Language of document : ECLI:EU:C:2017:479

CONCLUSÕES DO ADVOGADO‑GERAL

MANUEL CAMPOS SÁNCHEZ‑BORDONA

apresentadas em 20 de junho de 2017(1)

Processo C‑425/16

Hansruedi Raimund

contra

Michaela Aigner

[pedido de decisão prejudicial apresentado pelo Oberster Gerichtshof (Supremo Tribunal Civil e Penal, Áustria)]

«Pedido de decisão prejudicial — Propriedade intelectual e industrial — Marca da União Europeia — Relação entre uma ação de contrafação e um pedido reconvencional de nulidade»






1.        O litígio que originou este reenvio prejudicial opõe dois comerciantes de produtos (misturas de ervas para infusões em elevada percentagem de álcool) semelhantes, senão mesmo idênticos, que apresentam a mesma denominação, «Baucherlwärmer». Além disso, um deles está protegido por uma marca da União Europeia, registada no Instituto da Propriedade Intelectual da União Europeia (EUIPO) (2).

2.        O titular do sinal distintivo (H. Raimund) intentou uma ação de contrafação da sua marca, por considerar que M. Aigner, que vendia os seus produtos com a mesma denominação, violava os direitos inerentes à proteção do registo.

3.        M. Aigner contestou a referida ação alegando uma exceção (3) de nulidade da marca e apresentando, dois anos depois (4), um pedido reconvencional. Em ambas as ações alegou o facto de H. Raimund ter pedido o registo do sinal «Baucherlwärmer» de má‑fé, uma vez que ela já o utilizava anteriormente à obtenção, por H. Raimund, do direito de propriedade industrial.

4.        A controvérsia deu origem a dois processos sobre os quais foram chamados a pronunciar‑se, em primeira instância, o Tribunal austríaco de marcas da União Europeia (Handelsgericht Wien, Tribunal comercial de Viena, Áustria) e, em sede de recurso, o Oberlandesgericht Wien (Tribunal superior regional de Viena, Áustria). Durante a pendência da reconvenção em primeira instância, foram proferidas decisões, relativas à ação de contrafação da marca, em primeira instância e em sede de recurso. O Oberster Gerichtshof (Tribunal Supremo Civil e Penal, Áustria) terá de se pronunciar sobre o acórdão proferido relativamente ao recurso, em sede de revista.

5.        O Oberster Gerichtshof (Tribunal Supremo) terá de decidir, concretamente, se a decisão relativa à ação por contrafação da marca podia ser validamente proferida antes de ser proferida decisão relativa ao pedido reconvencional. Para afastar as suas dúvidas a este respeito, submete duas questões prejudiciais ao Tribunal de Justiça, que terá de se pronunciar relativamente ao alcance do Regulamento (CE) n.° 207/2009 (5) à luz de dois fatores relevantes: a) a presunção de validade das marcas da União Europeia; e b) a interação entre as ações de contrafação dessas marcas e os potenciais pedidos reconvencionais de nulidade, que os demandados possam interpor contra as primeiras.

 I.      Quadro normativo: Regulamento n.° 207/2009

6.        Nos termos do seu considerando 16:

«É indispensável que as decisões sobre a validade e a contrafação das marcas comunitárias produzam efeitos em toda a [União] e a ela sejam extensivas, única maneira de evitar decisões contraditórias dos tribunais e do Instituto e de respeitar o caráter unitário das marcas [da União Europeia]. […]»

7.        No considerando 17 pode ler‑se:

«Convém evitar que sejam proferidas sentenças contraditórias em ações em que estejam envolvidas as mesmas partes e que sejam instauradas pelos mesmos factos com base numa marca [da União Europeia] e em marcas nacionais paralelas. […]»

8.        Entre as disposições gerais do título I, o artigo 1.°, n.° 2, dispõe:

«2.      A marca [da União Europeia] tem caráter unitário. A marca comunitária produz os mesmos efeitos em toda a [União Europeia]: só pode ser registada, transferida, ser objeto de renúncia, de decisão de extinção de direitos do titular ou de anulação, e o seu uso só pode ser proibido, para toda a [União Europeia]. Este princípio é aplicável salvo disposição em contrário do presente regulamento.»

9.        No título VI, relativo à renúncia, à extinção e à nulidade, a secção 3 regula as causas de nulidade das marcas da União Europeia e o seu artigo 52.° prevê as causas de nulidade absoluta, para o que aqui nos ocupa, nos seguintes termos:

«1.      A nulidade da marca [da União Europeia] é declarada na sequência de pedido apresentado ao Instituto ou de pedido reconvencional numa ação de contrafação:

a)      Sempre que a marca [da União Europeia] tenha sido registada contrariamente ao disposto no artigo 7.°;

b)      Sempre que o titular da marca não tenha agido de boa‑fé no ato de depósito do pedido de marca.

[…]»

10.      O artigo 53.° dispõe, relativamente às causas de nulidade relativas, e no que diz respeito a este processo, da seguinte forma:

«1.      A marca [da União Europeia] é declarada nula na sequência de pedido apresentado ao Instituto ou de um pedido reconvencional numa ação de contrafação:

[…]

c)      Sempre que exista um direito anterior, referido no artigo 8.°, n.° 4, e que se encontrem preenchidas as condições enunciadas nesse número.

[…]»

11.      O título X («Competência e procedimento no que se refere a ações judiciais relativas a marcas [da União Europeia]») inclui na sua secção 2, relativa aos litígios em matéria de contrafação e de validade das marcas [da União Europeia], o artigo 95.°, cujo n.° 1 dispõe:

«1.      Os Estados‑Membros designarão no seu território um número tão limitado quanto possível de órgãos jurisdicionais nacionais de primeira e segunda instância, a seguir denominados “tribunais de marcas [da União Europeia]”, encarregados de desempenhar as funções que lhes são atribuídas pelo presente regulamento.»

12.      Nos termos do artigo 96.° («Competência em matéria de contrafação e de validade»):

«Os tribunais de marcas [da União Europeia] têm competência exclusiva:

a)      Para todas as ações de contrafação e — se a lei nacional as admitir — de ameaça de contrafação de uma marca [da União Europeia];

[…]

d)      Para os pedidos reconvencionais de extinção ou de nulidade da marca [da União Europeia] referidos no artigo 100.°»

13.      O artigo 99.° («Presunção de validade — defesa quanto ao fundo») dispõe:

«1.      Os tribunais de marcas [da União Europeia] consideram válida a marca [da União Europeia] a não ser que o réu conteste a sua validade por meio de um pedido reconvencional de extinção ou de nulidade.

2.      A validade de uma marca [da União Europeia] não pode ser contestada por uma ação de verificação de não contrafação.

3.      Nas ações a que se referem as alíneas a) e c) do artigo 96.° [(6)] as exceções de extinção ou de nulidade da marca [da União Europeia] apresentadas por outra via que não seja um pedido reconvencional só são admissíveis na medida em que o réu alegue que o titular da marca [da União Europeia] poderia ser destituído dos seus direitos por uso insuficiente, ou que a marca poderia ser declarada nula por motivo da existência de um direito anterior do réu.»

14.      O artigo 100.° dispõe:

«1.      O pedido reconvencional de extinção ou de nulidade só pode ser fundamentado com base nas causas de extinção ou de nulidade previstos no presente regulamento.

2.      O tribunal da marca comunitária recusará o pedido reconvencional de extinção ou de nulidade se já tiver sido emitida pelo Instituto uma decisão definitiva entre as mesmas partes, sobre um pedido com o mesmo objeto e a mesma causa.

[…]»

15.      Para os casos em que se verifique conexão entre tribunais, ou entre um tribunal de marcas da União Europeia e o EUIPO, o artigo 104.° prevê:

«1.      Salvo se existirem razões especiais para que o processo prossiga, um tribunal de marcas [da União Europeia] a que seja submetida uma ação referida no artigo 96.°, com exceção de uma ação de verificação de não contrafação, suspenderá a instância por sua própria iniciativa, após audição das partes, ou a pedido de uma das partes e após audição das outras partes, sempre que a validade da marca [da União Europeia] já tenha sido contestada num outro tribunal de marcas [da União Europeia] por um pedido reconvencional ou já tenha sido apresentado ao Instituto um pedido de extinção ou de nulidade.

2.      Salvo se existirem razões especiais para que o processo prossiga, quando um pedido de extinção ou de nulidade for apresentado ao Instituto, este suspenderá a instância, por sua própria iniciativa, após audição das partes, ou a pedido de uma das partes e após audição das outras partes, sempre que a validade de marca [da União Europeia] já tenha sido contestada num tribunal de marcas [da União Europeia] por um pedido reconvencional. […]»

 II.      Factos na origem do processo e questões prejudiciais

 A.      Matéria de facto (7)

16.      Nos anos oitenta e noventa do século passado, o pai de M. Aigner dedicava‑se à comercialização, entre outros produtos, de ervas e misturas de especiarias e ervas, que disponibilizava no seu estabelecimento, bem como, de modo ambulante, em feiras, mercados e ruas.

17.      Em 2000, M. Aigner assumiu o negócio paterno sob a denominação social «Kräuter Paul» («Ervanária Paul») vendendo, em particular, uma mistura de ervas para infusão em bebidas com elevada percentagem de álcool, com a denominação «Baucherlwärmer» (8).

18.      H. Raimund tinha trabalhado com o pai de M. Aigner até 1998, quando passou a competir com ele. Sob a denominação social «Bergmeister», comercializa uma mistura à base de especiarias que, aproximadamente desde 2000, também denomina «Baucherlwärmer», para utilização idêntica e com as mesmas propriedades e efeitos que o do seu rival.

19.      Em 28 de abril de 2006, H. Raimund, visando garantir a exclusividade dos direitos sobre o sinal, obteve o registo da marca (denominativa) da União Europeia «Baucherlwärmer», para as classes 5, 29, 30 e 33 do Acordo de Nice (9), com data de prioridade de 17 de maio de 2005, data do pedido.

20.      Segundo H. Raimund, durante uma feira em Waldviertel (Baixa Áustria) e outros mercados na região da Alta Áustria e em Salzburgo, em julho de 2006, constatou que M. Aigner disponibilizava e vendia o seu produto com a denominação «Baucherlwärmer».

21.      Considerando que M. Aigner violava os seus direitos decorrentes da marca da União Europeia, H. Raimund intentou contra ela uma ação de contrafação de marca, no Handelsgericht Wien (Tribunal comercial de Viena), que funciona, nesse país, como tribunal de marcas da União Europeia em primeira instância.

 B.      História processual do litígio

22.      Na ação de contrafação de marca, H. Raimund pediu que M. Aigner fosse condenada: i) na cessação da utilização do sinal «Baucherlwärmer» para os produtos e serviços das classes referidas (ação de cessação); ii) na eliminação do tráfego de qualquer produto ou ato no qual se tivesse materializado a violação do direito de marca (ação de eliminação) (10); e iii) na publicação do acórdão (ação de difusão).

23.      M. Aigner alegou em sua defesa, entre outros motivos, o facto de H. Raimund ter adquirido a marca da União Europeia de modo desleal e de má‑fé. Os mesmos argumentos fundamentaram, algum tempo depois, o seu pedido reconvencional de nulidade da marca registada por H. Raimund.

24.      Na primeira instância, o Handelsgericht Wien (Tribunal comercial de Viena) suspendeu a instância relativa à reconvenção, até ao trânsito em julgado da decisão sobre a ação de contrafação.

25.      Contudo, a suspensão foi revogada pelo Oberlandesgericht Wien (Tribunal superior regional de Viena) em sede de recurso, de modo que o pedido reconvencional está pendente, como anteriormente, no tribunal de primeira instância (11), não tendo sido, até agora, proferida nenhuma sentença. A ação de contrafação, por seu turno, foi julgada improcedente por sentença do tribunal de primeira instância de 17 de maio de 2015, por se ter dado como provada a má‑fé de H. Raimund no depósito do pedido de registo da marca, tal como tinha sido alegado por M. Aigner.

26.      O tribunal de recurso confirmou a sentença da primeira instância por acórdão de 5 de outubro de 2015. Em sua opinião, o artigo 99.° do Regulamento n.° 207/2009 admite que, nos litígios de contrafação da marca, o demandado possa alegar a má‑fé do titular (à época, requerente) do referido sinal, se o mesmo demandado contestar a validade da marca registada por meio de um pedido de reconvenção, e mesmo que este pedido não tenha sido ainda decidido. Ter‑se‑ia preenchido, portanto, o requisito do artigo 99.°, n.° 1, do Regulamento n.° 207/2009.

27.      Segundo o tribunal de recurso, quando H. Raimund depositou o pedido de registo da marca já sabia, há muito tempo, que M. Aigner, e antes dela, o seu pai, utilizavam o sinal «Baucherlwärmer» para um produto muito semelhante ao seu. Através do seu pedido de registo, H. Raimund teve a intenção de impedir M. Aigner de continuar a utilizar o referido sinal.

28.      O Oberlandesgericht Wien (Tribunal superior regional de Viena) confirmou, em definitivo, que a marca registada por H. Raimund era nula, em conformidade com o artigo 52.°, n.° 1, alínea b), do Regulamento n.° 207/2009, em virtude da má‑fé do seu pedido. Consequentemente, a marca não podia ser invocada perante M. Aigner.

29.      O Oberster Gerichtshof (Tribunal Supremo) deve decidir o recurso de revista do acórdão de segunda instância, isto é, o proferido no contexto da ação de contrafação da marca. O titular desta, H. Raimund, alega, perante o tribunal de revista, que as instâncias anteriores não podiam pronunciar‑se, na ação de contrafação da marca, relativamente à exceção de má‑fé, sem terem ordenado a apensação dos dois processos (a ação de contrafação e o pedido reconvencional de nulidade), ou sem terem decidido definitivamente essa questão no processo de reconvenção.

30.      O tribunal de reenvio explica que, nos termos do artigo 99.°, n.° 1, do Regulamento n.° 207/2009, a exceção de nulidade pode apenas ser procedente caso o demandado no processo de contrafação da marca «conteste a sua validade» por meio de um pedido reconvencional. Numa interpretação literal da referida disposição, afirma, o requisito exigido seria preenchido apenas com a apresentação do pedido reconvencional. Contudo, se se atender à finalidade da norma, deve notar‑se que está em causa evitar as divergências entre as situações jurídicas inter partes, decorrentes da ação de contrafação, e as inerentes aos efeitos erga omnes próprios da sentença declarativa da nulidade da marca, por via reconvencional.

31.      Para o tribunal a quo, embora o legislador da União aceite como princípio que uma ação de contrafação pode apenas ser julgada improcedente com fundamento na existência de uma causa de nulidade da marca devidamente verificada, com efeitos erga omnes, tal não é exatamente o caso no seu direito interno. Por um lado, a regulação das ações de contrafação de marcas nacionais, não prevê a declaração erga omnes da sua nulidade decorrente de um pedido reconvencional (12). Por outro lado, no âmbito de um pedido de contrafação dessa mesma marca nacional, a declaração de nulidade é apenas possível enquanto «questão preliminar» com meros efeitos inter partes.

32.      No âmbito das marcas da União Europeia, o órgão jurisdicional de reenvio considera que, para garantir que a exceção de nulidade invocada na sua ação de contrafação possa ser julgada procedente, essa marca deveria ter sido declarada nula simultaneamente num processo.

33.      O Oberster Gerichtshof (Tribunal Supremo) sintetiza deste modo as três opções — e as dúvidas correlativas — com as quais se depara:

–        «se basta apresentar o pedido reconvencional, de modo que a ação de contrafação possa ser julgada improcedente mesmo antes da decisão da reconvenção por obtenção do direito de marca de má‑fé; ou

–        se a ação de contrafação só pode ser julgada improcedente com este fundamento se a marca for declarada nula com base no pedido reconvencional, pelo menos ao mesmo tempo, ou

–        se a alegação de ter havido má‑fé no depósito do pedido de registo da marca só pode ser julgada procedente no processo de contrafação, se a marca, na sequência do pedido reconvencional, tiver sido declarada nula por decisão transitada em julgado» (13).

34.      Neste contexto, o Oberster Gerichtshof (Tribunal Supremo) decidiu suspender a instância e submeter ao Tribunal de Justiça as seguintes questões a título prejudicial:

«1)      Pode uma ação de contrafação de uma marca da União Europeia (artigo 96.°, alínea a), do Regulamento n.° 207/2009 […]) ser julgada improcedente com fundamento na alegação de que o pedido de registo da marca foi depositado de má‑fé (artigo 52.°, n.° 1, alínea b), do Regulamento n.° 207/2009 […]), quando o demandado tiver apresentado um pedido reconvencional de nulidade da marca da União Europeia com este fundamento (artigo 99.°, n.° 1, do Regulamento n.° 207/2009 […]), mas o tribunal ainda não tiver decidido sobre esse pedido reconvencional?

2)      Em caso de resposta negativa: pode o tribunal julgar improcedente a ação de contrafação com o fundamento de que o pedido de registo da marca foi depositado de má‑fé, quando, pelo menos ao mesmo tempo, declara procedente o pedido reconvencional de nulidade, ou tem de sustar a decisão sobre a ação de contrafação, em todo o caso, até ao trânsito em julgado da decisão sobre o pedido reconvencional?»

 III.      Tramitação do processo no Tribunal de Justiça e principais argumentos das partes

 A.      Tramitação

35.      O despacho de reenvio deu entrada na Secretaria do Tribunal de Justiça em 1 de agosto de 2016.

36.      As duas partes no processo principal apresentaram observações escritas.

37.      Não foi considerada indispensável a realização de uma audiência, em aplicação do artigo 76.°, n.° 2, do Regulamento do Processo do Tribunal de Justiça.

 B.      Síntese das observações apresentadas

38.      Das três opções do tribunal de reenvio, H. Raimund defende a última, isto é, a necessidade de que exista uma declaração definitiva de nulidade, por via reconvencional (ou, eventualmente, pela via administrativa), para que se possa julgar improcedente quanto ao mérito uma ação de contrafação da marca.

39.      Fundamenta a sua rejeição da primeira opção (favorável a que a mera apresentação do pedido reconvencional seja suficiente para respeitar o artigo 99.°, n.° 1, do Regulamento n.° 207/2009) no seu caráter inconciliável com a finalidade da referida disposição. Concorda, portanto, com o órgão jurisdicional de reenvio quanto ao facto de o sistema do Regulamento n.° 207/2009, à luz também do seu artigo 104.°, preferir os pedidos reconvencionais às exceções no contexto das ações de contrafação, no que diz respeito à declaração da nulidade de uma marca. Essa preferência decorre do caráter erga omnes das sentenças proferidas no termo dos primeiros, relativamente ao mero valor inter partes das proferidas nas segundas.

40.      Considera, também, impensável que o legislador da União tenha aceitado o simples ato formal de apresentação do pedido de reconvenção. Aceitar esta tese para considerar preenchido o requisito do artigo 99.°, n.° 1, do Regulamento n.° 207/2009 esvaziaria de conteúdo o seu artigo 100.°, n.° 7.

41.      No que diz respeito à segunda opção (a necessidade de sentenças simultâneas na ação de contrafação e no pedido reconvencional), H. Raimund rejeita‑a porque não evitaria o surgimento de decisões contraditórias, tal como o próprio Oberster Gerichtshof (Tribunal Supremo) reconheceu no despacho de reenvio (14).

42.      H. Raimund defende, portanto, a terceira opção (que a ação de contrafação não seja intentada até que haja uma sentença transitada em julgado no processo reconvencional de nulidade), porque, nesta opção, seriam respeitados os efeitos erga omnes das sentenças declarativas da nulidade da marca pela via reconvencional. Invoca razões de economia processual para sustentar essa interpretação.

43.      Por seu turno, M. Aigner defende a primeira variante exposta pelo tribunal de reenvio. A sua opinião fundamenta‑se na interpretação literal do artigo 99.°, n.° 1, do Regulamento n.° 207/2009. Em sua opinião, esta disposição exige apenas que a reconvenção tenha sido interposta (basta a «contestação» da validade da marca), mas não que tenha sido decidida por sentença, e ainda menos que esta tenha transitado em julgado.

44.      Além disso, nos termos do n.° 3 do artigo 99.° do Regulamento n.° 207/2009, é possível obstar à nulidade da marca, com fundamento na má‑fé do seu titular, contestando a ação de contrafação, uma vez que tal marca «poderia ser declarada nula» quando existisse um direito anterior do demandado, não sendo feita nenhuma referência a uma declaração de nulidade definitiva.

45.      M. Aigner salienta que nem o teor nem a finalidade do referido artigo 99.°, n.° 1, do Regulamento n.° 207/2009 sustentam o interesse em prevenir decisões divergentes nas ações de contrafação (com efeitos inter partes) e nos pedidos de nulidade (erga omnes) da marca. Compete ao direito nacional resolver este problema, que o legislador da União já conhecia e teria aceitado, considerando que o Regulamento 2015/2424 posterior não alterou as disposições pertinentes.

46.      Por último, com caráter subsidiário, caso o Tribunal de Justiça não concorde com a sua posição, M. Aigner propõe que se responda à segunda questão prejudicial no sentido de que a rejeição da ação de contrafação da marca implica a declaração, pelo menos simultânea, da nulidade da marca por via reconvencional, o que pressupõe a apensação dos processos. Caso contrário, não se eliminaria o risco de decisões divergentes quanto ao mérito.

 IV.      Análise

 A.      Observações preliminares

47.      As particularidades deste litígio podem confundir quem esteja habituado a um sistema de processo civil em que o pedido reconvencional (e não apenas no contexto do direito das marcas) é interposto no mesmo processo e perante o mesmo juiz ou tribunal que é chamado a decidir sobre o processo principal, que se pronuncia simultaneamente sobre ambos numa mesma sentença (15).

48.      Parece depreender‑se do despacho de reenvio que o direito processual civil austríaco não respeita necessariamente estas orientações, pelo que me parece conveniente fazer uma reflexão que contribua para uma melhor compreensão das questões discutidas.

49.      Em primeiro lugar, o Oberster Gerichsthof (Tribunal Supremo Civil e Penal) salienta que, nos termos do Código de Processo Civil austríaco, «um tribunal examinaria no processo de contrafação (como questão prévia) a alegação de nulidade de uma marca nacional se a demandada não tivesse apresentado no Patentamt (Instituto das Marcas e Patentes) nenhum pedido de anulação (os pedidos reconvencionais não estão previstos no caso de marcas nacionais)» (16). Admite, contudo, que tal não é o caso no que diz respeito a marcas da União Europeia.

50.      Em segundo lugar, se por reconvenção se entende, em geral, uma ação interposta pelo demandado num processo intentado contra ele pelo demandante no mesmo órgão jurisdicional (17). M. Aigner não incorreu em erro, sob o ponto de vista formal, na sua reconvenção no litígio, uma vez que interpôs o seu pedido reconvencional no tribunal de marcas da União Europeia competente na Áustria(18)

51.      Em terceiro lugar, sob uma perspetiva diferente, tem de se tomar em consideração que o órgão jurisdicional a quo submete as suas questões sob o pressuposto de que a ação de contrafação da marca não podia ser julgada improcedente, neste caso, com fundamento em razões diferentes da má‑fé de quem a intentou (tais como a ausência de risco de confusão entre os produtos das partes em conflito). Parte do princípio de que, verificando‑se essas circunstâncias alternativas, não seria necessário decidir, com caráter preliminar, relativamente ao pedido reconvencional.

 B.      Quanto à primeira questão prejudicial

52.      O artigo 99.°, n.° 1, do Regulamento n.° 207/2009, permite que seja julgada improcedente uma ação de contrafação de uma marca, com fundamento na má‑fé de quem registou o seu pedido, quando o demandado tenha, por seu turno, intentando uma reconvenção (fundamentada na mesma má‑fé) para obter a nulidade da marca, e a referida reconvenção ainda não tenha sido decidida? Esta é, em síntese, a dúvida inicial do tribunal de reenvio.

53.      Creio que seria demasiado simplista responder tendo apenas em consideração o mero teor literal do artigo 99.°, n.° 1, do Regulamento n.° 207/2009. Na ausência de outras referências jurisprudenciais (uma vez que, salvo erro da minha parte, essa disposição não dispõe, até ao momento, de interpretação do Tribunal de Justiça), a resposta deve partir de dois elementos subjacentes ao artigo objeto de exegese e a outros do mesmo contexto normativo.

54.      O primeiro desses elementos consiste no caráter unitário da marca da União Europeia, cuja importância não pode ser ignorada. Nos termos do seu considerando 3, o objetivo do Regulamento n.° 207/2009 consiste em estabelecer um regime de marcas da União Europeia que lhes confira uma proteção uniforme, por forma a que produzam os seus efeitos em todo o território da União.

55.      O referido objetivo encontra‑se plasmado no artigo 1.°, n.° 2, do Regulamento n.° 207/2009, nos termos do qual a marca da União Europeia tem caráter unitário. Como produz os mesmos efeitos em toda a União, só pode, de acordo com essa disposição, ser registada, transferida, ser objeto de renúncia, de decisão de extinção de direitos do titular ou de anulação, e o seu uso só pode ser proibido, para toda a União (19).

56.      Os considerandos 16 e 17 do mesmo Regulamento referem‑se ao caráter unitário do título de propriedade industrial da União. De acordo com esses considerandos, por um lado, é indispensável que os efeitos das decisões sobre a validade e a contrafação das marcas [da União Europeia] se estendam a toda a União, a fim de evitar decisões contraditórias dos tribunais e do Instituto e de respeitar o caráter unitário dessas marcas. Por outro lado, salienta a necessidade de evitar que sejam proferidas sentenças contraditórias em ações em que estejam envolvidas as mesmas partes e que sejam instauradas pelos mesmos factos com base numa marca da União Europeia e em marcas nacionais paralelas (20).

57.      O segundo elemento relevante consiste na presunção de validade de que beneficiam as marcas da União Europeia, após a fiscalização realizada pelo EUIPO ao analisar o pedido de registo. O respeito do princípio da legalidade significa reconhecer a plena eficácia dessas marcas (na medida em que o seu registo é um ato emanado de um organismo da União Europeia), enquanto a sua nulidade não for declarada por outro ato de sentido contrário que, emitido por um órgão competente, se tenha tornado definitivo (21).

58.      Essa presunção encontra também o seu enquadramento jurídico no artigo 99.°, n.° 1, do Regulamento n.° 207/2009, que obriga todos os interessados, incluindo os juízes nacionais, a considerarem válidas, em princípio, as marcas da União Europeia.

59.      Os dois mecanismos de contestação dessa validade encontram‑se previstos no artigo 52.°, n.° 1, do mesmo texto normativo: a) o procedimento administrativo no EUIPO, a pedido de uma das partes (22); e b) a reconvenção contra uma ação de contrafação da marca, isto é, a via judicial nos tribunais nacionais de marca da União.

60.      Deduz‑se destas disposições, lidas conjuntamente, que os tribunais de marcas da União Europeia estão impedidos de investigar oficiosamente a nulidade de uma marca e que, nos litígios suscitados perante eles, compete ao demandado, por meio da reconvenção, pedir a declaração de nulidade (23) da marca cuja contrafação lhe tenha sido indeferida no âmbito do processo principal (24).

61.      O artigo 99.°, n.° 3, do Regulamento n.° 207/2009 permite, contudo, que o demandado num pedido de contrafação da marca (25) invoque a exceção de nulidade, sem ter que apresentar um pedido reconvencional, mas apenas se invocar um direito anterior próprio relativo ao sinal em conflito (26). Este não é o caso dos autos.

62.      A leitura dos artigos 52.°, n.° 1, e 53.°, n.° 1, lidos em conjugação com o artigo 99.°, n.os 1 e 3, e com o artigo 100.°, n.° 1, do Regulamento n.° 207/2009, resulta em que a declaração da nulidade de uma marca da União Europeia, por via jurisdicional, possa apenas ser obtida através do pedido reconvencional. Este terá de se fundamentar em uma ou várias das causas enumeradas nos referidos artigos 52.° (causas de nulidade absoluta) e 53.° (causas de nulidade relativa) do referido regulamento. A única exceção a esta regra, prevista no seu artigo 99.°, n.° 3, a que fiz já referência, não é aplicável ao processo dos autos.

63.      Essa opção do legislador da União é coerente com o caráter unitário da marca e com o objetivo de que não sejam proferidas sentenças contraditórias, relativamente a um mesmo sinal distintivo que tenha entrado no registo do EUIPO.

64.      As sentenças proferidas em ações de contrafação de marcas da União Europeia têm efeitos inter partes, pelo que, uma vez transitadas em julgado, o caso julgado vincula apenas quem tenha intervindo no respetivo processo. Por seu turno, as sentenças em que é declarada a nulidade da marca, julgando procedente o pedido de reconvenção, produzem os seus efeitos erga omnes. Por conseguinte, nos termos do artigo 100.°, n.° 6, do Regulamento n.° 207/2009, o EUIPO tem de inscrever no registo «a menção da decisão» jurisdicional (de anulação), que terá efeitos retroativos, ou seja, ex tunc (27).

65.      Se se admitisse que qualquer demandado numa ação de contrafação de marca pode simplesmente invocar como exceção as causas de nulidade (absolutas ou relativas) da marca, correr‑se‑ia o risco de que ações semelhantes intentadas pelo titular do direito em diferentes foros resultassem, em alguns casos, na declaração de nulidade da marca e, noutros, na solução contrária. Tome‑se em consideração que, de acordo com o artigo 97.°, n.° 5, do Regulamento n.° 207/2009, para intentar a ação de contrafação, o titular tem a opção do forumdelicti commissi como alternativa à do domicílio do demandado (28).

66.      O legislador da União pretendeu, portanto, que a validade deste tipo de marcas seja apenas contestada, por via jurisdicional nacional, por meio do pedido reconvencional. Ao mesmo tempo, previu um mecanismo de segurança para fazer face à eventual pluralidade de ações, tanto de contrafação como reconvencionais: a suspensão da instância, nos termos previstos no artigo 104.°, n.° 1, do Regulamento n.° 207/2009.

67.      Neste contexto, não é possível concordar com a interpretação do artigo 99.°, n.° 1, do Regulamento n.° 207/2009 proposta por M. Aigner. Segundo a referida proposta, a exceção de nulidade da marca poderia ser aceite, no âmbito de uma ação de contrafação, desde que tivesse sido apresentado (mas ainda não decidido) o pedido reconvencional.

68.      Tal como afirma corretamente o órgão jurisdicional de reenvio, essa solução é incompatível com a finalidade da disposição. Não seria compreensível que o legislador da União impusesse a suspensão da instância quando se verificasse litispendência entre dois tribunais de marcas, como forma de evitar sentenças diferentes relativamente a um objeto idêntico, e não impusesse essa obrigação quando a ação de contrafação e o pedido reconvencional são atribuídos a um mesmo tribunal de marcas da União Europeia (mesmo atuando através de duas formações jurisdicionais diferentes).

69.      É certo que, decorre da autonomia processual (29) de cada Estado‑Membro determinar a organização dos seus tribunais de marcas da União Europeia, bem como aprovar as suas regras de processo, sem prejuízo do respeito pelo previsto no Regulamento n.° 207/2009. Mas o sistema de atribuição de competências (e, no mesmo sentido, o de distribuição de processos no âmbito de um tribunal que tenha várias formações jurisdicionais) dos tribunais nacionais de marcas da União Europeia não pode comprometer o objetivo de prevenir que sejam proferidas sentenças contraditórias relativamente a uma mesma marca.

70.      O sistema de impugnação jurisdicional das marcas da União Europeia distingue entre defesas quanto ao mérito (exceções) e pedidos reconvencionais. A única possibilidade de que o demandado invoque a exceção de nulidade da marca, contra uma ação de contrafação, verifica‑se quando o próprio demandado é titular de um direito anterior relativamente a esse sinal (artigo 99.°, n.° 3, do Regulamento n.° 207/2009, já referido) (30).

71.      Com exceção da situação referida, quem tenha sido alvo de uma ação de contrafação de uma marca da União Europeia e defenda que esta é nula tem de seguir a via da reconvenção. O pedido de declaração de nulidade apresentado por essa via é necessariamente prejudicial relativamente à própria ação de contrafação, uma vez que a presunção de validade da marca é posta em causa. Antes de analisar se os direitos inerentes à marca foram violados, há que apreciar, como questão preliminar sine qua non, a subsistência da validade desse sinal distintivo, que foi precisamente o que o demandado pôs em causa através da sua reconvenção.

72.      Seria desprovido de lógica processual julgar improcedente a ação de contrafação (exceto na situação a que se refere o tribunal de reenvio) sem ter esclarecido as dúvidas relativas à nulidade da marca expostas no pedido reconvencional. Essa ausência de lógica verifica‑se tanto no que diz respeito aos litígios que correm em diferentes tribunais de marcas da União, como no que diz respeito aos que correm apenas num (neste caso, o Handelsgericht Wien, Tribunal comercial de Viena) quando atue em formações jurisdicionais que sejam chamadas a pronunciar‑se sobre esses processos separadamente.

73.      Deve, portanto, responder‑se à primeira questão prejudicial que o artigo 99.°, n.° 1, do Regulamento n.° 207/2009 deve ser interpretado no sentido de que, uma vez apresentado um pedido reconvencional em que seja invocada a nulidade da marca da União Europeia com fundamento na alegação de que o pedido de registo da marca foi depositado de má‑fé, o tribunal chamado a pronunciar‑se sobre a ação principal de contrafação da referida marca não pode aceitar essa causa de nulidade, alegada a título de exceção, até que tenha sido proferida decisão relativamente ao pedido reconvencional.

 C.      Quanto à segunda questão prejudicial

74.      A segunda questão prejudicial do Oberster Gerichtshof (Tribunal Supremo) é submetida para o caso de ser dada resposta negativa à primeira, tal como proponho.

75.      A dúvida do tribunal de reenvio tem agora como premissa o facto de, nas circunstâncias já expostas, o tribunal de marcas da União Europeia ter de sustar a decisão do pedido reconvencional, para se pronunciar relativamente à ação de contrafação da marca. Ora, basta que essa decisão seja proferida ou é necessário que tenha transitado em julgado?

76.      Se a resposta ao pedido reconvencional fosse favorável ao demandado (isto é, se fosse declarada a nulidade do sinal distintivo), o tribunal de marcas poderia, em conformidade com o seu direito nacional (31), tanto julgar improcedente o pedido de declaração de contrafação como declarar a ausência de objeto, uma vez que é impossível verificar‑se a contrafação de uma marca que tenha perdido ex tunc o suporte conferido pelo registo.

77.      Ao subordinar a decisão na ação de contrafação à decisão prévia da reconvenção, o tribunal competente cumpre a finalidade de evitar sentenças contraditórias que possam pôr em causa a unidade da marca da União.

78.      O Oberster Gerichtshof (Tribunal Supremo) receia, contudo, que o comportamento processual das partes na ação de contrafação e no pedido reconvencional possa comprometer, novamente, a coerência visada pelas sentenças simultâneas, por exemplo, recorrendo apenas uma delas na instância superior (32).

79.      Nesse contexto, questiona se, precisamente para excluir a eventual contradição, se deveria exigir do primeiro tribunal que não se pronuncie quanto à controvérsia relativa à contrafação da marca até que a sentença favorável à reconvenção tenha transitado em julgado.

80.      Na minha opinião, o Regulamento n.° 207/2009 não prevê uma regra segura que implique que o tribunal competente tenha que aguardar pelo trânsito em julgado da sentença que julgue procedente o pedido reconvencional. Também não contém nenhuma disposição que o impeça.

81.      Dos artigos do Regulamento n.° 207/2009 que se referem expressamente aos efeitos do trânsito em julgado da decisão jurisdicional (33), o artigo 56.°, n.° 3, submete‑os à condição de que um tribunal de um Estado‑Membro tenha decidido de um pedido com o mesmo objeto e a mesma causa entre as mesmas partes e de que essa decisão jurisdicional seja definitiva (isto é, irrevogável, não suscetível de recurso posterior) (34),

82.      Contudo, estas disposições não clarificam que destino devem ter as decisões jurisdicionais proferidas nos respetivos litígios enquanto não se tenham tornado definitivas. A explicação desta falta de regulação tem origem, provavelmente, no facto de o Regulamento n.° 207/2009 se referir ao caráter definitivo das sentenças sob a perspetiva da coerência entre as decisões do Instituto e as dos tribunais nacionais de marcas da União Europeia. Importa alongar‑me um pouco mais relativamente a este aspeto.

83.      Ao contrário do processo de registo das marcas da União Europeia, que no sistema do Regulamento n.° 207/2009 foi configurado como uma função exclusiva do EUIPO, impermeável a qualquer decisão de um tribunal nacional (35), a competência para declarar a nulidade de uma marca da EU foi atribuída, de modo compartilhado, aos tribunais nacionais de marcas da União Europeia e ao Instituto.

84.      Contudo, o exercício dessa competência foi realizado de forma alternativa e exclusiva, ou seja, apenas o primeiro desses dois órgãos chamados a pronunciar‑se sobre a controvérsia (36) (quer se trate de um tribunal de marcas da União Europeia, no qual é apresentado o pedido reconvencional, quer se trate do EUIPO, se nele tiver sido apresentado um pedido de declaração de nulidade) poderá pronunciar‑se quanto à validade do título de propriedade industrial. Com a finalidade de evitar decisões contraditórias, o outro órgão tem de suspender o seu processo até que o primeiro processo seja decidido, nos termos do artigo 104.° do Regulamento n.° 207/2009.

85.      Ora, essa suspensão (37) e o dever (artigo 100.°, n.° 6, do mesmo regulamento) do tribunal nacional de marcas da União Europeia de comunicar a sua sentença ao EUIPO, quando a decisão de procedência da nulidade de uma dessas marcas por via reconvencional tenha transitado em julgado, constituem os mecanismos através dos quais o legislador pretende garantir a coerência das decisões relativas à nulidade e à concordância do registo de marcas da União Europeia com a realidade dos sinais nele incluídos.

86.      Quando o mesmo órgão jurisdicional tiver de se pronunciar, em momentos diferentes, relativamente à ação de contrafação da marca e ao pedido reconvencional em que é pedida a declaração de nulidade desse sinal distintivo, a coerência com a sua própria decisão relativa à reconvenção impedirá que a decisão relativa à contrafação seja contraditória. Mas não encontro fundamento para exigir ao tribunal, à luz do Regulamento n.° 207/2009, que suspenda a (segunda) decisão até tomar em consideração as eventuais vicissitudes do litígio nas instâncias superiores.

87.      O dever do tribunal de marcas da União Europeia a que fiz referência na minha análise da primeira questão prejudicial irá conduzi‑lo a aguardar pela decisão do pedido reconvencional, para se pronunciar (de forma simultânea ou sucessiva, em conformidade com as regras processuais internas) relativamente à ação de contrafação. Uma vez proferida decisão relativamente ao primeiro pedido, não creio que esse dever tenha necessariamente que estar condicionado pelas estratégias processuais das partes, mais ou menos dependentes das suas probabilidades de êxito em recursos posteriores.

88.      Concordo com o Oberster Gerichtshof (Tribunal Supremo) quanto ao facto de que a submissão da decisão da ação de contrafação ao comportamento das partes relativamente aos recursos subsequentes da decisão que julga procedente a reconvenção implicaria, muito provavelmente, atrasos consideráveis na sua decisão. A finalidade de prevenir sentenças divergentes relativamente à mesma marca foi já cumprida dando prioridade à sentença proferida no âmbito do pedido reconvencional, em função da qual será decidida a ação de contrafação.

89.      Como as partes em ambos os litígios são as mesmas, embora em posições processuais opostas, beneficiam de instrumentos de defesa idênticos e devem suportar as consequências dos seus próprios atos. Qualquer uma das partes pode certamente atrasar, com os seus sucessivos recursos, a produção dos efeitos do trânsito em julgado das sentenças, mas esta eventualidade não deve prevalecer sobre a obrigação do juiz que tem de se pronunciar sobre o litígio submetido à sua apreciação.

90.      Dito isto, quero esclarecer que, embora o Regulamento n.° 207/2009 não exija ao tribunal que é chamado a pronunciar‑se sobre a ação de contrafação que espere que a decisão relativa ao pedido reconvencional se torne definitiva, também não encontro nenhuma disposição, no referido texto normativo, que se oponha a essa suspensão. As regras processuais de cada Estado‑Membro, em conformidade com a interpretação que dela façam os seus tribunais supremos, podem optar por uma ou por outra solução, dada a ausência de regras do direito da União relativas a este ponto.

91.      Pode acontecer que a sentença de reconvenção não seja contestada, em cujo caso competirá ao tribunal que a tenha proferido informar o EUIPO da sua sentença com força de res judicata. Uma vez que o prazo de recurso não será excessivamente prolongado, não vejo inconveniente em que o tribunal nacional aguarde, antes de se pronunciar sobre a ação de contrafação, que a sentença reconvencional se torne definitiva. Se, pelo contrário, esta última fosse contestada, competir‑lhe‑ia ponderar as particularidades da ação de contrafação (38) e, sendo adequado, suspender esse processo até ao trânsito em julgado da sentença relativa à reconvenção.

92.      Atendendo às explicações precedentes, considero que se deverá responder à segunda questão prejudicial no sentido de que o tribunal de marcas da União Europeia pode julgar improcedente a ação de contrafação de uma marca, com o fundamento de que o pedido de registo da marca foi depositado de má‑fé, quando, pelo menos ao mesmo tempo, for declarado procedente o pedido de reconvenção em que é pedida a declaração de nulidade dessa marca com fundamento idêntico. O direito da União não o obriga a sustar a decisão sobre a ação de contrafação até ao trânsito em julgado da decisão sobre o pedido reconvencional, mas também não se opõe a que o faça.

 V.      Conclusão

93.      Em face destas considerações, proponho que o Tribunal de Justiça responda às questões submetidas pelo Oberster Gerichtshof (Supremo Tribunal Civil e Penal, Áustria) nos seguintes termos:

«1)      O artigo 99.°, n.° 1, do Regulamento n.° 207/2009, do Conselho, de 26 de fevereiro de 2009, sobre a marca comunitária, deve ser interpretado no sentido de que, uma vez apresentado um pedido reconvencional em que seja invocada a nulidade da marca da União Europeia com fundamento na alegação de que o pedido de registo da marca foi depositado de má‑fé, o tribunal chamado a pronunciar‑se sobre a ação principal de contrafação da referida marca não pode aceitar essa causa de nulidade, alegada a título de exceção, até que tenha sido proferida decisão relativamente ao pedido reconvencional.

2)      O tribunal de marcas da União Europeia pode julgar improcedente a ação de contrafação de uma marca, com o fundamento de que o pedido de registo da marca foi depositado de má‑fé, quando, pelo menos ao mesmo tempo, for declarado procedente o pedido de reconvenção em que é pedida a declaração de nulidade dessa marca com fundamento idêntico. O direito da União não o obriga a sustar a decisão sobre a ação de contrafação até ao trânsito em julgado da decisão sobre o pedido reconvencional, mas também não se opõe a que o faça.»


1      Língua original: espanhol.


2      A seguir, também, «Instituto».


3      Utilizarei o termo exceção no seu sentido processual, decorrente da exceptio romana com a qual o demandado se opunha à actio do demandante.


4      Tal é afirmado por H. Raimund.


5      Regulamento do Conselho, de 26 de fevereiro de 2009, sobre a marca comunitária (JO 2009, L 78, p. 1). Foi posteriormente alterado pelo Regulamento (UE) n.° 2015/2424 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 16 de dezembro de 2015, que altera o Regulamento (CE) n.° 207/2009 do Conselho sobre a marca comunitária, e o Regulamento (CE) n.° 2868/95 da Comissão, relativo à execução do Regulamento (CE) n.° 40/94 do Conselho, e revoga o Regulamento n.° 2869 da Comissão, relativo às taxas a pagar ao Instituto de Harmonização do Mercado Interno (marcas, desenhos e modelos) (JO 2015, L 341, p. 21) (a seguir «Regulamento 2015/2424»). O Regulamento 2015/2424, contudo, não é aplicável, ratione temporis, a este litígio, sem prejuízo da sua utilidade interpretativa.


6      A alínea c) do referido artigo diz respeito à ação indemnizatória do artigo 9.°, n.° 3, do Regulamento n.° 207/2009, sem relevância para este litígio.


7      A descrição dos factos deduz‑se do despacho de reenvio e dos documentos dos autos. Compete, logicamente, ao tribunal nacional declarar, com caráter definitivo, quais considera suficientemente provados.


8      O preparado é misturado com esse tipo de bebidas alcoólicas, originando uma sensação de calor no estômago, da qual decorre a denominação, uma vez que a tradução literal do sinal seria «aquece‑estômagos».


9      Acordo de Nice relativo à Classificação Internacional de Produtos e Serviços para efeitos do Registo de Marcas, de 15 de junho de 1957, na sua versão revista e alterada.


10      Embora o despacho de reenvio faça referencia à ação de eliminação («Beseitigung»), decorre dos documentos dos autos fornecidos pelo Oberster Gerichtshof (Tribunal Supremo), em especial do acórdão recorrido no referido tribunal, que H. Raimund intentou também a ação de destruição («Vernichtung»).


11      Dos documentos enviados pelo órgão de reenvio parece deduzir‑se que a ação de contrafação da marca e o pedido reconvencional são tramitados em formações jurisdicionais diferentes, dentro do mesmo Handelsgericht Wien (Tribunal comercial de Viena). Tal facto decorre, provavelmente, do desfasamento de dois anos entre a ação de contrafação e a reconvenção, tal como alega H. Raimund nas suas observações escritas. Em todo o caso, não existe nenhuma evidência de que se tenha verificado a apensação dos respetivos processos.


12      Tal como se pode ler no despacho de reenvio, no direito de marcas austríaco, a declaração de nulidade com efeitos erga omnes das marcas nacionais é competência exclusiva do Patentamt (Instituto de patentes e marcas).


13      Sublinhados no original.


14      O tribunal referido enumera um conjunto de situações em que, após ser declarada a nulidade da marca por meio de reconvenção e ser julgada improcedente a ação de contrafação, os recursos subsequentes (o interposto pelo demandante apenas contra a sentença que julgou procedente a reconvenção, ou o interposto pelo demandado contra apenas uma das duas) poderiam, a serem julgados procedentes, conduzir a decisões jurisdicionais inconciliáveis.


15      A reconvenção não é mais do que uma ação autónoma, mas deduzida no mesmo processo, que o demandado intenta contra o autor, aproveitando a ação deste, quando se verificam, entre ambas, determinados elementos de conexão e o juiz é competente para se pronunciar sobre as duas na mesma sentença. Num determinado litígio, o demandado tanto pode defenderse (isto é, invocar exceções à ação do demandante), como contraatacar (isto é, apresentar o seu próprio pedido de condenação do demandante) por via reconvencional. Embora alguns ordenamentos prevejam as «exceções reconvencionais» ou as reconvenções implícitas (por exemplo, a relativa à compensação de créditos ou à nulidade de determinados negócios jurídicos), não é necessário fazer referência às mesmas no contexto deste pedido de decisão prejudicial.


16      N.° 3.2 do despacho de reenvio. Não sei se esta circunstância poderá estar relacionada com o caráter tardio do pedido reconvencional de M. Aigner e com o facto de esta invocar a má‑fé como exceção de fundo nas suas contra‑alegações ao pedido de H. Raimund.


17      São geralmente reconhecidos como objetivos do pedido reconvencional a economia processual e a prevenção do risco que sejam proferidas sentenças contraditórias. V. Okońska, A., Die Widerklage im Zivilprozessrecht der Europäischen Union und ihrer Mitgliedstaaten, ed. Mohr Siebeck, Tubinga, 2015, pp. 269 e 270.


18      Não é claro o motivo pelo qual este tribunal não apensou os dois processos, para se pronunciar sobre eles simultaneamente. De facto, não parece que a prática geral consista em atribuir o pedido reconvencional a outro juiz ou a outra composição jurisdicional: no litígio que originou o processo de 11 de junho de 2009, Chocoladefabriken Lindt & Sprüngli (C‑529/07, EU:C:2009:361, n.os 3 e 4), a mesma formação do Handelsgericht Wien (Tribunal comercial de Viena), na qualidade de Tribunal de marcas da UE em primeira instância, foi chamado a pronunciar‑se tanto sobre a ação de contrafação de marca da UE, como sobre a reconvenção.


19      Acórdão de 12 de abril de 2011, DHL Express France (C‑235/09, EU:C:2011:238, n.os 40 e 41).


20      Ibidem, n.° 42.


21      V., neste sentido, os acórdãos de 13 de fevereiro de 1979, Granaria (C‑101/78, EU:C:1979:38, n.° 5); e de 28 de janeiro de 2016, Éditions Odile Jacob/Comissão (C‑514/14 P, EU:C:2016:55, n.° 40).


22      Da decisão proferida pelo Instituto, dando ou negando provimento ao pedido de declaração de nulidade, cabe recurso para as suas Câmaras de recurso; o que estas decidam pode, por seu turno, ser impugnado no Tribunal Geral, cujos acórdãos são suscetíveis de recurso no Tribunal de Justiça. Contudo, a declaração de nulidade é obtida por via administrativa uma vez que a revisão jurisdicional posterior (da União) se limita à apreciação da legalidade de tal declaração. A nulidade pode apenas ser apreciada por via jurisdicional se se recorrer da rejeição de um pedido de nulidade e este pedido for julgado procedente por uma das instâncias jurisdicionais da União.


23      O demandado pode, também, invocar a extinção da marca, como possível fundamento do seu pedido reconvencional. Não abordarei esta hipótese, alheia ao objeto do litigio.


24      Na via administrativa, o EUIPO também não tem poderes para investigar oficiosamente a nulidade. Em conformidade com o artigo 56.°, n.° 1, do Regulamento n.° 207/2009, é deixada aos operadores económicos concorrentes dos titulares de marcas procurar, tal como afirmou um dos meus predecessores, a limpeza do registo enquanto o Instituto deve manter uma completa neutralidade. V., a este propósito, conclusões do advogado‑geral D. Ruiz‑Jarabo Colomer no processo Silberquelle (C‑495/07, EU:C:2008:633, n.° 46). Embora referente à extinção, a reflexão é transponível para o âmbito da nulidade.


25      Por referência direta ao artigo 96.°, alínea a), do mesmo regulamento.


26      A reforma introduzida pelo Regulamento n.° 2015/2424 eliminou essa possibilidade, uma vez que suscitava dúvidas relativamente à sua compatibilidade com o princípio da prioridade, ao exigir ao titular de um direito anterior a obtenção de uma declaração de nulidade do sinal posterior, para contestar com sucesso a este último. A nova redação do artigo 9.° Regulamento n.° 207/2009 deveria afastar essas dúvidas. V. Max Planck Institute for Intellectual Property and Competition Law, Study on the Overall Functioning of the European Trade Mark System, Múnich, 2011, p. 108.


27      Nos termos do artigo 55.°, n.° 2, do mesmo Regulamento, e sem prejuízo de respeitar as situações jurídicas consolidadas previstas no seu n.° 3.


28      Nestas situações, o artigo 98.°, n.° 2, limita a competência das decisões dos tribunais de marcas da UE aos factos praticados no território do Estado‑Membro em que esses tribunais estiverem situados. Embora esta previsão não seja muito coerente com o princípio da unidade da marca da União, procura afastar o sempre indesejável forum shopping. V. Sosnitza, O., «Der Grundsatz der Einheitlichkeit im Verletzungsverfahren der Gemeinschaftsmarke — Zugleich Besprechung von EuGH, Urt. v. 12.4.2011 — C‑235/09 — DHL/Chronopost», GRUR, 2011, p. 468.


29      V., entre outros, os acórdãos de 11 de setembro de 2003, Safalero (C‑13/01, EU:C:2003:447, n.° 49); de 2 de outubro de 2003, Weber’s Wine World e o. (C‑147/01, EU:C:2003:533, n.° 103); de 7 de janeiro de 2004, Wells (C‑201/02, EU:C:2004:12, n.° 67); e de 13 de março de 2007, Unibet (C‑432/05, EU:C:2007:163, n.° 43).


30      Esta conclusão é confirmada por Huet, A., «La marque communautaire: la compétence des juridictions des États membres pour connaître de sa validité et de sa contrefaçon [Règlement (CE) n.° 40/94 du Conseil, du 20 décembre 1993]», Journal du Droit International, n.° 3, 1994, p. 630, e Gallego Sánchez, F., «Artículo 96 — Demanda de reconvención», em Casado Cerviño, A. e Llobregat Hurtado, M.L. (Coord.), Comentarios a los reglamentos sobre la marca comunitaria, La Ley, Madrid, 2000, p. 874.


31      Nos termos do artigo 14.°, n.° 1, do Regulamento n.° 207/2009 «[…] as infrações a marcas [da União Europeia] são reguladas pelo direito nacional em matéria de infrações a marcas nacionais nos termos do disposto no título X».


32      Para mais detalhes, v. a nota 14 destas conclusões.


33      Artigo 55.°, n.° 3, alínea a); artigo 56.°, n.° 3; artigo 84.°, n.° 3; artigo 100.°, n.° 6; e artigo 112.°, n.° 6.


34      O artigo 100.°, n.° 2, do Regulamento n.° 207/2009 estende estes efeitos (mas sem referir o trânsito em julgado, dada a natureza administrativa do organismo) às decisões «definitivas» do EUIPO que já tenham «sido emitida[s] entre as mesmas partes, sobre um pedido [sic] com o mesmo objeto e a mesma causa».


35      Acórdão de 21 de julho de 2016, Apple and Pear Australia Ltd e Star Fruits Diffusion/EUIPO (Pink Lady) (C‑226/15 P, EU:C:2016:582, n.° 50).


36      Com a exceção da possibilidade prevista no artigo 100.°, n.° 7, do Regulamento n.° 207/2009, de que o tribunal nacional de marcas pode sobrestar no seu pedido de reconvenção deixando a decisão relativa à nulidade, a pedido de uma das partes, para a EUIPO.


37      A nova redação dada ao artigo 100.°, n.° 4, do Regulamento n.° 207/2009 pelo Regulamento n.° 2015/2424 obriga o tribunal de marcas da UE em que tenha sido apresentado um pedido reconvencional de declaração de nulidade a suspender o processo de acordo com o artigo 104.°, n.° 1, até que a decisão sobre o pedido de declaração de nulidade do EUIPO seja definitiva.


38      Note‑se, por comparação, que a obrigação de suspensão do artigo 104.°, n.° 1, do Regulamento n.° 207/2009 não tem caráter absoluto, dado estar sujeita ao requisito da inexistência de razões especiais para que o processo prossiga.