tabela.

9        O objetivo dessas medidas era responder à necessidade de alcançar uma redução estrutural dos custos do serviço público a médio prazo, numa época caracterizada por importantes restrições orçamentais, e de colmatar um défice das finanças públicas igualmente importante.

10      T. Horgan e C. Keegan contestaram as referidas medidas no Equality Tribunal (Tribunal para a Igualdade, Irlanda), invocando uma diferença de tratamento em razão da idade. Uma vez que este órgão jurisdicional negou provimento ao seu recurso, T. Horgan e C. Keegan recorreram para o órgão jurisdicional de reenvio.

11      Este último órgão jurisdicional precisa que as medidas em causa no processo principal conduziram à coexistência de dois grupos de trabalhadores que realizam um trabalho de valor igual, mas remunerado de forma diferente, sendo manifesta a diferença de idades entre estas duas categorias.

12      Com efeito, aproximadamente 70% dos professores que entraram em funções em 2011 tinha menos de 25 anos. Assim, no momento da sua contratação, os professores que entraram em funções nesse ano, incluindo T. Horgan e C. Keegan, são geralmente mais jovens do que os contratados antes desse ano, que eram considerados o grupo de pessoas mais bem remuneradas.

13      Contudo, o órgão jurisdicional de reenvio refere que o fator determinante da tabela salarial aplicável aos professores é o ano da sua entrada em funções e que a tabela salarial menos vantajosa se aplica a qualquer professor contratado depois de 1 de janeiro de 2011, independentemente da sua idade à data da contratação. Em contrapartida, qualquer professor contratado antes do referido ano estava abrangido pela antiga tabela salarial e aí permanece independentemente da sua idade no momento da contratação. Assim, a data da contratação é um critério à primeira vista neutro do ponto de vista da idade.

14      O órgão jurisdicional de reenvio constata igualmente que as partes no processo principal não contestam que o perfil etário dos professores contratados depois de 1 de janeiro de 2011 não é diferente do perfil etário dos professores contratados antes dessa data, independentemente do ano de contratação. O referido órgão jurisdicional pergunta, por conseguinte, se existe uma discriminação indireta em razão da idade, como T. Horgan e C. Keegan sustentam.

15      No que diz respeito à justificação de uma eventual discriminação indireta, o órgão jurisdicional de reenvio observa que foram invocadas duas razões justificativas, a saber, por um lado, a necessidade de a Irlanda responder a uma crise económica e, por outro, a obrigação de respeitar uma convenção coletiva que proíbe qualquer redução suplementar da remuneração dos funcionários contratados antes de 2011.

16      O referido órgão jurisdicional considera que esses motivos, considerados individualmente, não são justificações válidas, mas considerados conjuntamente poderiam ser.

17      Nestas circunstâncias, a Labour Court (Tribunal do Trabalho, Irlanda) decidiu suspender a instância e submeter ao Tribunal de Justiça as seguintes questões prejudiciais:

«1)      Constitui uma discriminação indireta em razão da idade, na aceção do artigo 2.o, n.o 2, alínea b), da Diretiva 2000/78/CE que estabelece um quadro geral de igualdade de tratamento no emprego e na atividade profissional, a introdução por um Estado‑Membro, na sua qualidade de empregador, de uma tabela salarial inferior para os professores do ensino básico público recém‑contratados, deixando inalterada a remuneração dos professores já em funções quando:

a)      as tabelas salariais revistas e as tabelas salariais existentes se aplicam a todos os professores nas respetivas categorias independentemente da sua idade;

b)      no momento em que foram contratados e colocados nos respetivos escalões não havia diferença no perfil etário entre os que compõem o grupo com remuneração superior e os que compõem o grupo com remuneração inferior;

c)      a introdução da tabela salarial revista resultou numa diferença substancial na remuneração entre dois grupos de professores que prestam trabalho de valor igual;

d)      a média de idade dos colocados nas tabelas salariais reduzidas é inferior à média de idade dos colocados na tabela salarial original;

e)      no momento em que a tabela salarial mais baixa foi introduzida, as estatísticas do Estado mostravam que 70% dos professores recém‑contratados tinham 25 anos ou menos e era reconhecido que isto coincide com o perfil etário típico de entrada em funções dos professores do ensino básico público em qualquer ano considerado; e

f)      os professores do ensino básico público que entraram em funções em 2011 e posteriormente sofreram uma clara desvantagem financeira em comparação com os seus colegas no ensino nomeados antes de 2011?

2)      Em caso de resposta afirmativa à primeira questão, a introdução da tabela salarial inferior pode ser objetivamente justificada pela exigência de alcançar uma redução estrutural a médio/longo prazo do custo do serviço público tendo em consideração as limitações orçamentais que o Estado enfrentava e/ou e importância da manutenção de boas relações laborais com os atuais trabalhadores da função pública em funções?

3)      A resposta à segunda questão seria diferente se o Estado tivesse podido obter uma poupança equivalente reduzindo a remuneração de todos os professores num montante significativamente inferior do que a redução aplicada apenas aos professores recém‑contratados?

4)      As respostas à segunda e terceira questões seriam diferentes se a decisão de não reduzir as tabelas salariais aplicáveis aos professores já em funções fosse tomada em conformidade com uma convenção coletiva entre o Governo como empregador e os sindicatos representativos dos trabalhadores da função pública na qual o Governo se comprometeu a não reduzir mais as remunerações dos trabalhadores da função pública em funções que já tinham sido objeto de cortes nas remunerações e [tendo em consideração] as consequências para as relações laborais que derivariam do não cumprimento dessa convenção tendo em conta o facto de que a nova tabela salarial introduzida em 2011 não fazia parte dessa convenção coletiva?»

 Quanto às questões prejudiciais

 Quanto à primeira questão

18      Com a sua primeira questão, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta, em substância, se o artigo 2.o, n.o 2, alínea b), da Diretiva 2000/78 deve ser interpretado no sentido de que constitui uma discriminação indireta em razão da idade, na aceção desta disposição, uma medida como a que está em causa no processo principal, que a partir de uma determinada data prevê, aquando da contratação de novos professores, a aplicação de uma tabela salarial e de uma classificação em escalões menos favoráveis das aplicadas, ao abrigo das regras anteriores a essa medida, a professores contratados antes desta data.

19      Antes de mais, importa recordar que decorre do artigo 2.o, n.o 1, da Diretiva 2000/78, lido em conjugação com o seu artigo 1.o, que, para efeitos desta diretiva, o princípio da igualdade de tratamento impõe a inexistência de qualquer discriminação direta ou indireta, designadamente em razão da idade. Além disso, resulta do artigo 2.o, n.o 2, alínea b), da referida diretiva que, para efeitos da mesma, existe discriminação indireta em razão da idade sempre que uma disposição, critério ou prática aparentemente neutra seja suscetível de colocar numa situação de desvantagem pessoas com uma determinada idade, comparativamente com outras pessoas, a não ser que essa disposição, critério ou prática sejam objetivamente justificados por um objetivo legítimo e que os meios utilizados para o alcançar sejam adequados e necessários.

20      Por conseguinte, para determinar se T. Horgan e C. Keegan podem invocar o princípio recordado no número anterior, há que verificar se os professores contratados depois de 1 de janeiro de 2011 e os que foram contratados antes dessa data estão sujeitos a um tratamento diferente em razão da idade que tinham aquando da sua contratação.

21      A este respeito, resulta dos autos de que o Tribunal de Justiça dispõe que a Irlanda optou por alterar as condições de remuneração dos funcionários recém‑contratados, incluindo os professores, a partir de 1 de janeiro de 2011, prevendo uma redução de 10% na remuneração e uma classificação no primeiro escalão da tabela salarial em vez de uma classificação no segundo ou terceiro escalão.

22      Estas novas condições são efetivamente aplicáveis à situação de T. Horgan e de C. Keegan, bem como à dos restantes professores contratados depois dessa data, e não se contesta que estes realizam um trabalho comparável ao dos professores contratados antes dessa data.

23      Em contrapartida, os professores contratados antes de 1 de janeiro de 2011 foram necessariamente classificados nos respetivos escalões com base nas antigas condições que vigoravam à data da sua contratação, o que determinou o montante da sua remuneração.

24      Daqui decorre que esta diferença de tratamento resulta da data da contratação dos respetivos professores, uma vez que é em função dessa data que devem ser aplicadas as antigas ou as novas regras relativas à tabela salarial e à classificação nos escalões.

25      Assim, o único critério relevante para efeitos da aplicação das novas regras relativas à tabela salarial e à classificação nos escalões é a qualidade de «funcionário recém‑contratado a partir de 1 de janeiro de 2011», independentemente da idade do funcionário no momento da sua contratação. Portanto, este critério, que faz depender a aplicação das novas regras unicamente da data de contratação enquanto elemento objetivo e neutro, é manifestamente alheio a qualquer tomada em consideração da idade das pessoas contratadas (v., neste sentido, Acórdão de 22 de dezembro de 2008, Centeno Mediavilla e o./Comissão, C‑443/07 P, EU:C:2008:767, n.os 81 e 83).

26      Além disso, o órgão jurisdicional de reenvio precisou que, apesar de, no momento da sua contratação, T. Horgan, C. Keegan e os restantes professores contratados depois de 1 de janeiro de 2011 serem, na sua maioria, mais jovens do que os professores contratados antes dessa data, uma vez que, na referida data, cerca de 70% deles tinham 25 anos ou menos, é também pacífico que, independentemente do ano de contratação, tanto os professores contratados depois de 1 de janeiro de 2011 como os contratados antes dessa data tinham, em média, menos de 25 anos.

27      Resulta do que precede que as novas condições de remuneração implementadas pela Irlanda não se baseiam num critério indissociavelmente ou indiretamente relacionado com a idade dos professores, pelo que não se pode considerar que a nova regulamentação institui uma diferença de tratamento em razão da idade (v., neste sentido, Acórdão de 7 de junho de 2012, Tyrolean Airways Tiroler Luftfahrt Gesellschaft, C‑132/11, EU:C:2012:329, n.os 29 e 30).

28      Atendendo a estas considerações, há que responder à primeira questão prejudicial que o artigo 2.o, n.o 2, alínea b), da Diretiva 2000/78 deve ser interpretado no sentido de que não constitui uma discriminação indireta em razão da idade, na aceção desta disposição, uma medida como a que está em causa no processo principal, que a partir de uma determinada data prevê, aquando da contratação de novos professores, a aplicação de uma tabela salarial e de uma classificação em escalões menos favoráveis das aplicadas, ao abrigo das regras anteriores a essa medida, a professores contratados antes desta data.

 Quanto à segunda a quarta questões

29      Tendo em conta a resposta dada à primeira questão, não há que responder às questões segunda a quarta.

 Quanto às despesas

30      Revestindo o processo, quanto às partes na causa principal, a natureza de incidente suscitado perante o órgão jurisdicional de reenvio, compete a este decidir quanto às despesas. As despesas efetuadas pelas outras partes para a apresentação de observações ao Tribunal de Justiça não são reembolsáveis.

Pelos fundamentos expostos, o Tribunal de Justiça (Segunda Secção) declara:

O artigo 2.o, n.o 2, alínea b), da Diretiva 2000/78/CE do Conselho, de 27 de novembro de 2000, que estabelece um quadro geral de igualdade de tratamento no emprego e na atividade profissional, deve ser interpretado no sentido de que não constitui uma discriminação indireta em razão da idade, na aceção desta disposição, uma medida como a que está em causa no processo principal, que a partir de uma determinada data prevê, aquando da contratação de novos professores, a aplicação de uma tabela salarial e de uma classificação em escalões menos favoráveis das aplicadas, ao abrigo das regras anteriores a essa medida, a professores contratados antes desta data.

Assinaturas


*      Língua do processo: inglês.