Language of document : ECLI:EU:C:2022:568

ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Grande Secção)

14 de julho de 2022 (*)

«Recurso de anulação — Direito institucional — Regulamento (UE) 2018/1718 — Fixação da sede da Agência Europeia de Medicamentos (EMA) em Amesterdão (Países Baixos) — Artigo 263.o TFUE — Admissibilidade — Interesse em agir — Legitimidade ativa — Afetação direta e individual — Decisão adotada pelos representantes dos Governos dos Estados‑Membros à margem de uma reunião do Conselho com vista a fixar o local de implantação da sede de uma agência da União Europeia — Inexistência de efeitos vinculativos na ordem jurídica da União — Prerrogativas do Parlamento Europeu»

Nos processos apensos C‑106/19 e C‑232/19,

que têm como objeto dois recursos de anulação ao abrigo do artigo 263.o TFUE, apresentados em 11 de fevereiro de 2019 e 14 de março de 2019,

República Italiana, representada por G. Palmieri, na qualidade de agente, assistida por C. Colelli, S. Fiorentino e G. Galluzzo, avvocati dello Stato (C‑106/19),


Comune di Milano, representada por J. Alberti, M. Condinanzi, A. Neri e F. Sciaudone, avvocati (C‑232/19),

recorrentes,

contra

Conselho da União Europeia, representado por M. Bauer, J. Bauerschmidt, F. Florindo Gijón e E. Rebasti, na qualidade de agentes,


Parlamento Europeu, representado por I. Anagnostopoulou, A. Tamás e L. Visaggio, na qualidade de agentes,

recorridos,

apoiados por:

Reino dos Países Baixos, representado por M. K. Bulterman e J. Langer, na qualidade de agentes,

Comissão Europeia, representada por K. Herrmann, D. Nardi e P. J. O. Van Nuffel, na qualidade de agentes,

intervenientes,

O TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Grande Secção),

composto por: K. Lenaerts, presidente, A. Arabadjiev, K. Jürimäe, C. Lycourgos, E. Regan, S. Rodin, I. Jarukaitis, N. Jääskinen e J. Passer, presidentes de secção, J.‑C. Bonichot, M. Safjan, F. Biltgen, P. G. Xuereb, A. Kumin e N. Wahl (relator), juízes,

advogado‑geral: M. Bobek,

secretário: R. Şereş, administradora,

vistos os autos e após a audiência de 8 de junho de 2021,

ouvidas as conclusões do advogado‑geral na audiência de 6 de outubro de 2021,

profere o presente

Acórdão

1        Com as suas petições, a República Italiana (C‑106/19) e a Comune di Milano (Município de Milão, Itália) (C‑232/19) pedem a anulação do Regulamento (UE) 2018/1718 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 14 de novembro de 2018, que altera o Regulamento (CE) n.o 726/2004 no que respeita à localização da sede da Agência Europeia de Medicamentos (JO 2018, L 291, p. 3, a seguir «regulamento impugnado»).

 Quadro jurídico

2        Em 12 de dezembro de 1992, os representantes dos Governos dos Estados‑Membros adotaram de comum acordo, com base no artigo 216.o do Tratado CEE, no artigo 77.o do Tratado CECA e no artigo 189.o do Tratado CEEA, a Decisão relativa à fixação das sedes das instituições e de determinados organismos e serviços das Comunidades Europeias (JO 1992, C 341, p. 1; a seguir «Decisão de Edimburgo»).

3        O artigo 1.o da Decisão de Edimburgo fixava as sedes respetivas do Parlamento Europeu, do Conselho da União Europeia, da Comissão Europeia, do Tribunal de Justiça da União Europeia, do Comité Económico e Social Europeu, do Tribunal de Contas Europeu e do Banco Europeu de Investimento.

4        De acordo com o artigo 2.o dessa decisão:

«A sede de outros organismos e serviços criados ou a criar será decidida de comum acordo pelos representantes dos Governos dos Estados‑Membros num próximo Conselho Europeu, tomando em consideração as vantagens das disposições acima referidas para os Estados‑Membros interessados, e dando a devida prioridade aos Estados‑Membros que, presentemente, não acolhem a sede de qualquer instituição das Comunidades.»

5        O artigo 341.o TFUE prevê que «[a] sede das instituições da União será fixada, de comum acordo, pelos Governos dos Estados‑Membros».

6        Nos termos do Protocolo n.o 6 relativo à localização das sedes das instituições e de certos órgãos, organismos e serviços da União Europeia (a seguir «Protocolo n.o 6»), anexo aos Tratados UE, FUE e CEEA:

«Os representantes dos Governos dos Estados‑Membros,

Tendo em conta o artigo 341.o do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia e o artigo 189.o do Tratado que institui a Comunidade Europeia da Energia Atómica,

Recordando e confirmando a Decisão de 8 de abril de 1965, e sem prejuízo das decisões relativas à sede de instituições, órgãos, organismos e serviços que venham a ser criados,

Acordaram nas disposições seguintes […]:

Artigo único

a)      O Parlamento Europeu tem sede em Estrasburgo […]

b)      O Conselho tem sede em Bruxelas. […]

c)      A Comissão tem sede em Bruxelas. […]

d)      O Tribunal de Justiça da União Europeia tem sede no Luxemburgo.

e)      O Tribunal de Contas tem sede no Luxemburgo.

f)      O Comité Económico e Social tem sede em Bruxelas.

g)      O Comité das Regiões tem sede em Bruxelas.

h)      O Banco Europeu de Investimento tem sede no Luxemburgo.

i)      O Banco Central Europeu tem sede em Frankfurt.

j)      O Serviço Europeu de Polícia (Europol) tem sede na Haia.»

 Antecedentes do litígio

7        A Agência Europeia de Avaliação dos Medicamentos foi criada pelo Regulamento (CEE) n.o 2309/93 do Conselho, de 22 de julho de 1993, que estabelece procedimentos comunitários de autorização e fiscalização de medicamentos para uso humano e veterinário e institui uma Agência Europeia de Avaliação dos Medicamentos (JO 1993, L 214, p. 1). Este regulamento não continha nenhuma disposição relativa à fixação da sede desta agência.

8        Por força do artigo 1.o, alínea e), da Decisão 93/C 323/01, de 29 de outubro de 1993, tomada de comum acordo pelos representantes dos Governos dos Estados‑Membros reunidos a nível de chefes de Estado ou de Governo relativa à fixação das sedes de determinados organismos e serviços das Comunidades Europeias e da Europol (JO 1993, C 323, p. 1), a sede da referida agência foi fixada em Londres (Reino Unido).

9        O Regulamento n.o 2309/93 foi revogado e substituído pelo Regulamento (CE) n.o 726/2004 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 31 de março de 2004, que estabelece procedimentos da União de autorização e de fiscalização de medicamentos para uso humano e veterinário e que cria uma Agência Europeia de Medicamentos (JO 2004, L 136, p. 1). Com este regulamento, a Agência Europeia de Avaliação dos Medicamentos passou a denominar‑se «Agência Europeia de Medicamentos». O referido regulamento não tem nenhuma disposição relativa à fixação da sede desta agência.

10      Em 29 de março de 2017, o Reino Unido da Grã‑Bretanha e da Irlanda do Norte notificou o Conselho Europeu da sua intenção de sair da União, em conformidade com o artigo 50.o, n.o 2, TUE.

11      Em 22 de junho de 2017, à margem de uma reunião do Conselho Europeu relativa ao procedimento previsto no artigo 50.o TUE, os Chefes de Estado ou de Governo dos outros 27 Estados‑Membros aprovaram, com base numa proposta do presidente do Conselho Europeu e do presidente da Comissão, um procedimento para efeitos da adoção de uma decisão sobre a relocalização das sedes da EMA e da Autoridade Bancária Europeia no contexto da saída do Reino Unido da União (a seguir «regras de seleção»).

12      As regras de seleção previam, nomeadamente, que essa decisão seria tomada com base num processo de decisão equitativo e transparente, incluindo a organização de um convite à apresentação de propostas baseado em critérios objetivos definidos.

13      Neste contexto, o n.o 3 das regras de seleção enunciava seis critérios, a saber, i) a garantia de que a agência podia ser criada no local proposto e assumir as suas funções à data da saída do Reino Unido da União; ii) a acessibilidade do local proposto; iii) a existência de estabelecimentos de ensino adequados para os filhos dos membros do pessoal das agências; iv) o acesso adequado ao mercado de trabalho, à segurança social e a cuidados médicos para os filhos e para os cônjuges; v) a continuidade da atividade, e vi) o equilíbrio geográfico.

14      De acordo com as regras de seleção, esses critérios eram estabelecidos por analogia com os enunciados na Abordagem Comum que figura em anexo à Declaração Conjunta do Parlamento Europeu, do Conselho e da Comissão, de 19 de julho de 2012, sobre as agências descentralizadas (a seguir «Declaração Conjunta de 2012»), tendo em especial atenção que a EMA e a Autoridade Bancária Europeia já existiam e que a continuidade das suas atividades era fundamental.

15      O n.o 2 das regras de seleção afirmava, além disso, que a decisão seria tomada por um processo de votação cujo resultado os Estados‑Membros aceitavam previamente respeitar. Em especial, referia‑se que, em caso de empate entre as propostas selecionadas na terceira volta, se procederia a um sorteio entre as propostas empatadas.

16      Em 30 de setembro de 2017, a Comissão publicou a sua avaliação das 27 propostas apresentadas pelos Estados‑Membros.

17      Em 31 de outubro de 2017, o Conselho publicou uma nota destinada a completar as regras de seleção em questões práticas relativas à votação.

18      Em 20 de novembro de 2017, a proposta da República Italiana e a do Reino dos Países Baixos obtiveram, ex æquo, o maior número de votos na terceira volta da votação. Por sorteio organizado de acordo com o n.o 2 das regras de seleção, foi selecionada a proposta do Reino dos Países Baixos.

19      Consequentemente, nessa mesma data, os representantes dos Governos dos Estados‑Membros designaram, à margem de uma reunião do Conselho, a cidade de Amesterdão como nova sede da EMA (a seguir «Decisão de 20 de novembro de 2017»). A ata e o comunicado de imprensa dessa reunião referiam o seguinte:

«A Comissão irá agora elaborar propostas legislativas que reflitam a votação de hoje para serem adotadas segundo o processo legislativo ordinário com a participação do Parlamento Europeu. O Conselho e a Comissão estão empenhados em assegurar que estas propostas legislativas sejam tratadas o mais rapidamente possível, dada a urgência da questão.»

20      Em 29 de novembro de 2017, a Comissão adotou a proposta de Regulamento do Parlamento Europeu e do Conselho que altera o Regulamento (CE) n.o 726/2004 no que respeita à localização da sede da Agência Europeia de Medicamentos [COM(2017) 735 final]. A respetiva exposição de motivos especificava que, «[n]o contexto da notificação feita pelo Reino Unido, em 29 de março de 2017, da sua intenção de sair da União, nos termos do artigo 50.o do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia, os outros 27 Estados‑Membros, reunidos à margem do Conselho dos Assuntos Gerais (“artigo 50.o”), [tinham selecionado] Amesterdão, nos Países Baixos, como a nova sede da [EMA]». O artigo 1.o da referida proposta previa que seria inserido o artigo 71.o‑A no Regulamento n.o 726/2004, formulado nos seguintes termos: «A [EMA] tem sede em Amesterdão, nos Países Baixos.»

21      Em 14 de novembro de 2018, foi adotado o regulamento impugnado com base no artigo 114.o e no artigo 168.o, n.o 4, alínea c), TFUE.

22      Nos termos dos considerandos 1, 2 e 3 deste regulamento:

«(1)      No contexto da notificação feita pelo Reino Unido, em 29 de março de 2017, da sua intenção de se retirar da União ao abrigo do artigo 50.o do Tratado da União Europeia (TUE), os outros 27 Estados‑Membros, reunidos em 20 de novembro de 2017 à margem do Conselho, selecionaram Amesterdão, nos Países Baixos, como a nova sede da [EMA].

(2)      Tendo em conta o artigo 50.o, n.o 3, [TUE], a [EMA] deverá ocupar a sua nova sede a partir de 30 de março de 2019.

(3)      A fim de assegurar o correto funcionamento da [EMA] na sua nova localização, deverá ser celebrado um acordo relativo à sede entre a [EMA] e os Países Baixos antes que a [EMA] ocupe a sua nova sede.»

23      O artigo 1.o do regulamento impugnado inseriu no Regulamento n.o 726/2004 o artigo 71.o‑A, com a seguinte redação:

«A [EMA] tem a sua sede em Amesterdão, nos Países Baixos.

As autoridades competentes dos Países Baixos tomam todas as medidas necessárias para assegurar que a [EMA] possa transferir‑se para a sua sede provisória até 1 de janeiro de 2019 e para a sua sede definitiva até 16 de novembro de 2019.

As autoridades competentes dos Países Baixos apresentam um relatório escrito ao Parlamento Europeu e ao Conselho sobre os progressos realizados a nível das adaptações das instalações provisórias e da construção do edifício definitivo, até 17 de fevereiro de 2019 e, subsequentemente, de três em três meses, até que a [EMA] se transfira para a sua localização definitiva.»

24      Por força do seu artigo 2.o, primeiro e segundo parágrafos, o regulamento impugnado entrou em vigor no dia da sua publicação no Jornal Oficial da União Europeia e tornou‑se aplicável a partir de 30 de março de 2019.

 Pedidos das partes

 Processo C106/19

25      A República Italiana pede que o Tribunal de Justiça se digne:

—        anular o regulamento impugnado e

—        condenar o Conselho e o Parlamento nas despesas.

26      O Conselho pede que o Tribunal de Justiça se digne:

—        negar provimento ao recurso e

—        condenar a República Italiana nas despesas.

27      O Parlamento pede que o Tribunal de Justiça se digne:

—        negar provimento ao recurso e

—        condenar a República Italiana nas despesas.

 Processo C232/19

28      A Comune di Milano pede que o Tribunal de Justiça se digne:

—        anular o regulamento impugnado;

—        declarar que a Decisão de 20 de novembro de 2017 não produz efeitos jurídicos; e

—        condenar o Conselho e o Parlamento nas despesas.

29      O Conselho pede que o Tribunal de Justiça se digne:

—        julgar o recurso inadmissível;

—        negar provimento ao recurso; e

—        condenar a Comune di Milano nas despesas.

30      O Parlamento pede que o Tribunal de Justiça se digne:

—        julgar o recurso inadmissível ou, em todo o caso, negar‑lhe provimento, e

—        condenar a Comune di Milano nas despesas.

31      Por requerimento apresentado na Secretaria do Tribunal de Justiça em 29 de abril de 2019, o Parlamento suscitou uma exceção de inadmissibilidade ao abrigo do artigo 151.o, n.o 1, do Regulamento de Processo do Tribunal de Justiça.

32      Nas observações que apresentou na Secretaria do Tribunal de Justiça em 1 de julho de 2019, a Comune di Milano pediu que o Tribunal se digne, a título principal, julgar improcedente a referida exceção de inadmissibilidade e, a título subsidiário, apensá‑la ao mérito da causa.

 Tramitação do processo no Tribunal de Justiça

33      Por Decisões do presidente do Tribunal de Justiça de 20 de maio de 2019 e 14 de junho de 2019 nos processos C‑106/19 e C‑232/19, o Reino dos Países Baixos e a Comissão, respetivamente, foram admitidos a intervir em apoio dos pedidos do Conselho e do Parlamento.

34      Por Decisão de 26 de novembro de 2019, a exceção de inadmissibilidade suscitada pelo Parlamento no Processo C‑232/19 será apreciada juntamente com o mérito da causa.

35      Por Decisão do presidente do Tribunal de Justiça de 19 de dezembro de 2019, os processos C‑106/19 e C‑232/19 foram apensados para efeitos das subsequentes fases do processo e da prolação do acórdão.

36      Em 19 de novembro de 2020, o Parlamento solicitou, nos temos do artigo 16.o, terceiro parágrafo, do Estatuto do Tribunal de Justiça da União Europeia, que o Tribunal de Justiça reunisse como grande secção no presente processo.

 Quanto ao pedido de tramitação acelerada do processo

37      Por requerimento separado de 11 de fevereiro de 2019, a República Italiana pediu que o processo C‑106/19 fosse submetido a tramitação acelerada, nos termos do artigo 133.o do Regulamento de Processo. Em apoio deste pedido, alegou que a transferência provisória da sede da EMA para Amesterdão estava em curso à data da apresentação da sua petição e que a transferência definitiva dessa sede estava prevista para novembro de 2019, o que conferia especial urgência à tramitação deste processo.

38      O artigo 133.o, n.o 1, do Regulamento de Processo prevê que, a pedido do demandante ou do demandado, o presidente do Tribunal de Justiça pode, quando a natureza do processo exija o seu tratamento dentro de prazos curtos, ouvidos a outra parte, o juiz‑relator e o advogado‑geral, decidir submeter um processo a tramitação acelerada.

39      No caso em apreço, em 15 de fevereiro de 2021, o presidente do Tribunal de Justiça decidiu, ouvidas as outras partes, o juiz‑relator e o advogado‑geral, indeferir esse pedido.

40      Com efeito, deferir o referido pedido não teria permitido à República Italiana obter a suspensão da aplicação, em curso, do regulamento impugnado e, em especial, do processo de transferência da sede da EMA de Londres para Amesterdão. Por outro lado, o caráter sensível e complexo dos problemas jurídicos colocados no processo C‑106/19, bem como nos processos que lhe são conexos e aos quais a República Italiana se referiu no seu pedido, dificilmente se prestava à aplicação dessa tramitação, uma vez que, nomeadamente, não se afigurava adequado encurtar a fase escrita do processo no Tribunal de Justiça (v., por analogia, Acórdão de 18 de maio de 2021, Asociaţia «Forumul Judecătorilor din România» e o., C‑83/19, C‑127/19, C‑195/19, C‑291/19, C‑355/19 e C‑397/19, EU:C:2021:393, n.o 103 e jurisprudência referida).

 Quanto aos recursos

 Quanto à admissibilidade do recurso interposto pela Comune di Milano no processo C232/19

 Argumentos das partes

41      O Conselho sustenta que o recurso no processo C‑232/19 é manifestamente inadmissível porquanto a Comune di Milano não tem legitimidade ativa nem interesse em agir contra o regulamento impugnado.

42      No que respeita, em primeiro lugar, à legitimidade ativa, o Conselho sustenta que a Comune di Milano não é direta e individualmente afetada pelo regulamento impugnado, o qual constitui um ato legislativo, na aceção do artigo 289.o, n.o 3, TFUE, adotado através do processo legislativo ordinário previsto no artigo 294.o TFUE.

43      Com efeito, por um lado, quanto à questão de saber se a Comune di Milano é diretamente afetada pelo regulamento impugnado, o Conselho considera que a Comune di Milano não demonstra que efeitos prejudiciais sofreu no plano material devido à adoção deste regulamento. O facto de a Comune di Milano ter sido escolhida pela República Italiana no âmbito da sua candidatura para acolher a sede da EMA não faz com que constitua uma pessoa diretamente afetada pelo referido regulamento.

44      Por outro lado, quanto à questão de saber se a Comune di Milano é individualmente afetada pelo regulamento impugnado, o Conselho alega que a Comune di Milano não demonstra em que medida a adoção deste regulamento prejudicou o exercício concreto das suas competências, tal como definidas na ordem jurídica italiana. Além disso, uma vez que a Comune di Milano não esteve associada ao processo de adoção do referido regulamento, a sua participação na preparação da proposta italiana e no processo de seleção não permite demonstrar que é individualmente afetada pelo referido regulamento.

45      A este respeito, o Conselho salienta que o direito da União não confere, nem nas regras de processo nem nos atos destinados à seleção da sede da EMA, nenhum direito específico de participação a sujeitos diferentes dos Estados‑Membros. Não é pertinente a jurisprudência referida pela Comune di Milano que reconhece legitimidade ativa aos particulares quando estes sejam expressamente mencionados nos documentos preparatórios dos atos impugnados e quando estes últimos decorram da tomada em consideração concreta de elementos relativos a esses particulares. De igual modo, a Comune di Milano não demonstrou que circunstâncias específicas caracterizavam a sua situação jurídica de forma a poder ser considerada destinatária do regulamento impugnado. Além disso, o Conselho sublinha que a referência aos princípios extraídos da jurisprudência em matéria de contratos públicos não é pertinente. Por último, as despesas pretensamente suportadas pela Comune di Milano, por iniciativa própria, não demonstram que é individualmente afetada por este regulamento.

46      Em segundo lugar, quanto ao interesse em agir, o Conselho considera que a Comune di Milano não prova que possui um interesse pessoal, concreto e atual no recurso intentado. Antes de mais, o eventual sucesso deste recurso tem como única consequência a anulação do ato que contém a decisão tomada pelos Estados‑Membros de fixar a sede da EMA em Amesterdão, e não a designação, enquanto tal, da cidade de Milão como nova sede dessa agência. Em seguida, esse eventual sucesso não é suficiente para garantir que os requisitos relativos à obtenção de indemnizações estejam preenchidos. Por último, as eventuais consequências de ordem económica ou social decorrentes da adoção de um ato da União não permitem, enquanto tais, demonstrar que uma coletividade territorial é individualmente afetada por esse ato. O interesse em agir de uma coletividade territorial existe apenas quando a decisão impugnada possa produzir um efeito benéfico sobre a sua situação jurídica, ou seja, quando essa decisão tenha consequências no exercício das competências que lhe são atribuídas pelo direito nacional.

47      O Parlamento alega igualmente que a Comune di Milano não tem legitimidade ativa nem interesse em agir contra o regulamento impugnado. Sublinha, nomeadamente, que, uma vez que este regulamento é um ato legislativo da União na aceção do artigo 289.o, n.o 3, TFUE, cabe à Comune di Milano demonstrar que é direta e individualmente afetada por esse ato. Ora, no presente processo, falta claramente essa demonstração.

48      Em primeiro lugar, no que respeita à legitimidade ativa, o Parlamento alega, por um lado, que as circunstâncias invocadas pela Comune di Milano não demonstram que o regulamento impugnado, que se limita a fixar em Amesterdão a nova sede da EMA, lhe diz diretamente respeito. Este regulamento limita‑se, no essencial, a estabelecer a nova sede da EMA na sequência da proposta formulada pela Comissão. Em nenhum momento foi apresentada ao legislador da União uma proposta para fixar em Milão a referida sede. Não existindo qualquer vínculo jurídico entre a escolha efetuada na Decisão de 20 de novembro de 2017 e a proposta da Comissão que está na origem do referido regulamento, não se pode considerar que a Comune di Milano é diretamente afetada pelas disposições deste regulamento.

49      Por outro lado, o Parlamento afirma que a Comune di Milano também não é individualmente afetada pelo regulamento impugnado, na medida em que as circunstâncias que esta entidade territorial invoca não são suficientes para concluir que a mesma se encontra numa situação que a caracteriza em relação a qualquer outra pessoa na aceção da jurisprudência do Tribunal de Justiça. Em especial, qualquer eventual intervenção da Comune di Milano a título da cooperação desenvolvida pelos Estados‑Membros para fixar o local da nova sede da EMA, nomeadamente por força das regras de seleção aprovadas em 22 de junho de 2017, não pode ter como efeito caracterizar a cidade de Milão de modo a satisfazer o requisito da afetação individual previsto no artigo 263.o, quarto parágrafo, TFUE. Além disso, e independentemente do valor que se deve atribuir a essas regras, as mesmas não conferem nenhum papel especial às autoridades locais na seleção das propostas apresentadas, estando esse papel reservado aos governos dos Estados‑Membros interessados. Quanto a este aspeto, a situação considerada no presente processo distingue‑se das que estão em causa nos domínios dos direitos antidumping ou dos contratos públicos, nos quais a participação de determinados sujeitos está expressamente prevista na legislação em vigor.

50      Em segundo lugar, no que respeita ao interesse em agir da Comune di Milano, o Parlamento considera que os argumentos apresentados por esta entidade não permitem fundamentar a existência de tal interesse pessoal e efetivo. Antes de mais, dificilmente se pode conceber que a eventual anulação do regulamento impugnado proporcione um benefício à Comune di Milano, na aceção da jurisprudência pertinente, na falta de qualquer incidência direta desse regulamento na sua situação jurídica. Em seguida, o Parlamento alega que, em todo o caso, o interesse que a Comune di Milano invoca não pode ser equiparado a um interesse «pessoal». Com efeito, é manifesto que o referido Regulamento não interfere de forma nenhuma na autonomia legislativa ou financeira da Comune di Milano na medida em que se limita a fixar em Amesterdão a nova sede da EMA. A este respeito, o Parlamento alega que foi o Governo italiano, e não a Comune di Milano, que participou no processo de seleção. Além disso, admitindo que o regulamento impugnado venha a ser anulado, a transferência da sede da EMA para Milão seria puramente hipotética e não pode, por isso, ser invocada para fundamentar o interesse em agir da Comune di Milano. Por último, o Parlamento afirma que a eventual anulação deste regulamento não pode restabelecer uma situação que este não modificou.

51      A Comune di Milano sustenta, por seu lado, que demonstrou que tem não só legitimidade para pedir a anulação do regulamento impugnado mas também interesse em agir.

52      No que respeita, mais concretamente, à sua legitimidade ativa, a Comune di Milano sublinha que o regulamento impugnado, que produz efeitos erga omnes e que é diretamente aplicável, afeta inegavelmente a sua situação jurídica na sua qualidade de cidade candidata e participante ativa no processo de designação da nova sede da EMA. Alega que, à semelhança do que foi declarado no domínio dos direitos antidumping ou em matéria de contratos públicos, as pessoas que foram identificadas ou que participaram num processo que tenha conduzido à adoção de um ato têm uma legitimidade específica para agir contra esse ato. Sublinha que, durante o processo de seleção em causa no caso em apreço, cujo resultado determinou o conteúdo do regulamento impugnado, a cidade de Milão obteve o maior número de votos e que, uma vez que a sua candidatura satisfazia todas as condições exigidas, a única razão pela qual não foi designada como nova sede da EMA reside na ilegalidade deste regulamento.

 Apreciação do Tribunal de Justiça

53      Antes de mais, importa recordar que o recurso de uma entidade regional ou local não pode ser equiparado ao recurso de um Estado‑Membro, uma vez que o conceito de «Estado‑Membro» na aceção do artigo 263.o TFUE só abrange as autoridades governamentais dos Estados‑Membros (Acórdão de 13 de janeiro de 2022, Alemanha e o./Comissão, C‑177/19 P a C‑179/19 P, EU:C:2022:10, n.o 69 e jurisprudência referida).

54      Tais entidades estão, à semelhança de qualquer pessoa singular ou coletiva abrangida pelo artigo 263.o, quarto parágrafo, TFUE, sujeitas aos requisitos específicos que esta disposição prevê. Devem, assim, justificar, de forma distinta e cumulativa, tanto um interesse em agir como a sua legitimidade ativa em relação ao ato cuja anulação pedem (v., neste sentido, Acórdão de 17 de setembro de 2015, Mory e o./Comissão, C‑33/14 P, EU:C:2015:609, n.o 62 e jurisprudência referida).

–       Quanto ao interesse em agir da Comune di Milano

55      Por força de jurisprudência constante do Tribunal de Justiça, um recurso de anulação interposto por uma pessoa singular ou coletiva só é admissível se essa pessoa tiver interesse na anulação do ato recorrido. Esse interesse pressupõe que a anulação desse ato seja suscetível, por si só, de ter consequências jurídicas e que o resultado do recurso possa, assim, proporcionar um benefício à parte que o interpôs. A prova desse interesse, que é apreciado no dia em que o recurso é interposto e que constitui a condição essencial e primeira de qualquer ação judicial, deve ser apresentada pelo recorrente (Acórdãos de 18 de outubro de 2018, Gul Ahmed Textile Mills/Conselho, C‑100/17 P, EU:C:2018:842, n.o 37, e de 27 de março de 2019, Canadian Solar Emea e o./Conselho, C‑236/17 P, EU:C:2019:258, n.o 91).

56      No presente processo, a eventual anulação do regulamento impugnado pode levar à adoção de um novo regulamento diferente, quanto ao seu conteúdo material, do regulamento impugnado. Com efeito, como alega a Comune di Milano, tal anulação implicaria a retoma do processo legislativo para fixar o local da sede da EMA, tendo como consequência a eventualidade de a cidade de Milão ser proposta e escolhida para acolher essa sede e, na sequência desse novo processo de seleção, essa cidade ser designada como o local da nova sede dessa agência.

57      Daqui decorre que a Comune di Milano justifica um interesse em pedir a anulação do regulamento impugnado.

–       Quanto à legitimidade ativa da Comune di Milano

58      De acordo com o artigo 263.o, quarto parágrafo, TFUE, qualquer pessoa singular ou coletiva pode interpor, nas condições previstas no primeiro e segundo parágrafos, recursos contra os atos de que seja destinatária ou que lhe digam direta e individualmente respeito, bem como contra os atos regulamentares que lhe digam diretamente respeito e não necessitem de medidas de execução.

59      A este respeito, uma entidade regional ou local, na medida em que goza, à semelhança da Comune di Milano, de personalidade jurídica por força do direito nacional pode intentar um recurso de anulação nos termos do artigo 263.o, quarto parágrafo, TFUE [Acórdão de 22 de junho de 2021, Venezuela/Conselho (Afetação de um Estado terceiro), C‑872/19 P, EU:C:2021:507, n.o 45 e jurisprudência referida].

60      No presente processo, importa observar que o regulamento impugnado deve ser qualificado de ato legislativo, uma vez que foi adotado com base, conjuntamente, no artigo 114.o TFUE e no artigo 168.o, n.o 4, alínea c), TFUE e de acordo com o processo legislativo ordinário. Nestas condições, o recurso da Comune di Milano só é admissível se se puder considerar que esta é direta e individualmente afetada por este regulamento.

61      Em primeiro lugar, quanto à questão de saber se a Comune di Milano é diretamente afetada pelo regulamento impugnado, há que recordar que a exigência, prevista no artigo 263.o, quarto parágrafo, TFUE, segundo a qual a medida objeto do recurso deve dizer diretamente respeito a uma pessoa singular ou coletiva requer a satisfação de duas condições cumulativas, a saber, que essa medida, por um lado, produza diretamente efeitos na situação jurídica dessa pessoa e, por outro, não deixe nenhuma margem de apreciação aos destinatários encarregados da sua execução, uma vez que esta execução tem caráter puramente automático e decorre apenas da regulamentação da União, sem aplicação de outras regras intermédias [v., neste sentido, Acórdãos de 6 de novembro de 2018, Scuola Elementare Maria Montessori/Comissão, Comissão/Scuola Elementare Maria Montessori e Comissão/Ferracci, C‑622/16 P a C‑624/16 P, EU:C:2018:873, n.o 42, e de 22 de junho de 2021, Venezuela/Conselho (Afetação de um Estado terceiro), C‑872/19 P, EU:C:2021:507, n.o 61 e jurisprudência referida].

62      Importa analisar sucessivamente se a Comune di Milano satisfaz cada uma destas duas condições.

63      Primeiro, o regulamento impugnado designa a cidade de Amesterdão como sede da EMA com efeito imediato e vinculativo. Uma vez que este regulamento não deixa nenhuma margem de apreciação quanto à designação do local da sede da EMA e produz, a este respeito, os seus efeitos jurídicos sem que seja necessária nenhuma medida complementar, a segunda condição referida no n.o 61 do presente acórdão está satisfeita.

64      Como salientou, no essencial, o advogado‑geral no n.o 97 das suas Conclusões, esta constatação não é posta em causa pelo facto de, por força do considerando 3 do regulamento impugnado, os direitos e as obrigações específicos da cidade de Amesterdão ainda deverem ser estabelecidos num acordo relativo à sede a celebrar entre a EMA e o Reino dos Países Baixos.

65      Segundo, quanto à questão de saber se o regulamento impugnado produz diretamente efeitos na situação jurídica da recorrente, importa sublinhar que a cidade de Milão, representada pela Comune di Milano, enquanto entidade territorial dotada de personalidade jurídica, era uma das cidades candidatas à fixação da nova sede da EMA.

66      Por outro lado, é pacífico que a candidatura da cidade de Milão foi expressamente analisada durante o processo legislativo e que a proposta da Comissão referida no n.o 20 do presente acórdão foi objeto de várias propostas de alteração no âmbito do processo no Parlamento.

67      Nestas circunstâncias, a situação jurídica da Comune di Milano foi diretamente afetada pela adoção do regulamento impugnado na medida em que este designou, de forma juridicamente vinculativa, a cidade de Amesterdão como local da nova sede da EMA, tendo como efeito automático a exclusão de Milão, cidade candidata, como local dessa nova sede.

68      Em segundo lugar, quanto à questão de saber se a Comune di Milano é individualmente afetada pelo regulamento impugnado, decorre de jurisprudência constante que, para se considerar que é individualmente afetada por um ato de alcance geral, a pessoa que intente um recurso de anulação deve demonstrar que o ato impugnado a afeta em razão de determinadas qualidades que lhe são específicas ou de uma situação de facto que a caracteriza relativamente a qualquer outra pessoa e, assim, a individualiza de maneira análoga à do destinatário de um ato (v., neste sentido, Acórdãos de 15 de julho de 1963, Plaumann/Comissão, 25/62, EU:C:1963:17, p. 223, e de 20 de janeiro de 2022, Deutsche Lufthansa/Comissão, C‑594/19 P, EU:C:2022:40, n.o 31 e jurisprudência referida).

69      No presente processo, importa salientar, em primeiro lugar, que, nos termos do considerando 1 do regulamento impugnado, a adoção deste regulamento deu seguimento ao processo de seleção que conduziu à adoção da Decisão de 20 de novembro de 2017.

70      Ora, é pacífico que, no contexto do referido processo de seleção, a cidade de Milão foi designada pela República Italiana como cidade candidata para acolher a nova sede da EMA e que, no termo da terceira volta da votação, obteve, ex æquo com a cidade de Amesterdão, sua concorrente direta, o maior número de votos. Por conseguinte, a cidade de Milão fazia parte do grupo restrito de cidades candidatas a acolher essa sede e estava, portanto, no momento da adoção do regulamento impugnado, numa situação especial em relação a este suscetível de lhe conferir o direito a uma proteção jurisdicional efetiva.

71      Em segundo lugar, como o próprio Conselho salientou nos seus articulados, a situação da cidade de Milão foi expressamente invocada, várias vezes, como possível sede da EMA durante o processo legislativo que conduziu à adoção do regulamento impugnado.

72      Assim, a Comune di Milano está, nas circunstâncias do presente processo, numa situação de facto que a individualiza de maneira análoga à do destinatário de um ato.

73      Esta conclusão não é posta em causa pelo facto de o processo de seleção desenvolvido antes da adoção do regulamento impugnado apenas conferir um papel aos Estados‑Membros e não às autoridades locais. Com efeito, decorre dos autos submetidos ao Tribunal de Justiça que a Comune di Milano esteve estreitamente associada à elaboração da proposta formalmente apresentada pela República Italiana e às diligências administrativas com vista a promover a cidade de Milão para ser designada como nova sede da EMA.

74      A referida conclusão também não é afetada pela jurisprudência, refletida, designadamente, no n.o 73 do Acórdão de 13 de janeiro de 2022, Alemanha e o./Comissão (C‑177/19 P a C‑179/19 P, EU:C:2022:10), relativa à configuração especial, diferente da que está em causa no presente processo, na qual uma entidade infraestatal alega que o ato cuja anulação pede a impede de exercer como entender as competências próprias que o direito constitucional nacional lhe atribui.

75      É verdade que, como sublinharam o Parlamento e o Conselho, para reconhecer a admissibilidade de um recurso apresentado por uma coletividade territorial de um Estado‑Membro, não basta que esta alegue que a aplicação ou a execução de um ato da União é passível de afetar, de forma genérica, as condições socioeconómicas no seu território.

76      Contudo, o recurso interposto pela Comune di Milano diz respeito a uma situação diferente, a saber, a situação na qual uma cidade foi designada como sede de uma agência da União, tendo como consequência a rejeição das candidaturas de outras cidades, entre as quais a de Milão, pelo que a decisão de designação teve como efeito determinar o destino, favorável ou desfavorável, de todas as candidaturas.

77      Resulta de todos os elementos que antecedem que, independentemente do direito de recurso autónomo de que a República Italiana dispõe por força do artigo 263.o, segundo parágrafo, TFUE, a Comune di Milano é direta e individualmente afetada pelo regulamento impugnado e, consequentemente, tem legitimidade para pedir a anulação deste.

78      Daqui decorre que o recurso interposto no processo C‑232/19 é admissível.

 Quanto ao mérito

79      Em apoio do seu recurso no processo C‑106/19, a República Italiana invoca dois fundamentos. O primeiro fundamento é relativo, no essencial, à violação dos artigos 10.o, 13.o e 14.o TUE e do artigo 114.o, do artigo 168.o, n.o 4, alínea c), e dos artigos 289.o e 294.o TFUE, na medida em que o Parlamento não exerceu plenamente as suas prerrogativas em matéria legislativa. O segundo fundamento é relativo à ilegalidade da Decisão de 20 de novembro de 2017 enquanto fundamento do regulamento impugnado.

80      A Comune di Milano, por seu lado, deduz quatro fundamentos em apoio do seu recurso no processo C‑232/19. O primeiro fundamento, dirigido diretamente contra o regulamento impugnado, é relativo à violação dos princípios da democracia representativa (artigo 10.o TUE), do equilíbrio institucional e da cooperação leal (artigo 13.o TUE), bem como das formalidades essenciais (artigo 14.o TUE e artigos 289.o e 294.o TFUE). O segundo a quarto fundamentos, que põem em causa, por via de exceção, a legalidade da Decisão 20 de novembro de 2017 na qual este regulamento se baseou, são relativos, respetivamente, a um desvio de poder e à violação dos princípios da transparência, da boa administração e da equidade (segundo fundamento), à violação dos princípios da boa administração, da transparência e da cooperação leal (terceiro fundamento) e à violação da Decisão 2009/937/UE do Conselho, de 1 de dezembro de 2009, que adota o seu Regulamento Interno (JO 2009, L 325, p. 35), e das regras constantes da Nota do Conselho de 31 de outubro de 2017.

 Quanto ao primeiro fundamento no processo C106/19 e ao primeiro fundamento no processo C232/19

–       Argumentos das partes

81      Com o seu primeiro fundamento no processo C‑106/19, a República Italiana alega que o regulamento impugnado foi adotado em violação dos artigos 10.o e 13.o TUE, do artigo 14.o, n.o 1, TUE, do artigo 114.o TFUE, do artigo 168.o, n.o 4, alínea c), TFUE e dos artigos 289.o e 294.o TFUE, na medida em que o papel do Parlamento como colegislador foi desrespeitado.

82      A título preliminar, a República Italiana sublinha que, tendo em conta a evolução do direito da União e a prática institucional, a designação da sede das agências da União não é da competência dos Estados‑Membros, como acontece com a fixação da sede das instituições da União por força do artigo 341.o TFUE, mas da competência da União.

83      Ora, segundo a República Italiana, o Parlamento teve apenas um papel puramente formal no processo de decisão que conduziu à escolha da nova sede da EMA e à adoção do regulamento impugnado. Tal é demonstrado pelas circunstâncias que rodearam a adoção deste regulamento, nomeadamente as declarações do Parlamento anexadas à sua Posição, adotada em primeira leitura, de 15 de março de 2018 e à sua Resolução Legislativa de 25 de outubro de 2018, declarações nas quais o Parlamento lamentou claramente ter sido colocado à margem desse processo de decisão. O Parlamento não teve oportunidade para se pronunciar sobre essa escolha nem, consequentemente, para exercer as suas prerrogativas de colegislador, quer durante a fase que conduziu à adoção da Decisão de 20 de novembro de 2017 quer durante o processo de adoção do regulamento impugnado, uma vez que a proposta da Comissão e a posição adotada pelo Conselho nesse processo não lhe deixaram nenhuma margem de intervenção efetiva.

84      Com o seu primeiro fundamento no processo C‑232/19, a Comune di Milano alega que o regulamento impugnado foi adotado em violação das prerrogativas do Parlamento. Com efeito, não há dúvida de que a sede da EMA foi escolhida no termo do processo que conduziu à Decisão de 20 de novembro de 2017, a qual determinou o teor deste regulamento e, portanto, a fixação da sede da EMA em Amesterdão, fora do processo legislativo ordinário. O Parlamento não foi, em nenhum momento, associado a esse processo, ainda que, por força do artigo 294.o TFUE, o processo legislativo ordinário implique a sua participação plena e efetiva. O Conselho e a Comissão decidiram escolher a cidade de Amesterdão como nova sede da EMA e, assim, colocaram o Parlamento perante o facto consumado sem lhe deixar nenhuma margem de intervenção para pôr em causa essa decisão.

85      Daqui resulta uma violação do equilíbrio institucional da União e dos princípios da democracia representativa e da cooperação leal (Acórdão de 21 de junho de 2018, Polónia/Parlamento e Conselho, C‑5/16, EU:C:2018:483, n.o 90), bem como uma violação de uma formalidade essencial (Acórdão de 6 de setembro de 2017, Eslováquia e Hungria/Conselho, C‑643/15 e C‑647/15, EU:C:2017:631, n.o 160).

86      A violação das prerrogativas do Parlamento no processo legislativo que conduziu à designação da cidade de Amesterdão como nova sede da EMA decorre claramente das declarações desta instituição, bem como das alterações por esta propostas em primeira leitura.

87      O Conselho, apoiado pelo Reino dos Países Baixos, pede que o primeiro fundamento no processo C‑106/19 e o primeiro fundamento no processo C‑232/19 sejam julgados improcedentes.

88      Em primeiro lugar, alega que a análise do processo legislativo seguido no caso em apreço mostra claramente, como comprova, nomeadamente, o número de alterações propostas sobre o projeto de resolução legislativa, que o Parlamento debateu amplamente a proposta apresentada pela Comissão e analisou as diferentes opções possíveis antes de aceitar que a sede da EMA fosse fixada em Amesterdão. O Parlamento conseguiu igualmente que várias alterações pertinentes fossem integradas no texto legislativo final. Estes factos demonstram que, no plano factual, e abstraindo de qualquer declaração política, as prerrogativas do Parlamento foram respeitadas.

89      Quanto ao argumento relativo às declarações feitas pelo Parlamento, o Conselho especifica que a vontade de uma instituição se reflete nos atos que lhe compete adotar no respeito pelos procedimentos formais aplicáveis. Nestas condições, embora as declarações explicativas que por vezes acompanham esse processo formal possam fornecer elementos de contextualização política ou enunciar os motivos políticos que subjazem a uma determinada decisão, não são, enquanto tal, pertinentes para avaliar o exercício efetivo de uma competência.

90      Em segundo lugar, o Conselho considera que a competência relativa à fixação da sede de uma agência da União pertence aos representantes dos Governos dos Estados‑Membros, deliberando de comum acordo. Por conseguinte, a designação da sede da EMA no regulamento impugnado tem um mero valor declarativo, e o colegislador não podia afastar‑se dela, permanecendo, contudo, livre de não legislar sobre esse ponto.

91      A este respeito, o Conselho alega, primeiro, que a competência relativa à fixação da sede de uma agência da União não é abrangida pela competência de que a União dispõe para regular um determinado domínio quanto ao mérito e, portanto, no caso em apreço, pelo processo legislativo ordinário. De acordo com esta instituição, a decisão relativa à fixação da sede de uma agência tem uma natureza fundamentalmente diferente das decisões sobre a definição das competências, das regras de funcionamento ou mesmo da organização dessa agência. Tal decisão caracteriza‑se por uma marcada dimensão política e simbólica, que não se limita ao domínio material específico da agência em questão e que vai além das simples considerações económicas ou de eficácia. O Conselho faz referência, a este respeito, às diferentes declarações intergovernamentais na matéria, em especial, à Decisão de Edimburgo, mas também ao contencioso relativo à sede do Parlamento.

92      Segundo, o Conselho considera que o artigo 341.o TFUE fundamenta a competência dos Estados‑Membros para fixar a sede de uma agência da União de comum acordo. Com efeito, resulta da análise da evolução histórica desta disposição e do contexto no qual esta se insere que a referência às «instituições» não deve ser interpretada de forma restritiva, no sentido de que se refere apenas às instituições mencionadas no artigo 13.o, n.o 1, TUE. Esta interpretação corresponde, além disso, à prática estabelecida nesta matéria, prática que, como comprovam o artigo 2.o da Decisão de Edimburgo e a Declaração Conjunta de 2012, beneficiou de reconhecimento interinstitucional. Essa prática mostra de forma clara, nomeadamente, que, longe de ter uma natureza puramente política, a decisão tomada de comum acordo pelos representantes dos Governos dos Estados‑Membros é juridicamente vinculativa, a ponto de se tornar, em determinados casos, um requisito para a entrada em vigor do ato de base.

93      De acordo com o Conselho, a natureza da competência da União numa determinada matéria não deve ser confundida com as modalidades como deve ser exercida em conformidade com os Tratados. Assim, uma competência pode ser exclusiva porque está relacionada com uma matéria que exige necessariamente uma ação ao nível da União, mas pode estar previsto, ao mesmo tempo, que essa competência seja exercida através de uma decisão dos representantes dos Governos dos Estados‑Membros e não das instituições da União. É esse o caso, por exemplo, da nomeação dos juízes e dos advogados‑gerais do Tribunal de Justiça por força do artigo 253.o TFUE e dos membros do Tribunal Geral por força do artigo 254.o TFUE.

94      Por último, o Conselho precisa que o facto de os colegisladores estarem obrigados a respeitar a escolha feita pelos Estados‑Membros não significa, contudo, que a inclusão, no ato legislativo de base, da indicação do local da sede da agência da União em causa seja desprovida de qualquer valor acrescentado. Com efeito, além de essa indicação ser um importante fator de segurança jurídica, o texto legislativo pode, como no caso em apreço com a inserção do artigo 71.o‑A no Regulamento n.o 726/2004 pelo Regulamento 2018/1718, associar à referida indicação uma série de outros elementos normativos, tanto materiais como processuais, para completar a fixação meramente geográfica da sede. É o acontece no presente processo, uma vez que este artigo 71.o‑A não só indica que a sede da EMA se situa em Amesterdão, mas também obriga as autoridades neerlandesas competentes, por um lado, a adotarem todas as medidas necessárias para garantir que a transferência da EMA para a sua localização provisória e, depois, para a sua localização definitiva ocorre antes de determinadas datas e, por outro, a submeterem regularmente ao Parlamento e ao Conselho relatórios escritos até à instalação da EMA na sua localização definitiva. Tais efeitos obrigatórios complementares decorrem, assim, direta e exclusivamente do regulamento impugnado, para a adoção do qual o Parlamento exerceu plenamente as suas prerrogativas de colegislador, e não da escolha da sede efetuada pelos representantes dos Governos dos Estados‑Membros.

95      O Parlamento pede igualmente que o primeiro fundamento no processo C‑106/19 e o primeiro fundamento no processo C‑232/19 sejam julgados improcedentes, mas por razões diferentes das invocadas pelo Conselho.

96      A título preliminar, o Parlamento refere que concorda plenamente com a conclusão das recorrentes de que um ato como a Decisão de 20 de novembro de 2017 não pode, de forma nenhuma, restringir legitimamente o exercício dos poderes que são atribuídos ao legislador da União pelos Tratados. Contudo, diferentemente do que sustentam as recorrentes, o Parlamento considera que os vícios passíveis de afetar essa decisão não podem ferir de ilegalidade, direta ou indiretamente, o regulamento impugnado.

97      O Parlamento alega, no essencial, que, na medida em que os representantes dos Governos dos Estados‑Membros não dispõem de nenhuma competência para fixar a sede dos órgãos da União, não pode ser atribuído à Decisão de 20 de novembro de 2017 qualquer efeito vinculativo, passível de limitar o âmbito de intervenção do legislador da União. Com efeito, admitir o contrário equivaleria a legitimar a existência de um processo de decisão estranho à arquitetura institucional concebida pelos Tratados, que não atribui aos Estados‑Membros a competência em matéria de fixação da sede dos órgãos ou dos organismos da União, nomeadamente das agências desta. Tal reserva de competência também não pode ser deduzida do artigo 341.o TFUE, que refere exclusivamente as «instituições da União» previstas no artigo 13.o, n.o 1, TUE. Além disso, tendo em conta que as instituições da União não podem voluntariamente renunciar ao exercício dos poderes que lhes são conferidos pelos Tratados, a Comissão não podia, por seu lado, transcrever sem reserva, na sua proposta de regulamento, a escolha efetuada pelos representantes dos Governos dos Estados‑Membros na Decisão de 20 de novembro de 2017, sem efetuar, ela própria, uma avaliação discricionária, da mesma forma que os colegisladores não podiam comprometer‑se juridicamente a adotar tal proposta. Daqui decorre que os acordos celebrados sucessivamente entre os Estados‑Membros, respeitantes, primeiro, às regras de seleção adotadas em 22 de junho de 2017 e, depois, à escolha da cidade de Amesterdão como nova sede da EMA ao abrigo da Decisão de 20 de novembro de 2017, têm o valor de atos de cooperação puramente políticos, inidóneos para limitar as atribuições das instituições da União.

98      O Parlamento esclarece que não renunciou, de modo nenhum, a exercer as prerrogativas legislativas que lhe são atribuídas pelos Tratados. Recorda que a eventual incidência política da posição dos Estados‑Membros sobre um processo de decisão previsto nos Tratados, e designadamente sobre o poder de iniciativa legislativa da Comissão e sobre o poder legislativo do Parlamento e do Conselho, não pode constituir um motivo de anulação do ato adotado através do referido processo.

99      No caso em apreço, o Parlamento procurou preservar a sua posição institucional por todos os meios à sua disposição, tendo a sua principal preocupação ao longo de todo o processo legislativo sido assegurar a continuidade das atividades da EMA, para evitar que o bom desempenho da importante missão desta agência da União em matéria de proteção da saúde pública fosse comprometido pela transferência da sua sede. Foi com este objetivo que, por iniciativa do Parlamento, foram previstos um calendário da transferência e um mecanismo de monitorização, respetivamente, no segundo e no terceiro parágrafos do artigo 71.o‑A do Regulamento n.o 726/2004, inserido pelo regulamento impugnado. Esta mesma preocupação está também refletida nos considerandos 3 a 5 desse regulamento, que foram igualmente introduzidos durante o processo legislativo.

100    Por último, o Parlamento refere que, embora seja verdade que a escolha da sede de um órgão ou de um organismo da União se reveste de um valor político especial para os Estados‑Membros, essa circunstância não justifica que seja atribuída aos Estados‑Membros uma competência que não lhes é conferida pelos Tratados, como a de proceder a tal escolha [v., neste sentido, Parecer 2/00 (Protocolo de Cartagena sobre Biosegurança), de 6 de dezembro de 2001, EU:C:2001:664, n.o 22 e jurisprudência referida].

101    Assim, há que atribuir à iniciativa levada a cabo no contexto da cooperação intergovernamental com vista à fixação da nova sede da EMA apenas o valor de uma cooperação de ordem estritamente política que conduziu à Decisão de 20 de novembro de 2017, também ela de ordem política e sem qualquer natureza juridicamente vinculativa. Essa decisão não prejudica as competências atribuídas às instituições da União no quadro do processo legislativo ordinário, o único aplicável no caso em apreço. Além disso, e sobretudo, a indicação fornecida pelos Estados‑Membros na Decisão de 20 de novembro de 2017 e o processo de seleção que a antecedeu não podem ser considerados a fase preparatória do processo legislativo que conduziu à adoção do regulamento impugnado. De um modo mais geral, importa não efetuar uma distinção entre o valor jurídico e os efeitos políticos da Decisão de 20 de novembro de 2017.

102    O Parlamento esclarece que, se, no presente caso, acabou por decidir aprovar a escolha da cidade de Amesterdão como local da nova sede da EMA, fê‑lo no exercício do poder de apreciação que lhe é reconhecido no âmbito do seu papel de colegislador, e não por a tal ter sido obrigado pela posição dos Estados‑Membros. De resto, a declaração do Parlamento, anexada à Resolução Legislativa de 25 de outubro de 2018, não reconhece em nenhum momento o caráter juridicamente vinculativo da Decisão de 20 de novembro de 2017.

103    A Comissão, intervindo em apoio dos pedidos do Conselho e do Parlamento, pede que os primeiros fundamentos nos processos C‑106/19 e C‑232/19 sejam julgados improcedentes.

104    À semelhança do Parlamento, a Comissão considera que a escolha efetuada pelos representantes dos Governos dos Estados‑Membros não podia ser um obstáculo ao seu poder de iniciativa nem às prerrogativas das duas instituições recorridas na sua qualidade de colegisladores. Com efeito, explica que, embora o artigo 341.o TFUE tenha inegavelmente inspirado a prática seguida até agora quando da criação dos vários órgãos e organismos da União, e embora a Comissão tenha, globalmente, feito uso do seu poder de iniciativa reconhecendo a pertinência das considerações gerais de ordem política relacionadas, principalmente, com a necessidade de assegurar um equilíbrio geográfico na fixação das várias sedes e abstendo‑se de prever a fixação da sede das agências da União nas propostas de atos que as instituem, é, contudo, livre de se afastar dessa prática, como fez em diversas circunstâncias, designadamente indicando nas suas propostas legislativas a localização da sede de certas agências da União. Assim, a Comissão não está legalmente obrigada a transpor a escolha efetuada pelos representantes dos Governos dos Estados‑Membros ou de determinados Estados‑Membros. De igual modo, o Parlamento não ficou, em caso algum, juridicamente vinculado pela decisão dos representantes dos Governos dos Estados‑Membros tomada em conformidade com essa prática.

105    A Comissão sublinha que importa distinguir a incidência política de uma posição adotada pelos Estados‑Membros do seu valor juridicamente vinculativo, o qual não existe no presente processo. Esta distinção é, segundo a Comissão, confirmada pela jurisprudência segundo a qual, por um lado, compete exclusivamente ao Parlamento e ao Conselho determinar o conteúdo de um ato legislativo e, por outro, a existência de uma incidência de natureza política não pode constituir um motivo de anulação de um ato adotado na sequência do processo legislativo (Acórdão de 21 de junho de 2018, Polónia/Parlamento e Conselho, C‑5/16, EU:C:2018:483, n.os 84 e 86 e jurisprudência referida).

106    A Comissão acrescenta que não há nenhuma razão para pensar que o colegislador, ao qual o Tribunal de Justiça já reconheceu competência para decidir sobre a criação de um órgão como uma agência da União (Acórdão de 2 de maio de 2006, Reino‑Unido/Parlamento e Conselho, C‑217/04, EU:C:2006:279, n.os 44 e 45), não pode, como foi o caso no presente processo, decidir de forma totalmente independente sobre a fixação da sede da referida agência. A Comissão salienta que, no debate no Parlamento sobre a sua proposta que esteve na origem do regulamento impugnado, a designação da cidade de Milão como sede da EMA foi afastada após ter sido objeto de uma discussão específica. Esse facto prova que a possibilidade de se afastar da decisão política dos representantes dos Governos dos Estados‑Membros não é puramente teórica e que, no presente caso, o Parlamento não foi colocado perante o «facto consumado».

–       Apreciação do Tribunal de Justiça

107    Com o primeiro fundamento no processo C‑106/19 e o primeiro fundamento no processo C‑232/19, que importa analisar conjuntamente, a República Italiana e a Comune di Milano sustentam, no essencial, que as prerrogativas do Parlamento não foram respeitadas no processo que conduziu à designação da cidade de Amesterdão como nova sede da EMA, em violação das disposições dos Tratados, em especial dos artigos 10.o, 13.o e 14.o TUE e do artigo 114.o, do artigo 168.o, n.o 4, alínea c), e dos artigos 289.o e 294.o TFUE.

108    A análise destes fundamentos exige que o Tribunal de Justiça se pronuncie, a título preliminar, sobre a questão de saber quem, entre os Estados‑Membros e o legislador da União, tem competência para fixar a sede de um órgão ou de um organismo da União, o que pressupõe, designadamente, determinar se o artigo 341.o TFUE, nos termos do qual a sede «das instituições» da União será fixada, «de comum acordo, pelos Governos dos Estados‑Membros», se aplica igualmente aos órgãos e aos organismos da União.

109    Com efeito, no caso de, como sustenta o Conselho, se dever concluir que esta competência está reservada aos Estados‑Membros deliberando de comum acordo, o legislador da União não pode legalmente afastar‑se da decisão tomada na matéria pelos Estados‑Membros, ainda que permaneça livre de não legislar sobre esse ponto e o ato que é chamado a adotar tenha apenas um valor declarativo ou confirmativo.

110    Em contrapartida, no caso de se dever concluir que a referida competência pertence ao legislador da União por força dos poderes que lhe são conferidos pelos Tratados, há que apreciar se a Decisão de 20 de novembro de 2017 limitou, como alegam a República Italiana e a Comune di Milano, as prerrogativas do legislador da União e, de um modo mais geral, comprometeu o equilíbrio institucional no processo de adoção do regulamento impugnado.

1)      Quanto à competência em matéria de fixação do local da sede dos órgãos e dos organismos da União

111    De acordo com jurisprudência constante do Tribunal de Justiça, na interpretação de uma disposição do direito da União, há que ter em conta não só os seus termos e os objetivos que prossegue mas também o seu contexto. A génese de uma disposição do direito da União pode igualmente revestir elementos pertinentes para a sua interpretação (v., neste sentido, Acórdão de 10 de dezembro de 2018, Wightman e o., C‑621/18, EU:C:2018:999, n.o 47 e jurisprudência referida).

112    Assim, importa analisar, com base nesses métodos de interpretação, se o artigo 341.o TFUE se aplica às decisões relativas à fixação da sede dos órgãos e dos organismos da União.

113    Em primeiro lugar, no que respeita aos termos do artigo 341.o TFUE, estes referem‑se apenas às «instituições da União». Ora, em conformidade com o artigo 13.o, n.o 1, TUE, o conceito de «instituições» remete para uma lista precisa de entidades que não inclui os órgãos e os organismos da União, nomeadamente as agências desta.

114    Em segundo lugar, quanto ao contexto no qual o artigo 341.o TFUE se insere, há que sublinhar, antes de mais, como salientou o advogado‑geral M. Bobek no n.o 94 das Conclusões que apresentou nos processos Itália/Conselho (Sede da Agência Europeia de Medicamentos) e Parlamento/Conselho (Sede da Autoridade Europeia do Trabalho) (C‑59/18, C‑182/18 e C‑743/19, EU:C:2021:812), que várias disposições dos Tratados foram alteradas pelo Tratado de Lisboa para incluir no seu âmbito de aplicação uma referência expressa aos «órgãos e [aos] organismos da União», o que teve como efeito efetuar explicitamente uma distinção entre, por um lado, as instituições da União expressamente referidas no artigo 13.o, n.o 1, TUE e, por outro, os órgãos e os organismos da União. Assim, enquanto algumas disposições do Tratado FUE se referem apenas às instituições da União, outras disposições desse Tratado, como os artigos 15.o, 16.o, 123.o, 124.o, 127.o, 130.o, 228.o, 263.o, 265.o, 267.o, 282.o, 298.o e 325.o, referem‑se, de forma mais abrangente, às instituições, aos órgãos e aos organismos da União. É o caso, em especial, no que respeita à competência do Tribunal de Justiça, dos artigos 263.o, 265.o e 267.o TFUE.

115    Ora, há que observar que a redação do artigo 341.o TFUE, que apenas se refere às «instituições», corresponde à das disposições que precederam este artigo, a saber, o artigo 216.o do Tratado CEE (que passou a artigo 216.o do Tratado CE que, por sua vez, passou a artigo 289.o CE).

116    Por conseguinte, o facto, invocado pelo Conselho, de as disposições da parte VII do Tratado FUE, intitulada «Disposições gerais e finais», na qual se insere o artigo 341.o TFUE, mencionarem as «instituições» não pode ser interpretado, a despeito do facto, como resulta do n.o 114 do presente acórdão, de o Tratado UE estabelecer uma distinção clara entre as instituições da União, por um lado, e os órgãos e os organismos desta, por outro, como uma manifestação da intenção dos autores dos Tratados de conferir ao conceito de «instituições» uma interpretação extensiva, no sentido de que engloba não só as entidades indicadas no artigo 13.o, n.o 1, TUE mas também os órgãos e os organismos da União instituídos pelos Tratados ou por força destes e destinados a contribuir para a realização dos objetivos da União. Isto é tanto mais verdade quanto o Tratado UE e o Tratado FUE constituem uma base constitucional unitária para a União por força do artigo 1.o, terceiro parágrafo, TUE e do artigo 1.o, n.o 2, TFUE, pelo que a definição do conceito de «instituições» constante do artigo 13.o, n.o 1, TUE e a distinção entre essas instituições, por um lado, e os órgãos e organismos da União, por outro, devem ser objeto de um entendimento uniforme e transversal em ambos os Tratados.

117    Também não pode ser determinante a interpretação lata efetuada pelo Tribunal de Justiça do conceito de «instituições» na aceção do artigo 340.o, segundo parágrafo, TFUE, que dispõe que, «[e]m matéria de responsabilidade extracontratual, a União deve indemnizar, de acordo com os princípios gerais comuns aos direitos dos Estados‑Membros, os danos causados pelas suas instituições ou pelos seus agentes no exercício das suas funções».

118    Com efeito, embora o Tribunal de Justiça tenha declarado que o conceito de «instituições» na aceção da referida disposição engloba não só as instituições da União indicadas no artigo 13.o, n.o 1, TUE mas também todos os órgãos e os organismos da União instituídos pelos Tratados ou por força destes e destinados a contribuir para a realização dos objetivos da União (Acórdão de 16 de dezembro de 2020, Conselho e o./K. Chrysostomides & Co. e o., C‑597/18 P, C‑598/18 P, C‑603/18 P e C‑604/18 P, EU:C:2020:1028, n.o 80 e jurisprudência referida), baseou‑se expressamente, para elaborar essa jurisprudência, no facto de que, por um lado, os órgãos e os organismos da União instituídos pelos Tratados ou por força destes se destinam a contribuir para a realização dos objetivos da União e, por outro, seria contrário à intenção dos autores dos Tratados que, quando atua por intermédio de um órgão ou de um organismo, a União se possa eximir às consequências das disposições dos Tratados que regem a responsabilidade extracontratual da União (v., neste sentido, Acórdão de 2 de dezembro de 1992, SGEEM e Etroy/BEI, C‑370/89, EU:C:1992:482, n.os 13 a 16).

119    Assim, a interpretação lata efetuada pelo Tribunal de Justiça do conceito de «instituições» para efeitos de aplicação do artigo 340.o, segundo parágrafo, TFUE responde à necessidade, justificada pelos princípios gerais comuns aos direitos dos Estados‑Membros referidos expressamente nesta disposição, de evitar que a União possa subtrair‑se à aplicação do regime de responsabilidade extracontratual do artigo 268.o TFUE, lido em conjugação com o artigo 340.o, segundo parágrafo, TFUE, e à fiscalização jurisdicional do Tribunal de Justiça daí decorrente, quando atue através de um órgão ou de um organismo da União distinto das instituições indicadas no artigo 13.o, n.o 1, TUE (v., por analogia, Acórdão de 2 de dezembro de 1992, SGEEM e Etroy/BEI, C‑370/89, EU:C:1992:482, n.os 14 e 16). Isto deve ser tanto mais assim quanto, como o advogado‑geral referiu no n.o 100 das suas Conclusões, o conceito de «agentes» constante do artigo 340.o, segundo parágrafo, TFUE engloba, do ponto de vista funcional, todo o pessoal que trabalha para a União, seja nas instituições seja nos órgãos e nos organismos desta.

120    Consequentemente, a interpretação efetuada do conceito de «instituições» na aceção do artigo 340.o, segundo parágrafo, TFUE, que rege o alcance da responsabilidade extracontratual da União, não pode ser utilmente invocada para definir, por analogia, o âmbito de aplicação do artigo 341.o TFUE, relativo ao alcance das competências reservadas aos Estados‑Membros por força dos Tratados.

121    O Conselho também não pode invocar utilmente o conceito de «instituições» constante do artigo 342.o TFUE, nos termos do qual, «[s]em prejuízo das disposições previstas no Estatuto do Tribunal de Justiça da União Europeia, o regime linguístico das instituições da União é fixado pelo Conselho, deliberando por unanimidade, por meio de regulamentos». Com efeito, como referiu o advogado‑geral no n.o 98 das Conclusões que apresentou nos processos Itália/Conselho (Sede da Agência Europeia de Medicamentos), Comune di Milano/Conselho (Sede da Agência Europeia de Medicamentos) e Parlamento/Conselho (Sede da Autoridade Europeia do Trabalho) (C‑59/18, C‑182/18 e C‑743/19, EU:C:2021:812), o conceito de «instituições» na aceção do referido artigo não tem necessariamente de ser interpretado no sentido de que inclui os órgãos e os organismos da União, na medida em que o regime linguístico de um órgão ou de um organismo da União pode ser diferente do em vigor nas instituições desta.

122    Quanto ao Protocolo n.o 6, embora, como alega o Conselho, este fixe não só a sede das instituições da União mas também a de determinados órgãos e organismos da União, entre os quais a Europol, e refira o artigo 341.o TFUE, não prevê que as sedes dos órgãos e dos organismos da União devem ser determinadas coletivamente pelos Estados‑Membros por força do princípio enunciado neste artigo. A este respeito, importa observar que os órgãos e os organismos da União têm como característica comum terem sido criados pelos Estados‑Membros, ao passo que não é esse o caso de uma agência da União como a EMA, que foi criada, com base nos Tratados fundadores, pelo legislador da União. Assim, não se pode inferir deste Protocolo uma vontade dos Estados‑Membros de aplicarem, diretamente ou por analogia, o princípio enunciado nesse artigo à fixação da sede de todos os órgãos e organismos da União.

123    Como observou o advogado‑geral M. Bobek no n.o 112 das Conclusões que apresentou nos processos Itália/Conselho (Sede da Agência Europeia de Medicamentos), Comune di Milano/Conselho (Sede da Agência Europeia de Medicamentos) e Parlamento/Conselho (Sede da Autoridade Europeia do Trabalho) (C‑59/18, C‑182/18 e C‑743/19, EU:C:2021:812), a adoção de um protocolo específico demonstra, pelo contrário, que os Estados‑Membros consideraram que a sua decisão coletiva quanto à fixação da sede de determinados órgãos e organismos da União exaustivamente enumerados devia ser especificamente consagrada no direito primário para produzir efeitos jurídicos no direito da União.

124    Quanto à remissão expressa, no Protocolo n.o 6, para o artigo 341.o TFUE, tal explica‑se pelo facto de este Protocolo visar, principalmente, as instituições referidas no artigo 13.o, n.o 1, TUE.

125    Além disso, é verdade, como decorre do artigo 2.o da Decisão de Edimburgo, que os representantes dos Governos dos Estados‑Membros exprimiram o desejo de reservar para si as decisões relativas às sedes dos órgãos e dos organismos da União da mesma forma que estão expressa e claramente habilitados pelo artigo 341.o TFUE a estabelecer a sede das instituições da União. Por outro lado, na conferência intergovernamental que conduziu à adoção do Tratado de Amesterdão, o texto da Decisão de Edimburgo foi retomado como protocolo anexo aos Tratados UE, CE, CECA e CEEA, atual Protocolo n.o 6, anexo aos Tratados UE, FUE e CEEA.

126    No entanto, por um lado, o artigo único deste último Protocolo apenas fixa, em termos comparáveis aos do artigo 1.o da Decisão de Edimburgo, a sede de instituições, órgãos ou organismos da União criados pelos Estados‑Membros. Por outro lado, ainda que o Tribunal de Justiça tenha reconhecido valor jurídico vinculativo a essa decisão no Acórdão de 1 de outubro de 1997, França/Parlamento (C‑345/95, EU:C:1997:450), ao qual se referiu noutros acórdãos posteriores [v., neste sentido, Acórdãos de 13 de dezembro de 2012, França/Parlamento, C‑237/11 e C‑238/11, EU:C:2012:796, n.os 36 a 42, e de 2 de outubro de 2018, França/Parlamento (Exercício do poder orçamental), C‑73/17, EU:C:2018:787, n.o 33], o artigo 2.o da referida decisão não pode levar a acolher uma interpretação do artigo 341.o TFUE contrária à sua redação clara.

127    O Conselho invoca igualmente, como elemento contextual, a prática institucional anterior relativa à fixação da sede dos órgãos e dos organismos da União e sustenta que essa prática beneficia de um «reconhecimento institucional» pela Declaração Conjunta de 2012 e pela Abordagem Comum a ela anexa.

128    Contudo, decorre dos elementos de informação trazidos ao conhecimento do Tribunal de Justiça no contexto dos presentes processos que a prática alegada está longe de ser generalizada. Com efeito, os procedimentos seguidos com vista à designação da sede dos órgãos e dos organismos da União ou foram levados a cabo apenas pelos Estados‑Membros ou envolveram, em graus variáveis e com fundamentos diversos, as instituições da União na sua qualidade ou não de intervenientes no processo legislativo.

129    Admitindo, no entanto, que seja possível, como sustenta o Conselho, identificar uma prática anterior estabelecida e coerente, por força da qual as sedes dos órgãos e dos organismos da União tenham sido sistematicamente fixadas com base numa escolha política efetuada apenas pelos representantes dos Governos dos Estados‑Membros, a interpretação do artigo 341.o TFUE que o Conselho preconiza com base nessa prática não pode beneficiar de nenhum «reconhecimento institucional» na Declaração Conjunta de 2012 e na Abordagem Comum a ela anexa. Com efeito, essa declaração não tem, como sublinha o seu quinto parágrafo, caráter juridicamente vinculativo e não inclui, além disso, nenhum reconhecimento de uma qualquer reserva de competência dos Estados‑Membros no que respeita à determinação da sede dos órgãos e dos organismos da União.

130    Em todo o caso, tal prática, que seria contrária às regras do Tratado FUE, em especial do artigo 341.o TFUE, ao alargar, apesar da sua redação clara, o âmbito de aplicação deste artigo à fixação da sede dos órgãos e dos organismos da União, não pode criar um precedente que vincule as instituições (v., neste sentido, Acórdão de 6 de maio de 2008, Parlamento/Conselho, C‑133/06, EU:C:2008:257, n.o 60 e jurisprudência referida).

131    Em terceiro e último lugar, quanto ao objetivo do artigo 341.o TFUE, este consiste em preservar os poderes de decisão dos Estados‑Membros para determinar a sede unicamente das instituições da União. Contrariamente à posição defendida pelo Conselho na audiência, uma interpretação deste artigo no sentido de que não se aplica aos órgãos e aos organismos da União não pode ter por efeito privá‑lo de todo o efeito útil, como salientou o advogado‑geral M. Bobek no n.o 138 das Conclusões que apresentou nos processos Itália/Conselho (Sede da Agência Europeia de Medicamentos), Comune di Milano/Conselho (Sede da Agência Europeia de Medicamentos) e Parlamento/Conselho (Sede da Autoridade Europeia do Trabalho) (C‑59/18, C‑182/18 e C‑743/19, EU:C:2021:812). Embora seja verdade que a sede das instituições da União já foi fixada pelo direito primário, concretamente, pelo Protocolo n.o 6, o artigo 341.o TFUE não deixa de ser pertinente para qualquer eventual decisão futura que altere a sede de uma instituição existente ou que fixe a sede de uma nova instituição.

132    Neste contexto, há que recordar que, diferentemente das instituições da União, cuja criação e funções estão, devido à sua importância constitucional, previstas nos próprios Tratados, os órgãos e os organismos da União, como a EMA, cujo objeto é dedicado à realização dos objetivos de uma determinada política da União, não são, regra geral, criados pelos Tratados. Nestas condições, a sua criação, na medida em que não decorre do direito primário, deve resultar de um ato de direito derivado adotado com base nas disposições materiais de execução da política da União na qual o órgão ou o organismo em causa intervém e em conformidade com os procedimentos previstos nessas disposições.

133    Na falta de outras precisões a este respeito nos Tratados, cabe igualmente ao legislador da União, em conformidade com os procedimentos previstos nas disposições dos Tratados materialmente pertinentes, fixar a sede de um órgão ou de um organismo da União que ele próprio instituiu através de um ato de direito derivado adotado com base nessas disposições, do mesmo modo que tem competência, por força das referidas disposições, para definir as competências, a organização e o modo de funcionamento desse órgão ou desse organismo.

134    Assim, a decisão relativa à fixação da sede de um órgão ou de um organismo da União, como uma agência da União, é contrariamente ao que afirma o Conselho, consubstancial à decisão relativa à sua criação. Uma decisão relativa à relocalização da sede de tal agência tem a mesma natureza.

135    É verdade que a fixação do local da sede de um órgão ou de um organismo da União pode ter em conta considerações de ordem política, como a necessidade, na instalação dos órgãos ou dos organismos da União, de garantir um certo equilíbrio geográfico ou de favorecer os Estados‑Membros que ainda não acolham a sede de um órgão ou de um organismo da União.

136    Contudo, o caráter político da decisão que fixa o local da sede de tal órgão ou organismo da União não é suscetível de justificar, por si só, que essa decisão fique fora da competência do legislador da União, o qual é, com efeito, regularmente levado a efetuar escolhas políticas no exercício das competências da União (v., neste sentido, Acórdão de 7 de setembro de 2016, Alemanha/Parlamento e Conselho, C‑113/14, EU:C:2016:635, n.o 55).

137    Por outro lado, tal decisão deve, principalmente, permitir garantir a realização das missões confiadas ao órgão ou ao organismo da União em causa tendo em vista a concretização dos objetivos de uma determinada política.

138    Também não pode prosperar a tese de que ligar a fixação da sede de um órgão ou de um organismo da União à base material em que assenta a criação deste pode conduzir, em função da base jurídica pertinente, a submeter essa fixação a uma votação por maioria qualificada no Conselho, e não a uma decisão tomada de comum acordo pelos representantes dos Governos dos Estados‑Membros, fazendo simultaneamente da referida fixação um elemento de compromisso no quadro do debate legislativo.

139    Com efeito, como recordado no n.o 136 do presente acórdão, o facto de a decisão de fixação da sede de um órgão ou de um organismo da União poder revestir uma dimensão política significativa, na medida em que deve responder, nomeadamente, a considerações relativas ao equilíbrio geográfico, não impede que essa decisão possa ser tomada pelo legislador da União em conformidade com os procedimentos previstos nas disposições dos Tratados materialmente pertinentes, na medida em que essa dimensão política pode constituir, a este respeito, um elemento que o legislador da União pode ter em conta no exercício do seu poder de apreciação. Por outro lado, importa sublinhar que, uma vez que o processo legislativo da União se rege, por força das disposições conjugadas do artigo 1.o, segundo parágrafo, e do artigo 10.o, n.o 3, TUE, pelo princípio da transparência em relação aos cidadãos, o recurso a esse processo é suscetível de reforçar a base democrática de uma decisão relativa à designação do local da sede de um órgão ou de um organismo da União, como a EMA.

140    Além disso, e mais fundamentalmente, o facto de uma decisão, como a relativa à fixação do local da sede de um órgão ou de um organismo da União, ser politicamente sensível não pode conduzir a alterar as competências conferidas pelos Tratados às instituições da União nem a subtrair o exercício dessas competências aos procedimentos legislativos previstos nos Tratados. Assim, a determinação do alcance de uma disposição dos Tratados que rege uma competência material da União não pode depender de considerações relacionadas com o caráter politicamente sensível da matéria em causa ou com a preocupação de assegurar a eficácia de uma ação.

141    Resulta de todas estas considerações e, designadamente, da redação do artigo 341.o TFUE que esta disposição não pode ser interpretada no sentido de que rege a designação do local da sede de um órgão ou de um organismo da União como a EMA.

142    Nestas condições, a competência para decidir sobre a fixação do local da sede dessa agência pertence não aos Estados‑Membros mas ao legislador da União, ao qual incumbe atuar para esse efeito em conformidade com os procedimentos previstos nas disposições dos Tratados materialmente pertinentes, no caso em apreço, o artigo 114.o e o artigo 168.o, n.o 4, TFUE, os quais preveem o recurso ao processo legislativo ordinário.

143    É à luz desta conclusão que há que apreciar, num segundo momento, o alcance da Decisão de 20 de novembro de 2017 e analisar se as prerrogativas do Parlamento foram respeitadas.

2)      Quanto ao alcance da Decisão de 20 de novembro de 2017 e ao respeito das prerrogativas do Parlamento

144    A República Italiana e a Comune di Milano sustentam, no essencial, que a adoção da Decisão de 20 de novembro de 2017 violou, enquanto tal, as prerrogativas do Parlamento. Alegam que, no mínimo, o Parlamento se considerou vinculado por essa decisão.

145    No que respeita, em primeiro lugar, à alegação de que a Decisão de 20 de novembro de 2017 violou, enquanto tal, as prerrogativas do Parlamento, decorre dos fundamentos expostos nos n.os 111 a 142 do presente acórdão que a competência em matéria de fixação da sede dos órgãos e dos organismos da União pertence ao legislador da União e não aos Estados‑Membros.

146    Ora, o poder legislativo reservado ao Parlamento e ao Conselho, no artigo 14.o, n.o 1, TUE e no artigo 16.o, n.o 1, TUE, que se inscreve no princípio da atribuição de poderes consagrado no artigo 13.o, n.o 2, TUE e, de um modo mais geral, no princípio do equilíbrio institucional, característico da estrutura institucional da União, implica que compete exclusivamente a estas instituições determinar o conteúdo de um ato legislativo (Acórdão de 21 de junho de 2018, Polónia/Parlamento e Conselho, C‑5/16, EU:C:2018:483, n.o 84 e jurisprudência referida).

147    Além disso, sob pena de desrespeitar a arquitetura institucional e a repartição de competências decorrentes dos Tratados, não se pode atribuir a uma decisão como a Decisão de 20 de novembro de 2017, que foi adotada pelos Estados‑Membros com base em regras materiais e processuais específicas acordadas pelos Estados‑Membros fora de um quadro definido no direito da União, qualquer valor vinculativo, suscetível de limitar o poder de apreciação do legislador da União, ainda que a Comissão tenha estado associada ao processo de seleção que conduziu à adoção dessa decisão. Tal decisão tem, assim, o valor de um ato de cooperação política que não pode, em caso algum, interferir nas competências conferidas às instituições da União no quadro do processo legislativo ordinário.

148    A este respeito, o simples facto de o Parlamento não ter estado envolvido no processo que conduziu à adoção da Decisão de 20 de novembro de 2017 não pode ser considerado uma violação ou um desvio das prerrogativas do Parlamento enquanto colegislador. Com efeito, além de esse processo ter decorrido fora do quadro definido pelo direito da União e de essa decisão não ter valor vinculativo neste direito, o processo legislativo relativo à fixação da nova sede da EMA ainda não tinha, à data da sua adoção, sido iniciado.

149    Daqui decorre que a alegação de que a adoção da Decisão de 20 de novembro de 2017 violou, enquanto tal, as prerrogativas do Parlamento deve ser julgada improcedente.

150    No que respeita, em segundo lugar, à alegação de que o Parlamento se considerou vinculado pela Decisão de 20 de novembro de 2017 e, assim, renunciou a exercer efetivamente as suas competências em matéria legislativa, limitando o seu papel a aspetos puramente formais, decorre dos autos submetidos ao Tribunal de Justiça, antes de mais, que a proposta que esteve na origem do regulamento impugnado, referida no n.o 20 do presente acórdão, que previa a escolha da cidade de Amesterdão como nova sede da EMA, foi analisada por várias comissões parlamentares. Algumas delas, como a Comissão do Controlo Orçamental e a Comissão dos Assuntos Constitucionais, deram o seu parecer sobre essa proposta, respetivamente, em 11 de janeiro de 2018 e em 26 de fevereiro de 2018.

151    Em seguida, os debates no Parlamento deram origem à apresentação de alterações, umas a propor que fosse escolhida como sede da EMA uma cidade diferente de Amesterdão, em especial Milão, outras a sugerir a adoção de novos critérios de seleção e de novas modalidades processuais para a escolha dessa sede. Na sequência da votação em comissão parlamentar e, depois, em sessão plenária, essas alterações foram, contudo, rejeitadas na totalidade pelo Parlamento, que decidiu a favor da sede indicada na proposta da Comissão. Assim, a tramitação do processo legislativo e o resultado alcançado mostram claramente que a eventual designação da cidade de Milão como nova sede da EMA foi abordada nos trabalhos parlamentares, acabando por ser rejeitada.

152    Em contrapartida, na sequência das negociações informais entre o Conselho e o Parlamento, foram adotadas outras alterações, relativas à indicação de uma data precisa para a transferência da sede da EMA e à instituição de um mecanismo de monitorização dos progressos realizados na operação de transferência. Esses aditamentos foram, posteriormente, inseridos no texto do regulamento impugnado, como decorre dos considerandos 2 e 3 do referido regulamento.

153    Por último, o Parlamento votou o projeto de ato legislativo em 25 de outubro de 2018, tendo em conta uma série de contactos informais que tinham tido lugar entre o Conselho, o Parlamento e a Comissão com a intenção de chegar a um acordo sobre a questão da nova sede da EMA em primeira leitura e evitar a necessidade de uma segunda leitura, ou mesmo de um processo de conciliação.

154    Por conseguinte, não se pode sustentar validamente que a intervenção do Parlamento se limitou a um papel meramente formal.

155    É verdade que, na declaração anexa à Resolução Legislativa de 25 de outubro de 2018, o Parlamento referiu que lamentava que «o seu papel de colegislador não [tivesse] sido devidamente tido em conta, uma vez que não [fora] associado ao processo que conduziu à seleção da nova sede da [EMA]» (primeiro parágrafo), quis «recordar as suas prerrogativas enquanto colegislador», insistiu «no pleno respeito do processo legislativo ordinário relativamente à localização de organismos e agências» (segundo parágrafo) e condenou «o procedimento seguido para a seleção da nova localização da sede, que priv[ara] de facto o Parlamento Europeu das suas prerrogativas, dado que não [fora] efetivamente associado ao processo, sendo agora esperado, no entanto, que confirm[asse] simplesmente a seleção feita da nova localização da sede através do processo legislativo ordinário» (quarto parágrafo).

156    Contudo, não se pode inferir dessa declaração que o Parlamento considerou que a Decisão de 20 de novembro de 2017 tinha caráter juridicamente vinculativo. É verdade que essa decisão e o processo de seleção que a precedeu podem ter tido um valor político significativo, nomeadamente atendendo ao facto, invocado pelo Parlamento, de que era imperativo assegurar a continuidade da atividade da EMA e, portanto, a designação de uma nova sede para essa agência o mais rapidamente possível. No entanto, a incidência política da referida decisão no poder legislativo do Parlamento e do Conselho não pode constituir um motivo de anulação, pelo Tribunal de Justiça, do regulamento impugnado (v., por analogia, Acórdãos de 6 de setembro de 2017, Eslováquia e Hungria/Conselho, C‑643/15 e C‑647/15, EU:C:2017:631, n.os 145 a 149, e de 21 de junho de 2018, Polónia/Parlamento e Conselho, C‑5/16, EU:C:2018:483, n.os 85 e 86).

157    Por último, a referência, constante do considerando 1 do regulamento impugnado, à Decisão de 20 de novembro de 2017 também não permite, enquanto tal, demonstrar que o Parlamento não apreciou corretamente o alcance das suas prerrogativas ou que estas foram violadas.

158    Daqui decorre que a alegação de que o Parlamento se considerou vinculado pela Decisão de 20 de novembro de 2017 deve também ser julgada improcedente.

159    Nestas condições, há que julgar improcedentes o primeiro fundamento no processo C‑106/19 e o primeiro fundamento no processo C‑232/19.

 Quanto ao segundo fundamento no processo C106/19 e ao segundo a quarto fundamentos no processo C232/19

–       Argumentos das partes

160    Com o seu segundo fundamento no processo C‑106/19, a República Italiana alega que, ainda que não se tenha verificado uma violação das prerrogativas do Parlamento e que, em especial, o regulamento impugnado se tenha limitado a «assegurar a receção» da Decisão de 20 de novembro de 2017, as ilegalidades que afetam essa decisão, invocadas no processo C‑59/18, República Italiana/Conselho, tornam ilegal, de forma derivada, este regulamento. Remetendo para os argumentos apresentados no quadro desse processo, a República Italiana sublinha que a referida decisão está ferida de desvio de poder.

161    Com os seus segundo a quarto fundamentos no processo C‑232/19, que se sobrepõem ao segundo fundamento suscitado pela República Italiana no processo C‑106/19, a Comune di Milano alega igualmente que, uma vez que o regulamento impugnado se baseia na Decisão de 20 de novembro de 2017, as ilegalidades que afetam essa decisão e o processo de seleção que a antecedeu afetam a legalidade deste regulamento.

162    No âmbito do segundo fundamento no processo C‑232/19, a Comune di Milano contesta, em primeiro lugar, a legalidade do processo de seleção adotado em 22 de junho de 2017, na medida em que este previa o recurso a um sorteio para decidir a designação definitiva do local da sede da EMA. De acordo com a Comune di Milano, a escolha de um método de designação tão aleatório constitui um desvio de poder na medida em que se afasta do objetivo do processo de seleção, que é assegurar que seja escolhida a melhor oferta para acolhimento da nova sede da EMA, tendo em conta os critérios predefinidos.

163    Em segundo lugar, a Comune di Milano sustenta que o processo de seleção também é ilegal pelo facto de a Comissão não ter tomado as medidas de informação previstas para esse processo, o que levou a uma deturpação significativa da proposta do Reino dos Países Baixos pelos Estados‑Membros que participaram na votação.

164    Com o seu terceiro fundamento, a Comune di Milano alega que o processo de seleção adotado em 22 de junho de 2017 violou os princípios da boa administração e da cooperação leal, na medida em que previa um sorteio final, o qual constitui uma forma de seleção indigna de um processo de decisão das instituições da União. Além disso, alega que esse processo violou o princípio da transparência da atividade administrativa, porquanto não foi elaborada nenhuma ata das operações de votação e, de forma mais geral, não houve nenhuma forma de publicidade ou de controlo do processo.

165    Por último, com o seu quarto e último fundamento, a Comune di Milano evoca, no essencial, a violação de uma série de disposições do Regulamento Interno do Conselho relativas à elaboração de atas, à tomada de decisões, à forma dos atos e ao dever de fundamentação. Além disso, a Comune di Milano alega que o processo de seleção, especialmente a fase do sorteio, decorreu em violação das regras definidas na Nota de 31 de outubro de 2017, referida no n.o 17 do presente acórdão, nomeadamente na medida em que esta previa uma pausa de trinta minutos entre cada volta do escrutínio.

166    O Conselho pede que os fundamentos suscitados sejam julgados improcedentes, alegando, designadamente, que a República Italiana e a Comune di Milano não têm legitimidade para arguir a legalidade da Decisão de 20 de novembro de 2017.

167    Por seu lado, o Parlamento observa que, do ponto de vista formal, a petição da República Italiana não satisfaz, no que respeita à apresentação dos argumentos, os requisitos previstos no artigo 21.o do Estatuto do Tribunal de Justiça da União Europeia e no artigo 120.o, alínea c), do Regulamento de Processo. Quanto ao mérito, considera que os fundamentos suscitados são inoperantes porquanto não existe um nexo jurídico entre a Decisão de 20 de novembro de 2017 e o regulamento impugnado.

168    Quanto à Comissão, esta pede igualmente que os fundamentos suscitados sejam julgados improcedentes, uma vez que a Decisão de 20 de novembro de 2017 não produz quaisquer efeitos jurídicos vinculativos.

–       Apreciação do Tribunal de Justiça

169    O segundo fundamento no processo C‑106/19 e o segundo a quarto fundamentos no processo C‑232/19, com os quais a República Italiana e a Comune di Milano sustentam, no essencial, que as ilegalidades que afetam a Decisão de 20 de novembro de 2017 têm como efeito tornar ilegal o regulamento impugnado, baseiam‑se na premissa de que existe um vínculo jurídico entre essa decisão e este regulamento.

170    Ora, como decorre das considerações expostas nos n.os 111 a 142 do presente acórdão, a competência para decidir sobre a fixação da sede dos órgãos e dos organismos da União não pertence aos Estados‑Membros mas ao legislador da União, que a exerce em conformidade com os procedimentos previstos nas disposições dos Tratados materialmente pertinentes, no caso em apreço, o artigo 114.o e o artigo 168.o, n.o 4, TFUE, os quais preveem o recurso ao processo legislativo ordinário. De resto, como foi observado no n.o 147 do presente acórdão, a Decisão de 20 de novembro de 2017 não produz efeitos jurídicos vinculativos no direito da União, pelo que não pode constituir a base jurídica do regulamento impugnado e não tem, por outro lado, vínculo jurídico com este.

171    Assim, mesmo admitindo, como afirmam as recorrentes, que a Decisão de 20 de novembro de 2017 tenha sido tomada na sequência de um processo viciado e segundo modalidades irregulares, esse facto não afeta, enquanto tal, a legalidade do regulamento impugnado.

172    Nestas condições, o segundo fundamento no processo C‑106/19 e o segundo a quarto fundamentos no processo C‑232/19 devem ser julgados inoperantes.

173    Uma vez que nenhum dos fundamentos apresentados em apoio dos presentes recursos foi julgado procedente, há que negar provimento aos referidos recursos na íntegra.

 Quanto às despesas

174    Por força do artigo 138.o, n.o 1, do Regulamento de Processo do Tribunal de Justiça, a parte vencida é condenada nas despesas se a parte vencedora o tiver requerido.

175    De acordo com o artigo 138.o, n.o 3, do Regulamento de Processo, se as partes obtiverem vencimento parcial, cada uma das partes suporta as suas próprias despesas. No entanto, se tal se afigurar justificado tendo em conta as circunstâncias do caso, o Tribunal pode decidir que, além das suas próprias despesas, uma parte suporte uma fração das despesas da outra parte.

176    No caso em apreço, caracterizado pelo facto de as circunstâncias que rodearam a adoção do regulamento impugnado se diferenciarem por uma prática e interpretações divergentes quanto à questão da competência decisória em matéria de fixação da sede dos órgãos e dos organismos da União, afigura‑se justificado decidir que cada uma das partes principais, designadamente a República Italiana, a Comune di Milano, o Conselho e o Parlamento, suportará as suas próprias despesas.

177    Em conformidade com o artigo 140.o, n.o 1, do Regulamento de Processo, o Reino dos Países Baixos e a Comissão, intervenientes, suportarão as suas próprias despesas.

Pelos fundamentos expostos, o Tribunal de Justiça (Grande Secção) decide:

1)      É negado provimento aos recursos.

2)      A República Italiana, o Conselho da União Europeia e o Parlamento Europeu suportarão as suas próprias despesas no processo C106/19.

3)      A Comune di Milano, o Conselho da União Europeia e o Parlamento Europeu suportarão as suas próprias despesas no processo C232/19.

4)      O Reino dos Países Baixos e a Comissão Europeia suportarão as suas próprias despesas.

Assinaturas


*      Língua do processo: italiano.