Language of document : ECLI:EU:T:2004:92

Arrêt du Tribunal

ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DE PRIMEIRA INSTÂNCIA (Terceira Secção)
25 de Março de 2004 (1)

«Funcionários - Recurso - Pedido de indemnização apresentado sem ter havido um procedimento pré-contencioso conforme ao Estatuto - Admissibilidade»

No processo T-238/02,

José Barbosa Gonçalves, residente em Viana do Castelo (Portugal), representado por J. Dias Gonçalves, advogado,

recorrente,

contra

Comissão das Comunidades Europeias, representada por V. Joris e G. Braga da Cruz, na qualidade de agentes, com domicílio escolhido no Luxemburgo,

recorrida,

que tem por objecto um pedido de indemnização pelos danos patrimoniais e não patrimoniais alegadamente sofridos pelo recorrente devido à sua não admissão às provas escritas do concurso COM/A/6/01,



O TRIBUNAL DE PRIMEIRA INSTÂNCIA DAS COMUNIDADES EUROPEIAS (Terceira Secção)



composto por: J. Azizi, presidente, M. Jaeger e F. Dehousse, juízes,

secretário: J. Palacio González, administrador,

vistos os autos e após a audiência de 12 de Fevereiro de 2004,

profere o presente



Acórdão




Matéria de facto

1
O recorrente participou no concurso geral COM/A/6/01 organizado pela Comissão para a constituição de uma reserva de recrutamento de administradores A7/A6 nos domínios das relações externas e da gestão da ajuda aos países terceiros (a seguir «concurso»). Este concurso foi objecto de um anúncio publicado no Jornal Oficial das Comunidades Europeias de 11 de Abril de 2001 (JO C 110 A, p. 13).

2
O recorrente optou pelo domínio das «relações externas». O concurso incluía, em primeiro lugar, os testes de pré-selecção, a seguir as provas escritas e, finalmente, as provas orais. Para serem admitidos às provas escritas, os candidatos deviam previamente ser aprovados nos quatro testes de pré-selecção [a), b), c) e d)], constituídos por perguntas de escolha múltipla.

3
Nos termos do anexo II do anúncio de concurso, em todas as fases do concurso, os candidatos que se considerem prejudicados por uma decisão podem requerer o reexame dos seus processos, interpor um recurso ou apresentar uma queixa ao Provedor de Justiça Europeu. O pedido de reexame deve ser apresentado no prazo de trinta dias a contar da data do envio da carta de notificação da decisão em causa. Quanto às vias de recurso, vem especificado que os prazos imperativos fixados para os dois tipos de processo, a saber, a reclamação com base no artigo 90.°, n.° 2, do Estatuto e o recurso para o Tribunal de Primeira Instância, começam a correr na data de notificação da decisão inicial a contestar.

4
Na sequência da participação do recorrente nos testes de pré-selecção, o júri do concurso informou-o, por carta de 22 de Abril de 2002, que a classificação que ele tinha obtido nos testes de pré-selecção era inferior à média exigida.

5
Em 29 de Abril de 2002, o recorrente enviou uma carta ao júri do concurso pedindo o reexame de todas as suas provas escritas, nomeadamente das provas c) e d), o envio das cópias de todas as provas e das respectivas correcções, da lista contendo a classificação dos candidatos e, finalmente, a verificação das notas atribuídas aos outros candidatos e ainda dos totais dessas notas.

6
Por carta de 7 de Maio de 2002, o júri do concurso informou o recorrente de que, devido a um problema de impressão, os resultados que lhe tinham sido comunicados anteriormente não estavam correctos mas que, no entanto, o total dos pontos que tinha obtido nos testes de pré-selecção estava correcto.

7
Por carta de 19 de Maio de 2002 enviada ao júri do concurso, o recorrente, alegando a existência de vários erros nas respostas consideradas correctas relativas às provas a) e b), requereu o reexame dessas provas assim como uma nova classificação de todos os candidatos.

8
Por carta de 13 de Junho de 2002, o júri do concurso informou o recorrente de que as perguntas de escolha múltipla tinham sido cuidadosamente elaboradas e de que tinham sido objecto de várias verificações. Acrescentou que, relativamente ao teste b), as perguntas tinham sido elaboradas por especialistas e que tinham sido objecto de várias reuniões de releitura, na sequência das quais a grelha de respostas correctas fora considerada válida e definitiva pelo júri do concurso. Alegando o esgotamento do prazo de trinta dias a partir da data em que as provas tiveram lugar, o júri do concurso concluiu que não podia dar seguimento favorável ao pedido de reexame do recorrente de 19 de Maio de 2002.


Tramitação processual e pedidos das partes

9
Por petição apresentada na Secretaria do Tribunal em 9 de Agosto de 2002, o recorrente interpôs o presente recurso.

10
Com base no relatório do juiz-relator, o Tribunal decidiu iniciar a fase oral. As partes responderam às questões escritas colocadas pelo Tribunal.

11
Em 12 de Fevereiro de 2004, foram ouvidas as alegações das partes e as suas respostas às questões colocadas pelo Tribunal.

12
O recorrente conclui pedindo que o Tribunal se digne:

-
condenar a recorrida a pagar-lhe uma indemnização a fixar pelo Tribunal no montante não inferior a 1 016 200 euros;

-
condenar a recorrida nas despesas;

-
publicar a condenação da recorrida nos jornais e semanários europeus de maior difusão.

13
Na fase da réplica, o recorrente conclui pedindo que o Tribunal se digne também:

-
juntar aos autos o pedido de prorrogação do prazo que figura como documento n.° 7;

-
notificar o presente litígio ao Provedor de Justiça Europeu para que este possa, se assim o entender, intervir no presente processo.

14
A recorrida conclui pedindo que o Tribunal se digne:

-
rejeitar o recurso por inadmissível;

-
subsidiariamente, negar provimento ao recurso;

-
decidir sobre as despesas nos termos legais.


Quanto à admissibilidade

Argumentos das partes

15
A recorrida alega na sua tréplica que, na realidade, com o presente recurso o recorrente não pretende obter a anulação de qualquer acto praticado pela Comissão, mas apenas a reparação dos danos patrimoniais e não patrimoniais alegadamente causados pela acção da Comissão.

16
Acrescenta que o procedimento administrativo deveria obrigatoriamente ter-se iniciado com um pedido do interessado à entidade competente para proceder a nomeações convidando-a a reparar os prejuízos e prosseguido, eventualmente, com uma reclamação contra o indeferimento do pedido (acórdãos do Tribunal de Primeira Instância de 25 de Setembro de 1991, Marcato/Comissão, T-5/90, Colect., p. II-731, n.os 49 e 50; de 9 de Fevereiro de 1994, Latham/Comissão, T-82/91, ColectFP, pp. I-A-15 e II-61, n.° 34; despachos do Tribunal de Primeira Instância de 6 de Fevereiro de 1992, Castelletti e o./Comissão, T-29/91, Colect., p. II-77, n.os 28 a 30, e de 28 de Janeiro de 1993, Stachelski/Comissão, T-53/92, Colect., p. II-35, n.os 17 e 18).

Apreciação do Tribunal

17
Importa verificar se, conforme sustenta a recorrida, o recorrente pretende com o presente recurso obter do Tribunal não a anulação de um acto que lhe causa prejuízo mas uma decisão condenando a Comissão a reparar os danos patrimoniais e não patrimoniais pretensamente causados pelos alegados erros cometidos pelo júri do concurso.

18
O Tribunal verifica que, conforme a recorrida refere com razão, a leitura da petição mostra que o recorrente não pretende obter a anulação do acto praticado pelo júri do concurso, mas apenas a reparação dos danos patrimoniais e não patrimoniais alegadamente causados pela acção do júri do concurso.

19
Com efeito, em primeiro lugar, importa observar que a conclusão da petição inicial é a seguinte:

«Nestes termos e nos melhores de direito, deverá a Comissão Europeia ser condenada:

a)      a pagar uma indemnização a fixar pelo Tribunal, em conformidade com o atrás exposto e numa quantia não inferior a 1 016 200 euros,

b)      a suportar todas as despesas do presente processo,

c)      a publicar a condenação nos diários e semanários europeus de maior difusão.»

20
Em segundo lugar, a fundamentação da petição testemunha igualmente que o recorrente apenas tem em vista a reparação dos alegados danos. Assim, após ter exposto os erros alegadamente cometidos pelo júri do concurso, o recorrente conclui, no artigo 64.° da petição, que «destas violações [...] resultam danos óbvios». Nem a petição nem a réplica contêm elementos em apoio de um eventual pedido de anulação da decisão do júri.

21
Em terceiro lugar, após ter recordado os princípios que regem o contencioso da responsabilidade, o recorrente afirma, nos artigos 76.° e 77.° da petição, que «A simples anulação do concurso em nada repararia os danos sofridos. Assim, deverá o Tribunal fixar uma indemnização em dinheiro.»

22
Em quarto lugar, as mesmas considerações podem igualmente ser feitas a propósito da réplica. Esta não menciona em parte alguma a anulação de um acto do júri. Com efeito, a exposição introdutória refere-se a eventuais faltas ou omissões da Comissão. A seguir, vem indicado no artigo 48.° que «[...] existe ilegalidade do comportamento imputado à instituição, o dano é real e existe nexo de causalidade entre o comportamento e os prejuízos indicados». E conclui, no artigo 49.°, que «[...] a Comunidade deve indemnizar 'de acordo com os princípios gerais comuns aos direitos dos Estados-Membros' [artigo 288.° do Tratado de Roma (CE)]». Seguem-se então considerações sobre os alegados prejuízos sofridos.

23
Em quinto lugar, interrogado pelo Tribunal quanto ao objecto do recurso na audiência, o recorrente confirmou expressamente por várias vezes que o seu recurso apenas tem como objecto a atribuição de uma indemnização para reparação dos prejuízos sofridos.

24
Daqui resulta que ao interpor o seu recurso, o recorrente não teve em vista a anulação de uma decisão do júri, mas a reparação dos danos que alegadamente sofreu na sequência da decisão do júri do concurso.

25
Esta conclusão não é posta em causa pelo facto de na parte inicial da petição o recorrente declarar «não se conformar com a decisão de 13 de Junho de 2002, tomada pelo júri do concurso geral COM/A/6/01, que rejeitou as reclamações que apresentou, no âmbito deste concurso, confirmando a sua exclusão do mesmo». Com efeito, à excepção desta passagem, a petição não contém qualquer elemento substancial relativo aos fundamentos, imputações ou argumentos com vista a que seja declarada pelo Tribunal uma anulação. O recorrente não tentou suprir esta omissão na audiência, tendo, pelo contrário, indicado que a petição se referia aos alegados erros cometidos pela decisão do júri do concurso enquanto condição exigida para a constituição da responsabilidade extracontratual da Comissão Europeia.

26
No que se refere à admissibilidade de um pedido de indemnização, resulta da jurisprudência (acórdãos Marcato/Comissão, referido no n.° 16, supra, n.os 49 e 50, e Latham/Comissão, referido no n.° 16, supra, n.° 34) que só quando existe uma conexão directa entre um recurso de anulação e um pedido de indemnização é que este último é admissível como acessório do recurso de anulação, sem ter que necessariamente ser precedido quer de um requerimento convidando a AIPN a reparar o prejuízo alegadamente sofrido quer de uma reclamação impugnando o indeferimento tácito ou expresso do seu pedido.

27
No caso em apreço, o recurso não contém qualquer pedido com vista à anulação de um acto, pois visa a reparação de danos patrimoniais e não patrimoniais alegadamente causados pelo facto de o recorrente não ter sido admitido às provas seguintes do concurso. Assim, o recurso não se baseia nos danos resultantes de um único acto cuja anulação seria pedida mas em várias faltas e omissões alegadamente cometidas pela administração. Desta forma, o procedimento administrativo que precedeu a sua interposição deveria imperativamente ter sido iniciado por um pedido do interessado convidando a AIPN a reparar estes danos e prosseguir, se fosse caso disso, com uma reclamação contra a decisão de indeferimento do pedido (despachos Castelletti e o./Comissão, referido no n.° 16, supra, n.os 28 a 30, e Stachelski/Comissão, referido no n.° 16, supra, n.os 17 e 18).

28
Ora, o Tribunal verifica que o presente recurso não foi precedido de um pedido do interessado à AIPN convidando-a a reparar os alegados prejuízos. De resto, interrogado expressamente quanto a este ponto pelo Tribunal na audiência, o recorrente confirmou que não tinha previamente apresentado um pedido convidando a AIPN a reparar os danos alegadamente sofridos.

29
Daqui decorre que o recurso não foi interposto nas condições previstas no Estatuto e que, portanto, é inadmissível.


Quanto às despesas

30
Nos termos do artigo 87.°, n.° 2, do Regulamento de Processo, a parte vencida é condenada nas despesas, se tal tiver sido requerido. Todavia, nos termos do artigo 88.° do mesmo regulamento, nos litígios entre as Comunidades e os seus agentes, as despesas efectuadas pelas instituições ficam a cargo destas. Assim, cada parte suportará as suas próprias despesas.

Pelos fundamentos expostos,

O TRIBUNAL DE PRIMEIRA INSTÂNCIA (Terceira Secção)

decide:

1)
O recurso é julgado inadmissível.

2)
Cada uma das partes suportará as suas próprias despesas.

Azizi

Jaeger

Dehousse

Proferido em audiência pública no Luxemburgo, em 25 de Março de 2004.

O secretário

O presidente

H. Jung

J. Azizi


1 -
Língua do processo: português.