Language of document : ECLI:EU:T:2024:353

Edição provisória

ACÓRDÃO DO TRIBUNAL GERAL (Terceira Secção Alargada)

5 de junho de 2024(*)

«Política económica e monetária — Supervisão das instituições de crédito — Atribuições específicas de supervisão conferidas ao BCE — Estabelecimento dos requisitos prudenciais — Compromissos irrevogáveis de pagamento — Força de caso julgado — Abuso de poder — Erro manifesto de apreciação — Princípio da boa administração — Proporcionalidade»

No processo T‑186/22,

BNP Paribas, com sede em Paris (França), representado por A. Gosset‑Grainville e M. Trabucchi, advogados,

recorrente,

contra

Banco Central Europeu (BCE), representado por E. Yoo, D. Segoin e F. Bonnard, na qualidade de agentes,

recorrido,

O TRIBUNAL GERAL (Terceira Secção Alargada),

composto por: F. Schalin (relator), presidente, P. Škvařilová‑Pelzl, I. Nõmm, G. Steinfatt e D. Kukovec, juízes,

secretário: L. Ramette, administrador,

vistos os autos,

após a audiência de 20 de junho de 2023,

profere o presente

Acórdão

1        No recurso que interpôs ao abrigo do disposto no artigo 263.° TFUE, o recorrente, BNP Paribas, pede a anulação, por um lado, do ponto 1.10 e dos pontos 3.10.1 a 3.10.8 da Decisão ECB‑SSM‑2022‑FRBNP‑7 do Banco Central Europeu (BCE), de 2 de fevereiro de 2022 (a seguir «Decisão de 2 de fevereiro de 2022»), incluindo os seus anexos, na parte em que estabelece medidas a tomar sobre os compromissos irrevogáveis de pagamento (a seguir «CIP») relativos aos sistemas de garantia de depósitos ou aos fundos de resolução, e, por outro, do ponto 1.10 e dos pontos 3.9.1 a 3.9.8 da Decisão ECB‑SSM‑2022‑FRBNP‑86 do BCE, de 21 de dezembro de 2022 (a seguir «Decisão de 21 de dezembro de 2022»), incluindo os seus anexos, na parte em que impõe medidas a tomar sobre os CIP relativos aos sistemas de garantia de depósitos ou aos fundos de resolução.

 Antecedentes do litígio

2        O recorrente, enquanto entidade significativa na aceção do artigo 6.°, n.° 4, do Regulamento (UE) n.° 1024/2013 do Conselho, de 15 de outubro de 2013, que confere ao BCE atribuições específicas no que diz respeito às políticas relativas à supervisão prudencial das instituições de crédito (JO 2013, L 287, p. 63), está sujeito à supervisão prudencial direta do BCE.

3        Em 31 de março de 2021, no âmbito das suas atribuições de supervisão prudencial, o BCE enviou ao recorrente um questionário relativo ao tratamento, por este último, dos CIP, que constituem uma faculdade de cumprir a obrigação de contribuição para os fundos de resolução ou para os sistemas de garantia através da celebração de um contrato em que fica acordado que o montante devido será pago à primeira solicitação da autoridade responsável pelos fundos de resolução ou pelos sistemas de garantia, sendo o referido contrato acompanhado de uma garantia de disponibilização exclusiva dos fundos, na prática sob a forma de um depósito em numerário, de montante igual à contribuição devida.

4        O recorrente enviou as suas respostas ao questionário em 29 de abril de 2021.

5        Em 10 de novembro de 2021, o BCE enviou ao recorrente um projeto de decisão no termo do processo de revisão e avaliação pelo supervisor (Supervisory Review and Evaluation Process, SREP), que incluía, nomeadamente, o requisito prudencial de que o montante cumulado dos CIP fosse deduzido dos fundos próprios principais de nível 1 (a seguir «FPP 1»). O recorrente foi convidado a pronunciar‑se sobre este projeto.

6        O recorrente apresentou observações por carta de 22 de novembro de 2021.

7        O BCE proferiu a Decisão de 2 de fevereiro de 2022 ao abrigo do disposto no artigo 4.°, n.° 1, alínea f), e no artigo 16.° do Regulamento n.° 1024/2013.

8        Nessa decisão, o BCE determinou que, em conformidade com o artigo 16.°, n.° 1, alínea c), do Regulamento n.° 1024/2013, os dispositivos, as estratégias, os processos e os mecanismos implementados pelo recorrente e os fundos próprios e liquidez por ele detidos não asseguravam a boa gestão e a cobertura de riscos, uma vez que o recorrente sobrestimou o nível dos seus FPP 1.

9        Para cobrir este risco, o BCE impôs, por um lado, uma medida nos termos do artigo 16.°, n.° 2, alínea d), do Regulamento n.° 1024/2013 (a seguir «medida de dedução»), e, por outro, impôs um requisito ao abrigo do artigo 16.°, n.° 2, alínea j), deste mesmo regulamento (a seguir «requisito de reporte»).

10      A medida de dedução imposta equivale, segundo a fórmula de cálculo que figura no ponto 1.10 da Decisão de 2 de fevereiro de 2022, ao valor dos montantes depositados em garantia e inscritos no ativo do balanço do recorrente, subtraído dos elementos suscetíveis de reduzir o risco, isto é, os elementos dos FPP 1 detidos pelo recorrente, relativos aos montantes depositados em garantia e, sendo o caso, do valor económico positivo atribuído ao ativo registado, tendo em conta os montantes depositados em garantia dos CIP.

11      Os requisitos de reporte têm por objetivo garantir ao BCE que a dedução imposta à recorrente foi corretamente tida em conta.

 Pedidos das partes e factos posteriores à interposição do recurso

12      O recorrente interpôs o presente recurso em 12 de abril de 2022.

13      No âmbito de um novo ciclo do SREP, o BCE proferiu a Decisão de 21 de dezembro de 2022, que substituiu a Decisão de 2 de fevereiro de 2022 (a seguir, em conjunto, «decisões impugnadas») a partir de 1 de janeiro de 2023 e que mantém a medida de dedução e o requisito de reporte.

14      Para chegar a esta decisão, o BCE seguiu o mesmo procedimento descrito nos n.os 3 a 6, supra.

15      Em 15 de fevereiro de 2023, o recorrente apresentou na Secretaria do Tribunal Geral um articulado de adaptação da petição em que pede também a anulação parcial da Decisão de 21 de dezembro de 2022, invocando os mesmos fundamentos que inicialmente havia invocado na petição contra a Decisão de 2 de fevereiro de 2022.

16      O BCE apresentou observações sobre o articulado de adaptação da petição por carta de 14 de março de 2023.

17      O recorrente conclui pedindo ao Tribunal Geral que se digne:

–        anular parcialmente a Decisão de 2 de fevereiro de 2022;

–        anular parcialmente a Decisão de 21 de dezembro de 2022;

–        condenar o BCE no pagamento das despesas.

18      O BCE conclui pedindo ao Tribunal Geral que se digne:

–        negar provimento ao recurso;

–        condenar o recorrente nas despesas.

 Questão de direito

19      O recorrente invoca quatro fundamentos de recurso, relativos, em primeiro lugar, à violação da força de caso julgado e a abuso de poder, em segundo lugar, a erro manifesto de apreciação e à violação do princípio da boa administração, em terceiro lugar, a erro de direito resultante da privação do efeito útil da regulamentação que envolve o recurso aos CIP e, em quarto lugar, à violação do princípio da proporcionalidade.

 Quanto ao primeiro fundamento, relativo à violação da força de caso julgado e a desvio de poder

20      O recorrente alega, em substância, que o BCE abusou dos poderes que lhe são conferidos pelo Regulamento n.° 1024/2013, especificados nos Acórdãos de 9 de setembro de 2020, Société Générale/BCE (T‑143/18, não publicado, EU:T:2020:389), de 9 de setembro de 2020, Crédit Agricole e o./BCE (T‑144/18, não publicado, EU:T:2020:390), de 9 de setembro de 2020, Confédération nationale du Crédit Mutuel e o./BCE (T‑145/18, não publicado, EU:T:2020:391), de 9 de setembro de 2020, BPCE e o./BCE (T‑146/18, não publicado, EU:T:2020:392), de 9 de setembro de 2020, Arkéa Direct Bank e o./BCE (T‑149/18, não publicado, EU:T:2020:393), e de 9 de setembro de 2020, BNP Paribas/BCE (T‑150/18 e T‑345/18, EU:T:2020:394) (a seguir «Acórdãos de 2020»), ao impor uma medida geral que não tem em conta a sua situação prudencial individual. Ao fazê‑lo, o BCE violou o artigo 266.° TFUE, bem como o artigo 4.°, n.° 1, alínea f), e o artigo 16.°, n.° 1, alínea c), e n.° 2, alíneas d) e j), do Regulamento n.° 1024/2013.

21      Mais concretamente, a recorrente acusa o BCE de ter baseado a sua decisão num raciocínio que só pode conduzir a uma dedução total do montante das garantias associadas aos CIP. Por isso, o BCE não cumpriu as obrigações que lhe incumbiam por força do artigo 266.° TFUE.

22      A este respeito, o recorrente alega que uma comparação entre, por um lado, as decisões anuladas pelo Tribunal Geral nos Acórdãos de 2020 e, por outro, as decisões impugnadas demonstra que as referidas decisões se baseiam em fundamentos substancialmente idênticos.

23      Além disso, o BCE não analisou especificamente a sua situação individual. A este respeito, o recorrente alega que o BCE pretendeu dar a ilusão de uma análise individualizada, ao mencionar os elementos indicados nas respostas de 29 de abril de 2021 ao questionário que o BCE lhe tinha enviado em 31 de março de 2021 e ao incrementar formalmente a fundamentação das decisões impugnadas. Todavia, a parte das decisões impugnadas que se refere à quantificação dos riscos dos CIP é inteiramente estandardizada e não se baseia em considerações especificamente relativas ao recorrente, mas antes em conclusões de natureza geral, passíveis de serem aplicadas a qualquer instituição de crédito que opte pelo tratamento extrapatrimonial dos CIP.

24      O BCE contesta os argumentos do recorrente.

25      No caso em apreço, o recorrente acusa, em substância, o BCE não só de ter violado o artigo 4.°, n.° 1, alínea f), e o artigo 16.°, n.° 1, alínea c), e n.° 2, alínea d), do Regulamento n.° 1024/2013, especificados nos Acórdãos de 2020, bem como o artigo 16.°, n.° 2, alínea j), do Regulamento n.° 1024/2013, mas também o artigo 266.° TFUE devido à alegada inobservância da interpretação deste regulamento que decorre dos referidos acórdãos. O BCE adotou novamente uma medida de dedução e não efetuou uma análise verdadeiramente individualizada.

26      Segundo o artigo 266.° TFUE, primeiro parágrafo, a instituição de que emane o ato anulado deve tomar as medidas necessárias à execução do acórdão anulatório. Estas normas preveem uma repartição da competências entre a autoridade judiciária e a autoridade administrativa, segundo a qual cabe à instituição de que emana o ato anulado determinar quais as medidas necessárias para executar um acórdão anulatório (v. Acórdão de 5 de setembro de 2014, Éditions Odile Jacob/Comissão, T‑471/11, EU:T:2014:739, n.° 55 e jurisprudência referida).

27      A este respeito, para dar cumprimento a um acórdão anulatório e executá‑lo plenamente, a instituição em causa está obrigada, segundo jurisprudência constante, a respeitar não apenas a sua parte decisória mas ainda os fundamentos que a ela conduziram e que constituem a sua base de sustentação necessária, visto que são indispensáveis para determinar o sentido exato do que foi deliberado na parte decisória. Com efeito, é esta fundamentação que, por um lado, identifica exatamente a disposição considerada ilegal e, por outro lado, revela as razões exatas da ilegalidade declarada na parte decisória, que têm de ser tomadas em consideração pela instituição ao substituir o ato anulado (Acórdãos de 26 de abril de 1988, Asteris e o./Comissão, 97/86, 99/86, 193/86 e 215/86, EU:C:1988:199, n.° 27; de 6 de março de 2003, Interporc/Comissão, C‑41/00 P, EU:C:2003:125, n.° 29; e de 13 de setembro de 2005, Recalde Langarica/Comissão, T‑283/03, EU:T:2005:315, n.° 50).

28      O artigo 266.° TFUE impõe à instituição em causa que evite que qualquer ato destinado a substituir o ato anulado enferme das mesmas irregularidades que as identificadas no acórdão anulatório (Acórdãos de 6 de março de 2003, Interporc/Comissão, C‑41/00 P, EU:C:2003:125, n.° 30, e de 13 de setembro de 2005, Recalde Langarica/Comissão, T‑283/03, EU:T:2005:315, n.° 51).

29      Além disso, há que sublinhar que o artigo 266.° TFUE só obriga a instituição da qual emana o ato anulado nos limites do necessário para garantir a execução do acórdão anulatório (Acórdãos de 6 de março de 2003, Interporc/Comissão, C‑41/00 P, EU:C:2003:125, n.° 30, e de 5 de setembro de 2014, Éditions Odile Jacob/Comissão, T‑471/11, EU:T:2014:739, n.° 57). O procedimento para substituir esse ato pode assim ser adotado no exato momento em que a ilegalidade é declarada (v. Acórdão de 29 de novembro de 2007, Itália/Comissão, C‑417/06 P, não publicado, EU:C:2007:733, n.° 52 e jurisprudência referida; Acórdão de 5 de setembro de 2014, Éditions Odile Jacob/Comissão, T‑471/11, EU:T:2014:739, n.° 58).

30      A título preliminar, há que observar que o BCE não interpôs recurso dos Acórdãos de 2020 que anularam parcialmente as suas decisões, objeto desses acórdãos. Todavia, as decisões impugnadas no presente processo não têm por objetivo substituir as decisões anuladas pelo Acórdão de 9 de setembro de 2020, BNP Paribas/BCE (T‑150/18 e T‑345/18, EU:T:2020:394). Com efeito, o BCE toma anualmente uma decisão no âmbito do SREP que entra em vigor na data especificada nessa decisão. Na mesma data, a decisão relativa ao SREP do ano anterior deixa de ser aplicável, salvo disposição em contrário da nova decisão relativa ao SREP. Assim, dado que o recorrente alega a violação do artigo 266.° TFUE, o presente fundamento não merece acolhimento. No entanto, importa apreciar se o BCE cometeu um abuso de poder ao adotar, em violação do artigo 4.°, n.° 1, alínea f), e do artigo 16.°, n.° 1, alínea c), e n.° 2, alíneas d) e j), do Regulamento n.° 1024/2013, especificados nos Acórdãos de 2020, uma medida de dedução sem ter verdadeiramente efetuado uma análise individualizada.

31      Neste contexto, importa recordar que o Regulamento n.° 1024/2013 instituiu o Mecanismo Único de Supervisão e tem por objetivo garantir a segurança e a solidez das instituições de crédito. O referido regulamento atribui competência ao BCE para exercer as atribuições de supervisão prudencial mencionadas no seu artigo 4.°, n.° 1. Em conformidade com o artigo 6.° do mesmo regulamento, o BCE exerce as suas atribuições no âmbito do mecanismo único de supervisão, composto por si e pelas autoridades nacionais competentes. O BCE tem competência, em especial, para assegurar a supervisão prudencial das instituições de crédito da área do euro classificadas como «significativas». Neste contexto, avalia anualmente as entidades significativas com base no SREP, a fim de, nomeadamente, determinar «se os dispositivos, as estratégias, os processos e os mecanismos implementados pelas instituições de crédito e os fundos próprios por elas detidos asseguram uma boa gestão e cobertura dos seus riscos». Por conseguinte, conforme já salientado no número anterior, o BCE toma anualmente, ou pelo menos a intervalos regulares, uma decisão no âmbito do SREP que entra em vigor na data especificada nessa decisão.

32      O facto de o BCE não ter interposto recurso dos Acórdãos de 2020 implica que estes adquiriram força de caso julgado. Embora, em rigor, o BCE não tenha substituído as decisões anuladas por novas decisões relativas ao SREP do ano em causa nos referidos processos, não é menos verdade que, nos novos ciclos das decisões relativas ao SREP, para evitar que as novas decisões padeçam das mesmas irregularidades identificadas nos Acórdãos de 2020, o BCE é obrigado a respeitar os termos dos acórdãos do Tribunal Geral (v., neste sentido e por analogia, Acórdãos de 26 de abril de 1988, Asteris e o./Comissão, 97/86, 99/86, 193/86 e 215/86, EU:C:1988:199, n.os 27 e 29, e de 23 de outubro de 2008, People’s Mojahedin Organization of Iran/Conselho, T‑256/07, EU:T:2008:461, n.° 62).

33      Importa recordar também que, nos Acórdãos de 2020, o Tribunal Geral decidiu que:

–        O artigo 36.° do Regulamento (UE) n.° 575/2013 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 26 de junho de 2013, relativo aos requisitos prudenciais das instituições de crédito e que altera o Regulamento (UE) n.° 648/2012 (JO 2013, L 176, p. 1, com retificações em JO 2013, L 208, p. 68, e JO 2013, L 321, p. 6), regulamento esse que prevê requisitos de alcance geral, igualmente identificados, neste contexto, como pertencendo ao «primeiro pilar», não obstava à identificação de um risco que podia ser corrigido por uma medida adotada ao abrigo do Regulamento n.° 1024/2013, a saber, no âmbito dos poderes do BCE que pertencem ao «segundo pilar»;

–        Com efeito, o artigo 16.°, n.° 1, alínea c), do Regulamento n.° 1024/2013 previa que, para o exercício das atribuições a que se refere o artigo 4.°, n.° 1, do Regulamento n.° 1024/2013, são atribuídos ao BCE, nos termos do artigo 16.°, n.° 2, do mesmo regulamento, poderes para exigir que as instituições de crédito tomem as medidas necessárias para solucionar problemas relevantes em determinadas circunstâncias (Acórdão de 9 de setembro de 2020, BNP Paribas/BCE, T‑150/18 e T‑345/18, EU:T:2020:394, n.° 58);

–        Entre estas circunstâncias, encontra‑se aquela em que, no quadro de um processo de supervisão realizado nos termos do artigo 4.°, n.° 1, alínea f), do Regulamento n.° 1024/2013, o BCE conclui que os dispositivos, as estratégias, os processos e os mecanismos implementados pela instituição de crédito, assim como os fundos próprios e liquidez por elas detidos, não asseguram uma boa gestão e cobertura dos seus riscos (Acórdão de 9 de setembro de 2020, BNP Paribas/BCE, T‑150/18 e T‑345/18, EU:T:2020:394, n.° 58);

–        O artigo 16.°, n.° 2, alínea d), do Regulamento n.° 1024/2013 previa que o BCE dispunha, especialmente, do poder de exigir que as instituições apliquem uma política específica de constituição de provisões ou de tratamento de ativos em termos de requisitos de fundos próprios (v., neste sentido, Acórdão de 9 de setembro de 2020, BNP Paribas/BCE, T‑150/18 e T‑345/18, EU:T:2020:394, n.os 49 a 60);

–        O risco que o BCE identificou nos referidos processos (como no presente processo) consistia na sobreavaliação dos FPP 1, risco esse que tinha origem no facto de os CIP serem tratados como um elemento extrapatrimonial, de não estarem, por conseguinte, incluídos no passivo do balanço da instituição de crédito e de a garantia associada aos CIP estar indisponível até ao pagamento dos CIP (v., neste sentido, Acórdão de 9 de setembro de 2020, BNP Paribas/BCE, T‑150/18 e T‑345/18, EU:T:2020:394, n.° 63);

–        Tendo em conta, designadamente, a importância dos FPP 1 na solidez financeira das instituições e, mais globalmente, na estabilidade do setor financeiro, a existência do risco assim identificado pelo BCE não pode ser negada (Acórdão de 9 de setembro de 2020, BNP Paribas/BCE, T‑150/18 e T‑345/18, EU:T:2020:394, n.° 67);

–        O BCE pôde considerar, sem cometer um erro de direito quanto a este ponto, que o tratamento prudencial dos CIP, e, portanto, da garantia que lhes é indissociável, podia dar origem à aplicação de uma das medidas previstas no artigo 16.°, n.° 2, alínea d), do Regulamento n.° 1024/2013, não obstante o facto de, num plano contabilístico, os CIP enquanto tais serem contabilizados como elementos extrapatrimoniais (Acórdão de 9 de setembro de 2020, BNP Paribas/BCE, T‑150/18 e T‑345/18, EU:T:2020:394, n.° 70);

–        Todavia, uma vez que o BCE não procedeu ao exame  individual da situação dos recorrentes, conforme imposto pelo artigo 4.°, n.° 1, alínea f), e pelo artigo 16.°, n.° 1, alínea c), e n.° 2, alínea d), do Regulamento n.° 1024/2013, estas disposições foram violadas e as decisões impugnadas no âmbito desses processos foram nessa medida anuladas (v., neste sentido, Acórdão de 9 de setembro de 2020, BNP Paribas/BCE, T‑150/18 e T‑345/18, EU:T:2020:394, n.os 77 a 84).

34      Assim, daí resulta que o BCE pode utilizar os seus poderes (no âmbito do «segundo pilar»), como uma medida de dedução, se estiverem preenchidos determinados requisitos, a saber, se uma instituição de crédito estiver exposta a um risco e se esse risco não estiver suficientemente coberto. Todavia, a constatação da existência desse risco e a questão de saber se está ou não coberto exige uma apreciação individual caso a caso.

35      Nos Acórdãos de 2020, o Tribunal Geral considerou que as decisões impugnadas não referiam nenhum exame individual a que o BCE tivesse procedido e que se destinasse a verificar se o recorrente tinha implementado os dispositivos, as estratégias, os processos e os mecanismos, na aceção do artigo 4.°, n.° 1, alínea f), e do artigo 16.°, n.° 1, alínea c), do Regulamento n.° 1024/2013, para fazer face aos riscos prudenciais relacionados com o tratamento extrapatrimonial dos CIP e, sendo caso disso, garantir a sua pertinência à luz destes riscos.

36      Por esse motivo, o Tribunal Geral considerou que decorria da abordagem do BCE que este considerou existir um risco a partir do momento em que uma instituição optasse pelo recurso aos CIP e pelo seu tratamento extrapatrimonial, tornando inútil qualquer exame mais circunstanciado da situação específica dessa instituição.

37      Por conseguinte, há que concluir que, nos Acórdãos de 2020, o Tribunal Geral anulou as decisões que lhe tinham sido submetidas para decisão pelo facto de o BCE não ter procedido ao exame prudencial individual dos recorrentes conforme imposto pelo artigo 4.°, n.° 1, alínea f), e pelo artigo 16.°, n.° 1, alínea c), e n.° 2, alínea d), do Regulamento n.° 1024/2013.

38      O Tribunal Geral não pôs em causa a importância dos FPP 1, nem o risco identificado pelo BCE nas referidas decisões, a saber, o risco de sobreavaliação dos FPP 1, nem a possibilidade de impor uma medida de dedução.

39      Do mesmo modo, o facto de, nas decisões impugnadas, o BCE ter imposto uma medida de dedução quase idêntica à imposta nas decisões anuladas pelos Acórdãos de 2020 também não implica que o BCE não tivesse dado cumprimento aos referidos acórdãos ou tivesse adotado uma posição de princípio no âmbito do «primeiro pilar».

40      Com efeito, o Tribunal Geral não declarou que a medida fosse em si mesma ilegal. Pelo contrário, declarou que o BCE tinha poderes para impor tal medida. A questão de saber se a medida imposta aos recorrentes era ou não justificada, uma vez que as decisões impugnadas que foram objeto dos Acórdãos de 2020 foram anuladas por falta de exame individual, não foi decidida pelo Tribunal Geral. Por conseguinte, não merece acolhimento o argumento do recorrente segundo o qual o BCE não cumpriu a obrigação de excluir qualquer medida de conteúdo idêntico ao que foi declarado ilegal.

41      Por outro lado, o Tribunal Geral reconheceu igualmente que riscos idênticos podiam ser cobertos por medidas idênticas (Acórdão de 9 de setembro de 2020, BNP Paribas/BCE, T‑150/18 e T‑345/18, EU:T:2020:394, n.° 80).

42      Além disso, o facto de o risco identificado nas decisões impugnadas ser o mesmo que foi identificado nas decisões anuladas pelos Acórdãos de 2020 não implica, por si só, que o BCE não tenha seguido os ensinamentos decorrentes dos referidos acórdãos.

43      Por conseguinte, há que verificar se o BCE procedeu a um exame individual da situação do recorrente.

44      A este respeito, importa observar que, na sequência da anulação das decisões objeto dos Acórdãos de 2020, o BCE desenvolveu uma metodologia para proceder, no âmbito da sua avaliação relativa ao SREP para os anos seguintes, a um exame mais concreto da situação das instituições de crédito que subscrevem os CIP.

45      No caso em apreço, o exame foi efetuado em conformidade com a referida metodologia do BCE e consiste num questionário que possibilitou ao BCE examinar, tendo em conta as respostas dadas pelas instituições sujeitas à supervisão prudencial e que contribuem para o financiamento do Fundo Único de Resolução (FUR) e para os sistemas de garantia de depósitos ao subscrever os CIP, se estes estavam expostos ao risco de sobreavaliação dos FPP 1 e, se fosse o caso, se esse risco estava coberto.

46      Para o efeito, as questões colocadas diziam respeito aos montantes dos CIPI subscritos, às garantias prestadas, ao tratamento contabilístico e prudencial dos CIP e das garantias e aos possíveis cenários de recuperação das garantias ou de pedido de pagamento dos CIP, incluindo as relações existentes entre estes diferentes cenários. Além disso, a fim de avaliar os dispositivos, as estratégias, os processos e os mecanismos implementados pela instituição de crédito em causa para gerir o risco, bem como os fundos próprios e a liquidez detidos para cobrir esse risco, o BCE solicitou informações adicionais sobre, nomeadamente, o tratamento contabilístico e prudencial, as medidas de redução dos riscos, as medidas de liquidez e de capital e quaisquer outras medidas utilizadas para atenuar o risco de sobreavaliação dos FPP 1.

47      Numa primeira fase do exercício dos poderes conferidos pelo artigo 16.°, n.° 1, alínea c), e pelo artigo 16.°, n.° 2, alínea d), do Regulamento n.° 1024/2013, o BCE determinou se o recorrente corria um risco de sobreavaliação dos FPP 1 e, numa segunda fase, efetuou um exame da situação individual do recorrente para determinar se os dispositivos, as estratégias, os processos e os mecanismos implementados, e se os fundos próprios e a liquidez por ela detidos asseguravam a boa gestão e a cobertura do risco de sobreavaliação dos FPP 1.

48      Assim, após o exercício da quantificação do risco, o BCE avaliou, no âmbito da segunda fase, se os FPP 1 detidos pelo recorrente asseguravam a boa gestão e a cobertura do risco de sobreavaliação dos FPP 1 e fez uma abordagem em cinco etapas.

49      Em primeiro lugar, o BCE avaliou se o recorrente tinha coberto parcialmente o risco de sobreavaliação dos FPP 1 pelos FPP 1 que já estava obrigada a deter nos termos do dispositivo de fundos próprios aplicáveis e que poderiam contribuir para cobrir esse risco. Em segundo lugar, verificou se o nível dos FPP 1, detidos pelo recorrente para lá dos requisitos globais de fundos próprios que lhe eram aplicáveis, podia cobrir o risco de sobreavaliação dos FPP 1. Em terceiro lugar, avaliou se podia ser atribuído um valor económico positivo às garantias prestadas aos CIP do ponto de vista prudencial, e se podia, assim, reduzir o efeito da subscrição de CIP e da concessão das correspondentes garantias sobre a capacidade dos FPP 1 para suportar os riscos. Em quarto lugar, avaliou se existiam ativos ou passivos de imposto diferido suscetíveis de reduzir o nível de sobreavaliação dos FPP 1 e, em quinto lugar, examinou se existiam outras circunstâncias ou outras medidas específicas aplicadas pelo recorrente que pudessem atenuar o risco de sobreavaliação dos FPP 1.

50      Após o exame acima descrito e relativo aos fundos próprios, o BCE examinou se a liquidez que o recorrente tinha assegurava a boa gestão e a cobertura do risco identificado.

51      Além disso, o BCE examinou se, e de que modo, os dispositivos, as estratégias, os processos e os mecanismos implementados pelo recorrente asseguravam a boa gestão e a cobertura do risco de sobreavaliação dos FPP 1.

52      O BCE acabou por chegar à conclusão de que os dispositivos, as estratégias, os processos e os mecanismos implementados, e os fundos próprios e liquidez que o recorrente detinha, não asseguravam a boa gestão e a cobertura do risco identificado, o que justificou a medida de dedução.

53      Deve concluir‑se que daí resulta que o BCE teve em conta os elementos pertinentes, referidos no artigo 4.°, n.° 1, alínea f), e no artigo 16.°, n.° 1, alínea c), do Regulamento n.° 1024/2013, e que procedeu a um exame individual da situação do recorrente.

54      Além disso, importa rejeitar o argumento do recorrente segundo o qual o BCE não fez prova de um risco que lhe é próprio, dado que o risco identificado é «próprio» a todas as instituições que recorrem aos CIP, pelo que, na realidade, o exercício efetuado pelo BCE é apenas uma fachada cujo objetivo é criar uma regra de alcance geral.

55      Em primeiro lugar, deve observar‑se que, contrariamente ao que alega o recorrente, o BCE identificou efetivamente um risco próprio deste. Com efeito, nas suas atribuições de supervisão prudencial, o BCE teve em consideração, como ponto de partida, o tratamento contabilístico efetuado pelo recorrente, enquanto elemento factual, entre outros, para determinar se, e de que modo, o recorrente geria e cobria os riscos prudenciais em que incorria por ter subscrito os CIP e ter dado garantias.

56      Assim, o BCE constatou que o recorrente tinha optado por um tratamento contabilístico combinado que consistia num tratamento extrapatrimonial dos CIP, fazendo simultaneamente figurar no seu balanço, como um ativo, enquanto crédito de restituição, quantias dadas em garantia pelo seu valor nominal total. Tal escolha implicava, no entender do BCE, que a contribuição para o financiamento dos fundos de resolução e de garantia dos depósitos não se refletisse no balanço, tendo como consequência um risco de sobreavaliação dos FPP 1.

57      Em segundo lugar, não se pode deixar de observar que o BCE não criou nenhuma regra de alcance geral, uma vez que o tratamento contabilístico dos CIP e a garantia associada são específicos de cada instituição e que as regras contabilísticas aplicáveis deixam uma certa margem, ou mesmo uma certa escolha, ao recorrente.

58      A este respeito, como alegou o BCE, são possíveis várias escolhas, quer para evitar esse risco quer para o afastar por outros meios, o que, aliás, só pode ser determinado com base num exame individual.

59      Assim, é possível incluir o compromisso de pagamento no balanço, como passivo, ou o contrato de garantia na conta de ganhos e perdas. A instituição que aplica esse tratamento regista uma perda, pelo que, no momento da subscrição do compromisso, é deduzido um montante equivalente do seu FPP 1. Também é possível não registar no balanço os CIP como passivo, ou seja, efetuar um tratamento extrapatrimonial, e, ao mesmo tempo, inscrever o numerário dado em garantia no ativo do balanço como crédito de restituição sobre o FUR. Tal tratamento contabilístico não se traduz numa diminuição dos elementos FPP 1, embora as garantias não estejam à disposição da instituição em causa. Do ponto de vista do tratamento prudencial, é, do mesmo modo, possível proceder a uma redução voluntária nos termos do artigo 3.° do Regulamento n.° 575/2013 ou então considerar que o ativo registado no balanço, que representa o crédito de restituição dos montantes depositados em garantia, gera a exposição a um risco ao qual deve ser atribuída uma ponderação específica, o que implicará requisitos de fundos próprios e, portanto, cobrirá parcialmente o risco de sobreavaliação dos FPP 1.

60      Todas estas possibilidades se refletem, nomeadamente, nas decisões tomadas no âmbito do SREP para o ano de 2022, que o BCE apresentou na sequência de uma medida de organização do processo e que demonstram que o exame da situação individual das diferentes instituições que subscrevem CIP levou a conclusões diferentes. Com efeito, o montante das quantias depositadas em garantia e que, por conseguinte, se tornaram indisponíveis foi objeto de uma dedução parcial, de uma dedução total ou de nenhuma medida de dedução, consoante as instituições em causa.

61      Resulta, portanto, do exposto que o primeiro fundamento deve improceder.

 Quanto ao segundo fundamento, relativo a um erro manifesto de apreciação e à violação do princípio da boa administração

62      O recorrente acusa o BCE de ter violado o princípio da boa administração e de ter adotado uma decisão de princípio que não tem realmente em conta a situação específica da instituição, nomeadamente, em termos de segurança prudencial e de liquidez, e de, ao fazê‑lo, ter cometido um erro manifesto de apreciação do tratamento prudencial aplicável aos CIP. Ora, ao excluir as «almofadas financeiras» para apreciar se o recorrente estava em condições de responder ao eventual risco dos CIP, o BCE cometeu um erro manifesto de apreciação. Do mesmo modo, ao considerar que o risco ligado à liquidez estava intrinsecamente associado à contabilização extrapatrimonial dos CIP e que nenhuma alternativa à medida de dedução — em especial um requisito de liquidez adicional — o poderia afastar, o BCE adotou uma posição de princípio sem ter apreciado a existência de risco para o recorrente. O recorrente considera igualmente que o BCE inverteu o ónus da prova e não teve em conta as respostas ao questionário, uma vez que estas não influenciaram a sua posição final.

63      O BCE sublinha que os argumentos do recorrente se baseiam no risco que corria em caso de um pedido de pagamento dos CIP, quando o risco que identificou foi o da sobreavaliação dos FPP 1 do recorrente. Considera também ter avaliado corretamente a adequação dos fundos próprios e a da liquidez do recorrente, tendo em conta o risco identificado.

64      No caso em apreço, resulta dos articulados do recorrente que este acusa o BCE de ter violado o princípio da boa administração pelo facto de se ter baseado num raciocínio abstrato e em riscos cuja verosimilhança não foi examinada. O BCE não examinou se a mobilização dos CIP era ou não suscetível de colocar o recorrente em situação de fragilidade e adotou uma fundamentação genérica e estereotipada.

65      Resulta de jurisprudência constante que, embora a instituição competente disponha de poder discricionário, a fiscalização jurisdicional que o Tribunal Geral deve exercer sobre o mérito dos fundamentos da decisão impugnada não o deve levar a substituir a apreciação da instituição competente pela sua própria apreciação, mas tem por objetivo verificar que essa decisão não assenta em factos materialmente inexatos e não está ferida de erro manifesto de apreciação ou de desvio de poder (v., neste sentido, Acórdão de 4 de maio de 2023, BCE/Crédit lyonnais, C‑389/21 P, EU:C:2023:368, n.° 55 e jurisprudência referida).

66      A este respeito, é jurisprudência constante que o juiz da União deve, designadamente, não só verificar a exatidão material dos elementos de prova invocados, a sua fiabilidade e coerência, mas também fiscalizar se esses elementos constituem a totalidade dos dados pertinentes a tomar em consideração para apreciar uma situação complexa, e se são suscetíveis de sustentar as conclusões deles retiradas (v. Acórdão de 4 de maio de 2023, BCE/Crédit lyonnais, C‑389/21 P, EU:C:2023:368, n.° 56 e jurisprudência referida).

67      Resulta também de jurisprudência constante que, quando as instituições dispõem de tal poder de apreciação, o respeito pelas garantias atribuídas pela ordem jurídica da União nos processos administrativos assume uma importância ainda mais fundamental. Entre as garantias conferidas pela ordem jurídica da União nos processos administrativos figura, designadamente, o princípio da boa administração, a que está associada a obrigação de a instituição competente analisar, com cuidado e imparcialidade, todos os elementos relevantes do caso concreto (Acórdãos de 21 de novembro de 1991, Technische Universität München, C‑269/90, EU:C:1991:438, n.° 14, e de 29 de março de 2012, Comissão/Estónia, C‑505/09 P, EU:C:2012:179, n.° 95).

68      Há que recordar que o risco identificado pelo BCE é o risco de sobreavaliação dos FPP 1 e que o objetivo da medida de dedução é afastar esse risco, e não afastar os riscos suscitados por um eventual pedido de pagamento dos CIP. O risco de sobreavaliação dos FPP 1 é ocasionado pela indisponibilidade dos montantes depositados para garantia do compromisso subscrito pelo recorrente. Por outro lado, nos seus articulados, o recorrente nunca contestou a indisponibilidade desses montantes, nem o risco identificado enquanto tal. Embora exista uma ligação entre o risco identificado e a subscrição dos CIP, o risco de sobreavaliação dos FPP 1 é um risco diferente do do pedido  de pagamento dos CIP. O risco suscitado pelo pedido de pagamento dos CIP representa para a instituição em causa o risco de incorrer em perdas depois de os CIP terem sido mobilizados e de os CIP extrapatrimoniais se tornarem uma despesa real que provoca perdas que devem ser registadas na sua conta de resultados.

69      Daqui resulta que o BCE não estava obrigado a examinar se o recorrente tinha condições para suportar o risco do pedido  de pagamento dos CIP. Por conseguinte, a crítica do recorrente, baseada no princípio da boa administração, segundo a qual o BCE não examinou se a sua situação individual assegurava a cobertura de um risco diferente do identificado pelo BCE, é inoperante.

70      Os argumentos segundo os quais o BCE inverteu o ónus da prova e não teve em conta os elementos declarados pelo recorrente no questionário devem ser rejeitados.

71      É certo que incumbe ao BCE demonstrar a existência de um risco. No entanto, só o pode fazer com base em informações específicas e «próprias» de cada instituição de crédito. Por esta razão, foi enviado um questionário detalhado a fim de obter as informações necessárias para avaliar a situação individual do recorrente. Com efeito, o referido questionário insere‑se no âmbito do dever de cooperação previsto no artigo 28.°, n.° 3, do Regulamento (UE) n.° 468/2014 do BCE, de 16 de abril de 2014, que estabelece o quadro de cooperação, no âmbito do Mecanismo Único de Supervisão, entre o BCE e as autoridades nacionais competentes e com as autoridades nacionais designadas (Regulamento‑Quadro do MUS) (JO 2014, L 141, p. 1). Esta disposição prevê que o recorrente, no âmbito de um procedimento de supervisão, como no caso em apreço, é obrigada a prestar assistência ao BCE para o esclarecimento dos factos. O questionário não teve, portanto, por efeito dispensar o BCE da realização de um exame individual, nem inverter o ónus da prova. Pelo contrário, com base nas informações recebidas, o BCE efetuou a sua análise, identificou o risco e chegou à conclusão, no que respeita ao recorrente, de que o referido risco não estava coberto, o que justificava assim a medida de dedução e o requisito de reporte.

72      No que respeita ao requisito de reporte, não se pode deixar de observar que esta medida é possível com base no artigo 16.°, n.° 2, alínea j), do Regulamento n.° 1024/2013. O facto de a informação dever ser fornecida utilizando o modelo COREP C 01.00, linha 0529, ID 1.1.1.28 «Elementos ou deduções dos FPP1 — outros», tal como figura no anexo I do Regulamento de Execução (UE) 2021/451 da Comissão, de 17 de dezembro de 2020, que estabelece normas técnicas de execução para a aplicação do Regulamento n.° 575/2013 no que respeita ao relato para fins de supervisão das instituições e revoga o Regulamento de Execução (UE) n.° 680/2014 (JO 2021, L 97, p. 1), não permite concluir, contrariamente ao que alega o recorrente, que se trata de uma medida pertencente ao «primeiro pilar». A utilização deste anexo explica‑se, como resulta das decisões impugnadas, pelo facto de o referido regulamento de execução não prever, nesta fase, um ponto específico para declarar informações por força dos requisitos impostos pelo BCE no exercício do poder mencionado no artigo 16.°, n.° 2, alínea d), do Regulamento n.° 1024/2013.

73      Quanto ao argumento de que o BCE cometeu um erro manifesto de apreciação ao negar a importância das «almofadas financeiras» para apreciar se o recorrente tinha condições para responder ao risco a que poderia estar exposto devido à subscrição dos CIP e ao seu tratamento extrapatrimonial, importa observar que o BCE examinou este aspeto. O mesmo BCE concluiu que as referidas almofadas, ou seja, os fundos próprios detidos pelo recorrente para lá dos requisitos regulamentares mínimos e da recomendação de fundos próprios no âmbito do «segundo pilar», não podiam ser considerados fundos próprios destinados a cobrir o risco de sobreavaliação dos FPP1. A este respeito, como resulta das decisões impugnadas e não é contestado pelo recorrente, este é livre de utilizar as «almofadas financeiras» para qualquer risco e não especificamente para o risco associado aos CIP. Do mesmo modo, continua a ser livre de distribuir as «almofadas financeiras» através de distribuições de lucros autorizadas, em qualquer momento antes de se concretizar o risco, a menos que o BCE solicite uma dedução ou proíba as distribuições de lucros. Além disso, a recorrente não apresentou nenhum compromisso juridicamente vinculativo que a impedisse de dispor livremente das suas «almofadas financeiras» para outros fins que não a cobertura do risco dos CIP. Por outro lado, importa salientar, à semelhança do BCE, que o recorrente parece confundir o risco de sobrestimação com as suas potenciais consequências. O risco de sobreavaliação dos FPP 1 consiste numa potencial sobreavaliação dos FPP 1 tendo em conta as capacidades reais de absorção das perdas do recorrente, o que lhe poderia permitir subscrever exposições não cobertas por fundos próprios. Embora as «almofadas financeiras» compostas por FPP 1 possam cobrir as perdas resultantes dessas exposições, não cobrem o risco de sobrestimação dos próprios FPP 1.

74      O argumento do recorrente relativo às «almofadas financeiras» e a alegação segundo a qual o BCE não as teve em conta não podem, portanto, ser acolhidos.

75      Do mesmo modo, a crítica relativa à liquidez não pode proceder. Segundo o recorrente, o BCE adotou uma posição de princípio sem ter apreciado a existência de um risco para ele. Com efeito, o BCE considerou que o risco ligado à liquidez estava intrinsecamente ligado à contabilização extrapatrimonial dos CIP e que nenhuma alternativa à medida de dedução — em especial, uma exigência de liquidez suplementar — o poderia afastar.

76      A este respeito, importa salientar que, nas decisões impugnadas, o BCE considerou que a liquidez detida pelo recorrente não era pertinente para garantir a boa gestão e a cobertura do risco associado aos CIP. Com efeito, como resulta do n.° 3.10.4 da Decisão de 2 de fevereiro de 2022 e do n.° 3.9.4 da Decisão de 21 de dezembro de 2022, salientou que, em caso de mobilização dos CIP, ou as entidades sujeitas à supervisão prudencial em causa entregariam numerário em troca da recuperação das garantias, a título de reequilíbrio, ou o FUR, o fundo nacional de resolução ou o sistema de garantia dos depósitos apreenderia diretamente as garantias. Tal não teria, em todo o caso, nenhum impacto na liquidez disponível da instituição de crédito. Em todo o caso, a saída de tesouraria já ocorreu no momento da prestação inicial da garantia e o risco ligado à liquidez já se materializou, como se reflete na gestão do risco associado à liquidez das garantias pelas entidades em causa.

77      Ora, não se pode deixar de observar que a apreciação de que o depósito de garantia já tinha sido efetuado, as consequências dessa operação sobre a liquidez já tinham sido tidas em conta pelo recorrente e o impacto nos rácios de liquidez já se tinha materializado têm relevância. Por outro lado, resulta igualmente dos articulados do recorrente que este admite que o facto de os CIP estarem cobertos por uma garantia sob a forma de um depósito em numerário implica que as saídas de tesouraria já tenham ocorrido e que a garantia prestada não dará, portanto, lugar a saídas complementares por parte do recorrente a título dos CIP.

78      O BCE examinou igualmente se o facto de deter liquidez adicional atenuaria as preocupações relativas aos riscos associados aos CIP.

79      A este respeito, tendo em conta as informações comunicadas pelo recorrente, o BCE concluiu nas decisões impugnadas que a liquidez adicional não cobria o risco de sobrestimação dos FPP 1. O facto de deter liquidez adicional teria um impacto indireto no risco para o capital, uma vez que é habitualmente atribuída à liquidez uma baixa ponderação do risco. Todavia, estes efeitos positivos já são automaticamente tidos em conta nos sistemas do recorrente que determinam ativos ponderados em função dos riscos. A circunstância de refletir igualmente esta incidência no cálculo da dedução relativa ao risco dos CIP equivale a contar em duplicado os efeitos positivos que se retiram do facto de deter liquidez adicional.

80      Tendo em conta o risco identificado, o referido raciocínio está isento de erro.

81      O facto de este raciocínio se aplicar igualmente a outras instituições de crédito que subscrevem CIP não significa que o BCE não tenha procedido a um exame da situação individual do recorrente e tenha adotado uma fundamentação genérica e estereotipada, em violação do princípio da boa administração.

82      Resulta do que precede que o segundo fundamento deve ser julgado improcedente.

 Quanto ao terceiro fundamento, relativo a um erro de direito resultante da privação do efeito útil da legislação que envolve o recurso aos CIP

83      O recorrente sustenta que as decisões impugnadas privam os CIP de qualquer efeito útil.

84      Em primeiro lugar, o tratamento contabilístico e prudencial diferenciado dos CIP (que não dão lugar ao registo de despesas nas contas) em relação às contribuições diretas em numerário (que dão lugar a um registo de despesas nas contas) é coerente com o objetivo do legislador de preservar a capacidade das instituições contribuintes para financiar a economia real. Ao impor um tratamento prudencial indiferenciado entre os CIP e as contribuições em numerário, as decisões impugnadas ameaçam o equilíbrio estabelecido pelo legislador entre o financiamento dos fundos de resolução e dos sistemas de garantia de depósitos, por um lado, e o financiamento da economia real, por outro, e ignoram a diferente natureza existente entre estas duas categorias de contribuições.

85      Em segundo lugar, a medida de dedução é contrária aos objetivos de flexibilidade, rapidez e efetividade prosseguidos pelo legislador, como resulta da génese dos textos que constituem o fundamento da União Bancária e da leitura dos debates parlamentares, uma vez que torna mais gravosa a instituição das contribuições ex ante para os fundos de resolução e para os sistemas de garantia de depósitos.

86      O BCE contesta os argumentos do recorrente.

87      Em conformidade com jurisprudência constante, na interpretação de uma disposição do direito da União, há que ter em conta não só os seus termos mas também o seu contexto e os objetivos prosseguidos pela regulamentação de que faz parte (Acórdão de 26 de janeiro de 2012, ADV Allround, C‑218/10, EU:C:2012:35, n.° 26, v., igualmente, Acórdão de 19 de julho de 2012, A, C‑33/11, EU:C:2012:482, n.° 27 e jurisprudência referida).

88      O facto de os CIP poderem, juntamente com as contribuições ex ante em numerário, ser utilizados para contribuir para os fundos de resolução e para os sistemas de garantia de depósitos não é objeto de debate, tendo em conta a clareza da redação:

–        do Regulamento (UE) n.° 806/2014 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 15 de julho de 2014, que estabelece regras e um procedimento uniformes para a resolução de instituições de crédito e de certas empresas de investimento no quadro de um Mecanismo Único de Resolução e de um Fundo Único de Resolução bancária e que altera o Regulamento (UE) n.° 1093/2010 (JO 2014, L 225, p. 1);

–        da Diretiva 2014/59/UE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 15 de maio de 2014, que estabelece um enquadramento para a recuperação e a resolução de instituições de crédito e de empresas de investimento e que altera a Diretiva 82/891/CEE do Conselho, e as Diretivas 2001/24/CE, 2002/47/CE, 2004/25/CE, 2005/56/CE, 2007/36/CE, 2011/35/CE, 2012/30/UE e 2013/36/UE e os Regulamentos (UE) n.° 1093/2010 e (UE) n.° 648/2012 do Parlamento Europeu e do Conselho (JO 2014, L 173, p. 190);

–        da Diretiva 2014/49/UE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 16 de abril de 2014, relativa aos sistemas de garantia de depósitos (JO 2014, L 173, p. 149).

89      A este respeito, o artigo 70.°, n.° 3, do Regulamento n.° 806/2014 refere com precisão que «[o]s meios financeiros disponíveis a tomar em consideração para efeitos do nível‑alvo especificado no artigo 69.° podem incluir [CPI] integralmente cobertos por garantias de ativos com baixo nível de risco não expostos a direitos de terceiros, de livre cessão e reservados para utilização exclusiva pelas autoridades de resolução para os efeitos especificados no artigo 76.°, n.° 1» e que «[a] proporção desses [CIP] não pode exceder 30 % do montante total das contribuições cobradas nos termos do presente artigo». A redação do artigo 103.°, n.° 3, da Diretiva 2014/59 tem conteúdo idêntico à do artigo 70.°, n.° 3, do referido regulamento. Por último, quanto aos sistemas de garantia de depósitos, o artigo 10.°, n.° 3, da Diretiva 2014/49 prevê igualmente a possibilidade de contribuição através dos CIP.

90      Todavia, deve reconhecer‑se que as referidas disposições não abordam nem têm por objeto regular os tratamentos contabilístico e prudencial dos CIP.

91      A questão do efeito útil das disposições pertinentes diz, portanto, respeito à articulação da regulamentação que institui fundos de resolução e sistemas de garantia de depósitos e que autoriza a utilização dos CIP como contribuição para estes com o Regulamento n.° 575/2013 e com o Regulamento n.° 1024/2013, que previram, respetivamente, requisitos prudenciais e instituíram o mecanismo único de supervisão. Por conseguinte, importa saber se a aplicação do Regulamento n.° 575/2013 e do Regulamento n.° 1024/2013 pode ter por efeito que certas disposições do Regulamento n.° 806/2014, entre as quais o artigo 70.°, n.° 3, percam o seu efeito útil. O mesmo se aplica à Diretiva 2014/59 e, nomeadamente, ao seu artigo 103.°, n.° 3, e à Diretiva 2014/49, concretamente ao seu artigo 10.°, n.° 3.

92      A este respeito, não se pode concluir que o legislador pretendeu que o recurso aos CIP pudesse permitir às instituições subscritores assumir riscos não cobertos por fundos próprios.

93      Com efeito, tal interpretação estaria em contradição com as medidas mais estritas tomadas em resposta à crise financeira de 2008, que foi o que desencadeou o reforço do quadro regulamentar e da supervisão prudencial. Foi neste contexto que foram igualmente instituídos os mecanismos de resolução destinados a prevenir as consequências nefastas das falências bancárias ocorridas no passado e a enfrentá‑las melhor no futuro.

94      A este respeito, já foi declarado, no âmbito do primeiro e do segundo fundamentos, que o BCE podia legitimamente concluir, com base no exame individual, que o recorrente corria o risco de sobrestimação da FPP 1 em resultado da forma como contabilizava os CIP e a garantia correspondente, e que implicava que pudesse financiar atividades que não estavam cobertas pelos seus fundos próprios.

95      Além disso, as citações dos considerandos que fazem parte dos textos fundadores da União Bancária ou dos debates parlamentares invocados pelo recorrente nos seus articulados não são convincentes. É certo que demonstram que o legislador tentou encontrar um certo equilíbrio entre, por um lado, as exigências necessárias a uma união bancária saudável e, por outro, a margem de manobra deixada aos bancos na sua atividade comercial. Todavia, os considerandos invocados pelo recorrente têm caráter geral e não visam os CIP. Além disso, as passagens que cita são seletivas e incompletas e delas não pode ser retirada nenhuma conclusão quanto ao tratamento contabilístico e às eventuais consequências prudenciais.

96      A título exemplificativo, não é relevante a referência feita pelo recorrente ao considerando 18 do Regulamento n.° 1024/2013 para alicerçar os argumentos que apresentou no âmbito do presente fundamento, sobretudo os relacionados com o tratamento contabilístico, dado que o excerto do referido considerando não o reflete integralmente. É verdade que resulta da frase citada que o BCE deve ter em conta as condições macroeconómicas pertinentes nos vários Estados‑Membros, em particular a estabilidade da oferta de crédito e a facilitação de atividades produtivas para a economia no seu todo. Todavia, por sua vez, a frase anterior indica que o BCE deve, no exercício das suas atribuições, evitar «o risco moral e a tomada de riscos excessivos [pelas instituições de crédito] daí decorrente».

97      Ora, o facto de o BCE, no exercício das suas atribuições, ser obrigado a ter em conta condições macroeconómicos pertinentes não significa que esteja impedido de tomar medidas corretivas a nível individual, se forem necessárias do ponto de vista prudencial.

98      Do mesmo modo, no que respeita à referência ao considerando 15 de uma versão da proposta de regulamento de execução do Regulamento n.° 806/2014 [atual Regulamento de Execução (UE) 2015/81 do Conselho, de 19 de dezembro de 2014, que especifica condições de aplicação uniformes do Regulamento (UE) n.° 806/2014 do Parlamento Europeu e do Conselho no que se refere às contribuições ex ante para o FUR (JO 2015, L 15, p. 1)], referida pelo recorrente nos seus articulados, importa salientar que o mesmo não é relevante. Com efeito, o seu conteúdo não foi incluído na versão final do regulamento de execução, o que indicia que o legislador não o considerou oportuno.

99      Além disso, no que respeita ao argumento de que um tratamento indiferenciado eliminaria o efeito útil dos CIP, importa salientar que resulta das decisões tomadas pelo BCE e acima evocadas no n.° 60 que outras instituições bancárias, igualmente subscritoras de CIP, previram um tratamento contabilístico diferente dos seus CIP e dos montantes depositados em garantia que não colocava nenhum problema do ponto de vista prudencial. De resto, este facto tende a demonstrar que os CIP não são desprovidos de juros para estes últimos.

100    A este respeito, independentemente do tratamento contabilístico dos CIP, importa salientar que os montantes depositados em garantia junto do fundo de resolução ou do sistema de garantia de depósitos geram juros a favor das instituições subscritoras dos CIP, o que constitui uma vantagem em relação a uma contribuição em numerário.

101    Além disso, a inexistência de uma disposição no Regulamento n.° 575/2013 que preveja expressamente um tratamento contabilístico e prudencial específico dos CIP tende a reforçar as conclusões precedentes.

102    Por outro lado, o facto de, com a introdução do instrumento relativo aos CIP, o legislador não ter tido a intenção de conceder uma vantagem preferencial aos subscritores parece resultar igualmente do parecer da Autoridade Bancária Europeia (EBA).

103    A este respeito, como resulta das respostas da EBA aos comentários formulados no âmbito da consulta realizada sobre o projeto de orientações da EBA sobre os CIP nos termos da Diretiva 2014/49, a mesma considerou que nem os considerandos nem os artigos da Diretiva 2014/49 previam que o objetivo prosseguido pelo legislador da União, no momento da introdução dos CIP, fosse o de conceder às instituições de crédito um tratamento contabilístico preferencial. Além disso, segundo a EBA, contrariamente às contribuições diretas em numerário, as instituições que subscrevem CIP podem beneficiar dos referidos compromissos conservando o produto dos montantes transferidos em garantia. Acresce ainda que, sempre segundo a EBA, os CIP oferecem às instituições de crédito um tratamento preferencial de liquidez (refletido no quadro dos fluxos de caixa).

104    Embora a sua interpretação não seja vinculativa no caso em apreço, pode ser relevante tê‑la em consideração, uma vez que a EBA é uma fonte de referência no domínio da União Bancária.

105    Por outro lado, as orientações relativas aos CIP que a EBA estabeleceu ao abrigo do artigo 10.°, n.° 3, segundo parágrafo, da Diretiva 2014/49 e do artigo 16.° do Regulamento (UE) n.° 1093/2010 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 24 de novembro de 2010, que cria uma EBA, altera a Decisão n.° 716/2009/CE e revoga a Decisão 2009/78/CE da Comissão (JO 2010, L 331, p. 12), confirmam igualmente que o tratamento contabilístico dos CIP e dos montantes depositados em garantia pode conduzir à adoção de medidas prudenciais.

106    A interpretação preconizada pelo recorrente deve, assim, ser julgada improcedente e, por conseguinte, todo o terceiro fundamento.

 Quanto ao quarto fundamento, relativo à violação do princípio da proporcionalidade

107    A recorrente começa por recordar que o risco potencial suscitado pelos CIP só se pode materializar em caso de pedido de pagamento e que esse risco, cuja ocorrência é hipotética dada a baixa probabilidade de haver um pedido de pagamento dos CIP, está, em todo o caso, coberto através da aplicação correta dos requisitos prudenciais, como os ativos ponderados em função do risco (risk weighted assets). Daqui resulta que o BCE não teve em conta a sua situação específica, que a medida de dedução é injustificada e, só por isso, viola o princípio da proporcionalidade.

108    Em seguida, o BCE afastou qualquer medida alternativa à medida de dedução, por força de uma posição de princípio, sob pretexto de que, sem dedução, o montante dos FPP 1 comunicado aos agentes de mercado não reflete as capacidades reais de absorção das perdas.

109    A recorrente considera, portanto, que a imposição da medida de dedução, que produz efeitos negativos sobre si, é manifestamente desadequada e desproporcionada em relação ao objetivo declarado de obter, para efeitos de supervisão, uma informação adequada sobre os riscos.

110    Por último, a recorrente considera que o BCE, no âmbito das respostas às observações que formulou, reconheceu que a adequação dos seus fundos próprios, avaliada com «risco moderadamente baixo» no caso em apreço, era um parâmetro indiferente. Daqui conclui que o BCE admite, por conseguinte, que mesmo a uma instituição que apresentasse uma situação de capital adequada seria aplicada a mesma medida de dedução, o que está em total contradição com o princípio da proporcionalidade.

111    O BCE contesta os argumentos do recorrente.

112    A título preliminar, importa recordar que, nos termos do artigo 5.°, n.° 4, TUE, em virtude do princípio da proporcionalidade, o conteúdo e a forma da ação da União não devem exceder o necessário para alcançar os objetivos dos Tratados. As instituições da União aplicam o princípio da proporcionalidade em conformidade com o Protocolo n.° 2 relativo à aplicação dos princípios da subsidiariedade e da proporcionalidade, anexo ao TFUE.

113    Segundo jurisprudência constante, o princípio da proporcionalidade, que faz parte dos princípios gerais do direito da União, exige que os atos das instituições da União sejam aptos a realizar os objetivos legitimamente prosseguidos pela regulamentação em causa e não ultrapassem os limites do que é adequado e necessário à realização desses objetivos, e que, quando haja uma escolha entre várias medidas adequadas, se deve recorrer à menos restritiva, não devendo os inconvenientes causados ser desproporcionados relativamente aos objetivos prosseguidos (v. Acórdão de 16 de maio de 2017, Landeskreditbank Baden‑Württemberg/BCE, T‑122/15, EU:T:2017:337, n.° 67 e jurisprudência referida).

114    Além disso, segundo o Tribunal de Justiça, a apreciação da proporcionalidade de uma medida deve ser conciliada com o respeito pela margem de apreciação eventualmente reconhecida às instituições da União aquando da sua adoção (v. Acórdão de 8 de maio de 2019, Landeskreditbank Baden‑Württemberg/BCE, T‑450/17, EU:C:2019:372, n.° 53 e jurisprudência referida).

115    No caso em apreço, após ter constatado que a existência do risco identificado não coberto gerava a situação problemática prevista no artigo 16.°, n.° 1, alínea c), do Regulamento n.° 1024/2013 e que, para resolver esse problema, podia exercer os poderes que o artigo 16.°, n.° 2, alínea d), deste mesmo regulamento lhe confere para exigir que a instituição em causa aplicasse aos seus ativos uma política especial de constituição de provisões ou um tratamento especial em termos de requisitos de fundos próprios, o BCE examinou a proporcionalidade da medida de dedução.

116    Em primeiro lugar, o BCE determinou que a exigência de dedução era adequada para obviar ao risco de sobreavaliação dos FPP 1, uma vez que corrigia especificamente a perda de recursos económicos já ocorrida. Em segundo lugar, o BCE avaliou se a exigência de dedução era necessária e, designadamente, se existiam outras medidas alternativas menos onerosas e suscetíveis de atingir da mesma forma o objetivo de declarar só os FPP 1 como capazes de suportar os riscos.

117    O BCE considerou que este objetivo não seria alcançado através do recurso a outras medidas no âmbito do «segundo pilar» nos termos do artigo 16.°, n.° 2, alínea a), que visam o aumento dos requisitos de fundos próprios, e alínea i), que visam a limitação da distribuição de dividendos, do Regulamento n.° 1024/2013.

118    Não se pode deixar de observar que a análise feita pelo BCE sobre a proporcionalidade da medida de dedução foi estruturada e corretamente efetuada. Não está ferida de ilegalidade nem contém erros. Além disso, os argumentos invocados pelo recorrente não põem em causa o raciocínio do BCE.

119    Em primeiro lugar, o argumento segundo o qual a materialização do pedido de pagamento dos CIP continua a ser muito hipotética não é pertinente à luz do risco identificado.

120    Em segundo lugar, o recorrente, pelo facto de o BCE ter examinado e, em seguida, afastado medidas alternativas à medida de dedução, não pode concluir que a medida imposta era inadequada e desproporcionada para a obtenção de informações sobre os riscos. Em todo o caso, o recorrente não explicou por que razão o raciocínio do BCE estava errado neste ponto. Além disso, a medida de dedução visa corrigir a perda de recursos económicos já ocorrida, sendo a comunicação ao mercado ou aos supervisores do nível exato da capacidade de absorção das perdas dos FPP 1 do recorrente apenas uma consequência indireta da medida imposta, mas não um objetivo em si mesmo.

121    Em terceiro lugar, o facto de a adequação dos fundos próprios ter dado lugar a uma avaliação de «risco moderadamente baixo» não significa que a medida de dedução imposta seja desproporcionada, havendo, em todo o caso, a salientar que essa qualificação não afasta o risco de sobreavaliação identificado.

122    Resulta do exposto que o quarto fundamento deve ser julgado improcedente e que, consequentemente, deve ser negado integral provimento ao recurso.

 Quanto às despesas

123    Nos termos do artigo 134.°, n.° 1, do Regulamento de Processo do Tribunal Geral, a parte vencida é condenada nas despesas se a parte vencedora o tiver requerido. Tendo o recorrente ficado vencido, há que condená‑lo nas despesas em conformidade com os pedidos do BCE.

Pelos fundamentos expostos,

O TRIBUNAL GERAL (Terceira Secção Alargada)

decide:

1)      É negado provimento ao recurso.

2)      O BCE é condenado nas despesas.

Schalin

Škvařilová‑Pelzl

Nõmm

Steinfatt

 

      Kukovec

Proferido em audiência pública no Luxemburgo, em 5 de junho de 2024.

Assinaturas


*      Língua do processo: francês.