Language of document : ECLI:EU:T:2013:323

ACÓRDÃO DO TRIBUNAL GERAL (Primeira Secção)

18 de junho de 2013 (*)

«Pesca ― Comparticipação financeira para a execução dos regimes de controlo e de vigilância ― Decisão de não reembolsar as despesas efetuadas com a aquisição de dois navios‑patrulha oceânicos ― Artigo 296.° CE ― Diretiva 93/36/CEE ― Confiança legítima ― Dever de fundamentação»

No processo T‑509/09,

República Portuguesa, representada inicialmente por L. Inez Fernandes, A. Trindade Mimoso e A. Miranda Boavida e, em seguida, por L. Inez Fernandes, H. Leitão e V. Coelho, na qualidade de agentes,

recorrente,

contra

Comissão Europeia, representada por A. Bouquet e M. Afonso, na qualidade de agentes,

recorrida,

que tem por objeto um pedido de anulação da Decisão da Comissão de 14 de outubro de 2009, que declara inelegíveis para uma comparticipação financeira da União Europeia, ao abrigo da Diretiva 2002/978/CE da Comissão, de 10 de dezembro de 2002, relativa à elegibilidade das despesas destinadas a contribuir para certas ações previstas por determinados Estados‑Membros para a execução em 2002 dos regimes de controlo, de inspeção e de vigilância aplicáveis à política comum da pesca (JO L 338, p. 33), as despesas com a aquisição de dois navios‑patrulha oceânicos, parcialmente destinados ao controlo e à vigilância da pesca,

O TRIBUNAL GERAL (Primeira Secção),

composto por: J. Azizi, presidente, S. Frimodt Nielsen e M. Kancheva (relatora), juízes,

secretário: C. Heeren, administradora,

vistos os autos e após a audiência de 27 de novembro de 2012,

profere o presente

Acórdão

 Quadro jurídico

1        O artigo 296.° CE, aplicável à época dos factos, tem a seguinte redação:

«1.      As disposições do […] Tratado [CE] não prejudicam a aplicação das seguintes regras:

a)      Nenhum Estado‑Membro é obrigado a fornecer informações cuja divulgação considere contrária aos interesses essenciais da sua própria segurança;

b)      Qualquer Estado‑Membro pode tomar as medidas que considere necessárias à proteção dos interesses essenciais da sua segurança e que estejam relacionadas com a produção ou o comércio de armas, munições e material de guerra; tais medidas não devem alterar as condições de concorrência no mercado comum no que diz respeito aos produtos não destinados a fins especificamente militares.

2.      O Conselho, deliberando por unanimidade, sob proposta da Comissão, pode introduzir modificações nesta lista, que foi fixada em 15 de abril de 1958, dos produtos aos quais se aplicam as disposições da alínea b) do n.° 1.»

2        A Decisão 255/58 do Conselho, de 15 de abril de 1958, estabelece a lista referida no artigo 296.°, n.° 2, CE, da qual foram reproduzidos excertos no documento 14538/4/08 do Conselho, de 10 de novembro de 2008. Esta lista prevê, designadamente, o seguinte:

«Apresenta‑se adiante a lista de armas, munições e material de guerra, incluindo o armamento nuclear, a que se aplicam as disposições do n.° 1, alínea b) do artigo 296.° [CE]:

[…]

9.      Navios de guerra e seus equipamentos especializados:

a) navios de guerra de qualquer tipo;

[…]»

3        Nos termos do décimo segundo considerando da Diretiva 93/36/CEE do Conselho, de 14 de junho de 1993, relativa à coordenação dos processos de adjudicação dos contratos públicos de fornecimento (JO L 199, p. 1):

«[…] o processo por negociação deve ser considerado excecional e […] deve ser aplicado unicamente a um número limitado de casos.»

4        O artigo 1.° da Diretiva 93/36 dispõe:

«Para efeitos da presente diretiva:

[…]

d)      Concursos públicos são concursos nacionais em que qualquer fornecedor interessado pode apresentar uma proposta;

[…]

f)       Processos por negociação são os processos nacionais em que as entidades adjudicantes consultam fornecedores à sua escolha, negociando as condições do contrato com um ou mais de entre eles.»

5        O artigo 2.°, n.° 1, alínea b), da Diretiva 93/36 prevê:

«1.      A presente diretiva não é aplicável:

[…]

b)      Aos contratos de fornecimento que sejam declarados secretos ou cuja execução deva ser acompanhada de medidas especiais de segurança, nos termos das disposições legislativas, regulamentares e administrativas em vigor no Estado‑Membro em causa, ou quando a proteção dos interesses essenciais da segurança desse Estado o exija.»

6        O artigo 3.° da Diretiva 93/36 dispõe:

«Sem prejuízo do disposto nos artigos 2.° e 4.° e no n.° 1 do artigo 5.°, a presente diretiva aplica‑se a todos os produtos abrangidos pela alínea a) do artigo 1.°, incluindo os que são objeto de contratos de fornecimento celebrados por entidades adjudicantes no domínio da defesa, com exceção dos produtos a que se aplica o n.° 1, alínea b), do artigo [296.° CE].»

7        A Decisão 2001/431/CE do Conselho, de 28 de maio de 2001, relativa a uma participação financeira da Comunidade em certas despesas realizadas pelos Estados‑Membros na execução dos regimes de controlo, de inspeção e de vigilância aplicáveis à política comum das pescas (JO L 154, p. 22), estabelece as modalidades de apresentação, à Comissão das Comunidades Europeias, dos programas das despesas relativas à referida política, para as quais os Estados‑Membros pretendem beneficiar de uma comparticipação financeira, e fixa as despesas consideradas elegíveis.

8        O artigo 1.° da Decisão 2001/431 dispõe:

«A Comunidade pode conceder, nos termos da presente decisão, uma participação financeira, a seguir designada ‘participação financeira’, aos programas de controlo estabelecidos pelos Estados‑Membros para a execução dos regimes de controlo, de inspeção e de vigilância aplicáveis à política comum das pescas, previstos no Regulamento (CE[E]) n.° 2847/93.

Os programas de controlo devem especificar os objetivos, os meios de controlo e as despesas previstas, nomeadamente no que respeita às ações referidas no artigo 2.°»

9        O artigo 2.° da Decisão 2001/431 prevê:

«A participação financeira pode ser concedida no que respeita a certas despesas previstas nos programas de controlo e que tenham por objetivo contribuir para as seguintes ações:

[…]

e)      Aquisição ou modernização de equipamentos de inspeção e de controlo.

[…]»

10      O artigo 9.°, n.° 1, da Decisão 2001/431 dispõe:

«A participação financeira nas despesas referidas na alínea e) do artigo 2.° abrange as despesas com investimentos respeitantes à aquisição ou à modernização de navios ou aeronaves efetivamente utilizados para assegurar o controlo, a inspeção e a vigilância das atividades de pesca.»

11      O artigo 17.°, n.os 2 e 3, da Decisão 2001/431 estabelece o seguinte:

«2.      Ao apresentarem o pedido de reembolso das despesas, os Estados‑Membros verificam e certificam que as despesas foram efetuadas no respeito das condições estabelecidas na presente decisão, bem como das diretivas de coordenação dos processos de adjudicação dos contratos públicos de obras, fornecimento e serviços, nos termos do ponto 4 da parte A do anexo II.

3.      Se do pedido se puder depreender que não foram respeitadas as condições a que se refere o n.° 2, a Comissão procede a um exame aprofundado do caso, solicitando ao Estado‑Membro em questão que apresente as suas observações. Se o exame confirmar a não observância das referidas condições, a Comissão fixa um prazo para que o Estado‑Membro lhes possa dar cumprimento. Se, findo esse prazo, o Estado‑Membro não tiver dado seguimento às recomendações, a Comissão pode reduzir, suspender ou suprimir a participação financeira no domínio de ação em causa […]»

12      O ponto 4 da parte A do anexo II da Decisão 2001/431 tem a seguinte redação:

«Os questionários sobre os contratos públicos, devidamente preenchidos, devem fazer referência aos anúncios de adjudicação de contratos públicos publicados no Jornal Oficial das Comunidades Europeias. Se os anúncios não tiverem sido publicados no Jornal Oficial das Comunidades Europeias, o beneficiário deve certificar que os contratos públicos foram adjudicados no respeito da legislação comunitária.

A Comissão pode solicitar quaisquer informações que considere necessárias para julgar do respeito da legislação comunitária em matéria de contratos públicos.

[…]»

 Antecedentes do litígio

13      Por Despacho conjunto n.° 15/2001 (Diário da República, II série, n.° 9, de 11 de janeiro de 2001, pp. 453, 454), de 19 de dezembro de 2000, o Governo da República Portuguesa decidiu adquirir dois navios‑patrulha oceânicos para o controlo e a vigilância de espaços marítimos nacionais e para o combate à poluição marítima. Para a sua construção, optou pelo ajuste direto aos Estaleiros Navais de Viana do Castelo, SA.

14      Em 15 de abril de 2001, as autoridades portuguesas apresentaram à Comissão, em conformidade com a Decisão 2001/431, um pedido de comparticipação financeira para os projetos de investimento no âmbito do seu sistema de vigilância e controlo das atividades da pesca para o triénio de 2001‑2003. Um destes projetos destinava‑se à renovação da capacidade naval de vigilância oceânica e previa a construção de dois navios‑patrulha oceânicos, afetados em 70% ao controlo e à vigilância das atividades da pesca.

15      Em 12 de novembro de 2002, a construção dos dois navios‑patrulha oceânicos foi adjudicada à sociedade Estaleiros Navais de Viana do Castelo, SA.

16      Na sua Decisão 2002/978/CE, de 10 de dezembro de 2002, relativa à elegibilidade das despesas destinadas a contribuir para certas ações previstas por determinados Estados‑Membros para a execução em 2002 dos regimes de controlo, de inspeção e de vigilância aplicáveis à política comum da pesca (JO L 338, p. 33), a Comissão concedeu, ao abrigo da Decisão 2001/431, uma contribuição financeira aos projetos apresentados pela República Portuguesa no âmbito do seu sistema de vigilância e de controlo das atividades da pesca para o triénio de 2001‑2003. No anexo II desta decisão, ficou estabelecido que, para 2002, a República Portuguesa podia beneficiar de uma contribuição financeira máxima de 13 510 837 euros.

17      Em 16 de janeiro de 2006, as autoridades portuguesas solicitaram à Comissão o reembolso do montante de 6 732 322,75 euros a título da contribuição para o financiamento da aquisição dos dois navios‑patrulha oceânicos encomendados à sociedade Estaleiros Navais de Viana do Castelo.

18      Em 6 de fevereiro de 2006, a Comissão comunicou às autoridades portuguesas que não podia dar seguimento ao pedido, uma vez que precisava de informações adicionais sobre as razões pelas quais estas autoridades tinham optado por um procedimento de adjudicação por ajuste direto, reservado aos equipamentos especificamente militares, quando os dois navios‑patrulha oceânicos se destinavam a ser afetados em 70% ao controlo das atividades da pesca.

19      Em 19 de maio de 2008, no seguimento de uma troca de correspondência, realizou‑se uma reunião entre funcionários da Comissão e as autoridades portuguesas.

20      Em 29 de maio de 2009, a Comissão informou as autoridades portuguesas de que considerava que as despesas para as quais era pedido o reembolso não eram elegíveis e que, por conseguinte, não podia ser efetuado nenhum pagamento. Em substância, a Comissão explicou que, uma vez que recorreram ao procedimento por ajuste direto para adquirir os dois navios em causa, as autoridades portuguesas não respeitaram as regras de adjudicação de contratos públicos, quando este requisito é exigido no artigo 17.°, n.° 2, da Decisão 2001/431. A Comissão concedeu às autoridades portuguesas o prazo de um mês para lhe transmitirem novas observações.

21      Em 7 de julho de 2009, as autoridades portuguesas responderam à Comissão, reiterando que o procedimento de aquisição dos dois navios‑patrulha oceânicos tinha sido efetivado em conformidade com a legislação da União Europeia em matéria de contratação pública. Além disso, juntaram um parecer do Ministério da Defesa Nacional e pediram que o processo fosse reanalisado à luz dos argumentos expostos.

22      Por ofício de 14 de outubro de 2009, a Comissão notificou às autoridades portuguesas a sua decisão de não considerar elegíveis as despesas com a aquisição de dois navios‑patrulha oceânicos, indicando‑lhes igualmente que se tinha procedido à anulação da autorização orçamental prevista para o projeto, objeto da Decisão 2002/978 (a seguir «decisão impugnada»).

 Tramitação processual e pedidos das partes

23      Por petição entrada na Secretaria do Tribunal Geral em 18 de dezembro de 2009, a República Portuguesa interpôs o presente recurso.

24      A República Portuguesa conclui pedindo que o Tribunal Geral se digne:

–        anular a decisão impugnada;

–        ordenar à Comissão que seja proferida decisão favorável aos pedidos de reembolso apresentados pela República Portuguesa no âmbito da Decisão 2002/978;

–        condenar a Comissão nas despesas.

25      A Comissão conclui pedindo que o Tribunal Geral se digne:

–        negar provimento ao recurso;

–        condenar a República Portuguesa nas despesas.

26      Visto o relatório do juiz‑relator, o Tribunal Geral (Primeira Secção) decidiu abrir a fase oral.

27      Foram ouvidas as alegações das partes e as suas respostas às questões orais colocadas pelo Tribunal Geral na audiência de 27 de novembro de 2012.

 Questão de direito

 Quanto à admissibilidade do segundo pedido

28      No que se refere ao pedido da República Portuguesa no sentido de o Tribunal Geral ordenar à Comissão que seja proferida decisão favorável aos pedidos de reembolso apresentados no âmbito da Decisão 2002/978, basta recordar que, segundo jurisprudência assente, o Tribunal Geral não tem competência para dirigir intimações às instituições. Com efeito, em conformidade com o artigo 264.° TFUE, o Tribunal Geral apenas pode anular o ato impugnado, total ou parcialmente, ou negar provimento ao recurso. Incumbe, em seguida, à instituição em causa, nos termos do artigo 266.° TFUE, adotar as medidas necessárias à execução do acórdão do Tribunal Geral (v., neste sentido, despacho do Tribunal Geral de 29 de novembro de 1993, Koelman/Comissão, T‑56/92, Colet., p. II‑1267, n.° 18; acórdãos do Tribunal Geral de 15 de setembro de 1998, European Night Services e o./Comissão, T‑374/94, T‑375/94, T‑384/94 e T‑388/94, Colet., p. II‑3141, n.° 53, e de 8 de outubro de 2008, Agrar‑Invest‑Tatschl/Comissão, T‑51/07, Colet., p. II‑2825, n.° 27).

29      Por conseguinte, o segundo pedido deve ser julgado inadmissível.

 Quanto ao pedido de anulação

30      A República Portuguesa invoca, em substância, três fundamentos de recurso. O primeiro é relativo à violação da Decisão 2001/431, porquanto a Comissão não podia legalmente recusar conceder‑lhe o financiamento pedido, quando preenchia os requisitos previstos nesta decisão. O segundo fundamento é relativo à violação do princípio da proteção da confiança legítima e o terceiro, à violação do dever de fundamentação.

 Quanto ao primeiro fundamento, relativo à violação da Decisão 2001/431

31      A República Portuguesa sustenta, em substância, que tinha direito ao reembolso das despesas relativas à aquisição dos dois navios‑patrulha oceânicos, visto que, contrariamente ao que a Comissão afirmou na decisão impugnada, não violou as regras da União aplicáveis aos contratos públicos.

32      Com efeito, a República Portuguesa sustenta que, no caso vertente, respeitou a legislação nacional, que transpôs todas as regras da União aplicáveis aos contratos públicos então em vigor, nomeadamente a Diretiva 93/36. Esta legislação transpõe para o direito interno, designadamente, as exceções previstas nos artigos 2.° e 3.° da referida diretiva.

33      Ora, sendo os navios‑patrulha oceânicos, para os quais o financiamento foi pedido, navios de guerra abrangidos pela lista a que se refere o artigo 296.° CE (v. n.° 2, supra), a República Portuguesa considera que podia beneficiar das exceções previstas nos artigos 2.° e 3.° da Diretiva 93/36 e que, por conseguinte, as regras de adjudicação dos contratos públicos não eram aplicáveis no caso em apreço.

34      Além disso, segundo a República Portuguesa, na vigência da regulamentação aplicável à data em que apresentou o seu pedido de financiamento, a Comissão não podia legalmente opor‑lhe uma recusa por ter decidido beneficiar da derrogação prevista no artigo 296.° CE. Acresce que a decisão de excluir do financiamento os navios militares tem caráter não equitativo, dado que os Estados‑Membros que optaram por assegurar as missões de controlo da pesca por meio de navios de guerra ficam assim penalizados.

35      A Comissão contesta estes argumentos.

36      A título preliminar, importa observar que o desacordo entre a República Portuguesa e a Comissão se limita, em substância, à questão de saber se um Estado‑Membro que pede a contribuição da União, nos termos da Decisão 2001/431, com o objetivo de adquirir equipamentos destinados ao controlo das atividades de pesca pode não ter de observar as regras da União em matéria de adjudicação de contratos públicos, invocando a natureza militar dos equipamentos em causa.

37      A este respeito, importa assinalar, em primeiro lugar, que a Decisão 2001/431 estabelece as modalidades de apresentação, à Comissão, dos programas das despesas relativas à política comum das pescas, para as quais os Estados‑Membros pretendem beneficiar de uma comparticipação financeira, e fixa as despesas consideradas elegíveis.

38      Ora, decorre do artigo 2.°, alínea e), do artigo 9.°, n.° 1, e do artigo 17.°, n.os 2 e 3, da Decisão 2001/431, cujas disposições são citadas nos n.os 9 a 11, supra, que uma comparticipação financeira da União para a aquisição dos navios efetivamente utilizados para assegurar o controlo e a vigilância da pesca só é possível, nos termos desta decisão, se as despesas forem efetuadas em cumprimento das condições fixadas nesta decisão e nas diretivas relativas à coordenação dos processos de adjudicação de contratos públicos, designadamente a Diretiva 93/36.

39      O cumprimento das regras fixadas nas diretivas em causa afigura‑se, assim, como uma condição prévia para que as despesas efetuadas pelos Estados‑Membros possam ser consideradas elegíveis para uma comparticipação financeira da União. Daqui decorre que há que considerar que a Decisão 2001/431, nomeadamente o seu artigo 17.°, n.° 2, dispõe que o cofinanciamento pela União pressupõe a aplicabilidade, ratione materiae, das referidas diretivas. Além disso, esta interpretação da Decisão 2001/431 é corroborada pelo ponto 4 da parte A do anexo II, citado no n.° 12, supra, que especifica o teor das informações necessárias para a verificação do respeito da legislação da União em matéria de contratos públicos que devem ser prestadas à Comissão, sem deixar em aberto a menor possibilidade de esta legislação poder não ser aplicada ratione materiae.

40      Com efeito, o objetivo inerente à exigência da observância das condições fixadas nas diretivas sobre a coordenação dos processos de adjudicação de contratos públicos é, antes de mais, a plena transparência e o caráter plenamente controlável das operações de compra cofinanciadas pela União. Acresce que o cofinanciamento de navios de guerra pela União não é, em princípio, do domínio da política comum das pescas. Por conseguinte, a este respeito, as condições a preencher para permitir tal cofinanciamento são as que figuram nas disposições dessas diretivas que regem, ratione materiae, os referidos processos.

41      Ora, no caso vertente, é ponto assente que, ao optar pelo ajuste direto para a construção dos dois navios‑patrulha oceânicos, a República Portuguesa considerava não estar obrigada a seguir as regras aplicáveis em matéria de adjudicação dos contratos públicos. Com efeito, ao invocar o artigo 2.°, n.° 1, alínea b), e o artigo 3.° da Diretiva 93/36, bem como a sua legislação nacional que transpõe a referida diretiva, a República Portuguesa entendeu que os contratos em causa não eram abrangidos, ratione materiae, pelo âmbito de aplicação da dita diretiva.

42      Contudo, atendendo ao que precede, importa considerar que, nos termos da Decisão 2001/431, um Estado‑Membro não pode pedir, por um lado, o cofinanciamento da União para a aquisição dos navios destinados total ou parcialmente ao controlo e à vigilância da pesca, que, em conformidade com a referida decisão, deve cumprir as regras em matéria de adjudicação de contratos públicos, e decidir, por outro, não aplicar essas mesmas regras, invocando o artigo 296.°, n.° 1, alínea b), CE, com fundamento na natureza militar do material adquirido.

43      As considerações precedentes não podem ser postas em causa pelo argumento da República Portuguesa segundo o qual só após a apresentação à Comissão do seu pedido de comparticipação financeira, ou seja, quando da adoção do Regulamento (CE) n.° 391/2007 da Comissão, de 11 de abril de 2007, que estabelece normas de execução do Regulamento (CE) n.° 861/2006 do Conselho no que diz respeito às despesas efetuadas pelos Estados‑Membros para aplicação dos sistemas de acompanhamento e controlo aplicáveis à política comum das pescas (JO L 97, p. 30), é que ficou claro que os Estados‑Membros não podiam beneficiar de uma derrogação às regras sobre os contratos públicos, com base no artigo 296.° CE.

44      A este respeito, importa assinalar que, efetivamente, só após a adoção do Regulamento n.° 391/2007 é que foi expressamente indicado que as despesas efetuadas com os navios destinados ao controlo da pesca não podiam beneficiar de uma derrogação às regras da União sobre os contratos públicos, com base no artigo 296.° CE. Deste modo, deve salientar‑se que o Regulamento n.° 391/2007 não era aplicável, ratione temporis, no caso vertente, na medida em que entrou em vigor numa data posterior à do pedido de comparticipação financeira da República Portuguesa. Contudo, não se pode deduzir desta circunstância que a legislação aplicável até então permitia aos Estados‑Membros obterem uma contribuição financeira da União para a aquisição de navios no quadro da política comum das pescas e, simultaneamente, derrogar às regras em matéria de adjudicação de contratos públicos, invocando o artigo 296.° CE. A este respeito, há que considerar, à semelhança da Comissão, que, mesmo antes de a clarificação ter sido feita no Regulamento n.° 391/2007, resultava das condições estabelecidas na Decisão 2001/431 que os Estados‑Membros que pretendessem beneficiar da possibilidade de derrogar às regras gerais, invocando o artigo 296.° CE, não podiam, simultaneamente, pedir uma comparticipação financeira da União para a aquisição de equipamentos destinados ao controlo da pesca.

45      Por outro lado, observe‑se que, contrariamente ao que sustenta a República Portuguesa, a Decisão 2001/431 não obsta a que os Estados‑Membros que confiam aos corpos militares as missões de controlo e vigilância da pesca beneficiem do financiamento previsto para a execução desta política comum. É certo que, na medida em que a referida decisão exige que as regras em matéria de contratos públicos sejam cumpridas, estes Estados‑Membros não podem derrogar ao regime geral aplicável aos contratos públicos e pedir o financiamento da União. Em contrapartida, o artigo 296.°, n.° 1, alínea b), CE não obsta a que os Estados‑Membros que tencionem adquirir equipamentos militares abrangidos pelo âmbito desta disposição decidam, no entanto, submeter‑se aos procedimentos comuns de adjudicação dos contratos públicos e possam, assim, pedir a comparticipação financeira prevista na Decisão 2001/431. Por conseguinte, há que afastar o argumento da República Portuguesa relativo ao caráter pretensamente não equitativo, em relação aos Estados‑Membros que optaram por recorrer a meios militares para assegurar o controlo da pesca, da exclusão do cofinanciamento comunitário dos equipamentos adquiridos à margem dos procedimentos gerais de adjudicação dos contratos públicos, com base na derrogação prevista no artigo 296.°, n.° 1, alínea b), CE.

46      No que se refere ao artigo 2.°, n.° 1, alínea b), da Diretiva 93/36, importa recordar que, segundo esta disposição, a referida diretiva não é aplicável aos contratos de fornecimento que sejam declarados secretos ou cuja execução deva ser acompanhada de medidas especiais de segurança, nos termos das disposições legislativas, regulamentares e administrativas em vigor no Estado‑Membro em causa, ou quando a proteção dos interesses essenciais da segurança desse Estado o exija.

47      Como se declarou atrás (v. n.os 39 e seguintes, supra), o cofinanciamento pela União nos termos da Decisão 2001/431 pressupõe a aplicação das disposições que regem, ratione materiae, os procedimentos de adjudicação dos contratos públicos previstos nas diretivas pertinentes. Assim, mesmo admitindo que um Estado‑Membro pudesse invocar a derrogação prevista no artigo 2.°, n.° 1, alínea b), da Diretiva 93/36 e pedir um cofinanciamento ao abrigo da Decisão 2001/431, há que reconhecer que a República Portuguesa não demonstrou estarem preenchidas, no caso vertente, as condições de aplicação da referida derrogação.

48      Com efeito, importa desde logo assinalar que, como decorre dos autos, o contrato de fornecimento relativo à aquisição dos dois navios‑patrulha oceânicos não foi declarado secreto, dado que o Despacho conjunto n.° 15/2001, publicado no Diário da República, faz referência à decisão da República Portuguesa de adquirir os dois navios de guerra e optar pela adjudicação por ajuste direto com a sociedade Estaleiros Navais de Viana do Castelo.

49      Em seguida, importa salientar que a República Portuguesa invoca a proteção dos interesses essenciais de segurança do Estado ou as medidas especiais de segurança que acompanham os contratos de fornecimento em causa, para justificar a derrogação às regras gerais em matéria de adjudicação dos contratos de fornecimento.

50      Contudo, há que observar que a República Portuguesa se limita a invocar a confidencialidade das informações sensíveis, relacionadas com o desenvolvimento e a instalação de um programa informático de comunicação militar instalado nos navios‑patrulha oceânicos, sem, no entanto, indicar elementos concretos no que se refere às medidas especiais de segurança que devem acompanhar o fornecimento dos navios‑patrulha oceânicos, nem as razões por que considerou que o objetivo de proteção do caráter confidencial de certos dados não seria tão bem garantido se esta produção não fosse confiada à sociedade Estaleiros Navais de Viana do Castelo, mas sim a outras sociedades.

51      A este respeito, importa recordar que, segundo a jurisprudência, a necessidade de prever uma obrigação de confidencialidade de modo nenhum impede que se recorra a um procedimento de abertura à concorrência para a adjudicação de um contrato (v., neste sentido, acórdão do Tribunal de Justiça de 8 de abril de 2008, Comissão/Itália, C‑337/05, Colet., p. I‑2173, n.° 52). Além disso, como a Comissão alegou acertadamente, as exigências de confidencialidade podiam ser tidas em conta, designadamente, nas condições de participação no procedimento, ou na avaliação das propostas, pela fixação de um subcritério de atribuição relativo a medidas de proteção da confidencialidade das informações.

52      Consequentemente, o recurso ao artigo 2.°, n.° 1, alínea b), da Diretiva 93/36, mesmo admitindo a aplicabilidade desta disposição, para justificar a aquisição de navios‑patrulha oceânicos por ajuste direto, afigura‑se desproporcionado à luz do objetivo que consiste em impedir a divulgação de informações sensíveis relativas à produção dos referidos navios. Com efeito, a República Portuguesa não demonstrou que esse objetivo não poderia ter sido alcançado no âmbito de um procedimento de abertura à concorrência como o previsto na mesma diretiva (acórdão Comissão/Itália, já referido, n.° 53).

53      Daqui decorre que, no caso vertente, o simples facto de afirmar, como a República Portuguesa, que os fornecimentos em causa são declarados secretos, que são acompanhados de medidas especiais de segurança ou que é necessário subtraí‑los às regras da União para proteger os interesses essenciais de segurança do Estado não basta para demonstrar, na falta de elementos de prova, que as circunstâncias excecionais que justificam as derrogações previstas no artigo 2.°, n.° 1, alínea b), da Diretiva 93/36 se verificam efetivamente.

54      Consequentemente, a República Portuguesa não pode sustentar que a Diretiva 93/36, em virtude do seu artigo 2.°, n.° 1, alínea b), não era aplicável ao contrato em causa.

55      Decorre do que precede que não deve ser acolhido nenhum dos argumentos aduzidos pela República Portuguesa para justificar que, com base na Decisão 2001/431, podia pedir a comparticipação financeira da União para a aquisição de dois navios‑patrulha oceânicos, sem ser obrigada a seguir as regras de adjudicação dos contratos previstas na Diretiva 93/36.

56      Ora, no caso vertente, ao optar pelo ajuste direto, a República Portuguesa não cumpriu as regras fixadas na referida diretiva, cujo artigo 6.° impõe que as entidades adjudicantes que celebrem contratos públicos recorram ao concurso público ou ao concurso limitado, a não ser que o contrato esteja abrangido por uma das exceções taxativamente enumeradas nos n.os 2 e 3 do referido artigo.

57      No caso vertente, há que observar que o contrato em causa no processo principal não está abrangido por nenhum dos casos previstos no artigo 6.°, n.os 2 e 3, da Diretiva 93/36, o que, de resto, a República Portuguesa não sustenta, de modo que a Comissão podia, com razão, concluir que, na medida em que este Estado‑Membro optou pelo ajuste direto para a aquisição dos dois navios controvertidos, não respeitou as exigências estabelecidas na diretiva. Nestas circunstâncias, a Comissão podia legalmente considerar que as despesas com a aquisição de dois navios‑patrulha oceânicos deviam ser declaradas inelegíveis para a contribuição financeira nos termos da Decisão 2001/431.

58      Face ao exposto, o primeiro fundamento deve ser julgado improcedente.

 Quanto ao segundo fundamento, relativo à violação do princípio da proteção da confiança legítima

59      No seu segundo fundamento, a República Portuguesa sustenta que a Comissão violou o princípio da proteção da confiança legítima. Em substância, considera que, ao aceitar o pedido de contribuição financeira que apresentou nos termos da Decisão 2001/431, a Comissão lhe deu garantias de financiamento para a aquisição dos navios‑patrulha oceânicos. A República Portuguesa acrescenta que, no momento da verificação do pedido de contribuição financeira, designadamente com a adoção da Decisão 2002/978, a Comissão devia tê‑la informado de que o procedimento por ajuste direto não era válido para a aquisição dos dois navios em causa.

60      A Comissão contesta estes argumentos.

61      No que se refere ao princípio da proteção da confiança legítima, importa recordar que, segundo jurisprudência constante, o direito de reclamar a proteção da confiança legítima, que constitui um dos princípios fundamentais da União, é extensivo a qualquer particular que se encontre numa situação da qual resulte que a Administração da União, ao prestar‑lhe garantias precisas, lhe criou esperanças fundadas (v. acórdãos do Tribunal Geral de 19 de março de 2003, Innova Privat‑Akademie/Comissão, T‑273/01, Colet., p. II‑1093, n.° 26 e jurisprudência referida, e de 18 de janeiro de 2006, Regione Marche/Comissão, T‑107/03, não publicado na Coletânea, n.° 129).

62      Todavia, o princípio da proteção da confiança legítima não se pode opor à anulação de uma contribuição comunitária quando as condições fixadas para a concessão de tal contribuição não tiverem manifestamente sido preenchidas (v., neste sentido, acórdãos do Tribunal Geral de 29 de setembro de 1999, Sonasa/Comissão, T‑126/97, Colet., p. II‑2793, n.° 39, e de 14 de dezembro de 2006, Branco/Comissão, T‑162/04, não publicado na Coletânea, n.° 123 e jurisprudência referida).

63      Por outro lado, a República Portuguesa não apresenta provas de que a Comissão lhe deu garantias de elegibilidade das despesas controvertidas, em caso de recurso a um procedimento por ajuste direto. Seja como for, resulta da apreciação do primeiro fundamento que tais garantias teriam sido ilegais. Daqui decorre que a República Portuguesa não demonstrou que as condições exigidas pela jurisprudência recordada nos n.os 61 e 62, supra, estavam preenchidas no caso vertente.

64      Por conseguinte, o segundo fundamento deve ser julgado improcedente.

 Quanto ao terceiro fundamento, relativo a falta de fundamentação

65      No seu terceiro fundamento, a República Portuguesa considera que a decisão impugnada enferma de falta de fundamentação, uma vez que a Comissão não explica as razões da sua recusa de reembolso.

66      A Comissão contesta estes argumentos.

67      No que se refere ao dever de fundamentação, importa recordar que, segundo jurisprudência constante, a exigência de fundamentação deve ser apreciada em função das circunstâncias do caso em apreço, nomeadamente do conteúdo do ato, da natureza dos fundamentos invocados e do interesse que os destinatários do ato ou outras pessoas direta e individualmente interessadas no mesmo podem ter em receber explicações. Não se exige que a fundamentação especifique todos os elementos de facto e de direito pertinentes, na medida em que a questão de saber se a fundamentação de uma decisão cumpre as exigências do artigo 253.° CE deve ser apreciada à luz não somente do seu teor literal mas também do seu contexto e do conjunto das normas jurídicas que regem a matéria em causa (acórdãos do Tribunal de Justiça de 17 de outubro de 1995, Países Baixos/Comissão, C‑478/93, Colet., p. I‑3081, n.os 48 e 49, e de 22 de dezembro de 2008, British Aggregates/Comissão, C‑487/06 P, Colet., p. I‑10515, n.° 172).

68      É tanto mais assim quanto os Estados‑Membros tiverem sido estreitamente associados ao processo de elaboração do ato controvertido, conhecendo, portanto, as razões que estão na base desse ato (acórdão Países Baixos/Comissão, já referido, n.° 50, e acórdão do Tribunal de Justiça de 9 de setembro de 2004, Espanha/Comissão, C‑304/01, Colet., p. I‑7655, n.° 50).

69      Por outro lado, o Tribunal de Justiça considerou que um ato de execução respeita o dever de fundamentação quando contém uma remissão expressa para disposições do regulamento em que esse ato se baseia e permite, assim, reconhecer os critérios que presidiram à sua adoção (v., neste sentido, acórdãos do Tribunal de Justiça de 18 de março de 1975, Deuka, 78/74, Recueil, p. 421, Colet., p. 163, n.° 6; de 27 de setembro de 1979, Eridania‑Zuccherifici nazionali e Società italiana per l’industria degli zuccheri, 230/78, Recueil, p. 2749, n.os 14 a 16; e de 14 de janeiro de 1981, Denkavit Nederland, 35/80, Recueil, p. 45, n.os 33 a 36).

70      No caso vertente, importa assinalar que a adoção da decisão impugnada foi precedida de uma reunião e de uma troca de correspondência. Além disso, a decisão impugnada remete para o ofício de 29 de maio de 2009, enviado às autoridades portuguesas nos termos do artigo 17.°, n.° 3, da Decisão 2001/431, no qual a Comissão expôs em pormenor as razões que a levaram a concluir, na sequência da apreciação do dossier, que as despesas em causa não podiam ser consideradas elegíveis (v. n.° 20, supra).

71      Ora, importa observar que o contexto em que foi adotada a decisão impugnada e a fundamentação constante desta última permitiram à República Portuguesa defender‑se e aduzir os seus argumentos para o efeito e permitem igualmente compreender o raciocínio seguido pela Comissão na adoção da decisão impugnada.

72      Uma vez que a Comissão não violou o dever de fundamentação, o terceiro fundamento deve ser julgado improcedente.

73      Assim, deve ser negado provimento ao recurso.

 Quanto às despesas

74      Nos termos do artigo 87.°, n.° 2, do Regulamento de Processo do Tribunal Geral, a parte vencida é condenada nas despesas se a parte vencedora o tiver requerido.

75      Tendo a Comissão pedido a condenação da República Portuguesa nas despesas e tendo esta sido vencida, há que a condenar nas despesas.

Pelos fundamentos expostos,

O TRIBUNAL GERAL (Primeira Secção)

decide:

1)      É negado provimento ao recurso.

2)      A República Portuguesa é condenada nas despesas.

Azizi

Frimodt Nielsen

Kancheva

Proferido em audiência pública no Luxemburgo, em 18 de junho de 2013.

Assinaturas


* Língua do processo: português.