Language of document : ECLI:EU:T:2022:696

ACÓRDÃO DO TRIBUNAL GERAL (Oitava Secção)

9 de novembro de 2022 (*)

«Direito institucional — Iniciativa de cidadania europeia — “Minority SafePack — one million signatures for diversity in Europe” — Comunicação da Comissão que apresenta as razões para não adotar as propostas de atos jurídicos que figuram na iniciativa de cidadania europeia — Dever de fundamentação — Igualdade de tratamento — Princípio da boa administração — Erro manifesto de apreciação»

No processo T‑158/21,

Citizens’ Committee of the European Citizens’ Initiative «Minority SafePack — one million signatures for diversity in Europe», representado por T. Hieber, advogado,

recorrente,

apoiado por

Hungria, representada por M. Fehér e K. Szíjjártó, na qualidade de agentes,

interveniente,

contra

Comissão Europeia, representada por I. Martínez del Peral, I. Rubene, E. Stamate e D. Drambozova, na qualidade de agentes,

recorrida,

apoiada por:

República Helénica, representada por T. Papadopoulou, na qualidade de agente,

e por

República Eslovaca, representada por E. Drugda, na qualidade de agente,

intervenientes,

O TRIBUNAL GERAL (Oitava Secção),

composto por: J. Svenningsen, presidente, C. Mac Eochaidh (relator) e J. Laitenberger, juízes,

secretário: E. Coulon,

vistos os autos,

uma vez que as partes não apresentaram um pedido de realização de uma audiência de alegações no prazo de três semanas a contar da notificação do encerramento da fase escrita do processo e tendo decidido, em aplicação do artigo 106.°, n.° 3, do Regulamento de Processo do Tribunal Geral, julgar o recurso prescindindo da fase oral do processo,

profere o presente

Acórdão

1        Através do seu recurso baseado no artigo 263.° TFUE, a recorrente, Citizens’ Committee of the European Citizens’ Initiative «Minority SafePack — one million signatures for diversity in Europe», pede a anulação da Comunicação C(2021) 171 final da Comissão, de 14 de janeiro de 2021, sobre a Iniciativa de Cidadania Europeia, intitulada «Minority SafePack — one million signatures for diversity in Europe» (a seguir «comunicação impugnada»).

 Antecedentes do litígio

2        A recorrente apresentou à Comissão Europeia um pedido de registo da proposta de iniciativa de cidadania europeia intitulada «Minority SafePack — one million signatures for diversity in Europe» (a seguir «proposta de ICE»), ao abrigo do artigo 11.°, n.° 4, TUE e do Regulamento (UE) n.° 211/2011 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 16 de fevereiro de 2011, sobre a iniciativa cidadania (JO 2011, L 65, p. 1).

3        O objeto da proposta de ICE era convidar a União Europeia a adotar uma série de atos com vista a melhorar a proteção das pessoas que pertencem a minorias nacionais e linguísticas e reforçar a diversidade cultural e linguística na União.

4        Em 29 de março de 2017, a Comissão adotou a Decisão (UE) 2017/652, sobre a proposta de ICE (JO 2017, L 92, p. 100). No artigo 1.°, n.° 1, da referida decisão, declarou o registo da proposta de ICE e, no n.° 2, recenseou as nove propostas para as quais podiam ser recolhidas declarações de apoio, a saber:

–        uma recomendação do Conselho da União Europeia «relativa à proteção e à promoção da diversidade cultural e linguística na União» (proposta 1);

–        uma decisão ou um regulamento do Parlamento Europeu e do Conselho com vista a adaptar «os programas de financiamento, para facilitar o acesso aos mesmos por parte das pequenas línguas regionais e minoritárias» (proposta 2);

–        uma decisão ou um regulamento do Parlamento Europeu e do Conselho com vista a criar um centro da diversidade linguística que reforçará a consciência da importância das línguas regionais e minoritárias, promoverá a diversidade a todos os níveis e será essencialmente financiada pela União (proposta 3);

–        um regulamento que adapte as regras gerais aplicáveis às missões, aos objetivos prioritários e à organização dos fundos com finalidade estrutural, de modo a serem tidas em conta a proteção das minorias e a promoção da diversidade cultural e linguística, desde que as ações a financiar se destinem ao reforço da coesão económica, social e territorial da União (proposta 4);

–        um regulamento do Parlamento Europeu e do Conselho com vista a alterar o regulamento relativo ao programa «Horizonte 2020», com a finalidade de melhorar a pesquisa sobre o valor acrescentado que as minorias nacionais e a diversidade cultural e linguística podem representar para o desenvolvimento social e económico nas regiões da União (proposta 5);

–        uma alteração da legislação da União a fim de garantir uma quase igualdade de tratamento entre os apátridas e os cidadãos da União (proposta 6);

–        um regulamento do Parlamento Europeu e do Conselho a fim de introduzir um direito de autor uniforme que permita considerar toda a União um mercado interno em matéria de direitos de autor (proposta 7);

–        uma alteração da Diretiva 2010/13/UE do Parlamento Europeu e do Conselho[, de 10 de março de 2010, relativa à coordenação de certas disposições legislativas, regulamentares e administrativas dos Estados‑Membros respeitantes à oferta de serviços de comunicação social audiovisual (Diretiva «Serviços de Comunicação Social Audiovisual») (JO 2010, L 95, p. 1),] com vista a garantir a livre prestação de serviços e a receção de conteúdos audiovisuais nas regiões em que residem minorias nacionais (proposta 8);

–        um regulamento ou uma decisão do Conselho com vista a uma isenção, por categorias, para projetos que promovam as minorias nacionais e respetiva cultura, com fundamento no artigo 108.°, n.° 2, do TFUE (proposta 9).

5        Em 1 de janeiro de 2020, o Regulamento n.° 211/2011 foi revogado e substituído pelo Regulamento (UE) 2019/788 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 17 de abril de 2019, sobre a iniciativa de cidadania europeia (JO 2019, L 130, p. 55; retificações no JO 2019, L 334, p. 168, e no JO 2020, L 424, p. 60), conforme alterado pelo Regulamento Delegado (UE) 2019/1673 da Comissão, de 23 de julho de 2019, que substitui o anexo I do Regulamento 2019/788 (JO 2019, L 257, p. 1).

6        Em 10 de janeiro de 2020, tendo recolhido no prazo fixado mais de 1 300 000 declarações de apoio, das quais, segundo a comunicação impugnada, 1 128 422 declarações validadas pelas autoridades competentes de onze Estados‑Membros, a recorrente apresentou à Comissão a ICE intitulada «Minority SafePack — one million signatures for diversity in Europe» (a seguir «ICE»).

7        Em 5 de fevereiro de 2020, numa reunião realizada com a Comissão em conformidade com o artigo 15.°, n.° 1, do Regulamento 2019/788, a recorrente apresentou oralmente as propostas da ICE e transmitiu um documento explicativo das propostas legislativas com elas relacionadas.

8         Em 15 de outubro de 2020, foi realizada a audição pública perante o Parlamento, ao abrigo do artigo 14.°, n.° 2, do Regulamento 2019/788. Esta, inicialmente prevista para 23 de março de 2020, tinha sido adiada em razão da pandemia de COVID‑19. A recorrente participou nessa audição por videoconferência.

9        Em 17 de dezembro de 2020, depois de um debate em sessão plenária realizado em 14 de dezembro de 2020, o Parlamento adotou a Resolução (2020)2846(RSP), P9_TA‑PROV(2020)0370 relativa à ICE. No n.° 20 da resolução, o Parlamento rogou à Comissão que desse seguimento à referida iniciativa apresentando propostas de textos legislativos que se apoiam nos Tratados e no Regulamento 2019/788, respeitando os princípios da subsidiariedade e da proporcionalidade, sublinhou que a ICE exigia propostas legislativas em nove domínios distintos e recordou que a ICE requeria a verificação e a avaliação individuais de cada proposta.

10      Em 14 de janeiro de 2021, a Comissão adotou a comunicação impugnada através da qual tomou posição sobre a resolução do Parlamento e respondeu às nove propostas da ICE. Ao termo de uma avaliação dessas propostas, informou a recorrente das razões da sua recusa de dar início às ações pedidas na ICE.

 Pedidos das partes

11      A recorrente, apoiado pela Hungria, conclui pedindo que o Tribunal Geral se digne:

–        a título principal, anular integralmente a comunicação impugnada;

–        a título subsidiário, anular parcialmente a comunicação impugnada na medida em que as condições de uma anulação estejam reunidas;

–        condenar a Comissão nas despesas.

12      A Comissão, apoiada pela República Helénica e pela República Eslovaca, conclui pedindo que o Tribunal Geral se digne:

–        negar provimento ao recurso;

–        condenar a recorrente nas despesas.

13      A República Eslovaca concluiu igualmente pedindo que o Tribunal Geral se digne condenar a recorrente nas despesas.

 Questão de direito

14      Em apoio do seu recurso, a recorrente invoca três fundamentos. O primeiro fundamento é relativo à violação do dever de fundamentação, o segundo fundamento é relativo a um erro de direito e a vários erros manifestos de apreciação, e o terceiro fundamento, suscitado na fase da réplica, é relativo a uma violação do princípio da igualdade de tratamento.

 Quanto ao primeiro fundamento, relativo à violação do dever de fundamentação

15      Com o primeiro fundamento, a recorrente, apoiada pela Hungria, afirma, em substância, que a Comissão violou o dever de fundamentação ao adotar a comunicação impugnada. Por um lado, a Comissão não teve em conta as explicações orais e escritas por ele formuladas, quer nos documentos escritos transmitidos à Comissão quer também durante a reunião com a Comissão e durante a audição no Parlamento. Por outro lado, alguns fundamentos da comunicação impugnada limitam‑se a simples remissões para outros atos da União. Por conseguinte, a fundamentação acolhida na comunicação impugnada é insuficiente, com exceção da relativa à proposta 5.

16      A Comissão, apoiada pela República Francesa e pela República da Finlândia, contesta esta argumentação.

17      A este respeito, segundo jurisprudência constante, o dever de fundamentar uma decisão individual, imposto pelo artigo 296.° TFUE, tem por finalidade fornecer ao interessado uma indicação suficiente para determinar se a decisão está efetivamente fundamentada ou se, eventualmente, enferma de um vício que permita impugnar a sua validade e permitir ao juiz da União fiscalizar a legalidade da decisão fiscalizada (v. Acórdão de 23 de abril de 2018, One of Us e o./Comissão, T‑561/14, EU:T:2018:210, n.° 142 e jurisprudência referida).

18      A obrigação da Comissão de expor, na comunicação adotada ao abrigo do artigo 15.°, n.° 2, do Regulamento 2019/788, as suas conclusões, tanto jurídicas como políticas, sobre a ICE em causa, a ação que tenciona, se for caso disso, levar a cabo na sequência dessa ICE, bem como as razões que tem para levar a cabo ou para não levar a cabo essa ação constitui a expressão específica do dever de fundamentação imposto no âmbito da referida disposição (v., neste sentido e por analogia, Acórdãos de 19 de dezembro de 2019, Puppinck e o./Comissão, C‑418/18 P, EU:C:2019:1113, n.° 91, e de 23 de abril de 2018, One of Us e o./Comissão, T‑561/14, EU:T:2018:210, n.° 143).

19      Segundo jurisprudência igualmente constante, a fundamentação exigida pelo artigo 296.° TFUE deve ser adaptada à natureza do ato em causa e revelar clara e inequivocamente a argumentação da instituição, autora do ato, de modo a permitir aos interessados conhecerem as justificações da medida tomada e jurisdição competente exercer a sua fiscalização. A exigência de fundamentação deve ser apreciada em função das circunstâncias do caso concreto, designadamente do conteúdo do ato, da natureza dos fundamentos invocados e do interesse que os destinatários ou outras pessoas direta e individualmente pelo ato podem ter em obter explicações. Não se exige que a fundamentação especifique todos os elementos de facto e de direito pertinentes, na medida em que a questão de saber se a fundamentação de um ato satisfaz as exigências do artigo 296.° TFUE deve ser apreciada tendo em conta não só o seu teor mas também o seu contexto e o conjunto das normas jurídicas que regem a matéria em causa (Acórdãos de 19 de dezembro de 2019, Puppinck e o./Comissão, C‑418/18 P, EU:C:2019:1113, n.os 92 e 94 e jurisprudência referida, e de 23 de abril de 2018, One of Us e o./Comissão, T‑561/14, EU:T:2018:210, n.° 144 e jurisprudência referida).

20      Por outro lado, importa notar que o respeito do dever de fundamentação e dos restantes condicionalismos formais e processuais aos quais a adoção do ato em causa está sujeita reveste uma importância ainda maior nos casos em que as instituições da União dispõem de um amplo poder de apreciação. Só assim é que o juiz da União pode verificar se os elementos de facto e de direito de que depende o exercício do poder de apreciação foram reunidos (v. Acórdão de 23 de abril de 2018, One of Us e o./Comissão, T‑561/14, EU:T:2018:210, n.° 145 e jurisprudência referida).

21      Sobre este último ponto, já foi decidido que, no âmbito do exercício do seu poder de iniciativa legislativa, a Comissão deve beneficiar de um amplo poder de apreciação, na medida em que, através desse exercício, é chamada, por força do artigo 17.°, n.° 1, TUE, a promover o interesse geral da União procedendo, eventualmente, a arbitragens difíceis entre interesses divergentes. Resulta daqui que a Comissão deve beneficiar de um amplo poder de apreciação a fim de decidir levar ou não a cabo uma ação na sequência de uma ICE, pelo que a comunicação em causa está sujeita a uma fiscalização restrita da parte dos órgãos jurisdicionais da União destinada a verificar, designadamente, o caráter suficiente da sua fundamentação (v., neste sentido, Acórdãos de 19 de dezembro de 2019, Puppinck e o./Comissão, C‑418/18 P, EU:C:2019:1113, n.os 88, 89 e 96, e de 23 de abril de 2018, One of Us e o./Comissão, T‑561/14, EU:T:2018:210, n.os 169 e 170).

22      No caso vertente, a comunicação impugnada foi adotada na sequência da ICE, que tinha por objetivo, segundo os termos da recorrente, mobilizar a União a fim de melhorar a proteção das pessoas que pertencem a minorias nacionais e linguísticas assim como reforçar a diversidade cultural e linguística no seio da União. Para esse fim, a ICE continha nove propostas com vista a adotar novos atos ou a modificar atos existentes do direito da União. Através da comunicação impugnada, a Comissão, em substância, recusou‑se a levar a cabo as ações pedidas na ICE.

23      A este respeito, resulta da comunicação impugnada que a Comissão, em conformidade com o artigo 15.°, n.° 2, do Regulamento 2019/788, expôs as suas conclusões de natureza jurídica e política que a levaram a considerar que não havia que levar a cabo nenhuma ação na sequência da ICE. Mais precisamente, nomeadamente no termo de uma análise do quadro jurídico que delimita os seus poderes de ação assim como os da União na matéria, a Comissão concluiu que era «possível dar seguimento aos pedidos num certo número de domínios». Porém, tendo em conta as ações já levadas a cabo pelas instituições da União nos domínios abrangidos pela ICE e o seguimento da execução das referidas ações, a Comissão considerou que, nesta fase, «nenhum ato jurídico suplementar [era] necessário» para alcançar os objetivos prosseguidos pela ICE. Deste modo, a Comissão expôs, de modo compreensível e suficiente, a natureza jurídica e política dos motivos da sua recusa de levar a cabo as ações previstas pela ICE.

24      Além disso, os fundamentos da comunicação impugnada acrescem aos elementos retomados nomeadamente na Decisão 2017/652 e dão igualmente seguimento aos intercâmbios que tiveram lugar entre a recorrente e a Comissão em 5 de fevereiro de 2020. A fundamentação da comunicação impugnada é, portanto, reforçada pelo contexto, sobejamente conhecido pela recorrente, no qual aquela se inscreveu.

25      A Comissão expôs, portanto, as principais razões que a levaram, tendo em conta o seu amplo poder de apreciação, a recusar levar a cabo cada uma das ações propostas pela ICE.

26      Esta conclusão não é infirmada pelo facto de que, na comunicação impugnada, a Comissão não tomou expressamente posição sobre cada uma das explicações escritas e orais formuladas pela recorrente a respeito de todas as propostas. Com efeito, como é recordado no n.° 19, supra, a jurisprudência não exige que a fundamentação especifique todos os elementos de facto e de direito pertinentes, e não pode, portanto, ser exigido à Comissão que tome posição sobre cada uma das explicações escritas e orais formuladas a respeito de todas as propostas que figurem numa ICE. De resto, como é indicado no n.° 25, supra, a Comissão expôs as principais razões, tanto políticas como jurídicas, que a conduziram a recusar levar a cabo as ações propostas pela ICE.

27      Do mesmo modo, devem ser rejeitados os argumentos da recorrente segundo os quais a Comissão violou, várias vezes, a obrigação de fundamentação ao limitar‑se a uma simples remissão para outros atos da União sem explicar a pertinência desses instrumentos para a ICE. Com efeito, ao contrário do que afirma a recorrente, a Comissão não se limita a remeter, sem explicação, para outros atos da União, mas precisa, pelo contrário, que esses atos abordam cerros aspetos mencionados na ICE.

28      Tendo em conta o conjunto das considerações que precedem, o Tribunal Geral considera que a fundamentação acolhida na comunicação impugnada permite à recorrente determinar se a recusa da Comissão de submeter as propostas que figuram na ICE tem fundamento ou se padece de vícios. Por outro lado, estas explicações permitem ao juiz da União exercer a sua fiscalização sobre a legalidade da comunicação impugnada. Por conseguinte, há que concluir que essa decisão está suficientemente fundamentada.

29      Esta conclusão não afeta eventuais erros de direito ou de apreciação que a Comissão tenha cometido. Com efeito, o dever de fundamentação enquanto formalidade essencial, que pode ser suscitado no âmbito de um fundamento que ponha em causa a fundamentação insuficiente, ou mesmo a falta de fundamentação de uma decisão, deve ser distinguido da fiscalização da procedência dos fundamentos, a qual é abrangida pela fiscalização da legalidade do mérito do ato e pressupõe que o juiz verifique se os fundamentos nos quais assenta o ato padecem ou não de erros. Com efeito, trata‑se de duas fiscalizações de natureza diferente que dão lugar a apreciações distintas do Tribunal Geral (v. Acórdão de 23 de abril de 2018, One of Us e o./Comissão, T‑561/14, EU:T:2018:210, n.° 146 e jurisprudência referida). A procedência da fundamentação acolhida para as propostas 1, 3, 6 e 8, que são as únicas visadas pela recorrente no âmbito do segundo fundamento, será portanto examinada nos n.os 42 a 146, infra.

30      Por conseguinte, o primeiro fundamento deve ser julgado improcedente.

31      Pelas mesmas razões, a acusação adiantada pela Hungria, relativa à violação do princípio da boa administração na medida em que a Comissão não respondeu expressamente a cada elemento adiantado pela recorrente, deve igualmente ser afastada.

 Quanto ao terceiro fundamento, relativo à violação do princípio da igualdade de tratamento

32      No âmbito do terceiro fundamento, suscitado pela primeira vez na réplica, a recorrente acusa a Comissão, em substância, de ter violado o princípio da igualdade de tratamento, na medida em que esta instituição não lhe ofereceu as mesmas possibilidades de discutir acerca da ICE e de a convencer das suas preocupações como as que beneficiaram os organismos da ICE «End the Cage Age», a respeito da qual a Comissão anunciou a sua intenção de apresentar uma proposta legislativa. Deste modo, a recorrente, foi prejudicada em relação aos organizadores da ICE «End the Cage Age».

33      Além da reunião de 5 de fevereiro de 2020 ao abrigo do artigo 15.°, n.° 1, do Regulamento 2019/788, a Comissão nunca organizou nem propôs reuniões suplementares com a recorrente a fim de discutir os objetivos prosseguidos pela ICE. Ora, resulta de diversos documentos divulgados à recorrente na sequência de um pedido de acesso às atas de todas as reuniões realizadas entre a Comissão e os organizadores de três ICE, entre as quais, designadamente, a ICE «End the Cage Age», formulada em aplicação do Regulamento (CE) n.° 1049/2001 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 30 de maio de 2001, relativo ao acesso do público aos documentos do Parlamento Europeu, do Conselho e da Comissão (JO 2001, L 145, p. 43), posteriormente à apresentação da petição no presente recurso, que, no âmbito da ICE «End the Cage Age», a Comissão se encontrou com os organizadores da referida iniciativa, ou manteve com estes contactos telefónicos, pelo menos quatro vezes além da reunião prevista pelo artigo 15.°, n.° 1, do Regulamento 2019/788. Três desses intercâmbios suplementares tiveram lugar antes da apresentação da ICE «End the Cage Age».

34      Além disso, depois do encerramento da fase escrita do processo, a recorrente apresentou no Tribunal Geral um «articulado suplementar», acompanhado de quatro anexos. Nesse «articulado suplementar», expõe, designadamente, que resulta da resposta da Comissão a um novo pedido de acesso a documentos, apresentado em 4 de outubro de 2021, que representantes de gabinetes de membros da Comissão tiverem duas reuniões por videoconferência com representantes dos organizadores da ICE «End the Cage Age» além das reuniões mencionadas no n.° 33, supra, antes da audição pública. Ora, todas as ICE deveriam beneficiar das mesmas oportunidades de chamar a atenção da Comissão, uma vez que o artigo 9.° TUE visa garantir condições de concorrência equitativas para todas estas últimas. Nas suas observações sobre esse «articulado suplementar», a Hungria apoia a argumentação da recorrente e acrescenta que a abordagem da Comissão infringiu não só o princípio da igualdade de tratamento mas igualmente o princípio de uma administração diligente e imparcial.

35      A Comissão contesta esta argumentação, alegando que o presente fundamento é improcedente e que o «articulado suplementar» e seus anexos são inadmissíveis.

36      No caso vertente, sem que seja necessário interrogar‑se sobre a admissibilidade do terceiro fundamento, tendo em conta do artigo 84.° do Regulamento de Processo do Tribunal Geral, e as provas apresentadas posteriormente ao encerramento da fase escrita do processo, tendo em conta o artigo 85.°, n.° 3, do mesmo regulamento, há que salientar que as circunstâncias invocadas pela recorrente não são suscetíveis de demonstrar uma violação do princípio da igualdade de tratamento.

37      Por um lado, a recorrente não afirma que a Comissão não respeitou plenamente, durante o processo que precedeu a adoção da comunicação impugnada, as suas obrigações decorrentes dos artigos 14.° e 15.° do Regulamento 2019/788.

38      Por outro lado, além de se tratar de duas ICE registadas que atingiram o limiar de apoio exigido, a recorrente não expôs de modo nenhum em que é que a ICE é comparável à ICE «End the Cage Age», designadamente tendo em conta os seus objetivos respetivos e as dificuldades políticas ou jurídicas que estas apresentam.

39      Ora, desde que sejam respeitadas as exigências que decorrem dos artigos 14.° e 15.° do Regulamento 2019/788, o número de reuniões que a Comissão realiza com os organizadores de uma ICE é suscetível de variar em função, designadamente, da natureza ou da complexidade da ICE, pelo que a Comissão não é obrigada a organizar um número idêntico de reuniões com os organizadores de cada ICE. Além disso, como recorda o considerando 28 do Regulamento 2019/788, a Comissão é obrigada a examinar as ICE em conformidade com o princípio da boa administração, como este é consagrado pelo artigo 41.° da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia (a seguir «Carta»).

40      Tendo em conta as considerações que precedem, há que concluir que foi sem violar o princípio da igualdade de tratamento que a Comissão pôde, no âmbito do seu exame da ICE que conduziu à comunicação impugnada, considerar‑se suficientemente esclarecida pelas informações escritas e orais de que dispunha e considerar que as reuniões não eram necessárias.

41      Pelas mesmas razões, a acusação adiantada pela Hungria, relativa à violação do princípio da boa administração na medida em que a Comissão concedeu mais atenção à ICE «End the Cage Age» do que à ICE, deve igualmente ser afastada.

 Quanto ao segundo fundamento, baseado num erro de direito e em vários erros manifestos de apreciação

 Quanto à primeira parte do segundo fundamento, relativa a um erro de direito e a vários erros manifestos de apreciação da Comissão no que diz respeito à proposta 1

42      A título preliminar, o Tribunal Geral recorda que a proposta 1 tem por objetivo a adoção de uma recomendação do Conselho que defina meios de proteger e de promover a diversidade cultural e linguística, em especial para proteger a utilização das línguas minoritárias nos domínios da Administração Pública, dos serviços públicos, da educação, da cultura, da justiça, dos meios de comunicação social, dos cuidados de saúde, do comércio e da proteção dos consumidores (incluindo a rotulagem).

43      Porém, na proposta de ICE, a recorrente faz unicamente referência ao artigo 165.°, n.° 4, segundo travessão, e ao artigo 167.°, n.° 5, segundo travessão, TFUE enquanto bases jurídicas da recomendação prevista pela proposta 1 [ponto a) do considerando 4 da Decisão 2017/652]. Ora, é manifesto que apenas os domínios da educação e da cultura são visados por essas bases jurídicas.

44      Além disso, resulta da leitura conjunta do artigo 2.°, n.° 5, do artigo 6.° alíneas c) e e), do artigo 165.°, n.° 1, e do artigo 167.°, n.° 2, TFUE, que os Estados‑Membros dispõem de uma competência alargada no domínio da cultura e da educação [v., neste sentido, Acórdão de 6 de outubro de 2020, Comissão/Hungria (Ensino Superior), C‑66/18, EU:C:2020:792, n.° 74], tendo a União nesta matéria apenas competência «para levar a cabo ações para apoiar, coordenar ou completar a ação dos Estados‑Membros», sem que esta competência da União substitua, porém, a dos Estados‑Membros.

45      Por conseguinte, é à luz do objetivo prosseguido pela proposta 1 e das bases jurídicas visadas pela recorrente no que respeita a esta proposta que há que apreciar se a comunicação impugnada padece de um erro de direito e de erros manifestos de apreciação no caso vertente.

–       Quanto ao primeiro fundamento, relativo a um erro de direito

46      Com a primeira acusação, a recorrente, apoiada pela Hungria, acusa a Comissão, em substância, de ter cometido um erro de direito ao considerar que a União não tinha competência para adotar recomendações relativas à promoção e à proteção das línguas regionais ou minoritárias.

47      A Comissão, apoiada pela República Francesa e pela República da Finlândia, contesta esta argumentação.

48      A este respeito, há que constatar que, no âmbito da avaliação da proposta 1, a Comissão indicou que a União não dispunha de «competência legislativa» no caso em apreço, e não que não dispunha de nenhuma competência neste domínio. Embora esse motivo não permita, é certo, justificar a recusa de adotar uma proposta de recomendação do Conselho, que não é um ato legislativo, importa, porém, salientar que isso não afeta o fundamento da comunicação impugnada na parte em que esta respeita à proposta 1, uma vez que, como resulta do ponto 3.1 da comunicação impugnada, a recusa da Comissão de propor a adoção de uma recomendação ao Conselho procede da constatação de que o objetivo prosseguido pela referida proposta pode ser alcançado por outros instrumentos existentes ou por iniciativas em curso. Essa constatação que, segundo a recorrente, padece de vários erros manifestos de apreciação, será examinada no âmbito da segunda acusação, nos n.os 50 a 89, a seguir.

49      Por conseguinte, a primeira acusação deve ser julgada inoperante.

–       Quanto à segunda acusação, relativa a vários erros manifestos de apreciação

50      Através de uma segunda acusação, a recorrente, apoiada pela Hungria, acusa, em substância, a Comissão de ter cometido vários erros manifestos de apreciação ao se recusar a dar seguimento à proposta 1.

51      A Comissão, apoiada pela República Francesa e pela República da Finlândia, contesta esta argumentação.

52      A este respeito, quando as instituições da União dispõem, como a Comissão no caso em apreço, de um amplo poder de apreciação e, em particular, quando devem fazer escolhas de natureza, nomeadamente política e apreciações complexas, a fiscalização jurisdicional, por natureza restrita, das apreciações subjacentes ao exercício desse poder deve consistir em verificar a inexistência de erros manifestos (v., neste sentido, Acórdão de 19 de dezembro de 2019, Puppinck e o./Comissão, C 418/18 P, EU:C:2019:1113, n.os 95 e 96 e jurisprudência referida, e de 23 de abril de 2018, One of Us e o./Comissão, T‑561/14, EU:T:2018:210, n.os 169 e 170 e jurisprudência referida).

53      Além disso, um erro só pode ser qualificado de manifesto quando puder ser detetado de modo evidente. Assim, demonstrar que a Comissão cometeu um erro manifesto na apreciação dos factos de modo a justificar a anulação da comunicação impugnada pressupõe que os elementos de prova, que incumbe à recorrente apresentar, sejam suficientes para privar de plausibilidade as apreciações feitas pela Comissão. Por outras palavras, o fundamento relativo ao erro manifesto de apreciação deve ser afastado se, apesar dos elementos adiantados pela recorrente, a apreciação posta em causa pode ser sempre admitida como sendo justificada e coerente [v., neste sentido, Acórdão de 2 de abril de 2019, Fleig/SEAE, T‑492/17, EU:T:2019:211, n.° 55 (não publicado) e jurisprudência referida].

54      Em primeiro lugar, a recorrente sustenta, em substância, que a existência da Carta Europeia das Línguas Regionais ou Minoritárias do Conselho da Europa de 5 de novembro de 1992 (Série dos Tratados Europeus — n.° 148, a seguir «Carta do Conselho da Europa») não pode justificar, como fez a Comissão na comunicação impugnada, a recusa desta instituição de dar seguimento à proposta 1. Com efeito, por um lado, a União não é parte na Carta do Conselho da Europa. Por outro lado, vários Estados‑Membros da União não a assinaram ou ratificaram.

55      A este respeito, a Comissão afirma, na comunicação impugnada, que a União encoraja os seus Estados‑Membros a assinar a Carta do Conselho da Europa e que faz regularmente referência a esta última como sendo o instrumento jurídico que define as orientações relativas à promoção e à proteção das línguas regionais ou minoritárias.

56      O facto de a União não ser parte na Carta do Conselho da Europa não demonstra que a Comissão cometeu um erro manifesto de apreciação, uma vez que a recorrente não contesta que a União faz regularmente referência a este texto como sendo o instrumento jurídico que define as orientações relativas à promoção e à proteção das línguas regionais e minoritárias. Além disso, o facto de certos Estados‑Membros ainda não a terem assinado ou ratificado não tem pertinência para apreciar a ação da União neste domínio.

57      Além disso, é irrelevante a alegação, adiantada pela Hungria, de que alguns Estados‑Membros que ratificaram a referida Carta reservam a proteção conferida por este texto a um número limitado de línguas, quando a proposta 1 visa apoiar todas as línguas minoritárias em todos os Estados‑Membros.

58      Com efeito, não se pode ser exigir à Comissão, e nenhuma disposição do Regulamento 2019/788 o prevê, que tenha em conta, no caso vertente, unicamente os atos que digam respeito a todos Estados‑Membros e a todas as línguas regionais ou minoritárias referidas na proposta 1. Um ato pode assim ser validamente tomado em consideração pela Comissão, mesmo que só parcialmente permita alcançar os objetivos prosseguidos pela proposta em causa. Por outras palavras, pouco importa que um ato, considerado isoladamente, não permita alcançar plenamente o objetivo prosseguido pela proposta 1, se o conjunto dos atos mencionados na comunicação impugnada forem suscetíveis, conjuntamente, de realizar o referido objetivo.

59      Por fim, não tem a recorrente razão quando afirma que a Comissão não pode levar a cabo uma ação fazendo referência a outros instrumentos de direito internacional e que a União é obrigada a exercer as competências que lhe são conferidas pelos Estados‑Membros.

60      Sobre este aspeto, basta recordar que resulta da própria redação do artigo 11.°, n.° 4, TUE que a ICE se destina a «convidar» a Comissão a apresentar uma proposta adequada para efeitos de aplicação dos Tratados, e não, como sustenta a recorrente, a obrigar esse instituição a levar a cabo a ação ou as ações previstas pela ICE em causa (Acórdão de 19 de dezembro de 2019, Puppinck e o./Comissão, C‑418/18 P, EU:C:2019:1113, n.° 57). Além disso, as explicações dadas pela Comissão na comunicação impugnada são o testemunho do exercício efetivo, pela União, das competências limitadas que lhe são reconhecidas pelos Tratados. Com efeito, ao encorajar os Estados‑Membros a assinar a Carta do Conselho da Europa e ao fazer‑lhe referência, a União apoia e completa a ação dos Estados‑Membros neste domínio.

61      Em segundo lugar, a recorrente sustenta, em substância, que as medidas tomadas pela Comissão ao abrigo do artigo 7.° da Convenção sobre a proteção e a promoção da diversidade das expressões culturais, adotada por ocasião da Conferência Geral da Unesco realizada em 20 de outubro de 2005 em Paris e aprovada em nome da Comunidade Europeia pela Decisão 2006/515/CE do Conselho, de 18 de maio de 2006 (JO 2006, L 201, p. 15; a seguir «Convenção da Unesco»), não podem justificar, como fez essa instituição na comunicação impugnada, a recusa de dar seguimento à proposta 1. Não há nenhuma ligação entre as medidas de execução mencionadas na comunicação impugnada, e centradas na inclusão social, e o objetivo prosseguido pela proposta 1, a saber, a proteção e a promoção das línguas regionais ou minoritárias.

62      Esta tese não pode prosperar. Como precisa a comunicação impugnada, o artigo 7.° da Convenção da Unesco destina‑se a encorajar os indivíduos «incluindo as pessoas que pertencem às minorias», e os grupos sociais a criar, produzir, difundir e distribuir as suas próprias expressões culturais e a aceder‑lhes. Além disso, como precisa igualmente a decisão impugnada, essa mesma Convenção da Unesco recorda que a diversidade linguística é um elemento fundamental da diversidade cultural e reafirma o papel fundamental que desempenha a educação na proteção e na promoção das expressões culturais.

63      Contrariamente ao que sustenta a recorrente, a Convenção da Unesco não carece manifestamente de vínculo com o objetivo prosseguido pela proposta 1.

64      Do mesmo modo, as medidas de execução adotadas pela Comissão com fundamento no artigo 7.° da Convenção da Unesco, a saber, a organização de diálogos com os Estados‑Membros e o setor cultural sobre a contribuição da cultura na inclusão social e o diálogo intercultural não carecem manifestamente de relação com os objetivos prosseguidos pela proposta 1.

65      É certo que a proposta 1 não é centrada na inclusão social. No entanto, e como alega a Comissão, a organização desses diálogos pode, tendo em conta os objetivos prosseguidos pela Convenção da Unesco, promover e proteger as línguas regionais ou minoritárias, ainda que seja apenas no domínio da cultura. A circunstância segundo a qual as medidas de execução em causa favorecem a inclusão social não exclui, portanto, que essas mesmas medidas possam, concomitantemente, participar na promoção e na proteção das línguas regionais ou minoritárias.

66      Além disso, contrariamente ao que afirma a recorrente na réplica, a adoção dessas medidas de execução é testemunho do exercício efetivo pela União das competências que lhe são reconhecidas pelos Tratados. Com efeito, ao organizar diálogos com os Estados‑Membros e o setor cultural em aplicação do artigo 7.° da Convenção da Unesco, a União apoia e complementa a ação dos Estados‑Membros neste domínio.

67      Em terceiro lugar, a recorrente sustenta, em substância, que o Plano de Trabalho para a Cultura 2019‑2022 do Conselho e as medidas concretas que deveria recomendar o grupo de peritos «Multilinguismo e tradução», criado no âmbito do referido plano de trabalho, não têm nenhuma ligação com o objetivo prosseguido pela proposta 1, uma vez que não fazem nenhuma referência às línguas regionais ou minoritárias. Por conseguinte, esse plano de trabalho e essas medidas concretas não podem justificar, como fez a Comissão na comunicação impugnada, a recusa desta instituição de dar seguimento a essa proposta.

68      Esta tese não pode ser acolhida. Com efeito, o anexo I das Conclusões do Conselho sobre o Plano de Trabalho para a Cultura 2019‑2022 (JO 2018, C 460, p. 12), prevê que o plano de trabalho para a cultura assenta em oito princípios orientadores. Ora, o terceiro desses princípios orientadores precisa expressamente que a diversidade cultural e linguística é um ativo fundamental da União e que a sua defesa e promoção são fulcrais para a política cultural conduzida ao nível europeu (anexo I, título I, terceiro travessão). Do mesmo modo, o Conselho declara, na descrição da terceira prioridade, relativa a «[u]m ecossistema que apoie os artistas, os profissionais da cultura e da criação de conteúdos europeus», desse mesmo anexo, que o setor da cultura na Europa se caracteriza, designadamente, por uma diversidade cultural e linguística (anexo I, título II, ponto C).

69      Além disso, o mesmo anexo I prevê que os membros do grupo de peritos «Multilinguismo e tradução» procederão ao intercâmbio das boas práticas no que respeita ao apoio da tradução no setor do livro e da edição, bem como noutros setores da cultura e da criação, e recomendarão medidas concretas no âmbito do programa «Europa Criativa» para promover a diversidade linguística e a difusão das obras (anexo I, título IV, ponto C).

70      Assim, o plano de trabalho em causa e as ações que devem ser levadas a cabo pelo grupo de peritos «Multilinguismo e tradução» não são manifestamente alheios ao objetivo prosseguido pela proposta 1, a saber, a promoção e a defesa das línguas regionais ou minoritárias, ainda que seja apenas no domínio da cultura.

71      Esta conclusão não é infirmada pelo facto de nem o plano de trabalho em causa nem a descrição das ações do grupo de peritos «Multilinguismo e tradução» fazerem referência expressa às línguas regionais ou minoritárias. A este respeito, basta constatar que as Conclusões do Conselho sobre o Plano de Trabalho para a Cultura 2019‑2022 não contêm nenhuma exclusão expressa das línguas regionais ou minoritárias. Do mesmo modo, essas Conclusões do Conselho não indicam em local nenhum que o plano de trabalho em causa e as ações do grupo de peritos «Multilinguismo e tradução» são limitadas às línguas oficiais da União.

72      Em quarto lugar, a recorrente sustenta, em substância, que a Recomendação do Conselho, de 22 de maio de 2018, relativa à promoção de valores comuns, da educação inclusiva e da dimensão europeia do ensino (JO 2018, C 195, p. 1), não tem ligação com o objetivo prosseguido pela proposta 1, uma vez que não propõe soluções concretas para a defesa e para a promoção da diversidade cultural e linguística. Por conseguinte, esta recomendação não pode justificar, como fez a Comissão na comunicação impugnada, a recusa desta instituição de dar seguimento a esta proposta.

73      Esta tese não pode ser acolhida. Resulta expressamente desta recomendação, cuja execução concreta é essencialmente da competência dos Estados‑Membros, que esta se destina, designadamente, a promover os valores comuns nos quais a União assenta, e isso desde a mais tenra idade e a todos os níveis da educação. Ora, o respeito dos direitos das minorias, previsto no artigo 2.° TUE, lido em conjugação com o objetivo de respeitar a riqueza da diversidade cultural e linguística mencionado no artigo 3.°, n.° 3, quarto parágrafo, TUE, e no artigo 165.°, n.° 1, TFUE, figura entre esses valores da União (v., neste sentido, Acórdãos de 20 de janeiro de 2022, Roménia/Comissão, C‑899/19 P, EU:C:2022:41, n.° 54, e de 24 de setembro de 2019, Roménia/Comissão, T‑391/17, EU:T:2019:672, n.° 56).

74      Por conseguinte, foi sem cometer um erro de apreciação que a Comissão considerou que a recomendação em causa, na medida em que se destina a promover os valores da União no domínio da educação, é suscetível de contribuir, ainda que apenas parcialmente, para a realização do objetivo prosseguido pela proposta 1.

75      Em quinto lugar, a recorrente sustenta, em substância, que a Recomendação do Conselho, de 22 de maio de 2019, relativa a uma abordagem global do ensino e aprendizagem das línguas (JO 2019, C 189, p. 15), não tem ligação com o objetivo prosseguido pela proposta 1, uma vez que está focalizada unicamente na aprendizagem das línguas oficiais da União com vista a reforçar a competitividade económica e a mobilidade profissional. Por conseguinte, esta recomendação não pode justificar, como fez a Comissão na comunicação impugnada, a recusa desta instituição de dar seguimento a esta proposta.

76      Esta tese deve ser rejeitada. Com efeito, esta recomendação, que tem por objetivo o melhoramento do ensino e da aprendizagem das línguas, não contém nenhuma limitação expressa unicamente às línguas oficiais da União.

77      Do mesmo modo, contrariamente ao que alega a recorrente, o anexo junto à recomendação em causa, relativo à sensibilização linguística nas escolas, não se limita à aprendizagem unicamente das línguas oficiais da União.

78      Estes elementos são suficientes para concluir que nem a recomendação em causa nem o seu anexo se limitam à aprendizagem e ao ensino unicamente das línguas oficiais da União.

79      Por último, não tem a recorrente razão quando sustenta que, de qualquer modo, a proposta 1 não visa o ensino e a aprendizagem das línguas, mas a possibilidade de os locutores utilizarem a sua língua materna, quando esta é uma língua regional ou minoritária, «em todos os domínios da vida».

80      Como foi salientado no n.° 43, supra, a proposta 1 inscreve‑se unicamente no domínio da cultura e no da educação. A utilização das línguas regionais ou minoritárias em outros «domínios da vida» escapava, portanto, ao exame da Comissão. Além disso, e de qualquer modo, a recorrente indicou que a recomendação, prevista pela proposta 1, deveria designadamente ter apresentado e proposto as melhores soluções para «travar a extinção» das línguas regionais ou minoritárias na União. A recorrente precisou igualmente, na proposta de ICE, que essa recomendação deveria ter tido em consideração a redução da diversidade linguística e da «aprendizagem das línguas» na União. A recorrente estabeleceu ele próprio uma ligação clara e direta entre a proposta 1 e a «aprendizagem das línguas».

81      Tendo em conta as considerações que precedem, a recorrente não demonstrou que a Comissão cometeu um erro manifesto de apreciação ao considerar que a recomendação em causa, na medida em que se destina a promover o ensino e a aprendizagem das línguas, é suscetível de contribuir para a realização do objetivo prosseguido pela proposta 1.

82      Em sexto lugar, a recorrente sustenta, em substância, que as medidas que figuram na Comunicação da Comissão ao Parlamento e ao Conselho, intitulada «Uma União da igualdade: Quadro estratégico da UE para a igualdade, a inclusão e a participação dos ciganos» [COM(2020) 620 final], e na proposta de recomendação do Conselho sobre a igualdade, a inclusão e a participação dos ciganos [COM(2020) 621 final], não abordam o objetivo prosseguido pela proposta 1 e têm um âmbito de aplicação restrito, na medida em que visam um grupo específico de pessoas, a saber os ciganos. Por conseguinte, nem esta comunicação nem esta proposta de recomendação podem justificar, como fez a Comissão na comunicação impugnada, a recusa desta instituição de dar seguimento a esta proposta.

83      Esta tese deve ser rejeitada. Mesmo que a comunicação e a proposta de recomendação em causa se focalizem nos ciganos, isso nada retira à sua pertinência no caso vertente. Com efeito, a própria recorrente visou essa comunidade de pessoas na proposta de ICE, indicando designadamente que se tratava «[do] maior e [do] mais excluído dos grupos minoritários na Europa». O âmbito de aplicação pessoal desta comunicação e desta proposta de recomendação coincide, portanto, parcialmente com o da proposta 1. De qualquer modo, não se pode exigir à Comissão, e nenhuma disposição do Regulamento 2019/788 o prevê, que tenha em conta, quando do exame de uma ICE, unicamente os atos da União que se referem a todas as pessoas às quais essa ICE diz respeito. Como indicado no n.° 58, supra, pouco importa que um ato, considerado isoladamente, não permita alcançar plenamente o objetivo prosseguido pela proposta 1 se o conjunto dos atos mencionados na comunicação impugnada forem suscetíveis, conjuntamente, de realizar o referido objetivo.

84      Além disso, é sem razão que a recorrente afirma que a comunicação e a proposta de recomendação em causa não têm nenhuma ligação com o objetivo prosseguido pela proposta 1. A este respeito, basta constatar que a recorrente não contestou, nem na petição nem na réplica, a afirmação da Comissão, que figura na comunicação impugnada, segundo a qual a proposta de recomendação em causa convida designadamente «os Estados‑Membros a incluir a língua romani […] nos programas e manuais escolares destinados a alunos tanto ciganos como não ciganos». Esta afirmação é, de resto, corroborada pelo n.° 2, alínea g), da referida proposta de recomendação, que convida os Estados‑Membros a promover a sensibilização para a língua romani, «incluindo tomando medidas que visem formar adequadamente os professores e conceber programas escolares adequados».

85      Em sétimo lugar, a recorrente sustenta, em substância, que a inclusão das questões ligadas às minorias nos relatórios anuais da Comissão sobre a aplicação da Carta não traz nenhuma mais‑valia em relação à proposta 1. Com efeito, a aplicabilidade da carta é reduzida, uma vez que o uso das línguas é principalmente da competência dos Estados‑Membros. Consequentemente, a inclusão das questões ligadas às minorias nos relatórios anuais sobre a aplicação da Carta não pode justificar, como fez a Comissão na comunicação impugnada, a recusa desta instituição de dar seguimento a essa proposta.

86      Sobre este ponto, embora seja verdade que o uso das línguas é, em grande parte, da competência dos Estados‑Membros, a União não é, porém, incompetente a este respeito nos domínios da educação e da cultura (v. n.° 44, supra). De resto, resulta dos n.os 54 a 84, supra, que a União usou precisamente a sua competência nos domínios abrangidos pela proposta 1, designadamente como é indicado nos n.os 64 a 66, supra, ao aprovar e aplicar a Convenção da Unesco. Deste modo, não se pode excluir que a Carta se aplica a situações abrangidas pela proposta 1 e que, em caso de necessidade, a Comissão faça referência a essas situações nos seus relatórios anuais temáticos.

87      Além disso, deve ser rejeitado o argumento da recorrente segundo o qual a inclusão da questão da promoção das línguas regionais e minoritárias nos relatórios anuais temáticos não permite contribuir de maneira substancial para o objetivo da proposta 1. Com efeito, os fundamentos da comunicação impugnada que justificam não dar seguimento à proposta 1 não assentam exclusivamente na inclusão desta questão nos relatórios anuais temáticos. Como indica a comunicação impugnada, mas também a recorrente no n.° 52 da réplica, a Comissão justificou a sua recusa baseando‑se num conjunto de medidas. Assim, como já foi salientado nos n.os 58 e 83, supra, é irrelevante que os referidos relatórios anuais temáticos, considerados isoladamente, apresentem, se for caso disso, um valor acrescentado menor do que a recomendação prevista na proposta 1.

88      Tendo em conta o conjunto das considerações que precedem, a recorrente não demonstrou que a Comissão cometeu erros manifestos de apreciação ao considerar, com fundamento nos elementos de direito e de facto existentes no dia da adoção da comunicação impugnada e no que respeita aos fundamentos expostos nos n.os 2.1 e 3.1 desta comunicação, que nenhum ato jurídico suplementar era necessário para alcançar o objetivo prosseguido pela proposta 1, uma vez que esse objetivo era suscetível de ser realizado através do conjunto dos atos mencionados na comunicação impugnada considerados conjuntamente. Portanto, a Comissão não cometeu nenhum erro manifesto de apreciação ao recusar dar seguimento à proposta 1.

89      Consequentemente, a segunda acusação deve ser afastada e, portanto, a primeira parte do segundo fundamento deve ser julgada improcedente na totalidade.

 Quanto à segunda parte do segundo fundamento, relativa a vários erros manifestos de apreciação da Comissão no que respeita à proposta 3

90      No âmbito da segunda parte, a recorrente, apoiada pela Hungria, acusa, em substância, a Comissão de ter cometido um erro manifesto de apreciação ao recusar dar seguimento à proposta 3, que tinha em vista a criação de um centro da diversidade linguística no domínio das línguas regionais e minoritárias, financiado pela União, encarregado de sensibilizar para a importância das línguas regionais e minoritárias e de promover a diversidade a todos os níveis, e cuja missão teria consistido em tornar os conhecimentos e as competências acessíveis ao conjunto dos atores pertinentes no domínio das referidas línguas e em dar prioridade, em particular, às comunidades mais pequenas e mais vulneráveis da Europa. Segundo a recorrente, as outras medidas a que a Comissão deu preferência no caso vertente, designadamente a manutenção e o desenvolvimento da sua cooperação com o Centro Europeu de Línguas Modernas do Conselho da Europa (a seguir «CELM»), não são adequadas para alcançar os objetivos prosseguidos por esta proposta.

91      A Comissão, apoiada pela República Helénica e pela República Eslovaca, contesta esta argumentação alegando que esta parte é infundada.

92      A título preliminar, o Tribunal Geral recorda que a proposta 3, conforme foi registada, convidava a Comissão a adotar uma proposta de decisão ou de regulamento do Parlamento e do Conselho tendo por objetivo criar um centro da diversidade linguística que reforçaria a consciência da importância das línguas regionais e minoritárias, que promoveria a diversidade a todos os níveis e que seria essencialmente financiada pela União.

93      Nos pontos 2.3 e 3.3 da comunicação impugnada, por um lado, a Comissão expõe que os esforços envidados pela União para sensibilizar para a importância da diversidade linguística, incluindo a aprendizagem das línguas, se centram numa cooperação estreita com o Conselho da Europa, cuja ação no referido domínio se apoia na Carta do Conselho da Europa referida no n.° 54, supra, e no CELM, que funciona como centro de competências para o ensino e para a aprendizagem das línguas e apoia o ensino na língua materna do aluno, designadamente no que respeita às línguas minoritárias. Explica que apoia a CELM e coopera com ele no âmbito de acordos comuns específicos que visam melhorar a qualidade, a eficácia e a atratividade do ensino das línguas, bem como desenvolver a verificação e a avaliação dos resultados da aprendizagem para instituir progressivamente uma base comum aos sistemas de avaliação que assente no Quadro Europeu Comum de Referência para as Línguas (a seguir «QECR»). Por outro lado, a Comissão salienta o apoio que dá aos Estados‑Membros da União na aplicação da recomendação relativa a uma abordagem global do ensino e da aprendizagem das línguas, referida no n.° 75, supra. Considera, em substância, que é eficaz e essencial manter e desenvolver a cooperação por intermédio do CELM e conceder o seu apoio aos Estados‑Membros na aplicação desta recomendação, a fim de delimitar os esforços da União e de evitar o risco de duplicação dos esforços e dos recursos, e que nenhum ato jurídico suplementar é necessário.

94      Em primeiro lugar, a recorrente, apoiada, em substância, pela Hungria, alega que o CELM não está apto a cumprir as missões asseguradas e a alcançar os objetivos prosseguidos por um centro da diversidade linguística no domínio das línguas regionais ou minoritárias. Por um lado, as competências do CELM não são extensivas às referidas missões e aos referidos objetivos, o que é demonstrado pelo facto de os seus estatutos não fazerem nenhuma referência às referidas línguas ou às outras missões visadas pela proposta 3. Por outro lado, as atividades do CELM não se estendem à promoção dessas mesmas línguas regionais ou minoritárias, assim como também não se estendem aos objetivos prosseguidos pela proposta 3, o que é demonstrado pelo facto de as referidas línguas não serem mencionadas expressamente em nenhum dos projetos do programa 2020 a 2023 do CELM e de as atividades de formação e de aconselhamento do referido programa não mencionarem nenhuma atividade significativa a esse respeito. Além disso, segundo a arquitetura institucional do Conselho da Europa, é o secretariado deste que está encarregado da promoção das línguas regionais ou minoritárias, com base na Carta do Conselho da Europa referida no n.° 54, supra. Ora, vários países que se recusaram a assinar ou a ratificar a Carta do Conselho da Europa aderiram ao acordo do CELM. A Hungria expõe, por sua vez, que o CELM e o departamento do Conselho da Europa competente para as línguas minoritárias são unidades organizacionais distintas entre as quais não existe nenhuma ligação nem cooperação.

95      Esta argumentação deve ser afastada.

96      Em primeiro lugar, a circunstância segundo a qual os estatutos do CELM não contêm nenhuma referência específica às línguas regionais e minoritárias não significa de modo nenhum que essas línguas estão excluídas das missões asseguradas e dos objetivos prosseguidos por este.

97      Em segundo lugar, como é evocado no ponto 2.3 da comunicação impugnada e nos articulados da Comissão, entre as missões asseguradas e os objetivos estratégicos e operacionais prosseguidos pelo CELM, descritos no artigo 1.° dos estatutos deste, figuram a execução de políticas linguísticas, a promoção de abordagens inovadoras na aprendizagem e no ensino de línguas «modernas», a prática da aprendizagem e do ensino das referidas línguas, a promoção de diálogos e de intercâmbios, a concessão de apoio a projetos de investigação e a recolha e a disseminação de boas práticas no domínio da aprendizagem e do ensino dessas línguas. Ora, nada indica que essas missões não seriam suscetíveis de contribuir, pelo menos numa certa medida, para reforçar a consciência da importância de todas as línguas «modernas» dos países em questão, incluídas as línguas regionais ou minoritárias, e para promover a diversidade, ainda que apenas linguística e cultural, sendo esses objetivos os prosseguidos pela proposta 3 conforme foi registada.

98      Em terceiro lugar, no que diz respeito às atividades do CELM, por um lado, resulta dos autos que o programa 2020 a 2023 desse centro menciona, designadamente, um projeto intitulado «Encorajar a educação em línguas na formação profissional transfronteiriça», cujo objeto recorda o papel particularmente importante que desempenha a promoção da aprendizagem das línguas nas regiões transfronteiriças. Ora, esse projeto não parece manifestamente alheio à realização dos objetivos prosseguidos pela proposta 3 de reforçar a consciência da importância do multilinguismo, designadamente no que respeita às línguas regionais ou minoritárias, e de promover a diversidade, designadamente nos meios educativo e profissional.

99      Por outro lado, no que respeita às atividades de formação e de aconselhamento do CELM, resulta dos autos que este centro oferece uma formação intitulada «Abordagens plurilingues e interculturais» a respeito do «quadro de referência para as abordagens plurais das línguas e das culturas» e cujo âmbito de aplicação abrange as línguas frequentemente ensinadas e as línguas minoritárias. Do mesmo modo, oferece uma formação intitulada «Uma educação de qualidade em romani para a Europa (QualiRom)». Esta faz referência a uma iniciativa denominada «QualiRom», que consiste, designadamente, em promover a inclusão da língua romani nos sistemas educativos e em facilitar a integração das crianças ciganas. A referida formação faz igualmente referência ao material pedagógico «QualiRom», elaborado nas seis variantes da língua romani, que abrange os ciclos primário, secundário e terciário, e que constitui o maior recurso deste tipo no domínio do ensino e da aprendizagem desta língua. Estes elementos são suficientes demonstrar que, como é indicado no n.° 2.3 da comunicação impugnada, as línguas regionais ou minoritárias fazem parte integrante do programa 2020 a 2023 do CELM.

100    Daqui resulta que foi sem cometer um erro de apreciação que a Comissão considerou, em substância, que as atividades do CELM são suscetíveis de contribuir para a realização dos objetivos prosseguidos pela proposta 3, conforme foi registada, de reforçar a consciência da importância das línguas regionais e minoritárias e de promover a diversidade a todos os níveis.

101    Em quarto lugar, a recorrente e a Hungria não adiantaram nenhum elemento concreto que ponha em causa a existência de vínculos estreitos entre o Conselho da Europa e o CELM evocados na comunicação impugnada e nos articulados da Comissão.

102    Em segundo lugar, a recorrente, apoiada, em substância, pela Hungria, alega que a Comissão não tem possibilidade de exercer influência sobre as atividades do CELM, nem de celebrar acordos de cooperação com este nos domínios pertinentes da proposta 3, uma vez que a União não é parte no acordo que institui esse centro e que a promoção das línguas regionais ou minoritárias não faz parte das competências deste último. Além disso, expõe, em substância, que a Convenção de contribuição 2020 a 2021, mencionada na comunicação impugnada, mostra que a promoção das línguas regionais ou minoritárias não tem nenhuma pertinência para a Comissão no âmbito da sua cooperação com o CELM, uma vez que o atelier sobre «as abordagens holísticas da aprendizagem, da alfabetização e do ensino das línguas, incluindo das línguas de ensino, línguas estrangeiras, línguas regionais e minoritárias e línguas faladas em casa» e o seminário Web sobre «a situação das línguas regionais e minoritárias durante a pandemia de COVID‑19» evocados na referida convenção não constituem manifestamente uma alternativa ao centro da diversidade linguística proposto no âmbito da proposta 3. Além disso, a cooperação entre a Comissão e o CELM teria em vista essencialmente estabelecer uma base comum aos sistemas de avaliação nacionais que assentam no QECR. Por último, a referência, na comunicação impugnada, ao próximo acordo de cooperação não é pertinente, uma vez que nenhuma negociação estaria em curso e que evoluções hipotéticas não são tomadas em conta na apreciação da legalidade da comunicação impugnada.

103    Esta argumentação deve ser julgada improcedente.

104    Em primeiro lugar, como foi salientado nos n.os 96 e 97, supra, os estatutos do CELM não contêm nenhuma limitação expressa das línguas «modernas» visadas pelas missões que este assegura e os objetivos que prossegue, e algumas das suas atividades estendem‑se expressamente às línguas regionais ou minoritárias. Foi, portanto, sem cometer um erro de apreciação que a Comissão considerou que as missões asseguradas, os objetivos prosseguidos e as atividades tomadas a cargo pelo CELM são suscetíveis de contribuir para a realização dos objetivos prosseguidos pela proposta 3, conforme foi registada, de reforçar a consciência da importância, designadamente, das línguas regionais ou minoritárias e de promover a diversidade a vários níveis.

105    Em seguida, contrariamente ao que afirma a recorrente, embora seja verdade que a União não é um participante no «acordo parcial alargado» do Conselho da Europa que institui o CELM, a Convenção de contribuição 2020 a 2021, mencionada na comunicação impugnada, demonstra a possibilidade por parte da Comissão de influenciar as atividades do CELM e de celebrar acordos de cooperação em domínios relativos à proposta 3. Esta convenção de contribuição confirma igualmente, como foi indicado na comunicação impugnada, que as línguas regionais ou minoritárias estão incluídas no leque das atividades nas quais o CELM participa.

106    Com efeito, resulta dos autos que a Convenção de contribuição 2020 a 2021, que tem por objeto a ação relativa às «[m]etodologias e avaliação inovadoras na aprendizagem das línguas», inscreve‑se no âmbito de uma cooperação de longa duração, a saber, sete anos, entre a Comissão e o CELM em domínios de ação decididos em conjunto. Como expõe a Comissão, a iniciativa «Apoio às classes multilingues» da ação acima mencionada propõe uma série de módulos que abordam, designadamente, a sensibilização linguística em toda a escola e o apoio às línguas de escolarização utilizando abordagens que valorizam as línguas de origem dos aprendizes, designadamente no que respeita às línguas regionais ou minoritárias. Além disso, a referida ação destina‑se a incluir não só a atelier e o seminário Web evocados pela recorrente mas igualmente uma «academia de verão», uma série de grupos de reflexão cujos objetivos incluem a «valorização dos repertórios linguísticos dos aprendizes» e os desafios aos quais fazem face, designadamente, as línguas regionais ou minoritárias, a elaboração de estudos científicos e um colóquio.

107    Por fim, os elementos expostos no n.° 106, supra, corroboram a conclusão segundo a qual, contrariamente ao que alega a recorrente e como é indicado na comunicação impugnada, a cooperação entre a Comissão e o CELM não se limita a estabelecer uma base comum aos sistemas de avaliação nacionais baseados no QECR, e de que as necessidades em matéria de diversidade linguística são tomadas em conta no âmbito da referida cooperação.

108    Em terceiro lugar, a recorrente, apoiada, em substância, pela Hungria, alega que era manifestamente inadequado para a Comissão recusar dar seguimento à proposta 3 invocando um acordo internacional no qual a União não é parte e que não faz parte integrante da ordem jurídica da União.

109    Esta tese não pode ser acolhida. Por um lado, como foi recordado no n.° 60, supra, a Comissão não tem nenhuma obrigação de levar a cabo as ações propostas por uma ICE registada e que beneficiou do apoio exigido. Por outro lado, como foi recordado, em substância, pela Comissão, tanto o artigo 165.°, n.° 3, TFUE como o artigo 167.°, n.° 3, TFUE, uma vez que constituem as bases jurídicas da proposta 3, convidam a União a favorecer a cooperação, designadamente com as organizações internacionais competentes e, em particular, com o Conselho da Europa, nos domínios da educação e da cultura. Por conseguinte, é sem cometer um erro de apreciação que a Comissão considerou, em substância, na comunicação impugnada, que manter e desenvolver uma cooperação com uma outra organização internacional em domínios que correspondem aos que a recorrente queria atribuir ao centro da diversidade linguística, a saber, com o CELM, ao qual aderiram a maior parte dos Estados‑Membros da União e que está estreitamente ligado ao Conselho da Europa, é suscetível de contribuir para a realização dos objetivos prosseguidos pela proposta 3, conforme foi registada, e evitar a duplicação dos esforços e dos recursos.

110    Tendo em conta as considerações que precedem, a recorrente não demonstrou que a Comissão cometeu um erro manifesto de apreciação que vicie os fundamentos expostos nos n.os 2.3 e 3.3 da comunicação impugnada.

111    Consequentemente, a segunda parte do segundo fundamento deve ser rejeitada.

 Quanto à terceira parte do segundo fundamento, relativa a vários erros manifestos de apreciação da Comissão no que respeita à proposta 6

112    No âmbito da terceira parte, a recorrente, apoiada pela Hungria, alega, em substância, que foi sem razão que a Comissão não deu seguimento à proposta 6, a qual visava garantir uma quase igualdade de tratamento entre os apátridas que pertencem a minorias nacionais e os cidadãos da União, equiparando a situação dos referidos apátridas à dos migrantes e dos cidadãos da União oriundos da imigração.

113    A Comissão, apoiada pela República Francesa e pela República da Finlândia, contesta esta argumentação.

114    A título preliminar, o Tribunal Geral recorda que o objetivo da proposta 6 consistia em alterar a Diretiva 2003/86/CE do Conselho, de 22 de setembro de 2003, relativa ao direito ao reagrupamento familiar (JO 2003, L 251, p. 12), a Diretiva 2003/109/CE do Conselho, de 25 de novembro de 2003, relativa ao estatuto dos nacionais de países terceiros residentes de longa duração (JO 2004, L 16, p. 44), a Diretiva 2004/114/CE do Conselho, de 13 de dezembro de 2004, relativa às condições de admissão de nacionais de países terceiros para efeitos de estudos, de intercâmbio de estudantes, de formação não remunerada ou de voluntariado (JO 2004, L 375, p. 12), a Diretiva 2005/71/CE do Conselho, de 12 de outubro de 2005, relativa a um procedimento específico de admissão de nacionais de países terceiros para efeitos de investigação científica (JO 2005, L 289, p. 15), e a Diretiva 2009/50/CE do Conselho, de 25 de maio de 2009, relativa às condições de entrada e de residência de nacionais de países terceiros para efeitos de emprego altamente qualificado (JO 2009, L 155, p. 17), a fim de que o estatuto dos apátridas seja aproximado do dos cidadãos da União, permitindo‑lhes aceder mais facilmente ao estatuto de residente de longa duração e garantindo‑lhes o gozo de mais direitos do que os reconhecidos aos nacionais de países terceiros.

115     A recorrente reconheceu, porém, que a proposta 6 «coloca[va] ênfase na Diretiva 2003/109/CE». Além disso, a recorrente não fez nenhuma referência, na petição nem na réplica, às diretivas mencionadas no n.° 114, supra.

116    Nos pontos 2.6 e 3.6 da comunicação impugnada, a Comissão considerou que não era necessário alterar a Diretiva 2003/109 a fim de aproximar mais os direitos dos nacionais de países terceiros dos direitos de que gozam os cidadãos da União. Em contrapartida, afirma que é possível adotar outras medidas, no âmbito da política da União em matéria de integração dos migrantes, para ter em conta a situação dos apátridas. Sobre este aspeto, a Comissão visa em particular a sua Comunicação ao Parlamento Europeu, ao Conselho, ao Comité Económico e Social Europeu e ao Comité das Regiões «Plano de ação sobre a integração e a inclusão para 2021‑2027 [COM(2020) 758 final, a seguir «plano de ação»].

117     A recorrente contesta, porém, que o plano de ação se aplica aos apátridas que pertencem a minorias nacionais. O plano de ação dirigia‑se aos migrantes e aos cidadãos da União originários da imigração, mas não evocava os apátridas. Além disso, o conteúdo do plano de ação não é apto a responder às necessidades dos apátridas que pertençam às minorias nacionais. Com efeito, o plano de ação está centrado na integração e na inclusão dos migrantes e dos cidadãos da União originários da imigração, mas não tem em conta a situação específica dos referidos apátridas. Contrariamente às pessoas chegadas recentemente à União provenientes de países terceiros, os apátridas visados pela proposta 6 pertencem a minorias nacionais que vivem desde há muito tempo no território europeu e que fazem parte da população autóctone. Além do mais, esses apátridas são confrontados com problemas ligados à inexistência de documentos oficiais e à privação arbitrária de nacionalidade, o que os impede de participar na vida económica, social e política no Estado‑Membro do seu nascimento ou no Estado‑Membro de acolhimento. Assim, segundo a recorrente, a Comissão cometeu um erro manifesto de apreciação ao equiparar a situação dos apátridas que pertencem a minorias nacionais à dos migrantes e dos cidadãos da União originários da imigração, quando as suas situações respetivas são diferentes.

118    Esta tese não pode ser acolhida. É certo que o termo «apátridas» não é utilizado expressamente no plano de ação e o seu âmbito de aplicação «diz respeito simultaneamente aos migrantes e aos cidadãos da União originários da imigração». Porém, estes elementos não bastam para considerar que os referidos apátridas estão excluídos do âmbito de aplicação do plano de ação.

119    Com efeito, segundo os termos do artigo 67.°, n.° 2, TFUE, «os apátridas são equiparados aos nacionais de países terceiros» para efeitos do título V relativo ao espaço de liberdade, segurança e justiça.

120    Consequentemente, os apátridas que pertençam a minorias nacionais estão incluídos no âmbito de aplicação do plano de ação, uma vez que, em primeiro lugar, esse plano de ação é aplicável a todos os nacionais de países terceiros que residam legalmente na União e, em segundo lugar, os apátridas devem ser equiparados aos nacionais de países terceiros.

121    Além disso, como sublinha a Comissão, o plano de ação não beneficia unicamente aos migrantes recentemente chegados à União. Comporta, assim, várias ações centradas na integração a longo prazo e na coesão social. Em particular, o plano de ação destina‑se, designadamente, a melhorar o acesso dos nacionais de países terceiros, e, portanto, também dos apátridas, à educação, ao emprego, aos cuidados de saúde e à habitação. Do mesmo modo, visa lutar contra o isolamento, a segregação e as discriminações. Por último, tem igualmente por objetivo favorecer a participação dos cidadãos de países terceiros, e, portanto, também dos apátridas, nos processos de consulta e de tomada de decisão à escala local, regional, nacional e europeia.

122    Daqui resulta que foi sem cometer um erro de apreciação que a Comissão considerou que o plano de ação é suscetível de responder às situações de exclusão social assim como às dificuldades de acesso aos cuidados de saúde, à educação e à ajuda social que enfrentam tanto os nacionais de países terceiros como os apátridas que pertencem às minorias nacionais, e isto independentemente do facto de essas duas categorias de pessoas poderem ser originárias de contextos geográficos, históricos, pessoais, culturais e religiosos diferentes.

123    Por último, e de qualquer modo, na medida em que o objetivo da recorrente, conforme este é formulado na proposta de ICE, consiste em obter a «extensão dos direitos ligados à cidadania e às pessoas apátridas e às suas famílias, que viveram toda a sua vida nos países de origem», importa recordar que os autores dos Tratados instituíram um vínculo indissociável e exclusivo entre a posse da nacionalidade de um Estado‑Membro e a aquisição, mas igualmente a conservação, do estatuto de cidadão da União. Ora, a posse da nacionalidade de um Estado‑Membro constitui uma condição indispensável para que uma pessoa possa adquirir e conservar o estatuto de cidadão da União e beneficiar da plenitude dos respetivos direitos. Nestas condições, os direitos ligados ao estatuto de cidadão da União não podem ser alargados a pessoas que não possuem a nacionalidade de um Estado‑Membro (v., neste sentido, Acórdão de 9 de junho de 2022, Préfet du Gers e Institut national de la statistique et des études économiques, C‑673/20, EU:C:2022:449, n.os 48 e 57).

124    Tendo em conta as considerações que precedem, a recorrente não demonstrou que a Comissão cometeu um erro manifesto de apreciação ao considerar que o plano de ação é suscetível de ter em conta a necessidade dos apátridas de serem mais bem integrados na sociedade graças a melhores possibilidades de emprego e de educação, bem como a melhores possibilidades sociais.

125    Do mesmo modo, a recorrente também não demonstrou que a Comissão cometeu um erro manifesto de apreciação ao considerar que não era necessário rever a Diretiva 2003/109 a fim de reconhecer mais direitos aos apátridas que pertençam a minorias nacionais.

126    Por conseguinte, a primeira parte do segundo fundamento deve ser julgada improcedente.

 Quanto à quarta parte do segundo fundamento, relativa a vários erros manifestos de apreciação da Comissão no que respeita à proposta 8

127    No âmbito da quarta parte, a recorrente, apoiada pela Hungria, acusa, em substância, a Comissão de ter cometido um erro manifesto de apreciação ao recusar dar seguimento à proposta 8, que visava melhorar o acesso transfronteiriço das minorias nacionais aos conteúdos audiovisuais dos outros Estados‑Membros nos quais é falada a mesma língua. Expõe, em substância, que o acesso aos referidos conteúdos seria importante, porque o número de pessoas que pertencem às minorias nacionais num dado Estado‑Membro seria demasiado baixo para o estabelecimento, nesse Estado‑Membro, de meios de comunicação que lhes sejam próprios. Além disso, esse acesso contribuiria para preservar e promover as diferentes línguas regionais ou minoritárias, bem como a diversidade linguística e cultural. Segundo a recorrente, a medida preferida pela Comissão no caso vertente, a saber, a aplicação, sem outra revisão, da Diretiva 2010/13, conforme alterada pela Diretiva (UE) 2018/1808 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 14 de novembro de 2018 (JO 2018, L 303, p. 69), não é adequada para alcançar os objetivos prosseguidos por esta proposta.

128    A Comissão, apoiada pela República Helénica e pela República Eslovaca, contesta esta argumentação alegando que esta parte é infundada.

129    A título preliminar, o Tribunal Geral recorda que a proposta 8, conforme foi registada, tinha por objetivo uma alteração da Diretiva 2010/13 com vista a assegurar a livre prestação de serviços e a receção de conteúdos audiovisuais nas regiões dos Estados‑Membros onde residem minorias nacionais.

130    Nos pontos 2.8 e 3.8 da comunicação impugnada, a Comissão conclui que o quadro legislativo existente constitui um apoio substancial para a realização dos objetivos prosseguidos pela recorrente no que respeita à proposta 8 e que, uma vez que este é suficiente, nenhuma modificação suplementar da Diretiva 2010/13 é necessária. A este respeito, por um lado, a Comissão expõe que a Diretiva 2010/13 facilita a circulação transfronteiriça de serviços de comunicação audiovisuais, garantindo ao mesmo tempo a existência de regras mínimas harmonizadas de interesse público geral, a saber, designadamente, em matéria de proteção de menores, de publicidade e de promoção das obras europeias. Com efeito, esta diretiva assenta no princípio do país de origem, pelo que os Estados‑Membros não podem restringir os serviços de comunicação audiovisuais originários de outro Estado‑Membro se esses serviços forem conformes com as regras da Diretiva 2010/13 no Estado‑Membro de origem. Sublinha, porém, que a Diretiva 2010/13 não abrange as questões de transmissão tendo em conta o direito de autor e que a disponibilidade transfronteiriça de conteúdos audiovisuais pode ser reduzida por motivos não abrangidos pelo âmbito de aplicação da Diretiva 2010/13, como os direitos de propriedade intelectual, a disponibilidade de recursos técnicos ou ainda considerações comerciais ou financeiras. Por outro lado, expõe que as revisões introduzidas nesta diretiva pela Diretiva 2018/1808 reforçaram a promoção das obras europeias e da diversidade cultural na União. Com efeito, em conformidade com o artigo 13.°, n.° 1, da Diretiva 2010/13, os fornecedores de serviços de comunicação audiovisual a pedido (a seguir «serviços de VOD») devem agora propor uma quota de pelo menos 30 % de obras europeias nos seus catálogos e pôr em relevo essas obras. Além disso, a Comissão indica que o objetivo de promoção da diversidade cultural só pode ser alcançado de maneira eficaz se a quota de 30 % de obras europeias for garantida em cada um dos catálogos nacionais propostos pelos fornecedores multinacionais de serviços de VOD. Esta abordagem garante que, em cada Estado‑Membro onde o fornecedor propõe catálogos nacionais, a proporção exigida de obras europeias seja apresentada aos espetadores. Esta abordagem seria igualmente suscetível de encorajar a circulação e a disponibilidade das obras europeias na União. A Comissão expõe, por último, que fiscalizará regularmente a aplicação das referidas regras com base em relatórios estabelecidos pelos Estados‑Membros e num estudo independente.

131    Em primeiro lugar, a recorrente contesta que a quota de 30 % de obras europeias que os fornecedores de serviços de VOD devem propor nos seus catálogos e dar‑lhes relevo, prevista no artigo 13.°, n.° 1, da Diretiva 2010/13, possa contribuir para alcançar o objetivo da proposta 8. Dado que esta quota não é acompanhada de nenhuma exigência quanto à origem ou à língua das obras europeias e que a definição das «obras europeias» no artigo 1.°, n.° 1, alínea n), da referida diretiva não aborda este aspeto, a parte de 30 % poderia ser substituída se o fornecedor de serviços VOD propuser conteúdos de outros Estados‑Membros com exclusão de Estados‑Membros vizinhos, ou se o fornecedor propuser conteúdos unicamente na língua maioritária do Estado‑Membro em questão, sem ter em conta as minorias nacionais que aí vivem. Além disso, os fornecedores de serviços de VOD não têm interesse económico em adquirir os direitos de conteúdos suscetíveis de apresentar interesse para as pessoas que pertençam a minorias nacionais.

132    A este respeito, importa recordar que, no momento do pedido de registo da proposta de ICE, a proposta 8 previa uma alteração da Diretiva 2010/13, tal como estava em vigor na época, que se destinava a garantir a prestação de serviços e a liberdade de receção dos conteúdos audiovisuais (a saber, os serviços de radiodifusão analógica e numérica, bem como os serviços mediante pedido, terrestres e por satélite) nas regiões onde vivem minorias nacionais. Esta proposta foi registada em termos semelhantes (v. n.° 129, supra).

133    Ora, como é evocado na comunicação impugnada e sem que isso seja desmentido pela recorrente, o artigo 2.°, n.° 1, e o artigo 3.°, n.° 1, da Diretiva 2010/13 já facilitam a receção e a transmissão dos serviços de comunicação audiovisual em toda a União, designadamente de conteúdos audiovisuais provenientes de Estados‑Membros vizinhos de um dado Estado‑Membro, e isso nas línguas suscetíveis de apresentar interesse para pessoas que pertencem a minorias nacionais que vivam neste último Estado‑Membro.

134    Com efeito, como indica, em substância, a Comissão na comunicação impugnada e nos seus articulados, a Diretiva 2010/13 concretiza, no domínio dos serviços de comunicação audiovisuais, a livre prestação de serviços garantida no artigo 56.° TFUE, ao instaurar, como resulta do seu considerando 104, «um espaço sem fronteiras internas» para esses serviços (Acórdão de 4 de julho de 2019, Baltic Media Alliance, C‑622/17, EU:C:2019:566, n.° 65).

135    Por força do princípio do Estado‑Membro de origem, consagrado no artigo 2.°, n.° 1, da Diretiva 2010/13, os fornecedores de serviços de comunicação audiovisuais estão, em princípio, unicamente sujeitos às regras e à competência do Estado‑Membro no qual estão estabelecidos.

136    Ao respeitar estas regras, os fornecedores de serviços de comunicação audiovisuais podem em seguida distribuir livremente os seus serviços em toda a União, dado que, em conformidade com o artigo 3, n.° 1, da Diretiva 2010/13, os Estados‑Membros devem assegurar a liberdade de receção e não colocar entraves à transmissão no seu território de serviços provenientes de outros Estados‑Membros por razões que pertencem aos domínios coordenados pela diretiva.

137    Daqui resulta que foi sem cometer um erro de apreciação que a Comissão concluiu, na comunicação impugnada, em substância, que o objetivo da proposta 8, conforme foi registada, a saber, assegurar a livre prestação de serviços e a receção de conteúdos audiovisuais, já estava alcançado em toda a União, e, portanto, igualmente em regiões da União onde vivem minorias nacionais.

138    É verdade que certos elementos tanto intrínsecos como estranhos à Diretiva 2010/13 são suscetíveis de reduzir a disponibilidade transfronteiriça de conteúdos audiovisuais, designadamente as circunstâncias que a referida diretiva não impõe aos fornecedores de serviços de comunicação a obrigação de transmitirem para lá das fronteiras e que o seu âmbito de aplicação não se estende aos direitos de propriedade intelectual, em especial aos direitos de autor, ou a considerações de ordem comercial. Dito isto, a recorrente não adiantou nenhum elemento concreto que ponha em causa a apreciação da Comissão segundo a qual a obrigação imposta sobre os fornecedores de serviços de VOD de propor uma parte de, pelo menos 30 % de obras europeias nos seus catálogos e de valorizar essas obras, prevista no artigo 13.°, n.° 1, da Diretiva 2010/13, evocada na comunicação impugnada, é suscetível de contribuir para melhorar a diversidade cultural e dar um acesso a um maior leque transfronteiriço de conteúdos audiovisuais, mesmo na falta de exigência mais específica quanto à origem ou à língua das obras europeias em questão.

139    Em segundo lugar, a recorrente contesta a pertinência do seguimento, pela Comissão, da aplicação da Diretiva 2010/13, conforme mencionado na comunicação impugnada, com o fundamento de que o caráter adequado das medidas propostas só pode ser examinado à luz das informações disponíveis no dia da adoção da comunicação impugnada.

140    Esta argumentação deve ser julgada improcedente.

141    Com efeito, o seguimento sobre a aplicação da Diretiva 2010/13 descrito na comunicação impugnada reflete as obrigações impostas aos Estados‑Membros e à Comissão em conformidade com o artigo 13.°, n.os 4 e 5, e com o artigo 33.° dessa diretiva. Tendo em conta o uso do modo imperativo nas referidas disposições, a Comissão podia, acertadamente e no dia da adoção da comunicação impugnada, fazer referência a obrigações futuras. Esta conclusão impõe‑se tanto mais que as referidas obrigações se referem à avaliação de regras, existentes no dia da adoção da comunicação impugnada, nas quais a Comissão se baseou para concluir que nenhuma alteração da Diretiva 2010/13 era necessária para realizar o objetivo prosseguido pela proposta 8.

142    Além disso, em conformidade com o artigo 13.°, n.° 5, da Diretiva 2010/13, o relatório que a Comissão deve submeter ao Parlamento e ao Conselho, designadamente sobre a aplicação do artigo 13.°, n.° 1, dessa diretiva, com base nas informações apresentadas pelos Estados‑Membros e num estudo independente, deve ter em conta, entre outros elementos, o objetivo de diversidade cultural. Assim, é sem conter um erro de apreciação que a Comissão considerou que o seguimento da aplicação da referida diretiva é suscetível de contribuir para a realização de um dos objetivos prosseguidos pela proposta 8, conforme exposto na réplica, a saber, melhorar o acesso a conteúdos audiovisuais de diferentes origens e línguas.

143    Por último, a Hungria contesta que o quadro jurídico existente seja adaptado a fim de realizar o objetivo prosseguido pela proposta 8. Por um lado, o problema, ao qual a proposta 8 tenciona dar resposta, residiria nas restrições territoriais relativas aos conteúdos de importância maior para a sociedade, designadamente os acontecimentos desportivos internacionais — que figuram nos acordos de licença entre os titulares de direitos e os fornecedores de serviços de comunicação audiovisuais. Estas restrições, que impedem a transmissão em linha de acontecimentos desportivos ou de outra natureza de importância maior para a sociedade, desfavorecem igualmente as minorias nacionais ou linguísticas. Segundo esses Estado‑Membro, uma alteração do artigo 14.° da Diretiva 2010/13 seria necessária. Por outro lado, no que diz respeito aos serviços de VOD, o problema não é que não há conteúdos bastantes em cada língua, mas antes que o acesso a certos conteúdos de importância maior para a sociedade é impedido.

144    Esta argumentação deve ser julgada improcedente. Por um lado, como indicado no n.° 129, supra, a proposta 8, conforme foi registada, não faz nenhuma menção de restrições territoriais relativas a acontecimentos de importância maior para a sociedade. Por outro lado, como foi salientado no n.° 138, supra, o âmbito de aplicação da Diretiva 2010/13 não se estende aos direitos de propriedade intelectual.

145    Tendo em conta as considerações que precedem, a recorrente não demonstrou que a Comissão cometeu um erro manifesto de apreciação ao considerar, em relação aos fundamentos expostos nos n.os 2.8 e 3.8 da comunicação impugnada, que as regras existentes da Diretiva 2010/13 são suscetíveis de constituir um apoio substancial para a realização dos objetivos prosseguidos pela recorrente e de encorajar a circulação e a disponibilidade de obras europeias em toda a União, pelo que nenhuma alteração suplementar da referida diretiva era necessária no que respeita à proposta 8.

146    Por conseguinte, a quarta parte do segundo fundamento deve ser julgada improcedente e, portanto, o segundo fundamento deve ser julgado improcedente na sua totalidade.

147    Dado que todos os fundamentos invocados pelas partes sido julgados improcedentes, há que negar provimento ao recurso.

 Quanto às despesas

148    Nos termos do artigo 134.°, n.° 1, do Regulamento de Processo, a parte vencida é condenada nas despesas se a parte vencedora o tiver requerido. Tendo a recorrente sido vencida, há que condená‑la nas despesas da Comissão, em conformidade com o pedido desta última.

149    A República Eslovaca pediu igualmente a condenação da recorrente nas despesas. Porém, nos termos do artigo 138.°, n.° 1, do Regulamento de Processo, os Estados‑Membros intervenientes no litígio suportarão as suas próprias despesas. Daqui resulta que a República Helénica, a Hungria e a República Eslovaca suportarão, cada uma, as suas próprias despesas.

Pelos fundamentos expostos,

O TRIBUNAL GERAL (Oitava Secção)

decide:

1)      É negado provimento ao recurso.

2)      A Citizens’ Committee of the European Citizens’ Initiative «Minority SafePack — one million signatures for diversity in Europe» suportará as suas próprias despesas bem como as efetuadas pela Comissão Europeia.

3)      A Hungria, a República Helénica, a Roménia e a República Eslovaca suportarão as suas próprias despesas.

Svenningsen

Mac Eochaidh

Laitenberger

Proferido em audiência pública no Luxemburgo, em 9 de novembro de 2022.

Assinaturas


*      Língua do processo: inglês.