Language of document : ECLI:EU:C:2002:644

Conclusions

CONCLUSÕES DO ADVOGADO‑GERAL
DÁMASO RUIZ‑JARABO COLOMER
apresentadas em 7 de Novembro de 2002 (1)



Processo C‑182/01



Saatgut-Treuhandverwaltungs GmbH

contra

Werner Jäger


(pedido de decisão prejudicial apresentado pelo Oberlandesgericht Düsseldorf)


«Variedades vegetais – Regime de protecção – Artigo 14.°, n.° 3, do Regulamento (CE) n.° 2100/94, artigo 3.°, n.° 2, e artigo 8.° do Regulamento n.° 1768/95 – Organização de titulares – Conceito – Obrigação imposta à organização de actuar unicamente em nome dos seus membros – Autorização concedida aos agricultores para utilizarem nas suas terras, para efeitos de multiplicação, o produto da colheita de uma variedade protegida – Alcance da obrigação de informar o titular da protecção comunitária de variedade vegetal»






1.       Para se decidir das duas questões que o Oberlandesgericht Düsseldorf (Alemanha) colocou nos termos do artigo 234.° CE, há que interpretar, por um lado, o Regulamento (CE) n.° 2100/94  (2) , relativo ao regime comunitário de protecção das variedades vegetais, em particular, o artigo 14.°, n.° 3, oitavo travessão, que obriga quem beneficia da excepção agrícola a prestar determinadas informações, em conjugação com o artigo 8.° do Regulamento (CE) n.° 1768/95  (3) , que estabelece as regras de aplicação relativas à referida excepção. Por outro lado, há que analisar o artigo 3.°, n.° 2, do Regulamento n.° 1768/95, que prevê a possibilidade de uma organização de titulares invocar colectivamente os direitos dos seus membros.

I – Os factos

2.       A demandante na causa principal é a sociedade por quotas Saatgut‑Treuhandverwaltungs, constituída nos termos do direito alemão, cujo objecto social é a defesa dos interesses económicos de pessoas singulares e colectivas que produzem ou distribuem sementes, directa ou directamente, ou que participam nessas operações.

As suas actividades abrangem o controlo dos direitos dos titulares de variedades vegetais no âmbito nacional e internacional, em particular, a realização, em empresas que se dedicam à multiplicação e à distribuição de sementes, de comprovações sobre os direitos que os sócios ou terceiros possam invocar, a cobrança das taxas pela exploração das licenças relativas a variedades vegetais e a execução de medidas de carácter geral destinadas a fomentar a produção, a garantir a distribuição e o fornecimento aos consumidores de sementes irrepreensíveis e de alta qualidade. Não se dedica, porém, à compra e venda de sementes.

3.       Conforme assinala o Oberlandesgericht Düsseldorf no despacho de reenvio, entre os sócios da demandante contam‑se titulares de variedades vegetais e detentores exclusivos de licenças de exploração nos termos da Sortenschutzgesetz (lei alemã da protecção das variedades vegetais), do Regulamento n.° 2100/94 e de ambos os diplomas. Ao que parece, a Bundesverband Deutsher Pflanzenschützer e. V., associação de direito civil, composta, entre outros, por numerosos titulares e detentores de licenças exclusivas de direitos de exploração de variedades vegetais, também é sócia da Saatgut‑Treuhandverwaltungs  (4) .

4.       A demandante defende em nome próprio nos tribunais alemães, com base em poderes conferidos por escrito, os direitos resultantes da aplicação do privilégio do agricultor relativamente a mais de 500 variedades protegidas, pertencentes a mais de 60 titulares de variedades vegetais ou detentores de licenças de exploração, face a centenas de agricultores, entre os quais se conta W. Jäger, demandado no processo principal.

O primeiro grupo de pessoas cujos direitos a demandante invoca é composto pelos seus sócios; o segundo é composto pelos membros de uma associação, por sua vez, sócia da Saatgut‑Treuhandverwaltungs; e o terceiro é constituído por pessoas que se limitam a conferir‑lhe poderes para defender, em nome próprio e mediante remuneração, os seus direitos de variedade vegetal contra o uso pelos agricultores nas suas terras, com fins de multiplicação, do produto da colheita de uma variedade protegida.

5.       O objecto da lide é averiguar em que medida, durante a campanha de 1997/1998, W. Jäger utilizou nas suas terras, com o fim de multiplicação, o produto da colheita de mais de 500 variedades de plantas, entre as quais a batata, trigo de Outono, trigo tremês, cevada de Inverno, cevada de Verão, aveia comum, centeio de Inverno, ervilha forrageira, favarola, triticale e tremocilha, das quais um terço são variedades vegetais protegidas pelo Regulamento n.° 2100/94 e os outros dois terços pela lei alemã.

A demandante alega que o agricultor, pelo facto de o ser, deve facultar‑lhe essa informação, mas não assume o ónus de alegar que, em cada caso, o demandado cultivou determinada variedade nem a extensão em que o fez. W. Jäger opõe‑se a essa pretensão, nomeadamente porque a parte contrária não demonstrou a existência de indícios de que tenha utilizado alguma das variedades vegetais protegidas.

II – As questões prejudiciais

6.       A acção foi julgada improcedente em primeira instância. O Oberlandesgericht Düsseldorf, que julga o recurso, suspendeu a instância e submeteu ao Tribunal de Justiça duas questões prejudiciais com o seguinte teor:

«1.a)
Pode uma sociedade [por quotas] de direito alemão ser uma ‘organização de titulares’ na acepção do artigo 3.°, n.° 2, do Regulamento (CE) n.° 1768/95 [...]?

b)
E pode uma tal sociedade invocar, ao abrigo do artigo 3.°, n.° 2, os direitos que do artigo 3.°, n.° 1, do referido regulamento resultam para esses titulares de direitos de protecção de variedades vegetais que não sejam seus sócios e apenas sejam membros de uma associação que, por sua vez, é sócia da sociedade?

c)
E pode uma tal sociedade invocar, contra remuneração, ao abrigo do artigo 3.°, n.° 2, os direitos que do artigo 3.°, n.° 1, do referido regulamento resultam para esses titulares de direitos de protecção de variedades vegetais que nem sejam seus sócios nem sejam membros de uma associação que seja sócia da sociedade?

2.
Devem as disposições do artigo 14.°, n.° 3, sexto travessão, do Regulamento (CE) n.° 2100/94 [...], conjugadas com as do artigo 8.° do Regulamento n.° 1768/95, ser interpretadas no sentido de que o titular de uma variedade vegetal protegida pelo Regulamento n.° 2100/94 pode exigir de cada agricultor as informações referidas nas referidas disposições independentemente da existência de indícios de que o agricultor tenha efectivamente praticado um dos actos previstos no artigo 13.°, n.° 2, do Regulamento n.° 2100/94, relativo à variedade vegetal em causa, ou – pelo menos – a tenha anteriormente utilizado na sua exploração?»

III – A legislação comunitária

7.       De acordo com o artigo 1.°, o Regulamento n.° 2100/94 «institui um regime comunitário de protecção das variedades vegetais, como forma única e exclusiva de protecção comunitária dos direitos de propriedade industrial relativos às variedades vegetais». Depois da sua entrada em vigor, os Estados‑Membros podem conceder direitos de propriedade nacionais, embora o artigo 92.° proíba a cumulação da protecção, de forma a que nenhuma variedade que goze da protecção comunitária possa ser objecto da protecção nacional de variedades vegetais nem de qualquer patente. A protecção comunitária abrange as variedades de todos os géneros e espécies botânicas, incluindo os híbridos.

8.       Para serem objecto de protecção, as variedades devem ser distintas, homogéneas, estáveis e novas, e ter uma denominação própria. O direito de protecção comunitária das variedades vegetais pertence ao titular, que é a pessoa que criou ou descobriu e desenvolveu a variedade, ou aos seus sucessores.

9.       O artigo 13.° do Regulamento n.° 2100/94 reserva ao titular de uma protecção comunitária de variedade vegetal o direito de levar a cabo, em relação à variedade, determinadas operações enumeradas no n.° 2: a) produção ou reprodução (multiplicação); b) acondicionamento para efeitos de multiplicação; c) colocação à venda; d) venda ou outro tipo de comercialização; e) exportação a partir da Comunidade; f) importação na Comunidade; e g) armazenagem para qualquer dos fins referidos nas alíneas anteriores. O titular pode conceder a autorização para a realização dessas operações. Também a pode sujeitar a condições ou a restrições.

10.     O artigo 14.°, n.° 1, contém uma excepção aos direitos do titular, com o objectivo de salvaguardar a produção agrícola, pois permite aos agricultores utilizar nas suas terras, para fins de multiplicação, o produto colhido de uma variedade que, não sendo híbrida nem variedade artificial, beneficie da protecção comunitária das variedades vegetais. O privilégio do agricultor aplica‑se apenas a certas espécies vegetais agrícolas enumeradas no n.° 2, classificadas em quatro grupos: plantas forrageiras, oleaginosas e têxteis, cereais e batata.

O órgão jurisdicional nacional interessa‑se pela interpretação do oitavo travessão do n.° 3 deste artigo, que dispõe:

«As condições para a aplicação da excepção prevista no n.° 1 e para salvaguardar os legítimos interesses do titular e do agricultor serão estabelecidas [...] nas regras de execução [...] com base nos seguintes critérios:

[...]

sempre que os titulares o solicitem, os agricultores e os prestadores de serviços de processamento devem prestar‑lhes as informações pertinentes; [...]»

11.     A fim de dar cumprimento à obrigação imposta pelo artigo 14.°, n.° 3, do Regulamento n.° 2100/94, a Comissão adoptou o Regulamento n.° 1768/95, de execução da excepção agrícola. Os agricultores que utilizem esta possibilidade devem pagar ao titular uma remuneração equitativa, que será significativamente inferior à quantia a ser cobrada pela produção sob licença de material de multiplicação da mesma variedade na mesma zona. Ficam excluídos desta obrigação os pequenos agricultores, cuja definição consta do Regulamento n.° 2100/94.

12.     O Oberlandesgericht Düsseldorf pede a interpretação do artigo 3.°, n.° 2, do Regulamento n.° 1768/95, que prevê a possibilidade de uma organização de titulares invocar, de forma colectiva, os direitos dos seus membros, e do artigo 8.°, n.° 2, do referido diploma, que disciplina detalhadamente o dever de informação do agricultor, para efeitos de remuneração do titular.

Nos termos do artigo 3.°, n.° 2:

«Os direitos a que se refere o n.° 1 podem ser invocados por titulares individuais, conjuntamente por vários titulares, ou por uma organização de titulares estabelecida na Comunidade, a nível comunitário, nacional, regional ou local. Uma organização de titulares apenas pode agir em nome dos seus membros e, entre estes, apenas em nome daqueles que lhe tenham conferido o respectivo mandato por escrito. A organização deve agir através de um ou mais dos seus representantes, ou de auditores por si acreditados, dentro dos limites dos respectivos mandatos.»

No que aqui nos interessa, o artigo 8.° determina:

Caso não exista um contrato, o agricultor deve, a pedido do titular, fornecer‑lhe uma declaração com os seguintes dados: a) nome do agricultor, domicílio e endereço da sua exploração; b) indicação do uso, ou não, do produto da colheita de uma ou mais variedades do titular nas suas terras; c) no caso de tal uso, indicação da quantidade do produto; d) nome e endereço de quem lhe tiver prestado serviços de processamento do produto da colheita para uso do agricultor; e e) no caso de as informações referidas em b), c) ou d) não poderem ser confirmadas de acordo com o disposto no artigo 14.°, a quantidade do material de propagação autorizado [...] bem como o nome e endereço do fornecedor.

Estes dados serão referentes à campanha de comercialização em curso e a uma ou várias das três campanhas anteriores em relação às quais o titular ainda não tenha apresentado um pedido de informação.

IV – Tramitação do processo no Tribunal de Justiça

13.     Apresentaram observações escritas neste processo, no prazo previsto no artigo 20.° do Estatuto CE do Tribunal de Justiça, a Saatgut‑Treuhandverwaltungs, W. Jäger, a Itália e a Comissão.

Na audiência, realizada em 3 de Outubro de 2002, compareceram, para apresentarem oralmente as suas posições, os representantes da Saatgut‑Treuhandverwaltungs e de W. Jäger, bem como os agentes do Reino Unido e da Comissão.

V – A primeira questão prejudicial

14.     Através desta questão, que o órgão jurisdicional nacional formulou em três pontos, trata‑se de saber se uma sociedade por quotas, regida pela lei alemã, constitui uma «organização de titulares» na acepção do artigo 3.°, n.° 2, do Regulamento n.° 1768/95, e se ela pode, como tal, invocar igualmente os direitos previstos no n.° 1 a favor de titulares de variedades vegetais que, sem ser sócios, fazem parte de uma associação que tem a qualidade de sócio ou dos que, não tendo vínculo societário, lhe confiam essa missão a troco de remuneração.

A – As observações apresentadas

15.     A Saatgut‑Treuhandverwaltungs observa que o legislador comunitário não definiu o conceito de «organização de titulares». Propõe que lhe seja dado um significado amplo para que os titulares que, devido ao grande número de agricultores afectados, não possam reivindicar os seus direitos individualmente tenham a possibilidade de o fazer juntamente com outros, devendo, para tal, ser suficiente que o obtentor ou o titular exclusivo de um direito de exploração dêem poder à organização, adquirindo, assim a qualidade de membros. Por maioria de razão, a sociedade tem poderes para actuar em nome dos titulares que, para além de lhe terem conferido mandato, fazem parte de uma associação que, por sua vez, tem a qualidade de sócio.

16.     W. Jäger considera que uma sociedade por quotas não é formada por membros na acepção do artigo 3.°, n.° 2, do Regulamento n.° 1768/95. Tendo em conta a terminologia utilizada, o legislador tinha em mente um agrupamento de interesse profissional que adoptasse a forma jurídica de uma associação ou uma estrutura análoga, não uma empresa independente no plano jurídico e de organização, desvinculada dos interesses individuais dos obtentores. Na sua opinião, na realidade, a demandante não é mais do que uma empresa de gestão de cobranças movida por interesses puramente económicos.

17.     O Governo italiano entende que uma organização de titulares não deve adoptar a forma de sociedade com personalidade jurídica. Se o fizer, será considerada um terceiro em relação a cada titular do direito de variedade vegetal, não podendo, por isso, ser cessionária dos benefícios que o artigo 14.° do Regulamento n.° 2100/94 reconhece aos titulares.

18.     A Comissão considera que há que dar uma interpretação ampla ao conceito controvertido. O facto de a defesa dos seus direitos poder ser assegurada pessoalmente pelo titular ou de forma colectiva, em grupo ou por meio de uma organização, significa que, para efeitos de legitimidade processual, a organização deve ser equiparada a um titular individual. Uma sociedade por quotas, constituída de acordo com o direito alemão, actua como «organização de titulares» a favor dos seus membros e dos que fizerem parte de uma entidade sócia da companhia, mas não de quem, sem vínculo associativo, lhe confere mandato para invocar os seus direitos mediante remuneração.

B – Resposta à questão prejudicial

19.     Concordo com a posição defendida pela Comissão sobre a interpretação do artigo 3.°, n.° 2, do Regulamento n.° 1768/95. O conceito de organização de titulares constante desta disposição é tão amplo que se diria que o legislador comunitário quis que englobasse a totalidade das modalidades associativas que existem nos Estados‑Membros. Porém, independentemente da forma jurídica adoptada, deve cumprir todas as estipulações que o regulamento impõe quanto ao seu funcionamento.

20.     O Regulamento n.° 1768/95 estabelece as condições que tornam eficaz o privilégio do agricultor. De acordo com o artigo 3.°, os direitos e obrigações do titular decorrentes das disposições do artigo 14.° do Regulamento n.° 2100/94, com excepção do direito ao pagamento já quantificável da remuneração, não podem ser transmitidos a terceiros.

Basicamente os direitos que esta disposição reconhece ao titular são três: cobrar a remuneração ao agricultor que faz uso do privilégio; controlar a observância da legislação que rege esta figura, e obter do agricultor e de quem tiver procedido ao tratamento do produto para uso posterior, as informações pertinentes.

21.     O artigo 3.°, n.° 2, do Regulamento n.° 1768/95 permite que estes direitos sejam invocados pelo próprio titular, por vários titulares conjuntamente ou por uma organização de titulares estabelecida na Comunidade, a nível comunitário, nacional, regional ou local.

Não concordo com a argumentação do Governo italiano. Sempre que todos os seus sócios sejam titulares de um direito de variedade vegetal e que o seu objecto social consista na defesa dos direitos resultantes do artigo 14.° do Regulamento n.° 2100/94, o facto de a sociedade ter personalidade jurídica própria não viola o artigo 3.°, n.° 2, do Regulamento n.° 1768/95, uma vez que este preceito, como já assinalei, não impõe a forma jurídica concreta que a organização deve adoptar.

Também discordo que se produza uma cessão de direitos do titular para a sociedade. A aquisição da qualidade de sócio de uma organização que adopta a forma de sociedade por quotas não implica a cessão de direitos, sobretudo quando o n.° 1 do mesmo artigo estabelece que, com excepção do direito ao pagamento já quantificável, os restantes direitos invocáveis pela organização não são transmissíveis a terceiros, a não ser que sejam transmitidos juntamente com o título da protecção comunitária.

22.     O artigo 3.°, n.° 2, do Regulamento n.° 1768/95 exige vários requisitos às organizações de titulares. Em primeiro lugar, apenas actuam em nome dos seus membros, que devem ser titulares de alguma variedade vegetal. Esta condição exclui a possibilidade de o fazerem em nome próprio ou por conta de terceiros, como acontece com a demandante na causa principal. Da mesma forma, impede que os detentores de licenças, exclusivas ou não, de exploração de variedades vegetais protegidas pertençam a essas organizações, uma vez que não são titulares e não beneficiam, portanto, dos direitos que o artigo 14.° do Regulamento n.° 2100/94 reconhece a estes ao regular o privilégio do agricultor.

Em segundo lugar, a qualidade de membro da organização ou de sócio é condição necessária mas não suficiente, visto que uma organização só os representa quando estes lhe tiverem conferido mandato por escrito. Exige‑se que, no acto constitutivo ou posteriormente, o titular cumpra essa formalidade.

23.     Assim, no caso de a legislação alemã que rege a criação e o funcionamento das sociedades por quotas permitir o cumprimento desses requisitos, questão que cabe ao órgão jurisdicional nacional apreciar, uma dessas sociedades pode ser uma «organização de titulares» de variedades vegetais, na acepção do artigo 3.°, n.° 2, do Regulamento n.° 1768/95.

24.     O mesmo acontece no caso de uma associação de titulares ser, por sua vez, sócia de uma sociedade por quotas que tem por fim a defesa dos direitos que resultam do privilégio do agricultor para os titulares de variedades vegetais. Com efeito, sempre que a associação, enquanto tal, seja constituída por titulares, a sociedade pode actuar também em seu nome, na condição de lhe ter sido conferido mandato expresso para o efeito. Trata‑se de uma fórmula susceptível de permitir que uma organização de titulares estabelecida num Estado‑Membro invoque, nesse país, os direitos de titulares estabelecidos noutro Estado‑Membro, que constituíram uma organização com o fim de proteger os seus direitos de forma colectiva.

25.     Não obstante, o respeito destes requisitos impede que uma organização de titulares na acepção do artigo 3.°, n.° 2, do Regulamento n.° 1768/95 exerça os direitos de pessoas que não sejam membros, o que é o caso daqueles que, não tendo qualquer vínculo societário com a Saatgut‑Treuhandverwaltungs, lhe conferiram mandato para, mediante remuneração, invocar os seus direitos relativos ao privilégio do agricultor.

Discordo da posição da Saatgut‑Treuhandverwaltungs quando defende que, pela mera outorga do mandato, o titular adquire desde logo a qualidade de membro. Não discuto que seja a forma correcta de constituir um agrupamento para a protecção comum de interesses legítimos, mas, se uma organização de titulares adoptar a forma de sociedade comercial por acções, a única maneira de dela fazer parte é tornar‑se sócio: o titular, pelo facto de a encarregar de, mediante remuneração, invocar os seus direitos, não adquire essa qualidade.

26.     Pelas razões expostas, considero que uma sociedade por quotas, regida pela lei alemã, pode constituir uma «organização de titulares» na acepção do artigo 3.°, n.° 2, do Regulamento n.° 1768/95 e, como tal, invocar os direitos previstos no n.° 1 a favor de titulares de variedades vegetais, desde que sejam sócios, lhe tenham conferido mandato por escrito e que a sociedade actue em nome deles. Essa sociedade pode defender igualmente esses direitos em nome dos titulares de variedades vegetais, membros de uma associação que tenha a qualidade de sócio, desde que lhe tenham conferido mandato por escrito. Em contrapartida, não representa quem não for sócio nem membro de uma associação que tenha a referida qualidade de sócio.

VI – A segunda questão prejudicial

27.     Pela pergunta que formula, o Oberlandesgericht Düsseldorf pretende saber se as disposições que refere significam que o titular da protecção comunitária de uma variedade vegetal pode exigir a qualquer agricultor as informações pertinentes, a fim de lhe exigir o pagamento de uma remuneração por ter feito uso do privilégio, mesmo quando não existam indícios de utilização da variedade para alguma das operações previstas no n.° 2 do artigo 13.° do Regulamento n.° 2100/94, entre as quais se inclui a produção, ou para qualquer outro fim.

28.     Esta questão é idêntica à que o Oberlandesgericht Frankfurt am Main colocou em Agosto de 2000, que deu lugar ao processo C‑305/00, Schulin, no qual apresentei as minhas conclusões em 21 de Março de 2002 e que se encontra pendente para acórdão. Os factos desse litígio são muito semelhantes aos que deram origem ao processo contra W. Jäger; a diferença reside no facto de a Saatgut‑Treuhandverwaltungs ser então a recorrida e agora ser a recorrente.

29.     Em Julho de 2002, a European Seed Association dirigiu‑me uma carta em que, depois de explicar que tinha participado, a pedido da Direcção Geral da Agricultura da Comissão das Comunidades Europeias, na definição do conceito de privilégio do agricultor, constante do Regulamento n.° 2100/94 e do Regulamento n.° 1768/95, me expunha a intenção do legislador ao regular esta figura, pedindo‑me que reconsiderasse a proposta que tinha apresentado ao Tribunal de Justiça para responder à questão prejudicial do Oberlandesgericht Frankfurt am Main.

30.     Ao que parece, a representação da Saatgut‑Treuhandverwaltungs tentou contornar as regras da actuação processual do Tribunal de Justiça, desrespeitando o seu carácter imperativo.

Sendo conhecida a jurisprudência Emesa Sugar  (5) segundo a qual o advogado‑geral participa pública e pessoalmente no processo de elaboração da decisão do Tribunal de Justiça, pondo fim ao debate entre as partes, de forma que, tendo em conta a natureza jurisdicional da sua colaboração, não cabe submeter os seus actos a contraditório, a demandante na causa principal organizou um engenhoso estratagema. Como num primeiro processo, no qual tinha sido colocada a mesma questão prejudicial  (6) , a tese defendida por este advogado‑geral não seguia as suas pretensões, e também não se verificando as condições exigidas pela jurisprudência  (7) para se decretar, nos termos do artigo 61.° do Regulamento de Processo, a reabertura da fase oral, a demandante decidiu desistir da acção intentada a fim de evitar que o Tribunal de Justiça se pronunciasse sem tomar em consideração os seus comentários às conclusões do advogado‑geral. Assim poderia reforçar os seus argumentos na lide seguinte, onde se suscitava idêntico litígio.

Para alicerçar a sua posição, dirigiu‑se à Secretaria do Tribunal de Justiça, pedindo o cancelamento do processo Schulin e, subsidiariamente, que não fosse proferido acórdão no referido processo antes da realização da audiência no presente. Embora o órgão jurisdicional alemão, o Oberlandesgericht Frankfurt am Main, não tenha aceite a desistência e tenha mantido a questão prejudicial formulada, o atraso na administração da justiça, consubstancial ao grande número de processos que tem que decidir, correu a seu favor, pelo que lhe foi possível fazer as suas alegações orais neste processo antes de o Tribunal de Justiça ter decidido de mérito no anterior. Aceita‑se por bom tudo o que contribuir para melhorar a qualidade da tutela jurisdicional, mas convém lembrar que o princípio da lealdade processual, que as partes devem aos órgãos judiciais, neste caso não só ao Tribunal de Justiça mas também aos juízes alemães, bem como o da solidariedade e respeito pelos restantes destinatários da justiça que, tendo em conta a complexidade e o aumento constante do contencioso a todos os níveis, exige que quem queira intentar uma acção, sem prejuízo de adoptar todas as medidas necessárias à defesa dos seus direitos, o faça de forma não abusiva, para não afectar a duração e a profundidade da análise das acções dos outros. Isto é, o direito à tutela jurisdicional efectiva também tem os seus limites. Nas condições em que actualmente é desempenhada a função jurisdicional no mundo ocidental, esses limites reflectem‑se no facto de, sendo limitado o tempo de que os juízes dispõem para dar resposta aos pedidos que lhes são dirigidos, cada pessoa deve lutar por eles, sem diminuição de garantias, mas sem prejudicar o direito de acesso dos seus concidadãos ao pretório, evitando propor acções desnecessárias ou extemporâneas, excessivamente complicadas ou confusas quanto à forma ou demasiado extensas, e não multiplicando os processos para atingir a plenitude do seu exclusivo interesse  (8) .

A – As observações apresentadas

31.     A sociedade Saatgut‑Treuhandverwaltungs alega que o artigo 14.°, n.° 3, oitavo travessão, do Regulamento n.° 2100/94, conjugado com o artigo 8.°, n.° 2, do Regulamento n.° 1768/95, permite ao titular de uma variedade vegetal protegida exigir a qualquer agricultor que lhe indique se beneficiou do privilégio e qual o volume que a operação atinge, embora não tenha conhecimento de que tenha sido utilizada no passado uma variedade protegida na sua exploração. Em apoio desta interpretação refere não menos do que dez sentenças de tribunais alemães de primeira instância que, em data recente, tomaram posição neste mesmo sentido. Na sua opinião, o titular não pode provar que o agricultor utilizou nas suas terras, com fins de multiplicação, o produto da colheita de uma variedade protegida. Em teoria, o facto de ter adquirido uma vez semente certificada nova a um fornecedor constitui indício de que poderá semear de novo o produto colhido. Porém, na prática, o titular não pode fazer essa prova pois, ao não manter relações comerciais com os agricultores, ignora quem é que alguma vez comprou semente certificada da sua variedade vegetal. O titular entrega a semente de base ou pré‑base da variedade a um estabelecimento dedicado à multiplicação vegetal, para que efectue a produção destinada a comercialização. Em seguida, a semente é vendida às cooperativas ou aos grossistas, num primeiro momento, chegando aos utilizadores através de retalhistas e revendedores. A sociedade esclarece que nada impede o agricultor que adquiriu semente certificada de utilizar o produto da colheita para fins de multiplicação e durante várias campanhas, em especial tratando‑se de cereais.

32.     O agente do Governo do Reino Unido, na audiência, defendeu uma interpretação literal do artigo 14.°, n.° 3, sexto travessão, do Regulamento n.° 2100/94 e do artigo 8.° do Regulamento n.° 1768/95. Visto que estas disposições não distinguem entre os agricultores em geral e os que tenham semeado na sua exploração uma variedade vegetal protegida, não é de entender que só estes últimos são obrigados a responder ao pedido de informação feito por um titular. Além disso, se a finalidade pretendida pela legislação é a de conseguir que o titular exerça o seu direito a uma remuneração justa em contrapartida do privilégio de que goza o agricultor, a forma mais simples e prática de aceder à informação é perguntar directamente a quem semeia.

33.     W. Jäger, o Governo italiano e a Comissão têm posições coincidentes no sentido de que a aplicação do artigo 8.°, n.° 2, alíneas b) e c), exige que tenha existido uma compra ou que existam indícios de utilização de semente de uma variedade protegida, especificando o titular, no seu pedido de informação, os elementos de que dispõe para essa convicção.

A Comissão acrescenta que o exercício do privilégio do agricultor pressupõe, sob todas as perspectivas, a existência de uma relação com o titular, já que, antes de voltar a semear o produto da colheita de uma variedade protegida, teve que se celebrar um acordo para a primeira utilização, ou directamente, ou de maneira indirecta, através da compra de sementes a um fornecedor. Considera que o titular tem acesso, regra geral, aos dados relativos às transacções das suas variedades protegidas. Caso contrário, o mais indicado seria dirigir‑se aos grossistas de sementes ou a outros fornecedores que comercializam os seus produtos, em vez de pretender impor a todos os agricultores uma obrigação de informação com força vinculativa.

B – Resposta à questão prejudicial

34.     Depois de analisar atentamente as alegações escritas e orais feitas neste Tribunal de Justiça na presente lide, não encontrei qualquer razão para modificar a opinião que exprimi nas conclusões apresentadas no processo C‑305/00, já referido.

35.     Conforme se assinala no quinto considerando, o Regulamento n.° 2100/94 propunha‑se reforçar a protecção de todos os reprodutores de espécies vegetais relativamente à situação existente em 1994, a fim de fomentar a reprodução e o desenvolvimento de novas variedades.

O seu artigo 13.° delimita com precisão as transacções comerciais sujeitas à autorização do titular, tanto no que respeita às que se realizam com componentes de uma variedade como ao material colhido (flores e frutos, por exemplo) desde a reprodução até à armazenagem.

36.     O exercício dos direitos conferidos pela protecção comunitária das variedades vegetais fica sujeito às restrições previstas em disposições adoptadas no interesse público. Dado que a protecção da produção agrícola corresponde a esse interesse, o artigo 14.° do regulamento autorizou os agricultores, em certas condições, a utilizarem o produto das suas colheitas para reprodução. Entre a vintena de espécies enumeradas no seu n.° 2, às quais se aplica o privilégio, encontram‑se algumas de cultivo tão alargado e comum como a cevada, o trigo e a batata. Esta possibilidade restringe, sem dúvida alguma, o direito do titular de explorar a variedade que tenha conseguido ou descoberto e desenvolvido com o seu esforço. A fim de proteger os interesses legítimos do titular e do agricultor, o artigo 14.° determina ser necessário adoptar regras de execução de acordo com determinados critérios, entre os quais figura a obrigação de pagar ao titular uma remuneração justa.

37.     Tal como já assinalei nas conclusões que apresentei no processo C‑305/00, Schulin, alguns agricultores parecem sentir‑se prejudicados por esta legislação, ao considerar que limita a prática seguida desde tempos imemoriais neste sector, que consiste em guardar uma parte do produto de uma colheita para a utilizar livremente como material de multiplicação na seguinte. O certo é, no entanto, que, graças à actividade dos titulares, se obtiveram importantes progressos no desenvolvimento de novas variedades vegetais, que redundam numa maior e melhor produção agrícola.

A obrigação de remunerar o titular pela utilização do produto da colheita para fins de multiplicação só recai sobre quem semear na sua exploração uma variedade protegida; portanto, os agricultores que recorram a semente não certificada estão isentos da obrigação de informar e de pagar uma remuneração.

38.     O artigo 14.° do Regulamento n.° 2100/94, que é o que reconhece o privilégio do agricultor, atribui exclusivamente ao titular o controlo da observância desta norma e das que forem adoptadas em sua execução, sem qualquer assistência de organismos oficiais. A este respeito, apenas se contempla a possibilidade de quem intervenha no controlo da produção agrícola pôr à disposição do titular a informação pertinente, se a tiver obtido no desempenho normal das suas funções, na condição de que isso não represente novos encargos ou custos.

Para facilitar esse controlo, que se revelaria praticamente impossível nestas condições, o artigo 14.°, n.° 3, sexto travessão, do Regulamento n.° 2100/94 e o artigo 8.° do Regulamento n.° 1768/95 impõem ao agricultor a obrigação de proporcionar ao titular, mediante contrato ou a pedido deste, a informação pertinente para determinar se lhe cabe receber alguma remuneração, bem como o respectivo valor. Esta obrigação de informação a pedido do titular é extensiva aos transformadores.

Além disso, como se viu no espaço dedicado à resposta à primeira questão, o artigo 3.°, n.° 2, do Regulamento n.° 1768/95 concede aos titulares a possibilidade de se organizarem para invocarem colectivamente os direitos resultantes do privilégio do agricultor.

39.     À luz desta legislação, trata‑se de saber a que agricultores cabe essa obrigação de informação: a todos os agricultores pelo facto de o serem, como sustentam a firma Saatgut‑Treuhandverwaltungs e o Governo do Reino Unido, ou, como propõem W. Jäger, o Governo italiano e a Comissão, aos que, no passado, tenham semeado ou plantado na sua exploração material de multiplicação da variedade protegida em questão.

Em meu entender, esta última interpretação deve prevalecer.

40.     Quero destacar um facto que, sendo óbvio, parece ter escapado à atenção do mandatário da Saatgut‑Treuhandverwaltungs e do agente do Governo do Reino Unido: o Regulamento n.° 2100/94 não tem por finalidade regular um ou outro sector de produção agrícola na Comunidade mas sim instituir uma protecção comunitária para as variedades vegetais. Em consequência, quando as suas disposições mencionam o «agricultor», não se referem a qualquer operador agrícola cuja actividade se exerça no território da União, mas unicamente àquele que estiver incluído no seu âmbito de aplicação pessoal, constituído por aqueles que façam uso de variedades vegetais protegidas nas suas explorações.

41.     Resulta do teor literal do artigo 14.°, n.os 1 e 2, que só podem beneficiar da excepção os agricultores que preencham determinadas condições, que são: a) ter plantado na sua própria exploração material de propagação de uma variedade protegida, b) ter colhido uma produção, e c) ter cultivado uma variedade que corresponda a alguma das espécies vegetais agrícolas cuja lista aí é enumerada. Se utilizarem o produto dessa colheita, têm a obrigação de pagar uma compensação ao titular e de lhe facultar a informação pertinente para efeitos do respectivo cálculo  (9) .

42.     O Regulamento n.° 1768/95 tem por único objecto fixar as regras de execução do artigo 14.°, n.° 3, do Regulamento n.° 2100/94, disposição que estabelece as condições de aplicação da excepção do agricultor, protegendo os seus interesses legítimos e os do titular. Dada a limitada finalidade deste diploma, considero, por maioria de razão, que o «agricultor» ao qual impõe determinadas obrigações não pode ser qualquer lavrador da União Europeia; pelo contrário, só pode ser um operador ao qual se aplique esta lei, isto é, alguém que tenha adquirido material de propagação de alguma das espécies vegetais agrícolas cuja lista consta do artigo 14.°, n.° 2, do Regulamento n.° 2100/94.

Em consequência, os agricultores sujeitos à obrigação de informação ficam circunscritos aos que tenham adquirido no passado material de propagação da variedade protegida em causa. Parece‑me elementar que esse encargo não seja imposto àqueles que nunca compraram esse material, visto que não poderiam tê‑lo cultivado nem obter uma colheita susceptível de ser aproveitada de novo nas suas terras com fins de multiplicação.

43.     O artigo 8.° do Regulamento n.° 1768/95 regula minuciosamente o conteúdo da obrigação de informação que incumbe ao agricultor que pode utilizar o produto da colheita obtido através de material de multiplicação de uma variedade protegida. Permite, no seu n.° 1, que o agricultor e o titular fixem, por contrato, os detalhes que o primeiro deve facultar ao segundo. Trata‑se de um contrato acessório do principal, pelo qual o titular ou seu representante autoriza o agricultor a executar uma das operações previstas no n.° 2 do artigo 13.° do Regulamento n.° 2100/94, normalmente a produção agrícola.

44.     Na falta de contrato acessório relativo aos detalhes da informação a ser fornecida, existe uma relação jurídica entre, por um lado, o titular, ou o seu representante ou os comerciantes autorizados a vender material de multiplicação da sua variedade protegida e, por outro, o agricultor que o compra.

Visto que compete ao titular o controlo do respeito dos seus direitos pelos agricultores e demais operadores económicos, é ele o primeiro interessado em que se saiba das transacções relativas a material de propagação das suas variedades vegetais protegidas e, mais em particular, das espécies em relação às quais o agricultor pode exercer o seu privilégio de utilizar o produto da colheita para uma nova sementeira ou plantação.

45.     O Reino Unido e, em particular, a demandante alegam que é praticamente impossível os titulares chegarem a saber que agricultores compraram sementes das suas variedades protegidas, uma vez que concedem licenças para a multiplicação e não se ocupam das operações posteriores. Na audiência, a Saatgut‑Treuhandverwaltungs acrescentou que a pretensão dos titulares de vincularem contratualmente os agentes económicos que intervêm na distribuição e na comercialização das sementes seria contrário ao artigo 81.° CE.

46.     Não concordo com esta posição. É certo que, por força do artigo 27.° do Regulamento n.° 2100/94, a protecção comunitária de uma variedade vegetal pode ser total ou parcialmente objecto de licenças contratuais de exploração, exclusivas ou não. Mas ao concedê‑las, nada impede o titular de impor as condições e restrições que mais convenham ao seu direito. De qualquer forma, esta norma permite‑lhe invocar as faculdades conferidas pela protecção comunitária de uma variedade vegetal contra o detentor de uma licença que viole as cláusulas do contrato.

47.     Cabe acrescentar que é impossível apreciar em abstracto se os requisitos que os titulares podem impor aos detentores das licenças, para que sejam respeitados os seus direitos resultantes do privilégio do agricultor, podem ser contrários ao artigo 81.° CE. É imperativo analisar em cada caso se se trata de acordos, decisões ou práticas proibidas e, em seguida, ver se são aplicáveis as excepções previstas no artigo 81.°, n.° 3, CE.

48.     O artigo 8.°, n.° 2, alíneas a) a f), do Regulamento n.° 1768/95 indica os detalhes pertinentes que o agricultor deve facultar ao titular na falta de contrato, entre os quais figuram, em primeiro lugar, o nome do interessado, a localidade em que vive e o endereço da exploração.

Na minha opinião, o pedido destes dados nada tem de supérfluo ou redundante, mesmo se o titular se dirigir ao agricultor, directamente ou por meio da organização a que pertence, significar que já possui alguns. A obrigação que este tem de os incluir no seu relatório explica‑se, por um lado, para efeitos de identificação e, por outro, pela utilidade que pode ter para o receptor o facto de os poder comprovar ou completar.

49.     Em segundo lugar, o agricultor deve assinalar se recorreu ao privilégio relativamente a uma variedade do titular. Entendo que esta disposição confirma que o titular, quando pede a informação, sabe que o agricultor pode ter utilizado esse produto, isto é, que anteriormente comprou material de propagação da sua variedade protegida.

50.     Em terceiro lugar, se utilizou o produto nas suas terras, deve precisar a quantidade utilizada, a fim de permitir o cálculo da remuneração a pagar ao titular. Neste caso, é obrigado também a facultar os dados de quem tiver procedido ao tratamento do produto para uso posterior, se o agricultor tiver recorrido aos serviços de terceiros.

51.     Em quarto lugar, se as circunstâncias relativas à utilização do produto da colheita e à quantidade não puderem ser confirmadas, o agricultor deve comunicar a dose de material de propagação da variedade do titular utilizada sob licença e os dados do fornecedor.

Na audiência, o mandatário da Saatgut‑Treuhandverwaltungs afirmou que o facto de o agricultor dever facultar, neste caso, os dados do fornecedor, confirma a sua tese de que o titular ignora esse dado. No entanto, discordo desta interpretação. No meu entender, no caso de o agricultor adquirir material de propagação de uma variedade protegida mas não fizer uso do privilégio, também pode ter interesse para o titular tomar conhecimento da quantidade utilizada, relativamente à quantidade comprada e, para efeitos de comprovação, saber quem a forneceu.

52.     No que respeita ao controlo pelos titulares, o artigo 14.° do Regulamento n.° 1768/95 obriga os agricultores a conservar as facturas e os rótulos dos três anos anteriores à campanha em curso, pelo menos, que é o período a que pode remontar o pedido de informação sobre a utilização do produto da colheita por parte do titular.

53.     Os n.os 5 e 6 do artigo 8.° do Regulamento n.° 1768/95 permitem que, em vez de contactar o agricultor, o titular se dirija a cooperativas, transformadores ou fornecedores de material de propagação das suas variedades protegidas sujeito a licença, autorizados a facultar essa informação pelos interessados, caso em que não é necessário identificar individualmente os agricultores.

Estas disposições também confirmam, por um lado, que, para que o titular exerça validamente o seu direito à informação sobre uma variedade, é necessário que o agricultor tenha anteriormente cultivado material de propagação dessa variedade. Por outro lado, confirmam que o titular está ao corrente de quem fornece e forneceu material de propagação a determinados agricultores durante várias campanhas de comercialização.

54.     O artigo 8.°, n.° 3, segundo parágrafo, do Regulamento n.° 1768/95, que determina as campanhas em relação às quais o agricultor tem que fornecer a informação relativa ao uso do privilégio, confirma o papel determinante que o titular desempenha ou é chamado a desempenhar na cadeia de comercialização das suas variedades vegetais protegidas. De acordo com esta norma, a primeira campanha de comercialização será aquela em que tiver sido feito o primeiro pedido de informação quanto à variedade e ao agricultor, desde que o titular se tenha assegurado de que o agricultor, ao adquirir material de propagação da variedade protegida ou antes, foi informado, pelo menos, da apresentação do pedido de protecção comunitária da variedade vegetal ou da sua concessão, bem como das condições relativas à utilização desse material.

55.     Desta norma resulta claramente, por um lado, que só se pode pedir informação ao agricultor depois de este ter comprado, conscientemente, uma variedade vegetal protegida e, por outro, que existem obrigações que o titular deve cumprir relativamente ao agricultor por ocasião da compra de semente. Caem, pois, pela base tanto as alegações da Saatgut‑Treuhandverwaltungs de que os agricultores são obrigados a prestar informações aos titulares, independentemente de alguma vez terem comprado sementes de variedades protegidas, como as da impossibilidade de o titular saber quem as adquiriu.

56.     Resulta, pois, do teor literal das normas cuja interpretação o órgão jurisdicional alemão solicita, bem como do seu contexto e da finalidade que prosseguem  (10) , que a obrigação de fornecer ao titular de uma variedade vegetal protegida a informação pertinente em relação à utilização do privilégio, visa todos os agricultores que tenham adquirido sob licença o material de multiplicação dessa variedade, única condição para que o titular tenha direito a pedir os dados.

Em consequência, a obrigação de informação, cujo incumprimento pode provocar um processo judicial, como se demonstra no presente processo, não tem que ser extensiva, como pretende a Saatgut‑Treuhandverwaltungs, aos agricultores que nunca adquiriram material de multiplicação da variedade protegida do titular, por se encontrarem na impossibilidade técnica de utilizar o produto da colheita.

57.     É certo que o titular é incapaz de comprovar, caso a caso, se os agricultores se servem nas suas terras, com fim de multiplicação, do produto colhido depois de cultivarem a sua variedade protegida  (11) . Porém, tendo em conta que qualquer uso dos componentes dessa variedade está sujeito à sua autorização, que ele pode estabelecer condições ou restrições quando a concede e que o controlo do respeito dos seus direitos lhe cabe em exclusividade, lógico seria que se organizasse, a supor que não o tenha já feito, para estar permanentemente informado, através dos intermediários e fornecedores de sementes, sobre quem é que adquire material de propagação. Com este dado, pode dirigir mais acertadamente os seus pedidos de informação a agricultores que sejam obrigados a proporcioná‑la.

A pretensão da sociedade Saatgut‑Treuhandverwaltungs de poder dirigir‑se indiscriminadamente a todos os agricultores de um país para que preencham um formulário sobre a utilização do produto da colheita de uma variedade protegida parece‑me desproporcionada. É, além disso, desnecessária para proteger os legítimos interesses dos titulares que, como já indiquei, dispõem de outros meios mais certeiros para obterem a informação pertinente, a que, sem dúvida, têm direito.

58.     Pelas razões expostas, considero que o artigo 14.°, n.° 3, sexto travessão, do Regulamento n.° 2100/94, conjugado com o artigo 8.° do Regulamento n.° 1768/95, deve ser interpretado no sentido de que apenas são obrigados a informar o titular de uma variedade vegetal protegida, sobre o cultivo nas suas terras do produto colhido com material de propagação da variedade, os agricultores que tenham adquirido esse material no passado e que estejam, portanto, em condições de o ter cultivado, independentemente de o terem feito ou não.

Conclusão

59.     De acordo com as considerações expostas, proponho ao Tribunal de Justiça que dê a seguinte resposta às questões colocadas pelo Oberlandesgericht Düsseldorf:

«1)
Uma sociedade por quotas, regida pela lei alemã, pode constituir uma ‘organização de titulares’ na acepção do artigo 3.°, n.° 2, do Regulamento (CE) n.° 1768/95 da Comissão, de 24 de Julho de 1995, que estabelece as regras de aplicação relativas à excepção agrícola prevista no n.° 3 do artigo 14.° do Regulamento (CE) n.° 2100/94 do Conselho, relativo ao regime comunitário de protecção das variedades vegetais e, como tal, invocar os direitos previstos no n.° 1, a favor de titulares de variedades vegetais, desde que sejam sócios, lhe tenham conferido mandato por escrito e que actue em seu nome. Essa sociedade pode defender igualmente esses direitos em nome dos titulares de variedades vegetais, membros de uma associação que seja sócia, desde que lhe tenham conferido mandato por escrito. Em contrapartida, não representa quem não for sócio nem membro de uma associação que tenha a referida qualidade de sócio.

2)
O artigo 14.°, n.° 3, sexto travessão, do Regulamento n.° 2100/94 do Conselho, de 27 de Julho de 1994, relativo ao regime comunitário de protecção das variedades vegetais, conjugado com o artigo 8.° do Regulamento n.° 1768/95, deve ser interpretado no sentido de que apenas são obrigados a informar o titular de uma variedade vegetal protegida, sobre o cultivo nas suas terras do produto colhido com material de propagação da variedade, os agricultores que tenham adquirido esse material no passado e que estejam, portanto, em condições de o ter cultivado, independentemente de o terem feito ou não.»


1
Língua original: espanhol.


2
Regulamento do Conselho, de 27 de Julho de 1994 (JO L 227, p. 1), alterado pelo Regulamento n.° 2506/95 do Conselho, de 25 de Outubro de 1995 (JO L 258, p. 3). As alterações não afectam o teor das disposições cuja interpretação é pedida neste processo prejudicial.


3
Regulamento da Comissão, de 24 de Julho de 1995 (JO L 173, p. 14). A Comissão adoptou legislação de desenvolvimento em mais duas ocasiões. Trata‑se do Regulamento (CE) n.° 1238/95 da Comissão, de 31 de Maio de 1995, que estabelece normas de execução do Regulamento (CE) n.° 2100/94 do Conselho no que diz respeito às taxas a pagar ao Instituto comunitário das variedades vegetais (JO L 121, p. 31) e do Regulamento (CE) n.° 1239/95 da Comissão, de 31 de Maio de 1995, que estabelece normas de execução do Regulamento (CE) n.° 2100/94 do Conselho no que respeita ao processo no referido Instituto (JO L 121, p. 37).


4
Em resposta à pergunta que lhe coloquei na audiência, o representante da demandante no processo principal informou o Tribunal de Justiça de que tanto os seus sócios como os da Bundesverband Deutsher Pflanzenschützer são titulares de variedades vegetais protegidas.


5
Despacho de 4 de Fevereiro de 2000 (C‑17/98, Colect., p. I‑675).


6
Processo Schulin, já referido.


7
V. as minhas conclusões no processo C‑466/00 Arben Kaba, apresentadas em 11 de Julho de 2002, n.os 108 e 109.


8
Em resposta à pergunta que lhe coloquei na audiência, o mandatário da Saatgut‑Treuhandverwaltungs reconheceu que o facto de ter proposto uma acção, a tentativa posterior de desistência e o manter acções similares noutros processos se devia a uma «estratégia» tecida para responder às conclusões do advogado‑geral.


9
Nestas condições, se o legislador se tivesse querido referir ao conjunto dos agricultores da Comunidade, deveria tê‑lo assinalado, especificando que todos eram obrigados a informar os titulares, independentemente de terem semeado na sua exploração semente certificada de alguma das espécies vegetais agrícolas cuja lista consta do n.° 2 do artigo 14.° do Regulamento n.° 2100/94. Em qualquer caso, há expressões mais abrangentes do que a de «os agricultores», que o legislador poderia ter utilizado, como, por exemplo, «todos los agricultores», «cualquier agricultor», «tous les agriculteurs», «l’ensemble des agriculteurs», «chaque agriculteur», «all farmers», «every farmer», «alle Landwirte» ou «jeder Landwirt».


10
Acórdão de 18 de Maio de 2000, KVS International (C‑301/98, Colect., p. I‑3583, n.° 21). Ver também os acórdãos de 17 de Novembro de 1983, Merck Hauptzollamt Hamburg‑Jonas (292/82, Recueil, p. 3781, n.° 12) e de 14 de Outubro de 1999, Adidas, C‑223/98, Colect., p. I‑7081, n.° 23).


11
Kiewiet, B.P., presidente do Instituto Comunitário das Variedades Vegetais, na exposição apresentada em Einbeck, em 26 de Janeiro de 2001, sobre Modern Plant Breeding and Intellectual Property Rights, p. 2, afirma: «Taking action against farmers who are not prepared to pay involves considerable expense (not least legal costs) and is made even more difficult by the lack of adequate information about the extent of the use of seed from protected varieties at individual farm level». Publicada em www.cpvo.fr/e/articles ocvv/speech bk.pdf.