Language of document : ECLI:EU:C:2022:401

ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Quarta Secção)

19 de maio de 2022 (*)

«Reenvio prejudicial — Cooperação judiciária em matéria penal — Diretiva (UE) 2016/343 — Artigo 8.o — Direito de comparecer em julgamento — Informação sobre a realização do julgamento — Impossibilidade de localizar o arguido não obstante os esforços razoáveis envidados pelas autoridades competentes — Possibilidade de um julgamento e de uma condenação à revelia — Artigo 9.o — Direito a um novo julgamento ou a uma outra via de recurso que permita uma nova apreciação do mérito da causa»

No processo C‑569/20,

que tem por objeto um pedido de decisão prejudicial apresentado, nos termos do artigo 267.o TFUE, pelo Spetsializiran nakazatelen sad (Tribunal Criminal Especial, Bulgária), por Decisão de 27 de outubro de 2020, que deu entrada no Tribunal de Justiça em 30 de outubro de 2020, no processo penal contra

IR,

sendo interveniente:

Spetsializirana prokuratura,

O TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Quarta Secção),

composto por: C. Lycourgos (relator), presidente de secção, S. Rodin, J.‑C. Bonichot, L. S. Rossi e O. Spineanu‑Matei, juízes,

advogado‑geral: J. Richard de la Tour,

secretário: A. Calot Escobar,

vistos os autos,

vistas as observações apresentadas:

—        em representação da Comissão Europeia, por M. Wasmeier e I. Zaloguin, na qualidade de agentes,

ouvidas as conclusões do advogado‑geral na audiência de 13 de janeiro de 2022,

profere o presente

Acórdão

1        O pedido de decisão prejudicial tem por objeto a interpretação dos artigos 8.o e 9.o da Diretiva (UE) 2016/343 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 9 de março de 2016, relativa ao reforço de certos aspetos da presunção de inocência e do direito de comparecer em julgamento em processo penal (JO 2016, L 65, p. 1), do artigo 4.o‑A da Decisão‑Quadro 2002/584/JAI do Conselho, de 13 de junho de 2002, relativa ao mandado de detenção europeu e aos processos de entrega entre os Estados‑Membros (JO 2002, L 190, p. 1), conforme alterada pela Decisão‑Quadro 2009/299/JAI do Conselho, de 26 de fevereiro de 2009 (JO 2009, L 81, p. 24) (a seguir «Decisão‑Quadro 2002/584»), e do artigo 47.o da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia (a seguir «Carta»).

2        Este pedido foi apresentado no âmbito de um processo penal instaurado contra IR a respeito de factos suscetíveis de constituir infrações fiscais puníveis com penas privativas de liberdade.

 Quadro jurídico

 Direito da União

3        Os considerandos 9, 10, 33, 35 a 39, 42, 43 e 47 da Diretiva 2016/343 enunciam:

«(9)      A presente diretiva tem por objeto reforçar o direito a um processo equitativo em processo penal, estabelecendo normas mínimas comuns relativas a certos aspetos da presunção de inocência e ao direito de comparecer em julgamento.

(10)      Ao estabelecer normas mínimas comuns sobre a proteção dos direitos processuais dos suspeitos e arguidos, a presente diretiva visa reforçar a confiança nos sistemas de justiça penal entre os Estados‑Membros […]

[…]

(33)      O direito a um processo equitativo constitui um dos princípios fundamentais de uma sociedade democrática. Este direito está na base do direito dos suspeitos ou dos arguidos de comparecerem em julgamento e deverá estar garantido em toda a União [Europeia].

[…]

(35)      O direito do suspeito e do arguido de comparecerem no próprio julgamento não tem caráter absoluto. Em determinadas condições, o suspeito e o arguido deverão poder renunciar a esse direito, expressa ou tacitamente, mas de forma inequívoca.

(36)      Em determinadas circunstâncias, a decisão sobre a culpa ou a inocência do suspeito ou do arguido é passível de ser proferida mesmo se estes não comparecerem em julgamento. Este pode ser o caso quando o suspeito ou o arguido foi atempadamente informado do julgamento e das consequências da não comparência, mas mesmo assim não compareceu. Informar o suspeito ou o arguido do julgamento deve ser entendido no sentido de o notificar pessoalmente ou lhe fornecer, por outros meios, informação oficial sobre a data e o local do julgamento, de modo a permitir‑lhe tomar conhecimento do julgamento. Informar o suspeito ou o arguido das consequências da não comparência deverá ser entendido, nomeadamente, no sentido de os informar de que pode ser proferida uma decisão mesmo se não comparecerem ao julgamento.

(37)      Um julgamento passível de resultar numa decisão sobre a culpa ou a inocência também deverá poder ser realizado na ausência do suspeito ou do arguido se este tiver sido informado da realização do julgamento e tiver mandatado um advogado, nomeado por si ou pelo Estado, para o representar em juízo e o advogado comparecer em julgamento em representação do suspeito ou do arguido.

(38)      Para determinar se o modo como a informação é prestada é suficiente para assegurar que a pessoa tem conhecimento do julgamento, deverá ser dada especial atenção, sempre que adequado, por um lado, ao grau de diligência com que as autoridades públicas informaram a pessoa em causa e, por outro lado, ao grau de diligência demonstrado pela pessoa em causa para receber a informação que lhe é dirigida.

(39)      Sempre que os Estados‑Membros prevejam a possibilidade de realização de julgamento na ausência do suspeito ou do arguido mas as condições para proferir uma decisão na ausência em tribunal do suspeito ou do arguido não estejam preenchidas por estes, não obstante terem sido efetuados esforços razoáveis nesse sentido, não poderem ser localizados, por exemplo, em virtude de a pessoa ter fugido ou andar a monte — deverá, mesmo assim, ser possível proferir uma decisão na ausência do suspeito ou do arguido e executar essa decisão. Nesse caso, os Estados‑Membros deverão assegurar que quando o suspeito ou o arguido for informado da decisão, em especial quando são detidos, também devem ser informados da possibilidade de impugnar a decisão e do direito a um novo julgamento ou de usar outras vias de recurso. […]

[…]

(42)      Os Estados‑Membros deverão assegurar que na aplicação da presente diretiva, em especial, relativamente ao direito de comparecer em julgamento e ao direito a um novo julgamento são tidas em conta as necessidades específicas das pessoas vulneráveis. De acordo com a Recomendação da Comissão, de 27 de novembro de 2013, sobre as garantias processuais das pessoas vulneráveis suspeitas ou arguidas em processo penal [(JO 2013, C 378, p. 8)], deverá entender‑se por “suspeitos ou arguidos vulneráveis” todos aqueles que são incapazes de compreender e de participar efetivamente num processo penal devido à sua idade, condições físicas ou mentais ou deficiência.

(43)      Os menores são vulneráveis e deverá ser‑lhes dado um nível de proteção específico. Portanto, no que respeita a alguns dos direitos previstos na presente diretiva, deverão ser estabelecidas garantias processuais específicas.

[…]

(47)      A presente diretiva respeita os direitos e os princípios fundamentais reconhecidos pela Carta e pela [Convenção Europeia para a Proteção dos Direitos do Homem e das Liberdades Fundamentais, assinada em Roma em 4 de novembro de 1950 (CEDH)], nomeadamente a proibição da tortura e de penas ou tratamentos desumanos ou degradantes, o direito à liberdade e à segurança, o respeito pela vida privada e familiar, o direito à integridade do ser humano, o respeito pelos direitos da criança, a integração das pessoas com deficiências, o direito de ação e o direito a um tribunal imparcial, o direito à presunção de inocência e os direitos de defesa. Deverá ter‑se especialmente em conta o artigo 6.o [TUE], nos termos do qual a União reconhece os direitos, as liberdades e os princípios enunciados na Carta e nos termos do qual os direitos fundamentais, tal como garantidos pela CEDH e como resultam das tradições constitucionais comuns aos Estados‑Membros, constituem princípios gerais do direito da União.»

4        O artigo 1.o desta diretiva, epigrafado «Objeto», dispõe:

«A presente diretiva estabelece normas mínimas comuns respeitantes:

a)      a certos aspetos do direito à presunção de inocência em processo penal;

b)      ao direito de comparecer em julgamento em processo penal.»

5        O artigo 8.o da referida diretiva, epigrafado «Direito de comparecer em julgamento», prevê:

«1.      Os Estados‑Membros asseguram que o suspeito ou o arguido tem o direito de comparecer no próprio julgamento.

2.      Os Estados‑Membros podem prever que um julgamento passível de resultar numa decisão sobre a culpa ou inocência de um suspeito ou de um arguido pode realizar‑se na sua ausência, desde que:

a)      o suspeito ou o arguido tenha atempadamente sido informado do julgamento e das consequências da não comparência; ou

b)      o suspeito ou o arguido, tendo sido informado do julgamento, se faça representar por um advogado mandatado, nomeado por si ou pelo Estado.

3.      Uma decisão tomada em conformidade com o n.o 2 pode ser executada contra o suspeito ou o arguido em causa.

4.      Sempre que os Estados‑Membros disponham de um sistema que preveja a possibilidade de realização do julgamento na ausência de suspeitos ou arguidos mas não seja possível cumprir as condições definidas no n.o 2 do presente artigo, por o suspeito ou o arguido não poder ser localizado apesar de terem sido efetuados esforços razoáveis, os Estados‑Membros podem prever que uma decisão pode, mesmo assim, ser tomada e executada. Nesse caso, os Estados‑Membros asseguram que quando o suspeito ou o arguido forem informados da decisão, em especial aquando da detenção, também sejam informados da possibilidade de impugnar a decisão e do direito a um novo julgamento ou de usar outras vias de recurso, em conformidade com o artigo 9.o

[…]»

6        O artigo 9.o da mesma diretiva, epigrafado «Direito a um novo julgamento», tem a seguinte redação:

«Os Estados‑Membros asseguram que sempre que o suspeito ou o arguido não tiverem comparecido no seu julgamento e as condições previstas no artigo 8.o, n.o 2, não tiverem sido reunidas, estes têm direito a um novo julgamento ou a outras vias de recurso que permitam a reapreciação do mérito da causa, incluindo a apreciação de novas provas, e pode conduzir a uma decisão distinta da inicial. A este respeito, os Estados‑Membros asseguram que esses suspeitos ou esses arguidos têm o direito de estarem presentes, de participarem efetivamente, nos termos do processo previsto na legislação nacional, e de exercerem os seus direitos de defesa.»

 Direito búlgaro

7        O artigo 55.o, n.o 1, do Nakazatelno‑protsesualen kodeks (Código de Processo Penal búlgaro, a seguir «NPK») prevê:

«[…]O arguido goza dos seguintes direitos: […] participar no processo penal […]»

8        O artigo 94.o, n.os 1 e 3, do NPK dispõe:

«1.      A constituição de um representante legal em processo penal é obrigatória, quando:

[…]

8.      O processo é apreciado na ausência do arguido;

[…]

3.      Quando a intervenção de um representante é obrigatória, a autoridade competente designa um advogado como representante.»

9        Nos termos do artigo 247.ob, n.o 1, do NPK, na versão aplicável no momento do pedido de decisão prejudicial:

«[…] Através da notificação da acusação, o arguido é informado da data fixada para a audiência preliminar […], do seu direito de comparecer com um advogado da sua escolha e da possibilidade de ter um advogado nomeado oficiosamente nos casos referidos no artigo 94.o, n.o 1, e de que o processo pode ser examinado e julgado na sua ausência, em conformidade com o artigo 269.o»

10      O artigo 269.o do NPK prevê:

«1.      A comparência do arguido em julgamento é obrigatória quando este é acusado de uma infração penal grave.

[…]

3.      Sempre que isso não impeça a descoberta da verdade objetiva, o processo pode ser examinado na ausência do arguido se:

1)      este não se encontrar no endereço que indicou ou o tiver alterado sem disso informar a autoridade competente;

2)      o seu local de residência na Bulgária não for conhecido e não tiver sido estabelecido na sequência de uma investigação aprofundada;

[…]»

11      O artigo 423.o, n.o 1, do NPK dispõe, na versão aplicável no momento do pedido de decisão prejudicial:

«[…] No prazo de seis meses a contar da tomada de conhecimento da sentença penal definitiva ou da sua transmissão efetiva à República da Bulgária por um país terceiro, a pessoa condenada à revelia pode requerer a reabertura do dossiê penal invocando a sua ausência no processo penal. O pedido é deferido, salvo, por um lado, no caso de a pessoa condenada ter fugido posteriormente à comunicação das acusações no âmbito do processo preliminar, tendo por efeito impedir de ser executado o processo previsto no artigo 247.ob, n.o 1, ou, por outro, uma vez executado o referido processo, a pessoa condenada não ter comparecido na audiência sem uma justificação válida.»

12      O artigo 425.o, n.o 1, ponto 1, do NPK está redigido nos seguintes termos:

«Quando julgar fundado o pedido de reabertura, o órgão jurisdicional pode anular a condenação […] e remeter o processo para novo exame indicando em que fase deve ter início a novo exame do processo.»

 Litígio no processo principal e questões prejudiciais

13      A Spetsializirana prokuratura (Procuradoria com Competência Especializada, Bulgária) instaurou um processo penal contra IR, acusado de ter participado numa organização criminosa com o objetivo de cometer infrações fiscais puníveis com penas privativas de liberdade.

14      Inicialmente, IR foi notificado pessoalmente do ato de acusação.

15      Na sequência desta notificação, IR indicou o endereço onde poderia ser contactado. No entanto, não foi encontrado nesse endereço quando foi desencadeada a fase jurisdicional do processo penal, em particular quando das tentativas do órgão jurisdicional de reenvio, o Spetsializiran nakazatelen sad (Tribunal Criminal Especial, Bulgária), de o convocar para a audiência. Este órgão jurisdicional nomeou um defensor oficioso que, todavia, não entrou em contacto com IR.

16      Uma vez que o ato de acusação que tinha sido notificado a IR padecia de uma irregularidade, foi declarado nulo e o processo foi, consequentemente, encerrado. Posteriormente, um novo ato de acusação foi redigido e o processo foi reaberto. Nessa ocasião, IR foi novamente procurado, inclusive por intermédio dos seus familiares, dos seus anteriores empregadores e dos operadores de telefonia móvel, mas não foi possível localizá‑lo.

17      O órgão jurisdicional de reenvio deduz daí que IR se pôs em fuga. Este órgão jurisdicional considera que, nestas circunstâncias, o processo pode ser julgado na ausência de IR. Questiona‑se, contudo, se essa situação é abrangida pelo artigo 8.o, n.o 2, da Diretiva 2016/343 ou pela situação prevista no artigo 8.o, n.o 4, desta diretiva. É importante que esta questão seja decidida, uma vez que o juiz penal que profere uma decisão à revelia tem de indicar que tipo de processo à revelia é conduzido, para que o interessado seja corretamente informado das garantias processuais, designadamente no que se refere às vias de recurso de que dispõe, em conformidade com a disposição da Diretiva 2016/343 na qual se enquadra, em substância, o processo em questão.

18      Ora, existe, em seu entender, um equívoco quanto às garantias processuais de que o arguido deve beneficiar numa situação como a que está em causa no processo submetido ao órgão jurisdicional de reenvio, em que essa pessoa, depois ter recebido a comunicação do primeiro ato de acusação e antes de desencadear a fase jurisdicional do processo penal, se pôs em fuga. O órgão jurisdicional de reenvio indica, por outro lado, que não se pode excluir que IR seja encontrado e detido no território de outro Estado‑Membro e entregue às autoridades búlgaras por força de um mandado de detenção europeu. Uma interpretação não só da Diretiva 2016/343 mas também da Decisão‑Quadro 2002/584 é, portanto, necessária.

19      Nestas circunstâncias, o Spetsializiran nakazatelen sad (Tribunal Criminal Especial) decidiu suspender a instância e submeter ao Tribunal de Justiça as seguintes questões prejudiciais:

«1)      Deve o artigo 8.o, n.o 2, alínea b), da Diretiva 2016/343, em conjugação com os [seus] considerandos 36 a 39[,] e […] o artigo 4.o‑A, n.o 1, alínea b), [da Decisão Quadro 2002/584], em conjugação com os considerandos 7 a 10 da [Decisão Quadro 2009/299], ser interpretado no sentido de que se aplica a um caso em que o arguido foi informado da acusação contra ele deduzida, na versão inicial desta, e, posteriormente, em razão da sua fuga, não pode ser objetivamente informado do julgamento e é defendido por um advogado nomeado oficiosamente, com o qual não mantém nenhum contacto?

2)      Em caso de resposta negativa:

É compatível com o artigo 9.o, em conjugação com o artigo 8.o, n.o 4, segundo período, da Diretiva [2016/343,] e com o artigo 4.o‑A, n.o 3, em conjugação com o n.o 1, alínea d), da [Decisão‑Quadro 2002/584], uma disposição nacional (artigo 423.o, n.os 1 e 5, [do] NPK) que não prevê nenhuma proteção jurídica contra medidas de investigação realizadas na ausência do arguido nem contra uma condenação proferida na ausência do arguido, no caso de este, após ter sido informado da acusação inicial, permanecer em parte incerta e, por conseguinte, não poder ser informado da data e local do julgamento ou das consequências da sua ausência?

3)      Em caso de resposta negativa:

O artigo 9.o da Diretiva 2016/343, conjugado com o artigo 47.o da Carta, tem efeito direto?»

 Quanto às questões prejudiciais

 Quanto à admissibilidade

20      Segundo jurisprudência constante, as questões relativas à interpretação do direito da União submetidas pelo juiz nacional no quadro regulamentar e factual que define sob a sua responsabilidade, e cuja exatidão não compete ao Tribunal de Justiça verificar, gozam de uma presunção de pertinência. O Tribunal de Justiça só pode recusar pronunciar‑se sobre um pedido de decisão prejudicial apresentado por um órgão jurisdicional nacional se for manifesto que a interpretação do direito da União solicitada não tem nenhuma relação com a realidade ou com o objeto do litígio no processo principal, quando o problema for hipotético ou ainda quando o Tribunal não dispuser dos elementos de facto e de direito necessários para dar uma resposta útil às questões que lhe são submetidas [Acórdão de 25 de novembro de 2021, Finanzamt Österreich (Abonos de família para cooperante), C‑372/20, EU:C:2021:962, n.o 54 e jurisprudência referida].

21      Ora, como salientou o advogado‑geral no n.o 26 das suas conclusões, o processo principal não diz respeito, seja a título principal incidental, à validade ou à execução de um mandado de detenção europeu. Embora esse órgão jurisdicional tenha sublinhado que não se pode excluir que IR seja, no futuro, localizado e detido no território de outro Estado‑Membro e entregue às autoridades búlgaras por força desse mandado, resulta manifestamente dos elementos dos autos submetidos ao Tribunal de Justiça que tal situação não se verifica no âmbito do processo penal que conduziu ao presente reenvio prejudicial.

22      Por conseguinte, nesta medida, a situação factual a que se refere o órgão jurisdicional de reenvio reveste caráter hipotético.

23      Daqui resulta que o pedido de decisão prejudicial é inadmissível na parte em que tem por objeto a interpretação da Decisão‑Quadro 2002/584.

 Quanto ao mérito

24      Com as suas questões, que importa examinar em conjunto, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta, em substância, se os artigos 8.o e 9.o da Diretiva 2016/343 devem ser interpretados no sentido de que um arguido que as autoridades nacionais competentes, apesar dos esforços razoáveis que desenvolvem, não conseguem localizar e ao qual essas autoridades não conseguiram, por esse facto, entregar as informações relativas ao julgamento contra ele realizado pode ser objeto de um julgamento e, se for caso disso, de uma condenação proferida à revelia sem ter a possibilidade de, depois da comunicação dessa condenação, invocar diretamente o direito, conferido por essa diretiva, de obter a reabertura do processo ou o acesso a uma via de recurso equivalente que conduza a um novo exame, na sua presença, do mérito da causa.

25      A este respeito, importa salientar, antes de mais, que a Diretiva 2016/343 tem por objeto, em conformidade com o seu artigo 1.o, estabelecer normas mínimas comuns respeitantes a certos elementos dos processos penais, entre os quais o «direito de comparecer em julgamento». Como confirma expressamente o considerando 33 desta diretiva, este direito faz parte integrante do direito fundamental a um processo equitativo.

26      O artigo 8.o, n.o 1, da referida diretiva impõe aos Estados‑Membros a obrigação de assegurar o respeito do referido direito. Todavia, ao abrigo dos n.os 2 e 4 deste artigo, os Estados‑Membros podem, sob certas condições, prever a realização de julgamentos à revelia.

27      Neste contexto, o artigo 9.o da Diretiva 2016/343 enuncia que os Estados‑Membros devem assegurar que, sempre que esse julgamento for realizado mesmo que não estejam reunidas as condições previstas no artigo 8.o, n.o 2, desta diretiva, o interessado tenha direito «a um novo julgamento ou a outras vias de recurso que permitam a reapreciação do mérito da causa […] e pode conduzir a uma decisão distinta da inicial» (a seguir «direito a um novo julgamento»). Como precisa o artigo 8.o, n.o 4, da referida diretiva, importa, neste caso, que tanto o direito a um novo julgamento como a possibilidade de impugnar a decisão à revelia sejam levados ao conhecimento do interessado no momento em que este é informado dessa decisão.

28      Uma vez que o artigo 8.o, n.o 4, e o artigo 9.o da Diretiva 2016/343 enunciam de maneira incondicional e suficientemente precisa o âmbito de aplicação e o alcance do direito a um novo julgamento, estas disposições devem ser consideradas como tendo efeito direto. Por conseguinte, qualquer pessoa que tenha direito a um novo julgamento pode invocar esse direito contra o Estado‑Membro em causa, perante os órgãos jurisdicionais nacionais, quer quando este Estado‑Membro não tenha transposto essa diretiva para a ordem jurídica nacional nos prazos que lhe foram concedidos, quer quando dela tenha feito uma transposição incorreta (v., neste sentido, Acórdão de 25 de julho de 2018, Alheto, C‑585/16, EU:C:2018:584, n.os 98 e 99).

29      Por outro lado, como resulta inequivocamente das referidas disposições, esse direito é reservado às pessoas cujo julgamento é realizado à revelia, mesmo que as condições previstas no artigo 8.o, n.o 2, desta diretiva não estejam reunidas.

30      Por conseguinte, quando as condições enunciadas no referido artigo 8.o, n.o 2, estão reunidas, o julgamento realizado à revelia pode conduzir a uma decisão que, em conformidade com o que prevê o n.o 3 do mesmo artigo, é suscetível de ser executada, sem obrigação para o Estado‑Membro em causa de prever o direito a um novo julgamento.

31      Daqui resulta que uma pessoa condenada à revelia só pode ser privada do direito a um novo julgamento se as condições fixadas no artigo 8.o, n.o 2, da Diretiva 2016/343, cujo teor importa precisar, estiverem preenchidas.

32      Em conformidade com jurisprudência constante do Tribunal de Justiça, para a interpretação de uma disposição de direito da União, há que ter em conta não só os termos dessa disposição mas também o seu contexto e os objetivos prosseguidos pela regulamentação de que faz parte [v., neste sentido, Acórdãos de 17 de novembro de 1983, Merck, 292/82, EU:C:1983:335, n.o 12, e de 28 de janeiro de 2021, Spetsializirana prokuratura (Carta dos Direitos), C‑649/19, EU:C:2021:75, n.o 42]. Para este efeito, há que ter em conta, nomeadamente, os considerandos do ato da União em causa, na medida em que estes últimos constituem elementos de interpretação importantes, que são suscetíveis de esclarecer a vontade do autor desse ato (v., neste sentido, Acórdão de 19 de dezembro de 2019, Puppinck e o./Comissão, C‑418/18 P, EU:C:2019:1113, n.o 75).

33      No que respeita à redação do artigo 8.o, n.o 2, da Diretiva 2016/343, há que salientar que decorre deste que o respeito das condições fixadas por esta disposição implica que a pessoa tenha sido atempadamente informada da realização do julgamento bem como das consequências da não comparência, ou que tenha sido simplesmente informada da realização do julgamento, quando é representada por um advogado mandatado por si designado ou que foi designado pelo Estado.

34      Como expôs o advogado‑geral no n.o 34 das suas conclusões, a faculdade concedida pelo artigo 8.o, n.os 2 e 3, da Diretiva 2016/343 aos Estados‑Membros de realizar, quando as condições previstas no n.o 2 deste artigo 8.o estão reunidas, um julgamento à revelia e a executar a decisão sem prever o direito a um novo julgamento assenta no pressuposto de que, na situação prevista nesse n.o 2, a pessoa, devidamente informada, renunciou voluntária e inequivocamente a exercer o direito de comparecer no seu julgamento.

35      Isto é corroborado pelo considerando 35 desta diretiva, que enuncia que a pessoa em causa pode, expressa ou tacitamente mas de forma inequívoca, renunciar ao direito de comparecer em julgamento. Este considerando, que permite apreender o contexto em que se inserem as condições fixadas no artigo 8.o, n.o 2, da referida diretiva, precisa que, embora seja certo que o direito de comparecer no julgamento não tem caráter absoluto, a possibilidade de realizar um julgamento à revelia sem que seja necessário organizar, posteriormente, um novo julgamento a pedido da pessoa, continua, no entanto, limitada às situações em que este último se absteve, de forma inequívoca, de comparecer no julgamento contra ele realizado.

36      Quanto à interpretação teleológica do artigo 8.o, n.o 2, da Diretiva 2016/343, importa observar que o postulado exposto no n.o 34 do presente acórdão garante o respeito da finalidade desta diretiva, que consiste, como enunciam os seus considerandos 9 e 10, em reforçar o direito a um processo equitativo no âmbito dos processos penais, de modo a aumentar a confiança dos Estados‑Membros no sistema de justiça penal dos outros Estados‑Membros.

37      À luz desta finalidade, as disposições da referida diretiva relativas ao direito de comparecer em julgamento e ao direito a um novo julgamento devem ser interpretadas de maneira a assegurar o respeito dos direitos de defesa, evitando ao mesmo tempo que uma pessoa que, embora estando informada da realização de um julgamento, tenha renunciado, quer expressamente quer tacitamente mas de forma inequívoca, a comparecer em julgamento, possa, depois de uma condenação à revelia, reivindicar a realização de novo julgamento e, assim, abusivamente, entravar a efetividade dos processos penais e a boa administração da justiça.

38      É à luz destes elementos textuais, contextuais e teleológicos que há que precisar, a seguir, em que condições um julgamento realizado à revelia é abrangido por uma das situações previstas no artigo 8.o, n.o 2, da Diretiva 2016/343, a saber, uma situação em que a pessoa, de maneira tácita, mas de forma inequívoca, renunciou ao exercício do seu direito de comparecer no seu julgamento, devido ao facto de nele não comparecer, apesar de dever ser considerado como tendo sido «atempadamente […] informado do julgamento», e que é, além disso, quer representada por um advogado mandatado quer informada das consequências da não comparência.

39      No que respeita à informação relativa à realização do julgamento, resulta do considerando 36 da Diretiva 2016/343 que a vontade do legislador da União foi considerar que a pessoa foi devidamente informada se foi, atempadamente, «notifica[da] pessoalmente» ou «[se lhe foi fornecida], por outros meios, informação oficial sobre a data e o local do julgamento, de modo a permitir‑lhe tomar conhecimento [deste]».

40      Resulta igualmente desse considerando que, segundo esse legislador, informar a pessoa em causa das consequências da não comparência significa, em particular, que essa pessoa seja informada, atempadamente, «de que pode ser proferida uma decisão mesmo se não comparece[r] ao julgamento».

41      Por conseguinte, compete ao órgão jurisdicional nacional que é chamado a examinar se as condições enunciadas no artigo 8.o, n.o 2, da Diretiva 2016/343 estão reunidas verificar se um documento oficial, que menciona de forma inequívoca a data e o local fixados para o julgamento e, em caso de não representação por um advogado mandatado, as consequências de uma eventual não comparência, foi emitido ao interessado.

42      Por outro lado, incumbe a esse órgão jurisdicional verificar se esse documento foi notificado atempadamente, a saber, numa data suficientemente distante da data fixada para o julgamento, de modo a permitir à pessoa, se decidir participar no julgamento, preparar utilmente a sua defesa.

43      O referido órgão jurisdicional poderá, para efeitos destas verificações, basear‑se nas modalidades de convocação para o julgamento previstas pelo direito nacional. Há que recordar, a este respeito, que a Diretiva 2016/343 tem por único objetivo estabelecer normas mínimas comuns e não procede, portanto, a uma harmonização exaustiva do processo penal [v., neste sentido, designadamente, Acórdãos de 28 de novembro de 2019, Spetsializirana prokuratura, C‑653/19 PPU, EU:C:2019:1024, n.o 28, e de 13 de fevereiro de 2020, Spetsializirana prokuratura (Audiência na ausência do arguido), C‑688/18, EU:C:2020:94, n.o 30]. Dito isto, tais modalidades previstas pelo direito nacional não podem pôr em causa a finalidade dessa diretiva que consiste em garantir a equidade do processo e, portanto, em permitir à pessoa comparecer em julgamento, o que implica a possibilidade de preparar a sua defesa [v., por analogia, Acórdão de 23 de novembro de 2021, IS (Ilegalidade do despacho de reenvio), C‑564/19, EU:C:2021:949, n.o 128].

44      Quando a pessoa em causa não recebeu o documento oficial referido no n.o 41 do presente acórdão, essa pessoa pode, todavia, como resulta do considerando 39 da Diretiva 2016/343, ser objeto de uma decisão executória, proferida à revelia.

45      Dito isto, como enuncia, aliás, esse considerando, o direito a um novo julgamento, na aceção do artigo 9.o dessa diretiva, deve ser conferido à referida pessoa, se as condições previstas no artigo 8.o, n.o 2, da referida diretiva não estiverem reunidas.

46      Por conseguinte, os arguidos que se tenham posto em fuga estão abrangidos pela hipótese prevista no artigo 8.o, n.o 4, da Diretiva 2016/343, quando as condições enunciadas no artigo 8.o, n.o 2, desta diretiva não estiverem reunidas.

47      Esta diretiva opõe‑se, por conseguinte, a uma regulamentação nacional que afaste o direito a um novo julgamento pelo simples facto de a pessoa em causa estar em fuga e de as autoridades não terem conseguido localizá‑la.

48      Só quando resulte de indícios precisos e objetivos que a pessoa em causa, embora tenha sido informada oficialmente de que é acusada de ter cometido uma infração penal e, sabendo assim que seria realizado um julgamento contra ela, atua deliberadamente de modo a evitar receber oficialmente as informações relativas à data e ao local do julgamento, que essa pessoa pode, no entanto, sob reserva das necessidades específicas das pessoas vulneráveis referidas nos considerandos 42 e 43 da Diretiva 2016/343, ser considerada informada da realização do julgamento e ter renunciado voluntariamente e de maneira não inequívoca a exercer o seu direito de nele comparecer. A situação dessa pessoa que recebeu informações suficientes para saber que um julgamento iria ser realizado contra ela e que, por atos deliberados e com a intenção de se subtrair à ação da justiça, impediu as autoridades de a informarem oficialmente e atempadamente da realização desse julgamento através do documento referido no n.o 41 do presente acórdão, enquadra‑se assim na hipótese referida no artigo 8.o, n.o 2, desta diretiva.

49      A existência de tais indícios precisos e objetivos pode, por exemplo, ser constatada quando a referida pessoa comunicou voluntariamente um endereço errado às autoridades nacionais competentes em matéria penal ou já não esteja no endereço que comunicou.

50      A interpretação do artigo 8.o, n.o 2, da Diretiva 2016/343, acima fornecida, é corroborada pelo considerando 38 desta diretiva, segundo o qual, para determinar se o modo como a informação é fornecida é suficiente para assegurar que a pessoa tem conhecimento do julgamento, há que dar especial atenção, por um lado, à diligência demonstrada pelas autoridades públicas para informarem a pessoa e, por outro, à diligência por esta demonstrada para receber as referidas informações.

51      Esta interpretação respeita, por outro lado, o direito a um processo equitativo, referido no considerando 47 da Diretiva 2016/343 e como enunciado no artigo 47.o, segundo e terceiro parágrafos, bem como no artigo 48.o da Carta, que, como explicam as Anotações relativas à Carta dos Direitos Fundamentais (JO 2007, C 303, p. 17), correspondem ao artigo 6.o da CEDH [v., neste sentido, Acórdão de 13 de fevereiro de 2020, Spetsializirana prokuratura (Audiência na ausência do arguido), C‑688/18, EU:C:2020:94, n.os 34 e 35].

52      Com efeito, como resulta da jurisprudência do Tribunal Europeu dos Direitos do Homem, nem a redação nem o espírito do artigo 6.o da CEDH impedem uma pessoa de renunciar de sua livre vontade às garantias de um processo equitativo de forma expressa ou tácita. A renúncia ao direito de participar na audiência deve estar demonstrada de forma inequívoca e rodear‑se de um mínimo de garantias correspondentes à sua gravidade. Além disso, não deve colidir com nenhum interesse público importante (TEDH, de 1 de março de 2006, Sejdovic c. Itália, CE:ECHR:2006:0301JUD005658100, § 86; e de 13 de março de 2018, Vilches Coronado e o. c. Espanha, CE:ECHR:2018:0313JUD005551714, § 36).

53      Resulta, em particular, dessa jurisprudência que tal renúncia pode ser constatada quando se demonstre que o arguido está informado de que um processo penal corre contra ele, que conhece a natureza e a causa da acusação e que não tem intenção de participar no julgamento ou pretende subtrair‑se ao processo penal (v., designadamente, TEDH, de 1 de março de 2006, Sejdovic c. Itália, CE:ECHR:2006:0301JUD005658100, § 99, e de 23 de maio de 2006, Kounov c. Bulgária, CE:ECHR:2006:0523JUD002437902, § 48). Tal intenção pode, designadamente, ser constatada quando a notificação para comparecer não pôde ser entregue devido a uma mudança de endereço que o arguido não comunicou às autoridades competentes. Nesse caso, a pessoa não pode invocar um direito a um novo julgamento (v., neste sentido, TEDH, de 26 de janeiro de 2017, Lena Atanasova c. Bulgária, CE:ECHR:2017:0126JUD005200907, § 52).

54      No caso em apreço, é à luz da interpretação do artigo 8.o, n.o 2, da Diretiva 2016/343 que resulta das considerações precedentes que cabe ao órgão jurisdicional de reenvio, a fim de determinar se IR deveria beneficiar do direito a um novo julgamento ou a outras vias de recurso, que permite uma nova apreciação do mérito da causa, examinar se este foi atempadamente informado da realização do julgamento, bem como, em caso de falta de representação por um advogado mandatado, das consequências de uma falta de comparência, e se renunciou, tacitamente mas de forma inequívoca, ao seu direito de comparecer nesse julgamento.

55      Há que precisar, a este respeito, que o exame da situação em causa no processo principal poderia estar abrangido pela hipótese referida no artigo 8.o, n.o 2, alínea a), dessa diretiva.

56      Com efeito, resulta do pedido de decisão prejudicial que o advogado nomeado a IR oficiosamente em nenhum momento esteve em contacto com este último, o qual também não se exprimiu a respeito da designação desse advogado. Nestas circunstâncias, não se pode considerar que esse advogado tenha sido «mandatado», na aceção do artigo 8.o, n.o 2, alínea b), da Diretiva 2016/343, por IR, o que cabe ao órgão jurisdicional de reenvio verificar tendo em conta as condições previstas pelo direito nacional. Como resulta do considerando 37 desta diretiva, a existência de um «mandato», na aceção desta, requer, com efeito, que a pessoa tenha ela própria confiado a um advogado, se for o caso, o que lhe foi oficiosamente nomeado, a missão de o representar.

57      Importa, por último, salientar que resulta dos elementos dos autos submetidos ao Tribunal de Justiça que a acusação inicial, notificada pessoalmente a IR, foi declarada nula. O novo ato de acusação, no qual se baseia o atual julgamento realizado à revelia, não foi notificado pessoalmente, uma vez que IR, sem informar as autoridades competentes, deixou, por um período de tempo a priori indeterminado, o local cujo endereço tinha comunicado depois da notificação da acusação inicial e que tinha declarado como sendo aquele em que podia ser contactado.

58      O pedido de decisão prejudicial não precisa se a natureza e a causa da acusação deduzida contra IR, conforme expostas no novo ato de acusação, incluindo no que respeita à qualificação jurídica dos factos imputados, correspondem às expostas no ato de acusação inicial. Também não é precisado nesse pedido se a notificação de um novo ato de acusação se revelou necessária unicamente porque a acusação inicial padecia de um vício de forma. Se o órgão jurisdicional de reenvio constatar que o conteúdo do novo ato de acusação corresponde ao ato de acusação inicial e que esse novo ato, embora não tenha sido entregue pessoalmente a IR, foi enviado e entregue no endereço que este comunicou às autoridades encarregadas da instrução depois da receção do ato de acusação inicial, tais circunstâncias poderiam constituir indícios precisos e objetivos que permitem considerar que IR, tendo, em conformidade com a Diretiva 2012/13/UE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 22 de maio de 2012, relativa ao direito à informação em processo penal (JO 2012, L 142, p. 1), sido informado da natureza e da causa da acusação contra ele deduzida e, consequentemente, do facto de que um julgamento deveria ser realizado contra ele, ao deixar, com a intenção de se subtrair à ação da justiça, o endereço que tinha comunicado às autoridades, impediu estas últimas de o informarem oficialmente da realização desse julgamento. Incumbe, porém, ao órgão jurisdicional de reenvio efetuar todas as verificações a este respeito tendo em conta todas as circunstâncias do processo principal.

59      Resulta de todas as considerações precedentes que há que responder às questões submetidas que os artigos 8.o e 9.o da Diretiva 2016/343 devem ser interpretados no sentido de que um arguido que as autoridades nacionais competentes, apesar dos esforços razoáveis que desenvolvem, não conseguem localizar e ao qual essas autoridades não conseguiram, por esse facto, entregar as informações relativas ao julgamento contra ele realizado pode ser objeto de um julgamento e, se for caso disso, de uma condenação proferida à revelia, mas deve nesse caso, em princípio, ter a possibilidade de, depois da comunicação dessa condenação, invocar diretamente o direito, conferido por essa diretiva, de obter a reabertura do processo ou o acesso a uma via de recurso equivalente que conduza a um novo exame, na sua presença, do mérito da causa. Esse direito pode, todavia, ser recusado à referida pessoa se resultar de indícios precisos e objetivos que esta recebeu informações suficientes para saber que um julgamento iria ser realizado contra ela e que, através de atos deliberados e com a intenção de se subtrair à ação da justiça, impediu as autoridades de a informarem oficialmente da realização desse julgamento.

 Quanto às despesas

60      Revestindo o processo, quanto às partes na causa principal, a natureza de incidente suscitado perante o órgão jurisdicional de reenvio, compete a este decidir quanto às despesas. As despesas efetuadas pelas outras partes para a apresentação de observações ao Tribunal de Justiça não são reembolsáveis.

Pelos fundamentos expostos, o Tribunal de Justiça (Quarta Secção) declara:

Os artigos 8.o e 9.o da Diretiva (UE) 2016/343 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 9 de março de 2016, relativa ao reforço de certos aspetos da presunção de inocência e do direito de comparecer em julgamento em processo penal, devem ser interpretados no sentido de que um arguido que as autoridades nacionais competentes, apesar dos esforços razoáveis que desenvolvem, não conseguem localizar e ao qual essas autoridades não conseguiram, por esse facto, entregar as informações relativas ao julgamento contra ele realizado pode ser objeto de um julgamento e, se for caso disso, de uma condenação proferida à revelia, mas deve nesse caso, em princípio, ter a possibilidade de, depois da comunicação dessa condenação, invocar diretamente o direito, conferido por essa diretiva, de obter a reabertura do processo ou o acesso a uma via de recurso equivalente que conduza a um novo exame, na sua presença, do mérito da causa. Esse direito pode, todavia, ser recusado à referida pessoa se resultar de indícios precisos e objetivos que esta recebeu informações suficientes para saber que um julgamento iria ser realizado contra ela e que, através de atos deliberados e com a intenção de se subtrair à ação da justiça, impediu as autoridades de a informarem oficialmente da realização desse julgamento.

Assinaturas


*      Língua do processo: búlgaro.