Language of document : ECLI:EU:C:2019:957

CONCLUSÕES DO ADVOGADO‑GERAL

GERARD HOGAN

apresentadas em 12 de novembro de 2019(1)

Processo C535/18

IL,

JK,

KJ,

LI,

NG,

MH,

OF,

PE,

Herança indivisa da Sra. QD, composta por RC e SB,

TA,

UZ,

VY,

WX

contra

Land NordrheinWestfalen

[pedido de decisão prejudicial do Bundesverwaltungsgericht (Tribunal Administrativo Federal, Alemanha)]

«Reenvio prejudicial — Ambiente — Diretiva 2011/92/EU — Avaliação do impacto ambiental — Diretiva 2000/60/CE — Política da União Europeia no domínio da água — Direito de recurso em caso de erros processuais — Disposição de direito nacional que limita o direito de recurso em caso de erros processuais»






I.      Introdução

1.        Em que circunstâncias pode um particular contestar a validade de uma decisão administrativa de autorização de um grande projeto rodoviário, com o fundamento de que os requisitos da legislação da União em matéria de ambiente não foram respeitados? Esta é uma das questões fundamentais suscitadas pelo presente pedido de decisão prejudicial. Tem por objeto a interpretação dos artigos 6.o e 11.o da Diretiva 2011/92/UE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 13 de dezembro de 2011, relativa à avaliação dos efeitos de determinados projetos públicos e privados no ambiente (a seguir «Diretiva AIA») (2) e dos artigos 4.o, n.o 1, alínea a), i) a iii), e 4.o, n.o 1, alínea b), i), da Diretiva 2000/60/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 23 de outubro de 2000, que estabelece um quadro de ação comunitária no domínio da política da água (a seguir «Diretiva‑Quadro Água» ou «DQA») (3).

2.        O pedido foi apresentado no âmbito de um litígio entre particulares (a seguir «recorrentes») e o Land Nordrhein‑Westfalen (Land Nordrhein‑Westfalen, Alemanha) relativo a uma decisão da autoridade administrativa de Detmold, Alemanha que aprova o plano para a construção de um novo acesso à autoestrada A 33/estrada federal B 61, cruzamento de Ummeln.

3.        As questões submetidas pelo órgão jurisdicional de reenvio obrigam novamente o Tribunal de Justiça a abordar não só o alcance do direito de recurso dos cidadãos em matéria de direito do ambiente, mas também outras questões relativas ao direito substantivo da União em matéria de ambiente, nomeadamente o conceito de deterioração de uma massa de água na aceção da Diretiva‑Quadro Água.

II.    Quadro jurídico

A.      Direito da União

1.      Diretiva AIA

4.        O artigo 6.o da Diretiva AIA dispõe:

«1. Os Estados‑Membros tomam as medidas necessárias para assegurar que as autoridades a quem o projeto possa interessar, em virtude da sua responsabilidade específica em matéria de ambiente, tenham a possibilidade de emitir o seu parecer sobre as informações fornecidas pelo dono da obra e sobre o pedido de aprovação. Para o efeito, os Estados‑Membros designam as autoridades a consultar, em geral ou caso a caso. As informações reunidas nos termos do artigo 5.o devem ser transmitidas a essas autoridades. As regras relativas à consulta são fixadas pelos Estados‑Membros.

2. O público deve ser informado, através de avisos públicos ou por outros meios adequados, como meios eletrónicos sempre que disponíveis, dos elementos a seguir referidos, no início dos processos de tomada de decisão no domínio do ambiente a que se refere o artigo 2.o, n.o 2, e, o mais tardar, logo que seja razoavelmente possível disponibilizar a informação:

a)      Pedido de aprovação;

b)      O facto de o projeto estar sujeito a um processo de avaliação de impacto ambiental e, se for o caso, o facto de ser aplicável o artigo 7.o;

c)      Indicação pormenorizada das autoridades competentes responsáveis pela tomada de decisões, das que podem fornecer informações relevantes e daquelas às quais podem ser apresentadas observações ou questões, bem como pormenores do calendário para o envio de observações ou questões;

d)      A natureza de possíveis decisões ou o projeto de decisão, caso exista;

e)      Indicação da disponibilidade da informação recolhida nos termos do artigo 5.o;

f)      Indicação da data e dos locais em que a informação relevante será disponibilizada, bem como os respetivos meios de disponibilização;

g)      Informações pormenorizadas sobre as regras de participação do público decorrentes do n.o 5 do presente artigo.

3. Os Estados‑Membros devem assegurar que seja disponibilizado ao público em causa, em prazos razoáveis, o acesso:

a)      A toda a informação recolhida nos termos do artigo 5.o;

b)      De acordo com a legislação nacional, aos principais relatórios e pareceres apresentados à autoridade ou autoridades competentes no momento em que o público em causa deve ser informado nos termos do n.o 2 do presente artigo;

c)      De acordo com o disposto na Diretiva 2003/4/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 28 de janeiro de 2003, relativa ao acesso do público às informações sobre ambiente [e que revoga a Diretiva 90/313/CEE do Conselho (JO 2003 L 41, p. 26)] (6), a outra informação não referida no n.o 2 do presente artigo que seja relevante para a decisão nos termos do artigo 8.o desta diretiva e que só esteja disponível depois de o público em causa ser informado nos termos do n.o 2 do presente artigo.

4. Ao público em causa deve ser dada a oportunidade efetiva de participar suficientemente cedo nos processos de tomada de decisão no domínio do ambiente a que se refere o artigo 2.o, n.o 2, devendo ter, para esse efeito, o direito de apresentar as suas observações e opiniões, quando estão ainda abertas todas as opções, à autoridade ou autoridades competentes antes de ser tomada a decisão sobre o pedido de aprovação.

5. Compete aos Estados‑Membros estabelecer as regras de informação do público (por exemplo, através da afixação de cartazes numa determinada área ou da publicação em jornais locais) e de consulta do público em causa (por exemplo, por escrito ou por inquérito público).

6. Devem ser fixados prazos razoáveis para as diferentes fases, a fim de permitir que se disponha de tempo suficiente para informar o público e para que o público interessado se possa preparar e possa participar efetivamente ao longo do processo de tomada de decisão em matéria de ambiente sob reserva do disposto no presente artigo.»

5.        O artigo 11.o, n.o 1, da Diretiva AIA dispõe:

«Os Estados‑Membros devem assegurar que, de acordo com o sistema jurídico nacional relevante, os membros do público em causa que:

a)      Tenham um interesse suficiente ou, em alternativa;

b)      Invoquem a violação de um direito, sempre que a legislação de processo administrativo de um Estado‑Membro assim o exija como requisito prévio,

tenham a possibilidade de interpor recurso perante um tribunal ou outro órgão independente e imparcial criado por lei para impugnar a legalidade substantiva ou processual de qualquer decisão, ato ou omissão abrangidos pelas disposições de participação do público estabelecidas na presente diretiva.»

2.      DiretivaQuadro Água

6.        As definições de «estado das águas de superfície» e de «estado das águas subterrâneas» são dadas no artigo 2.o, ponto 17 e ponto 19, da DQA. Na aceção da Diretiva‑Quadro Água, «estado das águas de superfície» é «a expressão global do estado em que se encontra uma determinada massa de águas de superfície, definido em função do pior dos dois estados, ecológico ou químico, dessas águas» e «estado das águas subterrâneas» é «a expressão global do estado em que se encontra uma determinada massa de águas subterrâneas, definido em função do pior dos dois estados, quantitativo ou químico, dessas águas».

7.        Segundo o artigo 2.o, ponto 25, da DQA, «bom estado químico das águas subterrâneas» é o estado químico de uma massa de água subterrânea que preencha todas as condições definidas no quadro 2.3.2 do anexo V da diretiva.

8.        O artigo 4.o da DQA, intitulado «Objetivos ambientais», dispõe:

«1. Ao garantir a operacionalidade dos programas de medidas especificados nos planos de gestão de bacias hidrográficas:

a)      a)      Para as águas de superfície

i)      Os Estados‑Membros aplicarão as medidas necessárias para evitar a deterioração do estado de todas as massas de águas de superfície, em aplicação dos n.os 6 e 7 e sem prejuízo do disposto no n.o 8;

ii)      Os Estados‑Membros protegerão, melhorarão e recuperarão todas as massas de águas de superfície, sob reserva de aplicação da alínea iii) para as massas de água artificiais e fortemente modificadas, com o objetivo de alcançar um bom estado das águas de superfície 15 anos, o mais tardar, a partir da entrada em vigor da presente diretiva nos termos do anexo V, sob reserva da aplicação das prorrogações determinadas nos termos do n.o 4 e da aplicação dos n.os 5, 6 e 7 e sem prejuízo do disposto no n.o 8;

iii)      Os Estados‑Membros protegerão e melhorarão o estado de todas as massas de água artificiais e fortemente modificadas, a fim de alcançar um bom potencial ecológico e um bom estado químico das águas de superfície 15 anos, o mais tardar, a partir da entrada em vigor da presente diretiva, nos termos do disposto no anexo V, sem prejuízo da aplicação das prorrogações determinadas nos termos do n.o 4 e da aplicação dos n.os 5, 6 e 7, bem como do n.o 8;

[…]

b)      Para as águas subterrâneas

i)      Os Estados‑Membros tomarão as medidas necessárias a fim de evitar ou limitar a descarga de poluentes nas águas subterrâneas e de evitar a deterioração do estado de todas as massas de água, sob reserva de aplicação dos n.os 6 e 7 e sem prejuízo do disposto no n.o 8 do presente artigo, sob condição de aplicação da alínea j) do n.o 3 do artigo 11.o;

ii)      Os Estados‑Membros protegerão, melhorarão e reconstituirão todas as massas de água subterrâneas, garantirão o equilíbrio entre as captações e as recargas dessas águas, com o objetivo de alcançar um bom estado das águas subterrâneas, 15 anos, o mais tardar, a partir da entrada em vigor da presente diretiva, de acordo com o disposto no anexo V, sem prejuízo da aplicação das prorrogações determinadas nos termos do n.o 4 e da aplicação dos n.os 5, 6 e 7, bem como do n.o 8 do presente artigo e sob condição de aplicação da alínea j) do n.o 3 do artigo 11.o;

iii)      Os Estados‑Membros aplicarão as medidas necessárias para inverter quaisquer tendências significativas persistentes para o aumento da concentração de poluentes que resulte do impacto da atividade humana, por forma a reduzir gradualmente a poluição das águas subterrâneas.

[…]»

B.      Direito alemão

9.        O § 4 da Umwelt‑Rechtsbehelfsgesetz, conforme publicada em 23 de agosto de 2017 (Lei relativa aos Recursos em Matéria de Ambiente; a seguir «UmwRG») dispõe:

«1) A anulação de uma decisão relativa à legalidade/admissibilidade de um projeto nos termos do § 1, n.o 1, primeiro período, pontos 1 e 2, alínea b), pode ser pedida quando:

1.      a) uma avaliação ambiental ou

b)      uma avaliação preliminar, caso a caso, da necessidade de efetuar uma avaliação ambiental,

conforme exigido pelas disposições da Lei relativa à Avaliação do Impacto Ambiental (UVPG) […], não tenha sido realizada quando devia ser nem a posteriori.

2.      uma participação obrigatória do público, na aceção do § 18 da Lei relativa à Avaliação do Impacto Ambiental (UVPG) ou na aceção do § 10 da Lei Federal relativa ao Controlo de Emissões não tenha sido realizada quando devia ser nem a posteriori, ou

3.      tenha ocorrido outro vício processual que

a)      não tenha sido sanado,

b)      seja de natureza e gravidade comparáveis às dos casos referidos nos pontos 1 e 2; e

c)      tenha privado o público em causa da possibilidade, prevista na lei, de participar no processo de tomada de decisão; essa participação no processo de tomada de decisão deve incluir o acesso a documentos, que devem ser disponibilizados ao público para consulta.

Uma avaliação preliminar, caso a caso, da necessidade de uma avaliação ambiental que tenha sido efetuada mas não satisfaça os requisitos do § 5, n.o 3, segundo período, da Lei relativa à Avaliação do Impacto Ambiental (UVPG) será considerada como um exame preliminar não efetuado na aceção do ponto 1, alínea b), primeiro período.

1.a) O § 46 da Lei do Procedimento Administrativo (VwVfG) aplica‑se aos erros processuais não abrangidos pelo n.o 1 do presente artigo. Se o tribunal não puder determinar se um erro processual na aceção do primeiro período influenciou a decisão sobre matéria, presume‑se que foi esse o caso.

1.b) Uma violação das regras processuais só conduz à anulação da decisão de acordo com o § 1, n.o 1, primeiro período, pontos 1 a 2, alínea b), ou 5, se não puder ser sanada através da alteração da decisão ou de um procedimento complementar. As disposições que se seguem não serão prejudicadas.

1.      O § 45, n.o 2, da Lei do Procedimento Administrativo (VwVfG), e

2.      O artigo 75.o, n.o 1‑A, da Lei do Procedimento Administrativo (VwVfG) e outras disposições pertinentes relativas à manutenção de planos.

Mediante pedido, o tribunal pode ordenar que a audiência seja suspensa até que os erros processuais na aceção dos n.os 1 e 1‑A tenham sido sanados, na medida em que tal conduza a uma concentração processual.

2) […]

3) Os n.os 1 a 2 aplicam‑se aos recursos judiciais interpostos por

1.      pessoas na aceção do § 61, ponto 1, do Código do Procedimento Administrativo (VwGO) e associações na aceção do § 61, ponto 2, do Código do Procedimento Administrativo (VwGO) e

2.      associações que satisfaçam os requisitos do § 3, pontos 1 ou 2, ou do § 2, ponto 2.

O n.o 1, primeiro período, ponto 3, é aplicável aos recursos interpostos por pessoas e associações nos termos do primeiro período, ponto 1, com a ressalva de que a anulação de uma decisão só pode ser exigida se o erro processual tiver privado o interessado da oportunidade de participar no processo de tomada de decisão, tal como previsto na lei.

4) Os n.os 1 a 2 aplicam‑se mutatis mutandis às ações judiciais intentadas por associações nos termos n.o 3, primeiro período, ponto 2, contra as decisões tomadas nos termos do § 1, n.o 1, primeiro período, ponto 4 […].»

III. Matéria de facto no processo principal

10.      Por Decisão de 27 de setembro de 2016, o Bezirksregierung Detmold (Autoridade Administrativa de Detmold) (a seguir «Autoridade Competente para o Licenciamento») aprovou, a pedido do Landesbetrieb Straßenbau Nordrhein‑Westfalen (Agência para a Construção de Estradas do Land alemão da Renânia do Norte‑Vestefália) (a seguir «promotor do projeto»), o plano para a construção de um novo acesso à autoestrada A 33/estrada federal B 61, cruzamento de Ummeln. O troço de estrada em questão tem um comprimento de cerca de 3,7 km.

11.      Esta decisão também autorizou o promotor do projeto a descarregar as águas pluviais que caem na superfície da estrada para três cursos de água ou para as águas subterrâneas. No entanto, previa também um grande número de medidas acessórias destinadas a garantir a qualidade da água, tanto no que diz respeito às águas superficiais como à infiltração das águas subterrâneas.

12.      A documentação relativa ao plano esteve disponível para consulta pública no período de 30 de agosto a 29 de setembro de 2010. Os documentos relativos ao tráfego, à proteção das espécies e da vida selvagem foram mencionados na informação prévia à consulta pública. Todavia, não foi feita referência aos documentos relativos à proteção contra o ruído e ao plano de drenagem. Foi a falta desta documentação que suscitou objeções por parte do público. Em 10 e 11 de abril de 2013, teve lugar uma audiência preliminar.

13.      Tendo em conta os resultados do procedimento de consulta e as objeções levantadas pela autoridade da água, o promotor do projeto decidiu fazer várias alterações ao plano, em especial no que respeita à drenagem das águas pluviais. De seguida, criou uma «folha de rosto» que enumera os documentos apresentados e indica, quando aplicável, as alterações feitas aos mesmos. Embora dois documentos sobre o tráfego e o ruído tenham sido então mencionados, não foram incluídos quaisquer estudos técnicos sobre a drenagem das águas. Durante a nova consulta, realizada de 19 de maio a 18 de junho de 2014, foram levantadas novas objeções públicas.

14.      Foi nestas circunstâncias que os recorrentes — que, em alguns casos, estão em risco de expropriação das suas propriedades privadas ou que, noutros casos, têm um poço doméstico para o seu abastecimento privado de água potável e que receiam que o seu abastecimento de água possa estar contaminado — interpuseram recurso da decisão de aprovação do plano junto do Bundesverwaltungsgericht (Tribunal Administrativo Federal, Alemanha).

15.      O Bundesverwaltungsgericht (Tribunal Administrativo Federal) salienta que não houve qualquer avaliação documentada das massas de água para garantir o cumprimento dos requisitos de proteção da água. A decisão de aprovação do plano apenas refere, em resumo, que o projeto não era suscetível de resultar nem numa deterioração do estado de uma massa de águas superficiais nem numa deterioração de uma massa de águas subterrâneas. Só no decurso do processo judicial é que a autoridade reguladora forneceu um relatório técnico de 48 páginas que descreve as massas de água em causa e o impacto do projeto na sua qualidade, sem o anexar formalmente à decisão impugnada.

16.      Quanto ao mérito, o órgão jurisdicional de reenvio considera, em primeiro lugar, que o público não foi suficientemente informado dos efeitos ambientais do projeto durante o procedimento de consulta. No entanto, observa que, nos termos do direito nacional, esse vício processual só pode ser invocado por um recorrente que seja uma pessoa singular e só pode conduzir à anulação da decisão de aprovação do plano se o próprio recorrente tiver sido privado da possibilidade de participar no processo de tomada de decisão. Ainda que, no caso em apreço, o vício processual não tenha, em seu entender, influenciado o resultado da decisão, sublinha que o único elemento determinante, no caso de um recurso interposto por um recorrente que seja uma pessoa singular, é o de saber se foi privado desta possibilidade de participar no processo de tomada de decisão. No entanto, o órgão jurisdicional de reenvio considera que a legislação nacional, ao regular desta forma as condições de admissibilidade dos recursos interpostos pelos particulares, não viola o objetivo da Diretiva AIA, que consiste em dar ao público interessado um acesso vasto à justiça.

17.      Em seguida, o órgão jurisdicional de reenvio questiona se a avaliação relativa à proibição da deterioração das massas de água de superfície só pode ser efetuada e verificada através da documentação correspondente após a adoção da decisão de aprovação do plano.

18.      Além disso, o órgão jurisdicional de reenvio considera que a proibição de deterioração das massas de água se aplica não só à água de superfície, mas também à água subterrânea, pelo que o estado desta última deve também ser avaliado antes da autorização do projeto. No entanto, questiona os critérios a ter em conta para determinar se existe ou não deterioração do estado químico de uma massa de água subterrânea, uma vez que a DQA apenas distingue, neste caso, entre bom e mau estado

19.      Por último, o órgão jurisdicional de reenvio considera que a obrigação de evitar a deterioração e a exigência de melhorar as massas de água a que se refere o artigo 4.o da DQA não implicam, apesar do caráter vinculativo dessa disposição, que seja admissível a todos os membros do público afetados por um projeto e que invoquem uma violação dos seus direitos, impugnar uma decisão que viola essas obrigações.

IV.    Pedido de decisão prejudicial e tramitação do processo no Tribunal de Justiça

20.      Nestas circunstâncias, por despacho de reenvio de 25 de abril de 2018, que deu entrada no Tribunal de Justiça em 16 de agosto de 2018, o Bundesverwaltungsgericht (Tribunal Administrativo Federal) decidiu suspender a instância e submeter ao Tribunal de Justiça as seguintes questões prejudiciais:

«1.      Deve o artigo 11.o, n.o 1, alínea b), da [Diretiva AIA] ser interpretado no sentido de que não se opõe a uma disposição do direito nacional segundo a qual um recorrente que não seja uma associação de defesa do ambiente reconhecida apenas pode exigir a anulação de uma decisão por erro processual quando esse erro processual o tenha privado da possibilidade de participar, prevista por lei, no processo de tomada de decisão?

2.      a)      Deve o artigo 4.o, n.o 1, alínea a), i) a iii), da [Diretiva‑Quadro Água], ser interpretado no sentido de que contém não apenas […] critério[s] de avaliação material mas igualmente indicações [relativas ao procedimento] administrativo de licenciamento?

2.      b)      Em caso de resposta afirmativa à questão a): A participação do público nos termos do artigo 6.o da [Diretiva AIA] refere‑se sempre obrigatoriamente aos documentos [relativos à] referida [avaliação] ou pode fazer‑se uma distinção consoante o momento de elaboração do documento e a sua complexidade?

3.      Deve o conceito de deterioração do estado de uma massa de água subterrânea, [visado no] artigo 4.o, n.o 1, alínea b), i), da [DQA], ser interpretado no sentido de que existe uma deterioração do estado químico de uma massa de água subterrânea quando, devido ao projeto, tenha sido ultrapassado, pelo menos, um parâmetro de uma norma de qualidade ambiental, e [de que], independentemente [disto], qualquer outro aumento (mensurável) da concentração representa uma deterioração?

4.      a)      Deve o artigo 4.o da [DQA] — tendo em consideração o seu efeito direto vinculativo (artigo 288.o TFUE) e a garantia de [uma] tutela jurisdicional efetiva (artigo 19.o TUE) — ser interpretado no sentido de que todos os membros do público afetado por um projeto que aleguem que o licenciamento do projeto viola os seus direitos podem igualmente invocar em juízo, entre outras, violações da proibição legal de deterioração da água e da obrigação de melhoria [impostas pela regulamentação em matéria de águas]?

4.      b)      Em caso de resposta negativa à questão a): Deve o artigo 4.o da Diretiva [DQA] — tendo em consideração os seus objetivos — ser interpretado no sentido de que os recorrentes que mantêm poços domésticos nas imediações do troço de estrada planeado podem invocar em juízo violações da proibição legal de deterioração e da obrigação de melhoria [impostas pela regulamentação em matéria de águas]?»

21.      Os recorrentes, o Governo polaco e a Comissão Europeia apresentaram observações escritas. Os recorrentes e a Comissão apresentaram alegações na audiência realizada no Tribunal de Justiça em 19 de setembro de 2019. Não posso deixar de observar, no entanto, que é de certo modo lamentável o facto de nem o Land da Renânia do Norte‑Vestefália nem a República Federal da Alemanha terem considerado útil apresentar observações escritas ou comparecer à audiência. Dado que o presente processo diz respeito à interpretação de disposições bastante complexas do direito administrativo e ambiental alemão, talvez tivesse sido melhor se tivesse sido dada ao Tribunal de Justiça a oportunidade de receber observações das duas entidades responsáveis respetivamente pela aplicação e pela redação da legislação em causa.

V.      Análise

A.      Primeira questão

22.      Através da sua primeira questão, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta se o artigo 11.o, n.o 1, alínea b), da Diretiva AIA deve ser interpretado no sentido de que não se opõe a uma disposição do direito nacional segundo a qual um requerente que não seja uma associação de defesa do ambiente reconhecida apenas pode exigir a anulação de uma decisão por erro processual quando esse erro processual o tenha privado da possibilidade — prevista por lei — de participar no processo de tomada de decisão.

1.      Contexto histórico do artigo 11.o, n.o 1, da Diretiva AIA e sua interpretação

23.      O artigo 11.o, n.o 1, da Diretiva AIA dispõe que os Estados‑Membros devem assegurar que os membros do público em causa que tenham um interesse suficiente em agir ou que invoquem a violação de um direito tenham a possibilidade de interpor recurso perante um tribunal ou outro órgão independente e imparcial criado por lei para impugnar a legalidade substantiva ou processual de qualquer decisão, ato ou omissão abrangido pelas disposições de participação do público estabelecidas na presente diretiva.

24.      Esta disposição corresponde ao artigo 10.o‑A da Diretiva 85/337/CEE do Conselho, de 27 de junho de 1985, relativa à avaliação dos efeitos de determinados projetos públicos e privados no ambiente (4), que, por sua vez, correspondia em grande medida ao artigo 9.o, n.o 2, da Convenção sobre o Acesso à Informação, Participação do Público no Processo de Tomada de Decisão e Acesso à Justiça em Matéria de Ambiente, assinada em Aarhus, em 25 de junho de 1998, e aprovada em nome da Comunidade Europeia pela Decisão 2005/370/CE do Conselho, de 17 de fevereiro de 2005 (5) (a seguir «Convenção de Aarhus»). Ora, é manifesto que o artigo 10.o‑A foi incluído na Diretiva 85/337, juntamente com outras disposições, pela Diretiva 2003/35/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 26 de maio de 2003, que estabelece a participação do público na elaboração de certos planos e programas relativos ao ambiente e que altera, no que diz respeito à participação do público e ao acesso à justiça, as Diretivas 85/337/CEE e 96/61/CE do Conselho (6), a fim de harmonizar o direito da União com os requisitos da Convenção de Aarhus (7). É igualmente pacífico que esta convenção é parte integrante da ordem jurídica da União (8).

25.      Neste contexto, o Tribunal de Justiça já declarou, por um lado, que a fiscalização da legalidade das decisões, dos atos ou das omissões que resulta das disposições da Diretiva AIA é uma fiscalização em que o legislador da União Europeia pretendeu, em conformidade com os objetivos da Convenção de Aarhus, associar os membros do público em causa que tenham um interesse suficiente em agir ou que invoquem a violação de um direito, com vista a contribuir para a preservação, a proteção e a melhoria da qualidade do ambiente e a proteção da saúde humana (9), e, por outro lado, que, quando um Estado‑Membro estabelece regras de direito processual aplicáveis às matérias referidas no artigo 9.o, n.o 3, da Convenção de Aarhus, deve considerar‑se que o Estado‑Membro cumpre uma obrigação decorrente desse artigo. Conclui‑se, portanto, que se deve considerar que o Estado‑Membro aplica o direito da União para efeitos do artigo 51.o, n.o 1, da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia (a seguir «Carta»), pelo que a Carta é, por conseguinte, aplicável (10).

26.      Nestas circunstâncias, é evidente, como o Tribunal de Justiça já declarou, que «a referida disposição [a saber, o artigo 9.o, n.o 3, da Convenção de Aarhus], em conjugação com o artigo 47.o da Carta, impõe aos Estados‑Membros a obrigação de garantir uma tutela jurisdicional efetiva dos direitos conferidos pelo direito da União, nomeadamente das disposições em matéria do direito do ambiente» (11).

27.      É por esta razão que, embora os Estados‑Membros disponham de uma margem de manobra considerável para determinar o que constitui um «interesse suficiente» ou uma «violação de um direito», as disposições do artigo 11.o da Diretiva AIA relativas ao direito dos membros do público a quem as decisões, os atos ou as omissões abrangidos pelo âmbito de aplicação dessa diretiva dizem respeito de interpor recurso de anulação não podem ser interpretadas restritivamente (12) ou de forma a privar um objetor da substância do seu direito a uma proteção jurisdicional efetiva.

28.      A letra do artigo 11.o, n.o 3, da Diretiva AIA e o artigo 9.o, n.o 2, segundo parágrafo, da Convenção de Aarhus confirmam igualmente que a referida margem de apreciação está limitada ao respeito do objetivo que visa garantir ao público envolvido um amplo acesso à justiça (13).

2.      Aplicabilidade do artigo 11.o da Diretiva AIA ao presente processo

29.      No presente processo, a legislação nacional subordina a anulação de uma decisão à condição de a irregularidade processual em causa ter tido por efeito privar o interessado da possibilidade de participar efetivamente no processo de tomada de decisão da forma prevista na lei. A questão que então se coloca é se esta condição é ela própria conforme aos requisitos do artigo 11.o da Diretiva AIA.

30.      A este respeito, note‑se que, ao obrigar os Estados‑Membros a garantir que os membros do público em causa tenham a possibilidade de interpor recurso contra a legalidade substantiva ou processual de decisões, atos ou omissões abrangidos pelo âmbito de aplicação da Diretiva AIA, o legislador da União não procurou reduzir os fundamentos que podem ser invocados em apoio desse processo (14). Da mesma forma que «[n]ão pretendeu, […] vincular a possibilidade de invocar uma irregularidade processual ao requisito de que esta tenha tido influência no sentido da decisão final impugnada» (15), pode similarmente deduzir‑se da redação e da finalidade do artigo 11.o da Diretiva AIA — que assegura um amplo acesso à justiça no domínio da proteção do ambiente — que o legislador da União não estava disposto a limitar o direito do particular de impugnar as decisões ambientais apenas a essa categoria específica de casos em que, devido a uma irregularidade processual, o recorrente tenha sido de facto privada do direito de participar no processo de tomada de decisão, prevista na lei.

31.      Pelo contrário, como o Tribunal de Justiça já decidiu no seu Acórdão Gemeinde Altrip e o., «uma vez que esta diretiva tem designadamente o objetivo de fixar garantias processuais que permitam em particular uma melhor informação e uma participação do público no âmbito da avaliação dos efeitos no ambiente de projetos públicos e privados suscetíveis de terem um impacto considerável no ambiente, o controlo do respeito das regras de procedimento neste domínio reveste uma importância particular. Em conformidade com o objetivo que visa atribuir‑lhe um vasto acesso à justiça, o público em causa deve, portanto, poder invocar, por princípio, qualquer irregularidade processual para fundamentar um recurso em que conteste a legalidade das decisões visadas pela referida diretiva» (16).

32.      Tal é, nomeadamente, o caso das próprias avaliações de impacto ambiental, uma vez que este aspeto vital da proteção ambiental poderia muito bem ser comprometido se projetos de desenvolvimento deste tipo fossem autorizados na ausência de uma avaliação que cumprisse as normas jurídicas aplicáveis. Por conseguinte, uma parte afetada pela decisão de conceder uma autorização de desenvolvimento deve ter o direito de apresentar queixa relativamente a qualquer vício processual relevante dessa decisão administrativa, salvo se as autoridades competentes fornecerem provas de que a decisão impugnada não teria sido diferente na inexistência desse vício (17).

33.      É certo que o artigo 11.o, n.o 3, da Diretiva AIA — dando seguimento aos termos do artigo 9.o, n.o 2, da Convenção de Aarhus — estabelece uma distinção clara entre a situação dos particulares, por um lado, e a das organizações de proteção ambiental, por outro. Os legisladores nacionais têm, em princípio, o direito de prever a este respeito que os únicos direitos cuja violação pode ser invocada por particulares que desejem opor‑se a um projeto de desenvolvimento — como o do troço da autoestrada no presente processo — são direitos substantivos individuais. Por outro lado, tal limitação nacional não pode ser aplicada no caso de recursos interpostos por organizações de defesa do ambiente (18).

34.      Por outras palavras, embora a Convenção de Aarhus e a Diretiva AIA tenham, em certa medida, previsto uma forma de actio popularis no domínio do ambiente para as organizações de defesa do ambiente, abstiveram‑se expressamente de o fazer no caso de recursos interpostos por particulares. Há que recordar, porém, que as disposições do artigo 9.o, n.o 2, da Convenção de Aarhus devem ser lidas em conjugação com o artigo 47.o da Carta, de modo que os Estados‑Membros têm assim a obrigação de garantir uma tutela jurisdicional efetiva dos direitos conferidos pelo direito da União, nomeadamente das disposições de direito do ambiente (19). Daqui resulta, por sua vez, que as disposições do artigo 11.o da Diretiva AIA relativas ao direito dos membros do público a quem as decisões, os atos ou as omissões abrangidos pelo âmbito de aplicação dessa diretiva dizem respeito de interpor recurso de anulação não podem ser interpretadas restritivamente (20).

35.      Neste contexto, importa, pois, reconhecer que as garantias processuais previstas na Diretiva AIA — em especial as previstas no artigo 6.o — devem ser consideradas direitos substantivos individuais. Nestas circunstâncias, uma disposição de direito nacional poderá razoavelmente exigir que os particulares demonstrem que foram privados de, pelo menos, uma destas garantias processuais — como, por exemplo, o acesso a documentos relevantes — para poder pedir a anulação de qualquer decisão, ato ou omissão abrangido pelo âmbito de aplicação dessa diretiva. Tal exigência pode ser concebida para servir interesses importantes associados a uma administração eficaz e ordenada da justiça e, em especial, para assegurar que qualquer recurso de anulação seja interposto por particulares que tenham sido ou sejam de algum modo afetados pela alegada violação.

36.      Se o direito nacional em causa apenas produzir esse efeito, respeitará a redação do artigo 11.o, n.o 1, alínea b), da Diretiva AIA, preservando simultaneamente o objetivo de garantir um amplo acesso à justiça prosseguido por essa diretiva. Se, no entanto, o efeito do direito nacional em causa fizer depender o direito de um particular de pedir a anulação de qualquer decisão, ato ou omissão abrangido pelo âmbito de aplicação da referida diretiva da privação do direito de participar em todo o processo de tomada de decisão — devido ao facto de as garantias processuais previstas na Diretiva AIA não terem sido consideradas direitos substantivos individuais — a questão seria completamente diferente. Na minha opinião, tal situação equivaleria a uma violação do artigo 11.o, n.o 1, alínea b), da Diretiva AIA, uma vez que privaria tais objetores da substância do seu direito a uma ação perante um tribunal em matéria de ambiente.

37.      Esta conclusão também está em conformidade com os requisitos dos artigos 47.o e 52.o, n.o 1 da Carta (21). Como acabei de referir no caso da Diretiva AIA, um requisito geral segundo o qual uma pessoa singular deve ser afetada pela irregularidade processual de que se queixa serve certamente os interesses da administração geral da justiça e não vai além do necessário para salvaguardar este objetivo. Tal requisito não pode, por conseguinte, ser considerado incompatível com os requisitos do artigo 47.o da Carta. No entanto, se o efeito da lei nacional for limitar o direito de oposição apenas aos casos em que o particular possa demonstrar que foi totalmente privado do direito de participar em todo o processo, tal requisito seria excessivo e desproporcionado. Além disso, pode dizer‑se que uma tal situação seria contrária ao objetivo de assegurar uma proteção ambiental significativa da forma prevista tanto pela Convenção de Aarhus como pela Diretiva AIA. Daqui resulta que uma tal restrição resultante de uma norma nacional deste tipo que acabo de mencionar não respeita a essência do direito a um recurso efetivo tal como reconhecido pelo artigo 47.o da Carta.

3.      Conclusão sobre a primeira questão

38.      Por conseguinte, à luz das considerações precedentes, considero que o artigo 11.o, n.o 1, alínea b), da Diretiva AIA não se opõe a uma disposição do direito nacional segundo a qual um recorrente que não seja uma associação de defesa do ambiente reconhecida apenas pode exigir a anulação de qualquer decisão, ato ou omissão abrangido pelo âmbito de aplicação dessa diretiva por erro processual se demonstrar que foi privado de, pelo menos, uma das garantias processuais previstas na referida diretiva, nomeadamente as previstas no artigo 6.o Por outro lado, o artigo 11.o, n.o 1, alínea b), da Diretiva AIA opõe‑se a uma disposição do direito nacional que sujeita o direito de um particular de pedir a anulação de qualquer decisão, ato ou omissão abrangido pelo âmbito de aplicação dessa diretiva à condição de ter sido privado do direito de participar no processo de tomada de decisão, com o fundamento de que as garantias processuais previstas nessa diretiva não são consideradas direitos substantivos individuais.

B.      Segunda questão

39.      Através da sua segunda questão, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta se o artigo 4.o, n.o 1, alínea a), i) a iii), da Diretiva‑Quadro Água deve ser interpretado no sentido de que contém não apenas um critério de avaliação material, mas igualmente indicações para o processo administrativo de licenciamento no sentido de que seria de excluir que a avaliação relativa à proibição de deterioração das massas de água de superfície só ocorra e seja verificável por meio da documentação correspondente após a adoção da decisão que aprova o plano.

40.      Além disso, em caso de resposta afirmativa, o órgão jurisdicional de reenvio pretende saber se a participação do público nos termos do artigo 6.o da Diretiva AIA se refere sempre, obrigatoriamente, aos documentos relativos à apreciação do cumprimento da DQA ou se é possível fazer uma distinção consoante o momento de elaboração do documento e a sua complexidade.

41.      Tal como referido pelo órgão jurisdicional de reenvio no seu acórdão, a resposta à mesma questão no âmbito da Diretiva Habitats é clara: nos termos do artigo 6.o, n.o 3, dessa diretiva, uma avaliação adequada das incidências do plano ou projeto no sítio em causa deve preceder a sua aprovação (22). Por conseguinte, compete às autoridades nacionais competentes, face às conclusões da avaliação das incidências do plano ou do projeto no sítio em causa, aprovar tal plano ou projeto, mas somente após se terem certificado previamente de que tal não afetará a integridade do referido sítio (23).

42.      Embora a Diretiva‑Quadro Água não contenha exatamente a mesma disposição, é de notar que, primeiro, o incumprimento dos requisitos do artigo 4.o, n.o 1, alínea a), i) a iii), da DQA ou do artigo 6.o, n.o 3, da Diretiva Habitats tem as mesmas consequências; segundo, a primeira destas disposições tem os mesmos objetivos que os adotados pelo Tribunal de Justiça para apoiar a sua interpretação da segunda disposição; terceiro, ambas as disposições partilham o mesmo contexto jurídico e ambiental geral.

43.      Em primeiro lugar, tal como já recordei anteriormente, nos termos da Diretiva Habitats, quando subsista uma incerteza quanto à inexistência de efeitos prejudiciais para a integridade do referido sítio resultantes do plano ou do projeto em causa, a autoridade competente deverá recusar a sua autorização (24). É igualmente manifesto que os Estados‑Membros são obrigados pelo artigo 4.o, n.o 1, alínea a), i) a iii), da DQA — sem prejuízo de uma derrogação — a recusar a aprovação de um projeto concreto quando este seja suscetível de provocar uma deterioração do estado de uma massa de água de superfície ou quando comprometa a obtenção de um bom estado da água de superfície ou de um bom potencial ecológico e de um bom estado químico da água de superfície na data prevista por esta Diretiva (25).

44.      Em segundo lugar, o Tribunal de Justiça declarou que o artigo 6.o, n.o 3, da Diretiva Habitats «contribui, assim, para a realização do objetivo prosseguido pelas medidas adotadas ao abrigo desta diretiva, que, nos termos do seu artigo 2.o, n.o 2, consiste em garantir a preservação ou o restabelecimento dos habitats naturais e das espécies da fauna e da flora selvagens de interesse para a União, num estado de conservação favorável, e do objetivo mais geral da mesma diretiva, que é garantir um elevado grau de proteção do ambiente nos sítios protegidos nos termos da diretiva» (26). Estes dois objetivos, específicos e gerais, são também prosseguidos pelo artigo 4.o da DQA no domínio da proteção da água. Com efeito, segundo o Tribunal de Justiça, esta disposição contribui para a realização, por um lado, do objetivo principal prosseguido pelas medidas tomadas ao abrigo da DQA, que, como resulta do seu artigo 1.o, lido à luz dos seus considerandos 11, 19, 27 e 34, consiste em assegurar a proteção do ambiente e, por outro lado, mais concretamente, conservar e melhorar a qualidade do ambiente aquático da União Europeia (27).

45.      Em terceiro lugar, resulta de jurisprudência constante que o critério da autorização previsto no artigo 6.o, n.o 3, da Diretiva Habitats integra o princípio da precaução e visa, assim, prevenir prejuízos para a integridade dos sítios protegidos devidos aos planos ou projetos considerados (28). Por esta razão, as autoridades nacionais competentes só podem autorizar a atividade em causa desde que tenham a certeza de que esta é desprovida de efeitos prejudiciais para a integridade desse sítio (29). O mesmo deve também valer em relação ao artigo 4.o, n.o 1, da Diretiva‑Quadro Água, uma vez que esta diretiva se baseia no artigo 175.o do Tratado CE (atual artigo 192.o TFUE). Como tal, contribui para a realização dos objetivos da política da União no domínio do ambiente, que se baseia — tal como previsto expressamente no artigo 191.o, n.o 2, TFUE (ex‑artigo 174.o, n.o 2, do Tratado CE) e indicado no considerando 11 da DQA — no princípio da precaução.

46.      Tendo em conta o exposto, considero que o artigo 4.o, n.o 1, alínea a), i) a iii), da Diretiva‑Quadro Água deve ser interpretado no sentido de que não só contém um critério de avaliação material como implica necessariamente, além disso, que qualquer avaliação ou verificação desse critério relativamente à proibição de deterioração das massas de água de superfície preceda a adoção da decisão que aprova o plano.

47.      Pode observar‑se, além disso, que esta interpretação já está refletida no Acórdão de 1 de junho de 2017, Folk (C‑529/15, EU:C:2017:419). Com efeito, o Tribunal de Justiça declarou que o órgão jurisdicional nacional não é obrigado a examinar, ele próprio, o respeito dos requisitos previstos no artigo 4.o, n.o 7, da DQA — que permite conceder uma autorização apesar de o projeto ser suscetível de ter efeitos prejudiciais na água — e pode limitar‑se a declarar a ilegalidade da medida impugnada quando a autoridade nacional competente emitiu a autorização sem examinar se essas condições foram respeitadas (30). Mas, sobretudo, o Tribunal de Justiça declarou que «[c]om efeito, é às autoridades nacionais competentes pela autorização dos projetos que incumbe a obrigação de controlar se os requisitos enumerados no artigo 4. o, n. o 7, alíneas a) a d), da Diretiva 2000/60 estão preenchidos antes de conceder essa autorização, sem prejuízo de uma eventual fiscalização jurisdicional» (31). Assim, o princípio da precaução subjacente à DQA implica necessariamente que a obrigação de avaliação prévia que decorre do artigo 4.o, n.o 7, da diretiva — para poder beneficiar de uma derrogação — também se aplica à obrigação principal enunciada no n.o 1 do mesmo artigo.

48.      Quanto à segunda parte da segunda questão, no contexto da participação do público prevista no artigo 6.o da Diretiva AIA, não creio que seja admissível fazer uma distinção consoante o momento de elaboração ou a complexidade de um documento relevante para a avaliação imposta pela DQA.

49.      Em primeiro lugar, importa ter presente que qualquer fiscalização da legalidade das decisões, dos atos ou das omissões que resulta das disposições da Diretiva AIA pretendeu, em conformidade com os objetivos da Convenção de Aarhus, associar os membros do público em causa que tenham um interesse suficiente em agir ou invoquem a violação de um direito, com vista a contribuir para a preservação, a proteção e a melhoria da qualidade do ambiente e a proteção da saúde humana (32).

50.      Em segundo lugar, o artigo 6.o da Diretiva AIA deve ser interpretado à luz das exigências do artigo 6.o da Convenção de Aarhus que aplica. Como a advogada‑geral J. Kokott explicou nas suas Conclusões nos processos apensos Comune di Corridonia e o. (C‑196/16 e C‑197/16, EU:C:2017:249), a participação do público nas decisões referentes a atividades que tenham um impacto significativo no ambiente, deve ter lugar o mais cedo possível, quando todas as opções ainda estiverem em aberto e possa haver uma participação efetiva do público. Tal sublinha ainda mais o objetivo da participação precoce, porquanto «é mais eficaz se puder ser amplamente tida em consideração no quadro da concretização do projeto» (33). Pode ainda observar‑se que esta necessidade de garantir a participação do público antes da adoção de decisões finais é expressamente indicada no domínio da proteção da água no considerando 46 da DQA.

51.      Neste contexto, parece evidente que permitir as distinções sugeridas pelo órgão jurisdicional de reenvio seria contrário a estes objetivos. Por um lado, uma distinção em função da data de um documento conduziria provavelmente à autorização de determinados projetos sem que o público interessado tivesse sido previamente informado dos seus potenciais impactos ambientais. Por outro lado, a distinção em função da complexidade de um documento pode levar as autoridades nacionais a adotar uma abordagem seletiva — e, eventualmente, subjetiva —, em detrimento do público interessado e, se for caso disso, da proteção do ambiente.

52.      Por conseguinte, à luz das considerações precedentes, concluo que o artigo 4.o, n.o 1, alínea a), i) a iii), da Diretiva‑Quadro Água deve ser interpretado no sentido de que não só contém um critério de avaliação material como implica necessariamente, além disso, que qualquer avaliação ou verificação desse critério relativamente à proibição de deterioração das massas de água de superfície preceda a adoção da decisão que aprova o plano, independentemente do momento de elaboração ou da complexidade do documento relevante para essa fiscalização.

C.      Terceira questão

53.      Através da sua terceira questão, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta se o conceito de «deterioração do estado de uma massa de água subterrânea» do artigo 4.o, n.o 1, alínea b), i), da DQA, deve ser interpretado no sentido de que existe uma deterioração do estado químico de uma massa de água subterrânea quando, devido ao projeto, tenha sido ultrapassado, pelo menos, um parâmetro de uma norma de qualidade ambiental, e quando, independentemente do facto de já ter sido ultrapassado um certo limiar de um poluente, qualquer outro aumento (mensurável) da concentração representa uma deterioração.

54.      No Acórdão Bund für Umwelt und Naturschutz Deutschland (C‑461/13, EU:C:2015:433), o Tribunal de Justiça declarou, com base numa leitura literal e contextual do artigo 4.o, n.o 1, alínea a), i), da DQA e tendo em conta os objetivos desta diretiva, que o conceito de «deterioração do estado» de uma massa de água de superfície, que figura no artigo 4.o, n.o 1, alínea a), i), da Diretiva 2000/60, deve ser interpretado no sentido de que «há deterioração a partir do momento em que o estado de, pelo menos, um dos elementos de qualidade, na aceção do anexo V desta diretiva, se degradar uma classe, mesmo que essa degradação não se traduza numa degradação da classificação da massa de águas de superfície no seu conjunto» (34). Além disso, o Tribunal de Justiça salientou que «caso o elemento de qualidade em causa, na aceção deste anexo, já se encontre na classe mais baixa, qualquer degradação deste elemento constitui uma “deterioração do estado” de uma massa de águas de superfície, na aceção deste artigo 4.o, n.o 1, alínea a), i)» (35).

55.      É verdade que, ao contrário das massas de água de superfície — para as quais a DQA prevê uma escala de cinco classes de estado ecológico — a diretiva apenas distingue entre bom estado e mau estado no que se refere ao estado quantitativo e químico das águas subterrâneas. Considero, no entanto, que a interpretação do conceito de «deterioração do estado» de massas de água na aceção da Diretiva‑Quadro Água deve ser bastante semelhante, independentemente de se tratar de águas de superfície ou de águas subterrâneas.

56.      Com efeito, para além dos objetivos ambientais da DQA que são claramente semelhantes nos termos do artigo 4.o, n.o 1, para as águas de superfície e para as águas subterrâneas, a interpretação literal e o argumento contextual utilizado pelo Tribunal de Justiça para apoiar a sua interpretação do artigo 4.o, n.o 1, alínea a), i), da DQA também podem ser aplicados por analogia ao artigo 4.o, n.o 1, alínea b), i) (36).

57.      Em primeiro lugar, tal como o artigo 4.o, n.o 1, alínea a), i), a redação do artigo 4.o, n.o 1, alínea b), i), da DQA milita a favor de uma interpretação que é independente das especificações do anexo V, uma vez que ambas as disposições preveem expressamente que a deterioração do estado de todas as massas de água — quer sejam águas superficiais ou subterrâneas — deve ser evitada. Com efeito, apenas o artigo 4.o, n.o 1, alínea a), n.o 1, ii) e iii), e o artigo 4.o, n.o 1, alínea b), ii), remetem para o anexo V, mas estas disposições dizem respeito à obrigação de melhorar o estado das massas de água. No entanto, a obrigação de evitar a deterioração e a obrigação de melhorar são dois objetivos distintos (37). Além disso, de acordo com a definição que figura no artigo 2.o, ponto 19, da DQA — semelhante à do artigo 2.o, ponto 17, da mesma diretiva para o estado das águas de superfície — o estado das águas subterrâneas é a expressão global do estado em que se encontra uma determinada massa de águas subterrâneas, definido em função do pior dos dois estados, quantitativo ou químico.

58.      Por conseguinte, tal como no artigo 4.o, n.o 1, alínea a), i), da DQA, a redação do artigo 4.o, n.o 1, alínea b), i), também impõe, de forma geral, a obrigação de evitar a deterioração do estado das águas subterrâneas sem fazer referência à classificação decorrente do anexo V.

59.      Em segundo lugar, é verdade que, se a avaliação do estado das águas de superfície se baseia numa análise do estado ecológico que abrange cinco classes, a avaliação do estado das águas subterrâneas baseia‑se numa análise do estado quantitativo e do estado químico, com referência aos Quadros 2.1.2 e 2.3.2 do anexo V (38).

60.      No entanto, como há pouco assinalei, nem o artigo 4.o, n.o 1, alínea a), i), da DQA nem o artigo 4.o, n.o 1, alínea b), i), remetem para o anexo V. Nestas circunstâncias, tal como o conceito de «deterioração do estado» de uma massa de águas de superfície, o conceito de «deterioração do estado» de uma massa de águas subterrâneas deve também ser considerado um conceito de âmbito geral. As classes e as condições previstas a este respeito nestes quadros são, por conseguinte — utilizando as palavras do Tribunal de Justiça no Acórdão Bund für Umwelt und Naturschutz Deutschland — «um instrumento que limita a margem de apreciação dos Estados‑Membros na determinação dos elementos de qualidade que reflitam um estado real de uma dada massa de águas» (39).

61.      Em terceiro lugar, há que ter igualmente em conta o artigo 4.o, n.o 5, alínea c), da DQA, que prevê expressamente uma proibição de verificação de novas deteriorações das massas de água relativamente às quais os Estados‑Membros podem procurar alcançar objetivos ambientais menos estritos (40).

62.      Nestas circunstâncias, como o Tribunal de Justiça declarou relativamente às «massas de água» em geral, o conceito de «deterioração» deve ser interpretado com referência a um elemento de qualidade ou a uma substância, uma vez que «a obrigação de prevenir a deterioração do estado de uma massa de águas mantém todo o seu efeito útil, na medida em que abrange qualquer alteração suscetível de comprometer a realização do objetivo principal da [DQA]» (41). Esta interpretação deve prevalecer ainda mais no caso de uma massa de águas subterrâneas que apenas conhece os estados «bom» ou «mau», ao passo que para as águas de superfície existem cinco classes de estado.

63.      Além disso, o Tribunal de Justiça já declarou, também de um modo geral, que, «[n]o que respeita aos critérios que permitem concluir no sentido de uma deterioração do estado de uma massa de águas, importa recordar que decorre da economia do artigo 4.o da [DQA], e nomeadamente dos n.os 6 e 7 deste, que as deteriorações do estado de uma massa de águas, ainda que transitórias, só são admitidas em condições muito exigentes. Daqui decorre que o limite a partir do qual se verifica a violação da obrigação de prevenir a deterioração do estado de uma massa de águas deve ser muito baixo» (42).

64.      Neste contexto, importa observar que, em conformidade com o artigo 2.o, ponto 25 da DQA, «bom estado químico das águas subterrâneas» é o estado químico de uma massa de água subterrânea que preencha todas as condições definidas no quadro 2.3.2 do anexo V. A composição química da massa de águas subterrâneas é tal que as concentrações de poluentes não apresentam os efeitos de intrusões salinas ou outras, não ultrapassam as normas de qualidade aplicáveis nos termos da Diretiva 2006/118/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 12 de dezembro de 2006, relativa à proteção das águas subterrâneas contra a poluição e a deterioração (43) e não são de molde a impedir que sejam alcançados os objetivos ambientais especificados nos termos do artigo 4.o para as águas de superfície associadas, nem a reduzir significativamente a qualidade química ou ecológica dessas massas, nem a provocar danos significativos nos ecossistemas terrestres diretamente dependentes da massa de águas subterrâneas.

65.      Nos termos do artigo 17.o da DQA, o artigo 3.o, n.o 1, da Diretiva 2006/118 prevê, assim, critérios para a avaliação do estado químico das águas subterrâneas. Nos termos desta disposição, os Estados‑Membros devem utilizar normas de qualidade das águas subterrâneas referidas no anexo I e os limiares que devem estabelecer, em conformidade com o procedimento previsto na parte A do anexo II, para os poluentes, grupos de poluentes e indicadores de poluição que, no território de um Estado‑Membro, tenham sido identificados como contribuindo para a caracterização das massas ou grupo de massas de águas subterrâneas como massas de água em risco, tendo em conta, pelo menos, a lista contida na parte B do anexo II.

66.      Nestas circunstâncias, parece‑me que o conceito de «deterioração do estado» de uma massa de águas subterrâneas referido no artigo 4.o, n.o 1, alínea b), i), da Diretiva‑Quadro Água deve ser interpretado no sentido de que existe deterioração do estado químico de uma massa de águas subterrâneas se, em consequência do projeto, o valor de uma norma de qualidade ambiental na aceção do anexo I da Diretiva 2006/118 ou o valor de um limiar fixado pelo Estado‑Membro na aceção do anexo II da mesma diretiva for excedido relativamente a, pelo menos, um poluente ou se não forem cumpridas as outras condições enunciadas no Quadro 2.3.2. do anexo V da DQA. No entanto, se a massa de águas subterrâneas já se encontrar na classe inferior, na aceção do anexo V da Diretiva 2000/60/CE, qualquer aumento subsequente da concentração de um poluente que exceda o valor da norma de qualidade ambiental ou o valor do limiar fixado pelo Estado‑Membro constitui necessariamente uma deterioração. Neste caso, um aumento da concentração de outro poluente constitui igualmente uma deterioração se exceder o valor da norma de qualidade ambiental ou o valor do limiar fixado pelo Estado‑Membro.

67.      Com efeito, se uma alteração adversa num dos parâmetros do estado de uma massa de águas subterrâneas classificado como mau não pudesse ser qualificada como deterioração, isso implicaria a aceitação de uma nova deterioração do estado das águas subterrâneas e excluiria as águas da classe mais baixa da obrigação de prevenir a deterioração do seu estado. Uma vez que a classificação da massa de águas subterrâneas depende do pior valor dos parâmetros utilizados, todos os outros valores podem ser reduzidos sem qualquer efeito jurídico. Por conseguinte, tal conduziria à aprovação de projetos que vão contra a obrigação, referida na DQA, de evitar a deterioração e de melhorar o estado das águas e, como tal, privaria a DQA da sua eficácia (44).

D.      Quarta questão

68.      Com a sua quarta questão, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta, em substância, se o artigo 4.o da DQA deve ser interpretado no sentido de que todos os membros do público afetado por um projeto que aleguem que o licenciamento do projeto viola os seus direitos, podem igualmente invocar em juízo violações da proibição legal de deterioração da água e da obrigação de melhoria de qualidade da água. A título subsidiário, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta se essa disposição deve ser interpretada no sentido de que os recorrentes que mantêm poços domésticos nas imediações do troço de estrada planeado podem invocar em juízo violações da proibição legal de deterioração e da obrigação de melhoria.

69.      É incontestável que o artigo 4.o da DQA contribui para realizar o objetivo principal prosseguido pelas medidas tomadas ao abrigo desta diretiva, que, como resulta do seu artigo 1.o, lido à luz dos considerandos 11, 19 e 27 da referida diretiva, consiste em assegurar a proteção do ambiente e, em especial, conservar e melhorar a qualidade do ambiente aquático da União (45).

70.      Nestas circunstâncias, o Tribunal de Justiça já declarou que «seria incompatível com o efeito vinculativo que o artigo 288.o TFUE reconhece a uma diretiva excluir, em princípio, que as obrigações que ela impõe possam ser invocadas pelos interessados. O efeito útil da [DQA] e a sua finalidade de proteção do ambiente, […] exigem que os particulares ou, se for caso disso, uma organização de defesa do ambiente legalmente constituída a possam invocar em juízo e que os órgãos jurisdicionais nacionais a possam tomar em consideração enquanto elemento do direito da União, para, nomeadamente, verificar se a autoridade nacional que emitiu uma licença para um projeto suscetível de ter impacto no estado das águas respeitou as obrigações que lhe incumbem por força do artigo 4.o da referida diretiva, em especial a de prevenir a deterioração do estado das massas de água, e permaneceu, assim, dentro dos limites da margem de apreciação que esta disposição confere às autoridades nacionais competentes» (46).

71.      Esta consideração aplica‑se, em especial, a uma diretiva destinada a proteger a saúde pública (47). A Diretiva‑Quadro Água partilha este objetivo, uma vez que a boa qualidade da água é vital para o abastecimento público em geral (48).

72.      Neste contexto, importa ainda referir que «quando definem as modalidades processuais das ações judiciais destinadas a assegurar a salvaguarda dos direitos conferidos pela [DQA], os Estados‑Membros devem garantir o respeito do direito à ação e a um tribunal imparcial, consagrado no artigo 47.o da Carta, que constitui uma reafirmação do princípio da tutela jurisdicional efetiva» (49).

73.      Por este motivo procurei demonstrar, na análise da primeira questão colocada pelo órgão jurisdicional de reenvio, que, embora os Estados‑Membros disponham de uma margem de manobra considerável para determinar o que constitui um «interesse suficiente» ou a «violação de um direito», as disposições do artigo 11.o da Diretiva AIA relativas ao direito dos membros do público a quem as decisões, os atos ou as omissões abrangidos pelo âmbito de aplicação dessa diretiva dizem respeito de interpor recurso de anulação não podem ser interpretadas restritivamente (50). A letra do artigo 11.o, n.o 3, da Diretiva AIA, bem como do artigo 9.o, n.o 2, segundo parágrafo, da Convenção de Aarhus confirmam que a referida margem de apreciação está limitada ao respeito do objetivo que visa garantir ao público envolvido um amplo acesso à justiça (51).

74.      Neste contexto, o Tribunal de Justiça declarou recentemente que, pelo menos, as pessoas singulares ou coletivas diretamente afetadas por uma violação das disposições de uma diretiva devem poder exigir às autoridades competentes que cumpram essas obrigações [como as consagradas no artigo 4.o da DQA], se necessário recorrendo aos tribunais competentes (52). Contudo, visto que esta obrigação de ser «diretamente afetado» constitui uma limitação do acesso à justiça, deve ser interpretada restritivamente. Pode também observar‑se que o Tribunal de Justiça não impôs como condição para a interposição desse recurso um risco concreto e irrefutável para a saúde (53).

75.      Por conseguinte, em circunstâncias como as do processo principal, sou de opinião que os recorrentes que mantêm poços domésticos para o seu abastecimento privado de água na proximidade geográfica da estrada projetada são, sem dúvida, diretamente afetados pelo risco de deterioração da qualidade da água dos cursos de água em causa e podem, como tal, invocar o artigo 4.o da DQA. Por outro lado, se o projeto em causa for suscetível de ter um impacto na água consumida pelas pessoas que utilizam a rede pública de abastecimento de água ou se estas forem especialmente afetadas de outra forma pelo projeto, também me parece que são suficientemente afetadas para lhes ser permitido invocar o artigo 4.o da DQA no âmbito de processos judiciais por violação da proibição legal de deterioração da água.

76.      Por conseguinte, à luz das considerações precedentes, concluo que o artigo 4.o da DQA deve ser interpretado no sentido de que as pessoas que mantêm poços domésticos para o seu abastecimento privado de água ou utilizando uma rede pública de abastecimento de água suscetível de ser afetada pelo projeto em causa ou especialmente afetada por este projeto, são diretamente afetadas pelo risco de deterioração das massas de água envolvidas e podem, como tal, invocar o artigo 4.o da DQA para instaurar processos judiciais por violação da proibição legal de deterioração da água.

VI.    Conclusão

77.      Por conseguinte, proponho que o Tribunal de Justiça responda às questões submetidas pelo Bundesverwaltungsgericht (Tribunal Administrativo Federal, Alemanha) do seguinte modo:

1)      O artigo 11.o, n.o 1, alínea b), da Diretiva 2011/92/UE, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 13 de dezembro de 2011, relativa à avaliação dos efeitos de determinados projetos públicos e privados no ambiente, não se opõe a uma disposição do direito nacional segundo a qual um recorrente que não seja uma associação de defesa do ambiente reconhecida apenas pode exigir a anulação de qualquer decisão, ato ou omissão abrangido pelo âmbito de aplicação dessa diretiva por erro processual se demonstrar que foi privado de, pelo menos, uma das garantias processuais previstas na referida diretiva, nomeadamente as previstas no artigo 6.o Por outro lado, o artigo 11.o, n.o 1, alínea b), da Diretiva 2011/92 opõe‑se a uma disposição do direito nacional que sujeita o direito de um particular de pedir a anulação de qualquer decisão, ato ou omissão abrangido pelo âmbito de aplicação dessa diretiva à condição de ter sido privado do direito de participar no processo de tomada de decisão, com o fundamento de que as garantias processuais previstas nessa diretiva não são consideradas direitos substantivos individuais.

2)      O artigo 4.o, n.o 1, alínea a), i) a iii), da Diretiva 2000/60/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 23 de outubro de 2000, que estabelece um quadro de ação comunitária no domínio da política da água, deve ser interpretado no sentido de que não só contém um critério de avaliação material como implica necessariamente, além disso, que qualquer avaliação ou verificação desse critério relativamente à proibição de deterioração das massas de água de superfície preceda a adoção da decisão que aprova o plano, independentemente do momento de elaboração ou da complexidade do documento relevante para essa fiscalização.

3)      O conceito de «deterioração do estado» de uma massa de águas subterrâneas referido no artigo 4.o, n.o 1, alínea b), i), da Diretiva‑Quadro Água deve ser interpretado no sentido de que existe deterioração do estado químico de uma massa de águas subterrâneas se, em consequência do projeto, o valor de uma norma de qualidade ambiental na aceção do anexo I da Diretiva 2006/118/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 12 de dezembro de 2006, relativa à proteção das águas subterrâneas contra a poluição e a deterioração, ou o valor de um limiar fixado pelo Estado‑Membro na aceção do anexo II da mesma diretiva for excedido relativamente a, pelo menos, um poluente ou se não forem cumpridas as outras condições enunciadas no Quadro 2.3.2 do anexo V da Diretiva 2000/60. No entanto, se a massa de águas subterrâneas já se encontrar na classe inferior, na aceção do anexo V da Diretiva 2000/60, qualquer aumento subsequente da concentração de um poluente que exceda o valor da norma de qualidade ambiental ou o valor do limiar fixado pelo Estado‑Membro constitui uma deterioração. Neste caso, um aumento da concentração de outro poluente constitui igualmente uma deterioração se exceder o valor da norma de qualidade ambiental ou o valor do limiar fixado pelo Estado‑Membro.

4)      O artigo 4.o da Diretiva 2000/60 deve ser interpretado no sentido de que as pessoas que mantêm poços domésticos para o seu abastecimento privado de água ou utilizando uma rede pública de abastecimento de água suscetível de ser afetada pelo projeto em causa ou especialmente afetada por este projeto, são diretamente afetadas pelo risco de deterioração das massas de água envolvidas e podem, como tal, invocar o artigo 4.o da DQA para instaurar processos judiciais por violação da proibição legal de deterioração da água.


1      Língua original: inglês.


2      JO 2012 L 26, p. 1.


3      JO 2000 L 327, p. 1.


4      JO 1985 L 175, p. 40.


5      JO 2005 L 124, p. 1.


6      JO 2003 L 156, p. 17.


7      V., nesse sentido, considerando 5 da Diretiva 2003/35 e Acórdão de 11 de abril de 2013, Edwards e Pallikaropoulos (C‑260/11, EU:C:2013:221, n.o 26).


8      V., nesse sentido, Acórdão de 8 de novembro de 2016, Lesoochranárske zoskupenie VLK (C‑243/15, EU:C:2016:838, n.o 45).


9      V., nesse sentido, Acórdão de 7 de novembro de 2013, Gemeinde Altrip e o.  (C‑72/12, EU:C:2013:712, n.o 28).


10      V., neste sentido, sobre a Diretiva 92/43/CEE do Conselho, de 21 de maio de 1992, relativa à preservação dos habitats naturais e da fauna e da flora selvagens (JO 1992 L 206, p. 7) (a seguir «Diretiva Habitats»), Acórdão de 8 de março de 2011, Lesoochranárske zoskupenie  (C‑240/09, EU:C:2011:125, n.o 52); e, sobre a Diretiva‑Quadro Água, Acórdão de 20 de dezembro de 2017, Protect Natur‑, Arten‑ und Landschaftsschutz Umweltorganisation (C‑664/15, EU:C:2017:987, n.o 44).


11      Acórdão de 20 de dezembro de 2017, Protect Natur‑, Arten‑ und Landschaftsschutz Umweltorganisation (C‑664/15, EU:C:2017:987, n.o 45).


12      V., nesse sentido, Acórdão de 16 de abril de 2015, Gruber  (C‑570/13, EU:C:2015:231, n.os 38 e 40).


13      V., nesse sentido, Acórdão de 16 de abril de 2015, Gruber  (C‑570/13, EU:C:2015:231, n.o 39).


14      V., nesse sentido, Acórdãos de 12 de maio de 2011, Bund für Umwelt und Naturschutz Deutschland, Landesverband Nordrhein‑Westfalen (C‑115/09, EU:C:2011:289, n.o 37); de 7 de novembro de 2013, Gemeinde Altrip e o. (C‑72/12, EU:C:2013:712, n.os 36 e 47); e de 15 de outubro de 2015, Comissão/Alemanha  (C‑137/14, EU:C:2015:683, n.os 47, 58 e 77).


15      Acórdão de 7 de novembro de 2013, Gemeinde Altrip e o.  (C‑72/12, EU:C:2013:712, n.o 47).


16      Acórdão de 7 de novembro de 2013  (C‑72/12, EU:C:2013:712, n.o 48). O sublinhado é meu.


17      V., nesse sentido, Acórdão de 7 de novembro de 2013, Gemeinde Altrip e o.  (C‑72/12, EU:C:2013:712, n.os 49 a 53 e 57).


18      V., nesse sentido, Acórdãos de 12 de maio de 2011, Bund für Umwelt und Naturschutz Deutschland, Landesverband Nordrhein‑Westfalen (C‑115/09, EU:C:2011:289, n.o 45); e de 15 de outubro de 2015, Comissão/Alemanha (C‑137/14, EU:C:2015:683, n.os 33 e 91).


19      V., nesse sentido, Acórdão de 20 de dezembro de 2017, Protect Natur‑, Arten‑ und Landschaftsschutz Umweltorganisation (C‑664/15, EU:C:2017:987, n.o 45).


20      V., nesse sentido, Acórdão de 16 de abril de 2015, Gruber  (C‑570/13, EU:C:2015:231, n.os 38 e 40).


21      Importa ter presente que o artigo 52.o, n.o 1, da Carta dispõe que «[q]ualquer restrição ao exercício dos direitos e liberdades reconhecidos pela […] Carta deve ser prevista por lei e respeitar o conteúdo essencial desses direitos e liberdades. Na observância do princípio da proporcionalidade, essas restrições só podem ser introduzidas se forem necessárias e corresponderem efetivamente a objetivos de interesse geral reconhecidos pela União, ou à necessidade de proteção dos direitos e liberdades de terceiros».


22      V., nesse sentido, Acórdãos de 7 de setembro de 2004, Waddenvereniging e Vogelbeschermingsvereniging (C‑127/02, EU:C:2004:482, n.o 53); e de 8 de novembro de 2016, Lesoochranárske zoskupenie VLK (C‑243/15, EU:C:2016:838, n.o 42).


23      V., nesse sentido, Acórdão de 7 de setembro de 2004, Waddenvereniging e Vogelbeschermingsvereniging (C‑127/02, EU:C:2004:482, n.o 55).


24      V., nesse sentido, Acórdão de 7 de setembro de 2004, Waddenvereniging e Vogelbeschermingsvereniging (C‑127/02, EU:C:2004:482, n.os 55 e 57).


25      V., nesse sentido, Acórdãos de 1 de julho de 2015, Bund für Umwelt und Naturschutz Deutschland (C‑461/13, EU:C:2015:433, n.o 51); e de 20 de dezembro de 2017, Protect Natur‑, Arten‑ und Landschaftsschutz Umweltorganisation (C‑664/15, EU:C:2017:987, n.o 31).


26      Acórdão de 8 de novembro de 2016, Lesoochranárske zoskupenie VLK (C‑243/15, EU:C:2016:838, n.o 43).


27      V., nesse sentido, Acórdão de 20 de dezembro de 2017, Protect Natur‑, Arten‑ und Landschaftsschutz Umweltorganisation (C‑664/15, EU:C:2017:987, n.o 33).


28      V., nesse sentido, Acórdãos de 7 de setembro de 2004, Waddenvereniging and Vogelbeschermingsvereniging (C‑127/02, EU:C:2004:482, n.o 58); de 11 de abril de 2013, Sweetman e o. (C‑258/11, EU:C:2013:220, n.o 41); e de 17 de abril de 2018, Comissão/Polónia (Białowieża Forest)  (C‑441/17, EU:C:2018:255, n.o 118).


29      V., nesse sentido, Acórdão de 7 de setembro de 2004, Waddenvereniging and Vogelbeschermingsvereniging (C‑127/02, EU:C:2004:482, n.o 59).


30      Acórdão de 1 de junho de 2017, Folk (C‑529/15, EU:C:2017:419, n.o 38).


31      Acórdão de 1 de junho de 2017, Folk (C‑529/15, EU:C:2017:419, n.o 39). O sublinhado é meu.


32      V., nesse sentido, Acórdão de 7 de novembro de 2013, Gemeinde Altrip e o.  (C‑72/12, EU:C:2013:712, n.o 28).


33      Conclusões da advogada‑geral J. Kokott nos processos apensos Comune di Corridonia e o. (C‑196/16 e C‑197/16, EU:C:2017:249, n.o 26).


34      Acórdão de 1 de julho de 2015, Bund für Umwelt und Naturschutz Deutschland  (C‑461/13, EU:C:2015:433, n.o 70).


35      Acórdão de 1 de julho de 2015, Bund für Umwelt und Naturschutz Deutschland  (C‑461/13, EU:C:2015:433, n.o 70).


36      V., nesse sentido, Waller, H., Case C‑461/13, Bund für Umwelt und Naturschutz Deutschland e.V.: Could This Case Change the Current of EU Environmental Law or Will It Just Wash Over?, European Law Reporter, 2016, n.o 2, p. 53 a 66, em especial p. 60.


37      V., nesse sentido, Acórdão de 1 de julho de 2015, Bund für Umwelt und Naturschutz Deutschland (C‑461/13, EU:C:2015:433, n.o 39).


38      V. artigo 2.o, n.o 25 e n.o 28 da Diretiva‑Quadro Água.


39      Acórdão de 1 de julho de 2015, Bund für Umwelt und Naturschutz Deutschland (C‑461/13, EU:C:2015:433, n.o 61).


40      V., nesse sentido, Acórdão de 1 de julho de 2015, Bund für Umwelt und Naturschutz Deutschland (C‑461/13, EU:C:2015:433, n.o 64).


41      Acórdão de 1 de julho de 2015, Bund für Umwelt und Naturschutz Deutschland (C‑461/13, EU:C:2015:433, n.o 66).


42      Acórdão de 1 de julho de 2015, Bund für Umwelt und Naturschutz Deutschland (C‑461/13, EU:C:2015:433, n.o 67).


43      JO 2006 L 372, p. 19.


44      V., nesse sentido, Acórdão de 1 de julho de 2015, Bund für Umwelt und Naturschutz Deutschland (C‑461/13, EU:C:2015:433, n.o 63).


45      V., nesse sentido, Acórdão de 20 de dezembro de 2017, Protect Natur‑, Arten‑ und Landschaftsschutz Umweltorganisation (C‑664/15, EU:C:2017:987, n.o 33).


46      Acórdão de 20 de dezembro de 2017, Protect Natur‑, Arten‑ und Landschaftsschutz Umweltorganisation (C‑664/15, EU:C:2017:987, n.o 34 e jurisprudência referida).


47      V., nesse sentido, Acórdãos de 25 de julho de 2008, Janecek  (C‑237/07, EU:C:2008:447, n.o 37); de 26 de maio de 2011, Stichting Natuur en Milieu e o. (C‑165/09 a C‑167/09, EU:C:2011:348, n.o 94); e de 19 de novembro de 2014, ClientEarth (C‑404/13, EU:C:2014:2382, n.o 55).


48      V. considerando 24 da DQA, segundo o qual «[a] boa qualidade da água assegurará o abastecimento das populações com água potável». V., também, artigo 1.o, alínea d), da DQA, segundo o qual esta diretiva assegura a redução gradual da poluição das águas subterrâneas e evita a agravação da sua poluição, definida no artigo 2.o, n.o 33, da DQA como «introdução direta ou indireta, em resultado da atividade humana, de substâncias ou de calor no ar, na água ou no solo, que possa ser prejudicial para a saúde humana […]».


49      Acórdão de 20 de dezembro de 2017, Protect Natur‑, Arten‑ und Landschaftsschutz Umweltorganisation (C‑664/15, EU:C:2017:987, n.o 87).


50      V., nesse sentido, Acórdão de 16 de abril de 2015, Gruber  (C‑570/13, EU:C:2015:231, n.os 38 e 40).


51      V., nesse sentido, Acórdão de 16 de abril de 2015, Gruber  (C‑570/13, EU:C:2015:231, n.o 39).


52      Acórdão de 3 de outubro de 2019, Wasserleitungsverband Nördliches Burgenland and Others (C‑197/18, EU:C:2019:824, n.o 32). O sublinhado é meu.


53      V., nesse sentido, Conclusões da advogada‑geral J. Kokott no processo Wasserleitungsverband (C‑197/18, EU:C:2019:274, n.o 54).