Language of document : ECLI:EU:T:2022:15

ACÓRDÃO DO TRIBUNAL GERAL (Sétima Secção alargada)

19 de janeiro de 2022 (*)

«Recurso de anulação com pedido de indemnização — Concorrência — Abuso de posição dominante — Mercado eslovaco dos serviços de telecomunicações de banda larga — Decisão que declara a existência de uma infração ao artigo 102.o TFUE e ao artigo 54.o do Acordo EEE — Acórdão que anula parcialmente a decisão e reduz o montante da coima aplicada — Recusa da Comissão em pagar juros de mora — Artigo 266.o TFUE — Artigo 90.o, n.o 4, alínea a), do Regulamento Delegado (UE) n.o 1268/2012 — Violação suficientemente caracterizada de uma norma jurídica que confere direitos aos particulares — Privação do gozo do montante da coima indevidamente pago — Lucros cessantes — Juros de mora — Taxa — Prejuízo»

No processo T‑610/19,

Deutsche Telekom AG, com sede em Bona (Alemanha), representada por P. Linsmeier, U. Soltész, C. von Köckritz e P. Lohs, advogados,

recorrente,

contra

Comissão Europeia, representada por P. Rossi e L. Wildpanner, na qualidade de agentes,

recorrida,

que tem por objeto, por um lado, um pedido nos termos do artigo 263.o TFUE e destinado a obter a anulação da decisão da Comissão, de 28 de junho de 2019, que recusou o pagamento de juros de mora à recorrente sobre o montante principal da parte da coima reembolsada na sequência do Acórdão de 13 de dezembro de 2018, Deutsche Telekom/Comissão (T‑827/14, EU:T:2018:930), e, por outro lado, um pedido nos termos do artigo 268.o TFUE e destinado a obter a indemnização por lucros cessantes devido à privação do gozo do referido montante principal ou, a título subsidiário, dos danos resultantes da recusa da Comissão em pagar juros de mora sobre esse montante,

O TRIBUNAL GERAL (Sétima Secção alargada),

composto por: R. da Silva Passos (relator), presidente, V. Valančius, I. Reine, L. Truchot e M. Sampol Pucurull, juízes,

secretário: S. Jund, administradora,

vistos os autos e após a audiência de 30 de junho de 2021,

profere o presente

Acórdão

 Antecedentes do litígio

1        Em 15 de outubro de 2014, a Comissão Europeia adotou a Decisão C(2014) 7465 final, relativa a um processo nos termos do artigo 102.o TFUE e do artigo 54.o do Acordo EEE (processo AT.39523 — Slovak Telekom), conforme retificada pela sua Decisão C(2014) 10119 final, de 16 de dezembro de 2014, e pela sua Decisão C(2015) 2484 final, de 17 de abril de 2015 (a seguir «Decisão de 2014»). Os artigos 1.o e 2.o da Decisão de 2014 têm a seguinte redação:

«Artigo 1. o

1.      A empresa constituída pela Deutsche Telekom AG e pela Slovak Telekom a.s. cometeu uma infração única e continuada ao artigo 102.o do Tratado e ao artigo 54.o do Acordo EEE.

2.      A infração durou de 12 de agosto de 2005 a 31 de dezembro de 2010 e consistiu nas seguintes práticas:

a)      Dissimulação aos operadores alternativos de informações relativas à rede necessárias para a desagregação dos lacetes locais;

b)      Redução do âmbito de aplicação das suas obrigações referentes à desagregação dos lacetes locais;

c)      Fixação de modalidades e condições não equitativas na sua oferta de referência em matéria de desagregação relativamente à partilha de locais, qualificação, previsões, reparações e garantias bancárias;

d)      Aplicação de tarifas não equitativas que não permitem a um operador igualmente eficaz, através do acesso grossista aos lacetes locais desagregados da Slovak Telekom a.s., reproduzir sem incorrer perdas os serviços a retalho oferecidos pela Slovak Telekom a.s.

Artigo 2. o

Para a infração referida no artigo 1.o, são aplicadas as seguintes coimas:

a)      Uma coima de 38 838 000 euros à Deutsche Telekom AG e à Slovak Telekom a.s., solidariamente;

b)      Uma coima de 31 070 000 euros à Deutsche Telekom AG.

As coimas são pagáveis em euros no prazo de três meses a contar da data de notificação da presente decisão na seguinte conta bancária em nome da Comissão Europeia:

[…]

As coimas vencem juros de pleno direito a partir do termo do referido prazo, à taxa aplicada pelo Banco Central Europeu às suas principais operações de refinanciamento no primeiro dia do mês em que a presente decisão foi adotada, acrescida de 3,5 pontos percentuais.

Se uma empresa referida no artigo 1.o interpuser recurso, deve cobrir o montante da coima no prazo atribuído, seja constituindo uma garantia bancária aceitável, seja procedendo ao pagamento provisório da coima, nos termos do artigo 90.o do Regulamento Delegado (UE) n.o 1268/2012 da Comissão[, de 29 de outubro de 2012, sobre as normas de execução do Regulamento (UE, Euratom) n.o 966/2012 do Parlamento Europeu e do Conselho, relativo às disposições financeiras aplicáveis ao orçamento geral da União (JO 2012, L 362, p. 1)].»

2        Em 24 de dezembro de 2014, a recorrente, Deutsche Telekom AG, interpôs recurso da Decisão de 2014. Este recurso foi registado sob o número T‑827/14.

3        Em 16 de janeiro de 2015, a recorrente pagou a coima de 31 070 000 euros de que era a única devedora.

4        Por Acórdão de 13 de dezembro de 2018, Deutsche Telekom/Comissão (T‑827/14, EU:T:2018:930), o Tribunal Geral considerou que, na Decisão de 2014, a Comissão não demonstrou que a prática tarifária da Slovak Telekom a.s., referida no artigo 1.o, n.o 2, alínea d), da mesma decisão, tenha produzido efeitos de evicção antes de 1 de janeiro de 2006. Por outro lado, considerou que o volume de negócios da recorrente não era suscetível de caracterizar o comportamento individual desta na prática da infração em causa e que o referido volume de negócios não podia, portanto, servir de fundamento para o cálculo de uma coima adicional aplicada exclusivamente à recorrente a título dissuasivo.

5        Assim, em primeiro lugar, o Tribunal Geral anulou o artigo 1.o, n.o 2, alínea d), da Decisão de 2014, na medida em que esta disposição declarava que, no período compreendido entre 12 de agosto e 31 de dezembro de 2005, a recorrente tinha aplicado tarifas não equitativas que não permitiam a um operador igualmente eficaz, através do acesso grossista aos lacetes locais desagregados da Slovak Telekom, reproduzir sem incorrer em perdas os serviços retalhistas oferecidos por esta última.

6        Em segundo lugar, o Tribunal Geral anulou o artigo 2.o da Decisão de 2014 na medida em que fixava o montante da coima a cujo pagamento a Slovak Telekom e a recorrente eram solidariamente obrigadas em 38 838 000 euros e o montante da coima que era unicamente aplicada à recorrente em 31 070 000 euros.

7        Em terceiro lugar, por um lado, o Tribunal Geral reduziu o montante da coima a que eram solidariamente obrigadas a Slovak Telekom e a recorrente em 776 037 euros e fixou esse montante em 38 061 963 euros. Por outro lado, o Tribunal Geral reduziu o montante da coima que era unicamente aplicada à recorrente em 12 039 019 euros e fixou esse montante em 19 030 981 euros.

8        Em quarto lugar, o Tribunal Geral negou provimento ao recurso quanto ao restante e repartiu as despesas.

9        Na sequência de uma troca de correspondência que teve início em 13 de dezembro de 2018, a Comissão, em 19 de fevereiro de 2019, devolveu à recorrente o montante de 12 039 019 euros.

10      Em 12 de março de 2019, a recorrente pediu à Comissão que lhe pagasse juros de mora relativamente ao período compreendido entre, por um lado, 16 de janeiro de 2015, data em que pagou o montante da coima de que era a única devedora (v. n.o 3, supra), e, por outro, em 19 de fevereiro de 2019, data em que a Comissão a reembolsou da parte da coima considerada indevida no Acórdão de 13 de dezembro de 2018, Deutsche Telekom/Comissão (T‑827/14, EU:T:2018:930) (v. n.o 9, supra). Os juros de mora cujo pagamento a recorrente reclamava ascendiam a 1 750 522,832 euros e correspondiam à aplicação de uma taxa de 3,55 % ao montante de 12 039 019 euros de que tinha sido reembolsada pela Comissão. A taxa de 3,55 % representava a taxa aplicada pelo Banco Central Europeu (BCE) às suas principais operações de refinanciamento em janeiro de 2015, a saber, 0,05 %, acrescida de três pontos e meio percentuais.

11      Por ofício de 28 de junho de 2019 (a seguir «decisão impugnada»), a Comissão recusou pagar juros de mora à recorrente.

12      Em primeiro lugar, na decisão impugnada, a Comissão declarou que, em 19 de fevereiro de 2019, tinha reembolsado o montante nominal da coima excedentária, ou seja, a diferença entre o montante da coima inicialmente aplicada à recorrente na Decisão de 2014 e o montante da coima efetivamente devida na sequência da redução efetuada pelo Tribunal Geral no Acórdão de 13 de dezembro de 2018, Deutsche Telekom/Comissão (T‑827/14, EU:T:2018:930). A Comissão precisou que o montante nominal da coima excedentária não era acrescido de juros pelo facto de os rendimentos provenientes desse montante serem negativos.

13      Na decisão impugnada, a Comissão remeteu para o artigo 90.o do seu Regulamento Delegado (UE) n.o 1268/2012, de 29 de outubro de 2012, sobre as normas de execução do Regulamento (UE, Euratom) n.o 966/2012 do Parlamento Europeu e do Conselho, relativo às disposições financeiras aplicáveis ao orçamento geral da União (JO 2012, L 362, p. 1).

14      A este respeito, a Comissão explicou que, quando as coimas eram pagas provisoriamente enquanto se aguardava o esgotamento das vias de recurso, devia salvaguardar os montantes recebidos provisoriamente «investindo‑os em ativos financeiros de modo a garantir a segurança e a liquidez das verbas, ao mesmo tempo que visava auferir uma remuneração». Estas explicações correspondem, em substância, ao disposto no artigo 90.o, n.o 2, do Regulamento Delegado n.o 1268/2012.

15      A Comissão recordou igualmente o disposto no artigo 90.o, n.o 4, alínea a), do Regulamento Delegado n.o 1268/2012, a saber, que, «[…] anulada ou reduzida a multa ou sanção, […] os montantes indevidamente recebidos, bem como os juros vencidos, são reembolsados [e, quando] a remuneração global gerada para o período em causa tiver sido negativa, é reembolsado o valor nominal dos montantes indevidamente cobrados».

16      Em segundo lugar, na decisão impugnada, a Comissão examinou o argumento da recorrente segundo o qual esta última, em conformidade com o Acórdão de 12 de fevereiro de 2019, Printeos/Comissão (T‑201/17, EU:T:2019:81), podia cobrar juros de mora até à taxa aplicada pelo BCE às suas principais operações de refinanciamento, acrescida de três pontos e meio percentuais. Em resposta a este argumento, explicou que aquele acórdão não constituía a base jurídica do pagamento dos juros de mora que era reclamado pela recorrente. Além disso, alegou que o referido acórdão não tinha revogado as obrigações que lhe incumbiam por força do artigo 90.o, n.o 4, alínea a), do Regulamento Delegado n.o 1268/2012. Por último, indicou que tinha interposto recurso desse acórdão, o qual não era, portanto, definitivo.

17      Com base nestas explicações, a Comissão concluiu que não podia satisfazer o pedido formulado pela recorrente de que lhe pagasse juros de mora sobre a parte do montante da coima que o Tribunal Geral tinha considerado indevida no Acórdão de 13 de dezembro de 2018, Deutsche Telekom/Comissão (T‑827/14, EU:T:2018:930).

 Tramitação processual e pedidos das partes

18      Por petição apresentada na Secretaria do Tribunal Geral em 9 de setembro de 2019, a recorrente interpôs o presente recurso.

19      Em 2 de outubro de 2019, a Comissão pediu a suspensão da instância nos termos do artigo 69.o, alínea a), do Regulamento de Processo do Tribunal Geral, enquanto se aguardava a decisão que pôs termo à instância no processo que deu origem ao Acórdão de 20 de janeiro de 2021, Comissão/Printeos (C‑301/19 P, EU:C:2021:39). Em 10 de outubro de 2019, a recorrente opôs‑se a esse pedido. Em 22 de outubro de 2019, o presidente da Nona Secção do Tribunal Geral decidiu não suspender a instância.

20      A fase escrita do processo foi encerrada em 8 de maio de 2020.

21      Em 25 de fevereiro de 2021, no âmbito das medidas de organização do processo previstas no artigo 89.o do Regulamento de Processo, as partes foram convidadas a pronunciar‑se sobre as conclusões que retiravam, no âmbito do presente processo, do Acórdão de 20 de janeiro de 2021, Comissão/Printeos (C‑301/19 P, EU:C:2021:39). As partes deram cumprimento a este pedido no prazo fixado.

22      Sob proposta da Sétima Secção, o Tribunal Geral decidiu, nos termos do artigo 28.o do Regulamento de Processo, remeter o processo a uma formação de julgamento alargada.

23      Sob proposta do juiz‑relator, o Tribunal Geral (Sétima Secção alargada) decidiu dar início à fase oral do processo e convidou as partes a responder a várias questões escritas. A Comissão foi igualmente convidada a apresentar um documento. As partes deram cumprimento a este pedido no prazo fixado.

24      Na audiência de 30 de junho de 2021, as partes apresentaram alegações e responderam às questões colocadas pelo Tribunal Geral.

25      A recorrente concluiu pedindo que o Tribunal Geral se digne:

—        anular a decisão impugnada;

—        condenar a União Europeia, representada pela Comissão, a indemnizá‑la no montante de 2 580 374,07 euros pelo prejuízo sofrido em consequência de, no período compreendido entre 16 de janeiro de 2015 e 19 de fevereiro de 2019, não ter podido dispor do montante que tinha pago indevidamente, pelo que não pôde obter o rendimento que esse montante lhe teria permitido obter em condições normais nem reduzir as suas despesas de capital em conformidade;

—        a título subsidiário, caso o Tribunal Geral julgue improcedente o segundo pedido, indemnizá‑la no montante de 1 750 522,83 euros pelo prejuízo sofrido em consequência de a Comissão, no que respeita ao período compreendido entre 16 de janeiro de 2015 e 19 de fevereiro de 2019, ter recusado pagar‑lhe juros de mora sobre o montante de 12 039 019 euros, com base na taxa aplicada pelo BCE às suas principais operações de refinanciamento, acrescida de três pontos e meio percentuais;

—        a título ainda mais subsidiário, indemnizá‑la num montante que o Tribunal Geral considere adequado, calculado com base numa taxa de juros de mora considerada apropriada pelo Tribunal;

—        declarar que o montante a pagar pela Comissão em conformidade com o segundo, terceiro ou quarto pedidos vencerá juros durante o período compreendido entre a data da prolação do acórdão no presente processo e a data do pagamento integral pela Comissão com base na taxa aplicada pelo BCE às suas principais operações de refinanciamento, acrescida de três pontos e meio percentuais ou, a título subsidiário, com base noutra taxa de juros de mora que o Tribunal Geral considere apropriada;

—        condenar a Comissão e a União nas despesas.

26      A Comissão concluiu pedindo que o Tribunal Geral se digne:

—        negar provimento ao recurso;

—        condenar a recorrente nas despesas.

 Questão de direito

27      Com o seu primeiro pedido, a recorrente requer a anulação da decisão impugnada. Com os seus segundo a quarto pedidos, requer, a título principal, a indemnização por lucros cessantes devido à privação do gozo do montante principal da parte da coima indevidamente paga e, a título subsidiário, a reparação do prejuízo que sofreu devido à recusa da Comissão de pagar juros de mora sobre esse montante. Com o seu quinto pedido, requer a condenação da Comissão no pagamento de juros de mora, a contar da prolação do acórdão a proferir e até integral pagamento, sobre o montante que deve ser pago por aquela em conformidade com o segundo, o terceiro ou o quarto pedidos.

28      Nas circunstâncias do processo em apreço, o Tribunal Geral considera oportuno examinar, num primeiro momento, os pedidos de indemnização e o pedido de condenação no pagamento de juros de mora a contar da prolação do presente acórdão. Num segundo momento, será tratado o pedido de anulação.

 Quanto aos pedidos de indemnização

29      Com o seu segundo pedido, a recorrente requer, a título principal, a indemnização por lucros cessantes devido à privação do gozo do montante da coima que pagou indevidamente durante o período compreendido entre 15 de janeiro de 2015 e 19 de fevereiro de 2019. Com o terceiro pedido, requer, a título subsidiário, a reparação do prejuízo que sofreu durante o mesmo período devido à recusa da Comissão, contrária ao artigo 266.o, primeiro parágrafo, TFUE, de lhe pagar juros de mora com base na taxa aplicada pelo BCE às suas principais operações de refinanciamento, acrescida de três pontos e meio percentuais. Com o quarto pedido, reclama, a título ainda mais subsidiário, a reparação do prejuízo que sofreu em consequência dos juros de mora não pagos com base numa taxa de juros de mora que o Tribunal Geral considere adequada. Com o quinto pedido, requer a condenação da Comissão no pagamento de juros de mora a contar da prolação do acórdão no presente processo.

30      O artigo 340.o, segundo parágrafo, TFUE prevê que, em matéria de responsabilidade extracontratual, a União deve indemnizar, de acordo com os princípios gerais comuns aos direitos dos Estados‑Membros, os danos causados pelas suas instituições ou pelos seus agentes no exercício das suas funções.

31      Segundo jurisprudência constante, a responsabilidade extracontratual da União está sujeita à verificação de um conjunto de condições, nomeadamente a existência de uma violação suficientemente caracterizada de uma norma jurídica que tenha por objeto conferir direitos aos particulares, a realidade do dano e a existência de um nexo de causalidade entre o incumprimento da obrigação que incumbe ao autor do ato e o prejuízo sofrido pelas pessoas lesadas (v. Acórdão de 10 de setembro de 2019, HTTS/Conselho, C‑123/18 P, EU:C:2019:694, n.o 32 e jurisprudência referida).

32      Quando uma destas condições não está preenchida, deve ser negado provimento ao recurso na totalidade, sem necessidade de apreciar os outros requisitos da responsabilidade extracontratual da União. Por outro lado, o juiz da União não é obrigado a examinar estas condições segundo uma ordem determinada (v. Acórdão de 5 de setembro de 2019, União Europeia/Guardian Europe e Guardian Europe/União Europeia, C‑447/17 P e C‑479/17 P, EU:C:2019:672, n.o 148 e jurisprudência referida).

33      É à luz destas considerações que devem ser examinados os pedidos formulados pela recorrente.

 Quanto ao pedido de indemnização formulado a título principal e cujo objeto é a indemnização por lucros cessantes em razão da privação do gozo do montante da coima indevidamente paga

34      A título principal, a recorrente pede a indemnização por lucros cessantes que ascendem a 2 580 374,07 euros e que correspondem, em substância, ao rendimento anual dos seus capitais mobilizados (a seguir «RCM») ou ao custo médio ponderado do seu capital (a seguir «CMPC») no período compreendido entre 2015 e 2018. A recorrente sustenta que esse prejuízo lhe foi causado por uma violação suficientemente caracterizada do artigo 266.o, primeiro parágrafo, TFUE e do artigo 23.o, n.os 2 e 3, do Regulamento (CE) n.o 1/2003 do Conselho, de 16 de dezembro de 2002, relativo à execução das regras de concorrência estabelecidas nos artigos [101.o e 102.o TFUE] (JO 2003, L 1, p. 1).

35      Mais precisamente, a recorrente invoca um lucro cessante com o fundamento de que, se tivesse podido continuar a gerir o montante de que foi ilegalmente privada, teria podido obter rendimentos. Explica que, com a quantia correspondente ao montante da coima indevidamente paga, teria podido realizar atividades económicas e financiar investimentos. Nesse caso, teria obtido menos capitais externos (e teria, por isso, economizado custos de capital) ou teria podido, com o montante da coima indevidamente pago, financiar investimentos suplementares e obter um rendimento mais elevado.

36      A este respeito, por um lado, a recorrente pormenoriza o seu RCM entre 2015 e 2018. Explica que a aplicação desse rendimento ao montante de 12 039 019 euros, a saber, o montante da coima indevidamente paga, permite avaliar o seu prejuízo em 2 580 374,07 euros. Esclarece que, entre 2015 e 2018, concretizou numerosas possibilidades de investimento, como o desenvolvimento de redes de fibra ótica, a construção de novas antenas de rede de telefonia móvel ou o alargamento da oferta de serviços de armazenamento no âmbito da computação em nuvem. Daí deduz que, se tivesse disposto do montante indevidamente pago à Comissão, teria podido utilizá‑lo igualmente para as referidas atividades de investimento.

37      Por outro lado, a recorrente explica que se verifica uma imagem muito semelhante se basear o cálculo do seu prejuízo no seu CMPC após impostos durante o mesmo período. Precisa que, no setor das telecomunicações, o CMPC constitui um valor de referência reconhecido para realizar uma estimativa económica das medidas de investimento e é determinante para os objetivos de rendimento de uma empresa. Remete, a este respeito, para o n.o 2 da Comunicação da Comissão relativa ao cálculo do custo do capital para infraestruturas preexistentes no contexto da análise de notificações nacionais por parte da Comissão no setor das comunicações eletrónicas da UE (JO 2019, C 375, p. 1). Em seu entender, o facto de os valores do CMPC constituírem, no que lhe diz respeito, dados individuais exatos resulta dos valores que são determinados anualmente pela Bundesnetzagentur (Agência Federal das Redes, Alemanha) e que são superiores ao CMPC médio em que baseia o seu direito à reparação. Apresenta igualmente uma estimativa, efetuada por um gabinete de consultoria, dos CMPC regulamentares nos Estados‑Membros.

38      A Comissão contesta os argumentos da recorrente.

39      Segundo jurisprudência constante, o prejuízo cujo ressarcimento é pedido no âmbito de uma ação de indemnização por responsabilidade extracontratual da União deve ser real e certo, cabendo à parte demandante a respetiva prova (v. Acórdão de 9 de novembro de 2006, Agraz e o./Comissão, C‑243/05 P, EU:C:2006:708, n.o 27 e jurisprudência referida). Compete a esta última apresentar provas concludentes da existência e extensão do prejuízo que invoca (v. Acórdão de 16 de setembro de 1997, Blackspur DIY e o./Conselho e Comissão, C‑362/95 P, EU:C:1997:401, n.o 31 e jurisprudência referida).

40      Em primeiro lugar, há que salientar que a recorrente não demonstra que teria necessariamente investido o montante de que foi privada nas suas atividades. Com efeito, o montante que foi julgado indevido pelo Tribunal Geral e que tinha sido previamente pago em excesso pela recorrente podia ser utilizado para muitos outros fins.

41      Em segundo lugar, a recorrente não demonstra que a privação do gozo do montante da coima indevidamente paga à Comissão a levou a renunciar a projetos específicos suscetíveis de lhe conferir um montante equivalente ao RCM ou ao CMPC.

42      No que respeita ao RCM, invocado pela recorrente, refira‑se que corresponde a uma rentabilidade média de todos os seus investimentos através da totalidade do capital (fundos próprios e dívidas a longo prazo) que utilizou.

43      É certo que, na réplica, a recorrente menciona, a respeito do RCM, vários investimentos, concretamente investimentos de cerca de 1,7 mil milhões de euros para a aquisição de novas licenças de telefonia móvel, investimentos de cerca de 108,1 milhões de euros para despesas de investigação e desenvolvimento e investimentos de cerca de 101,3 milhões de euros em ativos incorpóreos que devem ser potenciados e que ela própria constituiu.

44      Todavia, a recorrente limita‑se, sem mais precisões, a alegar que, com a quantia de que foi privada, poderia ter financiado investimentos suplementares. Por conseguinte, não identifica concretamente um projeto preciso no qual poderia ter investido e ao qual tenha renunciado. Pelo contrário, sustenta que, entre 2015 e 2018, concretizou numerosas possibilidades de investimento. Por outro lado, não apresenta o rendimento de cada um dos projetos que cita.

45      No que respeita ao CMPC, é definido como o custo médio ponderado de todas as fontes de financiamento da empresa. Mais precisamente, constitui o custo médio ponderado dos capitais próprios (uma taxa sem risco associado a um prémio de risco de mercado adaptado às características da empresa através de um coeficiente beta) e da dívida. O custo dos capitais próprios e o custo da dívida são custos previstos e não custos preexistentes. Com efeito, o CMPC corresponde a uma expectativa dos investidores ex ante como contrapartida de uma assunção de riscos.

46      Ora, em apoio das suas pretensões, a recorrente invoca um CMPC anual, isto é, uma taxa média para a totalidade dos seus projetos e não a taxa aplicável a um projeto específico. Tal como para o seu pedido baseado no RCM, não identificou um projeto específico ao qual teria afetado a quantia de que foi privada e também não identifica a taxa de rendimento que teria obtido se o projeto específico em causa tivesse efetivamente sido realizado, facto que foi novamente confirmado na audiência em resposta a uma questão do Tribunal.

47      Em terceiro lugar, a recorrente não demonstra que não dispunha dos fundos necessários para aproveitar uma oportunidade de investimento relativa a um investimento específico ou, mais genericamente, que não dispunha de uma fonte alternativa de financiamento. A este respeito, é verdade que, na réplica, a recorrente explica que o seu nível de endividamento é elevado e que trabalha no limite das suas possibilidades financeiras. Todavia, há que salientar que o montante de que foi privada é modesto relativamente ao seu balanço, aos seus fundos próprios e às suas dívidas, que ascendem a várias dezenas de milhares de milhões de euros. Como salienta a Comissão, os elementos de prova apresentados pela recorrente na réplica mostram que esta última dispunha de capitais próprios no montante de 45,6 mil milhões de euros para o terceiro trimestre de 2019. Por outro lado, resulta dos elementos de prova apresentados pela recorrente que esta última dispôs igualmente de liquidez e de equivalentes de liquidez consideráveis no período de 2015‑2019, que ascendiam, em média, a 5,4 mil milhões de euros. Ora, o montante da coima indevidamente pago corresponde a cerca de 0,22 % dessa liquidez e desses ativos equivalentes médios.

48      Assim, a recorrente não demonstrou que tinha sido impedida de realizar um investimento que teria gerado um rendimento correspondente ao RCM ou ao CMPC que invoca.

49      Esta conclusão não é posta em causa pelos argumentos da recorrente de que, no setor das telecomunicações, o CMPC constitui um valor de referência reconhecido para fazer uma estimativa económica de medidas de investimento e é determinante para os objetivos de rendimento de uma empresa.

50      Com efeito, por um lado, a Comissão explica, no n.o 2 da sua Comunicação relativa ao cálculo do custo de capital para infraestruturas preexistentes no contexto da [sua] análise de notificações nacionais no setor das comunicações eletrónicas da UE, que o custo de capital corresponde ao custo de oportunidade de realização de um «investimento específico» em vez de um investimento diferente com um risco idêntico. Acrescenta que o custo de capital corresponde à taxa de rendibilidade exigida por uma empresa para a realização de um «investimento específico». Por outro lado, a aplicação automática do CMPC da recorrente a qualquer privação de uma quantia em dinheiro de que foi vítima levaria a considerar que é certo que foi privada da oportunidade de investir num determinado projeto que teria produzido um rendimento equivalente a esse CMPC. Ora, tal abordagem não é compatível com o facto de o CMPC integrar um prémio de risco. Também não é compatível com a obrigação que recai sobre a recorrente de demonstrar que sofreu um prejuízo real e certo.

51      Nestas circunstâncias, a recorrente não demonstrou que sofreu um lucro cessante real e certo que possa basear‑se tanto no RCM como no CMPC.

52      Daqui resulta que o pedido formulado a título principal e que tem por objeto a indemnização por lucros cessantes, equivalente ao RCM ou ao CMPC da recorrente, devido à privação do gozo do montante da coima indevidamente pago deve ser julgado improcedente com o fundamento de que a condição relativa à demonstração da realidade e da certeza do prejuízo não está preenchida, sem que seja necessário examinar, por um lado, se a Comissão cometeu violações suficientemente caracterizadas de uma norma jurídica que tenha por objeto conferir direitos aos particulares e, por outro, se existe um nexo de causalidade suficiente entre as referidas violações suficientemente caracterizadas e os alegados lucros cessantes (v. n.o 32, supra).

 Quanto ao pedido de indemnização formulado a título subsidiário e que tem por objeto a reparação do prejuízo resultante da recusa da Comissão em pagar juros de mora

53      Em primeiro lugar, a recorrente sustenta que a recusa da Comissão em lhe pagar juros de mora constitui não só uma ilegalidade que afeta a decisão impugnada mas também uma violação suficientemente caracterizada do artigo 266.o, primeiro parágrafo, TFUE. Em segundo lugar, alega que essa violação suficientemente caracterizada é a causa direta do prejuízo que sofreu e que consiste nos juros de mora de que foi privada.

–       Quanto à existência de uma violação suficientemente caracterizada do artigo 266.o, primeiro parágrafo, TFUE

54      A recorrente alega, antes de mais, que, quando o juiz da União constata que foi indevidamente pago o montante de uma coima, o artigo 266.o, primeiro parágrafo, TFUE obriga a Comissão, quando reembolsa esse montante, a pagar juros de mora. Assim, uma recusa total de pagamento de juros de mora viola de forma suficientemente caracterizada a referida disposição.

55      Em seguida, a recorrente sustenta que o direito ao pagamento de juros de mora não é afetado pelo artigo 90.o, n.o 4, alínea a), do Regulamento Delegado n.o 1268/2012. Admitindo que esta disposição possa ser interpretada no sentido de que regula o direito ao pagamento de juros de mora, a recorrente invoca, com base no artigo 277.o TFUE, a ilegalidade desta disposição.

56      Por último, a recorrente considera que a obrigação de pagar juros de mora é gerada a partir do momento em que os recursos deixam de estar à disposição do interessado, ou seja, no caso em apreço, na data em que pagou a coima.

57      A Comissão responde, com base nos argumentos apresentados em resposta ao pedido de anulação, que não violou o artigo 266.o, primeiro parágrafo, TFUE e que tal violação, se devesse ser admitida, não era suficientemente caracterizada.

58      Em primeiro lugar, a Comissão sustenta que resulta do artigo 266.o, primeiro parágrafo, TFUE que apenas está obrigada a proceder a um reembolso baseado no princípio do enriquecimento sem causa. Por outras palavras, a referida disposição não lhe impõe que acresça juros de mora ao reembolso de uma coima indevidamente cobrada. A Comissão acrescenta que os órgãos jurisdicionais da União distinguem diferentes tipos de juros, concretamente os juros de mora, que têm caráter global e constituem uma sanção para um atraso no pagamento, os juros compensatórios, que são devidos por um prejuízo causado ilegalmente, e os juros vencidos, que devem ser restituídos em caso de reembolso.

59      Em segundo lugar, a Comissão alega que o pagamento que efetuou à recorrente tem em conta os juros vencidos em conformidade com o disposto no artigo 90.o do Regulamento Delegado n.o 1268/2012, em conjugação com o artigo 83.o do Regulamento (UE, Euratom) n.o 966/2012 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 25 de outubro de 2012, relativo às disposições financeiras aplicáveis ao orçamento geral da União e que revoga o Regulamento (CE, Euratom) n.o 1605/2002 do Conselho (JO 2012, L 298, p. 1; a seguir «Regulamento Financeiro»). Em seu entender, o pagamento dos juros vencidos destina‑se a indemnizar a recorrente pelo enriquecimento sem causa da Comissão devido à coima excedentária. Explica que, no processo em apreço, aplicou o montante da coima que a recorrente tinha pago, mas que o rendimento dessa aplicação foi negativo. Assim, o seu «enriquecimento» devido à coima excedentária paga pela recorrente foi negativo ou igual a zero. Além disso, a Comissão afirma que, na sequência da prolação do Acórdão de 13 de dezembro de 2018, Deutsche Telekom/Comissão (T‑827/14, EU:T:2018:930), teve em conta, sem demora, os juros vencidos a fim de restituir à recorrente o enriquecimento sem causa resultante do montante da coima indevidamente recebido.

60      Em terceiro lugar, a Comissão sustenta que não estava obrigada a pagar juros de mora.

61      Antes de mais, a Comissão explica que os juros de mora não podem ter por objetivo incentivá‑la a reembolsar, antes da prolação do acórdão que reduz o montante da coima, o montante que recebeu indevidamente. Acrescenta que os referidos juros não devem ser calculados a partir da data do pagamento da coima, concretamente, no caso em apreço, 16 de janeiro de 2015. Com efeito, considera que não se pode encontrar em situação de atraso no pagamento antes mesmo de o Tribunal Geral ter declarado a existência de uma obrigação de pagamento por parte desta, concretamente, no caso em apreço, antes do Acórdão de 13 de dezembro de 2018, Deutsche Telekom/Comissão (T‑827/14, EU:T:2018:930).

62      Em seguida, a Comissão sustenta que só está obrigada a pagar juros de mora quando se recusa a reembolsar uma coima e os juros vencidos na sequência de um acórdão proferido pelo juiz da União que reduz ou anula o montante dessa coima. Nesse caso, o ponto de partida da obrigação de pagar juros de mora é fixado após a prolação do acórdão em causa.

63      Por último, a Comissão considera que a exceção de ilegalidade suscitada contra o artigo 90.o, n.o 4, alínea a), do Regulamento Delegado n.o 1268/2012 é improcedente.

64      Em quarto lugar, a Comissão considera que o Acórdão de 20 de janeiro de 2021, Comissão/Printeos (C‑301/19 P, EU:C:2021:39), estabelece a obrigação de esta pagar um novo tipo de juros que o Tribunal de Justiça qualifica igualmente de «juros de mora». Interpreta o referido acórdão no sentido de que deve pagar este tipo de juros sem sequer se encontrar em mora, isto é, sem que esteja na situação de um devedor que não tenha pago, dentro do prazo, uma quantia exigível e determinada. Em seu entender, trata‑se, pelo contrário, de juros de natureza compensatória.

65      Além disso, a Comissão explica que a obrigação de pagamento de juros de mora prossegue dois objetivos, a saber, a indemnização do credor e a sanção da ilegalidade do comportamento do devedor que implica o pagamento tardio da sua dívida. Ora, considera que existe uma certa contradição entre estes dois objetivos. Com efeito, a coima que aplica não pode, durante o mesmo período e simultaneamente, por um lado, ser exigível em aplicação de uma decisão válida e executória com base no artigo 299.o TFUE e, por outro, dever ser reembolsada pela Comissão. Unicamente na hipótese excecional de a sua decisão ser qualificada de inexistente é que a obrigação de pagamento da coima constante dessa decisão seria, ex tunc, desprovida de qualquer fundamento jurídico. Assim, o Acórdão de 20 de janeiro de 2021, Comissão/Printeos (C‑301/19 P, EU:C:2021:39), deve ser entendido no sentido de que a obrigação de pagamento de juros de mora não visa punir um atraso no reembolso da coima. A obrigação de reembolsar a coima existe a partir do Acórdão de 13 de dezembro de 2018, Deutsche Telekom/Comissão (T‑827/14, EU:T:2018:930), como resulta do artigo 266.o, primeiro parágrafo, TFUE.

66      Em quinto lugar, a Comissão considera que os princípios estabelecidos no Acórdão de 20 de janeiro de 2021, Comissão/Printeos (C‑301/19 P, EU:C:2021:39), não são aplicáveis ao caso em apreço.

67      A este respeito, a Comissão explica que, no processo que deu origem ao Acórdão de 20 de janeiro de 2021, Comissão/Printeos (C‑301/19 P, EU:C:2021:39), o Tribunal Geral tinha previamente anulado toda a parte da sua decisão que aplicou uma coima à Printeos SA, por insuficiência de fundamentação. Assim, na sequência do Acórdão de 12 de fevereiro de 2019, Printeos/Comissão (T‑201/17, EU:T:2019:81), a Comissão poderia ter retomado o procedimento na fase da irregularidade detetada e exercer novamente o seu poder de aplicar coimas.

68      Em contrapartida, no Acórdão de 13 de dezembro de 2018, Deutsche Telekom/Comissão (T‑827/14, EU:T:2018:930), o Tribunal Geral reduziu e, portanto, alterou o montante da coima no exercício da sua competência de plena jurisdição com base no artigo 261.o TFUE e no artigo 31.o do Regulamento n.o 1/2003.

69      No processo que deu origem ao Acórdão de 13 de dezembro de 2018, Deutsche Telekom/Comissão (T‑827/14, EU:T:2018:930), o poder de aplicar sanções foi transferido para o juiz da União e o Tribunal Geral substituiu‑se à Comissão para proceder a uma nova fixação do montante da coima. O exercício deste poder pelo Tribunal Geral apenas pode produzir efeitos ex nunc. A redução do montante da coima é o resultado da própria apreciação do Tribunal Geral que substituiu a da Comissão. O próprio Tribunal Geral apreciou a situação de facto e exerceu o poder de aplicar sanções. Esta redução do montante da coima foi fixada pela primeira vez na data do acórdão proferido pelo Tribunal Geral. Anteriormente, não havia dívida por parte da Comissão nem, a fortiori, um montante determinado.

70      A Comissão deduz daí que, quando os órgãos jurisdicionais da União exercem a sua competência de plena jurisdição, não é possível uma aplicação ex tunc de juros de mora.

71      A título preliminar, importa observar que o artigo 266.o, primeiro parágrafo, TFUE é uma norma jurídica que tem por objeto conferir direitos aos particulares. Com efeito, esta disposição prevê uma obrigação absoluta e incondicional de a instituição autora do ato anulado tomar, no interesse do recorrente que obteve ganho de causa, as medidas necessárias à execução do acórdão de anulação, que corresponde a um direito do recorrente ao pleno respeito da referida obrigação.

72      No que respeita à existência de uma violação suficientemente caracterizada do artigo 266.o, primeiro parágrafo, TFUE, importa recordar que, quando as quantias tenham sido cobradas em violação do direito da União, decorre desse direito uma obrigação de as restituir com juros. É o que acontece, nomeadamente, quando as quantias foram cobradas em aplicação de um ato da União declarado inválido ou anulado pelo juiz da União (v., neste sentido, Acórdão de 20 de janeiro de 2021, Comissão/Printeos, C‑301/19 P, EU:C:2021:39, n.os 66 e 67 e jurisprudência referida).

73      Em especial, em caso de anulação, pelo juiz da União, de um ato que implicou o pagamento de uma quantia à União, o pagamento de juros de mora constitui uma medida de execução do acórdão de anulação, na aceção do artigo 266.o, primeiro parágrafo, TFUE, na medida em que se destina a indemnizar através de uma quantia fixa a privação do gozo de um crédito e a incentivar o devedor a executar, o mais brevemente possível, o acórdão de anulação (Acórdãos de 12 de fevereiro de 2015, Comissão/IPK International, C‑336/13 P, EU:C:2015:83, n.o 30, e de 20 de janeiro de 2021, Comissão/Printeos, C‑301/19 P, EU:C:2021:39, n.o 68; v., igualmente, neste sentido, Acórdão de 5 de setembro de 2019, União Europeia/Guardian Europe e Guardian Europe/União Europeia, C‑447/17 P e C‑479/17 P, EU:C:2019:672, n.o 55).

74      No que respeita à determinação das obrigações que incumbem à Comissão por força do artigo 266.o TFUE em execução de um acórdão que anula e reduz o montante de uma coima aplicada a uma empresa por infração às regras da concorrência, as mesmas comportam, em primeiro lugar, a obrigação de a Comissão restituir total ou parcialmente o montante da coima paga pela empresa em causa, na medida em que esse pagamento deva ser considerado indevido na sequência do acórdão. Essa obrigação visa não só o montante da coima indevidamente paga mas também os juros de mora vencidos sobre esse montante [v., neste sentido, Acórdãos de 10 de outubro de 2001, Corus UK/Comissão, T‑171/99, EU:T:2001:249, n.os 52 e 53, e de 8 de julho de 2004, Corus UK/Comissão, T‑48/00, EU:T:2004:219, n.o 223, e Despacho de 4 de maio de 2005, Holcim (France)/Comissão, T‑86/03, EU:T:2005:157, n.o 30].

75      A concessão de juros de mora sobre o montante indevidamente pago surge como componente indispensável da obrigação de restabelecimento da situação que impende sobre a Comissão na sequência de um acórdão de anulação ou de plena jurisdição (Acórdão de 10 de outubro de 2001, Corus UK/Comissão, T‑171/99, EU:T:2001:249, n.o 54; v., igualmente, neste sentido, Acórdão de 12 de fevereiro de 2019, Printeos/Comissão, T‑201/17, EU:T:2019:81, n.o 56).

76      Consequentemente, ao não conceder quaisquer juros de mora sobre o montante principal da coima reembolsado na sequência de um acórdão que anula ou reduz o montante de uma coima aplicada a uma empresa por infração às regras da concorrência, a Comissão não toma uma medida que comporta a execução desse acórdão e, por esse facto, viola as obrigações que lhe incumbem por força do artigo 266.o TFUE [Despacho de 4 de maio de 2005, Holcim (França)/Comissão, T‑86/03, EU:T:2005:157, n.o 31; v., igualmente, neste sentido, Acórdão de 8 de julho de 2008, BPB/Comissão, T‑53/03, EU:T:2008:254, n.o 488].

77      É verdade, antes de mais, que, nos termos do artigo 299.o TFUE, as decisões da Comissão que imponham uma obrigação pecuniária a pessoas que não sejam Estados constituem título executivo. Em seguida, nos termos do artigo 278.o TFUE, os recursos interpostos para o Tribunal de Justiça contra tais tipos de decisões não têm efeito suspensivo. Por último, as decisões da Comissão beneficiam de uma presunção de validade enquanto não tiverem sido anuladas ou retiradas (v. Acórdão de 17 de junho de 2010, Lafarge/Comissão, C‑413/08 P, EU:C:2010:346, n.o 81 e jurisprudência referida).

78      É igualmente verdade que a obrigação de pagar juros de mora só pode ser considerada quando o crédito principal é certo quanto ao seu montante ou, pelo menos, determinável com base em elementos objetivos estabelecidos (Acórdão de 20 de janeiro de 2021, Comissão/Printeos, C‑301/19 P, EU:C:2021:39, n.o 55).

79      Todavia, em primeiro lugar, importa salientar que o artigo 83.o do Regulamento Financeiro, aplicável ao caso em apreço, previa designadamente:

«1.      Os montantes cobrados a título de multas, sanções pecuniárias e outras sanções, bem como os juros vencidos ou outras receitas por eles geradas, não são registados a título de receitas orçamentais enquanto as decisões que os impõem forem suscetíveis de anulação pelo [Tribunal de Justiça].

2.      Os montantes referidos no n.o 1 são registados a título de receitas orçamentais logo que possível e, o mais tardar, no exercício subsequente ao esgotamento de todas as vias de recurso. Os montantes a devolver à entidade que os pagou na sequência de um acórdão do [Tribunal de Justiça] não são registados como receitas orçamentais.

[…]

4.      A Comissão fica habilitada a adotar atos delegados […] no que diz respeito às regras de execução aplicáveis aos montantes cobrados a título de multas, sanções pecuniárias e juros vencidos.»

80      O artigo 90.o do Regulamento Delegado n.o 1268/2012, aplicável ao caso em apreço, previa designadamente:

«1.      Sempre que for instaurada uma ação junto do [Tribunal de Justiça] contra uma decisão da Comissão que aplique uma multa ou outra sanção nos termos do TFUE ou do Tratado Euratom e até ao momento em que tenham sido esgotados todos os recursos legais, o devedor deposita provisoriamente os montantes em questão na conta bancária designada pelo contabilista ou presta uma garantia financeira aceitável para o contabilista. A garantia solicitada é independente da obrigação de pagamento da multa, sanção pecuniária ou outra sanção e é executória à primeira interpelação. Essa garantia cobrirá o crédito, tanto no que diz respeito ao capital como aos juros devidos nos termos do artigo 83.o, n.o 4.

2.      A Comissão salvaguarda os montantes recebidos provisoriamente, investindo‑os em ativos financeiros de modo a garantir a segurança e a liquidez das verbas, ao mesmo tempo que visa auferir uma remuneração.

[…]

4.      Uma vez esgotadas todas as vias de recurso e anulada ou reduzida a multa ou sanção, é tomada uma das medidas a seguir referidas:

a)      Os montantes indevidamente recebidos, bem como os juros vencidos, são reembolsados ao terceiro em causa. Quando a remuneração global gerada para o período em causa tiver sido negativa, é reembolsado o valor nominal dos montantes indevidamente cobrados;

b)      Quando tiver sido constituída uma garantia financeira, esta será liberada em conformidade.»

81      O artigo 24.o, n.o 2, da Decisão C(2013) 2488 final da Comissão, de 2 de maio de 2013, relativa às disposições processuais internas relativas à cobrança de montantes de créditos decorrentes da gestão direta e à cobrança de multas, montantes fixos e sanções pecuniárias compulsórias, em conformidade com os Tratados, que substitui a Decisão C(2011) 4212 final, de 17 de junho de 2011, e que foi alterada pela Decisão C(2014) 2786 da Comissão, de 30 de abril de 2014, mostra igualmente que, quando o devedor interpõe num órgão jurisdicional da União um recurso de uma decisão da Comissão que aplica uma coima, o contabilista recebe «a título provisório» os montantes em questão do devedor. Esta disposição prevê, além disso, que, em função da decisão judicial transitada em julgado, os montantes recebidos a título provisório, tanto em capital como em juros, serão definitivamente contabilizados como receitas ou «reembolsados» aos operadores económicos proporcionalmente a essa decisão.

82      Assim, resulta da regulamentação aplicável mencionada nos n.os 79 a 81, supra, que, quando uma sociedade interpõe um recurso perante o juiz da União para impugnar uma decisão pela qual a Comissão lhe aplicou uma coima, o pagamento da coima efetuado por esta sociedade tem caráter provisório até ao esgotamento das vias de recurso. A referida regulamentação prevê igualmente, ex ante, que uma sociedade que tenha pago uma coima posteriormente anulada ou reduzida dispõe de um direito ao reembolso dos montantes indevidamente recebidos e, portanto, dispõe de um crédito de restituição.

83      Em segundo lugar, a Comissão invoca o facto de, no Acórdão de 13 de dezembro de 2018, Deutsche Telekom/Comissão (T‑827/14, EU:T:2018:930), o Tribunal Geral ter reduzido o montante da coima no âmbito do exercício da sua competência de plena jurisdição.

84      Observe‑se, no entanto, antes de mais, que, previamente ao exercício da sua competência de plena jurisdição e à redução do montante da coima aplicada à recorrente, o Tribunal Geral, no Acórdão de 13 de dezembro de 2018, Deutsche Telekom/Comissão (T‑827/14, EU:T:2018:930), anulou parcialmente a disposição que declarava a realidade da prática referida no artigo 1.o, n.o 2, alínea d), da Decisão de 2014 (v. n.o 5, supra). Por outro lado, o Tribunal Geral anulou o artigo 2.o dessa mesma decisão na medida em que fixava o montante da coima a cujo pagamento unicamente a recorrente estava obrigada em 31 070 000 euros (v. n.o 6, supra).

85      No que respeita aos efeitos da anulação de um ato proferida pelo juiz da União, recorde‑se que esta opera ex tunc e, portanto, tem por efeito eliminar retroativamente da ordem jurídica o ato anulado (v., neste sentido, Acórdãos de 26 de abril de 1988, Asteris e o./Comissão, 97/86, 99/86, 193/86 e 215/86, EU:C:1988:199, n.o 30; de 13 de dezembro de 1995, Exporteurs in Levende Varkens e o./Comissão, T‑481/93 e T‑484/93, EU:T:1995:209, n.o 46; e de 10 de outubro de 2001, Corus UK/Comissão, T‑171/99, EU:T:2001:249, n.o 50).

86      Em seguida, importa sublinhar que nem as disposições ou os textos mencionados nos n.os 79 a 81, supra, nem a jurisprudência recordada nos n.os 74 a 76, supra, estabelecem uma distinção consoante o juiz da União tenha unicamente anulado a totalidade ou parte da coima aplicada a uma parte recorrente ou tenha reduzido essa coima depois de a ter anulado.

87      Por último, quando o juiz da União substitui a apreciação da Comissão pela sua própria apreciação e reduz o montante da coima no âmbito do exercício da sua competência de plena jurisdição, substitui, na decisão da Comissão, o montante inicialmente fixado nessa decisão pelo que resulta da sua própria apreciação. Esta redução altera retroativamente a decisão da Comissão. Considera‑se que a coima reduzida na sequência da nova apreciação do juiz da União foi sempre a aplicada pela Comissão. No que respeita à referida redução, considera‑se, pois, que a decisão da Comissão, em razão do efeito substitutivo do acórdão proferido pelo juiz da União, foi sempre a que resulta da apreciação deste último (v., neste sentido, Acórdão de 14 de julho de 1995, CB/Comissão, T‑275/94, EU:T:1995:141, n.os 60 a 65 e 85 a 87).

88      Em terceiro lugar, por um lado, o incentivo «a executar, o mais brevemente possível, o acórdão de anulação» é apenas um dos dois objetivos do pagamento de juros de mora previstos pelo Tribunal de Justiça no n.o 30 do Acórdão de 12 de fevereiro de 2015, Comissão/IPK International (C‑336/13 P, EU:C:2015:83). Ora, a concessão de juros de mora a contar da data do pagamento provisório da coima em causa prossegue o outro objetivo contemplado pelo Tribunal de Justiça, a saber, a indemnização num montante fixo da empresa que pagou essa coima pela privação do gozo do seu capital durante o período compreendido entre a data do pagamento provisório da referida coima e a data do reembolso desta. Por outro lado, a obrigação, em caso de anulação de uma decisão que implicou o pagamento, a título provisório, de uma quantia como uma coima aplicada por violação das regras de concorrência, de reembolsar a quantia paga acrescida de juros de mora calculados a partir da data do pagamento dessa quantia constitui um incentivo para a instituição em causa prestar especial atenção quando da adoção dessas decisões, que podem implicar para o particular a obrigação de pagar imediatamente quantias consideráveis (v., neste sentido, Acórdão de 20 de janeiro de 2021, Comissão/Printeos, C‑301/19 P, EU:C:2021:39, n.os 85 e 86).

89      No Acórdão de 20 de janeiro de 2021, Comissão/Printeos (C‑301/19 P, EU:C:2021:39), o Tribunal de Justiça considerou, portanto, que a atribuição de juros de mora a contar da data do pagamento provisório da coima não prosseguia o objetivo de incentivar a Comissão a «executar, o mais brevemente possível, o acórdão de anulação».

90      Assim, é certo que a obrigação de pagar juros de mora não pode ter por objetivo incentivar a Comissão a reembolsar, antes da prolação do acórdão que anula e reduz o montante da coima que aplicou, a quantia que indevidamente recebeu. Todavia, a obrigação de pagar juros de mora em caso de anulação e de redução, pelo juiz da União, do montante de uma coima aplicada pela Comissão não prossegue o objetivo de punir um atraso culposo dessa instituição. A obrigação de pagar juros de mora em tal situação visa designadamente indemnizar com um montante fixo um atraso objetivo que resulta, primeiro, da duração do processo perante o juiz da União, segundo, de a regulamentação financeira pertinente prever que uma sociedade que tenha pago a título provisório uma coima posteriormente anulada ou reduzida dispõe de um crédito de restituição (v. n.os 79 a 82, supra) e, terceiro, da retroatividade da redução do montante da coima efetuada pelo juiz da União (v. n.os 84 a 87, supra).

91      A Comissão alega que, se devesse ser considerada devedora de juros de mora numa data anterior ao acórdão do juiz da União que anula ou reduz o montante de uma coima, isso seria contrário à função dissuasiva das coimas nos processos de concorrência. A este respeito, explica, antes de mais, que existe uma relação intrínseca entre a proibição das práticas anticoncorrenciais nos termos dos artigos 101.o TFUE e 102.o TFUE e a aplicação de coimas, em seguida, que os referidos artigos seriam inoperantes se não fossem acompanhados de sanções, previstas no artigo 103.o, n.o 2, alínea a), TFUE, e, por último, que é conveniente que as coimas não sejam atenuadas por circunstâncias externas.

92      No entanto, em primeiro lugar, importa recordar que o conceito de dissuasão constitui um dos elementos a ter em conta no cálculo do montante da coima (Acórdãos de 26 de setembro de 2013, Alliance One International/Comissão, C‑679/11 P, não publicado, EU:C:2013:606, n.o 73, e de 4 de setembro de 2014, YKK e o./Comissão, C‑408/12 P, EU:C:2014:2153, n.o 84). Daqui resulta que a função dissuasiva das coimas foi necessariamente tida em conta pelo Tribunal Geral no Acórdão de 13 de dezembro de 2018, Deutsche Telekom/Comissão (T‑827/14, EU:T:2018:930), quando exerceu a sua competência de plena jurisdição para reduzir, com efeito retroativo, o montante da coima de que a recorrente era devedora (v. n.o 87, supra).

93      Em segundo lugar, há que salientar que a função dissuasiva das coimas deve ser conciliada com o princípio da proteção jurisdicional efetiva que figura no artigo 47.o da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia. Ora, o respeito do referido princípio é assegurado através da fiscalização da legalidade prevista no artigo 263.o TFUE, completada pela competência de plena jurisdição quanto ao montante da coima, prevista no artigo 31.o do Regulamento n.o 1/2003. Com efeito, o juiz da União está habilitado para exercer uma fiscalização tanto de direito como de facto e tem o poder de apreciar as provas, de anular a decisão impugnada e de alterar o montante das coimas (v., neste sentido, Acórdão de 6 de novembro de 2012, Otis e o., C‑199/11, EU:C:2012:684, n.os 62 e 63 e jurisprudência referida). Foi igualmente declarado que, para cumprir as exigências de uma fiscalização de plena jurisdição, na aceção do artigo 47.o da Carta, no que respeita à coima, o juiz da União deve, no exercício das competências previstas nos artigos 261.o e 263.o TFUE, analisar todas as alegações, de direito ou de facto, destinadas a demonstrar que o montante da coima não é adequado à gravidade e à duração da infração (Acórdãos de 10 de julho de 2014, Telefónica e Telefónica de España/Comissão, C‑295/12 P, EU:C:2014:2062, n.o 200, e de 26 de setembro de 2018, Infineon Technologies/Comissão, C‑99/17 P, EU:C:2018:773, n.o 195). A competência de plena jurisdição constitui uma garantia suplementar de que a empresas beneficiam (v., neste sentido, Acórdãos de 28 de junho de 2005, Dansk Rørindustri e o./Comissão, C‑189/02 P, C‑202/02 P, C‑205/02 P a C‑208/02 P e C‑213/02 P, EU:C:2005:408, n.o 445; de 6 de outubro de 1994, Tetra Pak/Comissão, T‑83/91, EU:T:1994:246, n.o 235; e de 17 de dezembro de 2015, Orange Polska/Comissão, T‑486/11, EU:T:2015:1002, n.o 91).

94      Em terceiro lugar, a função dissuasiva das coimas deve igualmente ser conciliada com os objetivos prosseguidos pela atribuição de juros de mora na sequência do exercício, pelo juiz da União, das suas competências e, nomeadamente, da sua competência de plena jurisdição, concretamente, por um lado, a indemnização num montante fixo da empresa que pagou provisoriamente essa coima pela privação do gozo do seu capital durante o período compreendido entre a data do pagamento provisório da referida coima e a data do reembolso desta e, por outro, o incentivo para que a instituição em causa preste especial atenção quando da adoção de decisões, como as decisões de aplicação de coimas, que podem implicar, para um particular, a obrigação de pagar imediatamente quantias consideráveis (v. n.o 88, supra).

95      Por conseguinte, à luz dos fundamentos adotados nos n.os 79 a 94, supra, há que considerar que, por um lado, o crédito principal detido pela recorrente no caso em apreço existia e era certo quanto ao seu montante máximo ou, pelo menos, determinável com base em elementos objetivos provados na data do pagamento provisório da coima por esta última, isto é, em 16 de janeiro de 2015. Por outro lado, a Comissão estava obrigada, nos termos do artigo 266.o, primeiro parágrafo, TFUE, a pagar juros de mora sobre a parte do montante da coima considerada indevida pelo Tribunal Geral no Acórdão de 13 de dezembro de 2018, Deutsche Telekom/Comissão (T‑827/14, EU:T:2018:930), relativamente ao período compreendido entre a data do pagamento provisório da coima e a data do reembolso da parte do montante da coima considerada indevida.

96      Esta conclusão não é posta em causa pelos argumentos da Comissão relativos, em primeiro lugar, ao disposto no artigo 90.o, n.o 4, do Regulamento Delegado n.o 1268/2012 e, em segundo lugar, ao facto de os juros devidos a contar do pagamento da coima deverem ser qualificados de juros compensatórios.

97      Com efeito, no que respeita aos argumentos da Comissão relativos ao disposto no artigo 90.o do Regulamento Delegado n.o 1268/2012 (v. n.o 80, supra), não decorre deste artigo que, quando a Comissão é obrigada a reembolsar o montante de uma coima provisoriamente cobrada, esteja, em todo o caso, dispensada da obrigação de adicionar juros de mora a esse montante (Acórdão de 20 de janeiro de 2021, Comissão/Printeos, C‑301/19 P, EU:C:2021:39, n.o 73).

98      Além disso, quando os juros «vencidos» referidos no artigo 90.o, n.o 4, do Regulamento Delegado n.o 1268/2012 são de montante inferior ao dos juros de mora devidos, ou mesmo quando não há juros vencidos porque o rendimento do capital investido foi negativo, a Comissão está obrigada, para cumprir a sua obrigação decorrente do artigo 266.o TFUE, a pagar ao interessado a diferença entre o montante dos eventuais «juros vencidos», na aceção do artigo 90.o, n.o 4, do referido regulamento delegado, e o montante dos juros de mora devidos relativamente ao período compreendido entre a data do pagamento da quantia em questão e a data do seu reembolso (v., neste sentido, Acórdão de 20 de janeiro de 2021, Comissão/Printeos, C‑301/19 P, EU:C:2021:39, n.os 75 e 76).

99      Assim, no caso em apreço, na medida em que é pacífico que o investimento, pela Comissão, do montante da coima paga pela recorrente em execução da Decisão de 2014 não venceu juros, a Comissão estava obrigada, na sequência do Acórdão de 13 de dezembro de 2018, Deutsche Telekom/Comissão (T‑827/14, EU:T:2018:930), a reembolsar a recorrente da parte do montante da coima considerada indevida, acrescida de juros de mora, sem que o artigo 90.o do Regulamento Delegado n.o 1268/2012 a isso se oponha (v., por analogia, Acórdão de 20 de janeiro de 2021, Comissão/Printeos, C‑301/19 P, EU:C:2021:39, n.o 77).

100    Importa acrescentar que a Comissão não pode invocar utilmente o facto de a recorrente não ter contestado, no processo que deu origem ao Acórdão de 13 de dezembro de 2018, Deutsche Telekom/Comissão (T‑827/14, EU:T:2018:930), o artigo 2.o da Decisão de 2014, cujo quarto parágrafo se baseava no artigo 90.o do Regulamento Delegado n.o 1268/2012. Também não pode invocar o facto de o Tribunal Geral ter anulado parcialmente o artigo 2.o da referida decisão sem pôr em causa a referência ao artigo 90.o do referido regulamento delegado.

101    É certo que, no Acórdão de 13 de dezembro de 2018, Deutsche Telekom/Comissão (T‑827/14, EU:T:2018:930), o Tribunal Geral anulou o artigo 2.o da Decisão de 2014 exclusivamente na medida em que fixava o montante da coima que era unicamente aplicada à recorrente em 31 070 000 euros. Por outro lado, fixou o montante da coima que era unicamente aplicada à recorrente em 19 030 981 euros.

102    No entanto, o quarto parágrafo do artigo 2.o da Decisão de 2014 não diz respeito às condições em que a Comissão, em caso de anulação da referida decisão e de redução do montante da coima que esta decisão prevê, reembolsará o montante da coima paga provisoriamente pela referida empresa (v., neste sentido, Acórdão de 20 de janeiro de 2021, Comissão/Printeos, C‑301/19 P, EU:C:2021:39, n.o 92).

103    Por outro lado, em caso de anulação de uma decisão que aplica uma coima por violação das regras da concorrência e em caso de redução do montante da coima que essa decisão prevê, a obrigação da Comissão de reembolsar total ou parcialmente o montante da coima paga provisoriamente, acrescido de juros de mora relativos ao período compreendido entre a data do pagamento provisório dessa coima e a data do seu reembolso, decorre diretamente do artigo 266.o TFUE (v., neste sentido, Acórdão de 20 de janeiro de 2021, Comissão/Printeos, C‑301/19 P, EU:C:2021:39, n.o 94).

104    Daqui resulta que a Comissão não tem competência para adotar, através de uma decisão individual, as condições em que pagará juros de mora em caso de anulação da decisão que aplicou uma coima e em caso de redução do montante da coima que essa decisão prevê e que foi paga provisoriamente (v., neste sentido, Acórdão de 20 de janeiro de 2021, Comissão/Printeos, C‑301/19 P, EU:C:2021:39, n.o 95).

105    Por conseguinte, os argumentos da Comissão relativos ao disposto no artigo 90.o do Regulamento Delegado n.o 1268/2012 devem ser rejeitados sem que seja necessário apreciar a exceção de ilegalidade desta disposição suscitada pela recorrente.

106    No que respeita aos argumentos da Comissão de que os juros devidos a contar do pagamento da coima devem ser qualificados de juros compensatórios, importa sublinhar que a categoria dos juros compensatórios visa compensar o decurso do tempo até à avaliação jurisdicional do montante do dano, independentemente de qualquer atraso imputável ao devedor (v. Acórdão de 20 de janeiro de 2021, Comissão/Printeos, C‑301/19 P, EU:C:2021:39, n.o 56 e jurisprudência referida).

107    Ora, a obrigação da Comissão de pagar juros de mora no caso em apreço a contar do pagamento provisório efetuado pela recorrente decorre diretamente da obrigação de executar, em conformidade com o artigo 266.o, primeiro parágrafo, TFUE, o Acórdão de 13 de dezembro de 2018, Deutsche Telekom/Comissão (T‑827/14, EU:T:2018:930).

108    O crédito principal da recorrente era um crédito de restituição que estava vinculado ao pagamento de uma coima que tinha sido efetuada a título provisório. Este crédito existia e era certo quanto ao seu montante máximo ou, pelo menos, determinável com base em elementos objetivos estabelecidos na data do referido pagamento (v. n.os 79 a 95, supra) e não devia ser objeto de avaliação jurisdicional.

109    Os juros devidos nessa hipótese são juros de mora e, no caso em apreço, não pode estar em causa o pagamento de juros compensatórios (v., neste sentido, Acórdão de 20 de janeiro de 2021, Comissão/Printeos, C‑301/19 P, EU:C:2021:39, n.os 78 e 79).

110    Por conseguinte, a Comissão não tem fundamento para sustentar que os juros de que pode ser devedora relativamente ao período compreendido entre a data do pagamento provisório da coima pela recorrente e o termo do prazo para executar o Acórdão de 13 de dezembro de 2018, Deutsche Telekom/Comissão (T‑827/14, EU:T:2018:930), devem ser qualificados de juros compensatórios.

111    Daqui resulta que a Comissão violou o artigo 266.o, primeiro parágrafo, TFUE quando recusou pagar juros de mora à recorrente sobre a parte do montante da coima que tinha recebido indevidamente, relativamente ao período compreendido entre 16 de janeiro de 2015, data do pagamento da coima, e 19 de fevereiro de 2019, data do reembolso da parte do montante da coima que acabou por ser considerada indevida pelo Tribunal Geral no Acórdão de 13 de dezembro de 2018, Deutsche Telekom/Comissão (T‑827/14, EU:T:2018:930).

112    Por último, resulta dos n.os 71 a 95, supra, que, na sequência do Acórdão de 13 de dezembro de 2018, Deutsche Telekom/Comissão (T‑827/14, EU:T:2018:930), a Comissão estava obrigada, segundo jurisprudência assente, a reembolsar a recorrente da parte do montante da coima indevidamente paga a título provisório, acrescido de juros de mora, e não dispunha de nenhuma margem de apreciação quanto à oportunidade de pagar tais juros (v., neste sentido, Acórdão de 20 de janeiro de 2021, Comissão/Printeos, C‑301/19 P, EU:C:2021:39, n.o 104).

113    Por conseguinte, tendo em conta a obrigação absoluta e incondicional imposta à Comissão pelo artigo 266.o, primeiro parágrafo, TFUE, de pagar juros de mora, sem que disponha de margem de apreciação a esse respeito, há que constatar, no caso em apreço, a existência de uma violação suficientemente caracterizada da referida norma jurídica, suscetível de gerar responsabilidade extracontratual da União na aceção do artigo 266.o, segundo parágrafo, TFUE, conjugado com o artigo 340.o, segundo parágrafo, TFUE.

–       Quanto ao nexo de causalidade e ao prejuízo a reparar

114    A recorrente alega que a violação suficientemente caracterizada do artigo 266.o, primeiro parágrafo, TFUE cometida pela Comissão é a causa direta do prejuízo que sofreu e que consiste nos juros de mora de que foi privada. Explica que, em aplicação do artigo 83.o, n.o 2, alínea b), e do artigo 111.o, n.o 4, alínea a), do Regulamento Delegado n.o 1268/2012, a taxa dos juros de mora adequada é a taxa aplicada pelo BCE às suas principais operações de refinanciamento, acrescida de três pontos e meio percentuais. Em seu entender, a taxa dos juros de mora a aplicar é, no caso em apreço, a taxa de 3,55 % que corresponde à taxa aplicada pelo BCE às suas principais operações de refinanciamento, ou seja, 0,05 % aplicável em janeiro de 2015, acrescida de três pontos e meio percentuais. Considera que a aplicação dessa taxa ao montante de 12 039 019 euros, que pagou indevidamente, permite avaliar o seu prejuízo em 1 750 522,83 euros.

115    A Comissão responde que se recusou a pagar juros de mora unicamente a contar da decisão impugnada, de 28 de junho de 2019, pelo que, em qualquer caso, só poderia ter sido pedida uma indemnização a partir dessa data. Por outro lado, alega que a recorrente não respeitou o procedimento previsto no artigo 111.o do Regulamento Delegado n.o 1268/2012 e, consequentemente, não pode reclamar juros de mora na aceção do artigo 111.o, n.o 4, alínea a), lido em conjugação com o artigo 83.o do referido regulamento delegado. Por último, sustenta que, na hipótese de o Tribunal Geral considerar que os princípios enunciados no Acórdão de 20 de janeiro de 2021, Comissão/Printeos (C‑301/19 P, EU:C:2021:39), são aplicáveis ao caso em apreço, a taxa de juros de mora aplicável deve ser a taxa aplicada pelo BCE às suas principais operações de refinanciamento, acrescida de um ponto e meio percentual, por analogia com o artigo 83.o, n.o 4, do referido regulamento delegado.

116    Em primeiro lugar, importa recordar que, para que possa ser desencadeada a responsabilidade extracontratual da União, o prejuízo deve decorrer de modo suficientemente direto do comportamento ilegal das instituições (Acórdão de 30 de maio de 2017, Safa Nicu Sepahan/Conselho, C‑45/15 P, EU:C:2017:402, n.o 61).

117    No caso em apreço, há que constatar que o incumprimento, pela Comissão, da sua obrigação de atribuir juros de mora nos termos do artigo 266.o, primeiro parágrafo, TFUE apresenta um nexo de causa e efeito suficientemente direto com o prejuízo que consiste na perda, no período compreendido entre 16 de janeiro de 2015 e 19 de fevereiro de 2019, de juros de mora sobre o montante de que a recorrente foi indevidamente privada (v., neste sentido, Acórdão de 20 de janeiro de 2021, Comissão/Printeos, C‑301/19 P, EU:C:2021:39, n.o 105).

118    Em segundo lugar, à luz da jurisprudência referida no n.o 39, supra, a recorrente tem razão ao sustentar que sofreu um prejuízo real e certo equivalente à perda, durante o período compreendido entre 16 de janeiro de 2015 e 19 de fevereiro de 2019, dos juros de mora que representam a indemnização num montante fixo pela privação do gozo do montante da coima indevidamente paga durante esse mesmo período.

119    A Comissão sustenta que, admitindo que tenha de pagar juros de mora, a taxa desses juros devia ser fixada numa taxa fixa correspondente à privação do gozo durante o período em causa, o que, por sua vez, depende, pelo menos em parte, das circunstâncias do caso concreto. Antes de mais, o Acórdão de 20 de janeiro de 2021, Comissão/Printeos (C‑301/19 P, EU:C:2021:39), não permite determinar a taxa dos juros de mora aplicáveis no presente processo. Com efeito, o referido acórdão não indica qual a taxa de juro aplicável aos juros de mora. Em seguida, admitindo que o Tribunal de Justiça tenha pretendido, por analogia, impor à Comissão o pagamento de juros à taxa prevista no artigo 83.o, n.o 2, alínea b), do Regulamento Delegado n.o 1268/2012, considera que esta taxa não é aplicável por analogia no caso em apreço. Com efeito, o montante da dívida da Comissão foi fixado unicamente no âmbito do exercício, pelo Tribunal Geral, da sua competência de plena jurisdição no Acórdão de 13 de dezembro de 2018, Deutsche Telekom/Comissão (T‑827/14, EU:T:2018:930). Por último, o n.o 81 do Acórdão de 20 de janeiro de 2021, Comissão/Printeos (C‑301/19 P, EU:C:2021:39), pode ser entendido no sentido de que a taxa prevista no artigo 83.o, n.o 4, do referido regulamento delegado, em concreto, a taxa aplicada pelo BCE às suas principais operações de refinanciamento, acrescida de um ponto e meio percentual, poderia aplicar‑se mutatis mutandis ao caso em apreço.

120    Importa recordar que, para efeitos da determinação do montante dos juros de mora que devem ser pagos a uma empresa que tenha pago uma coima aplicada pela Comissão, na sequência da anulação dessa coima, esta instituição deve aplicar a taxa fixada para o efeito pelo Regulamento Delegado n.o 1268/2012 (Acórdão de 5 de setembro de 2019, União Europeia/Guardian Europe e Guardian Europe/União Europeia, C‑447/17 P e C‑479/17 P, EU:C:2019:672, n.o 56).

121    Segundo o Tribunal de Justiça, daqui decorre que a Comissão deve aplicar a taxa fixada pelo artigo 83.o do Regulamento Delegado n.o 1268/2012, que fixa a taxa de juro a aplicar a créditos não reembolsados no prazo regulamentar (v., neste sentido, Acórdão de 20 de janeiro de 2021, Comissão/Printeos, C‑301/19 P, EU:C:2021:39, n.o 81).

122    O artigo 83.o do Regulamento Delegado n.o 1268/2012 figurava na secção 3 do capítulo 5 do título IV do mesmo regulamento delegado. O referido capítulo dizia respeito às «[o]perações associadas a receitas» e a referida secção era relativa ao «[a]puramento de créditos». Este artigo, que dava execução ao artigo 78.o do Regulamento Financeiro, sob a epígrafe «Juros de mora», dispunha:

«1.      Sem prejuízo das disposições específicas decorrentes da aplicação da legislação setorial, qualquer crédito não reembolsado no prazo referido no artigo 80.o, n.o 3, alínea b), produz juros calculados em conformidade com os n.os 2 e 3 do presente artigo.

2.      A taxa de juro a aplicar a créditos não reembolsados no prazo referido no artigo 80.o, n.o 3, alínea b), é a taxa aplicada pelo Banco Central Europeu às suas principais operações de refinanciamento, tal como publicado na série C do Jornal Oficial da União Europeia, em vigor no primeiro dia de calendário do mês de vencimento, majorada de:

a)      Oito pontos percentuais quando o facto gerador do crédito for um contrato público de fornecimento ou de serviços, a que se refere o título V;

b)      Três pontos e meio de percentagem, em todos os restantes casos.

[…]

4.      No caso de multas e desde que o devedor constitua uma garantia financeira aceite pelo contabilista em vez do pagamento, a taxa de juro aplicável a partir do final do prazo referido no artigo 80.o, n.o 3, alínea b), é a taxa referida no n.o 2 do presente artigo, que esteja em vigor no primeiro dia do mês em que a decisão que impôs a multa foi adotada, sendo majorada de apenas um ponto e meio percentual.»

123    O artigo 111.o do Regulamento Delegado n.o 1268/2012 figurava na secção 5 do capítulo 6 do título IV do mesmo regulamento delegado. O referido capítulo dizia respeito às «[o]perações associadas a despesas» e a referida secção era relativa aos prazos das operações relativas às despesas. Este artigo, que dava execução ao artigo 92.o do Regulamento Financeiro, sob a epígrafe «Prazos de pagamento e juros de mora», dispunha nomeadamente:

«1.      O prazo previsto para efetuar pagamentos deve ser entendido como incluindo operações de liquidação, de emissão de ordens de pagamento e de pagamento das despesas.

Começará a correr a partir da data em que o pedido de pagamento é recebido.

Um pedido de pagamento deve ser registado o mais rapidamente possível pelo serviço habilitado do gestor orçamental competente e considera‑se que a data de receção é a data de registo.

Por data de pagamento, entende‑se a data em que o montante é debitado na conta da instituição.

[…]

4.      No termo do prazo previsto no artigo 92.o, n.o 1, do Regulamento Financeiro, o credor tem direito a reclamar juros nas seguintes condições:

a)      A taxa de juro é a referida no artigo 83.o, n.o 2, do presente regulamento;

b)      Vencerão juros relativamente ao período decorrido entre o dia de calendário que se segue ao termo do prazo de pagamento previsto no artigo 92.o, n.o 1, do Regulamento Financeiro e a data de pagamento.»

124    A título preliminar, importa salientar que, quando a Comissão alega que no Acórdão de 13 de dezembro de 2018, Deutsche Telekom/Comissão (T‑827/14, EU:T:2018:930), o Tribunal Geral fixou o montante da sua dívida unicamente no âmbito do exercício da sua competência de plena jurisdição, continua a sustentar que não estava obrigada a pagar juros de mora à recorrente pelo período compreendido entre a data do pagamento da coima e a data do reembolso que efetuou. Ora, esta argumentação deve ser rejeitada pelos fundamentos que figuram nos n.os 71 a 95, supra. Há que acrescentar que a obrigação de a Comissão pagar juros de mora à recorrente decorre diretamente do artigo 266.o, primeiro parágrafo, TFUE, pelo que, contrariamente ao que sustenta a Comissão, a recorrente não está obrigada a apresentar um pedido de pagamento segundo o procedimento previsto no artigo 111.o do Regulamento Delegado n.o 1268/2012.

125    Em primeiro lugar, importa recordar que, em caso de anulação de uma decisão que implicou o pagamento provisório de uma coima, a atribuição de juros de mora a contar da data desse pagamento visa, por um lado, indemnizar mediante um montante fixo a empresa que pagou essa coima pela privação do gozo do seu capital e, por outro, incentivar a Comissão a demonstrar particular atenção aquando da adoção dessa decisão (v. n.o 88, supra).

126    O mesmo sucede em caso de anulação e de redução do montante da coima pelo juiz da União.

127    Em segundo lugar, à luz dos objetivos prosseguidos pelos juros de mora devidos pela Comissão na sequência de um acórdão que anula e reduz o montante de uma coima, a Comissão encontra‑se numa situação factual e jurídica diferente de uma sociedade que é destinatária de uma decisão que lhe aplica uma coima e que constitui uma garantia bancária. Os direitos e obrigações da Comissão relativamente a uma sociedade que pagou a coima são, com efeito, diferentes dos direitos e obrigações de uma sociedade que constitui uma garantia bancária perante a Comissão.

128    A este respeito, há que sublinhar que, quando a empresa objeto de uma sanção procede ao pagamento imediato da coima aplicada, mais não faz do que respeitar o dispositivo de uma decisão executória em conformidade com o regime comum previsto pelo Tratado [Despacho de 12 de dezembro de 2007, Atlantic Container Line e o./Comissão, T‑113/04, não publicado, EU:T:2007:377, n.o 44; v., igualmente, neste sentido, Acórdão de 21 de abril de 2005, Holcim (Deutschland)/Comissão, T‑28/03, EU:T:2005:139, n.o 126]. Em contrapartida, a substituição desse pagamento por uma suspensão de pagamento acompanhada de uma garantia bancária constitui uma derrogação ao regime comum previsto pelo Tratado (v., neste sentido, de 12 de dezembro de 2007, Atlantic Container Line e o./Comissão, T‑113/04, não publicado, EU:T:2007:377, n.o 44).

129    Se a empresa objeto da sanção optar pelo pagamento imediato da coima, embora interpondo um recurso no qual pede a anulação da mesma, pode esperar que a Comissão, em caso de anulação ou de redução do montante da coima aplicada, lhe restitua não só o montante principal indevidamente pago mas também os juros de mora correspondentes a esse montante (v., neste sentido, Despacho de 12 de dezembro de 2007, Atlantic Container Line e o./Comissão, T‑113/04, não publicado, EU:T:2007:377, n.o 43 e jurisprudência referida nos n.os 74 a 76, supra).

130    É certo que a substituição do pagamento imediato da coima por uma suspensão do pagamento acompanhada de uma garantia bancária está atualmente prevista na regulamentação financeira pertinente e é facultada, sob determinadas condições, pela Comissão (v. n.os 80 e 122, supra). No entanto, em caso de anulação da decisão que aplica uma coima ou de redução do montante da mesma, as consequências diferem consoante a empresa tenha optado pelo pagamento imediato da coima ou por uma suspensão de pagamento acompanhada pela constituição de uma garantia bancária (v., neste sentido, Acórdão de 14 de julho de 1995, CB/Comissão, T‑275/94, EU:T:1995:141, n.os 82 a 86, e Despacho de 12 de dezembro de 2007, Atlantic Container Line e o./Comissão, T‑113/04, não publicado, EU:T:2007:377, n.o 44).

131    Com efeito, quando tenha sido concedida a suspensão de pagamento, a Comissão não tem de restituir uma coima indevidamente cobrada, pois, por definição, essa coima não foi paga. Pela mesma razão, a empresa objeto de sanção não foi, portanto, privada do gozo da soma correspondente ao montante da coima indevidamente cobrado. O único e eventual prejuízo financeiro sofrido pela empresa em causa resulta da sua própria decisão de constituir uma garantia bancária [v., neste sentido, Acórdão de 21 de abril de 2005, Holcim (Deutschland)/Comissão, T‑28/03, EU:T:2005:139, n.o 129, e Despacho de 12 de dezembro de 2007, Atlantic Container Line e o./Comissão, T‑113/04, não publicado, EU:T:2007:377, n.o 45].

132    Em terceiro lugar, a Comissão não demonstra, através de elementos concretos, que a aplicação aos créditos de restituição de juros de mora à taxa aplicada pelo BCE para as suas principais operações de refinanciamento, acrescida de três pontos e meio percentuais, prevista no artigo 83.o, n.o 2, alínea b), do Regulamento Delegado n.o 1268/2012, é desproporcionada à luz dos objetivos prosseguidos por esses juros de mora. Também não explica que o cálculo dos juros de mora sobre esta base tenha uma incidência negativa sobre a obrigação, para uma sociedade destinatária de uma decisão que lhe aplica uma coima, de pagar imediatamente o montante dessa coima.

133    Em quarto lugar, é verdade que, no n.o 81 do Acórdão de 20 de janeiro de 2021, Comissão/Printeos (C‑301/19 P, EU:C:2021:39), o Tribunal de Justiça não indicou as disposições precisas do artigo 83.o do Regulamento Delegado n.o 1268/2012 a que se referia.

134    Todavia, importa salientar que, no mesmo Acórdão de 20 de janeiro de 2021, Comissão/Printeos (C‑301/19 P, EU:C:2021:39), o Tribunal de Justiça decidiu definitivamente o litígio depois de ter anulado o n.o 2 da parte decisória do Acórdão de 12 de fevereiro de 2019, Printeos/Comissão (T‑201/17, EU:T:2019:81), com o fundamento de que o Tribunal Geral tinha cometido um erro de direito ao julgar improcedente o pedido de pagamento de juros de mora formulado pela Printeos relativamente ao período com início em 31 de março de 2017. Assim, no n.o 129 do Acórdão de 20 de janeiro de 2021, Comissão/Printeos (C‑301/19 P, EU:C:2021:39), o Tribunal de Justiça declarou que havia que conceder juros de mora à Printeos à taxa aplicada pelo BCE às suas principais operações de refinanciamento, acrescida de três pontos e meio percentuais, por analogia com o artigo 83.o, n.o 2, alínea b), do Regulamento Delegado n.o 1268/2012.

135    Em quinto lugar, a recorrente explica, de forma pertinente, que, se não tivesse pago o montante da coima irregularmente fixada, deveria também ter pago juros de mora à taxa aplicada pelo BCE às suas principais operações de refinanciamento, acrescida de três pontos e meio percentuais, prevista no artigo 83.o, n.o 2, alínea b), do Regulamento Delegado n.o 1268/2012. A recorrente deduz daí com justeza que, após a anulação e a redução da coima, a Comissão deve ser obrigada a pagar juros de mora com base na mesma taxa e no período durante o qual cobrou indevidamente o montante pago em excesso.

136    Tendo em conta o que precede, a indemnização de montante fixo da recorrente pela privação do gozo do seu capital pode ser fixada através da aplicação, por analogia, da taxa prevista no artigo 83.o, n.o 2, alínea b), do Regulamento Delegado n.o 1268/2012, a saber, a taxa aplicada pelo BCE às suas principais operações de refinanciamento em janeiro de 2015, ou seja, 0,05 %, acrescida de três pontos e meio percentuais.

137    Por conseguinte, há que julgar procedente o pedido formulado a título subsidiário no âmbito do terceiro pedido e conceder à recorrente uma indemnização no montante de 1 750 522,83 euros a título de reparação do prejuízo que lhe causou a violação suficientemente caracterizada do artigo 266.o, primeiro parágrafo, TFUE e que consiste na perda de juros de mora à taxa de 3,55 %, durante o período compreendido entre 16 de janeiro de 2015 e 19 de fevereiro de 2019, sobre a parte do montante da coima que pagou indevidamente.

138    Consequentemente, o Tribunal Geral não tem de se pronunciar sobre o pedido formulado a título ainda mais subsidiário pela recorrente no seu quarto pedido.

 Quanto aos juros relativos à indemnização que o Tribunal Geral atribui à recorrente

139    A recorrente pede ao Tribunal Geral que a indemnização passível de lhe ser atribuída seja acrescida de juros de mora desde a data da prolação do acórdão no presente processo até ao pagamento integral. A referida majoração deve basear‑se na taxa aplicada pelo BCE às suas principais operações de refinanciamento, acrescida de três pontos e meio percentuais ou, a título subsidiário, noutra taxa de juros de mora que o Tribunal Geral considere adequada.

140    A Comissão pede que esse pedido seja julgado improcedente com o fundamento de que a recorrente não tem direito a indemnização.

141    Dado tratar‑se de um pedido fundado na responsabilidade extracontratual da União prevista no artigo 340.o, segundo parágrafo, TFUE, resulta da jurisprudência que, não existindo circunstâncias particulares, a obrigação de pagamento de juros de mora tem início a partir do acórdão que declara a obrigação de reparar o prejuízo (v., neste sentido, Acórdão de 26 de junho de 1990, Sofrimport/Comissão, C‑152/88, EU:C:1990:259, n.o 32 e jurisprudência referida).

142    Para a fixação da taxa dos juros de mora, cumpre ter em conta o artigo 99.o, n.o 2, alínea b), do Regulamento (UE, Euratom) 2018/1046 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 18 de julho de 2018, relativo às disposições financeiras aplicáveis ao orçamento geral da União, que altera os Regulamentos (UE) n.o 1296/2013 (UE) n.o 1301/2013 (UE) n.o 1303/2013, UE n.o 1304/2013 (UE) n.o 1309/2013 (UE) n.o 1316/2013 (UE) n.o 223/2014 e (UE) n.o 283/2014, e a Decisão n.o 541/2014/UE, e revoga o Regulamento Financeiro (JO 2018, L 193, p. 1). Em aplicação desta disposição, a taxa de juro aplicável é calculada com base na taxa aplicada pelo BCE às suas principais operações de refinanciamento, tal como publicada na série C do Jornal Oficial da União Europeia em vigor no primeiro dia de calendário do mês de vencimento, acrescida de três pontos e meio percentuais (v., por analogia, Despachos de 14 de janeiro de 2016, Comissão/Marcuccio, C‑617/11 P‑DEP, não publicado, EU:C:2016:17, n.o 12, e de 7 de outubro de 2020, Argus Security Projects/Comissão e EUBAM Libya, T‑206/17 DEP, não publicado, EU:T:2020:476, n.o 61).

143    No caso em apreço, a indemnização referida no n.o 137, supra, deve ser acrescida de juros de mora, a contar da prolação do presente acórdão e até integral pagamento. A taxa dos juros de mora será a aplicada pelo BCE às suas principais operações de refinanciamento na data do presente acórdão, acrescida de três pontos e meio percentuais.

 Quanto ao pedido de anulação

144    No âmbito do seu pedido de anulação, a recorrente invoca dois fundamentos. O primeiro fundamento é relativo à violação do artigo 266.o, primeiro parágrafo, TFUE, na medida em que, na decisão impugnada, a Comissão recusou pagar‑lhe juros de mora. O segundo fundamento é relativo à violação do artigo 296.o, segundo parágrafo, TFUE, na medida em que a decisão impugnada está viciada por falta ou insuficiência de fundamentação.

145    No que respeita ao segundo fundamento, relativo à violação do artigo 296.o, segundo parágrafo, TFUE, saliente‑se que, à luz da redação da decisão impugnada (v. n.os 12 a 17, supra), do contexto em que foi adotada (v. n.os 1 a 10, supra), bem como do conjunto de normas jurídicas que regulam a matéria em questão, a recorrente teve a possibilidade de compreender que a Comissão tinha recusado atribuir‑lhe juros de mora com o fundamento, por um lado, de que o artigo 266.o TFUE lhe impunha unicamente que pagasse os juros «vencidos» mencionados no artigo 90.o, n.o 4, alínea a), do Regulamento Delegado n.o 1268/2012 e, por outro, de que o Acórdão de 12 de fevereiro de 2019, Printeos/Comissão (T‑201/17, EU:T:2019:81), não obrigava, no caso em apreço, a referida instituição a pagar‑lhe juros de mora. A compreensão da decisão impugnada pela recorrente é, aliás, corroborada pelos argumentos invocados por esta última no âmbito do seu recurso. Além disso, resulta dos n.os 72 a 111, supra, que o Tribunal Geral teve a possibilidade de apreciar, quanto ao mérito, a legalidade da recusa da Comissão de pagar juros de mora à recorrente.

146    Por conseguinte, o segundo fundamento é julgado improcedente.

147    No que respeita ao primeiro fundamento, relativo à violação do artigo 266.o, primeiro parágrafo, TFUE devido à recusa da Comissão de pagar juros de mora, resulta dos n.os 72 a 111, supra, que a Comissão violou esta disposição quando, na decisão impugnada, recusou pagar juros de mora à recorrente sobre a parte do montante da coima que tinha recebido indevidamente, relativamente ao período compreendido entre 16 de janeiro de 2015, data do pagamento da coima, e 19 de fevereiro de 2019, data do reembolso da parte do montante da coima que foi considerada indevida pelo Tribunal Geral no Acórdão de 13 de dezembro de 2018, Deutsche Telekom/Comissão (T‑827/14, EU:T:2018:930).

148    Por conseguinte, o primeiro fundamento é julgado procedente e a decisão impugnada é anulada.

 Quanto às despesas

149    Nos termos do artigo 134.o, n.o 3, do Regulamento de Processo, se as partes obtiverem vencimento parcial, cada uma das partes suporta as suas próprias despesas. No entanto, se tal se afigurar justificado tendo em conta as circunstâncias do caso, o Tribunal Geral pode decidir que, além das suas próprias despesas, uma parte suporte uma fração das despesas da outra parte.

150    No caso em apreço, a recorrente foi vencida no seu segundo pedido. No entanto, os seus primeiro, terceiro e quinto pedidos foram julgados procedentes. Por outro lado, a Comissão é condenada a pagar grande parte da indemnização que a recorrente pediu a título de reparação do prejuízo que sofreu. Por último, não resulta dos autos que, posteriormente à prolação do Acórdão de 20 de janeiro de 2021, Comissão/Printeos (C‑301/19 P, EU:C:2021:39), a Comissão tenha decidido pagar juros de mora à recorrente pelo período compreendido entre 16 de janeiro de 2015 e 19 de fevereiro de 2019. Nestas condições, há que decidir que a Comissão suportará as suas próprias despesas e metade das despesas da recorrente. A recorrente suportará metade das suas próprias despesas.

Pelos fundamentos expostos,

O TRIBUNAL GERAL (Sétima Secção alargada)

decide:

1)      A Comissão Europeia é condenada a pagar uma indemnização no montante de 1 750 522,83 euros à Deutsche Telekom a título de reparação do prejuízo sofrido.

2)      A indemnização referida no n.o 1 será acrescida de juros de mora, a contar da prolação do presente acórdão e até ao seu integral pagamento, à taxa fixada pelo Banco Central Europeu (BCE) para as suas principais operações de refinanciamento, acrescida de três pontos e meio percentuais.

3)      A Decisão da Comissão de 28 de junho de 2019, que recusa pagar juros de mora à Deutsche Telekom, pelo período compreendido entre 16 de janeiro de 2015 e 19 de fevereiro de 2019, sobre o montante principal da coima reembolsada na sequência do Acórdão de 13 de dezembro de 2018, Deutsche Telekom/Comissão (T827/14, EU:T:2018:930), é anulada.

4)      É negado provimento ao recurso quanto ao restante.

5)      A Comissão é condenada a suportar, além das suas próprias despesas, metade das despesas efetuadas pela Deutsche Telekom.

6)      A Deutsche Telekom é condenada a suportar metade das suas próprias despesas.

Proferido em audiência pública no Luxemburgo, em 19 de janeiro de 2022.

Assinaturas


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*      Língua do processo: alemão.