Language of document : ECLI:EU:C:2021:816

CONCLUSÕES DO ADVOGADO‑GERAL

MICHAL BOBEK

apresentadas em 6 de outubro de 2021(1)

Processos apensos C106/19 e C232/19

República Italiana (C106/19)

Comune di Milano (C232/19)

contra

Conselho da União Europeia

Parlamento Europeu

«Recurso de anulação — Admissibilidade — Legitimidade — Afetação direta e individual — Regulamento (UE) 2018/1718 que altera o Regulamento (CE) n.o 726/2004 no que respeita à localização da sede da Agência Europeia de Medicamentos — Prerrogativas do Parlamento Europeu — Decisão adotada pelos representantes dos Estados‑Membros à margem de uma reunião do Conselho para determinar a localização da sede de uma agência — Inexistência de efeitos vinculativos na ordem jurídica da União — Poder de apreciação exercido pelo Parlamento Europeu no processo legislativo ordinário — Limites»






I.      Introdução

1.        O direito não gosta de deixar nada ao acaso. Isto não quer dizer que os advogados, tanto quanto os membros de qualquer outra profissão, não precisem de um pouco de sorte de vez em quando. Aquela afirmação sugere mais propriamente que o que está na origem dos sistemas jurídicos modernos é (a promessa de) racionalidade e razão. Mesmo nos casos em que o recurso à tiragem à sorte pode, com efeito, produzir resultados imparciais e eficientes, ainda nos debatemos com a sua intrínseca irracionalidade. A razão por detrás disto é que não basta chegar a um resultado por si só. Em vez disso, o que hoje tende a ser expectável como resultado de um processo legislativo é uma decisão imputável e, portanto, responsável e passível de fiscalização (2).

2.        Sem se envolverem diretamente com as implicações filosóficas da tomada de decisão por sorteio (3), a Comune di Milano (Município de Milão, Itália) e a República Italiana questionam pelo menos o resultado de tal procedimento no presente processo: a escolha por sorteio, à margem de uma reunião do Conselho da União Europeia (a seguir «Conselho»), da cidade de Amesterdão (Países Baixos) como nova sede da Agência Europeia de Medicamentos (a seguir «EMA»). Esta escolha deu origem a dois processos perante o Tribunal de Justiça.

3.        Em primeiro lugar, nos processos apensos C‑59/18 e C‑182/18, a República Italiana e a Comune di Milano (Município de Milão), respetivamente, contestaram a decisão dos representantes dos Estados‑Membros de localizar a nova sede da EMA em Amesterdão. Abordo as questões levantadas nesses processos, em especial a questão de saber se uma decisão dos representantes dos Estados‑Membros pode ser objeto de um recurso de anulação ao abrigo do artigo 263.o TFUE, nas minhas Conclusões paralelas que abrangem os processos apensos C‑59/18 e C‑182/18, bem como o processo C‑743/19 [no qual o Parlamento Europeu contestou a decisão dos representantes dos Estados‑Membros de localizar a sede da Autoridade Europeia do Trabalho (a seguir «ELA») em Bratislava, Eslováquia] (4).

4.        Posteriormente, o Regulamento (UE) 2018/1718 previu que a nova sede da EMA era em Amesterdão (a seguir «regulamento impugnado») (5). Com os presentes recursos, interpostos contra o Conselho e o Parlamento, a República Italiana e a Comune di Milano (Município de Milão) contestam, a título principal, a legalidade daquele regulamento.

II.    Quadro jurídico

5.        O Regulamento 2018/1718,  adotado em 14 de novembro de 2018, e com base nos artigos 114.o e 168.o, n.o 4, alínea c), TFUE,  contém as seguintes disposições:

«Artigo 1.o

No Regulamento (CE) n.o 726/2004 é inserido o seguinte artigo:

“Artigo 71.o‑A

A Agência tem a sua sede em Amesterdão, nos Países Baixos.

As autoridades competentes dos Países Baixos tomam todas as medidas necessárias para assegurar que a Agência possa transferir‑se para a sua sede provisória até 1 de janeiro de 2019 e para a sua sede definitiva até 16 de novembro de 2019.

As autoridades competentes dos Países Baixos apresentam um relatório escrito ao Parlamento Europeu e ao Conselho sobre os progressos realizados a nível das adaptações das instalações provisórias e da construção do edifício definitivo, até 17 de fevereiro de 2019 e, subsequentemente, de três em três meses, até que a Agência se transfira para a sua localização definitiva.”

Artigo 2.o

O presente regulamento entra em vigor no dia da sua publicação no Jornal Oficial da União Europeia.

O presente regulamento é aplicável a partir de 30 de março de 2019.

O presente regulamento é obrigatório em todos os seus elementos e diretamente aplicável em todos os Estados‑Membros.»

6.        No decurso do processo legislativo conducente à adoção do Regulamento 2018/1718, o Parlamento Europeu adotou a Resolução legislativa, de 25 de outubro de 2018, sobre a proposta de regulamento do Parlamento Europeu e do Conselho que altera o Regulamento (CE) n.o 726/2004 no que respeita à localização da sede da Agência Europeia de Medicamentos (6). Nessa resolução, o Parlamento, nomeadamente,

«2.      Denuncia a Declaração Conjunta do Parlamento Europeu, do Conselho da União Europeia e da Comissão Europeia, de 19 de julho de 2012, sobre as agências descentralizadas, bem como a Abordagem Comum a esta anexa, e solicita que o Parlamento Europeu seja estreitamente associado ao processo de decisão relativo à localização e transferência das agências» e

«5.      Lamenta que o Parlamento Europeu — e, em última análise, os representantes dos cidadãos da União — não tenha sido plenamente associado ao processo de seleção da nova sede da Agência Europeia de Medicamentos (EMA), que acabou por ser concluído por sorteio, não obstante a importância da decisão; considera que as decisões relacionadas com a localização dos organismos e agências têm de ser, e legalmente devem ser, tomadas no âmbito do processo legislativo ordinário, respeitando plenamente as prerrogativas do Parlamento Europeu, segundo as quais o Parlamento Europeu e o Conselho são colegisladores em pé de igualdade».

7.        Os anexos à resolução contêm a seguinte declaração do Parlamento:

«O Parlamento Europeu lamenta que o seu papel de colegislador não tenha sido devidamente tido em conta, uma vez que não foi associado ao processo que conduziu à seleção da nova sede da Agência Europeia de Medicamentos (EMA).

O Parlamento Europeu gostaria de recordar as suas prerrogativas enquanto colegislador e insiste no pleno respeito do processo legislativo ordinário relativamente à localização de organismos e agências.

Como única instituição da União eleita por sufrágio direto e representante dos cidadãos da União, é o primeiro garante do respeito do princípio democrático na União.

O Parlamento Europeu condena o procedimento seguido para a seleção da nova localização da sede, que privou de facto o Parlamento Europeu das suas prerrogativas, dado que não foi efetivamente associado ao processo, sendo agora esperado, no entanto, que confirme simplesmente a seleção feita da nova localização da sede através do processo legislativo ordinário.

O Parlamento Europeu recorda que a Abordagem Comum anexa à Declaração Conjunta do Parlamento Europeu, do Conselho e da Comissão Europeia sobre as agências descentralizadas, assinada em 2012, não é juridicamente vinculativa, tal como reconhecido na própria declaração, e que foi acordada sem prejuízo das competências legislativas das instituições.

Por conseguinte, o Parlamento Europeu insiste em que o processo seguido para a seleção de uma nova localização das agências seja revisto e não volte a ser usado com esta forma no futuro.

Finalmente, o Parlamento Europeu gostaria também de recordar que, nos termos do Acordo Interinstitucional sobre legislar melhor, de 13 de abril de 2016, as três instituições estão empenhadas numa cooperação leal e transparente, recordando ao mesmo tempo a igualdade dos dois colegisladores consagrada nos Tratados.»

III. Factos na origem do recurso

8.        A Agência Europeia de Avaliação dos Medicamentos foi criada pelo Regulamento (CEE) n.o 2309/93 do Conselho, de 22 de julho de 1993, que estabelece procedimentos comunitários de autorização e fiscalização de medicamentos para uso humano e veterinário e institui uma Agência Europeia de Avaliação dos Medicamentos (7).

9.        Em 29 de outubro de 1993, os Chefes de Estado ou de Governo dos Estados‑Membros decidiram de comum acordo fixar a sede daquela em Londres (Reino Unido) (8).

10.      O Regulamento n.o 2309/93 foi posteriormente revogado e substituído pelo Regulamento (CE) n.o 726/2004 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 31 de março de 2004, que estabelece procedimentos comunitários de autorização e de fiscalização de medicamentos para uso humano e veterinário e que institui uma Agência Europeia de Medicamentos (9). Através deste regulamento, a Agência Europeia de Avaliação dos Medicamentos passou a denominar‑se EMA. O regulamento não continha nenhuma disposição sobre a localização da sede da EMA.

11.      Em 29 de março de 2017, em conformidade com o artigo 50.o, n.o 2, TUE, o Reino Unido notificou o Conselho Europeu da sua intenção de se retirar da União Europeia.

12.      Em 22 de junho de 2017, à margem da reunião do Conselho Europeu (artigo 50.o), os Chefes de Estado ou de Governo dos outros 27 Estados‑Membros aceitaram, sob proposta do presidente do Conselho Europeu e do presidente da Comissão Europeia, o procedimento de transferência da sede da EMA e da Autoridade Bancária Europeia (a seguir «regras de seleção») (10).

13.      Estas regras previam que a decisão relativa à futura sede das duas agências devia ser tomada com base num processo de decisão equitativo e transparente através de um convite organizado à apresentação de propostas baseado em seis critérios definidos no n.o 3 das regras de seleção.

14.      Previa‑se, igualmente, que,  em caso de empate entre as propostas restantes na terceira (e última) volta de votação, a decisão seria tomada pela Presidência, por sorteio entre as propostas empatadas.

15.      Em 20 de novembro de 2017, a proposta da República Italiana e a do Reino dos Países Baixos obtiveram o mesmo número de votos na terceira volta da votação. A proposta do Reino dos Países Baixos foi posteriormente selecionada por sorteio.

16.      Consequentemente, nesse mesmo dia, os representantes dos Estados‑Membros selecionaram, à margem da 3579.a reunião do Conselho dos Assuntos Gerais, a cidade de Amesterdão como a nova sede da EMA (a seguir «decisão dos representantes dos Estados‑Membros»). Esta decisão foi anunciada na ata da reunião do Conselho (11) e resultou num comunicado de imprensa (12). Foi declarado que «a Comissão irá agora preparar propostas legislativas que reflitam [a votação] no âmbito do processo legislativo ordinário com a participação do Parlamento Europeu. […]».

17.      Em 29 de novembro de 2017, a Comissão adotou uma proposta de regulamento que altera o Regulamento n.o 726/2004 no que respeita à localização da sede da EMA. A respetiva exposição de motivos precisava que os «Estados‑Membros, à margem do Conselho dos Assuntos Gerais (Art. 50.o), selecionaram Amesterdão, nos Países Baixos, como a nova sede da [EMA]» (13).

18.      Consequentemente, o Regulamento n.o 726/2004 foi alterado pelo Regulamento 2018/1718 para prever que «[a] Agência tem a sua sede em Amesterdão, nos Países Baixos» (14).

19.      Posteriormente, foram interpostos quatro recursos de anulação.

20.      Em primeiro lugar, no seu recurso, ainda pendente, com o n.o C‑59/18, o Governo italiano pede ao Tribunal de Justiça que anule a decisão dos representantes dos Estados‑Membros na parte em que esta prevê que Amesterdão será a nova sede da EMA, e, consequentemente, atribua essa sede à cidade de Milão (Itália).

21.      Em segundo lugar, no processo C‑182/18, a Comune di Milano (Município de Milão, Itália), apoiada pelo Governo italiano e pela Regione Lombardia (Região da Lombardia, Itália), pede ao Tribunal de Justiça que anule a decisão dos representantes dos Estados‑Membros na parte em que esta prevê que Amesterdão será a nova sede da EMA.

22.      Em 19 de novembro de 2019, o presidente do Tribunal de Justiça ordenou a apensação dos processos C‑59/18 e C‑182/18 para efeitos da fase oral e da prolação do acórdão.

23.      Em terceiro lugar, no processo C‑106/19, a República Italiana pede a anulação do regulamento impugnado.

24.      Em quarto lugar, no processo C‑232/19, a Comune di Milano (Município de Milão) pede a anulação do regulamento impugnado e a declaração de que a decisão dos representantes dos Estados‑Membros não tem efeitos jurídicos vinculativos.

25.      Em 19 de dezembro de 2019, o presidente do Tribunal de Justiça ordenou a apensação dos processos C‑106/19 e C‑232/19 (a seguir designados também por «presentes processos») para efeitos da fase oral e da prolação do acórdão.

IV.    Tramitação processual no Tribunal de Justiça

26.      Ao contrário dos recursos nos processos apensos C‑59/18 e C‑182/18, relativos à legalidade da decisão dos representantes dos Estados‑Membros, os presentes processos suscitam principalmente a questão da legalidade do regulamento impugnado que foi adotado após a decisão dos representantes dos Estados‑Membros.

a)      Processo C106/19

27.      O Governo italiano pede ao Tribunal de Justiça que anule o regulamento impugnado e condene o Conselho e o Parlamento nas despesas do processo. O Conselho e o Parlamento pedem ao Tribunal de Justiça que negue provimento ao recurso e condene o Governo italiano nas despesas do processo. O Governo neerlandês e a Comissão, intervindo em apoio do Conselho e do Parlamento, pedem ao Tribunal de Justiça que negue provimento ao recurso. O Governo neerlandês pede ainda ao Tribunal de Justiça que condene o Governo italiano nas despesas do processo.

28.      No recurso o Governo italiano invoca dois fundamentos para sustentar a sua alegação de que o regulamento impugnado é ilegal. No primeiro fundamento alega a violação dos artigos 10.o, 13.o e 14.o, TUE, e dos artigos 114.o, 168.o, n.o 4, alínea c), 289.o e 294.o TFUE. No segundo fundamento alega que, mesmo que se conclua que as prerrogativas do Parlamento não foram violadas, a ilegalidade do regulamento impugnado deriva da ilegalidade da decisão dos representantes dos Estados‑Membros. Neste contexto, o Governo italiano alega desvio de poder por falta de investigação e desvirtuação dos elementos de prova. Para um desenvolvimento mais aprofundado dos argumentos invocados neste contexto, o Governo italiano remete para o seu recurso no processo C‑59/18, relativo à legalidade da decisão dos representantes dos Estados‑Membros (15).

29.      Quanto ao primeiro fundamento do seu recurso, o Governo italiano alega, em primeiro lugar, que houve uma violação do artigo 10.o TUE porque o procedimento seguido para a escolha da nova sede da EMA não permitiu aos cidadãos europeus participarem nessa escolha. Neste contexto, tal também resultou numa violação do artigo 14.o, n.o 1, TUE, que estabelece que a função legislativa é exercida pelo Parlamento. Em todo o caso, a Comissão e o Conselho deveriam ter tornado possível a participação do Parlamento. O próprio facto de não o terem feito resultou numa violação do equilíbrio institucional e da cooperação leal e transparente expressa no artigo 13.o TUE. Quanto aos artigos 289.o e 294.o TFUE, lidos em conjugação com a base jurídica do regulamento impugnado, a sua violação deve‑se ao facto de o processo legislativo ordinário ter sido seguido de forma puramente formal, sem que o Parlamento pudesse realmente influenciar a escolha da nova sede da EMA.

30.      Na sua contestação, o Conselho alega que o processo legislativo decorreu segundo uma prática uniforme. O Parlamento discutiu as opções de localização da sede noutro lugar, sobretudo em Milão, e rejeitou essa opção. O Parlamento apresentou então (e conseguiu mesmo) várias alterações à proposta de regulamento. O Conselho sustenta ainda que a competência para a escolha da sede de uma agência pertence aos Estados‑Membros que deliberam de comum acordo. Essa competência baseia‑se no artigo 341.o TFUE. A designação da nova sede da EMA no regulamento impugnado é puramente declarativa, uma vez que o colegislador não poderia afastar‑se da escolha feita a esse respeito pelos Estados‑Membros. Ao mesmo tempo, no entanto, o Parlamento podia (co)definir as condições da transferência, o que fez acrescentando ao novo artigo 71.o‑A do Regulamento n.o 726/2004 dois novos travessões relacionados com o prazo para a transferência, a duração da localização temporária e a obrigação das autoridades do Reino dos Países Baixos de apresentarem um relatório escrito ao Parlamento e ao Conselho.

31.      Na sua contestação, o Parlamento partilha da opinião do Governo italiano de que a decisão dos representantes dos Estados‑Membros não podia limitar os poderes do Parlamento. No entanto, é de opinião que a situação em causa não resultou na ilegalidade do regulamento impugnado porque os representantes dos Estados‑Membros não têm competência para determinar a sede da EMA. Essa competência pertence ao legislador da União, que não pode abster‑se de exercer as suas funções. Por conseguinte, não pode aprovar pura e simplesmente uma proposta anterior dos Estados‑Membros sem exercer o controlo da mesma. A decisão dos representantes dos Estados‑Membros foi puramente política, sem efeitos vinculativos. O facto de a escolha feita nessa decisão ter sido adotada na proposta da Comissão foi, na opinião do Parlamento, a expressão do poder discricionário da Comissão. Ao aprovar esta escolha, o Parlamento exerceu igualmente o seu poder discricionário enquanto colegislador.

32.      Na réplica, o Governo italiano sublinha as diferenças nas posições respetivas do Conselho e do Parlamento no que diz respeito à questão central da competência para escolher a sede de uma agência. Parece que estas instituições não sabiam, ou em qualquer caso tinham opiniões diferentes sobre a questão, que competências foram exercidas. Devido a essa confusão, o Governo italiano absteve‑se de tomar posição no seu recurso sobre a natureza dessa competência, mas, no entanto, excluiu a possibilidade de ela fazer parte das competências exclusivas dos Estados‑Membros. O entendimento que o Parlamento tem da sua participação é puramente formal e inaceitável. Não demonstra que o Parlamento tenha desempenhado um papel determinante na escolha da nova sede da EMA.

33.      Na tréplica, centrada no primeiro fundamento do recurso, o Conselho declara que a sua posição, e a do Parlamento, sobre a questão da competência é em todo o caso irrelevante, uma vez que ambas as instituições concordam que as prerrogativas do Parlamento foram respeitadas. O Conselho salienta igualmente que o exercício das funções por uma instituição se traduz nos atos que são por ela praticados. As declarações políticas não são determinantes para avaliar se os poderes foram corretamente exercidos. O controlo da legalidade de um ato não pode estender‑se à fundamentação política que levou à sua adoção. Além disso, o Conselho reitera que a competência para escolher a sede das agências é da exclusiva competência dos Estados‑Membros. O Conselho salienta que a competência para determinar a sede de uma agência não coincide com a competência para regulamentar um determinado setor. Difere pela sua natureza política e simbólica e está ancorada no artigo 341.o TFUE.

34.      O Parlamento sublinha na sua tréplica que, durante o processo legislativo que conduziu à aprovação do regulamento impugnado, se esforçou por proteger a sua posição institucional por todos os meios disponíveis, seguindo simultaneamente o objetivo principal de garantir a continuidade das atividades da EMA durante a transferência da sua sede. Devido à iniciativa do Parlamento, o regulamento impugnado é complementado por um mecanismo de controlo e um calendário. Adotar uma posição rigorosa da sua parte nesse processo legislativo não teria sido compatível com o objetivo de proteger a saúde pública. A forma como o Parlamento exerceu as suas prerrogativas durante o processo legislativo baseou‑se, assim, numa escolha esclarecida e não constituiu uma renúncia ao seu papel.

35.      O Governo neerlandês apoia, no que diz respeito ao primeiro fundamento do recurso, os argumentos desenvolvidos pelo Conselho e pelo Parlamento.

36.      A Comissão é de opinião que a decisão dos representantes dos Estados‑Membros não podia entravar os poderes da Comissão ou dos colegisladores. Nem a Comissão nem o Parlamento estão vinculados pela escolha política dos Estados‑Membros quando se trata da sede de uma agência. A competência para escolher a sede de uma agência é da competência exclusiva da União. Durante os debates conducentes à aprovação do regulamento impugnado, foi discutida e excluída a opção de localização da nova sede da EMA em Milão.

37.      Quanto ao segundo fundamento do recurso, o Governo italiano alega, a título subsidiário, que, mesmo que se conclua que o papel do Parlamento não foi ignorado, a ilegalidade do regulamento impugnado deriva da ilegalidade da decisão dos representantes dos Estados‑Membros. Essa decisão estava viciada por desvio de poder resultante da falta de investigação e da desvirtuação dos factos. O Governo italiano faz uma síntese da sua argumentação no âmbito do seu recurso no processo paralelo C‑59/18. Em seguida, delineia pontos adicionais para sustentar a sua opinião de que a proposta do Reino dos Países Baixos não correspondia à realidade e, em todo o caso, não cumpria os critérios definidos no processo de seleção.

38.      Na sua defesa, o Conselho declara que o legislador não pode afastar‑se da escolha feita pelos representantes dos Estados‑Membros. Todavia, ainda tem de verificar se o ato em causa foi adotado em conformidade com as regras aplicáveis e a este respeito, o regulamento impugnado pode ser objeto de fiscalização jurisdicional. Mas o legislador não pode apreciar o mérito da escolha feita, incluindo os critérios ou o processo de apreciação do mérito, ou mesmo apreciar a situação factual.

39.      Além disso, o Conselho considera que o fundamento relativo ao desvio de poder é inadmissível e, em todo o caso, infundado, uma vez que não está demonstrado que a decisão dos representantes dos Estados‑Membros tenha sido tomada com o objetivo ou finalidade de alcançar um fim diferente do verdadeiramente prosseguido pelo processo de seleção. Em primeiro lugar, a Comissão não era obrigada a verificar as informações contidas nas respetivas propostas. Em segundo lugar, a alegada diferença entre a proposta e o statu quo posterior à seleção não é relevante para concluir que a proposta do Reino dos Países Baixos foi desvirtuada durante o processo de seleção. Em terceiro lugar, em todo o caso, não foi demonstrado que a alegada desvirtuação da proposta do Reino dos Países Baixos tenha conduzido a um erro de apreciação de tal natureza e seriedade que justifique a invalidação do processo de seleção.

40.      Na sua contestação, o Parlamento é de opinião que, na medida em que o Governo italiano se refere aos seus argumentos apresentados noutro processo em que o Parlamento não é parte, esse fundamento não preenche as condições do artigo 21.o do Estatuto do Tribunal de Justiça e do artigo 120.o, alínea c), do Regulamento de Processo do Tribunal de Justiça. Quanto ao mérito, não existe qualquer ligação processual ou outra ligação jurídica entre a decisão dos representantes dos Estados‑Membros e o regulamento impugnado. Assim, mesmo que se concluísse que a decisão dos representantes dos Estados‑Membros estava viciada, isso não pode afetar a validade do regulamento impugnado.

41.      Na sua réplica, o Governo italiano declara que não se limitou a remeter para os seus argumentos no processo C‑59/18. Reitera que a escolha feita pelo Parlamento não foi livre e, portanto, uma vez que essa escolha estava ligada à decisão anteriormente tomada pelos Estados‑Membros, as prerrogativas do Parlamento foram violadas.

42.      Na sua tréplica, o Parlamento reitera igualmente a sua posição sobre a ausência de uma ligação jurídica entre a decisão dos representantes dos Estados‑Membros e o regulamento impugnado. Para além da admissibilidade do segundo fundamento, ao qual o Parlamento continua a opor‑se, o Governo italiano não apresenta argumentos contra o regulamento impugnado para além dos apresentados no âmbito do primeiro fundamento. Os argumentos apresentados no âmbito do segundo fundamento são, portanto, inoperantes.

43.      A Comissão afirma que o segundo fundamento se baseia na premissa de que o colegislador nada mais fez do que «certificar» a escolha política. Mas não foi isso que se passou. Apesar da complexidade da sua adoção e do envolvimento da Comissão no processo, a decisão política não era vinculativa. Portanto, não poderia ter predeterminado o resultado do processo legislativo ordinário.

44.      O Governo neerlandês declara que o segundo fundamento se baseia na premissa de que não respeitou os seus compromissos na sua proposta de 28 de julho de 2017. O Governo neerlandês salienta que todos os factos referidos pelo Governo italiano são efetivamente posteriores à decisão dos representantes dos Estados‑Membros, cuja legalidade deve ser apreciada à luz dos factos existentes no momento da sua adoção. Em todo o caso, o Governo italiano não demonstrou a existência de um erro de apreciação, cuja natureza e gravidade resulte na ilegalidade da decisão dos representantes dos Estados‑Membros. Por último, o Governo neerlandês alega que os argumentos apresentados pelo Governo italiano não demonstram em que medida o Reino dos Países Baixos não respeitou os seus compromissos.

45.      Na sua resposta às intervenções do Governo neerlandês e da Comissão, o Governo italiano chama a atenção do Tribunal de Justiça para a interposição pelo Parlamento de um recurso no processo C‑743/19, em que o Parlamento contesta a Decisão (UE) 2019/1199 dos representantes dos Estados‑Membros, tomada de comum acordo para localizar a sede da ELA em Bratislava (16). Segundo o Governo italiano, o Parlamento alega, nesse recurso, que a decisão em causa não foi adotada pelos Estados‑Membros, mas pelo Conselho, e que a sua adoção interfere com as competências do legislador da União. Estes argumentos revelam que o Parlamento defende a sua posição no presente processo sem convicção. Em todo o caso, a posição do Parlamento é incompatível com a pretensão relativa à competência exclusiva da União a este respeito.

46.      Na sua resposta ao articulado de intervenção apresentado pelo Governo neerlandês, o Parlamento considera que não pode tomar posição sobre a proposta do Reino dos Países Baixos. Na sua resposta ao articulado de intervenção apresentado pela Comissão, o Parlamento concorda que os Tratados não reservam a competência para escolher a sede das agências aos Estados‑Membros. A importância política da decisão de localização da sede de uma agência não pode levar à conclusão de que a competência é dos Estados‑Membros. O Parlamento também concorda que a complexidade e a estrutura da cooperação entre os Estados‑Membros, bem como a participação das instituições no processo de seleção, não confere caráter vinculativo ao resultado dessa cooperação.

47.      O Conselho, na sua resposta ao articulado de intervenção apresentado pela Comissão, concorda que o Parlamento exerceu plenamente as suas prerrogativas e teve uma influência significativa sobre o conteúdo do regulamento impugnado. No entanto, o Conselho discorda da afirmação de que a decisão dos representantes dos Estados‑Membros contém apenas uma escolha política sem efeitos jurídicos vinculativos.

48.      Em 11 de fevereiro de 2019, o Governo italiano pediu que o processo C‑106/19 fosse julgado seguindo uma tramitação acelerada, nos termos do artigo 133.o do Regulamento de Processo. Por Decisão de 15 de fevereiro de 2019, o presidente do Tribunal de Justiça indeferiu esse pedido.

b)      Processo C232/19

49.      A Comune di Milano pede ao Tribunal de Justiça que anule o regulamento impugnado, declare que a decisão dos representantes dos Estados‑Membros não produz efeitos jurídicos e condene o Conselho e o Parlamento nas despesas do presente processo (17).

50.      Através de uma petição autónoma, o Parlamento suscitou uma exceção de inadmissibilidade, à qual a Comune di Milano respondeu e que foi apensada ao mérito da causa.

51.      Nas respetivas contestações, o Conselho e o Parlamento pedem ao Tribunal de Justiça que julgue o recurso inadmissível ou, em todo o caso, improcedente, e que condene a Comune di Milano nas despesas do presente processo.

52.      A Comissão, interveniente em apoio do Conselho e do Parlamento, pede ao Tribunal de Justiça que julgue o recurso inadmissível e, a título subsidiário, improcedente. O Governo neerlandês, interveniente em apoio do Conselho e do Parlamento, pede ao Tribunal de Justiça que negue provimento ao recurso e condene a Comune di Milano nas despesas do presente processo.

53.      No seu recurso, a Comune di Milano invoca quatro fundamentos. Um deles visa o regulamento impugnado. Os outros três visam a decisão dos representantes dos Estados‑Membros.

54.      Quanto ao primeiro fundamento, que visa o regulamento impugnado, a Comune di Milano declara que, por um lado, os princípios da democracia representativa (artigo 10.o TUE) e do equilíbrio institucional e da cooperação leal (artigo 13.o TUE) foram violados. Alega igualmente a violação de formalidades essenciais e do artigo 14.o TUE. O Parlamento foi privado das suas competências e da possibilidade de participar no processo de seleção da nova sede da EMA. A nova sede foi escolhida unicamente pelo Conselho e fora do processo legislativo ordinário. No âmbito do processo legislativo ordinário, o Parlamento não teve qualquer espaço de intervenção para apreciar ou mesmo questionar essa decisão. Segundo a Comune di Milano, se o Parlamento tivesse suspendido a designação de Amesterdão como nova sede da EMA, isso teria provocado uma crise política que prejudicaria uma agência indispensável à proteção da saúde dos cidadãos europeus e poderia ter deixado os funcionários da EMA e as suas famílias no território de um país terceiro.

55.      Quanto ao segundo, terceiro e quarto fundamentos, que visam a decisão dos representantes dos Estados‑Membros, a Comune di Milano invoca um desvio de poder, uma violação dos princípios da transparência, da boa administração e da equidade (segundo fundamento), uma violação do princípio da boa administração, da transparência e da cooperação leal (terceiro fundamento) e a violação da Decisão do Conselho de 1 de dezembro de 2009 (18) e do «Regulamento Interno do Conselho, de 31 de outubro de 2017» (19) (quarto fundamento).

56.      Mais especificamente, no âmbito do segundo fundamento, a Comune di Milano contesta a utilização de um processo de decisão por sorteio porque tal processo não permitiu que os critérios técnicos estabelecidos fossem tidos em conta e que a melhor proposta fosse selecionada. Alega também que a Comissão, de facto, não investigou, o que tinha sido previsto nas regras de seleção. A avaliação insuficiente da Comissão conduziu a uma violação manifesta do princípio da boa administração. Influenciou a votação dos Estados‑Membros, durante a qual a proposta do Reino dos Países Baixos foi desvirtuada. Além disso, alterações posteriores a essa proposta, negociadas entre o Reino dos Países Baixos e a EMA, violaram os princípios da transparência e da boa administração.

57.      Quanto ao terceiro fundamento, a Comune di Milano reitera que um processo de decisão por sorteio é ilegal. Critica ainda a inexistência de ata que documente o processo de votação e chama a atenção para o facto de os principais elementos do processo não terem sido tornados públicos. Estes elementos fundamentais não foram considerados pela Comissão e pelos Estados‑Membros (como resulta da ausência de investigação) e não lhes foram comunicados (no que diz respeito às alterações posteriores). Por fim, não havia possibilidade de ser efetuada uma fiscalização por parte daqueles que se tinham candidatado.

58.      Quanto ao quarto fundamento, a Comune di Milano salienta que as características da votação, bem como a adoção da decisão dos representantes dos Estados‑Membros, violaram várias regras processuais do Conselho (a quem esta decisão é, em seu entender, imputável). Neste contexto, a Comune di Milano sustenta que a ausência da ata constitui um caso de violação do artigo 13.o da Decisão do Conselho de 1 de dezembro de 2009 (20). Salienta ainda que houve incumprimento dos requisitos formais definidos no «Regulamento Interno do Conselho, de 31 de outubro de 2017» (21), ou seja: ausência de fundamentação; a impossibilidade de os representantes dos Estados‑Membros permanecerem presentes durante a contagem dos votos; bem como a ausência de intervalo entre a terceira volta da votação e o sorteio, o que teria permitido uma avaliação complementar das propostas.

59.      Na sua contestação, o Conselho sustenta que o recurso é manifestamente inadmissível por falta de legitimidade ativa da Comune di Milano, nos termos do artigo 263.o TFUE. Quanto ao mérito, o Conselho declara, no que diz respeito ao primeiro fundamento, que não foi demonstrado que as prerrogativas do Parlamento não foram respeitadas. O Parlamento participou no processo legislativo e discutiu outras opções além da cidade de Amesterdão antes de as rejeitar. Também efetuou e obteve várias alterações ao projeto de regulamento. Além disso, a escolha da sede de uma agência é da competência dos Estados‑Membros. A designação da nova sede da EMA no regulamento impugnado é meramente declarativa.

60.      Quanto ao segundo, terceiro e quarto fundamentos que visam o procedimento que conduziu à adoção da decisão dos Estados‑Membros, o Conselho afirma que nada permite demonstrar que o processo por sorteio tenha sido utilizado para prosseguir um objetivo diferente do da seleção da nova sede da EMA. É errado afirmar que a seleção foi feita independentemente de qualquer comparação qualitativa. A Comissão também não era obrigada a verificar os elementos de facto. As alegadas diferenças na proposta do Reino dos Países Baixos e os factos emergentes após o processo de seleção não permitem concluir pela desvirtuação da proposta do Reino dos Países Baixos. Com efeito, a alegada desvirtuação não era de tal gravidade e natureza que invalidasse o processo de seleção. Além disso, a nota do Conselho de 31 de outubro de 2017 não previa um intervalo entre a terceira volta da votação e o sorteio.

61.      O Parlamento explica, na sua contestação, que a decisão dos representantes dos Estados‑Membros não pode ser considerada como uma limitação das suas competências, mas antes como uma indicação da natureza política dessa decisão. Também não pode ser considerada uma fase preparatória do processo legislativo ordinário subsequente. Os Tratados não atribuem aos Estados‑Membros competência para decidir sobre a sede das agências. As instituições não podem abster‑se de exercer as suas funções em benefício dos Estados‑Membros. Quando o Parlamento aprovou a escolha da cidade de Amesterdão, fê‑lo no exercício do seu poder de apreciação. Em nenhum momento o Parlamento foi limitado pela escolha dos Estados‑Membros. Além disso, não existe qualquer relação jurídica entre a decisão dos representantes dos Estados‑Membros e o regulamento impugnado.

62.      Na sua réplica, a Comune di Milano rejeita os argumentos dirigidos contra a admissibilidade do seu recurso ratione personae e alega, quanto ao mérito, que existe uma ligação entre a decisão dos Estados‑Membros e o regulamento impugnado e que o Parlamento não conseguia exercer uma influência efetiva na seleção da nova sede da EMA.

63.      O Parlamento e o Conselho apresentaram tréplicas. O Parlamento observa que a decisão dos Estados‑Membros foi uma fonte de ambiguidades durante as discussões legislativas que conduziram à adoção do regulamento impugnado, o que explica também as diferentes perspetivas quanto ao seu valor jurídico entre o Parlamento e o Conselho. Foi neste contexto que o Parlamento emitiu a sua declaração anexa à Resolução legislativa de 25 de outubro de 2018 a fim de clarificar onde reside de facto a competência para determinar a sede de uma agência. O Conselho salienta que o desacordo sobre esta questão conduziu ao processo pendente C‑743/19, Parlamento/Conselho (sede da ELA), e acrescenta, no que respeita ao quarto fundamento do recurso, que o seu regulamento interno não se aplicava a uma decisão dos representantes dos Estados‑Membros.

64.      Nas suas alegações de intervenção, a Comissão alega que a decisão dos representantes dos Estados‑Membros é puramente política. Não tem valor vinculativo e não pode, portanto, antecipar o processo legislativo. É através do processo legislativo que as orientações políticas se traduzem em efeitos jurídicos. A declaração do Parlamento de 25 de outubro de 2018 não é decisiva. A expressão decisiva da vontade política do Parlamento é a que se traduziu na votação a favor do regulamento impugnado. Os fundamentos que visam a decisão dos representantes dos Estados‑Membros assentam na premissa de que estes últimos predeterminaram a decisão da nova sede da EMA no regulamento impugnado. Tal alegação é rejeitada pela Comissão.

65.      Em resposta ao segundo, terceiro e quarto fundamentos, o Governo neerlandês contesta a alegação da Comune di Milano segundo a qual o processo de seleção está viciado.

66.      Na sua resposta à Comissão, o Conselho opõe‑se à afirmação de que a decisão dos representantes dos Estados‑Membros é puramente política. A nova sede da EMA foi determinada por essa decisão e não pelo regulamento impugnado.

67.      O Parlamento e a Comune di Milano também responderam às alegações de intervenção.

c)      Tramitação processual subsequente no Tribunal de Justiça

68.      Por Decisão do presidente do Tribunal de Justiça de 19 de dezembro de 2019, os presentes processos foram apensados para efeitos da fase oral e do acórdão.

69.      Nestes processos apensos, foram apresentadas observações escritas pelo Governo italiano, pela Comune di Milano, pelo Parlamento, pelo Conselho, pelo Governo dos Países Baixos e pela Comissão.

70.      O Governo italiano, a Comune di Milano, a Regione Lombardia, o Parlamento, o Conselho, os Governos checo, irlandês, espanhol, francês, luxemburguês, neerlandês, eslovaco e a Comissão apresentaram alegações orais na audiência que teve lugar em 8 de junho de 2021. A audiência foi organizada conjuntamente para os processos apensos C‑59/18 e C‑182/18, os presentes processos apensos C‑106/19 e C‑232/19, bem como para o processo C‑743/19, Parlamento/Conselho (sede da ELA).

V.      Apreciação

71.      As presentes conclusões estão estruturadas da seguinte forma. Começarei pela admissibilidade do recurso interposto no processo C‑232/19 pela Comune di Milano. Após ter sugerido que, em minha opinião, a Comune di Milano tem legitimidade para agir contra o regulamento impugnado (A), debruçar‑me‑ei em seguida sobre o mérito dos presentes processos apensos, pelo menos na medida em que contestam de facto o regulamento impugnado. Na minha opinião, nenhum dos argumentos invocados pelo Governo italiano e pela Comune di Milano a este respeito pode ser acolhido (B).

A.      Quanto à admissibilidade do recurso no processo C232/19

72.      O Parlamento, o Conselho e a Comissão sustentam que o recurso interposto pela Comune di Milano é inadmissível. Em seu entender, este município não é direta nem individualmente afetado. Também não tem interesse em agir.

73.      A Comune di Milano é uma entidade com personalidade jurídica segundo a lei italiana. Uma unidade territorial de um Estado‑Membro, dotada de personalidade jurídica nos termos do direito nacional, tem, em princípio, legitimidade para interpor um recurso de anulação ao abrigo do artigo 263.o, quarto parágrafo, TFUE (22). Segundo esta disposição, existem três situações em que as pessoas singulares e coletivas podem interpor recursos de anulação. Em primeiro lugar, se forem destinatárias do ato. Em segundo lugar, se esse ato lhes disser direta e individualmente respeito. Em terceiro lugar, se o ato impugnado for um ato regulamentar que não necessite de medidas de execução e lhes disser diretamente respeito.

74.      No presente processo, o regulamento impugnado não tem como destinatário a Comune di Milano. Este regulamento também não é um ato regulamentar. A legitimidade da Comune di Milano deve, portanto, ser apreciada à luz das exigências do segundo cenário, nos termos do artigo 263.o, quarto parágrafo, TFUE: o ato deve dizer‑lhe direta (1) e individualmente (2) respeito. Além disso, como requisito geral, a Comune di Milano deve demonstrar que tem interesse em agir (3).

75.      Na minha opinião, a Comune di Milano preenche todos estes requisitos no presente processo.

1.      Quanto à afetação direta

76.      Segundo jurisprudência constante, «afetação direta» requer a reunião de dois critérios cumulativos, a saber, que a medida contestada, por um lado, produza diretamente efeitos na situação jurídica do particular e, por outro, não deixe nenhum poder de apreciação aos destinatários que estão encarregados da sua execução, uma vez que esta tem caráter puramente automático e decorre apenas da regulamentação da União, sem aplicação de outras regras intermédias (23). Começarei com o último critério (a), antes de analisar se a situação jurídica da Comune di Milano foi afetada (b).

a)      Inexistência de poder de apreciação ou de medidas de execução

77.      A Comune di Milano considera que o regulamento impugnado, que estabelece erga omnes que a EMA tem a sua sede em Amesterdão, é um ato obrigatório e diretamente aplicável nos termos do artigo 288.o TFUE. A sua aplicação não está condicionada à adoção de medidas de execução posteriores.

78.      É certo que, como alegam o Parlamento e o Conselho, o facto de o ato impugnado ser um regulamento, de aplicação geral e direta, não basta, por si só, para preencher os requisitos relativos à legitimidade (24). Com efeito, a «afetação direta» não coincide com a «aplicabilidade direta» de um regulamento (25). Deve proceder‑se a uma apreciação diferente para demonstrar que o referido regulamento afeta diretamente a situação jurídica da Comune di Milano.

79.      No entanto, é pacífico que o regulamento impugnado não deixa qualquer margem de apreciação quanto à escolha de Amesterdão como nova sede da EMA. A designação da sede da EMA é automática e resulta apenas desse regulamento, sem que sejam necessárias outras regras intermédias. O critério ligado à «inexistência de poder de apreciação ou de regras de execução» está, portanto, claramente preenchido no caso em apreço.

b)      Efeitos jurídicos do regulamento impugnado

80.      A Comune di Milano considera que a sua situação jurídica é diretamente afetada, uma vez que, através da candidatura da República Italiana que apresentou Milão como cidade candidata, participou no processo que conduziu à fixação da sede da EMA e obteve o maior número de votos. O regulamento impugnado rejeita a candidatura da recorrente e confirma que a sede da EMA não ficará situada no seu território.

81.      O Conselho e o Parlamento, apoiados pela Comissão, alegam que a Comune di Milano não é diretamente afetada pelo regulamento impugnado.

82.      Na opinião do Parlamento, a decisão sobre a sede da EMA pertence ao legislador. A este respeito, a decisão dos representantes dos Estados‑Membros, de 20 de novembro de 2017, é desprovida de efeitos jurídicos vinculativos. Uma vez que não existe qualquer ligação jurídica entre esta decisão dos representantes dos Estados‑Membros e a proposta da Comissão que conduziu à adoção do regulamento impugnado, o facto de a escolha da cidade de Amesterdão, que decorre de atuação conjunta dos Estados‑Membros, ter sido adotada, não pode, por si só, conduzir à afetação direta da Comune di Milano. O regulamento impugnado estabelece simplesmente que a sede da EMA será em Amesterdão. Em nenhum momento foi apresentada ao legislador uma proposta para, em vez disso, designar Milão como sede da EMA.

83.      Para o Conselho, a Comune di Milano não demonstrou ter sofrido quaisquer efeitos prejudiciais devido à adoção do regulamento impugnado, uma vez que este regulamento tem uma natureza puramente declarativa. Com efeito, a decisão relativa à sede da EMA pertence aos Estados‑Membros e, a este respeito, a decisão dos representantes dos Estados‑Membros é vinculativa. Os argumentos relativos à participação de Milão no processo de seleção dizem respeito às escolhas de oportunidade internas do Estado‑Membro. Consequentemente, tais argumentos não podem levar à conclusão de que a Comune di Milano é diretamente afetada. O facto de a cidade de Milão, enquanto local geográfico, ter sido escolhida pela República Italiana no âmbito da sua proposta não significa que a Comune di Milano, enquanto entidade territorial, constitua uma pessoa diretamente afetada.

84.      Apesar das posições diametralmente opostas do Parlamento e do Conselho quanto à natureza jurídica da decisão dos representantes dos Estados‑Membros, as duas instituições parecem concordar que a designação de Amesterdão no regulamento impugnado não diz diretamente respeito à Comune di Milano). Os argumentos apresentados, se tomados à letra, permitem facilmente afastar a «afetação direta» da recorrente. Por um lado, se a decisão dos representantes dos Estados‑Membros não vincula juridicamente o legislador, o processo de licitação que a ela conduz não tem repercussões na situação jurídica do requerente. O facto de a República Italiana ter apresentado a cidade de Milão como a sua cidade candidata não confere à Comune di Milano qualquer interesse jurídico, porque, perante o legislador da União, essa proposta simplesmente nunca existiu. Por outro lado, se a decisão dos representantes dos Estados‑Membros for vinculativa, o regulamento impugnado tem uma natureza puramente declarativa. Esta linha de argumentação parece sugerir que, em tal situação, o regulamento impugnado pode ser considerado um ato confirmativo, o que conduz igualmente à inadmissibilidade do recurso (26).

85.      A combinação destas duas linhas alternativas de argumentação resulta num sofisma surpreendente: a escolha de Amesterdão como sede da EMA não pode ser contestada i) porque foi decidida por meio de um ato não vinculativo, ii) que foi posteriormente incluído num ato vinculativo que era meramente confirmativo. Pareceria assim que a decisão não é nada menos que um milagre: materializou‑se simplesmente no tempo e no espaço, sem ninguém de facto a tomar e ninguém ser responsável por ela. É desnecessário dizer que tal criação (divina) deixa um potencial candidato encalhado no vazio, o que é uma tese bastante difícil de aceitar, especialmente face a um regulamento que é claramente um ato das instituições da União.

86.      Pelas razões expostas em pormenor nas minhas Conclusões paralelas apresentadas no processo EMA 1/ELA (27), concordo, de facto, que a decisão dos representantes dos Estados‑Membros é um ato desprovido de quaisquer efeitos jurídicos na ordem jurídica da União. Por conseguinte, não é passível de ser objeto de uma fiscalização nos termos do artigo 263.o TFUE.

87.      No entanto, o regulamento impugnado é um ato das instituições da União. Está, portanto, em princípio, sujeito a fiscalização plena pelo Tribunal de Justiça. Não pode ser de outra forma: o (grande) poder vem com (grande) responsabilidade. Ter o poder de decidir algo anda de mãos dadas com a responsabilidade por tal decisão.

88.      Por conseguinte, a questão de saber se a situação jurídica da Comune di Milano é afetada deve ser apreciada exclusivamente à luz do regulamento impugnado. Existe uma relação direta entre o regulamento impugnado e a situação jurídica da recorrente?

89.      Na minha opinião, existe. Milão, representada pela Comune di Milano enquanto entidade territorial dotada de personalidade jurídica, era uma concorrente direta para a designação da sede da EMA.

90.      Noutras áreas do direito, o Tribunal de Justiça declarou que os concorrentes podem ser diretamente afetados por atos do direito da União que decidem sobre os resultados de tal concorrência. Áreas importantes em que tal aconteceu são, por exemplo, o antidumping, os auxílios de Estado ou mesmo casos de contestação de decisões que declaram concentrações compatíveis com o mercado interno (28). Mais do que apenas um elemento factual (29), a existência de uma situação de concorrência define frequentemente uma posição jurídica em diferentes áreas do direito da União. Isto foi reconhecido pelo Tribunal de Justiça no domínio dos auxílios de Estado, em que o Tribunal de Justiça observou que, se um recorrente demonstrar que uma decisão da Comissão é suscetível de o colocar numa posição concorrencial desvantajosa, isso significa que produz efeitos na sua situação jurídica (30).

91.      É, no entanto, a área dos contratos públicos que oferece a analogia mais próxima aos presentes casos. Os proponentes eliminados são diretamente afetados pelas decisões de adjudicação de contratos a outros proponentes (31). No entanto, nesta área do direito, a «afetação direta» dos proponentes não selecionados não é normalmente um problema, uma vez que a decisão de adjudicar um contrato a um proponente é acompanhada pela decisão de rejeição dos proponentes eliminados (32). Dito isto, o facto de a «afetação direta» dos concorrentes neste domínio de certa forma não constituir um problema não diminui o facto de a situação de concorrência em que se encontram os diferentes licitantes ser, por si só, suficiente para dar origem à afetação direta. Pelo contrário, o reconhecimento dos direitos processuais dos proponentes eliminados através do direito derivado é um reconhecimento expresso de que são diretamente afetados pelos resultados do procedimento de concurso.

92.      É certo que um conjunto de regimes específicos de direito derivado dificilmente pode ser determinante para uma situação tão singular como a do presente processo. No entanto, ainda sugeriria que, acima ou para além das especificidades desses regimes específicos, existe um único tema: os concorrentes podem ser juridicamente afetados em circunstâncias em que competem por um ativo ou recurso diretamente concedido pelo direito da União. Uma decisão de afetar um ativo a uma pessoa diz diretamente respeito aos outros concorrentes que não estão em condições de obter esse mesmo ativo. A sua situação jurídica é alterada de potencial adjudicatário para a de candidato excluído. O exemplo provavelmente mais claro deste raciocínio bastante simples pode ser encontrado no Acórdão Os Verdes, onde a concessão de ajuda pela Mesa do Parlamento a grupos políticos rivais foi considerada, com relativamente pouca discussão, como dizendo diretamente respeito à associação recorrente (33).

93.      Dito isso, existem seguramente limites para esta lógica. Não se pode reclamar de não ganhar na lotaria sem antes se ter comprado um bilhete. Por outras palavras, a Comune di Milano não poderia ser considerada diretamente afetada se não se tivesse apresentado primeiro como concorrente.

94.      No entanto, não é claramente esse o caso. É pacífico que, do ponto de vista factual, Milão era uma das cidades candidatas para a sede da EMA. Este facto é sobretudo determinante para a determinação da afetação individual da recorrente. Todavia, é igualmente pertinente no que respeita à determinação da situação jurídica de um proponente enquanto concorrente para efeitos de verificação da sua afetação direta. Basta constatar, nesta fase, que a cidade de Milão era não só e claramente uma das cidades candidatas durante o processo que conduziu à decisão dos representantes dos Estados‑Membros, mas também que a sua proposta foi expressamente examinada no decurso do processo legislativo, sendo objeto de várias propostas de alteração no âmbito do processo perante o Parlamento. A posição de Milão enquanto concorrente não pode, portanto, ser posta em causa.

95.      Como tal, a Comune di Milano é afetada? Se bem compreendi o argumento avançado pelo Conselho, o facto de uma cidade, enquanto local geográfico, ser escolhida para sede de uma agência da União, não significa que a entidade territorial detentora de personalidade jurídica, neste caso a Comune di Milano seja afetada.

96.      Este argumento não pode de forma alguma estar correto. Levando este argumento às suas consequências lógicas, isso significaria que mesmo a cidade selecionada como sede de uma agência da União não seria diretamente afetada pelo ato da União que a institui como sede. Do mesmo modo, uma cidade a partir da qual uma agência é realocada também não seria afetada (34).

97.      Parece‑me difícil aceitar tal conclusão. Com efeito, é difícil ignorar as consequências de facto, e também de direito, particularmente significativas que a designação de uma sede de agência acarreta para uma autoridade local, não apenas em termos de benefícios e desafios, mas também em termos de direitos e obrigações. Não obstante o facto de os direitos e obrigações específicos das entidades locais poderem ser especificados de forma mais detalhada no acordo de sede que deve ser celebrado com o Estado‑Membro em causa, é incontestável que a decisão de estabelecer a sede numa cidade e não noutra diz diretamente respeito à entidade territorial local. Independentemente de quaisquer consequências práticas relacionadas com possíveis benefícios económicos e sociais, o próprio ato de designar uma cidade como sede de uma agência da União tem intrínseca e imediatamente um impacto na sua posição jurídica enquanto concorrente a essa sede (35).

98.      O papel das cidades europeias que são (ou desejam ser) sede das agências da União não pode ser reduzido ao de uma mera localização física num Estado‑Membro. Ao contrário da posição do Conselho, a designação de uma cidade como sede de uma agência não pode ser considerada apenas uma questão interna do Estado‑Membro. É oportuno recordar que, contrariamente a outros casos no passado, o regulamento impugnado institui a sede de uma agência designando especificamente uma cidade como unidade territorial e não um EstadoMembro (36).

99.      Considero, portanto, o argumento desenvolvido pelo Conselho impossível de sustentar. Indubitavelmente, a seleção inicial da cidade dentro do Estado‑Membro que está em condições de concorrer é um assunto interno do Estado‑Membro. No entanto, a escolha da cidade que acolherá a agência e a rejeição simultânea de todos os outros concorrentes já não é «apenas um assunto interno do Estado‑Membro». O ato da União toma claramente uma decisão ao nível da cidade individual, e não apenas ao nível de um Estado‑Membro, tornando‑a assim afetada (37).

100. Por analogia, isso significaria também, portanto, que uma pessoa singular, como um Comissário, não é diretamente afetada pelo ato jurídico (da União) relativo à sua nomeação (ou destituição) como Comissário, uma vez que, no fim de contas, foi um Estado‑Membro que sugeriu inicialmente o seu nome (38)? O facto de ser um Estado‑Membro que «nomeia» inicialmente não pode significar que uma entidade dotada de personalidade jurídica distinta e autónoma seja apenas um «objeto» e não possa ser considerada como «sujeito», mesmo que seja claramente afetada pelos atos que a mencionam expressamente e afetam a sua situação jurídica.

101. Em conclusão, em minha opinião, a situação jurídica da Comune di Milano foi diretamente alterada com a adoção do regulamento impugnado. Tal regulamento estabeleceu, com efeitos jurídicos vinculativos, a cidade de Amesterdão como sede da EMA, tendo, assim, automaticamente o efeito de excluir Milão como sede desta agência.

2.      Afetação individual

102. Para que um ato de aplicação geral adotado por uma instituição da União diga individualmente respeito a uma pessoa singular ou coletiva, é necessário que esta última seja afetada pelo ato em causa em virtude de certas qualidades que lhe são específicas ou de uma situação de facto que a caracterize em relação a qualquer outra pessoa e a individualize de forma idêntica à de um destinatário (39).

103. Na sua petição, a Comune di Milano afirma ter participado plenamente na preparação da proposta e no processo de seleção referido no considerando 1 e no artigo 1.o do regulamento impugnado. Na sua posição específica de cidade candidata no âmbito do processo de seleção, o regulamento impugnado diz individualmente respeito à Comune di Milano. Com efeito, Milão teria sido mencionada no artigo 1.o do regulamento impugnado se a cidade de Amesterdão não tivesse sido escolhida. Além disso, ao apresentar Milão como a proposta italiana, a Comune di Milano pretendeu promover, nos termos do artigo 3.o do seu Estatuto, o desenvolvimento socioeconómico e industrial do seu território. A instalação da sede da EMA em Amesterdão inibe a capacidade do município de exercer as suas competências da forma que entender. Por outro lado, a Comune di Milano suportou despesas e efetuou trabalhos de pesquisa. Recebeu inclusivamente uma delegação da EMA para melhor compreender e cumprir os critérios de seleção. O município recorda igualmente que a jurisprudência do Tribunal de Justiça tem em consideração a situação em que uma pessoa é expressamente mencionada nos atos preparatórios dos atos da União impugnados e também quando esses atos têm em conta elementos específicos relativos aos recorrentes. Para o efeito, a Comune di Milano remete para a jurisprudência em matéria de direitos antidumping (40) e contratos públicos (41).

104. O Conselho e o Parlamento, apoiados pela Comissão, alegam que a Comune di Milano não é individualmente afetada.

105. O Conselho sustenta que, apesar e ter invocado o artigo 3.o do seu Estatuto, a Comune di Milano não demonstrou em que é que a adoção do regulamento impugnado afetou o exercício específico das suas competências, tal como atribuídas pela ordem jurídica nacional. As despesas finais desse município também são irrelevantes. Com efeito, dizem respeito apenas a uma questão de organização interna que deve ser tratada com o Estado italiano. O Conselho alega ainda que a Comune di Milano não foi associada de forma alguma durante o processo de adoção do regulamento impugnado. A sua participação na preparação da proposta italiana não é suficiente para declarar a existência da afetação individual. O Regulamento de Processo de 22 de junho de 2017 não confere qualquer direito a qualquer outro sujeito que não os Estados‑Membros: compete‑lhes apresentar as propostas, trocar informações com a Comissão e participar no processo de votação. O facto de alguns Estados‑Membros terem associado as suas cidades candidatas durante a preparação das respetivas propostas é irrelevante.

106. Por seu turno, o Parlamento sustenta que a cooperação entre os Estados‑Membros através do Regulamento de Processo de 22 de junho de 2017 é completamente diferente do processo decisório da União. Qualquer participação da recorrente neste quadro de cooperação não pode «individualizar» a recorrente de modo a satisfazer o requisito da afetação individual. Por outro lado, nenhuma disposição do direito da União obriga o legislador a ter em conta a situação do recorrente no decurso do processo que levou à adoção do regulamento impugnado Em todo o caso, sem prejuízo do valor do Regulamento de Processo de 22 de junho de 2017, este apenas atribui um papel aos Estados‑Membros e não às autoridades locais (42).

107. Concordo com o Parlamento e o Conselho que os argumentos apresentados pela Comune di Milano no que diz respeito ao impacto socioeconómico que teria a designação da sede no seu território, bem como as despesas e os esforços que desenvolveu na preparação da candidatura italiana, não são suscetíveis de constituir, em si, uma afetação individual. A invocação, por uma entidade regional, do facto de um ato da União ser suscetível de afetar certas condições socioeconómicas na sua área não basta para que se considere que essa entidade é afetada nem, a fortiori, individualmente afetada (43).

108. Partilho igualmente da opinião do Conselho segundo a qual não se pode considerar que a Comune di Milano tenha sido afetada no exercício das suas prerrogativas pelo regulamento impugnado. Na minha opinião, o critério Vlaams Gewest(44) não é pertinente para o presente processo. Não vejo de que forma o facto de Amesterdão ter sido designada sede da EMA pelo regulamento impugnado, e não Milão, poderia impedir esta última de exercer as suas competências autónomas para efeitos do critério Vlaams Gewest. A ligação com o exercício dessas competências é, quando muito, indireta e hipotética.

109. Todavia, no caso em apreço, não se trata de uma entidade territorial afetada porque o exercício das suas competências autónomas foi restringido (critério Vlaams Gewest)(45). A afetação da Comune di Milano no presente caso decorre da sua posição de concorrente, uma vez que a cidade de Milão não foi escolhida como sede de uma agência da União ao abrigo do regulamento impugnado. É precisamente no que diz respeito à escolha específica da sede da EMA, operada pelo regulamento impugnado, que deve ser apreciada a afetação individual deste município. O que é pertinente a este respeito é o que é comummente referido como critério Plaumann: o critério decisivo assenta nas qualidades específicas que lhe são próprias ou, subsidiariamente, na situação de facto que o caracteriza em relação a qualquer outra pessoa e o individualiza de forma análoga à de um destinatário (46).

110. Existem vários elementos que «individualizam» a situação da Comune di Milano e, por isso, a diferenciam de qualquer outra pessoa, tornando‑a semelhante a um destinatário. A tónica deve ser colocada na situação de facto em que o regulamento impugnado e o processo que conduziu à sua adoção colocaram a Comune di Milano.

111. Em primeiro lugar, o primeiro considerando do regulamento impugnado indica que a escolha de Amesterdão como nova sede da EMA decorre de uma decisão dos representantes dos Estados‑Membros. Este considerando materializa a própria finalidade da adoção do regulamento impugnado. Independentemente de essa decisão produzir ou não efeitos jurídicos, do ponto de vista factual, essa decisão constitui a base em que a sede da EMA foi estabelecida. Portanto, também do ponto de vista factual, não se pode ignorar que Milão foi uma das cidades candidatas consideradas e votadas. Como tal, a cidade de Milão, e mais precisamente a Comune di Milano, não pertencia apenas ao grupo bastante circunscrito e fechado das cidades candidatas, mas foi posteriormente individualizada através do processo de seleção perante os Estados‑Membros, onde chegou à fase final como única concorrente direta de Amesterdão, e viu a sua proposta rejeitada devido à aplicação das regras do sorteio.

112. Em segundo lugar, como o Conselho alegou na sua defesa no processo C‑106/19, Milão foi também discutida como uma possível sede da EMA durante o processo legislativo, uma vez que várias alterações (sem êxito) foram apresentadas no decurso do processo parlamentar (47).

113. Em suma, o processo que conduziu à decisão dos Estados‑Membros, bem como o processo legislativo que culminou com a adoção do regulamento impugnado, revelam as circunstâncias factuais específicas que distinguem, ou mesmo individualizam, a Comune di Milano. Este município, na qualidade de pessoa jurídica de uma das cidades candidatas, é individualmente afetado pelo regulamento, que determina o destino das suas hipóteses de ser selecionado como sede da EMA (48).

3.      Interesse em agir

114. Segundo jurisprudência constante do Tribunal de Justiça, um recurso de anulação interposto por uma pessoa singular ou coletiva só é admissível na medida em que essa pessoa tenha interesse em que o ato recorrido seja anulado. Esse interesse pressupõe que a anulação desse ato possa, por si só, produzir consequências jurídicas. O resultado do recurso pode, assim, através do seu resultado, proporcionar um benefício à parte que o interpôs. A prova desse interesse, que é apreciado no dia em que o recurso é interposto e que constitui a condição essencial e primeira de qualquer ação judicial, deve ser apresentada pelo recorrente (49).

115. Na sua petição, a Comune di Milano sustenta que tem interesse em agir. Em primeiro lugar, no caso de deferimento do seu pedido, a proposta para a instalação da sede da EMA na cidade de Milão poderá ganhar sem que seja necessário um novo processo de seleção. No caso de ser necessária a repetição de tal procedimento, a proposta italiana é a que teria as melhores hipóteses de sucesso tendo em conta as suas qualidades objetivas. Mesmo que a sede da EMA não fosse atribuída à cidade de Milão por qualquer razão, esta continuaria a ter interesse em agir. Poderia pedir o restabelecimento da sua situação sob a forma de compensação económica. Poderia igualmente beneficiar se fosse candidata em propostas futuras para a sede de outras agências ou organismos da União, uma vez que os procedimentos de seleção não serão afetados pelas irregularidades que o Tribunal de Justiça poderá encontrar no âmbito do presente recurso. Por último, a Comune di Milano tem interesse em agir dado o importante impacto socioeconómico e industrial da transferência da sede da EMA para o seu território.

116. O Conselho, o Parlamento e a Comissão consideram que a Comune di Milano não tem interesse em agir. Em primeiro lugar, o Conselho e o Parlamento alegam, no essencial, que o êxito do recurso da recorrente não significa necessariamente que a sede da EMA seja atribuída a Milão. Mesmo que a República Italiana decida apresentar novamente Milão como sua cidade candidata, é impossível prever os resultados de futuras designações. Qualquer potencial interesse futuro por um futuro processo de seleção que não esteja ferido de ilegalidade é, com efeito, hipotético. Não há interesse direto e efetivo, mas apenas potencial e indireto. Em segundo lugar, segundo o Conselho, o argumento relativo a um potencial pedido de indemnização deve igualmente ser rejeitado. O regulamento impugnado não está na origem do alegado prejuízo sofrido pela Comune di Milano. Em terceiro lugar, as consequências ligadas aos interesses socioeconómicos e industriais não são pertinentes uma vez que o Tribunal de Justiça declarou que estas considerações não bastam para demonstrar um interesse em agir. Em quarto lugar, segundo o Parlamento, o regulamento não interfere com a autonomia legislativa ou financeira da recorrente. Também não pode invocar um interesse pessoal baseado na sua participação no processo de seleção. A Comune di Milano não possui um interesse pessoal diferente do Estado italiano.

117. Concordo que, ainda que em princípio a possibilidade de um pedido de indemnização seja suficiente para justificar um interesse em agir (50), este recurso não pode ser meramente hipotético. A Comune di Milano não pode limitar‑se a invocar a mera possibilidade de intentar uma ação deste tipo sem apresentar elementos de prova concretos relativos aos impactos específicos da ilegalidade alegada e da natureza do prejuízo alegadamente sofrido (51).

118. No entanto, independentemente da questão de saber se pode ou não ser intentada uma eventual futura ação de indemnização, a Comune di Milano fez prova bastante do seu interesse em agir.

119. No caso de o regulamento impugnado ser anulado, é claro que seria reaberta a possibilidade de uma cidade diferente de Amesterdão ser designada sede da EMA. Isto inclui Milão, como um dos concorrentes mais bem‑sucedidos no processo que conduziu à decisão dos representantes dos Estados‑Membros.

120. A este respeito, embora proferido num domínio diferente e específico do direito da União, o raciocínio de base subjacente à jurisprudência do Tribunal de Justiça em matéria de contratos públicos tem, de novo, plena aplicação no presente processo. Um concorrente tem interesse em agir na medida em que a anulação do ato impugnado implicaria a reabertura do processo de seleção e a possibilidade de o recorrente apresentar um novo pedido (52). O interesse pode até subsistir quando o concorrente perdeu todas as hipóteses de ser bem‑sucedido no concurso, uma vez que potencialmente beneficiaria no futuro de procedimentos «isentos de erros» da mesma natureza (53). A razão de ser de evitar ilegalidades futuras vai, com efeito, além do quadro específico da jurisprudência em matéria de contratos públicos (54). Mais uma vez, embora o processo de seleção contestado tenha um caráter muito específico e sui generis, que outra lógica se inscreve nesse contexto específico, que, pela conceção dos seus criadores, se assemelha fortemente ao de uma proposta?

121. Por último, o facto de o Governo italiano ter interposto um recurso autónomo é irrelevante. Segundo jurisprudência constante, o facto de um Estado‑Membro e uma das suas entidades disporem ambos de interesse em agir contra a mesma medida não significa que o interesse da entidade em agir não fosse suficiente para tornar admissível um recurso de anulação com base no artigo 263.o, quarto parágrafo, TFUE (55).

122. Em suma, considero que a Comune di Milano tem legitimidade e interesse em agir contra o regulamento impugnado. Estou bem ciente de que a jurisprudência do Tribunal de Justiça é estrita no que se refere à legitimidade dos recorrentes não privilegiados nos termos do artigo 263.o, quarto parágrafo, TFUE. Embora certamente exigente, essa jurisprudência não deve, no entanto, ser empurrada para o reino do bizarro e, portanto, do injusto. A um nível elementar de intuição, antes que a questão seja obscurecida por uma avalanche de jurisprudência repleta de detalhes sobre as razões pelas quais ninguém pode impugnar diretamente perante os tribunais da União, a questão da legitimidade ativa da Comune di Milano é, na realidade, bastante simples: em circunstâncias tão específicas e raras, aquela cidade está claramente afetada pelo facto de não ter sido selecionada.

123. A este respeito, sempre achei muito útil verificar ocasionalmente as soluções jurídicas que considero para pessoas normais: isto é, não advogados da União, de preferência nem sequer advogados. Poderia chamar‑se «verificação da realidade». Sou capaz de explicar certas ideias e proposições jurídicas a seres humanos inteligentes? Se não for, é provável que essas ideias não sejam convincentes. Ou simplesmente são erradas. Acho um tanto desafiador explicar (e justificar), em tal contexto, a proposição de que alguém que participou de um procedimento de seleção (fechado), mas que não foi selecionado não é afetado com o resultado desse procedimento de seleção e não tem qualquer interesse em impugná‑lo. Antes mesmo de acrescentar que, se tal concorrente não tiver legitimidade perante o Tribunal de Justiça, realisticamente, não poderá ir a nenhum outro lugar.

B.      Mérito

124. Quanto ao mérito, os presentes processos são extremamente complexos, mas ao mesmo tempo talvez bastante simples.

125. Após uma verificação inicial, vários dos argumentos suscitados pelas partes nos presentes processos são absolutamente extravagantes, correspondendo a nada menos do que acrobacias jurídicas modernas. Um Estado‑Membro e uma entidade local procuram proteger as prerrogativas do Parlamento Europeu num caso específico, aparentemente contra a vontade desse mesmo Parlamento, enquanto em processos paralelos este último órgão insiste em defender essas mesmas prerrogativas. Um Estado‑Membro alega que os Estados‑Membros não têm competência para tomar uma decisão sobre as sedes das agências, mas esteve prévia e aparentemente disposto a participar nesses processos de seleção específicos. Quanto ao Conselho, entende que a decisão dos representantes dos Estados‑Membros sobre a sede de uma agência da União, adotada nos termos do artigo 341.o TFUE, é vinculativa para todos, sem que ninguém seja de facto posteriormente limitado nos seus poderes legislativos, em especial no que respeita à questão de saber onde exatamente é que esse problema deve ser resolvido.

126. Existem várias razões pelas quais as diferentes posições argumentativas são intrigantes. O presente litígio reúne cinco casos diferentes nos quais diferentes atores prosseguem interesses um tanto multifacetados. Existe também uma complexidade significativa em resultado da ligação, certamente em termos factuais e na prática institucional passada, entre a decisão dos representantes dos Estados‑Membros e a sua «aplicação» posterior no ordenamento jurídico da União. Nestas circunstâncias, é de facto impossível manter uma posição geral coerente em todos os processos e ligar os diferentes tipos de prática no passado com a atual configuração constitucional, garantindo ao mesmo tempo que tudo se encaixa em perfeita harmonia.

127. No entanto, se o Tribunal de Justiça concordar com a solução proposta, delineada nas minhas Conclusões paralelas no processo EMA 1/ELA, para a questão crucial (a montante) relativa à natureza jurídica da decisão dos representantes dos Estados‑Membros, estabelecendo as suas preferências quanto à localização da sede de uma nova agência da União, a solução para as questões (a jusante), suscitadas pelos presentes processos apensos, no que diz respeito a um ato jurídico da União, não deve ser muito difícil de resolver. Baseando‑me nesse pressuposto, na secção seguinte sugerirei que nem o fundamento relativo à violação das prerrogativas do Parlamento (1), nem o fundamento que alega que o processo (legislativo ordinário) interno da União foi, no essencial, viciado pela sua associação com a decisão dos representantes dos Estados‑Membros (2) pode, a meu ver, ser acolhido.

1.      Primeiros fundamentos no processo C106/19 e no processo C232/19: alegada violação das prerrogativas do Parlamento

128. Com o seu primeiro fundamento no processo C‑106/19, o Governo italiano invoca uma violação dos artigos 10.o, 13.o e 14.o, n.o 1, TUE e dos artigos 114.o, 168.o, n.o 4, alínea c), 289.o e 294.o TFUE. Estes argumentos encontram eco no primeiro fundamento da Comune di Milano no processo C‑232/19. Estes argumentos, que serão tratados conjuntamente, sugerem, em substância, que o papel do Parlamento como colegislador foi diminuído no processo que conduziu à seleção da nova sede da EMA.

129. Em primeiro lugar, considero necessário observar que, ao contrário dos processos apensos C‑59/18 e C‑182/18, os presentes processos não suscitam a questão de saber se o regulamento impugnado é um ato cuja legalidade pode ser fiscalizada ao abrigo do artigo 263.o, TFUE. O regulamento impugnado foi adotado através do processo legislativo ordinário nos termos do artigo 294.o, TFUE e, por conseguinte, constitui um ato legislativo (56).

130. Em segundo lugar, os argumentos do Governo italiano e da Comune di Milano, que sustentam que o Parlamento foi excluído do processo de seleção da nova sede da EMA, parecem basear‑se na premissa de que existe uma relação juridicamente vinculativa entre a decisão dos representantes dos Estados‑Membros e o regulamento impugnado. Esta premissa consiste em apresentar a primeira como fonte vinculativa da segunda em termos de escolha da nova sede da EMA.

131. À semelhança das opiniões expressas pelo Parlamento e pela Comissão no presente processo, considero esta premissa errada. Como explicado detalhadamente nas minhas Conclusões paralelas no processo EMA 1/ELA(57), a decisão política dos representantes dos Estados‑Membros foi adotada com base nas regras processuais específicas acordadas por esses Estados‑Membros fora do sistema do direito da União. Embora seja verdade que essas regras atribuíram um papel específico à Comissão, não atribuíram qualquer papel ao Parlamento.

132. Por conseguinte, o simples facto de o Parlamento não ter estado envolvido num procedimento que conduziu à decisão política dos Estados‑Membros — e não vinculativa à luz do direito da União — sobre a nova sede da EMA, não pode ser considerado uma violação ou um desvio das prerrogativas do Parlamento enquanto colegislador em pé de igualdade.

133. Em terceiro lugar, e como acertadamente recorda a Comissão nas suas alegações de intervenção no processo C‑232/19, o Tribunal de Justiça declarou, no Acórdão Polónia/Parlamento e Conselho, que «[o] poder legislativo reservado ao Parlamento e ao Conselho, no artigo 14.o, n.o 1, TUE e no artigo 16.o, n.o 1, TUE, […] implica […] que compete exclusivamente a estas instituições determinar o conteúdo de um ato legislativo» (58).

134. Contrariamente à alegação do Conselho, formulada na sua resposta ao articulado de intervenção da Comissão, não considero que a pertinência desta jurisprudência se limite às orientações políticas do Conselho Europeu. O papel do Conselho Europeu está, de facto, descrito no artigo 15.o TUE. No entanto, logicamente não pode tratar‑se de um procedimento estabelecido pelos Estados‑Membros entre si que se mantém fora da estrutura das instituições da União e que não pode produzir no ordenamento jurídico da União quaisquer efeitos jurídicos. O que a situação em causa no processo que deu origem ao Acórdão Polónia/Parlamento e Conselho e o presente processo têm em comum é que uma decisão política tomada fora do processo legislativo não pode prevalecer sobre este quanto à sua solução específica.

135. É neste contexto, tomado como ponto de partida, que a legalidade do regulamento impugnado deve ser fiscalizada. Ao fazê‑lo, o padrão de fiscalização é necessariamente circunscrito pela natureza do poder de apreciação político de uma instituição da União como o Parlamento (59).

136. No que diz respeito ao processo legislativo ordinário que conduziu à adoção do regulamento impugnado, recordo que o Parlamento goza de direitos processuais decorrentes da sua qualidade de colegislador que o coloca em pé de igualdade com o Conselho, conforme previsto no artigo 294.o TFUE. Esses direitos processuais, que podem ser exercidos nas respetivas leituras ou no Comité de Conciliação, conferem efetivamente ao Parlamento a possibilidade não só de influenciar, mas de coformatar o resultado do processo legislativo. Se necessário for, o Parlamento pode até rejeitar o ato legislativo proposto.

137. Assim, se o Parlamento não concordasse com a decisão de transferir a sede da EMA para Amesterdão, estava equipado com a possibilidade de impedir que a decisão política anteriormente tomada pelos Estados‑Membros, e proposta pela Comissão, fosse consagrada no conteúdo de um ato legislativo vinculativo da União. No entanto, é manifesto que tal não sucedeu durante o processo legislativo ordinário exposto nos presentes processos, como o próprio Parlamento sublinhou.

138. Em primeiro lugar, o Parlamento discutiu o projeto de proposta legislativa da Comissão (60) nos seus trabalhos de 12 a 15 de março de 2018. Aprovou uma série de alterações, embora não expressasse qualquer desacordo com a decisão de que a EMA deveria ter a sua sede em Amesterdão (61). Antes disso, e como o Conselho menciona no processo C‑106/19, foram apresentadas alterações no respetivo comité sugerindo que a nova sede da EMA deveria ser em Milão (62). A justificação de uma dessas alterações mencionava: «A imprensa e diversas fontes oficiais têm vindo a revelar a inadequação da sede, ainda que provisória, da Agência Europeia de Medicamentos em Amesterdão até março de 2019. Nessa medida, considera‑se que a decisão adotada pelo Conselho [sic] carece de viabilidade. Em alternativa, Milão apresenta uma sede disponível, inteiramente adequada e imediatamente operacional, permitindo evitar transtornos, custos suplementares, efeitos negativos sobre o direito dos cidadãos à saúde e assegurando a continuidade operacional da Agência» (63). No entanto, o Parlamento não manteve estas sugestões (64).

139. Em segundo lugar, as alterações do Parlamento foram submetidas ao Conselho (65). Seguiram‑se negociações informais entre o Conselho e o Parlamento, durante as quais foram aceites vários pontos suscitados por este último, que transparecem do texto final do regulamento impugnado, acordado pelos dois colegisladores em 16 de outubro de 2018 (66).

140. Em terceiro lugar, o Parlamento votou o projeto de ato legislativo em 25 de outubro de 2018, tendo em conta uma série de trocas informais que tiveram lugar entre o Conselho, o Parlamento e a Comissão com a intenção de chegar a um acordo sobre a matéria em primeira leitura, evitando assim a necessidade de uma segunda leitura ou conciliação (67).

141. Por fim, o regulamento impugnado foi adotado em 14 de novembro de 2018 e publicado no Jornal Oficial em 16 de novembro de 2018 (68).

142. Atendendo aos elementos expostos sobre o processo legislativo acima descrito, que conduziu à adoção do regulamento impugnado, tenho dificuldade em ver em que medida o papel do Parlamento foi reduzido a um papel puramente formal.

143. Mais uma vez, se o Parlamento pretendesse manifestar o seu desacordo com a escolha de Amesterdão como nova sede da EMA, dispunha de numerosas possibilidades formais e informais para o fazer. No entanto, o processo legislativo revela que muitas das alterações do Parlamento foram, de facto, aceites pelo Conselho e integradas no texto final do regulamento impugnado. Ora, a própria sede nunca foi contestada pelo Parlamento no decurso do processo legislativo ordinário.

144. Na minha opinião, é apenas à luz deste contexto geral que se podem apreciar corretamente as «lamentações» expressas pelo Parlamento no anexo à sua resolução de 25 de outubro de 2018 (69). Com efeito, nessa ocasião, o Parlamento salientou que o seu papel de colegislador não tinha «sido plenamente associado ao processo de seleção da nova sede da [EMA]» (70).

145. Porém, em primeiro lugar, esta afirmação deve ser entendida como relativa ao processo de seleção que teve lugar na reunião dos representantes dos Estados‑Membros, que ocorreu a montante do processo legislativo ordinário, à qual o Parlamento não foi associado porque os Estados‑Membros não pretenderam que o fosse. O facto de os Estados‑Membros não terem pretendido associar o Parlamento não pode, por si só, constituir uma violação das prerrogativas deste último, uma vez que, no que se refere ao que se passa fora do sistema jurídico da União, o Parlamento não goza das prerrogativas de codecisão previstas nos Tratados.

146. Em segundo lugar, quanto às repercussões de uma decisão já tomada pelos Estados‑Membros fora do sistema dos Tratados, é, com efeito, perfeitamente possível compreender o desejo do Parlamento, expresso na resolução acima referida, de intervir no processo informal que antecedeu o processo legislativo ordinário, especialmente se já aí tiver lugar uma decisão sobre a sede de uma agência.

147. Todavia, não cabe ao Tribunal de Justiça agir sobre os arrependimentos políticos relativos ao passado, nem sobre os desejos para o futuro. A conclusão continua a ser que o Parlamento teve a oportunidade de se pronunciar sobre a matéria no âmbito do processo legislativo ordinário. Decidiu, no entanto, por qualquer razão, não contestar a escolha da sede anteriormente efetuada pelos representantes dos Estados‑Membros e não se opor nessa ocasião (71). A verdade é que essas escolhas são simplesmente uma questão de oportunidade política, sinalização e estratégia, sem que nada seja passível de fiscalização jurisdicional.

148. O mesmo parece ser confirmado pela posição adotada pelo Parlamento no processo C‑232/19. Com efeito, o Parlamento alega que o conteúdo do regulamento impugnado foi adotado independentemente da decisão dos representantes dos Estados‑Membros, num procedimento em que o Parlamento desempenhou o seu papel autónomo de colegislador, no exercício do seu poder de apreciação e sem ser constrangido em nenhum momento pela escolha política feita pelos Estados‑Membros.

149. Além disso, importa salientar que nem o Governo italiano nem a Comune di Milano alegam que o Parlamento não exerceu o seu poder de apreciação colegislativo ao ponto de originar uma violação das normas. Poderia recordar‑se novamente que o amplo poder de apreciação de que dispõem as instituições da União no exercício dos seus poderes legislativos está, em princípio, sujeito a uma fiscalização jurisdicional limitada, com o objetivo de determinar, nomeadamente, o caráter suficiente da sua fundamentação e a inexistência de erros manifestos de apreciação(72).

150. A este respeito, o preâmbulo do regulamento impugnado refere‑se ao contexto criado pela decisão do Reino Unido de se retirar da União e à Decisão dos representantes dos Estados‑Membros de 20 de novembro de 2017 (considerando 1), bem como à necessidade de «assegurar o correto funcionamento da Agência na sua nova localização» ou «o funcionamento ininterrupto da Agência durante e após a transferência» (considerandos 3 e 4). Além disso, reconhece a existência do «caráter extraordinário da situação» (considerando 4) bem como da «urgência» (considerando 6).

151. Embora bastante concisas, estas declarações fornecem certamente razões plausíveis e, face ao âmbito da fiscalização, suficientes para justificar a escolha da cidade de Amesterdão como a nova sede da EMA pelo legislador da União.

152. À luz do que precede, proponho ao Tribunal de Justiça que julgue improcedente o primeiro fundamento do recurso no processo C‑106/19 e o primeiro fundamento do recurso no processo C‑232/19.

2.      Segundo fundamento de recurso no processo C106/19, relativo à ilegalidade do regulamento impugnado decorrente da ilegalidade da decisão dos representantes dos EstadosMembros, e segundo, terceiro e quarto fundamentos de recurso no processo C232/19

153. O segundo fundamento do recurso interposto pelo Governo italiano no processo C‑106/19, bem como o segundo a quarto fundamentos no processo C‑232/19, consistem em alegar que a ilegalidade do regulamento impugnado resulta da ilegalidade inicial da decisão dos representantes dos Estados‑Membros. Estes argumentos acabam por apresentar um raciocínio como o dos «frutos da árvore envenenada»: uma vez que a decisão inicial dos representantes dos Estados‑Membros foi tomada ilegalmente, a escolha da sede da EMA, posteriormente consagrada no regulamento impugnado, estava naturalmente viciada pelo mesmo erro.

154. Duas respostas devem ser dadas a estes argumentos.

155. Em primeiro lugar, uma vez que o Parlamento não tinha qualquer papel a desempenhar na fase informal de seleção da nova sede da EMA, as prerrogativas do Parlamento não poderiam ter sido violadas nessa fase informal. Essas prerrogativas também não foram violadas ao longo do processo legislativo ordinário que antecedeu a adoção do regulamento impugnado pelos motivos já explicados na secção anterior das presentes conclusões.

156. Em segundo lugar, a decisão dos representantes dos Estados‑Membros sobre a sede de uma agência, que não é abrangida pelo artigo 341.o TFUE e, portanto, nele não se pode basear, não é um ato impugnável nos termos do artigo 263.o TFUE. Tal ato, da autoria dos Estados‑Membros, não produz efeitos jurídicos vinculativos na ordem jurídica da União. Como tal, as instituições que participam no processo legislativo ordinário relativo à designação de uma agência podem, naturalmente, ignorar essa vontade política não vinculativa no que respeita à localização da nova sede de uma agência. No entanto, tal significa que os eventuais erros desse ato (não vinculativo) não podem afetar a legalidade do processo legislativo ordinário que é independente dele.

157. Em suma, não sendo vinculativa, a lógica da «ilegalidade por associação», suscitada neste ponto pelo Governo italiano e pela Comune di Milano, simplesmente não funciona. Além disso, de resto, o segundo fundamento de recurso no processo C‑106/19 e o segundo a quarto fundamentos de recurso no processo C‑232/19 são, na realidade, dirigidos contra uma decisão dos Estados‑Membros que extravasa a competência do Tribunal de Justiça.

158. Assim, à luz do que precede, proponho ao Tribunal de Justiça que julgue improcedente o segundo fundamento de recurso no processo C‑106/19, bem como o segundo a quarto fundamentos de recurso no processo C‑232/19.

159. Em conclusão, gostaria de acrescentar que pode entender‑se a insatisfação de um concorrente não vencedor no âmbito de um concurso que, embora começando como um concurso baseado no mérito com uma lista definida de critérios sobre os quais os concorrentes serão avaliados, termina por meio de uma decisão que em última análise se resume a pura sorte através do sorteio.

160. Dito isto, em termos estruturais, e flexibilizando a abertura das presentes conclusões, pode haver de facto circunstâncias em que o resultado irrevogável através do sorteio faça efetivamente muito sentido, incluindo na tomada de decisões jurídicas. Isto acontece, especialmente, no interesse de uma tomada de decisão (económica) entre o que são suscetíveis de ser nessa fase candidatos igualmente plausíveis. Há uma diferença natural na lógica do sorteio como único critério de seleção (onde o mérito não importa, é simplesmente uma questão de sorte), em oposição ao sorteio no final de um processo de seleção por mérito, onde a situação hipotética é que há apenas alguns candidatos empatados, todos eles mais ou menos iguais em mérito (e não há nenhum desejo especial de passar os dias seguintes trancado numa Capela Sistina a realizar rondas sucessivas de votação até que surja fumo branco).

161. Seja como for, quando foram fixadas as regras para a seleção controvertida, a República Italiana, bem como todos os outros Estados‑Membros que concordaram com essas regras, estavam por detrás de um quase perfeito «véu de ignorância» quanto ao resultado do processo de seleção. Com efeito, restam poucas dúvidas de que esses Estados‑Membros estavam de acordo com as regras em abstrato, sem saber que, mais tarde, essas regras acabariam efetivamente por ser aplicadas em seu benefício ou prejuízo. Se acreditarmos na filosofia política relativamente a este ponto, as regras assim acordadas são, por definição, mais justas do que quaisquer outras (73).

162. Isto não significa que o processo de seleção em concreto tenha sido irrepreensível. Pretende‑se antes sugerir que se, de forma mais geral, atualmente, a República italiana e/ou quaisquer outros Estados‑Membros e as instituições da União, tendo em vista a competência da União para decidir sobre a sede de uma agência, já não acreditam que, à luz dos objetivos e interesses declarados, tais regras são apropriadas, então são naturalmente livres para as (co)definir de uma melhor forma para o futuro.

C.      Despesas

163. Nos termos do artigo 138.o, n.o 1, do Regulamento de Processo, a parte vencida é condenada nas despesas.

164. A nível formal, é verdade que, nos presentes processos, a Comune di Milano e a República Italiana foram vencidas na medida em que foi demonstrado que os fundamentos dirigidos contra o regulamento impugnado são infundados e que o Tribunal de Justiça não é competente para se pronunciar quanto a esses fundamentos de recurso no processo C‑232/19 que são diretamente dirigidos contra a decisão dos representantes dos Estados‑Membros.

165. No entanto, tendo em vista os factos de que i) este tem sido um contencioso complexo, intrinsecamente institucional, que tem versado tanto sobre os casos anteriores quanto sobre o esclarecimento das regras para o futuro; ii) o resultado dos presentes processos apensos ficou efetivamente vinculado ao resultado de outro conjunto de processos apensos, no âmbito do qual a declaração solicitada pela Comune di Milano no presente processo foi, de facto, fornecida de forma indireta; e iii) o Tribunal de Justiça apensou os presentes processos e realizou uma audiência comum juntamente com os processos C‑59/18, C‑182/18 e C‑743/19, após a qual uma afetação retroativa das despesas exatas para cada processo individual poderia ser um exercício bastante complexo, considero mais justo e equitativo aplicar excecionalmente o artigo 138.o, n.o 3, do Regulamento de Processo e condenar (todas) as partes a suportar as suas próprias despesas.

D.      Conclusão

166. No processo C‑106/19, proponho que o Tribunal de Justiça:

—        negue provimento ao recurso;

—        condene a República Italiana, o Conselho da União Europeia e o Parlamento Europeu a suportarem as suas próprias despesas;

—        condene o Reino dos Países Baixos e a Comissão Europeia a suportarem as suas próprias despesas.

167. No processo C‑232/19, proponho que o Tribunal de Justiça:

—        negue provimento ao recurso;

—        se declare incompetente para conhecer do recurso na medida em que é pedido ao Tribunal de Justiça que declare sem efeitos jurídicos a Decisão dos representantes dos Estados‑Membros adotada em 20 de novembro de 2017 à margem de uma reunião do Conselho da União Europeia que fixa a nova sede da Agência Europeia de Medicamentos em Amesterdão;

—        condene a Comune di Milano, o Conselho e o Parlamento Europeu a suportarem as suas próprias despesas;

—        condene o Reino dos Países Baixos e a Comissão Europeia a suportarem as suas próprias despesas.


1      Língua original: inglês.


2      Duxbury, N., Random Justice: On Lotteries and Legal DecisionMaking, Clarendon Press, Oxford, 1999, em especial pp. 5 e 14.


3      Embora o façam indiretamente, através das alegações da Comune di Milano (Município de Milão), sustentando em especial que a seleção da nova sede da EMA realizada desta forma estava viciada por desvio de poder e violação dos princípios da transparência, da boa administração e da equidade.


4      Conclusões apresentadas nos processos República Italiana e Comune di Milano/Conselho (Sede da Agência Europeia de Medicamentos) e Parlamento/Conselho (Sede da Autoridade Europeia do Trabalho) (Processos apensos C‑59/18 e C‑182/18, e processo C‑743/19) (a seguir «EMA 1/ELA»), no mesmo dia das presentes conclusões.


5      Regulamento (UE) 2018/1718 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 14 de novembro de 2018, que altera o Regulamento (CE) n.o 726/2004 no que respeita à localização da sede da Agência Europeia de Medicamentos (JO 2018, L 291, p. 3).


6      Documento P8 TA(2018)0427, Resolução legislativa do Parlamento Europeu, de 25 de outubro de 2018, sobre a proposta de regulamento do Parlamento Europeu e do Conselho que altera o Regulamento (CE) n.o 726/2004 no que respeita à localização da sede da Agência Europeia de Medicamentos [COM(2017)0735 — C8‑0421/2017 — 2017/0328(COD)].


7      JO 1993, L 214, p. 1.


8      Decisão tomada de comum acordo pelos Representantes dos Governos dos Estados‑Membros reunidos a nível de Chefes de Estado ou de Governo relativa à fixação das sedes de determinados organismos e serviços das Comunidades Europeias e da Europol (JO 1993, C 323, p. 1).


9      JO 2004, L 136, p. 1.


10      Documento XT 21045/17 do Conselho — Procedimento conducente à decisão sobre a transferência da Agência Europeia de Medicamentos e da Autoridade Bancária Europeia no contexto da saída do Reino Unido da União.


11      Documento 14559/17 do Conselho — Resultados da Reunião do Conselho [3579.a Reunião do Conselho, Assuntos Gerais (artigo 50.o)].


12      Comunicado de imprensa de 20 de novembro de 2017, European Medicines Agency to be relocated to Amsterdam, the Netherlands — https://www.consilium.europa.eu/en/press/press‑releases/2017/11/20/european‑medicines‑agency‑to‑be‑relocated‑to‑city‑country/.


13      V. último período do n.o 1 da proposta de regulamento do Parlamento Europeu e do Conselho que altera o Regulamento (CE) n.o 726/2004 no que respeita à localização da sede da Agência Europeia de Medicamentos (COM/2017/0735 final).


14      V. artigo 71.o‑A do Regulamento n.o 726/2004, conforme alterado pelo artigo 1.o do Regulamento (UE) 2018/1718 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 14 de novembro de 2018 (JO 2018, L 291, p. 3).


15      Por uma questão de exaustividade, há que sublinhar que, antes de entrar em pormenor nos dois fundamentos invocados, o Governo italiano, igualmente no contexto do presente processo que põe em causa a legalidade do regulamento impugnado, expõe a sua opinião sobre a razão pela qual a decisão sobre a sede das agências é da competência exclusiva da União Europeia e não de um dos Estados‑Membros. Estes argumentos são, no entanto, abordados em pormenor nas minhas Conclusões paralelas apresentadas no processo EMA 1/ELA (nota 4), no qual o Governo italiano participou e foi ouvido detalhadamente. Por conseguinte, limito a reafirmação da posição do Governo italiano para efeitos das presentes conclusões apenas aos dois motivos invocados especificamente em relação ao regulamento impugnado.


16      Decisão tomada de Comum Acordo pelos representantes dos Estados‑Membros, de 13 de junho de 2019, relativa à localização da sede da Autoridade Europeia do Trabalho (JO 2019, L 189, p. 68). A decisão sobre a sede do ELA foi instituída pelo Regulamento (UE) 2019/1149 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 20 de junho de 2019, que institui uma Autoridade Europeia do Trabalho, altera os Regulamentos (CE) n.o 883/2004 (UE), n.o 492/2011 e (UE) 2016/589 e revoga a Decisão (UE) 2016/344 (JO 2019, L 186, p. 21).


17      O recurso foi inicialmente interposto no Tribunal de Primeira Instância (processo T‑75/19). Em 13 de março de 2019, o Tribunal Geral decidiu, em conformidade com o artigo 54.o, terceiro parágrafo, do Estatuto do Tribunal de Justiça e com o artigo 128.o do Regulamento de Processo do Tribunal Geral, declinar a sua competência a favor do Tribunal de Justiça para que este pudesse decidir o recurso, tendo em conta que, no processo T‑75/19, a questão da validade do mesmo ato foi suscitada no processo C‑106/19 [Despacho de 13 de março de 2019, Comune di Milano/Parlamento e Conselho (T‑75/19, não publicado, EU:T:2019:163)].


18      Decisão do Conselho, de 1 de dezembro de 2009, que adota o seu Regulamento Interno (2009/937/UE) (JO 2009, L 325, p. 35).


19      Referências adicionadas. Resulta do anexo 5 do recurso da Comune di Milano que esta parte se refere à nota do Conselho de 31 de outubro de 2017, Documento XT 21092/17 do Conselho — Procedimento conducente à decisão sobre a transferência da Agência Europeia de Medicamentos e da Autoridade Bancária Europeia no contexto da saída do Reino Unido da União, que complementa as regras de seleção em questões práticas relativas à votação (Documento XT 21045/17 do Conselho, referido acima na nota 10).


20      Decisão do Conselho, de 1 de dezembro de 2009, que adota o seu Regulamento Interno (2009/937/UE) (JO 2009, L 325, p. 35).


21      V., supra, nota 19 das presentes conclusões.


22      Despacho de 9 de julho de 2013, Regione Puglia/Comissão (C‑586/11 P, não publicado, EU:C:2013:459, n.o 30 e jurisprudência referida).


23      Acórdão de 6 de novembro de 2018, Scuola Elementare Maria Montessori/Comissão, Comissão/Scuola Elementare Maria Montessori  e  Comissão/Ferracci (C‑622/16 P a C‑624/16 P, EU:C:2018:873, n.o 42 e jurisprudência referida).


24      Despacho de 12 de outubro de 2011, GS/Parlamento e Conselho, não publicado (T‑149/11, EU:T:2011:590, n.o 24 e jurisprudência referida).


25      Da mesma forma que «efeito direto» não significa «afetação direta» no que diz respeito à legitimidade para impugnar diretivas — v. as minhas Conclusões no processo Nordstream 2  AG/Parlamento e Conselho (C‑348/20 P, n.os 35 a 46).


26      V., por exemplo, Acórdãos de 25 de outubro de 1977, Metro SB‑Großmärkte/Comissão (26/76, EU:C:1977:167, n.o 4), ou de 15 de dezembro de 1988, Irish Cement/Comissão  (166/86 e 220/86, EU:C:1988:549, n.o 16).


27      Conclusões que apresentei no processo EMA 1/ELA, n.os 164 a 176.


28      V., para uma sistematização da jurisprudência relativa à competência dos concorrentes nestes domínios, Acórdão de 3 de maio de 2018, Distillerie Bonollo e o./Conselho (T‑431/12, EU:T:2018:251, n.os 54 a 59).


29      A posição competitiva no mercado tem sido considerada como um elemento factual em alguns casos. V., por exemplo, Conclusões da advogada‑geral J. Kokott no processo Inuit Tapiriit Kanatami e o./Parlamento e Conselho (C‑583/11 P, EU:C:2013:21, n.o 71), e Acórdão de 3 de maio de 2018, Distillerie Bonollo e o./Conselho  (T‑431/12, EU:T:2018:251, n.o 52).


30      Acórdão de 6 de novembro de 2018, Scuola Elementare Maria Montessori/Comissão, Comissão/Scuola Elementare Maria Montessori e Comissão/Ferracci (C‑622/16 P a C‑624/16 P, EU:C:2018:873, n.o 47).


31      V., para um exemplo recente, Acórdão de 10 de fevereiro de 2021, Sophia Group/Parlamento (T‑578/19, não publicado, EU:T:2021:77). V., também, Acórdão de 20 de março de 2013, Nexans France/Empresa Comum Fusion for Energy (T‑415/10, EU:T:2013:141, n.o 55 e jurisprudência referida).


32      V., por exemplo, artigo 170.o do Regulamento (UE, Euratom) 2018/1046 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 18 de julho de 2018, relativo às disposições financeiras aplicáveis ao orçamento geral da União, que altera os Regulamentos (UE) n.o 1296/2013, (UE) n.o 1301/2013, (UE) n.o 1303/2013, (UE) n.o 1304/2013, (UE) n.o 1309/2013, (UE) n.o 1316/2013, (UE) n.o 223/2014 e (UE) n.o 283/2014, e a Decisão n.o 541/2014/UE, e revoga o Regulamento (UE, Euratom) n.o 966/2012 (JO 2018, L 193, p. 1).


33      Acórdão de 23 de abril de 1986, Os Verdes/Parlamento (294/83, EU:C:1986:166, n.os 29 a 31).


34      No presente processo, a cidade de Londres seria colocada numa posição semelhante à da própria Amesterdão, na medida em que a nacionalidade é irrelevante para efeitos de competência ao abrigo do artigo 263.o, quarto parágrafo, TFUE, mesmo quando se trata da competência de Estados terceiros, Acórdão de 22 de junho de 2021, Venezuela/Conselho (Afetação de um Estado terceiro) (C‑872/19 P, EU:C:2021:507). O raciocínio desenvolvido nos n.os 40 a 53 desse acórdão é inteiramente aplicável às entidades territoriais de Estados terceiros.


35      Evidentemente, a jurisprudência relativa aos fundos da União não é, por esta razão, aplicável por analogia a este caso. V., por exemplo, Acórdão de 22 de março de 2007, Regione Siciliana/Comissão (C‑15/06 P, EU:C:2007:183).


36      V., por exemplo, artigo 4.o, n.o 2, do Regulamento (CEE) n.o 1365/75 do Conselho, de 26 de maio de 1975, relativo à criação de uma Fundação Europeia para a melhoria das condições de vida e de trabalho (JO 1975, L 139, p. 1), que previa que «[a] Fundação terá a sua sede na Irlanda». Do mesmo modo, os representantes dos Governos dos Estados‑Membros, reunidos a nível de Chefes de Estado e de Governo em 29 de outubro de 1993, decidiram que o Instituto de Harmonização do Mercado Interno (marcas, desenhos e modelos), terá a sua sede em Espanha, numa cidade a designar pelo Governo espanhol — Decisão tomada de comum acordo pelos Representantes dos Governos dos Estados‑Membros reunidos a nível de Chefes de Estado ou de Governo relativa à fixação das sedes de determinados organismos e serviços das Comunidades Europeias e da Europol (JO 1993, C 323, p. 1).


37      Se o raciocínio do Conselho fosse seguido até a sua conclusão (i)lógica e tudo isto fosse de facto uma questão «puramente interna» de um Estado‑Membro, então esse Estado‑Membro, cuja cidade proposta foi selecionada, também deveria ser livre para simplesmente «deslocar» a sede da agência para outro local dentro do seu território geográfico. Assim, o Reino dos Países Baixos permaneceria livre para transferir a EMA a qualquer momento para, por exemplo, Tilburg ou Lelystad.


38      A propósito, não se encontra qualquer debate sobre o requisito de «afetação direta» no Acórdão de 12 de maio de 2015, Dalli/Comissão (T‑562/12, EU:T:2015:270), relativo ao pedido de anulação de uma decisão alegadamente tomada pelo então presidente da Comissão de exercer a sua competência de pedir a demissão do recorrente como membro da Comissão, nos termos do artigo 17.o, n.o 6, TUE.


39      V., nesse sentido, inter alia, Acórdãos de 15 de julho de 1963, Plaumann/Comissão (25/62, EU:C:1963:17, p. 107), e de 15 de julho de 2021, Deutsche Lufthansa/Comissão (C‑453/19 P, EU:C:2021:608, n.o 33 e jurisprudência referida).


40      Acórdão de 16 de maio de 1991, Extramet Industrie/Conselho  (C‑358/89, EU:C:1991:214, n.os 14, 15 e jurisprudência referida).


41      Acórdão de 28 de outubro de 1982, Groupement des Agences de voyages/Comissão  (135/81, EU:C:1982:371, n.o 11).


42      Fazendo referência, por analogia, ao Despacho de 2 de junho de 2008, WWF‑UK/Conselho (T‑91/07, não publicado, EU:T:2008:170, n.o 72).


43      V., nesse sentido, Despacho de 16 de junho de 1998, Comunidad Autónoma de Cantabria/Conselho  (T‑238/97, EU:T:1998:126, n.os 49, 50 e jurisprudência referida), e Despacho de 23 de outubro de 1998,  Regione Puglia/Comissão e Espanha (T‑609/97, EU:T:1998:249, n.os 21 e 22).


44      V., nomeadamente, Acórdãos de 30 de abril de 1998, Vlaams Gewest/Comissão  (T‑214/95, EU:T:1998:77, n.o 29); de 23 de outubro de 2002, Diputación Foral de Guipúzcoa/Comissão (T‑269/99, T‑271/99 e T‑272/99, EU:T:2002:258, n.o 41); de 15 de junho de 1999, Regione Autonoma Friuli‑Venezia Giulia/Comissão (T‑288/97, EU:T:1999:125, n.o 32); ou de 5 de outubro de 2005,  Land Oberösterreich e Áustria/Comissão  (T‑366/03 e T‑235/04, EU:T:2005:347, n.o 28). Para uma análise mais aprofundada desta jurisprudência, v. minhas Conclusões no processo Région de Bruxelles‑Capitale/Comissão  (C‑352/19 P, EU:C:2020:588, n.os 58 a 62).


45      Em qualquer caso, o critério Vlaams Gewest não é claramente a única forma de uma entidade regional provar a sua afetação direta e individual — v., por exemplo, Acórdão de 10 de fevereiro de 2000, Nederlandse Antillen/Comissão (T‑32/98 e T‑41/98, EU:T:2000:36, n.os 50 a 57).


46      V. nota 39.


47      V. alterações 39, 46, 47 e 48. Proposta de regulamento da Comissão do Ambiente, da Saúde Pública e da Segurança Alimentar, de 31 de janeiro de 2018, alterações 1‑51, projeto de relatório Giovanni La Via, Localização da sede da Agência Europeia de Medicamentos [COM(2017)0735 — C8‑0421/2017 — 2017/0328(COD)] — https://www.europarl.europa.eu/doceo/document/ENVI‑AM‑616891_EN.pdf.


48      V., por analogia, Acórdãos de 6 de março de 1979, Simmenthal/Comissão  (92/78, EU:C:1979:53, n.os 25 e 26), e de 29 de abril de 2004, Comissão/CAS Succhi di Frutta (C‑496/99 P, EU:C:2004:236, n.o 57).


49      V., por exemplo, Acórdão de 27 de março de 2019, Canadian Solar Emea e o./Conselho  (C‑236/17 P, EU:C:2019:258, n.o 91).


50      V., neste sentido, Acórdão de 17 de setembro de 2015, Mory e o./Comissão (C‑33/14 P, EU:C:2015:609, n.os 69, 79 e jurisprudência referida), e de 7 de novembro de 2018, BPC Lux 2 e o./Comissão (C‑544/17 P, EU:C:2018:880, n.o 43). Neste contexto, pode igualmente recordar‑se que as instituições da União, mesmo quando atuam fora do quadro jurídico da União, não estão protegidas das ações de indemnização nos termos dos artigos 268.o e 340.o TFUE. V., a este respeito, Acórdão de 20 de setembro de 2016, Ledra Advertising e o./Comissão e BCE (C‑8/15 P a C‑10/15 P, EU:C:2016:701 n.os 54 a 60).


51      V. Acórdão de 30 de abril de 2020, Izba Gospodarcza Producentów i Operatorów Urządzeń Rozrywkowych/Comissão  (C‑560/18 P, EU:C:2020:330, n.os 73 e 74).


52      Acórdão de 6 de julho de 2000, AICS/Parlamento  (T‑139/99, EU:T:2000:182, n.o 33).


53      V., por exemplo, Acórdãos de 11 de maio de 2010, PC‑Ware Information Technologies/Comissão (T‑121/08, EU:T:2010:183, n.o 40), e de 20 de setembro de 2011, Evropaïki Dynamiki/BEI  (T‑461/08, EU:T:2011:494, n.os 64 a 66).


54      V. Acórdão de 6 de setembro de 2018, Bank Mellat/Conselho (C‑430/16 P, EU:C:2018:668, n.o 64), ou Acórdãos de 7 de junho de 2007, Wunenburger/Comissão  (C‑362/05 P, EU:C:2007:322, n.os 50 a 52), e de 22 de março de 2018, De Capitani/Parlamento (T‑540/15, EU:T:2018:167, n.o 32).


55      Acórdãos de 30 de abril de 1998, Vlaams Gewest/Comissão (T‑214/95, EU:T:1998:77, n.o 30), e de 15 de dezembro de 1999, Freistaat Sachsen e o./Comissão (T‑132/96 e T‑143/96, EU:T:1999:326, n.o 92). V., também, Acórdão de 10 de fevereiro de 2000, Nederlandse Antillen/Comissão (T‑32/98 e T‑41/98, EU:T:2000:36, n.o 58).


56      V., a este respeito, Despacho de 6 de setembro de 2011, Inuit Tapiriit Kanatami e o./Parlamento e Conselho (T‑18/10, EU:T:2011:419, n.o 60).


57      Conclusões que apresentei no processo EMA 1/ELA, n.os 83 a 143 e 164 a 176.


58      Acórdão de 21 de junho de 2018, Polónia/Parlamento e Conselho (C‑5/16, EU:C:2018:483, n.o 84 e jurisprudência referida).


59      V., a este respeito, Acórdão de 19 de dezembro de 2019, Puppinck e o./Comissão  (C‑418/18 P, EU:C:2019:1113, n.os 95 e 96).


60      Proposta de regulamento do Parlamento Europeu e do Conselho que altera o Regulamento (CE) n.o 726/2004 no que respeita à localização da sede da Agência Europeia de Medicamentos [COM/2017/0735 final — 2017/0328 (COD)].


61      Alterações aprovadas pelo Parlamento Europeu, em 15 de março de 2018, sobre a proposta de regulamento do Parlamento Europeu e do Conselho que altera o Regulamento (CE) n.o 726/2004 no que respeita à localização da sede da Agência Europeia de Medicamentos [COM(2017)0735 — C8‑0421/2017 — 2017/0328(COD)] 11 (JO 2019, C 162, p. 147).


62      V. «Alterações 39, 46, 47 e 48». Proposta de regulamento, de 31 de janeiro de 2018, da Comissão do Ambiente, da Saúde Pública e da Segurança Alimentar, Alterações 1‑51, Projeto de relatório Giovanni La Via, Localização da sede da Agência Europeia de Medicamentos [COM(2017)0735 — C8‑0421/2017 — 2017/0328(COD)] — https://www.europarl.europa.eu/doceo/document/ENVI‑AM‑616891_EN.pdf.


63      Ibidem, justificação da alteração 46.


64      Alterações aprovadas pelo Parlamento Europeu, em 15 de março de 2018, sobre a proposta de regulamento do Parlamento Europeu e do Conselho que altera o Regulamento (CE) n.o 726/2004 no que respeita à localização da sede da Agência Europeia de Medicamentos [COM(2017)0735 — C8‑0421/2017 — 2017/0328(COD)] 11 (JO 2019, C 162, p. 147).


65      Dossiê interinstitucional 2017/0328 (COD), n.o 7098/18, de 21 de março de 2018.


66      Dossiê interinstitucional 2017/0328 (COD), n.o 13176/18, de 16 de outubro de 2018.


67      Dossiê interinstitucional 2017/0328 (COD), n.o 13316/18, de 30 de outubro de 2018.


68      Regulamento (UE) 2018/1718 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 14 de novembro de 2018, que altera o Regulamento (CE) n.o 726/2004 no que respeita à localização da sede da Agência Europeia de Medicamentos (JO 2018, L 291, p. 3).


69      Resolução legislativa do Parlamento Europeu, de 25 de outubro de 2018, sobre a proposta de regulamento do Parlamento Europeu e do Conselho que altera o Regulamento (CE) n.o 726/2004 no que respeita à localização da sede da Agência Europeia de Medicamentos [COM(2017)0735 — C8‑0421/2017 — 2017/0328(COD)].


70      Ibidem, n.o 5.


71      Ao contrário do processo paralelo pendente C‑743/19, Parlamento/Conselho (sede da ELA), em que o Parlamento decidiu proceder de forma diferente.


72      V., supra, nota 60 das presentes conclusões.


73      Rawls, J. A., Theory of Justice: Revised Edition, Harvard University Press, 1999, pp. 118 e segs.