Language of document : ECLI:EU:C:2017:776

ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Nona Secção)

19 de outubro de 2017 (*)

«Reenvio prejudicial — Propriedade intelectual e industrial — Marca da União Europeia — Regulamento (CE) n.o 207/2009 — Artigo 96.o, alínea a) — Ação de contrafação — Artigo 99.o, n.o 1 — Presunção de validade — Artigo 100.o — Pedido reconvencional de nulidade — Relação entre uma ação de contrafação e um pedido reconvencional de nulidade — Autonomia processual»

No processo C‑425/16,

que tem por objeto um pedido de decisão prejudicial apresentado, nos termos do artigo 267.o TFUE, pelo Oberster Gerichtshof (Supremo Tribunal, Áustria), por decisão de 12 de julho de 2016, que deu entrada no Tribunal de Justiça em 1 de agosto de 2016, no processo

Hansruedi Raimund

contra

Michaela Aigner,

O TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Nona Secção),

composto por: E. Juhász, exercendo funções de presidente de secção, K. Jürimäe e C. Lycourgos (relator), juízes,

advogado‑geral: M. Campos Sánchez‑Bordona,

secretário: A. Calot Escobar,

vistos os autos,

vistas as observações apresentadas:

–        em representação de H. Raimund, por C. Hadeyer, Rechtsanwalt,

–        em representação de M. Aigner, por F. Gütlbauer, S. Sieghartsleitner e M. Pichlmair, Rechtsanwälte,

ouvidas as conclusões do advogado‑geral na audiência de 20 de junho de 2017,

profere o presente

Acórdão

1        O pedido de decisão prejudicial tem por objeto a interpretação do artigo 99.o, n.o 1, do Regulamento (CE) n.o 207/2009 do Conselho, de 26 de fevereiro de 2009, sobre a marca da União Europeia (JO 2009, L 78, p. 1).

2        Este pedido foi apresentado no âmbito de um litígio que opõe Hansruedi Raimund e Michaela Aigner a respeito de uma ação de contrafação de uma marca nominativa da União Europeia, bem como de um pedido reconvencional de nulidade dessa marca.

 Quadro jurídico

3        Nos termos do considerando 16 do Regulamento n.o 207/2009, «[é] indispensável que as decisões sobre a validade e a contrafação das marcas [da União Europeia] produzam efeitos em toda a [União Europeia] e a ela sejam extensivas, única maneira de evitar decisões contraditórias dos tribunais e do Instituto [da Propriedade Intelectual da União Europeia (EUIPO)] e de respeitar o caráter unitário das marcas [da União Europeia]».

4        O artigo 1.o, n.o 2, desse regulamento dispõe:

«A marca da [União Europeia] tem caráter unitário. A marca [da União Europeia] produz os mesmos efeitos em toda a [União]: só pode ser registada, transferida, ser objeto de renúncia, de decisão de extinção de direitos do titular ou de anulação, e o seu uso só pode ser proibido, para toda a [União]. Este princípio é aplicável salvo disposição em contrário do presente regulamento.»

5        Em conformidade com o artigo 6.o do referido regulamento, a marca da União Europeia adquire‑se por registo.

6        O artigo 52.o do Regulamento n.o 207/2009, sob a epígrafe «Causas de nulidade absoluta», prevê, no seu n.o 1, alínea b):

«1.      A nulidade da marca [da União Europeia] é declarada na sequência de pedido apresentado ao [EUIPO] ou de pedido reconvencional numa ação de contrafação:

[…]

b)      Sempre que o titular da marca não tenha agido de boa‑fé no ato de depósito do pedido de marca.

[…]»

7        O artigo 96.o, alíneas a) e d), desse regulamento enuncia:

«Os tribunais de marcas [da União Europeia] têm competência exclusiva:

a)      Para todas as ações de contrafação e — se a lei nacional as admitir — de ameaça de contrafação de uma marca [da União Europeia];

[…]

d)      Para os pedidos reconvencionais de extinção ou de nulidade da marca [da União Europeia] referidos no artigo 100.o»

8        O artigo 99.o do referido regulamento, sob a epígrafe «Presunção de validade — defesa quanto ao fundo», dispõe, no seu n.o 1:

«Os tribunais de marcas [da União Europeia] consideram válida a marca [da União Europeia] a não ser que o réu conteste a sua validade por meio de um pedido reconvencional de extinção ou de nulidade.»

9        Nos termos do artigo 100.o do Regulamento n.o 207/2009:

«1.      O pedido reconvencional de extinção ou de nulidade só pode ser fundamentado com base nas causas de extinção ou de nulidade previstos no presente regulamento.

2.      O tribunal da marca [da União Europeia] recusará o pedido reconvencional de extinção ou de nulidade se já tiver sido emitida pelo [EUIPO] uma decisão definitiva entre as mesmas partes, sobre um pedido com o mesmo objeto e a mesma causa.

[…]

4.      O tribunal de marcas [da União Europeia] em que tenha sido apresentado um pedido reconvencional de extinção ou de nulidade de uma marca [da União Europeia] comunicará ao [EUIPO] a data em que esse pedido reconvencional foi apresentado. O [EUIPO] inscreverá esse facto no Registo de Marcas [da União Europeia].

[…]

6.      Sempre que um tribunal de marcas [da União Europeia] tenha proferido uma decisão transitada em julgado sobre um pedido reconvencional de extinção ou de nulidade de uma marca [da União Europeia], será enviada ao [EUIPO] uma cópia da sua decisão. Qualquer parte pode pedir informações quanto a esse envio. O [EUIPO] inscreverá no Registo de Marcas [da União Europeia] a menção da decisão, nas condições previstas no regulamento de execução.

[…]»

10      O artigo 104.o, n.os 1 e 2, desse regulamento dispõe:

«1.      Salvo se existirem razões especiais para que o processo prossiga, um tribunal de marcas [da União Europeia] a que seja submetida uma ação referida no artigo 96.o, com exceção de uma ação de verificação de não contrafação, suspenderá a instância por sua própria iniciativa, após audição das partes, ou a pedido de uma das partes e após audição das outras partes, sempre que a validade da marca [da União Europeia] já tenha sido contestada num outro tribunal de marcas [da União Europeia] por um pedido reconvencional ou já tenha sido apresentado ao [EUIPO] um pedido de extinção ou de nulidade.

2.      Salvo se existirem razões especiais para que o processo prossiga, quando um pedido de extinção ou de nulidade for apresentado ao [EUIPO], este suspenderá a instância, por sua própria iniciativa, após audição das partes, ou a pedido de uma das partes e após audição das outras partes, sempre que a validade de marca [da União Europeia] já tenha sido contestada num tribunal de marcas [da União Europeia] por um pedido reconvencional. Todavia, se uma das partes no processo pendente no tribunal de marcas [da União Europeia] o requerer, o tribunal pode, após audição das outras partes, suspender o processo. Nesse caso, o [EUIPO] prosseguirá o processo perante ele pendente.»

 Litígio no processo principal e questões prejudiciais

11      H. Raimund, titular da marca nominativa da União Europeia Baucherlwärmer, comercializa, sob essa marca, aproximadamente desde o ano 2000, plantas para preparação à base de álcool. Por seu turno, M. Aigner também vende uma mistura de ervas para infusão em álcool de elevado grau, que designa igualmente de «Baucherlwärmer».

12      H. Raimund intentou no Handelsgericht Wien (Tribunal de Comércio de Viena, Áustria) uma ação de contrafação da marca da União Europeia de que é titular, com o objetivo de M. Aigner ser impedida de utilizar o sinal «Baucherlwärmer» nos produtos e serviços pertencentes às classes visadas pela referida marca. Por seu turno, M. Aigner, demandada no processo principal, por considerar, nomeadamente, que H. Raimund obteve a referida marca de forma contrária à moral e de má‑fé, apresentou a esse órgão jurisdicional um pedido reconvencional de nulidade dessa mesma marca.

13      O Handelsgericht Wien (Tribunal de Comércio de Viena) decidiu suspender a instância relativamente a esse pedido reconvencional até que transite em julgado a decisão relativa à ação de contrafação, que constitui o objeto do processo principal. Contudo, uma vez que foi anulado o despacho que determina a suspensão da instância relativamente ao pedido reconvencional, este pedido está ainda pendente em primeira instância. Quanto à ação de contrafação, o Handelsgericht Wien (Tribunal de Comércio de Viena) julgou‑a improcedente com o fundamento de o depósito da marca da União Europeia ter sido efetuado de má‑fé por H. Raimund.

14      Tendo o Oberlandesgericht Wien (Tribunal Regional Superior de Viena, Áustria) confirmado em recurso a decisão da primeira instância, H. Raimund interpôs um recurso de «Revision» no Oberster Gerichtshof (Supremo Tribunal, Áustria).

15      O órgão jurisdicional de reenvio considera que o demandante no processo principal adquiriu efetivamente de má‑fé a marca da União Europeia em causa no processo principal e, consequentemente, que esta devia ser declarada nula, nos termos do artigo 52.o, n.o 1, alínea, b), do Regulamento n.o 207/2009. Contudo, interroga‑se sobre a questão, levantada por H. Raimund no âmbito do seu recurso, de saber se os tribunais de primeira e segunda instância podiam apreciar a questão da má‑fé no âmbito da ação de contrafação, uma vez que não havia uma decisão transitada em julgado sobre o pedido reconvencional de nulidade da marca.

16      Tendo em conta o facto de a demandada no processo principal invocar uma causa de nulidade absoluta, na aceção do artigo 52.o, n.o 1, alínea b), do Regulamento n.o 207/2009, que, como prevê o artigo 99.o, n.o 1, desse regulamento, apenas pode ser validamente invocada no âmbito de uma ação de contrafação se o réu apresentar um pedido reconvencional fundado nesse motivo, o Oberster Gerichtshof (Supremo Tribunal) questiona se basta apresentar um pedido reconvencional fundado na aquisição de má‑fé dos direitos de marca, para se poder julgar improcedente a ação de contrafação ainda antes de o referido pedido reconvencional ser apreciado (primeira opção); ou se a ação de contrafação apenas pode ser julgada improcedente por esse motivo se a marca em causa for, pelo menos em simultâneo, declarada nula com fundamento no pedido reconvencional (segunda opção); ou, ainda, se a exceção relativa à aquisição de má‑fé dos direitos de marca só pode produzir efeitos, no âmbito da ação de contrafação, se a marca tiver sido previamente declarada nula, com trânsito em julgado, a título do pedido reconvencional (terceira opção).

17      O órgão jurisdicional de reenvio refere que, no presente caso, a procedência ou a improcedência da ação de contrafação depende exclusivamente da exceção de nulidade. Propõe que o Tribunal de Justiça siga a segunda opção, no sentido de que decorre do artigo 99.o, n.o 1, do Regulamento n.o 207/2009 que uma ação de contrafação só pode ser julgada improcedente com fundamento em nulidade se, pelo menos em simultâneo, for julgado procedente o pedido reconvencional com o mesmo fundamento. Considera que o simples facto de apresentar esse pedido reconvencional não deveria bastar, mas que, ao invés, aguardar que a decisão sobre esse pedido reconvencional transite em julgado não deveria ser indispensável. Esclarece que a eventual existência de uma obrigação de aguardar que a decisão sobre o pedido reconvencional transite em julgado, a eventual apensação dos processos da ação de contrafação e do pedido reconvencional e as regras processuais de recurso deviam ser exclusivamente examinadas à luz do direito processual nacional.

18      O órgão jurisdicional de reenvio salienta ainda que a opção que propõe que o Tribunal de Justiça aplique é suscetível de garantir que a exceção de nulidade ou de extinção inter partes, invocada no âmbito da ação de contrafação, só pode produzir efeitos se a marca for declarada nula ou extinta pelo mesmo fundamento no âmbito da decisão do pedido reconvencional, com efeitos erga omnes. Em particular, o demandante na ação de contrafação no processo principal, julgada improcedente pela primeira instância, deveria contestar tanto a decisão proferida na ação de contrafação como a decisão proferida sobre o pedido reconvencional, para ter ganho de causa nos tribunais superiores. Se se limitasse a impugnar a decisão proferida na ação de contrafação, a sua ação estaria condenada ao fracasso, pois a decisão proferida sobre o pedido reconvencional, ao fazer caso julgado, impediria, desde logo, o sucesso da ação de contrafação.

19      Contudo, o Oberster Gerichtshof (Supremo Tribunal) admite que o sentido literal ou a finalidade do artigo 99.o do Regulamento n.o 207/2009 possam também conduzir a uma interpretação distinta daquela que propõe.

20      Nestas circunstâncias, o Oberster Gerichtshof (Supremo Tribunal) suspendeu a instância e submeteu ao Tribunal de Justiça as seguintes questões prejudiciais:

«1)      Pode uma ação de contrafação de uma marca da União Europeia (artigo 96.o, alínea a), do Regulamento n.o 207/2009 […]) ser julgada improcedente com fundamento na alegação de que o pedido de registo da marca foi depositado de má‑fé (artigo 52.o, n.o 1, alínea b), do Regulamento n.o 207/2009 […]), quando o demandado tiver apresentado um pedido reconvencional de nulidade da marca da UE com este fundamento (artigo 99.o, n.o 1, do Regulamento n.o 207/2009 […]), mas o tribunal ainda não tiver decidido sobre esse pedido reconvencional?

2)      Em caso de resposta negativa: pode o tribunal julgar improcedente a ação de contrafação com o fundamento de que o pedido de registo da marca foi depositado de má‑fé, quando, pelo menos ao mesmo tempo, declara procedente o pedido reconvencional de nulidade, ou tem de sustar a decisão sobre a ação de contrafação, em todo o caso, até ao trânsito em julgado da decisão sobre o pedido reconvencional?»

 Quanto às questões prejudiciais

 Quanto à primeira questão

21      Através da sua primeira questão, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta, em substância, se o artigo 99.o, n.o 1, do Regulamento n.o 207/2009 deve ser interpretado no sentido de que a ação de contrafação apresentada num tribunal de marcas da União Europeia, nos termos do artigo 96.o, alínea a), desse regulamento, pode ser julgada improcedente com fundamento numa causa de nulidade absoluta, como previsto no artigo 52.o, n.o 1, alínea b), do referido regulamento, sem que esse tribunal tenha julgado procedente o pedido reconvencional de nulidade apresentado pelo demandado nessa ação de contrafação, com base no artigo 100.°, n.o 1, do referido regulamento, e fundado nessa mesma causa de nulidade.

22      Segundo jurisprudência constante do Tribunal de Justiça, relativamente à interpretação de disposições de direito da União, importa ter em conta não apenas os respetivos termos mas também o seu contexto e os objetivos prosseguidos pela regulamentação em que se inserem (acórdãos de 19 de setembro de 2000, Alemanha/Comissão, C‑156/98, EU:C:2000:467, n.o 50; de 25 de outubro de 2011, eDate Advertising e o., C‑509/09 e C‑161/10, EU:C:2011:685, n.o 54; e de 26 de julho de 2017, Jafari, C‑646/16, EU:C:2017:586, n.o 73).

23      No que se refere à redação do artigo 99.o do Regulamento n.o 207/2009, sob a epígrafe «Presunção de validade — defesa quanto ao fundo» e inserido na secção 2 do título X desse regulamento, relativa a litígios em matéria de contrafação e de validade de marcas da União Europeia, o artigo dispõe, no seu n.o 1, que os tribunais de marcas da União Europeia consideram válida a marca da União Europeia a não ser que o réu conteste a sua validade por meio de um pedido reconvencional de extinção ou de nulidade.

24      Embora resulte desta disposição que a marca da União Europeia goza de uma presunção de validade que, no âmbito de uma ação de contrafação, pode ser ilidida por um pedido reconvencional de nulidade, há que observar que a mera redação da referida disposição não permite determinar se, quando o demandado numa ação de contrafação opõe a essa ação uma causa de nulidade da marca e, além disso, apresenta um pedido reconvencional de nulidade, fundado nessa mesma causa de nulidade, o tribunal de marcas da União Europeia deve julgar procedente o referido pedido reconvencional antes de poder julgar improcedente a ação de contrafação.

25      No que se refere ao contexto em que se insere o artigo 99.o, n.o 1, do Regulamento n.o 207/2009, há que salientar que o artigo 104.o, n.o 1, desse regulamento exige que, salvo se existirem razões especiais para que o processo prossiga, um tribunal de marcas da União Europeia a que seja submetida uma ação prevista no artigo 96.o do referido regulamento suspenderá a instância sempre que a validade da marca da União Europeia já tenha sido impugnada num outro tribunal de marcas da União Europeia por um pedido reconvencional ou já tenha sido apresentado ao EUIPO um pedido de extinção ou de nulidade.

26      Por conseguinte, uma interpretação do artigo 99.o, n.o 1, do Regulamento n.o 207/2009 segundo a qual bastaria que um pedido reconvencional de nulidade fosse apresentado num tribunal de marcas da União Europeia para que este, antes mesmo de se pronunciar sobre esse pedido, se pudesse pronunciar sobre a ação de contrafação apresentada ao abrigo do artigo 96.o, alínea a), desse regulamento, com base na mesma causa de nulidade invocada no referido pedido reconvencional, teria a consequência ilógica de as regras do referido regulamento relativas à conexão de processos pendentes em diferentes tribunais de marcas da União Europeia serem mais estritas do que as relativas à conexão de processos pendentes num mesmo tribunal de marcas da União Europeia.

27      Quanto ao objetivo prosseguido pelo Regulamento n.o 207/2009, cumpre recordar que o seu artigo 1.o, n.o 2, consagra o caráter unitário da marca da União Europeia. Como produz os mesmos efeitos em toda a União, a marca, de acordo com essa disposição, só pode ser registada, transferida, ser objeto de renúncia, de decisão de extinção de direitos do titular ou de anulação, e o seu uso só pode ser proibido, para toda a União.

28      A este respeito, o considerando 16 desse regulamento prevê que as decisões sobre a validade das marcas da União Europeia produzem efeitos em toda a União e a ela são extensivas, única maneira de evitar decisões contraditórias dos tribunais e do EUIPO e de respeitar o caráter unitário das marcas da União Europeia.

29      Decorre, assim, do objetivo do referido regulamento que, a fim de assegurar o caráter unitário da marca da União Europeia, a decisão de um tribunal de marcas da União Europeia que declare, no âmbito de um pedido reconvencional de nulidade apresentado nos termos do artigo 100.o, n.o 1, desse regulamento, a nulidade de uma marca da União Europeia tem necessariamente efeito erga omnes em toda a União.

30      O efeito erga omnes de tal decisão é, além do mais, confirmado tanto pelo artigo 100.o, n.o 6, do Regulamento n.o 207/2009, segundo o qual um tribunal de marcas da União Europeia deve enviar ao EUIPO uma cópia da decisão transitada em julgado sobre um pedido reconvencional de extinção ou de nulidade de uma marca da União Europeia, como pelas regras em matéria de conexão previstas no artigo 104.o desse regulamento e recordadas no n.o 25 do presente acórdão.

31      Pelo contrário, como o advogado‑geral salientou no n.o 64 das suas conclusões, a decisão de tal tribunal proferida sobre uma ação de contrafação produz apenas efeitos inter partes, pelo que, uma vez transitada em julgado, essa decisão apenas vincula as partes intervenientes nessa ação.

32      É o caso quando, como no processo principal, o tribunal de marcas da União Europeia julga improcedente a ação de contrafação devido à existência de uma causa de nulidade absoluta, como a má‑fé do titular da marca no ato de depósito do pedido de marca, na aceção do artigo 52.o, n.o 1, alínea b), do Regulamento n.o 207/2009, sem se ter previamente pronunciado sobre o pedido reconvencional de nulidade apresentado pelo demandado nessa ação.

33      Contudo, há que salientar que, tendo em conta o caráter unitário da marca da União Europeia e o objetivo de evitar decisões contraditórias na matéria, a declaração de nulidade de uma marca da União Europeia fundada numa tal causa de nulidade absoluta deve valer para toda a União e não apenas para as partes intervenientes na ação de contrafação. Esta necessidade implica que o tribunal de marcas da União Europeia em causa se pronuncie sobre o pedido reconvencional antes de se pronunciar sobre a ação de contrafação.

34      Por conseguinte, o tribunal de marcas da União Europeia tem de julgar procedente o pedido reconvencional de nulidade da marca da União Europeia, apresentado, nos termos do artigo 100.o, n.o 1, do Regulamento n.o 207/2009, no âmbito de uma ação de contrafação dessa mesma marca, na aceção do artigo 96.o, alínea a), desse regulamento, antes de poder julgar improcedente essa última ação com fundamento na mesma causa de nulidade absoluta.

35      Resulta destas considerações que o artigo 99.o, n.o 1, do Regulamento n.o 207/2009 deve ser interpretado no sentido de que a ação de contrafação apresentada num tribunal de marcas da União Europeia, em conformidade com o artigo 96.o, alínea a), desse regulamento, não pode ser julgada improcedente com fundamento numa causa de nulidade absoluta como a prevista no artigo 52.o, n.o 1, alínea b), do referido regulamento, sem que esse tribunal tenha julgado procedente o pedido reconvencional de nulidade apresentado pelo demandado nessa ação de contrafação, com base no artigo 100.o, n.o 1, do referido regulamento, e fundado nessa mesma causa de nulidade.

 Quanto à segunda questão

36      Através da sua segunda questão, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta, em substância, se as disposições do Regulamento n.o 207/2009 devem ser interpretadas no sentido de que o tribunal de marcas da União Europeia pode julgar improcedente a ação de contrafação, na aceção do artigo 96.o, alínea a), desse regulamento, com fundamento numa causa de nulidade absoluta como a prevista no artigo 52.o, n.o 1, alínea b), do referido regulamento, mesmo que não tenha transitado em julgado a decisão sobre o pedido reconvencional de nulidade apresentado nos termos do artigo 100.o, n.o 1, desse regulamento e fundado nessa mesma causa de nulidade.

37      Resulta da resposta à primeira questão que, a fim de assegurar o caráter unitário da marca da União Europeia e evitar o risco de decisões contraditórias, o artigo 99.o, n.o 1, do Regulamento n.o 207/2009 impõe ao tribunal de marcas da União Europeia a obrigação de julgar procedente o pedido reconvencional apresentado com fundamento no artigo 100.o, n.o 1, desse regulamento, antes de poder julgar improcedente a ação de contrafação, na aceção do artigo 96.o, alínea a), do referido regulamento.

38      Contudo, tal como o advogado‑geral salientou no n.o 80 das suas conclusões, o Regulamento n.o 207/2009 não contém nenhuma regra que imponha que a decisão que julgue procedente o pedido reconvencional de nulidade tenha transitado em julgado para que o tribunal de marcas da União Europeia possa julgar improcedente a ação de contrafação nem nenhuma regra que impeça esse tribunal de aguardar, para julgar improcedente a ação de contrafação, que a decisão que julgue procedente o pedido reconvencional de nulidade tenha transitado em julgado.

39      Com efeito, nenhuma disposição desse regulamento subordina a possibilidade de o tribunal de marcas da União Europeia julgar improcedente a ação de contrafação de uma marca com fundamento numa causa de nulidade à condição de a decisão que julgou procedente, com base na mesma causa de nulidade, o pedido reconvencional de nulidade dessa marca ter transitado em julgado, apesar de essa exigência estar prevista para outros casos no artigo 100.o do referido regulamento.

40      Neste contexto, há que recordar que, em conformidade com jurisprudência constante do Tribunal de Justiça, na falta de regulamentação da União na matéria, cabe à ordem jurídica interna de cada Estado‑Membro, por força do princípio da autonomia processual, designar os órgãos jurisdicionais competentes e definir as regras processuais das ações destinadas a garantir a salvaguarda dos direitos conferidos aos litigantes pelo direito da União, tendo, todavia, os Estados‑Membros a responsabilidade de assegurar, em cada caso, a proteção efetiva desses direitos (v., neste sentido, acórdãos de 30 de setembro de 2003, Köbler, C‑224/01, EU:C:2003:513, n.o 47, e de 27 de junho de 2013, Agrokonsulting, C‑93/12, EU:C:2013:432, n.o 35).

41      A este título, em conformidade com o princípio da cooperação leal consagrado no artigo 4.o, n.o 3, TUE, as regras processuais das ações destinadas a garantir a salvaguarda dos direitos conferidos aos particulares pelo direito da União não devem ser menos favoráveis do que as que respeitam a ações similares de direito interno (princípio da equivalência) e não devem tornar impossível, na prática, ou excessivamente difícil o exercício dos direitos conferidos pela ordem jurídica da União (princípio da efetividade) (acórdãos de 16 de dezembro de 1976, Rewe‑Zentralfinanz e Rewe‑Zentral, 33/76, EU:C:1976:188, n.o 5; de 14 de dezembro de 1995, Peterbroeck, C‑312/93, EU:C:1995:437, n.o 12; e de 27 de junho de 2013, Agrokonsulting, C‑93/12, EU:C:2013:432, n.o 36).

42      Resulta da jurisprudência do Tribunal de Justiça que as exigências decorrentes dos princípios da equivalência e da efetividade se aplicam, nomeadamente, no que respeita à definição das regras processuais que regem as ações baseadas no direito da União (v., neste sentido, acórdão de 27 de junho de 2013, Agrokonsulting, C‑93/12, EU:C:2013:432, n.o 37 e jurisprudência aí referida).

43      No caso vertente, resulta do despacho de reenvio que, no direito austríaco, segundo a jurisprudência do Oberster Gerichtshof (Supremo Tribunal), uma ação de contrafação só pode ser julgada improcedente com fundamento em nulidade da marca da União Europeia se essa marca for, pelo menos em simultâneo, declarada nula com fundamento num pedido reconvencional. Segundo esse órgão jurisdicional, tal exigência garante que a exceção de nulidade no âmbito da ação de contrafação, que apenas tem efeito inter partes, só pode produzir efeitos se a marca da União Europeia for declarada nula pelo mesmo fundamento no âmbito do pedido reconvencional, com efeitos erga omnes.

44      Há que salientar, a este respeito, que, conforme o advogado‑geral salientou no n.o 86 das suas conclusões, quando, como no processo principal, o mesmo órgão jurisdicional tiver de se pronunciar em simultâneo sobre uma ação de contrafação de uma marca e sobre um pedido reconvencional de nulidade dessa marca, a coerência com a decisão proferida por esse órgão jurisdicional no âmbito do pedido reconvencional impedi‑lo‑á de proferir uma decisão contraditória no âmbito da ação de contrafação.

45      Com efeito, o tribunal de marcas da União Europeia tem a obrigação de aguardar pelo desfecho do pedido reconvencional de nulidade antes de se pronunciar sobre a ação de contrafação. Contudo, conforme salientou corretamente o órgão jurisdicional de reenvio, associar o desfecho da ação de contrafação ao comportamento das partes no que se refere aos recursos da decisão que julga procedente o pedido reconvencional de nulidade implicaria, muito provavelmente, atrasos consideráveis nesse processo. Há que recordar a este respeito, conforme salientou o advogado‑geral no n.o 89 das suas conclusões, que, na medida em que as partes em causa nos dois processos são as mesmas, beneficiam de instrumentos de defesa idênticos e devem suportar as consequências dos seus próprios atos. A eventualidade de uma das partes procurar, através de sucessivos recursos, atrasar a produção dos efeitos do trânsito em julgado das decisões judiciais não deve prevalecer sobre a obrigação do juiz de se pronunciar sobre o litígio submetido à sua apreciação.

46      Assim, o facto de o tribunal de marcas da União Europeia apreciar em conjunto o pedido reconvencional de nulidade fundado no artigo 100.o, n.o 1, do Regulamento n.o 207/2009 e a ação de contrafação apresentada com base no artigo 96.o, alínea a), desse regulamento é suscetível de assegurar o princípio da efetividade.

47      No que se refere ao princípio da equivalência, há que salientar que, no caso em apreço, o Tribunal de Justiça não dispõe de nenhum elemento que permita duvidar da conformidade com esse princípio de uma prática jurisprudencial, como a do Oberster Gerichtshof (Supremo Tribunal) recordada no n.o 43 do presente acórdão, o que cabe, contudo, a esse órgão jurisdicional verificar.

48      Nestas condições, há que responder à segunda questão que as disposições do Regulamento n.o 207/2009 devem ser interpretadas no sentido de que não obstam a que o tribunal de marcas da União Europeia possa julgar improcedente uma ação de contrafação, na aceção do artigo 96.o, alínea a), desse regulamento, com fundamento numa causa de nulidade absoluta como a prevista no artigo 52.o, n.o 1, alínea b), do referido regulamento, mesmo que não tenha transitado em julgado a decisão relativa ao pedido reconvencional de nulidade apresentado nos termos do artigo 100.o, n.o 1, do referido regulamento e fundado nessa mesma causa de nulidade.

 Quanto às despesas

49      Revestindo o processo, quanto às partes na causa principal, a natureza de incidente suscitado perante o órgão jurisdicional de reenvio, compete a este decidir quanto às despesas. As despesas efetuadas pelas outras partes para a apresentação de observações ao Tribunal de Justiça não são reembolsáveis.

Pelos fundamentos expostos, o Tribunal de Justiça (Nona Secção) declara:

1)      O artigo 99.o, n.o 1, do Regulamento (CE) n.o 207/2009 do Conselho, de 26 de fevereiro de 2009, sobre a marca da União Europeia, deve ser interpretado no sentido de que a ação de contrafação apresentada num tribunal de marcas da União Europeia, em conformidade com o artigo 96.o, alínea a), desse regulamento, não pode ser julgada improcedente com fundamento numa causa de nulidade absoluta como a prevista no artigo 52.o, n.o 1, alínea b), do referido regulamento, sem que esse tribunal tenha julgado procedente o pedido reconvencional de nulidade apresentado pelo demandado nessa ação de contrafação, com base no artigo 100.o, n.o 1, do referido regulamento, e fundado nessa mesma causa de nulidade.

2)      As disposições do Regulamento n.o 207/2009 devem ser interpretadas no sentido de que não obstam a que o tribunal de marcas da União Europeia possa julgar improcedente uma ação de contrafação, na aceção do artigo 96.o, alínea a), desse regulamento, com fundamento numa causa de nulidade absoluta como a prevista no artigo 52.o, n.o 1, alínea b), do referido regulamento, mesmo que não tenha transitado em julgado a decisão relativa ao pedido reconvencional de nulidade apresentado nos termos do artigo 100.o, n.o 1, do referido regulamento e fundado nessa mesma causa de nulidade.

Assinaturas


*      Língua do processo: alemão.