Language of document : ECLI:EU:T:2013:482

Processo T‑111/11

ClientEarth

contra

Comissão Europeia

«Acesso aos documentos — Regulamento (CE) n.° 1049/2001 — Estudos recebidos pela Comissão respeitantes à transposição de diretivas em matéria de ambiente — Recusa parcial de acesso — Exceção relativa à proteção de objetivos das atividades de inspeção, de inquérito e de auditoria — Exame concreto e individual — Compatibilidade com a Convenção de Aarhus — Interesse público superior — Consequências da ultrapassagem do prazo para adotar uma decisão expressa — Alcance do dever de divulgar ativamente a informação ambiental»

Sumário — Acórdão do Tribunal Geral (Sexta Secção) de 13 de setembro de 2013

1.      Processo judicial — Decisão ou resolução que substitui no decurso da instância o ato impugnado — Elemento novo — Extensão dos pedidos e fundamentos iniciais

2.      Instituições da União Europeia — Direito de acesso do público aos documentos — Regulamento n.° 1049/2001 — Exceções ao princípio de acesso aos documentos — Recusa assente em várias exceções — Admissibilidade

(Regulamento n.° 1049/2001 do Parlamento Europeu e do Conselho, artigo 4.°)

3.      Instituições da União Europeia — Direito de acesso do público aos documentos — Regulamento n.° 1049/2001 — Objeto — Exceções ao direito de acesso aos documentos — Interpretação e aplicação estritas

(Regulamento n.° 1049/2001 do Parlamento Europeu e do Conselho, considerandos 4 e 11, artigos 1.° e 4.°)

4.      Instituições da União Europeia — Direito de acesso do público aos documentos — Regulamento n.° 1049/2001 — Exceções ao direito de acesso aos documentos — Proteção dos objetivos das atividades de inspeção, investigação e auditoria — Alcance — Documentos reunidos no quadro de um inquérito relativo a uma ação por incumprimento — Inclusão

(Artigo 258.° TFUE; Regulamento n.° 1049/2001 do Parlamento Europeu e do Conselho, artigo 4.°, n.° 2, terceiro travessão)

5.      Instituições da União Europeia — Direito de acesso do público aos documentos — Regulamento n.° 1049/2001 — Obrigação de a instituição proceder a um exame concreto e individual dos documentos — Alcance — Exclusão da obrigação — Documentos que fazem parte de um dossiê da Comissão relativo a um inquérito respeitante à transposição de diretivas — Admissibilidade

(Regulamento n.° 1049/2001 do Parlamento Europeu e do Conselho, artigo 4.°, n.os 1 a 3)

6.      Acordos internacionais — Acordos da União — Convenção sobre o acesso à informação, a participação do público no processo decisório e o acesso à justiça em matéria de ambiente (Convenção de Aarhus) — Efeitos — Primado sobre os atos de direito derivado da União — Apreciação, tendo em conta esta Convenção, da legalidade de um ato da União — Requisitos

(Artigo 216.°, n.° 2, TFUE; Convenção de Aarhus)

7.      Acordos internacionais — Acordos da União — Convenção sobre o acesso à informação, a participação do público no processo decisório e o acesso à justiça em matéria de ambiente (Convenção de Aarhus) — Disposições desta Convenção relativa aos motivos de recusa de um pedido de acesso a informações ambientais — Efeito direto — Inexistência — Decisão de recusa de acesso aos documentos das instituições em matéria de ambiente respeitantes a uma ação por incumprimento — Compatibilidade com a Convenção

(Convenção de Aarhus, artigos 3.° e 4.°, n.os 1 e 4; Regulamentos do Parlamento Europeu e do Conselho n.° 1049/2004, artigo 4.°, 2.°, terceiro travessão, e n.° 1367/2006)

8.      Instituições da União Europeia — Direito de acesso do público aos documentos — Regulamento n.° 1049/2001 — Exceções ao direito de acesso aos documentos — Interesse público superior que justifica a divulgação de documentos — Distinção relativamente ao princípio da transparência

(Regulamento n.° 1049/2001 do Parlamento Europeu e do Conselho, artigo 4.°, n.os 2 e 3, primeiro parágrafo)

9.      Instituições da União Europeia — Direito de acesso do público aos documentos — Regulamento n.° 1049/2001 — Prazo fixado para responder a um pedido de acesso — Prolongamento — Requisitos

(Regulamento n.° 1049/2001 do Parlamento Europeu e do Conselho, artigo 8.°, n.os 1 e 2)

10.    Instituições da União Europeia — Direito de acesso do público aos documentos — Regulamento n.° 1049/2001 — Inobservância, pela Comissão, dos prazos fixados para responder a um pedido de acesso — Decisão de indeferimento tácito — Conservação da competência da Comissão para responder fora de prazo ao pedido de acesso

(Regulamento n.° 1049/2001 do Parlamento Europeu e do Conselho, artigo 8.°)

11.    Instituições da União Europeia — Direito de acesso do público aos documentos — Difusão ativa das informações ambientais — Limites — Exceções ao direito de acesso aos documentos

(Convenção de Aarhus, artigo 5.°, n.os 3 e 5; Regulamentos do Parlamento Europeu e do Conselho n.° 1049/2001, artigo 4.°, e n.° 1367/2006, artigo 4.°, n.° 2)

1.      V. texto da decisão.

(cf. n.° 36)

2.      V. texto da decisão.

(cf. n.° 42)

3.      V. texto da decisão.

(cf. n.os 47, 48)

4.      A Comissão pode validamente aplicar a exceção referida no artigo 4.°, n.° 2, terceiro travessão, do Regulamento n.° 1049/2001, relativo ao acesso do público aos documentos do Parlamento Europeu, do Conselho e da Comissão, para recusar acesso a documentos relativos a inquéritos que incidem sobre uma eventual infração ao direito da União que possam conduzir à abertura de um processo por incumprimento ou que tenham efetivamente conduzido à abertura de tal processo. Nesses casos, a recusa de acesso foi considerada como justificada pelo facto de assistir aos Estados‑Membros em causa o direito de confiar que a Comissão observe a confidencialidade no que diz respeito a esses inquéritos, mesmo após o decurso de um certo lapso de tempo após o encerramento dos mesmos.

Em particular, resulta da jurisprudência que uma divulgação de documentos relativos à fase de inquérito, durante as negociações entre a Comissão e o Estado‑Membro em causa, poderia prejudicar o bom desenrolar do processo por incumprimento na medida em que a finalidade deste, que é levar o Estado‑Membro em causa a dar voluntariamente cumprimento às exigências do Tratado ou, tal sendo o caso, a dar‑lhe oportunidade de justificar a sua posição, poderia ser posta em perigo. Essa exigência de confidencialidade perdura mesmo após a solicitação da intervenção do Tribunal de Justiça, pelo facto de que não se pode excluir que as negociações entre a Comissão e o Estado‑Membro em causa, com vista a que este dê voluntariamente cumprimento às exigências do Tratado, possam prosseguir no decurso do processo judicial e até à prolação do acórdão. A preservação deste objetivo, a saber, uma resolução amigável do diferendo entre a Comissão e o Estado‑Membro em causa antes do acórdão do Tribunal de Justiça, justifica, portanto, a recusa de acesso a esses documentos.

(cf. n.os 58, 59)

5.      Quando a divulgação de um documento é pedida a uma instituição, esta é obrigada a apreciar, em cada caso concreto, se esse documento é abrangido pelas exceções ao direito de acesso enumeradas no artigo 4.° do Regulamento n.° 1049/2001, relativo ao acesso do público aos documentos do Parlamento Europeu, do Conselho e da Comissão. O exame de um pedido de acesso a documentos deve revestir caráter concreto e individual e incidir sobre o conteúdo de cada documento visado no referido pedido. Deve igualmente resultar dos motivos da decisão da instituição, no que diz respeito a todas as exceções mencionadas nos n.os 1 a 3 do artigo 4.° do mesmo regulamento em que essa decisão se baseia.

Com efeito, o referido exame pode não ser necessário quando, em razão das circunstâncias particulares do caso concreto, seja manifesto que o acesso deve ser recusado ou, pelo contrário, concedido. Tal poderá acontecer, nomeadamente, se determinados documentos estiverem manifestamente cobertos na sua totalidade por uma exceção ao direito de acesso ou eram manifestamente acessíveis na sua totalidade, ou tiverem já sido objeto de uma apreciação concreta e individual por parte da Comissão em circunstâncias similares. Além disso, é, em princípio, permitido à instituição em causa, incluindo nos fundamentos da decisão de recusa, basear‑se em presunções gerais que se aplicam a determinadas categorias de documentos, uma vez que considerações de ordem geral similares são suscetíveis de se aplicarem a pedidos de divulgação relativos a documentos da mesma natureza, desde que a instituição verifique em cada caso se as considerações de ordem geral normalmente aplicáveis a um determinado tipo de documentos são efetivamente aplicáveis a um dado documento cuja divulgação é pedida.

Assim, em razão das circunstâncias particulares do caso em apreço, a Comissão pode considerar, por um lado, que todos os estudos que encomendou no quadro da fase preliminar de processo por incumprimento e examinam profundamente a conformidade da legislação dos Estados‑Membros em causa com o direito da União, entravam na mesma categoria de documentos e, por outro, que o acesso a essa categoria de documentos devia ser recusado com fundamento na exceção prevista no artigo 4.°, n.° 2, terceiro travessão, do mesmo regulamento.

A este propósito, há que salientar que os estudos controvertidos são documentos especificamente destinados e consagrados à análise da transposição por um Estado‑Membro preciso de uma diretiva precisa, e que fazem parte de um dossiê da Comissão relativo a essa transposição. Quando o processo por incumprimento tiver sido já instaurado, não poderá considerar‑se que esses estudos não fazem parte dos elementos do autos relativos ao processo em causa, na medida em que é nomeadamente com base nesses estudos que a Comissão decidiu instaurar o referido processo. Quanto aos estudos em relação aos quais a Comissão não iniciou ainda o processo por incumprimento, é igualmente necessário preservar a sua confidencialidade, uma vez que as informações que já são do domínio público não podem dele ser retiradas ao ser aberto o processo.

(cf. n.os 64, 65, 68 a 70, 79)

6.      Por força do artigo 216.°, n.° 2, TFUE, quando forem celebrados acordos internacionais pela União Europeia, as instituições da União estão vinculadas por tais acordos e, por conseguinte, estes prevalecem sobre os atos da União. A Convenção de Aarhus foi assinada pela Comunidade e em seguida aprovada através da Decisão 2005/370, relativa à celebração, em nome da Comunidade Europeia, da Convenção sobre o acesso à informação, participação do público no processo de tomada de decisão e acesso à justiça em matéria de ambiente. Portanto, as cláusulas dessa Convenção passaram a fazer parte integrante da ordem jurídica da União.

A legalidade de um ato da União pode ser afetada pela incompatibilidade desse ato com um acordo internacional. Quando a incompatibilidade de um ato da União com as normas do direito internacional for invocada perante o juiz da União, este pode examiná‑la sem prejuízo do respeito de duas condições. Em primeiro lugar, a União deve estar vinculada por essas normas. Em segundo lugar, o Tribunal Geral só pode proceder ao exame da legalidade do ato da União à luz de uma disposição de um tratado internacional quando a natureza e a economia deste a isso se não opuserem e, por outro lado, a referida disposição se afigure, do ponto de vista do seu conteúdo, incondicional e suficientemente precisa.

(cf. n.os 84, 85, 91)

7.      A União está vinculada pela Convenção sobre o acesso à informação, participação do público no processo de tomada de decisão e acesso à justiça em matéria de ambiente (Convenção de Aarhus). Todavia, no que se refere aos motivos de recusa de um pedido de acesso a informação ambiental, essa Convenção não se afigura, do ponto de vista do seu conteúdo, incondicional e suficientemente precisa.

Esta última, e em particular o seu artigo 4.°, n.° 4, alínea c), foi manifestamente concebida para se aplicar principalmente às autoridades dos Estados contratantes e utiliza conceitos que lhe são próprios, como resulta da remissão para o quadro das legislações nacionais prevista no artigo 4.°, n.° 1. Em contrapartida, não tem em conta as especificidades que caracterizam as organizações de integração económica regional, que podem, no entanto, aderir à Convenção. Em particular, nenhuma indicação no artigo 4.°, n.° 4, alínea c), ou em outras disposições da Convenção de Aarhus permite interpretar os conceitos utilizados por essa disposição e determinar se um inquérito relativo a um processo por incumprimento pode fazer parte delas. Na falta de qualquer precisão para esse efeito, não pode considerar‑se que a Convenção de Aarhus impede o legislador da União de prever uma exceção ao princípio de acesso aos documentos das instituições em matéria de ambiente quando os mesmos disserem respeito a um processo por incumprimento, que faz parte dos mecanismos constitucionais do direito da União, tal como previstos pelos Tratados. Decorre de tudo o que precede que não pode vingar o argumento da recorrente, segundo o qual o artigo 4.°, n.° 2, terceiro travessão, do Regulamento n.° 1049/2001, relativo ao acesso do público aos documentos do Parlamento Europeu, do Conselho e da Comissão, tal como foi aplicado pela Comissão na decisão impugnada, é incompatível com o artigo 4.°, n.° 4, da Convenção de Aarhus na medida em que essa disposição não prevê qualquer exceção ao direito de acesso aos documentos destinada a proteger os objetivos de outras atividades de inquérito que não sejam as de natureza penal e disciplinar.

(cf. n.os 92, 96, 97, 99)

8.      O direito do público de receber essas informações constitui a expressão do princípio da transparência, que é implementado pelo conjunto das disposições do Regulamento n.° 1049/2001, relativo ao acesso do público aos documentos do Parlamento Europeu, do Conselho e da Comissão, tal como resulta do considerando 2 do referido regulamento, segundo o qual a transparência permite assegurar uma melhor participação dos cidadãos no processo de decisão e garantir uma maior legitimidade, eficácia e responsabilidade da administração perante os cidadãos e contribui para o reforço dos princípios da democracia. Todavia, decorre da jurisprudência que o interesse público superior, referido no artigo 4.°, n.° 2, in fine, e no artigo 4.°, n.° 3, primeiro parágrafo, in fine, do Regulamento n.° 1049/2001, que é suscetível de justificar a divulgação de um documento que prejudique ou prejudique gravemente os interesses jurídicos protegidos pelas exceções visadas por essas disposições, deve, em princípio, ser distinto dos princípios supramencionados que subjazem ao referido regulamento.

É certo que o facto de que o requerente do acesso não invocar, como acontece no caso em apreço, nenhum interesse público distinto desses princípios não implica automaticamente que não seja necessária uma ponderação dos interesses em presença. Com efeito, a invocação desses mesmos princípios pode apresentar, face às circunstâncias particulares do caso concreto, uma acuidade tal que ultrapasse a necessidade de proteção dos documentos controvertidos.

Todavia, tal não acontece no caso em apreço. Com efeito, a recorrente não invocou nenhum argumento de molde a demonstrar que, no que diz respeito aos estudos controvertidos, a invocação desses princípios apresentasse, face às circunstâncias do caso em apreço, uma acuidade particular. Limitou‑se a invocar considerações genéricas sem qualquer relação com as circunstâncias particulares do caso em apreço, a saber, que os cidadãos têm direito de serem informados sobre o grau de respeito pelos Estados‑Membros do direito da União em matéria de ambiente bem como de participar no processo de tomada de decisões. Ora, considerações genéricas não poderão ser de molde a demonstrar que o princípio da transparência apresente num caso preciso uma acuidade particular que tenha primazia sobre as razões que justificam a recusa de divulgação dos documentos pedidos.

(cf. n.os 106 a 109)

9.      V. texto da decisão.

(cf. n.° 117)

10.    V. texto da decisão.

(cf. n.os 118, 119)

11.    Tanto a Convenção de Aarhus como o Regulamento n.° 1367/06, relativo à aplicação das disposições da Convenção de Aarhus sobre o acesso à informação, participação do público no processo de tomada de decisão e acesso à justiça em matéria de ambiente às instituições e órgãos comunitários, preveem o acesso do público à informação ambiental quer por pedido quer no quadro de uma divulgação ativa pelas autoridades e instituições em causa. Ora, na medida em que as autoridades e instituições podem indeferir um pedido de acesso à informação quando esta estiver incluída no âmbito de aplicação de certas exceções, impõe‑se considerar que as mesmas não são obrigadas a divulgar ativamente essa informação. Com efeito, no caso contrário, as exceções em causa seriam privadas de qualquer efeito útil, o que é manifestamente incompatível com o espírito e com a letra da Convenção de Aarhus e do Regulamento n.° 1367/06.

(cf. n.° 128)