Language of document : ECLI:EU:C:2016:536

CONCLUSÕES DO ADVOGADO‑GERAL

MELCHIOR WATHELET

apresentadas em 7 de julho de 2016 (1)

Processo C‑301/15

Marc Soulier,

Sara Doke

contra

Ministre de la Culture et de la Communication,

Premier ministre

[pedido de decisão prejudicial submetido pelo Conseil d’État (Conselho de Estado, em formação jurisdicional, França)]

«Reenvio prejudicial — Diretiva 2001/29/CE — Direito de autor e direitos conexos — Direito exclusivo de reprodução — Artigo 2.° — Direito de comunicação ao público — Artigo 3.° — Exceções e limitações — Artigo 5.° — Regulamentação nacional que confia a uma sociedade de gestão coletiva o exercício dos direitos de exploração dos livros indisponíveis para fins comerciais — Direito de oposição dos autores ou dos sucessores»





I –    Introdução

1.        O presente pedido de decisão prejudicial, apresentado pelo Conseil d’État (Conselho de Estado, em formação jurisdicional, França) na Secretaria do Tribunal de Justiça em 19 de junho de 2015, tem por objeto a interpretação dos artigos 2.° e 5.° da Diretiva 2001/29/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 22 de maio de 2001, relativa à harmonização de certos aspetos do direito de autor e dos direitos conexos na sociedade da informação (2).

2.        Este pedido foi apresentado no âmbito de um litígio que opõe Marc Soulier e Sara Doke ao ministre de la Culture et de la Communication [Ministro da Cultura e da Comunicação] e ao Premier ministre [Primeiro Ministro], respeitante à legalidade do decreto n.° 2013‑182, de 27 de fevereiro de 2013, relativo à aplicação dos artigos L. 134 1 a L. 134 9 do code de la propriété intelectuelle (Código da Propriedade Intelectual) e à exploração digital dos livros indisponíveis do século XX (3) (a seguir «decreto controvertido»).

II – Enquadramento jurídico

A –    Direito da União

3.        O artigo 2.° da Diretiva 2001/29, sob a epígrafe «Direito de reprodução», tem a seguinte redação:

«Os Estados‑Membros devem prever que o direito exclusivo de autorização ou proibição de reproduções, diretas ou indiretas, temporárias ou permanentes, por quaisquer meios e sob qualquer forma, no todo ou em parte, cabe:

a)      Aos autores, para as suas obras;

[…]»

4.        O artigo 3.° desta diretiva, sob a epígrafe «Direito de comunicação de obras ao público, incluindo o direito de colocar à sua disposição outro material», prevê, nomeadamente, nos seus n.os 1 e 3, o seguinte:

«1.      Os Estados‑Membros devem prever a favor dos autores o direito exclusivo de autorizar ou proibir qualquer comunicação ao público das suas obras, por fio ou sem fio, incluindo a sua colocação à disposição do público por forma a torná‑las acessíveis a qualquer pessoa a partir do local e no momento por ela escolhido.

[…]

3.      Os direitos referidos nos n.os 1 e 2 não se esgotam por qualquer ato de comunicação ao público ou de colocação à disposição do público, contemplado no presente artigo.»

5.        O artigo 4.° da referida diretiva sob a epígrafe «Direito de distribuição» dispõe que:

«1.      Os Estados‑Membros devem prever a favor dos autores, em relação ao original das suas obras ou respetivas cópias, o direito exclusivo de autorizar ou proibir qualquer forma de distribuição ao público através de venda ou de qualquer outro meio.

2.      O direito de distribuição não se esgota, na Comunidade, relativamente ao original ou às cópias de uma obra, exceto quando a primeira venda ou qualquer outra forma de primeira transferência da propriedade desse objeto, na Comunidade, seja realizada pelo titular do direito ou com o seu consentimento.»

6.        O artigo 5.° da mesma diretiva, sob a epígrafe «Exceções e limitações», estabelece, nomeadamente, no seu n.° 2, que os Estados‑Membros podem prever exceções ou limitações ao direito de reprodução previsto no artigo 2.°, nos casos que enuncia.

7.        Este artigo dispõe igualmente, no seu n.° 3, que os Estados‑Membros podem prever diferentes exceções ou limitações aos direitos previstos nos artigos 2.° e 3.°, nos casos que enuncia.

8.        Além disso, o referido artigo prevê, no seu n.° 5, o seguinte:

«As exceções e limitações contempladas nos n.os 1, 2, 3 e 4 só se aplicarão em certos casos especiais que não entrem em conflito com uma exploração normal da obra ou outro material e não prejudiquem irrazoavelmente os legítimos interesses do titular do direito.»

B –    Direito francês

Lei relativa aos livros indisponíveis

9.        A Lei n.° 2012‑287, de 1 de março de 2012, relativa à exploração digital dos livros indisponíveis do século XX (JORF n.° 53, de 2 de março de 2012, p. 3986, a seguir «Lei relativa aos livros indisponíveis»), completou o título III do livro I da primeira parte do Código da Propriedade Intelectual, consagrado à «exploração dos direitos» relacionados com o direito de autor, com um capítulo IV que tem por epígrafe «Disposições específicas relativas à exploração digital dos livros indisponíveis» e é constituído pelos artigos L. 134‑1 a L. 134‑9 desse código. Alguns destes artigos foram posteriormente alterados ou revogados pela Lei n.° 2015‑195, de 20 de fevereiro de 2015, relativa a diversas disposições de adaptação ao direito da União Europeia nos domínios da propriedade literária e artística e do património cultural (JORF n.° 45, de 22 de fevereiro de 2015, p. 3294).

10.      Os artigos L. 134‑1 a L. 134‑9 do Código da Propriedade Intelectual, conforme resultam destas duas leis, têm a seguinte redação:

«Artigo L. 134‑1

Consideram‑se livros indisponíveis na aceção do presente capítulo os livros publicados em França antes de 1 de janeiro de 2001 que já não são objeto de difusão comercial por um editor e que, atualmente, não são objeto de publicação sob forma impressa ou digital.

Artigo L. 134‑2

É criada uma base de dados pública, disponibilizada de forma livre e gratuita por um serviço de comunicação ao público em linha, que cataloga os livros indisponíveis. A Bibliothèque nationale de France assegura a sua implementação, a sua atualização e a inscrição das menções previstas nos artigos L. 134‑4, L. 134‑5 e L. 134‑6.

[…]

Artigo L. 134‑3

I.      Quando um livro está inscrito na base de dados referida no artigo L. 134‑2 há mais de seis meses, o direito de autorizar a sua reprodução e a sua representação sob forma digital é exercido por uma sociedade de cobrança e de repartição dos direitos regulada pelo título II do livro III da presente parte, autorizada para esse efeito pelo Ministro com competências em matéria de cultura.

Salvo no caso previsto no terceiro parágrafo do artigo L. 134‑5, a reprodução e a representação do livro sob forma digital são autorizadas, mediante uma remuneração, a título não exclusivo e com uma duração limitada a cinco anos, renovável.

II.      As sociedades autorizadas têm legitimidade para defenderem os direitos de que são titulares.

III.      A autorização prevista no n.° I é emitida tendo em consideração:

[…]

2°      a representação paritária dos autores e dos editores entre os associados e nos órgãos dirigentes;

[…]

5°      o caráter equitativo das regras de repartição das quantias recebidas pelos sucessores, quer sejam ou não partes no contrato de edição. O montante das quantias recebidas pelo autor ou pelos autores do livro não pode ser inferior ao montante das quantias recebidas pelo editor;

6°      os meios de prova que a sociedade propõe apresentar para identificar e encontrar os titulares de direitos para efeitos da repartição das quantias recebidas;

[…]

Artigo L. 134‑4

I.      O autor de um livro indisponível ou o editor que dispõe do direito de reprodução sob forma impressa deste livro pode opor‑se ao exercício do direito de autorização referido no primeiro parágrafo do n.° I do artigo L. 134‑3 por uma sociedade de cobrança e de repartição dos direitos autorizada. Esta oposição é notificada por escrito ao organismo mencionado no primeiro parágrafo do artigo L. 134‑2 o mais tardar seis meses após a inscrição do livro em causa na base de dados referida no mesmo parágrafo.

Esta oposição é mencionada na base de dados referida no mesmo artigo L. 134‑2.

Após a expiração do prazo referido no primeiro parágrafo do presente n.° I, o autor de um livro indisponível pode opor‑se ao exercício do direito de reprodução ou de representação de tal livro se considerar que a reprodução ou a representação deste pode prejudicar a sua honra ou a sua reputação. Ao exercício deste direito não corresponde indemnização.

II.      O editor que notificou a sua oposição nas condições previstas no primeiro parágrafo do n.° I do presente artigo tem de explorar nos dois anos seguintes a esta notificação o livro indisponível em causa. Deve apresentar por qualquer meio a prova da exploração efetiva do livro à sociedade autorizada em aplicação do artigo L. 134‑3. Na falta de exploração do livro no prazo fixado, a referência da oposição é eliminada da base de dados mencionada no artigo L. 134‑2 e o direito de autorizar a sua reprodução e a sua representação sob forma digital é exercido nas condições previstas no segundo parágrafo do n.° I do artigo L. 134‑3.

[…]

Artigo L. 134‑5

Na falta de oposição notificada pelo autor ou pelo editor no termo do prazo previsto no n.° I do artigo L. 134‑4, a sociedade de cobrança e de repartição dos direitos propõe uma autorização de reprodução e de representação sob forma digital de um livro indisponível ao editor que dispõe do direito de reprodução deste livro sob forma impressa.

[…]

A autorização de exploração referida no primeiro parágrafo é emitida pela sociedade de cobrança e de repartição dos direitos a título exclusivo com uma duração de dez anos tacitamente renovável.

[…]

Na falta de oposição do autor que apresenta por qualquer meio a prova de que este editor não dispõe do direito de reprodução de um livro sob forma impressa, o editor que notificou a sua decisão de aceitação tem de explorar, nos três anos seguintes a esta notificação, o livro indisponível em causa. Deve apresentar a essa sociedade, por qualquer meio, a prova da exploração efetiva do livro.

Na falta de aceitação da proposta referida no primeiro parágrafo ou de exploração da obra no prazo previsto no quinto parágrafo do presente artigo, a reprodução e a representação do livro sob forma digital são autorizadas pela sociedade de cobrança e de repartição dos direitos nas condições previstas no segundo parágrafo do n.° I do artigo L. 134‑3.

[…]

Artigo L. 134‑6

O autor e o editor que dispõem do direito de reprodução sob forma impressa de um livro indisponível devem notificar conjuntamente, em qualquer momento, à sociedade de cobrança e de repartição dos direitos referida no artigo L. 134‑3 a sua decisão de lhe retirar o direito de autorizar a reprodução e a representação do referido livro sob forma digital.

O autor de um livro indisponível pode decidir em qualquer momento retirar à sociedade de cobrança e de repartição dos direitos mencionada no mesmo artigo L. 134‑3 o direito de autorizar a reprodução e a representação do livro sob forma digital se apresentar a prova de que é o único titular dos direitos definidos no referido artigo L. 134‑3. Esta decisão tem de lhe ser notificada.

[…]

O editor que notificou a sua decisão nas condições previstas no primeiro parágrafo tem de explorar o livro em causa nos dezoito meses seguintes a esta notificação. Deve apresentar à sociedade de cobrança e de repartição dos direitos, por qualquer meio, a prova da exploração efetiva do livro.

A sociedade informa todos os utilizadores aos quais concedeu uma autorização de exploração do livro em causa das decisões mencionadas nos dois primeiros parágrafos do presente artigo. Os sucessores não podem opor‑se à continuação da exploração do referido livro iniciada antes da notificação durante o período remanescente da autorização referida no segundo parágrafo do n.° I do artigo L. 134‑3 ou no terceiro parágrafo do artigo L. 134‑5, até um período máximo de cinco anos e a título não exclusivo.

Artigo L. 134‑7

As modalidades de aplicação do presente capítulo, nomeadamente as modalidades de acesso à base de dados prevista no artigo L. 134‑2, a natureza, assim como o formato dos dados recolhidos e as medidas de publicidade mais adequadas para garantir a melhor informação possível dos sucessores, as condições de emissão e de revogação da autorização das sociedades de cobrança e de repartição dos direitos previstas no artigo L. 134‑3, são precisadas por decreto do Conseil d’État.

Artigo L. 134‑9

Por derrogação às disposições dos três primeiros parágrafos do artigo L. 321‑9, as sociedades autorizadas referidas no artigo L. 134‑3 utilizam para ações de apoio à criação, ações de formação de escritores e ações de promoção da leitura pública realizadas pelas bibliotecas as quantias recebidas a título de exploração dos livros indisponíveis e que não puderam ser repartidas porque os seus destinatários não foram identificados ou encontrados antes da expiração do prazo previsto no último parágrafo do artigo L. 321‑1.

[…]»

11.      As modalidades de aplicação dos artigos L. 134‑1 a L. 134‑9 do Código da Propriedade Intelectual foram especificadas pelo decreto controvertido.

III – Litígio no processo principal e questão prejudicial

12.      Os recorrentes no processo principal apresentaram uma petição, registada em 2 de maio de 2013 no secretariado do contencioso do Conseil d’État, na qual pediam a anulação, por abuso de poder, do decreto controvertido. Alegam, nomeadamente, que a Lei relativa aos livros indisponíveis que este decreto aplica é incompatível com as limitações e exceções ao direito de autorizar a reprodução de uma obra protegida pelo direito de autor que são exaustivamente enunciadas pela Diretiva 2001/29.

13.      O Syndicat des écrivains de langue française (SELF), a association Autour des auteurs e 35 pessoas singulares intervieram posteriormente na instância em apoio dos pedidos dos recorrentes no processo principal.

14.      Os recorridos no processo principal pediram que a ação fosse julgada improcedente alegando, nomeadamente, que o decreto controvertido não violava os objetivos da Diretiva 2001/29, uma vez que não criava qualquer exceção ou limitação ao direito exclusivo de reprodução da obra na aceção desta diretiva.

15.      A Sociedade française des intérêts des auteurs de l’écrit (a seguir «SOFIA») interveio posteriormente na instância pedindo também que a ação fosse julgada improcedente. Por despacho do Ministro da Cultura e da Comunicação de 21 de março de 2013 (JORF n.° 76, de 30 de março de 2013, p. 5420), esta sociedade foi autorizada a exercer os direitos digitais relativos aos livros «indisponíveis» do século XX.

16.      Por decisão de 19 de dezembro de 2013, o órgão jurisdicional de reenvio apresentou no Conseil constitutionnel (França) uma questão prioritária de constitucionalidade relativa ao decreto controvertido. Por decisão de 28 de fevereiro de 2014, este declarou que os artigos L. 134‑1 a L. 134‑9 do Código da Propriedade Intelectual estavam em conformidade com a constituição, com o fundamento de que do regime de gestão coletiva dos direitos de reprodução e de representação digitais dos livros indisponíveis que instituía não resultava uma privação de propriedade, por um lado, e que o enquadramento das condições em que os autores gozam destes direitos não causava um prejuízo desproporcionado ao objetivo de interesse geral prosseguido pelo legislador, por outro.

17.      De acordo com o Conseil d’État, para assegurar a valorização de um património escrito que se tornou inacessível por falta de difusão comercial junto do público, o decreto controvertido instituiu uma disposição destinada a favorecer a exploração digital de obras reproduzidas em livros publicados em França antes de 1 de janeiro de 2001, que já não são objeto de difusão comercial por um editor nem objeto de publicação sob forma impressa ou digital. Afirma que, neste caso, o direito de autorizar a reprodução ou a representação destes livros sob forma digital é exercido, findo um prazo de seis meses desde a sua inscrição numa base de dados acessível ao público colocada sob a responsabilidade da Bibliothèque nationale de France, por sociedades de cobrança e de repartição dos direitos autorizadas para o efeito pelo Ministro da Cultura.

18.      O Conseil d’État observa que o autor de um livro indisponível ou o editor que dispõe em relação a este do direito de reprodução sob forma impressa pode opor‑se ao exercício de tal direito o mais tardar seis meses após a inscrição do livro na base de dados. Por outro lado, segundo o Conseil d’État, mesmo após a expiração deste prazo, o autor de um livro indisponível pode opor‑se em qualquer momento ao exercício do direito de reprodução ou de representação se considerar que a reprodução ou a representação do livro pode prejudicar a sua honra ou a sua reputação. O Conseil d’État acrescenta que o autor de um livro indisponível pode, além disso, decidir em qualquer momento retirar à sociedade de cobrança e de repartição dos direitos o direito de autorizar a reprodução e a representação do livro sob forma digital, nas condições previstas no artigo L. 134‑6 do Código da Propriedade Intelectual.

19.      Após ter rejeitado todos os fundamentos dos recorrentes no processo principal que assentam em fundamentos jurídicos diferentes dos artigos 2.° e 5.° da Diretiva 2001/29, o órgão jurisdicional de reenvio considerou que a resposta ao fundamento dos recorrentes no processo principal relativo a estas disposições dependia da questão de saber se as referidas disposições da Diretiva 2001/29 se opõem a que uma regulamentação, como a que é instituída pelos artigos L. 134‑1 a L. 134‑9 do Código da Propriedade Intelectual, confie a sociedades de cobrança e de repartição dos direitos o exercício do direito de autorizar a reprodução e a representação sob forma digital de «livros indisponíveis», permitindo em qualquer caso que os autores ou os sucessores nos direitos sobre esses livros se oponham ou ponham fim a esse exercício, nas condições definidas na referida diretiva.

20.      Neste contexto, o Conseil d’État decidiu suspender a instância e submeter ao Tribunal de Justiça a seguinte questão prejudicial:

«Os [artigos 2.° e 5.°] da Diretiva 2001/29 opõem‑se a que uma regulamentação como a que foi [instituída pelos artigos L. 134‑1 a L. 134‑9 do Código da Propriedade Intelectual], confie a sociedades autorizadas de cobrança e de repartição de direitos o exercício do direito de autorizar a reprodução e a representação sob forma digital de livros indisponíveis, permitindo ao mesmo tempo aos autores ou aos sucessores nos direitos sobre esses livros opor‑se ou pôr fim a esse exercício, nas condições por ela definidas?»

IV – Tramitação processual no Tribunal de Justiça

21.      M. Soulier e S. Doke, a SOFIA, os Governos francês, alemão, italiano e polaco, assim como a Comissão Europeia apresentaram observações escritas sobre a questão prejudicial. A SOFIA, os Governos francês, checo e polaco, bem como a Comissão apresentaram observações orais na audiência realizada em 11 de maio de 2016.

22.      M. Soulier e S. Doke, assim como a Comissão, alegam que se deve responder afirmativamente à questão prejudicial, ao passo que a SOFIA e os Governos francês, alemão e polaco consideram que a resposta tem de ser negativa. Por seu turno, o Governo italiano sugere que a resposta deve ser negativa sob reserva de serem efetuadas verificações pelo órgão jurisdicional de reenvio. Com efeito, o Governo italiano propõe convidar o órgão jurisdicional de reenvio a verificar em concreto se a regulamentação em causa não provoca um prejuízo desproporcionado aos direitos dos autores, examinando especificamente as suas disposições relativas à sua informação prévia, às suas faculdades de oposição e de retirada, assim como às modalidades da sua remuneração.

V –    Análise

A –    Alcance do pedido de decisão prejudicial

23.      Com o seu pedido de decisão prejudicial, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta ao Tribunal de Justiça se uma regulamentação nacional que confia às sociedades autorizadas de cobrança e de repartição dos direitos o exercício do direito de autorizar (4), mediante remuneração (5), a reprodução e a representação (6) sob forma digital dos livros «indisponíveis» é compatível com o artigo 2.°, alínea a) (7), da Diretiva 2001/29, que institui um direito exclusivo de reprodução em benefício dos autores, e com o seu artigo 5.°, que autoriza os Estados‑Membros a preverem exceções ou limitações a este direito (8).

24.      Não obstante o órgão jurisdicional de reenvio apenas referir os artigos 2.° e 5.° da Diretiva 2001/29, considero, tal como os recorrentes no processo principal, o Governo alemão e a Comissão, que uma regulamentação nacional como a que está em causa no processo principal — que autoriza, em determinadas circunstâncias, a exploração digital dos livros «indisponíveis» por uma sociedade autorizada de cobrança e de repartição dos direitos — deve ser apreciada não apenas à luz do artigo 2.°, alínea a), da Diretiva 2001/29 (9), mas também do seu artigo 3.°, n.° 1, que prevê em relação aos autores o direito exclusivo de autorizarem ou de proibirem qualquer comunicação das suas obras ao público.

25.      Com efeito, a exploração de uma versão digital de um livro de modo a que o público lhe possa aceder implica a sua disponibilização a este e constitui, em minha opinião, uma comunicação de uma obra ao público na aceção do artigo 3.°, n.° 1, da Diretiva 2001/29 (10).

26.      Daqui resulta que, na aceção do artigo 2.°, alínea a), e do artigo 3.°, n.° 1, da Diretiva 2001/29, a exploração digital dos livros protegidos pelo direito de autor, constitui uma «reprodução» e uma «comunicação ao público» de uma obra, que requerem a autorização individual e separada do autor (11), a menos que estes atos não estejam abrangidos por uma exceção ou por uma limitação prevista no artigo 5.° desta diretiva (12).

B –    Artigo 5.° da Diretiva 2001/29

27.      Antes de me pronunciar sobre a interpretação do artigo 2.°, alínea a), e do artigo 3.°, n.° 1, da Diretiva 2001/29, começo por excluir a relevância, para efeitos da resolução do processo principal, do artigo 5.° desta diretiva e do regime de exceções e de limitações aos direitos exclusivos consagrados pelos artigos 2.° a 4.° que o mesmo institui.

28.      Com efeito, uma regulamentação como a que está em causa no processo principal não figura (13) entre as exceções e as limitações, enumeradas de forma detalhada e exaustiva (14) no artigo 5.° da Diretiva 2001/29 (15).

29.      Além disso, este regime de exceções e de limitações está estritamente circunscrito ao artigo 5.°, n.° 5, da Diretiva 2001/29, que prevê que «só se aplicarão em certos casos especiais que não entrem em conflito com uma exploração normal da obra ou outro material e não prejudiquem irrazoavelmente os legítimos interesses do titular do direito» (16). Por conseguinte, para invocar uma exceção prevista no artigo 5.° desta diretiva, é ainda necessário que a exceção ou a limitação ao direito de reprodução ou de comunicação ao público cumpra as condições fixadas no artigo 5.°, n.° 5, da referida diretiva (17).

30.      Por último, contrariamente às observações da SOFIA, nem o artigo 5.° da Diretiva 2001/29 nem, de resto, qualquer outra disposição desta diretiva preveem a possibilidade de os Estados‑Membros alargarem o alcance de tais exceções ou limitações (18).

31.      Tal iniciativa incumbe exclusivamente ao legislador europeu. Considero, à semelhança da Comissão, que, caso os Estados‑Membros pudessem instituir derrogações ao direito de autor diferentes das previstas a nível europeu, a segurança jurídica associada ao direito de autor seria comprometida.

C –    Alcance dos direitos exclusivos de autorizar ou de proibir a reprodução das obras e a sua comunicação ao público, conferidos pelo artigo 2.°, alínea a), e pelo artigo 3.°, n.° 1, da Diretiva 2001/29

32.      Uma vez que nenhuma das limitações ou exceções a que se refere o artigo 5.° da Diretiva 2001/29 é possível no caso em apreço, resta apreciar o alcance dos direitos exclusivos conferidos pelos artigos 2.° e 3.° desta diretiva para o confrontar com a regulamentação que constitui o objeto do pedido de decisão prejudicial.

1.      Observações prévias

33.      Decorre tanto das exigências da aplicação uniforme do direito da União como das exigências do princípio da igualdade que os termos de uma disposição de direito da União que, tal como os termos dos artigos 2.° e 3.° da Diretiva 2001/29, não contenham qualquer remissão expressa para o direito dos Estados‑Membros para determinar o seu sentido e alcance devem normalmente ser objeto, em toda a União, de uma interpretação autónoma e uniforme (19).

34.      Segundo jurisprudência assente, para interpretar uma disposição de direito da União, deve ter‑se em conta não só os seus termos mas também o seu contexto e os objetivos prosseguidos pela regulamentação em que se integra (20). No caso em apreço, o objetivo principal da Diretiva 2001/29 é instaurar um elevado nível (21) de proteção dos autores, entre outros, que lhes permita receber uma remuneração adequada pela utilização do seu trabalho, designadamente na sua comunicação ao público (22).

35.      Nos termos do artigo 2.°, alínea a), e do artigo 3.°, n.° 1, da Diretiva 2001/29, os autores gozam dos direitos exclusivos de autorizar ou de proibir a reprodução das suas obras ou a sua comunicação ao público (23).

36.      O Tribunal de Justiça declarou que os direitos exclusivos em causa tinham uma natureza preventiva que permitia ao autor interpor‑se entre eventuais utilizadores da sua obra e a reprodução (ou a comunicação ao público) (24) que esses utilizadores poderiam pretender fazer, com vista a proibi‑la.

37.      Por conseguinte, nos termos do artigo 2.°, alínea a), e do artigo 3.°, n.° 1, da Diretiva 2001/29, o autor goza de um direito exclusivo de decidir se, e em caso afirmativo, quando e como autoriza ou proíbe a reprodução da sua obra ou a sua comunicação ao público.

2.      Direitos exclusivos do autor e regulamentação nacional como a que está em causa no processo principal

a)      Consentimento expresso e prévio do autor

38.      Em meu entender, o artigo 2.°, alínea a), e o artigo 3.°, n.° 1, da Diretiva 2001/29 exigem o consentimento (25)expresso e prévio do autor para qualquer reprodução ou qualquer comunicação ao público da sua obra, incluindo sob forma digital. Este consentimento (26) constitui uma prerrogativa essencial dos autores.

39.      Na falta de legislação europeia derrogatória (27), o consentimento expresso e prévio do autor para a reprodução ou a comunicação ao público da sua obra não pode ser eliminado, presumido ou limitado mediante substituição por um consentimento tácito (28) ou uma presunção de transferência a que o autor deve opor‑se num determinado prazo e nas condições previstas pelo direito nacional. Daqui resulta que uma regulamentação nacional como o decreto controvertido, que substitui o consentimento expresso e prévio do autor por um consentimento tácito ou uma presunção de consentimento priva o autor de uma componente essencial do seu direito de propriedade intelectual.

b)      Deve considerar‑se que a possibilidade de oposição e de retirada, assim como o direito a uma remuneração alteram o alcance dos direitos exclusivos em causa?

40.      Esta constatação não é de modo algum afetada pelo facto de, em aplicação da regulamentação nacional em causa no processo principal, o autor poder, sob determinadas condições, opor‑se (29) ao exercício por parte da SOFIA do direito de autorizar a reprodução e a comunicação ao público da sua obra sob forma digital (30) ou de retirar (31) à SOFIA o direito de autorizar a reprodução de um livro ou a sua comunicação ao público sob forma digital (32).

41.      Além disso, o facto de o autor receber uma remuneração ou uma compensação em aplicação da regulamentação nacional (33) pela reprodução da sua obra ou pela sua comunicação ao público em nada altera a circunstância de os seus direitos exclusivos terem sido violados.

42.      Com efeito, os direitos exclusivos previstos no artigo 2.°, alínea a), e no artigo 3.°, n.° 1, da Diretiva 2001/29 incluem o direito de obter uma remuneração adequada pela utilização das obras mas não se limitam apenas a tal direito. A este propósito, o Tribunal de Justiça já declarou que o direito de autor visado no artigo 2.°, alínea a), e no artigo 3.°, n.° 1, da Diretiva 2001/29 devia ser distinguido, por exemplo, do direito de natureza compensatória (34) dos artistas intérpretes, dos executantes e dos produtores de fonogramas previsto no artigo 8.°, n.° 2, da Diretiva 2006/115.

c)      Deve considerar‑se que a inexistência de difusão comercial da obra junto do público influencia o conteúdo dos direitos exclusivos em causa?

43.      O facto de o autor não explorar plenamente a sua obra, devido, por exemplo, a falta de difusão comercial junto do público (35), não altera os seus direitos exclusivos de autorizar ou de proibir a reprodução da sua obra ou a sua comunicação ao público.

44.      A este respeito, o Governo italiano considera que «na configuração clássica do direito da propriedade desenvolvida a partir da propriedade imobiliária, foi sempre admitido que a lei [podia] prever — além de limitações específicas a este direito, que, devido ao interesse geral superior, impõem ao proprietário a aceitação de [determinados] atos de terceiros com impacto na faculdade de dispor do seu bem — os casos em que o direito sobre o bem se extingue por não uso, uma vez que terceiros o utilizam de forma produtiva e, assim, socialmente útil. Com efeito, embora o proprietário possua igualmente, entre outras, a faculdade de utilizar o seu bem, não estando o direito de propriedade sujeito a prescrição, sempre foi reconhecido o interesse em privilegiar — face ao proprietário que se desinteressa pelo seu bem e que, consequentemente, o exclui do circuito de produção — o terceiro que, apesar de ainda não possuir título, utiliza efetivamente o bem e permite o desenvolvimento do seu potencial económico».

45.      Com base nos diplomas aplicáveis, esta tese não pode ser acolhida no caso em apreço.

46.      Com efeito, a Diretiva 2001/29 não estabelece qualquer sanção ou consequência em caso de não exercício ou de exercício limitado pelo autor dos seus direitos exclusivos previstos no artigo 2.°, alínea a), e no artigo 3.°, n.° 1, desta diretiva. Por conseguinte, os direitos exclusivos em causa permanecem intactos (36) mesmo que não sejam «utilizados» pelo seu titular.

47.      Além disso, a Diretiva 2012/28 confirma esta interpretação.

48.      Esta diretiva é relativa a determinadas utilizações das obras «órfãs», ou seja, as obras protegidas pelo direito de autor cujo titular não foi identificado ou que, tendo sido identificado, ainda não foi localizado. Foi adotada porque, «[n]o caso das obras órfãs, não é possível obter esse consentimento prévio para a realização de atos de reprodução ou de colocação à disposição do público» (37).

49.      A este respeito, o artigo 6.°, n.° 1, da Diretiva 2012/28 dispõe que os Estados‑Membros preveem uma exceção ou uma limitação ao direito de reprodução e ao direito de colocação à disposição do público previstos, respetivamente, nos artigos 2.° e 3.° da Diretiva 2001/29/CE, para assegurar que as organizações referidas no artigo 1.°, n.° 1 (38), da Diretiva 2012/28 sejam autorizadas a utilizar as obras órfãs (39) contidas nas suas coleções, nomeadamente para fins de digitalização, e as colocar à disposição do público.

50.      A exceção ou a limitação aos artigos 2.° e 3.° da Diretiva 2001/29 prevista no artigo 6.°, n.° 1, da Diretiva 2012/28 é, assim, bastante limitada.

51.      Além disso, o artigo 6.°, n.° 2, da Diretiva 2012/28 prevê que «[a]s organizações referidas no artigo 1.°, n.° 1, só podem utilizar obras órfãs nos termos do n.° 1 do presente artigo para atingir os objetivos relacionados com a sua missão de interesse público, nomeadamente a preservação e o restauro das obras e fonogramas contidos nas suas coleções e a oferta de acesso cultural e educativo a essas obras e fonogramas. As organizações só podem gerar receitas com essas utilizações para cobrir os custos incorridos com a digitalização das obras órfãs e com a sua colocação à disposição do público» (40).

52.      Considero que seria paradoxal impor exigências muito mais severas, em aplicação da Diretiva 2012/28, para a reprodução e a comunicação ao público de uma obra órfã do que para os mesmos atos de exploração relativos aos livros «indisponíveis» em aplicação de uma regulamentação nacional como a que está em causa no processo principal (41).

53.      Com efeito, contrariamente à Diretiva 2012/28 que exige uma pesquisa diligente e de boa‑fé dos titulares de direitos antes da exploração da obra, a regulamentação nacional em causa não impõe qualquer iniciativa individual junto do autor. Em conformidade com o artigo L. 134‑3 do Código da Propriedade Intelectual, quando um livro é inscrito na base de dados referida no artigo L. 134‑2, o autor dispõe de um prazo de seis meses para se opor ao exercício, por parte da SOFIA, do direito de autorizar a reprodução sob forma digital da sua obra ou a sua comunicação ao público sob esta forma. Por outro lado, enquanto o artigo 6.°, n.° 2, da Diretiva 2012/28 exclui expressamente qualquer exploração para fins comerciais da obra órfã, a regulamentação nacional em causa no processo principal visa a exploração comercial dos livros «indisponíveis».

d)      Quid quanto às modalidades de gestão previstas pela regulamentação nacional em causa

54.      A SOFIA (42) e os Governos francês, alemão (43) e polaco consideram que a regulamentação em causa no processo principal não afeta a proteção do direito de autor e constitui apenas uma modalidade de gestão de determinados direitos, sendo que o artigo 2.°, alínea a), e o artigo 3.°, n.° 1, da Diretiva 2001/29 não se opõem a que os Estados‑Membros definam as modalidades de gestão dos direitos de autor.

55.      Tal conceção do direito de autor afigura‑se contrária ao artigo 2.°, alínea a), e ao artigo 3.°, n.° 1, da Diretiva 2001/29 (44). Com efeito, estas disposições, ao preverem o direito exclusivo do autor de autorizar ou de proibir a reprodução e a comunicação ao público das suas obras, visam também a forma como estes direitos são exercidos pelo autor.

56.      Embora seja verdade que a Diretiva 2001/29 não harmoniza e não prejudica as modalidades em matéria de gestão dos direitos de autor que existem nos Estados‑Membros (45), o legislador da União, prevendo que o autor goza, em princípio, dos direitos exclusivos de autorizar ou de proibir a reprodução da sua obra e a sua comunicação ao público, exerceu as suas competências em matéria de propriedade intelectual.

57.      Neste contexto, os Estados‑Membros já não podem adotar modalidades de gestão que ponham em causa a regulamentação da União (46), mesmo que seja com um objetivo de interesse geral (47). Com efeito, antes de a gestão dos direitos de reprodução e de comunicação ao público entrarem em linha de conta, o titular destes direitos exclusivos deve ter autorizado uma organização de gestão a gerir os seus direitos.

58.      Para ser exaustivo, considero que o exposto se encontra confirmado na Diretiva 2014/26/UE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 26 de fevereiro de 2014, relativa à gestão coletiva dos direitos de autor e direitos conexos e à concessão de licenças multiterritoriais de direitos sobre obras musicais para utilização em linha no mercado interno (48) que estabelece «os requisitos necessários para garantir o funcionamento correto da gestão dos direitos de autor e direitos conexos pelas organizações de gestão coletiva» (49), ainda que a referida diretiva não seja aplicável ratione temporis ao litígio em causa no processo principal.

59.      O artigo 5.°, n.° 2, da Diretiva 2014/26 prevê que «[o]s titulares de direitos têm o direito de autorizar uma organização de gestão coletiva da sua escolha a gerir os direitos, as categorias de direitos ou os tipos de obra e outras prestações da sua escolha, em relação aos territórios da sua escolha, independentemente do Estado‑Membro de nacionalidade, de residência ou de estabelecimento da organização de gestão coletiva ou do titular» (50). Uma regulamentação como a que está em causa no processo principal não está em conformidade com este artigo.

60.      Por outro lado, resulta claramente do artigo 5.°, n.° 7, da Diretiva 2014/26 que o titular de um direito de autor deve dar «consentimento expresso especificamente para cada direito ou categoria de direitos ou tipo de obras e de outras prestações que autorizar a organização de gestão coletiva a gerir». Este artigo acrescenta que «esse consentimento deve assumir forma documental».

61.      Por conseguinte, o consentimento continua a ser a pedra angular do exercício dos direitos exclusivos por parte de um autor.

e)      Influência do memorando de entendimento sobre os princípios essenciais para a digitalização e a disponibilização de obras que deixaram de ser comercializadas, assinado em 20 de setembro de 2011 (51)

62.      A SOFIA e os Governos francês, alemão e polaco afirmam, por último, que a regulamentação em causa no processo principal se insere no âmbito de trabalhos realizados a nível da União, cujos resultados foram consignados num memorando de entendimento sobre os princípios essenciais para a digitalização e a disponibilização de obras que deixaram de ser comercializadas, assinado em 20 de setembro de 2011 por representantes de bibliotecas, autores, editores e sociedades de gestão coletiva de direitos europeus, na presença da Comissão (52) (a seguir «memorando»). O memorando, para o qual a Diretiva 2012/28 remete expressamente (53), prevê a possibilidade de digitalização em massa dos livros indisponíveis no mercado, a fim de os tornar acessíveis ao público. Admite igualmente que o consentimento dos autores para a gestão coletiva dos direitos de exploração correspondentes pode ser presumido, desde que, por um lado, tenham sido efetuados todos os esforços para os informar e, por outro, que os seus interesses sejam protegidos através de dispositivos de não adesão ou de retirada.

63.      O considerando 4 da Diretiva 2012/28 prevê que «[a] presente diretiva não prejudica eventuais soluções específicas que estejam a ser desenvolvidas nos Estados‑Membros para resolver questões mais vastas relacionadas com a digitalização em larga escala, como no caso das obras que já não estão disponíveis comercialmente. Tais soluções têm em conta as especificidades dos diferentes tipos de conteúdos e dos diferentes utilizadores e assentam no consenso entre as partes relevantes em causa. Esta abordagem foi também seguida no [memorando]. […] A presente diretiva não prejudica [o memorando] que insta os Estados‑Membros e a Comissão a garantirem que os acordos voluntários celebrados entre utilizadores, titulares de direitos e sociedades de gestão coletiva de direitos com vista a autorizar a utilização de obras que deixaram de ser comercializadas com base nos princípios nele contidos, beneficiem da necessária segurança jurídica, tanto a nível nacional como internacional» (54).

64.      Em meu entender, este memorando não tem uma natureza juridicamente vinculativa suscetível de limitar o alcance dos direitos exclusivos previstos no artigo 2.°, alínea a), e no artigo 3.°, n.° 1, da Diretiva 2001/29 e apenas insta a Comissão e os Estados‑Membros a garantirem a segurança jurídica de acordos voluntários (55) celebrados entre utilizadores, titulares de direitos e sociedades de gestão coletiva de direitos. Ora, não se trata, de modo algum, «de acordos voluntários» na regulamentação nacional em causa.

VI – Conclusão

65.      Sem negar o objetivo legítimo que consiste em reeditar livros esquecidos, utilizando, se necessário, novas tecnologias, proponho que o Tribunal de Justiça, atendendo aos objetivos da Diretiva 2001/29, aos termos claros do artigo 2.°, alínea a), e do artigo 3.°, n.° 1, desta, à inexistência de derrogação ao princípio do consentimento expresso e prévio, assim como à inexistência de outras disposições do direito da União noutro sentido, responda o seguinte à questão prejudicial submetida pelo Conseil d’État (Conselho de Estado, em formação jurisdicional, França):

O artigo 2.°, alínea a), e o artigo 3.°, n.° 1, da Diretiva 2001/29/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 22 de maio de 2001, relativa à harmonização de certos aspetos do direito de autor e dos direitos conexos na sociedade da informação opõem‑se a que uma regulamentação, como a que foi instituída pelos artigos L. 134‑1 a L. 134‑9 do Código da Propriedade Intelectual, confie a sociedades de cobrança e de repartição dos direitos autorizadas o exercício do direito de autorizar a reprodução e a representação sob forma digital de «livros indisponíveis», mesmo que permita aos autores ou aos sucessores destes livros opor‑se ou pôr fim a esse exercício, nas condições por ela definidas.


1 — Língua original: francês.


2 — JO 2001, L 167, p. 10.


3 — JORF, de 1 de março de 2013, p. 3835. Resulta dos autos no Tribunal de Justiça que a Lei relativa aos livros indisponíveis tem por objeto os livros publicados em França no período compreendido entre 1 de janeiro de 1900 e 31 de dezembro de 2000.


4 — Segundo o Governo francês, o direito de autorizar a reprodução e a comunicação da obra ao público é exercido pela SOFIA no âmbito de um mandato legal revogável. Observa que, após um prazo de seis meses, o autor mantém «em qualquer momento a possibilidade de exercer um direito de retirada do dispositivo de gestão coletiva nas condições prevista pela lei». V. n.° 8 das observações do Governo francês.


5 — V. artigo L. 134‑3 do Código da Propriedade Intelectual.


6 — O artigo L. 122‑1 do Código da Propriedade Intelectual prevê que «[o] direito de exploração que pertence ao autor inclui o direito de representação e o direito de reprodução.» O artigo L. 122‑2 do Código da Propriedade Intelectual prevê que «[a] representação consiste na comunicação da obra ao público por qualquer processo». V., por analogia, artigo 3.° da Diretiva 2001/29.


7 — O artigo 2.°, alínea a), da Diretiva 2001/29 é relativo às obras de autor, incluindo obras literárias como os livros. A este respeito, observo que as únicas obras visadas pelo decreto controvertido são os livros.


8 — Acórdão de 12 de setembro de 2006, Laserdisken (C‑479/04, EU:C:2006:549, n.° 25).


9 — No acórdão de 11 de setembro de 2014, Eugen Ulmer (C‑117/13, EU:C:2014:2196, n.° 37), o Tribunal de Justiça declarou que «a digitalização de uma obra, na medida em que consista essencialmente na sua conversão do formato analógico para o formato digital, constitui um ato de reprodução da mesma» e, por conseguinte, está abrangida pelo direito exclusivo previsto no artigo 2.°, alínea a), da Diretiva 2001/29.


10 — O conceito de «comunicação ao público», que figura no artigo 3.°, n.° 1, da Diretiva 2001/29, deve ser entendido no sentido lato, conforme consta expressamente do considerando 23 desta mesma diretiva, que prevê que «[a] presente diretiva deverá proceder a uma maior harmonização dos direitos de autor aplicáveis à comunicação de obras ao público. Esses direitos deverão ser entendidos no sentido lato, abrangendo todas as comunicações ao público não presente no local de onde provêm as comunicações. Abrangem ainda qualquer transmissão ou retransmissão de uma obra ao público, por fio ou sem fio, incluindo a radiodifusão». V. acórdão de 7 de março de 2013, ITV Broadcasting e o. (C‑607/11, EU:C:2013:147, n.° 20 e jurisprudência referida). O conceito de «comunicação» abrange qualquer transmissão de obras protegidas, independentemente do meio ou procedimento técnico utilizados [acórdão de 4 de outubro de 2011, Football Association Premier League e o. (C‑403/08 e C‑429/08, EU:C:2011:631, n.° 193)]. No acórdão de 13 de fevereiro de 2014, Svensson e o. (C‑466/12, EU:C:2014:76, n.° 19), o Tribunal de Justiça declarou que «como resulta do artigo 3.°, n.° 1, da Diretiva 2001/29, para que haja ato de comunicação, basta, designadamente, que uma obra seja posta à disposição do público de modo que as pessoas que o compõem possam ter acesso a ela, sem que seja determinante que utilizem ou não essa possibilidade». O conceito de «público» a que se refere o artigo 3.°, n.° 1, da Diretiva 2001/29 visa um número indeterminado de potenciais destinatários e implica, além disso, um número de pessoas bastante importante [acórdão de 7 de março de 2013, ITV Broadcasting e o. (C‑607/11, EU:C:2013:147, n.° 32)].


11 — V., neste sentido, acórdão de 7 de março de 2013, ITV Broadcasting e o. (C‑607/11, EU:C:2013:147, n.° 24). No n.° 39 deste acórdão, o Tribunal de Justiça considerou que, quando há uma transmissão das obras incluídas numa radiodifusão terrestre e disponibilização das mesmas obras na internet, «cada uma dessas duas transmissões deve ser autorizada individual e separadamente pelos autores em causa uma vez que cada uma delas é efetuada em condições técnicas específicas, utilizando um modo diferente de transmissão das obras protegidas e cada uma destinada a um público». Sublinhado meu. No n.° 15 do acórdão de 13 de fevereiro de 2014, Svensson e o. (C‑466/12, EU:C:2014:76), o Tribunal de Justiça declarou que «decorre do artigo 3.°, n.° 1, da Diretiva 2001/29 que cada ato de comunicação de uma obra ao público deve ser autorizado pelo titular do direito de autor».


12 — V., por analogia, acórdão de 27 de fevereiro de 2014, OSA (C‑351/12, EU:C:2014:110, n.° 36).


13 — Os recorrentes no processo principal, os Governos francês, alemão e italiano, a SOFIA (a título subsidiário), assim como a Comissão consideram que uma regulamentação nacional como o decreto controvertido não constitui uma exceção ou limitação na aceção do artigo 5.° da Diretiva 2001/29. O Governo alemão considera que «tal regulamentação distingue‑se fundamentalmente de uma exceção ou limitação na aceção do artigo 5.° da Diretiva 2001/29». Segundo o Governo francês, «caso o Tribunal de Justiça venha a considerar que o dispositivo francês das obras indisponíveis está abrangido pelo âmbito de aplicação da Diretiva 2001/29, […] este dispositivo não constitui uma exceção ou uma limitação na aceção do artigo 5.° desta diretiva». A SOFIA propõe (a título ainda mais subsidiário) que a Diretiva 2001/29 seja interpretada no sentido de que as exceções enunciadas no seu artigo 5.° não têm um caráter exaustivo, de tal modo que não se opõem a que um Estado‑Membro adote uma regulamentação que institui uma exceção adicional ao direito exclusivo de reprodução garantido pelo seu artigo 2.°, como no caso em apreço. Segundo o Governo italiano «[a] regulamentação controvertida […] parece remeter para condições e justificações que diferem das previstas no artigo 5.° da Diretiva [2001/29]». Considera que a lei em causa «se apresenta […] como um tipo de licença obrigatória, ainda que apoiada pelo regime de opt‑out, que não é comparável a nenhuma das hipóteses previstas pelo legislador da União e afigura‑se totalmente inédita no cenário internacional».


14 — Conforme consta do considerando 32 da Diretiva 2001/29, «[a] presente diretiva prevê uma enumeração exaustiva das exceções e limitações ao direito de reprodução e ao direito de comunicação ao público. Algumas exceções só são aplicáveis ao direito de reprodução, quando adequado». Por outras palavras, a Diretiva 2001/29 não contém uma exceção geral baseada em critérios abstratos, tais como a exceção do uso justo (a utilização equitativa) prevista, por exemplo, no artigo 107.° da Lei dos direitos de autor dos Estados Unidos (17 U.S. Code § 107). Com efeito, apesar de esta última disposição indicar uma lista exemplificativa e, assim, não exaustiva de exceções ao direito de autor, prevê, todavia, que a utilização de uma obra num caso especial deve ser uma utilização equitativa, o que implica examinar e ponderar quatro fatores, designadamente, em primeiro lugar, o objetivo e o caráter da utilização da obra, incluindo se a natureza desta utilização é comercial ou tem fins educativos sem objetivo lucrativo, em segundo lugar, a natureza da obra protegida, em terceiro lugar, o montante e a importância da parte utilizada em relação à obra protegida no seu todo, e, em quarto lugar, o efeito da utilização no mercado potencial ou o valor da obra protegida.


15 — O objetivo deste artigo 5.° era, nomeadamente, permitir que os Estados‑Membros exercessem as suas competências, em particular no domínio da educação e do ensino e manter um justo equilíbrio em matéria de direitos e de interesses entre as diferentes categorias de titulares de direitos, assim como entre estas e os utilizadores de materiais protegidos. V., a este respeito, acórdão de 12 de setembro de 2006, Laserdisken (C‑479/04, EU:C:2006:549, n.° 78). O considerando 14 da Diretiva 2001/29 estabelece que «[a] presente diretiva deve promover a aprendizagem e a cultura mediante a proteção das obras e outro material protegido, permitindo, ao mesmo tempo, exceções ou limitações no interesse público relativamente a objetivos de educação e ensino». V., por analogia, acórdão de 12 de novembro de 2015, Hewlett‑Packard Belgium (C‑572/13, EU:C:2015:750, n.° 54).


16 — Acórdão de 12 de setembro de 2006, Laserdisken (C‑479/04, EU:C:2006:549, n.° 79). Sublinhado meu.


17 — V., neste sentido, acórdão de 4 de outubro de 2011, Football Association Premier League e o. (C‑403/08 e C‑429/08, EU:C:2011:631, n.° 181). No processo que deu origem ao acórdão de 10 de abril de 2014, ACI Adam e o. (C‑435/12, EU:C:2014:254, n.os 25 e 26) o Tribunal de Justiça declarou que o artigo 5.°, n.° 5, da Diretiva 2001/29 não fixava exceções ou limitações que os Estados‑Membros podem prever aos direitos visados mas limitava‑se a precisar o alcance das exceções e das limitações, fixadas nos números anteriores desta disposição. Por conseguinte, o artigo 5.°, n.° 5, da Diretiva 2001/29 não tem por objetivo ampliar o alcance das diferentes exceções e limitações previstas nos números anteriores desta disposição.


18 — Além disso, como as diferentes exceções e limitações previstas no artigo 5.° da Diretiva 2001/29 derrogam os direitos previstos nos artigos 2.° a 4.° desta diretiva, devem ser objeto de uma interpretação estrita. V., neste sentido, acórdão de 10 de abril de 2014, ACI Adam e o. (C‑435/12, EU:C:2014:254, n.os 22 e 23). No processo que deu origem ao acórdão de 27 de fevereiro de 2014, OSA (C‑351/12, EU:C:2014:110), o Tribunal de Justiça interpretou estritamente o alcance destas exceções e limitações aos diferentes direitos exclusivos e recusou aplicá‑las por analogia. Com efeito, nos n.os 38 e 40 deste acórdão, o Tribunal de Justiça declarou que o artigo 5.°, n.° 2, alínea e), da Diretiva 2001/29 limitava‑se a basear uma exceção ou uma limitação ao direito de reprodução, previsto no artigo 2.° desta diretiva e, assim, não podia fundamentar uma exceção ou uma limitação ao direito exclusivo de os autores autorizarem ou proibirem qualquer comunicação ao público das suas obras, previsto no artigo 3.°, n.° 1, da referida diretiva.


19 — V., neste sentido, acórdãos de 16 de julho de 2009, Infopaq International (C‑5/08, EU:C:2009:465, n.° 27), relativo ao artigo 2.° da Diretiva 2001/29, e de 7 de dezembro de 2006, SGAE (C‑306/05, EU:C:2006:764, n.° 31), relativo ao artigo 3.° desta diretiva.


20 — V., neste sentido, acórdão de 7 de dezembro de 2006, SGAE (C‑306/05, EU:C:2006:764, n.° 34).


21 — Nos termos do considerando 9 da Diretiva 2001/29 «[q]ualquer harmonização do direito de autor e direitos conexos deve basear‑se num elevado nível de proteção, uma vez que tais direitos são fundamentais para a criação intelectual». Esta diretiva pretende que os Estados‑Membros assegurem, nomeadamente na sociedade da informação, a proteção efetiva da propriedade intelectual e, em particular, do direito de autor. V., neste sentido, acórdão de 29 de janeiro de 2008, Promusicae (C‑275/06, EU:C:2008:54, n.° 57).


22 — V., neste sentido, acórdão de 7 de dezembro de 2006, SGAE (C‑306/05, EU:C:2006:764, n.° 36).


23 — Considero, em conformidade com as observações da SOFIA, que estas disposições definem o conteúdo dos direitos em questão e determinam os seus titulares. V., neste sentido, considerando 21 da Diretiva 2001/29 que prevê que «[a] presente diretiva deve definir o âmbito dos atos abrangidos pelo direito de reprodução relativamente aos diferentes beneficiários. Tal deve ser efetuado na linha do acervo comunitário. É necessário consagrar umadefinição ampla destes atos para garantir a segurança jurídica no interior do mercado interno». Sublinhado meu.


24 — V., neste sentido, acórdãos de 15 de março de 2012, SCF (C‑135/10, EU:C:2012:140, n.° 75), e de 27 de fevereiro de 2014, OSA (C‑351/12, EU:C:2014:110, n.° 36), relativos ao direito exclusivo previsto pelo artigo 3.°, n.° 1, da Diretiva 2001/29. Em meu entender, a mesma análise jurídica aplica‑se ao direito exclusivo previsto pelo artigo 2.°, alínea a), da Diretiva 2001/29.


25 — V., por analogia, artigo 4.° da Diretiva 2001/29. No processo que deu origem ao acórdão de 12 de setembro de 2006, Laserdisken (C‑479/04, EU:C:2006:549), o Tribunal de Justiça declarou que «[o] artigo 4.°, n.° 1, da Diretiva 2001/29 consagr[ava] o direito exclusivo do autor de autorizar ou proibir qualquer forma de distribuição ao público, através da venda ou por qualquer outro meio, do original ou de cópias da sua obra» (n.° 19). No n.° 20 deste mesmo acórdão o Tribunal de Justiça acrescenta que «[o] n.° 2 do mesmo artigo prevê a regra relativa ao esgotamento desse direito. Nos termos dessa disposição, o direito de distribuição relativo ao original ou às cópias de uma obra só se esgota na primeira venda ou na primeira transmissão da propriedade desse objeto, na Comunidade, pelo titular do direito ou com o seu consentimento». Sublinhado meu.


26 — V., igualmente, considerando 6 da Diretiva 2012/28/UE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 25 de outubro de 2012, relativa a determinadas utilizações permitidas de obras órfãs (JO 2012, L 299, p. 5) que prevê que «[o]s direitos exclusivos de reprodução e colocação à disposição do público conferidos aos titulares de direitos no que diz respeito às suas obras e a outro material protegido, tal como harmonizados pela Diretiva 2001/29 […] implicam o consentimento dos titulares de direitos antes da digitalização e da colocação de uma obra ou de qualquer outro material protegido à disposição do público».


27 — V., nomeadamente, artigo 3.°, n.° [4], da Diretiva 2006/115/CE do Parlamento Europeu e do Conselho de 12 de dezembro de 2006, relativa ao direito de aluguer, ao direito de comodato e a certos direitos conexos ao direito de autor em matéria de propriedade intelectual (JO 2006, L 376, p. 28), que prevê expressamente que «[…] quando seja celebrado, individual ou coletivamente, um contrato de produção de filmes entre artistas intérpretes ou executantes e um produtor, presume‑se que o artista intérprete ou executante abrangido por esse contrato transmitiu o seu direito de aluguer, caso não existam cláusulas contratuais em contrário». V., em contrapartida, as considerações que consagrei ao artigo 5.° da Diretiva 2001/29. V., igualmente, disposições da Diretiva 2012/28.


28 — Segundo o Governo italiano, a Lei relativa aos livros indisponíveis instaura «um mecanismo de presunção de consentimento». De acordo com a Comissão, a regulamentação nacional em causa no processo principal não condiciona «a digitalização de um livro indisponível ao acordo prévio do seu autor, nem exige que a sociedade de cobrança dos direitos obtenha tal acordo junto dos autores afetados pela reprodução ou pela comunicação ao público sob forma digital das suas obras».


29 — V., neste sentido, artigo L.134‑4 do Código da Propriedade Intelectual. Com efeito, o autor pode opor‑se à exploração da obra nos seis meses seguintes à inscrição do livro em causa na base de dados específica. Após a expiração deste prazo e na sequência da exploração da sua obra pela SOFIA, o autor pode ainda opor‑se àquela se considerar que a reprodução ou a representação deste livro é suscetível de prejudicar a sua honra ou a sua reputação. Segundo os recorrentes no processo principal «[e]sta hipótese é altamente improvável, se não ilusória: tal prejuízo não pode ser caracterizado pela comercialização de um exemplar digital da obra, salvo se imaginarmos uma qualidade de digitalização extremamente degradada (mas isso não se enquadra no direito moral do autor, que tem interesse no respeito da obra)». Na audiência, o Governo francês alegou que bastava que o autor invocasse, sem mais prova, um prejuízo à sua honra ou à sua reputação.


30 — Além disso, considero que tal processo de oposição se assemelha a uma «formalidade» proibida no artigo 5.°, n.° 2, da Convenção para a Proteção das Obras Literárias e Artísticas (Ato de Paris de 24 de julho de 1971), assinada em Berna em 9 de setembro de 1886, na sua versão resultante da alteração de 28 de setembro de 1979 (a seguir «Convenção de Berna»). Com efeito, a regulamentação nacional em causa condiciona e sujeita a manutenção do gozo e o exercício dos direitos exclusivos em causa relativos aos livros «indisponíveis» à apresentação, pelo autor, de uma oposição num prazo de seis meses. Em seguida, importa observar que a União, apesar de não ser parte contratante da Convenção de Berna, está, no entanto, obrigada, nos termos do artigo 1.°, n.° 4, do Tratado da Organização Mundial da Propriedade Intelectual (OMPI) sobre o direito de autor, adotado em Genebra, em 20 de dezembro de 1996, de que é parte, que integra a sua ordem jurídica, e que a Diretiva 2001/29 visa implementar, a respeitar os artigos 1.° a 21.° da Convenção de Berna. Por conseguinte, a União tem de respeitar, nomeadamente, o artigo 5.°, n.° 2, da Convenção de Berna. V., neste sentido, acórdão de 9 de fevereiro de 2012, Luksan (C‑277/10, EU:C:2012:65, n.° 59 e jurisprudência referida).


31 — V., artigo L. 134‑6 do Código da Propriedade Intelectual. Por sua vez, na questão prejudicial, o Conseil d’État utiliza os termos «pôr fim». Além disso, afigura‑se, sob reserva de verificação pelo órgão jurisdicional de reenvio, que a possibilidade de retirada por parte do autor depende da apresentação da prova que é o único titular dos direitos de reprodução e de comunicação ao público sob forma digital. Com efeito, o artigo L. 134‑6 do Código da Propriedade Intelectual prevê que «[o] autor e o editor que dispõem do direito de reprodução sob a forma impressa de um livro indisponível devem notificar conjuntamente, em qualquer momento, à sociedade de cobrança e de repartição dos direitos referida no artigo L. 134‑3 a sua decisão de lhe retirar o direito de autorizar a reprodução e a representação do referido livro sob forma digital». Sublinhado meu. Segundo os recorrentes no processo principal, esta prova «não é, consequentemente, de forma alguma discricionária, mas resulta antes da probatio diabolica. Na realidade, isto equivale a exigir ao autor a prova de um facto negativo impossível de estabelecer que consiste em demonstrar que não cedeu os direitos em questão». Na audiência, o Governo francês alegou que uma declaração de honra do autor, segundo a qual era o único titular dos direitos de reprodução e de comunicação ao público sob forma digital, era suficiente, cabendo a um terceiro e, em particular, a um editor, apresentar prova contrária. De acordo com este governo, «é excessivo considerar que existe uma limitação do direito de autor para qualquer dispositivo de gestão coletiva dos direitos de autores que não prevê uma autorização expressa e individual da parte dos autores afetados mas que assenta no exercício dos direitos pela sociedade de gestão coletiva em causa no âmbito de um mandato legal revogável a todo momento».


32 — Resulta igualmente do artigo L. 134‑6 do Código da Propriedade Intelectual, sob reserva de verificação pelo órgão jurisdicional de reenvio, que os sucessores não podem opor‑se à continuação de exploração de um livro iniciada antes da notificação da decisão de retirar à SOFIA o direito de autorizar a reprodução e a representação do referido livro sob forma digital, «no período remanescente desde a autorização referida no segundo parágrafo do n.° I do artigo L. 134‑3 ou no terceiro parágrafo do artigo L. 134‑5, até um período máximo de cinco anos e a título não exclusivo».


33 — V., neste sentido, artigo L. 134‑3, III, 5.° do Código da Propriedade Intelectual que prevê uma partilha de remuneração ligada à exploração digital dos livros «indisponíveis» entre os autores e os editores. Os recorrentes no processo principal observam que não ocorreu qualquer cessão dos direitos de exploração digital antes dos anos noventa. Consideram que «é inquestionável que os direitos de exploração digital pertencem integralmente apenas aos autores, que não podem cedê‑los em momento algum ao editor na falta de cessão expressa. Por conseguinte, a Lei [relativa aos livros indisponíveis], ao estabelecer uma composição paritária (entre autores e editores) dos órgãos da sociedade de cobrança e de repartição dos direitos, impõe que os autores exerçam o seu direito exclusivo coletivamente e partilhem as prerrogativas do direito de autor (decidir os beneficiários e as condições de uma autorização de exploração) em paridade com terceiros sem título jurídico». Considero que embora os direitos de exploração digital pertençam integralmente apenas aos autores, na falta de cedência a um terceiro como um editor, o regime de partilha da remuneração ligada à exploração digital dos livros indisponíveis entre os autores e os editores também viola os direitos exclusivos do autor previstos no artigo 2.°, alínea a), e no artigo 3.°, n.° 1, da Diretiva 2001/29. V., por analogia, acórdão de 12 de novembro de 2015, Hewlett‑Packard Belgium (C‑572/13, EU:C:2015:750, n.os 47 e 48).


34 — V., neste sentido, acórdão de 27 de fevereiro de 2014, OSA (C‑351/12, EU:C:2014:110, n.° 35).


35 — V., neste sentido, artigo L. 134‑1 do Código da Propriedade Intelectual.


36 — V., a contrario, artigo 10.°, n.° 1, da Diretiva 2008/95/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 22 de outubro de 2008, que aproxima as legislações dos Estados‑Membros em matéria de marcas (JO 2008, L 299, p. 25), e o artigo 15.°, n.° 1, do Regulamento (CE) n.° 207/2009 do Conselho, de 26 de fevereiro de 2009, sobre a marca comunitária (JO 2009, L 78, p. 1) que preveem a possibilidade de impor sanções pela não utilização da marca, salvo justo motivo. Por exemplo, o artigo 12.°, n.° 1, da Diretiva 2008/95 prevê que «[o] titular de uma marca pode ver extintos os seu direitos se, durante um período ininterrupto de cinco anos, a marca não tiver sido objeto de uma utilização séria no Estado‑Membro em causa para os produtos ou serviços para que foi registada e se não existirem motivos justos para a sua não utilização». V., igualmente, artigo 51.° do Regulamento n.° 207/2009.


37 — Sublinhado meu. V. considerando 7 da Diretiva 2012/28.


38 — Nos termos do artigo 1.°, n.° 1, da Diretiva 2012/28, «[a] presente diretiva diz respeito a determinadas utilizações de obras órfãs por bibliotecas, estabelecimentos de ensino e museus acessíveis ao público, bem como por arquivos, instituições responsáveis pelo património cinematográfico ou sonoro e organizações de radiodifusão de serviço público estabelecidos nos Estados‑Membros, para realizar objetivos relacionados com a sua missão de interesse público».


39 — Para que uma obra possa ser considerada uma obra órfã deve efetuar‑se de boa‑fé uma pesquisa diligente dos titulares de direitos relativamente à obra. Com efeito, o artigo 3.°, n.° 1, da Diretiva 2012/28 prevê que, «[a] fim de estabelecer se uma obra [é uma obra órfã], as organizações referidas no artigo 1.°, n.° 1, asseguram que seja realizada […] uma pesquisa diligente e de boa‑fé, […]. A pesquisa diligente é realizada antes da utilização das obras».


40 — Sublinhado meu.


41 — Observo igualmente que, na audiência, a SOFIA referiu que aplicava recursos significativos para localizar os autores com o objetivo de os remunerar pela reprodução e a comunicação ao público das suas obras sob forma digital. Interrogada sobre a razão pela qual não utilizava esses recursos para identificar os autores antes de autorizar a reprodução e a comunicação ao público das suas obras e obter o seu acordo expresso e prévio, a SOFIA respondeu que seria bastante difícil obter o acordo individual dos autores em causa.


42 — Segundo a SOFIA, a regulamentação nacional em causa não é relativa ao conteúdo do direito de reprodução e aos atos que esta prerrogativa abrange mas ao exercício do direito de reprodução com base num mandato legal.


43 — Segundo o Governo francês, o decreto controvertido não regula o conteúdo dos direitos de autor em causa, mas limita‑se a regular o exercício destes direitos, em determinadas condições, por sociedades de gestão coletiva autorizadas pelo Ministro com competências em matéria de cultura. Considera que o exercício, por uma sociedade de gestão coletiva, dos direitos de reprodução e de comunicação ao público não implica qualquer transferência do direito de propriedade mas constitui apenas uma modalidade de exercício coletivo destes direitos.


44 — Concordo com as observações da Comissão segundo as quais «a legislação francesa que prevê que, em determinadas circunstâncias, estes direitos são exercidos pela sociedade autorizada e não pelo autor no que respeita aos livros indisponíveis, colide frontalmente com as disposições aplicáveis da Diretiva 2001/29». Sublinhado meu.


45 — V. considerando 18 da Diretiva 2001/29 que precisa que, «[a] presente diretiva não prejudica as regras de gestão de direitos, existentes nos Estados‑Membros como, por exemplo, as licenças coletivas alargadas».


46 — V., por analogia, acórdão de 9 de fevereiro de 2010, Luksan (C‑277/10, EU:C:2012:65, n.° 64). Em contrapartida, desde que a exigência de um consentimento expresso e prévio seja respeitada, os Estados‑Membros são competentes para definir as modalidades deste consentimento exigindo, por exemplo, que a transferência dos direitos de exploração do direito de autor seja realizada por escrito. V., neste sentido, considerando 30 da Diretiva 2001/29 que prevê que «[o]s direitos referidos na presente diretiva podem ser transferidos, cedidos ou sujeitos à concessão de licenças numa base contratual, sem prejuízo do direito nacional pertinente em matéria de direito de autor».


47 — O Governo francês observa que a Lei relativa aos livros indisponíveis «visa a conservação e colocação à disposição do público das obras indisponíveis, segundo as modalidades que asseguram a remuneração dos autores e, assim, o respeito do direito de autor». De acordo com o Governo alemão, a regulamentação nacional em causa protege o interesse dos titulares de direitos, assim como o interesse geral. A SOFIA precisa que, «embora uma regulamentação como a que está em causa no processo principal esteja abrangida pelo âmbito do artigo 2.° da Diretiva 2001/29 e constitua uma exceção ou uma limitação não autorizada pelo seu artigo 5.°, é necessário, todavia, determinar se tal regulamentação pode ser justificada por um objetivo de interesse geral que consiste em estabelecer um justo equilíbrio entre o direito de propriedade intelectual protegido pelo artigo 17.°, n.° 2, da [Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia], por um lado, e a liberdade de informação garantida pelo artigo 11.°, n.° 1, desta Carta, por outro».


48 — JO 2014, L 84, p. 72.


49 — V. artigo 1.° da Diretiva 2014/26.


50 — Sublinhado meu


51 — O memorando apenas está disponível em língua inglesa no sítio internet da Comissão no seguinte endereço: http://ec.europa.eu/internal_market/copyright/out‑of‑commerce/index_en.htm.


52 — Após as assinaturas das associações em causa, pode ler‑se «As witnessed by: Michel Barnier, Commissioner for International Market and Services».


53 — V. considerando 4 da Diretiva 2012/28.


54 — Sublinhado meu.


55 — Sublinhado meu.