Language of document : ECLI:EU:C:2007:780

ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Segunda Secção)

13 de Dezembro de 2007 (*)

Índice

Quadro jurídico

Regulamentação comunitária

Directiva «aves»

Directiva «habitats»

Legislação nacional

European Communities Act

Wildlife Act

Regulamento «aves»

Regulamento «habitats»

Fase pré‑contenciosa e fase escrita no Tribunal de Justiça

Quanto à acção

Observações preliminares

Quanto à primeira acusação, relativa à classificação como ZPE de territórios insuficientes em número e em extensão, contrariando o disposto no artigo 4.°, n.os 1 e 2, da directiva «aves»

Observações preliminares

Quanto ao IBA 2000

Quanto à primeira vertente da primeira acusação

– Argumentos das partes

– Apreciação do Tribunal de Justiça

A –  Quanto aos sítios identificados no IBA 2000

1.  No que respeita ao sítio de Cross Lough

a)  Argumentos das partes

b)  Apreciação do Tribunal de Justiça

2.  No que respeita aos três sítios apropriados para a conservação do codornizão

a)  Argumentos das partes

b)  Apreciação do Tribunal de Justiça

B –  Quanto às aves a proteger noutros sítios

1.  No que respeita aos sítios apropriados para a conservação do guarda‑rios‑comum

2.  No que respeita aos sítios apropriados para a conservação do codornizão

Quanto à segunda vertente da primeira acusação

– Argumentos das partes

– Apreciação do Tribunal de Justiça

Quanto à segunda acusação, relativa ao não estabelecimento do regime de protecção legal necessário, nos termos do artigo 4.°, n.os 1 e 2, da directiva «aves»

Argumentos das partes

Apreciação do Tribunal de Justiça

Quanto à terceira acusação, relativa à não aplicação do artigo 4.°, n.° 4, primeiro período, da directiva «aves» às zonas que deviam ter sido classificadas como ZPE

Argumentos das partes

Apreciação do Tribunal de Justiça

Quanto à quarta acusação, relativa à falta de transposição e de aplicação do artigo 4.°, n.° 4, segundo período, da directiva «aves»

Argumentos das partes

Apreciação do Tribunal de Justiça

Quanto à quinta acusação, relativa à transposição e aplicação insuficientes do artigo 6.°, n.os 2 a 4, da directiva «habitats»

Observações preliminares

No que respeita à transposição e aplicação insuficientes do artigo 6.°, n.° 2, da directiva «habitats»

– Argumentos das partes

– Apreciação do Tribunal de Justiça

No que respeita à transposição insuficiente do artigo 6.°, n.° 2, da directiva «habitats» no domínio das actividades recreativas

– Argumentos das partes

– Apreciação do Tribunal de Justiça

No que respeita à transposição e aplicação insuficientes do artigo 6.°, n.os 3 e 4, da directiva «habitats»

– Argumentos das partes

– Apreciação do Tribunal de Justiça

Quanto à sexta acusação, relativa à não transposição do artigo 10.° da directiva «aves»

Argumentos das partes

Apreciação do Tribunal de Justiça

Quanto às despesas

«Incumprimento de Estado – Directiva 79/409/CEE – Conservação das aves selvagens – Artigos 4.° e 10.° – Transposição e aplicação – IBA 2000 – Valor – Qualidade dos dados – Critérios – Margem de apreciação – Directiva 92/43/CEE – Preservação dos habitats naturais e da fauna e da flora selvagens – Artigo 6.° – Transposição e aplicação»

No processo C‑418/04,

que tem por objecto uma acção por incumprimento nos termos do artigo 226.° CE, entrada em 29 de Setembro de 2004,

Comissão das Comunidades Europeias, representada por B. Doherty e M. van Beek, na qualidade de agentes, com domicílio escolhido no Luxemburgo,

demandante,

contra

Irlanda, representada por D. O’Hagan, na qualidade de agente, assistido por E. Cogan, barrister, e G. Hogan, SC,

demandada,

apoiada por:

República Helénica, representada por E. Skandalou, na qualidade de agente, com domicílio escolhido no Luxemburgo,

e

Reino de Espanha, representado por N. Díaz Abad, na qualidade de agente, com domicílio escolhido no Luxemburgo,

intervenientes,

O TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Segunda Secção),

composto por: C. W. A. Timmermans, presidente de secção, L. Bay Larsen, R. Schintgen, R. Silva de Lapuerta e P. Kūris (relator), juízes,

advogada‑geral: J. Kokott,

secretário: L. Hewlett, administradora principal,

vistos os autos e após a audiência de 6 de Julho de 2006,

ouvidas as conclusões da advogada‑geral na audiência de 14 de Setembro de 2006,

profere o presente

Acórdão

1        Na petição inicial, a Comissão das Comunidades Europeias pede ao Tribunal de Justiça que declare que a Irlanda:

–        Por não ter classificado, desde 1981, nos termos do artigo 4.°, n.os 1 e 2, da Directiva 79/409/CEE do Conselho, de 2 de Abril de 1979, relativa à conservação das aves selvagens (JO L 103, p. 1; EE 15 F2 p. 125), na redacção dada pela Directiva 97/49/CE da Comissão, de 29 de Julho de 1997 (JO L 223, p. 9, a seguir «directiva ‘aves’»), todos os territórios mais apropriados em número e em extensão para as espécies mencionadas no anexo I da referida directiva (a seguir «anexo I»), assim como para as espécies migratórias cuja ocorrência seja regular;

–        Por não ter estabelecido, desde 1981, nos termos do artigo 4.°, n.os 1 e 2, da directiva «aves», o regime de protecção legal necessário para aqueles territórios;

–        Por não ter assegurado que, desde 1981, as disposições do artigo 4.°, n.° 4, primeiro período, da directiva «aves» seriam aplicadas em zonas que deviam ter sido classificadas como zonas de protecção especial (a seguir «ZPE»), por força da referida directiva;

–        Por não ter transposto e aplicado completa e correctamente as disposições do artigo 4.°, n.° 4, segundo período, da directiva «aves»;

–        Por não ter tomado, no que se refere às ZPE, na acepção da directiva «aves», todas as medidas necessárias para dar cumprimento do artigo 6.°, n.os 2 a 4, da Directiva 92/43/CEE do Conselho, de 21 de Maio de 1992, relativa à preservação dos habitats naturais e da fauna e da flora selvagens (JO L 206, p. 7, a seguir «directiva ‘habitats’»), e por não ter tomado, no que se refere a actividades recreativas em todos os sítios que devem ficar abrangidos pelo artigo 6.°, n.° 2, desta última directiva, todas as medidas necessárias para dar cumprimento do disposto no referido artigo 6.°, n.° 2; e

–        Por não ter tomado todas as medidas necessárias para dar cumprimento ao disposto no artigo 10.° da directiva «aves»;

não cumpriu as obrigações que lhe incumbem por força dos supramencionados artigos das referidas directivas.

2        Por despacho do presidente do Tribunal de Justiça de 17 de Março de 2005, foi admitida a intervenção da República Helénica e do Reino de Espanha em apoio dos pedidos da Irlanda, que pede ao Tribunal de Justiça que julgue a acção improcedente ou, em todo o caso, que limite o alcance do acórdão que proferir aos pontos específicos em que entende que a Irlanda não cumpriu as obrigações que lhe incumbem por força das directivas em causa.

 Quadro jurídico

 Regulamentação comunitária

 Directiva «aves»

3        O nono considerando da directiva «aves» enuncia que «a preservação, a manutenção ou o restabelecimento de uma diversidade e de uma extensão suficientes de habitats são indispensáveis para a conservação de todas as espécies de aves; que certas espécies de aves devem ser alvo de medidas de conservação especial relativas ao seu habitat, de modo a garantir a sua sobrevivência e a sua reprodução na sua área de distribuição; que essas medidas devem igualmente ter em conta as espécies migratórias e ser coordenadas com vista à constituição de uma rede coerente».

4        Nos termos do artigo 4.° da directiva «aves»:

«1.      As espécies mencionadas no anexo I são objecto de medidas de conservação especial respeitantes ao seu habitat, de modo a garantir a sua sobrevivência e a sua reprodução na sua área de distribuição.

Para o efeito, tomar‑se‑ão em consideração:

a)      As espécies ameaçadas de extinção;

b)      As espécies vulneráveis a certas modificações dos seus habitats;

c)      As espécies consideradas raras, porque as suas populações são reduzidas ou porque a sua repartição local é restrita;

d)      Outras espécies necessitando de atenção especial devido à especificidade do seu habitat.

Ter‑se‑á em conta, para proceder às avaliações, quais as tendências e as variações dos níveis populacionais.

Os Estados‑Membros classificarão, nomeadamente, em zonas de protecção especial os territórios mais apropriados, em número e em extensão, para a conservação destas últimas na zona geográfica marítima e terrestre de aplicação da presente directiva.

2.      Os Estados‑Membros tomarão medidas semelhantes para as espécies migratórias não referidas no anexo I e cuja ocorrência seja regular, tendo em conta as necessidades de protecção na zona geográfica marítima e terrestre de aplicação da presente directiva no que diz respeito às suas áreas de reprodução, de muda e de invernada e às zonas de repouso e alimentação nos seus percursos de migração. Com esta finalidade, os Estados‑Membros atribuem uma importância especial à protecção das zonas húmidas e muito particularmente às de importância internacional.

[…]

4.      Os Estados‑Membros tomarão as medidas adequadas para evitar, nas zonas de protecção referidas nos n.os 1 e 2, a poluição ou a deterioração dos habitats bem como as perturbações que afectam as aves, desde que tenham um efeito significativo a propósito dos objectivos do presente artigo. Para além destas zonas de protecção, os Estados‑Membros esforçam‑se igualmente por evitar a poluição ou a deterioração dos habitats.»

5        O artigo 10.° da directiva «aves» dispõe:

«1.      Os Estados‑Membros incentivarão as investigações e os trabalhos necessários para fins da protecção, da gestão e da exploração populacional de todas as espécies de aves referidas no artigo 1.°

2.      Será atribuída especial atenção às investigações e aos trabalhos que incidam sobre os assuntos enumerados no anexo V. Os Estados‑Membros enviam à Comissão todas as informações necessárias de modo a possibilitar‑lhe a tomada de medidas apropriadas à coordenação das investigações e trabalhos referidos no presente artigo.»

6        Os assuntos das investigações e trabalhos enumerados no anexo V da directiva «aves» são os seguintes:

«a)      Elaboração da lista nacional das espécies ameaçadas de extinção ou especialmente em perigo, tendo em conta a sua área de distribuição geográfica;

b)      Recenseamento e descrição ecológica das zonas de importância particular para as espécies migradoras no decurso das suas migrações, da sua invernada e da sua nidificação;

c)      Recenseamento dos dados relativos ao nível populacional das aves migradoras, utilizando os resultados da anilhagem;

d)      Determinação da influência dos métodos de captura sobre o nível das populações;

e)      Criação e desenvolvimento de métodos ecológicos para evitar os estragos causados pelas aves;

f)      Determinação do papel de certas espécies como indicadores de poluição;

g)      Estudo dos efeitos prejudiciais da poluição química sobre o nível populacional das espécies de aves.»

 Directiva «habitats»

7        O artigo 6.° da directiva «habitats» tem a seguinte redacção:

«[…]

2.      Os Estados‑Membros tomarão as medidas adequadas para evitar, nas zonas especiais de conservação, a deterioração dos habitats naturais e dos habitats de espécies, bem como as perturbações que atinjam as espécies para as quais as zonas foram designadas, na medida em que essas perturbações possam vir a ter um efeito significativo, atendendo aos objectivos da presente directiva.

3.      Os planos ou projectos não directamente relacionados com a gestão do sítio e não necessários para essa gestão, mas susceptíveis de afectar esse sítio de forma significativa, individualmente ou em conjugação com outros planos e projectos, serão objecto de uma avaliação adequada das suas incidências sobre o sítio no que se refere aos objectivos de conservação do mesmo. Tendo em conta as conclusões da avaliação das incidências sobre o sítio e sem prejuízo do disposto no n.° 4, as autoridades nacionais competentes só autorizarão esses planos ou projectos depois de se terem assegurado de que não afectarão a integridade do sítio em causa e de terem auscultado, se necessário, a opinião pública.

4.      Se, apesar de a avaliação das incidências sobre o sítio ter levado a conclusões negativas e na falta de soluções alternativas, for necessário realizar um plano ou projecto por outras razões imperativas de reconhecido interesse público, incluindo as de natureza social ou económica, o Estado‑Membro tomará todas as medidas compensatórias necessárias para assegurar a protecção da coerência global da rede Natura 2000. O Estado‑Membro informará a Comissão das medidas compensatórias adoptadas.

No caso de o sítio em causa abrigar um tipo de habitat natural e/ou uma espécie prioritária, apenas podem ser evocadas razões relacionadas com a saúde do homem ou a segurança pública ou com consequências benéficas primordiais para o ambiente ou, após parecer da Comissão, outras razões imperativas de reconhecido interesse público.»

 Legislação nacional

 European Communities Act

8        A Lei de 1972 relativa às Comunidades Europeias (European Communities Act 1972, a seguir «European Communities Act») habilita os Ministros a legislar independentemente do Parlamento nacional, quando as obrigações de direito comunitário o exijam.

 Wildlife Act

9        O artigo 11.°, n.os 1 e 3, da Lei de 1976 sobre a fauna e a flora selvagens (Wildlife Act 1976), na versão resultante da Lei de alteração de 2000 [Wildlife (Amendment) Act 2000, a seguir «Wildlife Act»], dispõe:

«1.      Compete ao Ministro garantir a conservação da vida selvagem e promover a conservação da diversidade biológica.

[…]

3.      O Ministro pode, quer directamente quer em associação com um terceiro ou por seu intermédio:

a)      Efectuar ou mandar efectuar os trabalhos de investigação que considere úteis para o exercício das funções que lhe são conferidas pela presente lei;

[…]»

10      Os artigos 15.° a 17.° do Wildlife Act atribuem ao Ministro competente o poder de criar, por decreto (establishment order), reservas naturais em terrenos integrados no domínio público. Esta lei habilita igualmente o Ministro a reconhecer reservas naturais constituídas noutros terrenos e a designar terrenos como refúgios de fauna.

 Regulamento «aves»

11      O Regulamento de 1985 relativo à conservação das aves selvagens das Comunidades Europeias [European Communities (Conservation of Wild Birds) Regulations 1985, a seguir «regulamento ‘aves’»] proíbe a deposição de alimentos, detritos e substâncias nocivas nas ZPE em causa.

 Regulamento «habitats»

12      No preâmbulo do Regulamento de 1997 relativo aos habitats naturais das Comunidades Europeias [European Communities (Natural Habitats) Regulations 1997], na redacção dada pela Lei de alteração de 2000 [Wildlife (Amendment) Act 2000, a seguir «regulamento ‘habitats’»], refere‑se que este foi adoptado para transpor e pôr em vigor no direito interno a directiva «habitats».

13      O artigo 2.° do regulamento «habitats» designa como sítio europeu: a) o sítio notificado para efeitos do artigo 4.° […] deste regulamento; b) o sítio adoptado pela Comissão como sítio de importância comunitária para os efeitos do artigo 4.°, n.° 2, da directiva «habitats», segundo o procedimento previsto no artigo 21.° da mesma directiva; c) uma zona de conservação especial; e d) uma zona classificada nos termos do artigo 4.°, n.os 1 e 2, da directiva «aves».

14      O artigo 4.° deste regulamento dispõe:

«1.      O Ministro transmite um exemplar da lista dos sítios europeus candidatos ou uma lista alterada nos termos do artigo 3.°, n.° 3, ao Ministro da Agricultura, da Alimentação e das Florestas, ao Ministro do Mar, ao Ministro dos Transportes, da Energia e das Comunicações, aos Commissioners of Public Works in Ireland (Serviço irlandês das obras públicas), à Environmental Protection Agency (Agência de protecção do ambiente) e a qualquer autoridade competente em matéria de ordenamento do território em cuja jurisdição se situa todo ou parte do terreno mencionado na lista e consulta, se necessário, todas ou algumas das entidades mencionadas.

2.      a)     O Ministro notifica cada proprietário e ocupante de qualquer terreno constante da lista dos sítios europeus candidatos e cada titular de uma licença de prospecção ou exploração válida, devidamente emitida por acto oficial, relativa ao referido terreno, da proposta de incluir esse terreno na referida lista e de a transmitir à Comissão nos termos do disposto na directiva «habitats»;

         b)     Se não for possível determinar, após uma pesquisa normal, o endereço de uma pessoa a que se aplique a alínea a) deste número, serão afixados avisos e mapas que mostrem o sítio em causa, em local bem visível:

         i)     Num ou mais postos da Garda Siochana, nas instalações das administrações locais, nas delegações locais do Ministério da Segurança Social, nas delegações locais do Ministério da Agricultura, da Alimentação e das Florestas e nas instalações da Teagasc sitas no ou ao longo do sítio em causa, ou

         ii)   Se não houver nenhum posto ou instalação nesse local, num ou mais postos ou instalações situados na proximidade ou nos arredores do sítio, e

serão divulgados em pelo menos uma das estações de rádio que emitem na zona do sítio em causa e publicados em pelo menos um dos jornais que circulam nessa zona anúncios em que se convide qualquer pessoa afectada pela lista dos sítios propostos como sítios europeus a contactar o Ministério das Artes, da Cultura e do Gaeltacht.

[…]

3.      Para cada um dos sítios, a lista das sítios propostos como sítios europeus enviada pelo Ministro nos termos do n.° 1 e a notificação emitida pelo Ministro nos termos do n.° 2:

a)      Serão acompanhadas por um mapa topográfico de escala adequada ao caso concreto, em que o sítio é delimitado de modo a permitir a identificação das propriedades incluídas no sítio a que o aviso se refere e os respectivos limites;

b)      Indicarão as operações ou actividades que o Ministro considera serem susceptíveis de alterar, prejudicar, destruir ou interferir na integridade do sítio;

c)      Indicarão o tipo ou tipos de habitats ou as espécies que o sítio abriga e para os quais foi proposto o reconhecimento deste como sítio de importância comunitária;

d)      Indicarão quais as vias de recurso à disposição das pessoas.

[…]»

15      O artigo 5.° do referido regulamento atribui a cada destinatário de uma notificação, nos termos do artigo 4.°, n.° 2, do mesmo regulamento, o direito de impugnar a inscrição do sítio na lista dos sítios europeus candidatos e define o procedimento a observar para proferir decisão sobre essas objecções.

16      O artigo 7.° do regulamento «habitats» prevê que o Ministro pode nomear «agentes autorizados» para penetrar nos terrenos e inspeccioná‑los.

17      O artigo 9.° desse regulamento dispõe:

«1.      O mais tardar seis anos após a data da adopção de um sítio pela Comissão nos termos do procedimento estabelecido no artigo 4.°, n.° 2, da directiva ‘habitats’, o Ministro designa esse sítio como zona especial de conservação e publica ou manda publicar no Iris Oifigiúil uma cópia de cada uma dessas designações.

[…]»

18      O artigo 13.° do referido regulamento tem a seguinte redacção:

«1.      O Ministro decreta as medidas de conservação que considerar adequadas aos sítios designados nos termos do artigo 9.°, nomeadamente, se necessário, planos de gestão expressamente concebidos para os sítios ou integrados em planos adequados.

2.      O Ministro toma as medidas administrativas ou contratuais correspondentes às necessidades ecológicas dos tipos de habitats naturais a que se refere o anexo I da directiva ‘habitats’ e das espécies a que se refere o anexo II da referida directiva que estão presentes nos sítios em causa.

3.      O Ministro toma as disposições úteis para evitar, nas zonas especiais de conservação designadas nos termos do artigo 9.°, a deterioração dos habitats naturais e dos habitats de espécies e as perturbações que afectam as espécies para as quais essas zonas foram designadas, desde que essas perturbações sejam susceptíveis de ter efeitos significativos face aos objectivos da directiva ‘habitats’.»

19      Nos termos do artigo 14.° do regulamento «habitats»:

«1.      É proibido realizar, mandar realizar ou prosseguir, em qualquer propriedade integrada numa zona especial de conservação ou num sítio constante de uma lista elaborada nos termos do capítulo I da presente parte, uma operação ou actividade mencionada num aviso emitido nos termos do artigo 4.°, n.° 2, salvo se a operação for efectuada, autorizada ou prosseguida pelo proprietário, ocupante ou utilizador do terreno e:

a)      Um deles tiver apresentado ao Ministro uma proposta, por escrito, da operação ou actividade a efectuar, especificando a respectiva natureza e a propriedade em que se propõe efectuá‑la, e

b)      Se verificar uma das condições enumeradas no n.° 2.

2.      As condições a que se refere o n.° 1 são as seguintes:

a)      A operação ou actividade é efectuada com o consentimento escrito do Ministro; ou

b)      A operação é efectuada nos termos do acordo de gestão previsto no artigo 12.°

3.      Quem, sem motivo de desculpa razoável, infringir o disposto no n.° 1 comete um delito.

4.      O disposto no presente artigo não se aplica às operações ou actividades a que se refere o artigo 15.°, n.° 2.»

20      O artigo 15.° desse regulamento dispõe, no seu n.° 1, que, se for apresentado às autoridades irlandesas um pedido de autorização nos termos do artigo 14.° do mesmo regulamento e a actividade projectada for susceptível de ter repercussões consideráveis no sítio, essas autoridades devem avaliar as suas implicações para o sítio face aos objectivos de conservação que lhe dizem respeito. Ademais, esse artigo 15.° prevê, no seu n.° 2, que, se a actividade projectada já tiver sido autorizada ao abrigo de outra legislação, o Ministro competente sob cuja autoridade a autorização foi emitida deve avaliar essa actividade e, eventualmente, alterar ou revogar a referida autorização.

21      O artigo 16.° do referido regulamento prevê que, se a avaliação a que se refere o seu artigo 15.° demonstrar que a actividade projectada terá um efeito nefasto no sítio, esta não deve ser autorizada. Porém, é prevista uma excepção por «razões imperiosas de elevado interesse público».

22      O artigo 17.° do regulamento «habitats» prevê:

«1.      Se o Ministro considerar que é efectuada, ou é susceptível de ser efectuada:

a)      Num sítio constante de uma lista elaborada nos termos do capítulo I da presente parte;

b)      Num sítio relativamente ao qual foi organizada uma consulta nos termos do artigo 5.° da directiva ‘habitats’; ou

c)      Num sítio europeu;

uma operação ou actividade que não está directamente relacionada com a gestão desses sítios ou não é necessária para a mesma, mas é susceptível de ter efeitos significativos sobre os mesmos, quer isoladamente quer em combinação com outras operações ou actividades, o Ministro assegurar‑se‑á de que será levada a efeito uma avaliação adequada das implicações dessa operação ou actividade para esse sítio, tendo em conta os objectivos de conservação desse sítio.

2.      Para efeitos deste artigo, considera‑se que um estudo do impacto ambiental é uma avaliação adequada.

3.      Se o Ministro, em face das conclusões da avaliação efectuada nos termos do n.° 1, entender que a operação ou actividade é susceptível de perturbar a integridade do sítio, proporá uma acção no órgão jurisdicional competente para impedir o prosseguimento da operação ou actividade.

4.      A acção proposta no órgão jurisdicional competente tem carácter urgente e o órgão jurisdicional no qual a acção é proposta poderá (eventualmente) proferir uma decisão de natureza cautelar ou provisória, se o julgar necessário, atendendo ao artigo 6.°, n.° 4, da directiva ‘habitats’ e à necessidade, em geral, de preservar a integridade do sítio em causa e assegurar a coerência global da rede Natura 2000.

5.      Para efeitos da presente secção, considera‑se ‘órgão jurisdicional competente’ um Judge da Circuit Court em cuja jurisdição se situam as propriedades ou parcelas de propriedades em causa, ou a High Court.»

23      O artigo 18.° desse regulamento tem a seguinte redacção:

«1.      Se for efectuada ou proposta, numa propriedade não incluída:

a)      Num sítio constante de uma lista nos termos do capítulo I da presente parte; ou

b)      Num sítio relativamente ao qual foi organizada uma consulta nos termos do artigo 5.° da directiva ‘habitats’, ou

c)      Num sítio europeu;

uma operação ou actividade susceptível de perturbar a integridade do sítio em causa, quer isoladamente quer em combinação com outras operações ou actividades, o Ministro assegurar‑se‑á de que será levada a efeito uma avaliação adequada das implicações dessa operação ou actividade para esse sítio, tendo em conta os objectivos de conservação desse sítio.

2.      O disposto no artigo 17.°, n.os 2 a 5, será aplicado atendendo às conclusões da avaliação efectuada nos termos do n.° 1.»

24      O artigo 34.° do referido regulamento dispõe:

«Se for caso disso, o disposto nos artigos 4.°, 5.°, 7.°, 13.°, 14.°, 15.° e 16.° aplica‑se, com as necessárias adaptações, às zonas classificadas nos termos do artigo 4.°, n.os 1 e 2, da directiva ‘aves’.»

25      O artigo 35.° desse mesmo regulamento tem a seguinte redacção:

«O Ministro:

a)      Encorajará a educação e a informação geral quanto à necessidade de proteger as espécies da flora e da fauna selvagens e de preservar os respectivos habitats e os habitats naturais;

b)      Encorajará a pesquisa e os trabalhos científicos necessários para observar o disposto no artigo 11.° da directiva ‘habitats’, dispensando especial atenção aos trabalhos científicos necessários para a aplicação dos artigos 4.° e 10.° dessa directiva;

c)      Prestará, se for caso disso, aos outros Estados‑Membros e à Comissão, as informações úteis para a correcta coordenação das actividades de pesquisa efectuadas a nível nacional e comunitário.»

 Fase pré‑contenciosa e fase escrita no Tribunal de Justiça

26      Após ter recebido denúncias, a Comissão deu início a dois processos por incumprimento contra a Irlanda e remeteu‑lhe, entre 11 de Novembro de 1998 e 18 de Abril de 2002, quatro notificações para cumprir relativas, por um lado, à não transposição integral e à aplicação incorrecta das directivas «aves» e «habitats» e, por outro, a infracções específicas relativas à deterioração dos habitats causada pelo exercício de actividades recreativas.

27      Uma vez que as explicações dadas nas respostas das autoridades irlandesas não foram consideradas satisfatórias e após as reuniões bilaterais entre a Irlanda e a Comissão, esta remeteu à Irlanda, em 24 de Outubro de 2001, um parecer fundamentado e, em 11 de Julho de 2003, um parecer fundamentado complementar e um parecer fundamentado relativo às actividades recreativas.

28      Por considerar que nem todos os argumentos expendidos nas respostas da Irlanda aos pareceres fundamentados eram convincentes e, consequentemente, por considerar que persistia o incumprimento de determinadas obrigações resultantes das directivas «aves» e «habitats», a Comissão decidiu propor a presente acção.

29      Em face das conexões entre os dois casos, a Comissão decidiu juntar as duas infracções num só processo no Tribunal de Justiça.

 Quanto à acção

30      Para fundamentar a acção, a Comissão aduz seis acusações quanto ao incumprimento, pela Irlanda, de determinadas obrigações que lhe incumbem por força dos artigos 4.°, n.os 1, 2 e 4, e 10.° da directiva «aves» e do artigo 6.°, n.os 2 a 4, da directiva «habitats».

 Observações preliminares

31      O artigo 18.°, n.° 1, da directiva «aves» prevê que os Estados‑Membros devem dar cumprimento a essa directiva no prazo de dois anos a contar da sua notificação. Consequentemente, o prazo de transposição da directiva «aves» expirou, no que respeita àquele Estado‑Membro, em 6 de Abril de 1981.

32      O artigo 23.°, n.° 1, da directiva «habitats» prevê que os Estados‑Membros devem dar cumprimento a essa directiva no prazo de dois anos a contar da sua notificação. Consequentemente, o prazo de transposição da directiva «habitats» expirou, no que respeita àquele Estado‑Membro, em 10 de Junho de 1994.

33      É pacífico que, no presente processo, a data do termo do prazo estabelecido nos pareceres fundamentados deve ser fixada em 11 de Setembro de 2003.

 Quanto à primeira acusação, relativa à classificação como ZPE de territórios insuficientes em número e em extensão, contrariando o disposto no artigo 4.°, n.os 1 e 2, da directiva «aves»

34      A Comissão alega que, desde 1981, a Irlanda, contrariando o disposto no artigo 4.°, n.os 1 e 2, da directiva «aves», não classificou todos os territórios mais apropriados em número e em extensão para a conservação das espécies mencionadas no anexo I e das espécies migratórias não referidas nesse anexo cuja ocorrência é regular. Esta primeira acusação compreende dois aspectos. A Comissão afirma, por um lado, que determinados sítios não foram objecto de nenhuma classificação e, por outro, que outros sítios não foram objecto de classificação completa.

35      A Irlanda contesta o incumprimento invocado. Afirma que, quando informa a Comissão das suas intenções relativamente à classificação de ZPE, o faz no âmbito da cooperação e consulta entre Estados‑Membros, como prevêem as directivas «aves» e «habitats». Além disso, não se pode inferir do facto de informar a Comissão de que são efectuadas pesquisas que a rede de ZPE actual é insuficiente ou que a Irlanda não cumpriu as obrigações que lhe incumbem por força da directiva «aves».

 Observações preliminares

36      Há que recordar, em primeiro lugar, que, segundo jurisprudência assente do Tribunal de Justiça, o artigo 4.°, n.os 1 e 2, da directiva «aves» impõe aos Estados‑Membros a classificação como ZPE dos territórios que obedeçam aos critérios ornitológicos definidos por estas disposições (acórdão de 20 de Março de 2003, Comissão/Itália, C‑378/01, Colect., p. I‑2857, n.° 14 e jurisprudência aí referida).

37      Em segundo lugar, os Estados‑Membros são obrigados a classificar como ZPE todos os locais que, em aplicação de critérios ornitológicos, se revelem como os mais apropriados com vista à conservação das espécies em causa (acórdão de 19 de Maio de 1998, Comissão/Países Baixos, C‑3/96, Colect., p. I‑3031, n.° 62).

38      Em terceiro lugar, a obrigação imposta aos Estados‑Membros de classificarem sítios como ZPE não pode ser posta em causa pela tomada de outras medidas de conservação especial (v., neste sentido, Comissão/Países Baixos, já referido, n.° 55).

39      Por último, em quarto lugar, apesar de ser exacto que os Estados‑Membros gozam de alguma margem de apreciação no que se refere à escolha das ZPE, não é menos verdade que a classificação destas zonas obedece exclusivamente aos critérios ornitológicos definidos pela directiva «aves» (v., neste sentido, acórdão de 2 de Agosto de 1993, Comissão/Espanha, C‑355/90, Colect., p. I‑4221, n.° 26). As exigências económicas referidas no artigo 2.° dessa directiva não podem, pois, ser tomadas em consideração quando da escolha e da delimitação de uma ZPE (acórdão Comissão/Países Baixos, já referido, n.° 59 e jurisprudência aí referida).

 Quanto ao IBA 2000

40      Para fundamentar a sua acusação, a Comissão menciona nomeadamente o acórdão Comissão/Países Baixos, já referido, em que o Tribunal levou em conta o Inventory of Important Bird Areas in the European Community (Inventário das áreas importantes para a avifauna na Comunidade Europeia) publicado em 1989 (a seguir «IBA 89»), considerando que, não obstante este não ser juridicamente vinculativo para os Estados‑Membros em causa, pode ser utilizado, atendendo ao ser valor científico, como base de referência para apreciar em que medida um Estado‑Membro cumpriu a sua obrigação de designar as ZPE. Segundo a Comissão, no presente processo é examinado um inventário semelhante.

41      A Irlanda discorda da Comissão quanto a determinados aspectos da Review of Ireland’s Important Bird Areas (Inventário das áreas importantes para a avifauna da Irlanda), elaborado em 1999 no âmbito de um recenseamento europeu e publicado em 2000 (a seguir «IBA 2000»). Segundo afirma, nem a existência apenas desse inventário nem a existência dessa discórdia são prova do incumprimento, por parte da Irlanda, das obrigações que lhe incumbem nos termos da directiva «aves».

42      A República Helénica e o Reino de Espanha alegam que o IBA 2000 apresenta lacunas e que, por isso, não se lhe pode atribuir o mesmo valor que ao IBA 89.

43      Com efeito, os Governos grego e espanhol consideram que o IBA 2000 se distingue do IBA 89 em vários aspectos. Segundo afirmam, o IBA 2000 contém dados científicos que podem, de facto, constituir uma referência comprovativa da existência das espécies em cada território, mas revestem natureza tão‑só indicativa e geral no tocante à importância da população das diversas espécies e à delimitação e, portanto, à superfície dos territórios que devem ser classificados como ZPE. Pelo contrário, o IBA 2000 não contém dados que permitam uma delimitação segura das zonas importantes para a conservação das aves, inclui superfícies excessivamente grandes que apresentam um interesse ornitológico reduzido e a lista dessas zonas tem de ser actualizada de acordo com as análises científicas mais recentes. Por isso, o conteúdo do inventário em questão não pode ser utilizado na sua apresentação actual para extrair conclusões seguras sobre as populações e os limites exactos das ZPE.

44      Assim, a República Helénica e o Reino de Espanha concluem que o IBA 2000 não constitui uma base suficiente nem única que permita fundamentar o incumprimento que a Comissão imputa à Irlanda.

45      Dado que a solidez da primeira acusação depende, em larga medida, da questão de saber se a discordância entre o IBA 2000 e as ZPE efectivamente designadas pela Irlanda prova que esse Estado‑Membro não cumpriu suficientemente a sua obrigação de classificar sítios como ZPE, há que verificar se o IBA 2000 apresenta um valor científico comparável ao do IBA 89 e se, por conseguinte, pode ser utilizado como elemento de referência que permite apreciar o alegado incumprimento.

46      A este respeito, há que recordar que o artigo 4.° da directiva «aves» prevê um regime com objectivo específico e reforçado tanto para as espécies enumeradas no anexo I como para as espécies migradoras, que encontra a sua justificação no facto de se tratar, respectivamente, das espécies mais ameaçadas e das espécies que constituem um património comum da Comunidade (acórdão de 13 de Julho de 2006, Comissão/Portugal, C‑191/05, Colect., p. I‑6853, n.° 9 e jurisprudência aí referida). Resulta, aliás, do nono considerando desta directiva que a preservação, a manutenção ou o restabelecimento de uma diversidade e de uma extensão suficientes de habitats são indispensáveis para a conservação de todas as espécies de aves. Consequentemente, os Estados‑Membros têm obrigação de adoptar as medidas necessárias para a conservação das referidas espécies (acórdão de 28 de Junho de 2007, Comissão/Espanha, C‑235/04, Colect., p. I‑0000, n.° 23).

47      Para esse fim, a utilização de dados científicos é necessária para determinar a situação das espécies mais ameaçadas e das espécies que constituem património comum da Comunidade para classificar como ZPE os territórios mais adequados. Importa, portanto, utilizar os dados científicos mais actualizados disponíveis no termo do prazo fixado no parecer fundamentado (acórdão de 28 de Junho de 2007, Comissão/Espanha, já referido, n.° 24).

48      A este respeito, recorde‑se que os inventários nacionais, entre os quais o IBA 2000, elaborado pela Birdlife International, procederam à revisão do primeiro estudo pan‑europeu, realizado no IBA 89, apresentando dados científicos mais precisos e actualizados. Com efeito, resulta do IBA 2000 que este inventário recenseia, no tocante à Irlanda, 48 novos sítios relativamente ao IBA 89.

49      Como observou a advogada‑geral no n.° 20 das suas conclusões, os territórios enumerados em ambos os inventários resultam da aplicação de determinados critérios às informações sobre a existência de aves. Os critérios utilizados no IBA 2000 correspondem, na sua maioria, aos utilizados no IBA 89. Daqui se conclui que o aumento de territórios em termos de número e de extensão resulta essencialmente de melhores conhecimentos sobre a existência de aves.

50      A Irlanda sustenta que a Comissão não tem razão quando considera que o IBA 2000 não é exaustivo. A este respeito, importa precisar que o IBA 2000 constitui somente uma referência para o estabelecimento correcto de uma rede de zonas importantes para a conservação das aves e que outros estudos ornitológicos podem servir de fundamento à classificação dos territórios mais adequados para a conservação de determinadas espécies de aves.

51      Ora, como observou a advogada‑geral no n.° 25 das suas conclusões, essas lacunas não põem em causa o valor probatório do IBA 2000. Verificar‑se‑ia o contrário se a Irlanda tivesse apresentado elementos de prova científicos para demonstrar, designadamente, que as obrigações decorrentes do artigo 4.°, n.os 1 e 2, da directiva «aves» podiam ser cumpridas classificando como ZPE sítios diferentes dos resultantes do referido inventário que abrangessem uma superfície total inferior à destes últimos (v. acórdão Comissão/Itália, já referido, n.° 18).

52      Tendo em conta o carácter científico do IBA 89 e a inexistência de qualquer elemento de prova científica apresentado por um Estado‑Membro, para demonstrar, designadamente, que as obrigações decorrentes do artigo 4.°, n.os 1 e 2, da directiva «aves» podiam ser cumpridas classificando como ZPE sítios diferentes dos resultantes do referido inventário que abrangessem uma superfície total inferior à destes últimos, o Tribunal de Justiça considerou que podia utilizar esse inventário, apesar de não ser juridicamente vinculativo, como elemento de referência que lhe permite apreciar se um Estado‑Membro classificou como ZPE territórios suficientes em número e em extensão, na acepção das referidas disposições da directiva (acórdão de 28 de Junho de 2007, Comissão/Espanha, já referido, n.° 26 e jurisprudência aí referida).

53      No caso vertente, é pacífico que a Irlanda não apresentou outros critérios ornitológicos, objectivamente verificáveis, face aos utilizados no IBA 2000, para servir de base a uma classificação diferente. A Irlanda nem sequer opôs ao IBA 2000 um inventário nacional completo, constituído segundo métodos científicos, que designe todos os territórios mais adequados a uma classificação como ZPE.

54      Conclui‑se, pois, que o IBA 2000 contém um inventário actualizado das zonas importantes para a conservação das aves na Irlanda que, na falta de provas científicas em contrário, constitui um elemento de referência que permite apreciar se esse Estado‑Membro classificou como ZPE territórios suficientes, em número e em extensão, para oferecer protecção a todas as espécies de aves enumeradas no anexo I e às espécies migradoras não referidas nesse anexo.

55      Esta conclusão não pode ser infirmada pelo argumento do Governo espanhol de que as diversas organizações não governamentais vocacionadas para a conservação das aves optaram por alterar unilateralmente o anterior inventário relativo aos Estados‑Membros, sem que nenhuma administração pública competente em matéria de ambiente tivesse supervisionado a sua elaboração nem garantido a precisão e correcção dos dados que aquele contém.

56      Quanto a este aspecto, verifica‑se, em primeiro lugar, que o IBA 2000 foi publicado pela BirdLife International, organismo que agrupa organizações nacionais de protecção das aves e participara já na elaboração do IBA 89 sob a denominação de Conselho Internacional para a Protecção das Aves. A BirdLife International garante, assim, como observou a advogada‑geral no n.° 22 das suas conclusões, a continuidade do trabalho de recenseamento de territórios.

57      Em segundo lugar, é pacífico que o capítulo que o IBA 2000 consagra à Irlanda foi elaborado mediante consulta do Dúchas, departamento do património do Ministério das Artes, do Património, da Região de Expressão Gaélica e das Ilhas [que entretanto passou a National Parks and Wildlife (departamento dos parques nacionais e da fauna e flora selvagens) do Ministério do Ambiente, do Património e das Administrações Locais, a seguir «National Parks and Wildlife»]. Essa parte do inventário foi redigida com a ajuda de especialistas irlandeses de alto nível no domínio da ornitologia e baseou‑se, em larga medida, nos dados disponíveis quanto aos efectivos e à distribuição das aves e em estudos efectuados com o apoio financeiro das autoridades competentes. Decorre também da lista das referências científicas que os especialistas recorreram a uma ampla utilização de estudos publicados e efectuados com a participação de cientistas das autoridades competentes em matéria de conservação.

58      Na audiência, a Irlanda manteve a posição de que a natureza da obrigação de um Estado‑Membro face ao artigo 4.°, n.° 1, da directiva «aves» e dos seus considerandos deve ser apreciada a nível europeu e não apenas relativamente ao território do Estado‑Membro em causa. Assim, pode suceder que um território seja elegível, mas não o mais adequado para a classificação como ZPE.

59      Ora, ainda que, como a Irlanda sustenta com razão, a obrigação dos Estados‑Membros por força do artigo 4.°, n.° 1, da referida directiva apenas respeite à classificação dos territórios mais apropriados para a conservação das aves e possa suceder que territórios que, face às exigências da protecção das espécies, são apropriados para essa conservação nunca venham ser a ser classificados como ZPE, resulta todavia do artigo 4.°, n.° 1, da directiva «aves», como foi interpretado pelo Tribunal de Justiça, que, a partir do momento em que o território de um Estado‑Membro abriga espécies mencionadas no anexo I, este último está designadamente obrigado a definir ZPE para aquelas (v. acórdão Comissão/Países Baixos, já referido, n.° 56 e jurisprudência aí referida).

60      Como observou a advogada‑geral no n.° 32 das suas conclusões, nos Estados‑Membros em que estas espécies habitam com relativa frequência, as ZPE asseguram sobretudo a conservação de uma grande parte da população total. No entanto, as ZPE também são necessárias nos territórios em que estas espécies são raras. Com efeito, nestes territórios, as ZPE estão ao serviço da distribuição geográfica das espécies.

61      Com efeito, se cada Estado‑Membro se pudesse subtrair à obrigação de designar ZPE para garantir a protecção das espécies mencionadas no anexo I e presentes no seu território, pelo mero facto de existirem noutros Estados‑Membros, em grande número, outros sítios muito mais apropriados para a conservação das mesmas espécies, correr‑se‑ia o risco de não ser alcançado o objectivo da constituição de uma rede coerente de ZPE, tal como referido no artigo 4.°, n.° 3, da directiva «aves» (v., por analogia, acórdão Comissão/Países Baixos, já referido, n.° 58).

62      O Governo grego sustenta que o compromisso assumido pela Irlanda no âmbito da cooperação com os serviços competentes da Comissão e o calendário das novas delimitações e extensões fixado pela Irlanda devem ser tidos em consideração, pois esse Estado‑Membro deve verificar o conteúdo do IBA 2000, para poder delimitar as zonas importantes para a conservação das aves e classificá‑las como ZPE.

63      A este respeito, verifica‑se que, embora seja verdade que qualquer classificação pressupõe que as autoridades adquiriram, com base nos melhores conhecimentos científicos disponíveis, a convicção de que o sítio em causa integra os territórios mais apropriados para a protecção das aves (v., neste sentido, acórdão de 8 de Junho de 2006, WWF Italia e o., C‑60/05, Colect., p. I‑5083, n.° 27), isso não significa, porém, que a obrigação de classificação continue, em geral, a ser inoperante enquanto essas autoridades não tiverem avaliado e verificado completamente os novos conhecimentos científicos.

64      Pelo contrário, como o Tribunal já decidiu, a exactidão da transposição reveste‑se de importância especial no caso da directiva «aves», na medida em que a gestão do património comum está confiada, em relação ao seu território, aos Estados‑Membros respectivos (v. acórdãos de 8 de Julho de 1987, Comissão/Itália, 262/85, Colect., p. 3073, n.° 9, e de 7 de Dezembro de 2000, Comissão/França, C‑38/99, Colect., p. I‑10941, n.° 53).

65      Considerando que a obrigação de classificar como ZPE os territórios mais apropriados para a conservação das espécies existe, para a Irlanda, desde 6 de Abril de 1981, não se pode acolher o pedido desse Estado‑Membro de concessão de um prazo suplementar para avaliar a melhor fonte científica disponível, pois esse pedido não é compatível com os objectivos prosseguidos pela directiva «aves» nem com a responsabilidade que esta imputa aos Estados‑Membros no que respeita à gestão do património comum nos respectivos territórios.

66      Além do mais, como o Tribunal acaba de declarar, no n.° 47 do presente acórdão, importa utilizar os dados científicos mais actualizados disponíveis no termo do prazo fixado no parecer fundamentado.

67      Resulta de todo o exposto que, na falta de apresentação de estudos científicos susceptíveis de contradizer os resultados do IBA 2000, este inventário constitui a referência mais actualizada e mais precisa para a identificação dos sítios mais apropriados, em número e em extensão, para a conservação das espécies mencionadas no anexo I e das espécies migradoras não referidas nesse anexo cuja ocorrência é regular.

 Quanto à primeira vertente da primeira acusação

–       Argumentos das partes

68      A Comissão reconhece, na fase pré‑contenciosa, que a Irlanda classificou como ZPE um número de sítios relativamente elevado. Porém, entende que outras zonas também deviam ter sido objecto de classificação. Após ter sublinhado que o IBA 2000 enumerou, no total, 140 zonas importantes para a conservação das aves, que cobrem uma superfície de 4 309 km2, ou seja, cerca de 6% da superfície terrestre desse Estado‑Membro (aproximadamente 60% dessas zonas são costeiras, o que está relacionado com os 7 100 km de litoral que a Irlanda possui; as águas interiores representam mais um quinto), a Comissão sustenta que 42 dessas zonas não tinham sido classificadas como ZPE. Segundo afirma, mesmo que se admitisse que todas essas zonas viessem a ser classificadas como ZPE, a rede irlandesa de ZPE conservaria lacunas quanto a um determinado número de espécies de aves mencionadas no anexo I e de espécies de aves migradoras cuja ocorrência é regular, pois tais lacunas não estão inteiramente cobertas pela classificação efectuada no IBA 2000.

69      Por outro lado, a Comissão nota que, em termos de cobertura territorial, a rede irlandesa de ZPE se situa no antepenúltimo lugar no grupo dos quinze Estados‑Membros anterior ao alargamento de 2004. Com efeito, o nível de cobertura territorial da rede irlandesa de ZPE já foi ultrapassado por vários dos dez novos Estados‑Membros.

70      Por último, a Comissão recorda que, durante a fase pré‑contenciosa, as autoridades irlandesas propuseram um calendário para a designação, «redesignação» e extensão de um determinado número de sítios. Na realidade, esse calendário não foi respeitado e a Irlanda não efectuou nem comunicou nenhuma classificação.

71      Após sublinhar que tem plena consciência de que a obrigação que lhe incumbe de classificar como ZPE as zonas apropriadas à conservação das espécies decorre da directiva «aves» e não do IBA 2000, a Irlanda responde que a realização do trabalho de investigação global para eventualmente alargar a rede irlandesa de ZPE está em curso e que a conclusão desse trabalho está iminente.

72      Porém, a Irlanda considera que o guarda‑rios‑comum (Alcedo atthis) é a espécie dispersa menos apropriada para uma tentativa de conservação por meio da classificação como ZPE e que um há um bom motivo para não designar outras ZPE para o codornizão (Crex crex). Este Estado‑Membro observa ainda que, com toda a legalidade, pode entender que o sítio de Cross Lough (Killadoon) (a seguir sítio de «Cross Lough») não é um dos sítios mais apropriados para a classificação como ZPE, atendendo às informações de que dispõe.

–       Apreciação do Tribunal de Justiça


A –  Quanto aos sítios identificados no IBA 2000

73      A título preliminar, verifica‑se que a Comissão reconheceu, no seu parecer fundamentado complementar, que cometera um lapso na tabela 1 que consta do seu parecer fundamentado notificado em 24 de Outubro de 2001, no tocante ao sítio de Bull and Cow Rocks, já classificado como ZPE, e que, consequentemente, o referido sítio já não integrava o objecto da presente acção.

74      Segundo jurisprudência assente, a existência de um incumprimento deve ser apreciada em função da situação do Estado‑Membro tal como se apresentava no termo do prazo fixado no parecer fundamentado, não sendo as alterações posteriormente ocorridas tomadas em consideração pelo Tribunal (v., designadamente, acórdão de 2 de Junho de 2005, Comissão/Irlanda, C‑282/02, Colect., p. I‑4653, n.° 40).

75      Ora, no presente processo, resulta das indicações dadas quanto aos motivos de incumprimento supramencionados que a Irlanda não contesta que, no prazo fixado no parecer fundamentado notificado em 11 de Julho de 2003, não tinha classificado como ZPE 42 dos 140 sítios identificados no IBA 2000.

76      Atendendo ao que se disse no n.° 67 do presente acórdão, o mero facto de a Irlanda ter empreendido um vasto programa de classificação e reclassificação das ZPE não pode justificar a falta de classificação, como ZPE, dos sítios identificados no IBA 2000.

77      Em contrapartida, o interesse na classificação do sítio de Cross Lough e dos três sítios apropriados para a conservação do codornizão, a saber, os de Falcarragh to Min an Chladaigh, de Malin Head e da península de Fanad Head, é objecto de contestação circunstanciada por parte da Irlanda.

78      Assim, há que julgar procedente a acção da Comissão quanto a 38 dos 42 sítios identificados no IBA 2000 e apreciar a procedência da acção quanto aos sítios cujo interesse ornitológico é especificamente contestado pela Irlanda.

1.     No que respeita ao sítio de Cross Lough

a)     Argumentos das partes

79      A Comissão pôs o sítio de Cross Lough em destaque por duas razões. Em primeiro lugar, a Irlanda contestou especificamente a necessidade de classificar esse sítio como ZPE, não obstante o mesmo ser, ainda há pouco tempo, uma importante área de reprodução do garajau‑comum (Sterna sandvicensis). Em segundo lugar, a não classificação desse sítio em tempo útil poderá ter tido consequências negativas na sua protecção.

80      Com efeito, a Comissão alega que, segundo as informações de que dispõe, o desaparecimento da colónia de garajaus‑comuns, presente nesse sítio desde 1937, segundo o IBA 89, está relacionado com a actividade predatória do visão‑americano (Mustela vison) e que nunca foi posta em prática nenhuma medida para proteger essa colónia. Segundo a Comissão, mediante uma gestão adaptada, os garajaus‑comuns poderiam recolonizar esse antigo e importante sítio de reprodução. A Irlanda não pode tirar proveito do facto de não ter assegurado a tempo a classificação e protecção do sítio de Cross Lough.

81      A Irlanda alega que a Comissão não fundamentou cientificamente a sua alegação de que esse Estado‑Membro era obrigado a classificar como ZPE um sítio que já não apresenta interesse para a espécie em causa e já não é uma zona importante para a conservação das aves, mas ao qual estas poderiam regressar, depois de nele se terem reproduzido e não obstante já terem mudado de local. Ainda que a Comissão tenha razões para crer que o sítio de Cross Lough (ou qualquer outro, no caso vertente) poderá ser recolonizado pelos garajaus‑comuns e beneficiar efectivamente da classificação como ZPE, nem por isso provou que esse sítio é um dos mais apropriados para a conservação da espécie em causa. A Irlanda acrescenta que a Comissão não provou que o desaparecimento da colónia de garajaus‑comuns foi provocado pela actividade predatória do visão‑americano nessa zona.

b)     Apreciação do Tribunal de Justiça

82      É pacífico que o referido sítio foi identificado, tanto no IBA 89 como no IBA 2000, como um dos territórios mais apropriados para a conservação do garajau‑comum, espécie mencionada no anexo I, segundo os critérios ornitológicos estabelecidos, respectivamente, em 1984 e 1995. Assim, é forçoso concluir que esse sítio pertencia aos territórios mais apropriados para a conservação da referida espécie desde 6 de Abril de 1981. Consequentemente, nos termos da jurisprudência resultante do acórdão Comissão/Países Baixos, já referido, n.° 62, a Irlanda devia classificar esse sítio como ZPE.

83      Esta obrigação de classificação, como observou a advogada‑geral no n.° 58 das suas conclusões, não caduca necessariamente pelo facto de o sítio já não ser o mais apropriado.

84      Com efeito, segundo jurisprudência assente, as zonas que não foram classificadas como ZPE, quando o deviam ter sido, continuam a ficar sob a alçada do regime específico do artigo 4.°, n.° 4, primeiro período, da directiva «aves», pois caso contrário os objectivos de protecção formulados por essa directiva, tal como são explicitados no seu nono considerando, não poderão ser alcançados (v. acórdãos de 2 de Agosto de 1993, Comissão/Espanha, já referido, n.° 22, e de 7 de Dezembro de 2000, Comissão/França, C‑374/98, Colect., p. I‑10799, n.os 47 e 57).

85      Daqui se conclui que a Irlanda deveria ter tomado, no mínimo, as medidas apropriadas, nos termos do artigo 4.°, n.° 4, primeiro período, da directiva «aves», para evitar, no sítio de Cross Lough, a poluição ou a deterioração dos habitats assim como as perturbações que afectam o garajau‑comum, desde que tenham um efeito significativo à luz dos objectivos desse artigo.

86      No presente processo, na falta dessas medidas para aquele sítio, esse Estado‑Membro não fez prova de que o referido sítio perderia a sua vocação mesmo que tivessem sido tomadas medidas de protecção (v., neste sentido, acórdão de 13 de Julho de 2006, Comissão/Portugal, já referido, n.os 13 e 14).

87      Além disso, importa assinalar que, segundo os resultados de estudos científicos e observações apresentados pela Comissão no decurso do processo e que não foram contestados pela Irlanda, eram concebíveis medidas de protecção. Efectivamente, a Comissão explicou, com fundamento em dois artigos de um naturalista irlandês, o efeito predatório do visão‑americano nos ninhos dos garajaus‑comuns, que fazem ninho directamente no solo, e, aludindo às recentes observações efectuadas num sítio do condado de Donegal, demonstrou que uma actividade de gestão (a colocação de armadilhas para visões) atenuou o problema da predação e que a maioria da população local de garajaus‑comuns continua a nidificar na mesma zona.

88      Além disso, apoiando‑se nas observações supramencionadas, não contestadas pela Irlanda, que confirmam o potencial de recolonização de sítios pelos garajaus‑comuns, a Comissão afirma que é possível a recolonização desse território pelo garajau‑comum. Acrescenta que essa espécie deve dispor, na mesma região, de vários locais de nidificação, dos quais nem todos são forçosamente utilizados durante uma determinada época de reprodução.

89      Nestes termos, há que concluir que a acção é procedente quanto ao sítio de Cross Lough.

2.     No que respeita aos três sítios apropriados para a conservação do codornizão

a)     Argumentos das partes

90      A Comissão alega que o codornizão é a única espécie de ave selvagem ameaçada à escala mundial presente na Irlanda. A sua população declinou fortemente durante as últimas décadas e essa ave já só se encontra nalgumas bolsas geográficas. Só uma população muito reduzida sobrevive actualmente na Irlanda, o que justifica um elevado nível de protecção dos sítios.

91      No entender da Comissão, um Estado‑Membro não pode invocar validamente a pequenez e vulnerabilidade de uma população de codornizões para justificar a omissão de classificação dos territórios mais apropriados para a conservação dessa espécie. Na sua réplica, a Comissão acrescenta que uma conservação e uma gestão bem sucedidas das áreas principais são essenciais para que o codornizão possa recuperar e expandir‑se novamente, com base na sua precária população actual.

92      A Irlanda, por seu lado, alega que a eventual designação de outras ZPE deve ser examinada à luz das informações disponíveis sobre a espécie (que são numerosas) e das medidas positivas tomadas para a sua conservação pelo National Parks and Wildlife. A aplicação ao codornizão da expressão «ameaçado à escala mundial» já não é válida à luz das informações disponíveis sobre a espécie, pelo que é enganador descrevê‑la como tal. A utilização dos terrenos em causa está a alterar‑se sensivelmente. A Irlanda entende que a insistência da Comissão em afirmar que outros territórios apropriados para a conservação do codornizão devem ser classificados como ZPE é inoportuna e, em todo o caso, não é justificada por elementos de prova relevantes.

93      Após ter sublinhado que os codornizões estão efectivamente distribuídos de forma fraca e imprevisível fora das ZPE existentes, esse Estado‑Membro precisa que é a imprevisibilidade e não a precariedade da ocupação de um sítio pelos codornizões que levanta dificuldades. Noutros termos, a classificação de um sítio como ZPE não deve assentar em especulação, mas sim em critérios ornitológicos adequados.

b)     Apreciação do Tribunal de Justiça

94      A este respeito, embora seja verdade que novos estudos sobre a presença do codornizão na Europa alteraram a categoria da sua classificação, não é menos certo que a categoria «quase ameaçado» em que está actualmente classificado cumpre, na mesma medida que a categoria «vulnerável», em que anteriormente estava classificado, as condições de identificação das zonas importantes para a conservação das aves segundo o critério C.1 utilizado no IBA 2000. Isso também não altera em nada a aplicação do critério C.6 utilizado nesse mesmo inventário. Assim, os sítios identificados no IBA 2000 não podem ser postos em causa.

95      Esta conclusão não pode ser contraditada pelo argumento da Irlanda de que as exigências da directiva «aves» foram cumpridas levando em conta as necessidades do codornizão, pela classificação como ZPE dos territórios utilizados por uma parte importante da população de codornizões através do financiamento público do programa de subvenções a favor do codornizão (Corncrake Grant Scheme), que abrange o emprego de três trabalhadores rurais, despesas administrativas e subvenções aos agricultores, bem como o financiamento e facilitação da investigação e introdução de um capítulo consagrado ao codornizão no último programa de protecção ambiental dos campos (Rural Environment Protection Scheme).

96      Com efeito, como resulta da jurisprudência recordada nos n.os 37 a 39 do presente acórdão, essas medidas de conservação não podem ser consideradas suficientes.

97      Há que rejeitar também o argumento da Irlanda de que os codornizões estão distribuídos em fraca quantidade e de forma imprevisível fora das ZPE existentes.

98      Não se pode deixar de sublinhar que a Comissão apresentou, sem ser contraditada pela Irlanda quanto a esse ponto, publicações ornitológicas que indicam que, entre 1999 e 2001, em média, 39% da população de codornizões presente no território irlandês se encontrava fora das ZPE e que, entre 2002 e 2004, esse número estava mais próximo dos 50%.

99      Há que rejeitar ainda o argumento da Irlanda de que alterações importantes afectaram a distribuição dessa espécie durante curtos períodos (menos de 10 anos) e que, enquanto essa situação não se estabilizar, é prematuro recomendar a classificação como ZPE de outros sítios.

100    A este respeito, não se pode deixar de observar que os codornizões têm uma presença suficientemente estável nos sítios em questão durante curtos períodos. Com efeito, a Irlanda não contesta que, segundo os resultados de um estudo da BirdWatch Ireland apresentados pela Comissão, durante o período compreendido entre 1993 e 2001, a presença reduzida do codornizão em Falcarragh to Min an Chladaigh representava 8% da sua população nacional, em Malin Head, 4% da sua população nacional, e na península de Fanad Head, 3% da sua população nacional. Segundo a mesma fonte, números semelhantes podem ser observados relativamente aos anos de 2002 a 2004.

101    Quanto ao argumento invocado pela Irlanda de que a boa vontade e a cooperação dos proprietários fundiários são determinantes para o sucesso de futuros projectos de conservação e para a aplicação de instrumentos de protecção, basta referir que, mesmo que seja esse o caso, semelhante circunstância não libera um Estado‑Membro das obrigações que lhe incumbem por força do artigo 4.° da directiva «aves».

102    Nestes termos, há que concluir que a acção é igualmente procedente no que respeita aos sítios de Falcarragh to Min an Chladaigh, de Malin Head e da península de Fanad Head.

B –  Quanto às aves a proteger noutros sítios

103    A Comissão alega que é manifesto que, para a mobêlha‑pequena (Gavia stellata), o tartaranhão‑azulado (Circus cyaneus), o esmerilhão‑comum (Falco columbarius), o falcão‑peregrino (Falco peregrinus), a tarambola‑dourada (Pluvialis apricaria), o codornizão, o guarda‑rios‑comum, o ganso da Gronelândia (Anser albifrons flavirostris) e a coruja‑do‑nabal (Asio flammeus), espécies protegidas mencionadas no anexo I, bem como para o abibe‑comum (Vanellus vanellus), o perna‑vermelha‑comum (Tringa totanus), a narceja‑comum (Gallinago gallinago), o maçarico‑real (Numenius arquata) e o pilrito‑comum (Calidris alpina), espécies migradoras cuja ocorrência é regular, as zonas importantes para a conservação das aves identificadas no IBA 2000 não oferecem um conjunto de sítios em número ou em extensão suficientes para satisfazer as necessidades de conservação dessas espécies.

104    A Irlanda sustenta que foram realizados estudos sobre seis das nove espécies supramencionadas, constantes do anexo I, e sobre o pilrito‑comum, espécie migradora cuja ocorrência é regular. A conclusão desse trabalho permite agora identificar os sítios que podem ser classificados como ZPE para a conservação da mobêlha‑pequena, do tartaranhão‑azulado, do esmerilhão‑comum, da tarambola‑dourada e do pilrito‑comum. Durante a fase pré‑contenciosa, a Irlanda referiu que as ZPE que seriam propostas para a conservação do tartaranhão‑azulado permitiriam também a conservação da coruja‑do‑nabal. Ademais, actualmente já representam um «interesse elegível» a tarambola, em três ZPE designadas, e o esmerilhão‑comum, em quatro sítios que apresentam um interesse multiespécies. O falcão‑peregrino é susceptível de ser uma espécie elegível na maioria das ZPE respeitantes à gralha‑de‑bico‑vermelho (Pyrrhocorax pyrrhocorax).

105    É certo que a Irlanda refere determinadas iniciativas parcelares; porém, estas últimas não estavam concluídas no termo do prazo fixado no parecer fundamentado complementar notificado em 11 de Julho de 2003. Ora, como a existência do incumprimento deve ser apreciada unicamente em função da situação de um Estado‑Membro tal como se apresentava no termo do prazo fixado no parecer fundamentado, conclui‑se, face às informações mencionadas no número anterior, que a Irlanda não cumpriu as suas obrigações no que respeita à designação das ZPE para assegurar a conservação da mobêlha‑pequena, do tartaranhão‑azulado, do esmerilhão‑comum, do falcão‑peregrino, da tarambola‑dourada e da coruja‑do‑nabal, espécies mencionadas no anexo I, e a protecção do pilrito‑comum, espécie migradora cuja ocorrência é regular, não referida no anexo I. A acusação também é procedente quanto este ponto.

106    Quanto ao restante, verifica‑se que a Comissão, sobre a qual recai o ónus da prova no quadro de uma acção por incumprimento (acórdão de 21 de Outubro de 2004, Comissão/Grécia, C‑288/02, Colect., p. I‑10071, n.° 35 e jurisprudência aí referida), não fez prova bastante de que a Irlanda não cumpriu as suas obrigações no que respeita à designação de ZPE para assegurar a conservação do ganso da Gronelândia, espécie mencionada no anexo I, e a protecção do abibe‑comum, do perna‑vermelha‑comum, da narceja‑comum e do maçarico‑real, espécies migradoras cuja ocorrência é regular, não referidas no anexo I. Por conseguinte, a acusação não é procedente quanto a este ponto.

107    No que respeita ao guarda‑rios‑comum e ao codornizão, a Irlanda contesta a necessidade de classificar outros sítios como ZPE, para a respectiva conservação.

1.     No que respeita aos sítios apropriados para a conservação do guarda‑rios‑comum

108    A Comissão considera que a rede irlandesa de ZPE devia incluir um conjunto de percursos fluviais susceptíveis de ser utilizados pelo guarda‑rios‑comum. Ora, a Irlanda não tomou nenhuma medida no sentido de classificar os territórios mais apropriados para a conservação do guarda‑rios‑comum nem conhece sequer a população actual da espécie.

109    A Irlanda considera que uma espécie tão largamente expandida como o guarda‑rios‑comum é a espécie expandida menos apropriada para uma tentativa de conservação através da classificação de territórios como ZPE. É a conclusão imposta pelas informações disponíveis, que incluem dois Atlas de reprodução realizados entre 1988 e 1991. Embora a população actual de guarda‑rios‑comuns não seja conhecida, parece que a BirdWatch Ireland tem a intenção de realizar uma investigação. Se esta investigação vier a revelar uma população de guarda‑rios‑comuns mais importante, as autoridades irlandesas reconsiderarão a questão da criação de ZPE para efeitos da sua conservação no futuro.

110    Ora, como o Tribunal acaba de referir no n.° 59 do presente acórdão, resulta do artigo 4.°, n.° 1, da directiva «aves», como foi interpretado pelo Tribunal de Justiça, que, a partir do momento em que o território de um Estado‑Membro abriga espécies mencionadas no anexo I, este Estado está designadamente obrigado a definir ZPE para aquelas. Daqui se conclui que a Irlanda devia ter identificado os territórios mais apropriados para a conservação do guarda‑rios‑comum e devia tê‑los classificado como ZPE.

111    Daqui se conclui que a Irlanda, que admite a presença do guarda‑rios‑comum no seu território, não cumpriu essa obrigação no termo do prazo fixado no parecer fundamentado complementar, notificado em 11 de Julho de 2003. Assim, a acção também é procedente no que respeita aos sítios apropriados para a conservação do guarda‑rios‑comum.

2.     No que respeita aos sítios apropriados para a conservação do codornizão

112    A Comissão alega que a rede actual de ZPE para a protecção do codornizão é fraca. Refere que o IBA 2000 identifica ainda cinco sítios adicionais, a saber, os de Falcarragh to Min an Chladaigh, de Malin Head, da península de Fanad Head, da península de Mullet e de Moy valley.

113    No que respeita aos cinco sítios adicionais enumerados no número anterior, verifica‑se, por um lado, que constituem zonas importantes para a conservação das aves e, por outro, que no tocante a três deles, a saber, os sítios de Falcarragh to Min an Chladaigh, de Malin Head e da península de Fanad Head, o incumprimento já foi declarado no n.° 102 do presente acórdão.

114    Quanto ao sítio da península de Mullet, a Comissão precisa, na sua réplica, que parte do mesmo está sujeita à classificação como ZPE para outros efeitos. Consequentemente, verifica‑se desde já que esse sítio é um exemplo de classificação parcial.

115    Em seguida, o critério C.6 é aplicável ao sítio da península de Mullet. Ora, esse critério designa uma zona que constitui uma das cinco zonas mais importantes em cada região europeia para uma espécie ou subespécie mencionada no anexo I. Daqui se conclui, pois, que resulta dos critérios utilizados no IBA 2000 que basta que o sítio em causa abrigue um número apreciável de indivíduos de uma determinada espécie ou subespécie (pelo menos 1% da população reprodutora nacional de um espécie mencionada no anexo I ou 0,1% da população biogeográfica) para que deva ser classificado como ZPE.

116    A este respeito, não se pode deixar de observar que, no presente processo, a Comissão apresentou, na réplica, os resultados – não contestados pela Irlanda – de um estudo da BirdWatch Ireland, segundo os quais, durante o período compreendido entre 1993 e 2001, a reduzida presença do codornizão nessa zona representava 4% da população nacional. Segundo a mesma fonte, podem‑se observar números semelhantes para os anos de 2002 a 2004.

117    Consequentemente, há que julgar a acção da Comissão procedente no que respeita ao sítio da península de Mullet.

118    Quanto ao sítio de Moy valley, a Comissão admite que os dados do recenseamento revelam a inexistência de codornizões durante vários anos. Ora, os números da BirdWatch Ireland mostram que esse sítio contava numerosos codornizões nos anos 80 e até meados dos anos 90. Em especial, até 1993, essa zona incluía a segunda concentração mais importante de codornizões a seguir à ZPE de River Shannon callows, pelo que seria elegível, sem reservas, para a classificação como ZPE, com base numa aplicação razoável de critérios ornitológicos. Havia, pois, elementos que justificavam a classificação do sítio de Moy valley como ZPE, durante um longo período após a entrada em vigor da directiva «aves». O desaparecimento do codornizão nesse sítio foi provocado pela alteração das práticas agrícolas, fenómeno a que a Irlanda não procurou obviar. A Comissão sustenta que a Irlanda não pode tirar proveito do facto de não ter classificado nem protegido esse sítio. A Irlanda não demonstrou que era impossível restabelecer a presença do codornizão nesse sítio.

119    A este respeito, impõe‑se observar que os números da Birdwatch Ireland, apresentados pela Comissão na réplica, que mostram que o sítio de Moy valley contava numerosos codornizões nos anos 80 e até meados dos anos 90, não são contestados pela Irlanda. Daqui se conclui que esse sítio constituía um dos territórios mais apropriados para a conservação do codornizão e, nos termos da jurisprudência referida no n.° 37 do presente acórdão, a Irlanda devia tê‑lo classificado como ZPE.

120    Segundo jurisprudência assente recordada no n.° 84 do presente acórdão, as zonas que não foram classificadas como ZPE, quando o deviam ter sido, continuam a ficar sob a alçada do regime específico do artigo 4.°, n.° 4, primeiro período, da directiva «aves», pois caso contrário os objectivos de protecção formulados por essa directiva, tal como são explicitados no seu nono considerando, não poderiam ser alcançados. Daqui se conclui que a Irlanda deveria ter tomado, no mínimo, as medidas apropriadas, nos termos do artigo 4.°, n.° 4, primeiro período, da directiva «aves», para evitar, no sítio de Moy valley, a deterioração dos habitats, bem como as perturbações que afectam o codornizão, desde que tenham um efeito significativo a propósito dos objectivos desse artigo.

121    Ora, resulta dos autos que, no sítio de Moy valley, que deveria ter sido classificado como ZPE, o desaparecimento do codornizão foi provocado por alterações das práticas agrícolas e que a Irlanda não procurou obviar a esse fenómeno.

122    Por outro lado, a Irlanda não fez prova de que o restabelecimento da presença do codornizão nesse sítio seria impossível. Consequentemente, há que julgar procedente a acção da Comissão quanto a este ponto.

123    Daqui se conclui que a acção também é procedente quanto aos sítios da península de Mullet e de Moy valley.

 Quanto à segunda vertente da primeira acusação

–       Argumentos das partes

124    A Comissão alega que a Irlanda não cumpriu a obrigação que lhe incumbe por força do artigo 4.°, n.os 1 e 2, da directiva «aves», porque só classificou parcialmente determinados sítios como ZPE. No seu entender, em inúmeros casos o traçado dos limites da ZPE exclui zonas adjacentes equivalentes que apresentam interesse ornitológico e são recenseadas no IBA 2000. As suas acusações dizem respeito a 37 sítios no total.

125    Após alegar que os limites das ZPE deviam ser definidos em função de considerações ornitológicas e não económicas, a Comissão nota que, inversamente, em muitos casos, as autoridades irlandesas circunscreveram as ZPE a sítios do domínio público e não classificaram sítios quando a isso se opunham claramente interesses económicos.

126    A Comissão acrescenta que, no decurso do processo, a autoridades irlandesas declararam que tinham a intenção de alargar e redesignar um número significativo de sítios antes do fim de Junho de 2004, mas parece não terem dado seguimento a essa intenção.

127    A Irlanda refere que o trabalho de investigação correspondente está em curso e que está prevista a designação de novas ZPE para efeitos da conservação das espécies designadas. Todas as reclassificações e novas classificações serão efectuadas de acordo com as exigências do regulamento «habitats». Não obstante, a Irlanda contesta a alegada lacuna na classificação, relativa à superfície da ZPE de Sandymount Strand and Tolka Estuary.

–       Apreciação do Tribunal de Justiça

128    Ao admitir que determinadas ZPE deviam ser alargadas, a Irlanda reconheceu ter desrespeitado as obrigações que lhe incumbem por força do artigo 4.°, n.os 1 e 2, da directiva «aves». Assim, há que julgar a acção procedente no que respeita a 36 dos 37 sítios.

129    Em seguida, há que examinar a situação da ZPE de Sandymount Strand and Tolka Estuary.

130    A Comissão sustenta que o traçado do limite da ZPE de Sandymount Strand and Tolka Estuary não considerou correctamente os interesses ornitológicos, contrariando o disposto no artigo 4.°, n.os 1 e 2, da directiva «aves».

131    Segundo afirma, elementos de prova mostram que a abordagem adoptada pelas autoridades irlandesas para a delimitação da ZPE de Sandymount Strand and Tolka Estuary, sítio que constitui uma vasta zona húmida de importância internacional para as aves aquáticas, situada na baía de Dublim e que acolhe regularmente mais de 20 000 indivíduos invernantes, leva à exclusão de duas zonas destinadas a urbanização no âmbito de grandes obras públicas, exclusão essa decidida com base num exame isolado do valor ornitológico dessas zonas, quando era necessário delimitar a ZPE atendendo aos limites naturais do ecossistema húmido.

132    Quanto à primeira zona, de 4,5 ha, cuja inclusão na ZPE tinha sido proposta anteriormente, a mesma foi excluída, segundo a Comissão, do projecto inicial de alargamento da ZPE de Sandymount Strand and Tolka Estuary na sequência da intervenção da Dublin Port Company (autoridade portuária de Dublim), que pretendia aterrá‑la para ampliar o porto.

133    A Irlanda, por sua vez, sustenta que essa zona não deveria ter sido incluída na área de alargamento inicialmente proposta e que essa inclusão não tinha fundamento científico. A adaptação do projecto de alargamento da ZPE foi apreciada em profundidade e admitiu‑se que a inclusão da zona não se justificava cientificamente, pois só uma pequena parte ficava brevemente a descoberto na baixa‑mar de águas vivas.

134    Este Estado‑Membro nota, em especial, que as espécies adaptáveis comuns de aves pernaltas só podem utilizar a zona quando a mesma fica a descoberto na baixa‑mar. Estas espécies encontram alhures o essencial da sua alimentação. Além disso, a zona podia não ter um nexo com os habitats importantes situados nas cercanias, que proporcionavam melhores condições para as espécies em causa. Segundo o referido Estado, a Comissão não tentou realmente contestar o fundamento científico deste ponto de vista.

135    No tocante à primeira zona, importa, a título preliminar, declarar que as acusações que a Comissão formula na sua réplica relativamente a outras superfícies nessa zona são inadmissíveis na fase do processo no Tribunal de Justiça, porquanto não faziam parte do objecto da acção.

136    Com efeito, segundo jurisprudência assente do Tribunal de Justiça, o objecto de uma acção por incumprimento intentada nos termos do artigo 226.° CE é delimitado pelo procedimento pré‑contencioso previsto nesta disposição, de forma que a acção deve basear‑se nos mesmos argumentos e fundamentos que o parecer fundamentado (v. acórdão de 16 de Junho de 2005, Comissão/Itália, C‑456/03, Colect., p. I‑5335, n.° 35 e jurisprudência aí referida).

137    Depois, como resulta dos autos, a Comissão apresentou uma peritagem ornitológica efectuada em Novembro de 2002 pela Dublin Bay Watch que preconizava, com base nos resultados de uma avaliação dos efeitos ornitológicos do projecto de aterro, a inclusão desses territórios na ZPE de Sandymount Strand and Tolka Estuary. Com efeito, esse estudo, que as autoridades irlandesas não contestaram, indica, como refere a advogada‑geral no n.° 72 das suas conclusões, que várias espécies utilizam, com frequência muito acima da média, o terreno que excepcionalmente fica a descoberto. Além disso, determinadas partes dessa área ficam descobertas mesmo quando as marés são menos extremas e podem ser utilizadas pelas aves. Por último, as áreas em causa são utilizadas não só pelas aves limícolas mas também, por exemplo, por garajaus‑comuns, que não necessitam dos refluxos das marés.

138    Verifica‑se que a primeira zona em questão faz parte do ecossistema húmido global e que deveria ter sido classificada como ZPE. Daqui se conclui que a acção é procedente no que respeita à primeira zona excluída do projecto inicial de alargamento da ZPE de Sandymount Strand and Tolka Estuary.

139    Quanto à segunda zona, compunha‑se de 2,2 ha de barras de areia e cascalho à entrada do estuário do Tolka, destruídas, segundo a Comissão, quando da construção do túnel do porto de Dublim, promovida pela Dublin Corporation [que entretanto passou a Dublin City Council (municipalidade de Dublim)]. A Comissão sustenta que, embora reduzida, a zona excluída apresentava características semelhantes às de um ecossistema completo, a saber, as dos lodaçais, e era utilizada regularmente por aves dependentes do ecossistema global, ou seja, pelo ostraceiro (Haematopus ostralegus) e pelo perna‑vermelha‑comum. Estas exclusões parcelares de determinados elementos de um ecossistema húmido integrado prejudicam os objectivos da directiva «aves».

140    A Irlanda sustenta que só um número muito reduzido de ostraceiros e de pernas‑vermelhas‑comuns se encontra na zona lodosa intertidal (entre marés) de 2,2 ha que fica a descoberto na baixa‑mar, apenas enquanto área de alimentação e durante curtos períodos. Assim, a zona não é considerada susceptível de inclusão na ZPE correspondente. Os critérios aplicados quando essa decisão foi tomada eram critérios ornitológicos cientificamente adaptados. A Irlanda considera que o ponto de vista da Comissão, de que o desaparecimento da zona de 2,2 ha constitui uma deterioração significativa dos habitats das aves e uma fonte de perturbações, não é aceitável e que esta não logrou apresentar nenhum elemento de prova científico ou objectivamente verificável para sustentar o seu ponto de vista.

141    No que respeita à segunda zona, recorde‑se que, segundo a jurisprudência indicada no n.° 39 do presente acórdão, a classificação de territórios como ZPE obedece exclusivamente aos critérios ornitológicos definidos pela directiva «aves».

142    É, pois, com razão que a Comissão sustenta, por um lado, que a classificação como ZPE não pode resultar de um exame isolado do valor ornitológico de cada uma das superfícies em causa, mas deve ser efectuada com base na consideração dos limites naturais do ecossistema húmido e que, por outro, os critérios ornitológicos em que a classificação deve assentar exclusivamente devem ter fundamento científico. Com efeito, a utilização de critérios defeituosos, alegadamente ornitológicos, pode culminar na definição errada dos limites das ZPE.

143    No caso vertente, é pacífico que a superfície em causa está separada do resto do estuário classificado por uma estrada que atravessa o rio e que, enquanto lodaçal, apresenta as mesmas características que todo o sítio da baía de Dublim.

144    Além disso, decorre da avaliação do impacto ambiental publicada em Julho de 1998, em que ambas as partes se basearam no decurso do processo, que essa superfície é utilizada como área de alimentação por uma parte das aves selvagens presentes na ZPE de Sandymount Strand and Tolka Estuary.

145    Verifica‑se, assim, que a segunda zona é utilizada como área de alimentação por três das nove espécies de aves determinantes para qualificar a baía de Dublim de zona ornitológica importante. Aquela zona é utilizada por estas espécies nos limites médios com que se pode contar, se não mesmo superiores. Consequentemente, a referida zona faz parte integrante do ecossistema húmido global, pelo que também deveria ter sido classificada como ZPE.

146    Daqui se conclui que a acção também é procedente no que respeita à segunda zona não incluída na ZPE de Sandymount Strand and Tolka Estuary.

147    Consequentemente, há que julgar procedente a segunda vertente da primeira acusação.

148    Em face do exposto, conclui‑se que a primeira acusação é procedente, com excepção do ponto relativo à designação de ZPE para assegurar a conservação do ganso da Gronelândia, espécie mencionada no anexo I, e a protecção do abibe‑comum, do perna‑vermelha‑comum, da narceja‑comum e do maçarico‑real, espécies migradoras cuja ocorrência é regular, não referidas no anexo I.

 Quanto à segunda acusação, relativa ao não estabelecimento do regime de protecção legal necessário, nos termos do artigo 4.°, n.os 1 e 2, da directiva «aves»

 Argumentos das partes

149    A Comissão entende que, desde 1981, a legislação irlandesa não executou suficientemente o disposto no artigo 4.°, n.os 1 e 2, da directiva «aves» e que, além do mais, a Irlanda não pôs essas disposições em prática mediante a criação de um regime de protecção legal específico das ZPE susceptível de assegurar a sobrevivência e a reprodução das espécies de aves em causa.

150    Segundo afirma, em primeiro lugar, para garantir a sobrevivência e a reprodução das espécies de aves presentes nas ZPE podem ser necessárias não só medidas preventivas mas também medidas activas ou positivas que, salvo uma excepção, não foram tomadas pela Irlanda. Em segundo lugar, há dúvidas quanto à questão de saber se a legislação irlandesa relevante constitui realmente uma base jurídica que permita tomar essas medidas.

151    A Irlanda contesta o incumprimento imputado. No tocante à obrigação de aprovar um regime de protecção legal eficaz das ZPE, a Irlanda, embora admita que a abordagem preventiva não chega para proteger as aves em todas as hipóteses, sustenta que esse objectivo justificou a colocação em prática do programa de subvenções a favor do codornizão de natureza voluntária. A este programa acresce uma lista de planos, sob a forma de projectos, de gestão da conservação das aves num determinado número de ZPE.

152    No que respeita ao alcance da legislação irlandesa que transpõe o artigo 4.°, n.os 1 e 2, da directiva «aves», esse Estado‑Membro contesta que o único objectivo do regulamento «habitats» seja o de aplicar a directiva «habitats» e sustenta que o referido regulamento proporciona uma base jurídica adequada, no direito nacional, para a criação e execução de planos de gestão relativos às ZPE. Segundo a Irlanda, o regulamento «habitats» aplica expressamente às ZPE um determinado número de medidas fundamentais de protecção e execução, nomeadamente o seu artigo 13.°, que é referido expressamente no artigo 34.° do mesmo regulamento como disposição aplicável às zonas classificadas nos termos da directiva «aves».

 Apreciação do Tribunal de Justiça

153    Importa recordar que, de acordo com a jurisprudência do Tribunal de Justiça, o artigo 4.°, n.os 1 e 2, da directiva «aves» obriga os Estados‑Membros a dotar as ZPE de um estatuto jurídico de protecção susceptível de garantir, designadamente, a sobrevivência e a reprodução das espécies de aves referidas no anexo I, bem como a reprodução, a muda e a invernada das espécies migratórias não referidas no anexo I e cuja ocorrência é regular (acórdão de 18 de Março de 1999, Comissão/França, C‑166/97, Colect., p. I‑1719, n.° 21 e jurisprudência aí referida).

154    Como refere a advogada‑geral no n.° 77 das suas conclusões, a protecção das ZPE não deve limitar‑se a evitar prejuízos causados pelo Homem, mas deve também incluir, conforme os casos, medidas positivas para a conservação e o melhoramento das condições do sítio.

155    É pacífico que o artigo 13.° do regulamento «habitats» teria transposto suficientemente o artigo 4.°, n.os 1 e 2, da directiva «aves» se aquela disposição fosse aplicável às ZPE. Porém, contrariamente à posição da Irlanda, de que esse artigo 13.° se aplica também às ZPE fundamentalmente por força do artigo 34.° do mesmo regulamento, a Comissão sustenta que o referido regulamento se destina unicamente a dar execução à directiva «habitats».

156    O artigo 34.° do regulamento «habitats» prevê que, «[s]e for caso disso, o disposto nos artigos 4.°, 5.°, 7.°, 13.°, 14.°, 15.° e 16.° aplica‑se, com as necessárias adaptações, às zonas classificadas nos termos do artigo 4.°, n.os 1 e 2, da directiva ‘aves’».

157    Conforme dispõe o artigo 249.°, terceiro parágrafo, CE, a directiva, embora vincule o Estado‑Membro quanto ao resultado a alcançar, deixa aos órgãos nacionais a competência quanto à forma e aos meios. Daqui se conclui que a Irlanda, como qualquer outro Estado‑Membro, beneficia da escolha da forma e dos meios de execução da directiva «aves» (v., neste sentido, acórdão de 20 de Novembro de 2003, Comissão/França, C‑296/01, Colect., p. I‑13909, n.° 55).

158    Porém, segundo a jurisprudência do Tribunal de Justiça, a transposição de uma directiva para o direito interno deve garantir efectivamente a plena aplicação da directiva de forma suficientemente clara e precisa (v., neste sentido, acórdão de 30 de Maio de 1991, Comissão/Alemanha, C‑361/88, Colect., p. I‑2567, n.° 15).

159    O Tribunal decidiu também, como acaba de recordar no n.° 64 do presente acórdão, que a exactidão da transposição se reveste de importância especial no caso da directiva «aves», na medida em que a gestão do património comum está confiada, em relação ao seu território, aos Estados‑Membros respectivos.

160    Importa, pois, verificar se o artigo 34.° do regulamento «habitats» garante ou não garante, como sustenta a Comissão, a aplicação do artigo 13.° desse regulamento às zonas classificadas nos termos do artigo 4.°, n.os 1 e 2, da directiva «aves».

161    Ora, a leitura da letra do referido artigo 34.° permite concluir que, por si só, essa disposição não exclui do âmbito de aplicação do regulamento «habitats» a aplicação do artigo 13.° desse regulamento às zonas classificadas nos termos do artigo 4.°, n.os 1 e 2, da directiva «aves».

162    Consequentemente, não pode ser acolhido o argumento da Comissão de que, por falta de menção no regulamento «habitats» do objectivo distinto de dar também aplicação à directiva «aves» e face às limitações impostas pelo European Communities Act, o referido regulamento não pode constituir uma base jurídica que permita a adopção de planos de gestão da conservação das aves nas ZPE.

163    Pelo mesmo motivo, não se pode acolher o argumento da Comissão de que o regulamento «habitats» não permite a aplicação às ZPE das medidas de gestão previstas no artigo 6.°, n.° 1, da directiva «habitats», pois esse regulamento tem unicamente por objectivo declarado a execução da referida directiva. Com efeito, como observou a advogada‑geral no n.° 82 das suas conclusões, se medidas análogas às previstas no referido artigo 6.°, n.° 1, tiverem de ser aplicadas às ZPE, nos termos do artigo 4.°, n.os 1 e 2, da directiva «aves», nada impede o legislador nacional de criar uma única disposição para transpor as regras das duas directivas.

164    Também não pode ser acolhido o argumento da Comissão relativo às limitações impostas pelo European Communities Act. Com efeito, a Irlanda sustenta na contestação, sem ser contraditada quanto a este ponto pela Comissão, que o regulamento «habitats» não é uma lei, mas está plenamente em vigor, na sua totalidade e sem margem para dúvidas, e produz todos os seus efeitos jurídicos, tanto mais que não foi impugnado com sucesso no órgão jurisdicional competente.

165    Por último, por motivo idêntico ao referido no n.° 161 do presente acórdão, há que rejeitar o argumento da Comissão de que não é automática a aplicação às ZPE do artigo 13.° do regulamento «habitats», que trata das medidas de conservação a tomar pelo Ministro no que respeita às zonas especiais de conservação, pois, segundo a fórmula do artigo 34.° desse regulamento, determinadas disposições do mesmo aplicam‑se «[s]e for caso disso» e «com as necessárias adaptações» às zonas classificadas nos termos do artigo 4.°, n.os 1 e 2, da directiva «aves».

166    Além disso, segundo jurisprudência assente do Tribunal, o alcance das disposições legislativas, regulamentares e administrativas nacionais deve ser apreciado tendo em conta a interpretação que delas fazem os órgãos jurisdicionais nacionais (acórdão de 29 de Maio de 1997, Comissão/Reino Unido, C‑300/95, Colect., p. I‑2649, n.° 37 e jurisprudência aí referida). Ora, no caso vertente, a Comissão não invocou, para fundamentar a acção, nenhuma decisão judicial nacional que tenha dado à disposição interna controvertida uma interpretação dissonante da directiva.

167    Nestes termos, verifica‑se que a Comissão, sobre a qual recai o ónus da prova no quadro de uma acção por incumprimento (acórdão Comissão/Grécia, já referido, n.° 35 e jurisprudência aí referida), não fez prova bastante de que, à data do termo do prazo fixado no parecer fundamentado complementar, notificado em 11 de Julho de 2003, o regulamento «habitats» tivesse a interpretação que a Comissão lhe dá.

168    Por conseguinte, há que rejeitar a segunda acusação.

 Quanto à terceira acusação, relativa à não aplicação do artigo 4.°, n.° 4, primeiro período, da directiva «aves» às zonas que deviam ter sido classificadas como ZPE

 Argumentos das partes

169    A Comissão alega que a Irlanda não assegura, desde 1981, a aplicação do disposto no artigo 4.°, n.° 4, primeiro período, da directiva «aves» aos sítios que deviam ter sido classificados como ZPE por força da referida directiva e não o foram. Considera que, face à designação amplamente insuficiente de ZPE pelas autoridades irlandesas, essa lacuna é susceptível de ter repercussões significativas na conservação das espécies de aves em causa.

170    Segundo afirma, não obstante a Irlanda possuir legislação sobre a protecção de habitats fora das ZPE, essa legislação não tem a especificidade ornitológica exigida pela disposição comunitária referida no número anterior. Concretamente, a disposição não impõe obrigações especiais relativamente aos habitats das espécies de aves selvagens que deviam beneficiar da protecção resultante das ZPE, em zonas que não fazem parte da rede de ZPE existente na Irlanda. A Comissão refere o exemplo específico das dificuldades com que se depara o tartaranhão‑azulado e acrescenta que, além disso, as zonas não classificadas como ZPE, mas que carecem dessa classificação, não beneficiam, na Irlanda, da protecção exigida pelo artigo 4.°, n.° 4, primeiro período, da directiva «aves», mesmo face aos actos das autoridades públicas.

171    A Irlanda responde, no essencial, que um importante trabalho de investigação sobre o tartaranhão‑azulado está prestes a ser concluído e que um projecto de orientações relativas ao desenvolvimento da energia eólica deverá ser finalizado brevemente.

 Apreciação do Tribunal de Justiça

172    Sublinhe‑se que, como o Tribunal acaba de referir no n.° 84 do presente acórdão, os objectivos de protecção formulados pela directiva «aves», tal como são explicitados no seu nono considerando, não poderão ser alcançados se os Estados‑Membros só tiverem de respeitar as obrigações decorrentes do artigo 4.°, n.° 4, da referida directiva nos casos em que tenha sido previamente designada uma ZPE.

173    Com resulta também da jurisprudência do Tribunal, a letra do artigo 7.° da directiva «habitats» esclarece que o artigo 6.°, n.os 2 a 4, desta directiva substitui o artigo 4.°, n.° 4, primeiro período, da directiva «aves» a partir da entrada em vigor da directiva «habitats» ou da data da classificação, por um Estado‑Membro, ao abrigo da directiva «aves», se esta última data for posterior. Revela‑se, portanto, que as zonas que não foram classificadas em ZPE quando o deviam ter sido continuam a ficar sob a alçada do regime específico do artigo 4.°, n.° 4, primeiro período, da directiva «aves» (acórdão de 7 de Dezembro de 2000, Comissão/França, C‑374/98, já referido, n.os 46 e 47).

174    Ora, no caso vertente, a Irlanda nem sequer sustentou ter garantido a aplicação do disposto no artigo 4.°, n.° 4, primeiro período, da directiva «aves» às zonas que devem ser classificadas como ZPE por força da referida directiva.

175    Por conseguinte, sem que seja necessário examinar os exemplos concretos apresentados pela Comissão, há que julgar procedente a terceira acusação.

 Quanto à quarta acusação, relativa à falta de transposição e de aplicação do artigo 4.°, n.° 4, segundo período, da directiva «aves»

 Argumentos das partes

176    A Comissão censura a Irlanda por não ter transposto nem aplicado completa e correctamente o segundo período do artigo 4.°, n.° 4, da directiva «aves», relativo às medidas adequadas que os Estados‑Membros devem tomar para evitar a poluição ou deterioração dos habitats fora das ZPE.

177    A Comissão alega, para fundamentar a sua acusação, que os diversos instrumentos jurídicos internos, em especial as licenças relativas à prevenção integrada da poluição, o sistema de gestão do estrume, a legislação em matéria de ordenamento do território e as disposições relativas à avaliação do impacto ambiental, que supostamente transpõem o artigo 4.°, n.° 4, segundo período, da directiva «aves», não apresentam nenhum dos conteúdos especificamente ornitológicos que constam daquele artigo. Ora, na falta de referência a qualquer consideração ornitológica específica, não se pode considerar que as entidades que intervêm no âmbito das medidas ambientais levarão em conta os interesses ornitológicos. Segundo a Comissão, várias regras internas que transpõem o referido artigo 4.°, n.° 4, segundo período, são parciais, subsistindo numerosas lacunas. A sua incompletude é demonstrada pelo declínio dos habitats e, apesar das objecções da Irlanda, não se pode validamente contestar, no caso vertente, que a intervenção humana provocou o declínio dos habitats.

178    A Irlanda responde que o artigo 4.°, n.° 4, da directiva «aves» é transposto, na prática, por um determinado número de programas e de medidas regulamentares. Sustenta ainda que as exigências do segundo período do referido n.° 4 são concretizadas no Wildlife Act, que estabelece um fundamento jurídico sólido para a protecção das espécies de aves nas áreas campestres.

 Apreciação do Tribunal de Justiça

179    Embora, na verdade, o artigo 4.°, n.° 4, segundo período, da directiva «aves» não imponha obrigatoriamente a obtenção de determinados resultados, não é menos verdade que os Estados‑Membros devem encarar seriamente o objectivo de proteger os habitats fora das ZPE. Assim, não se pode deixar de observar que, no caso vertente, a Irlanda se deve esforçar por tomar as medidas adequadas para evitar a poluição ou perturbação dos habitats (v., neste sentido, acórdão de 18 de Março de 1999, Comissão/França, já referido, n.° 48).

180    Em primeiro lugar, há que verificar se a Irlanda transpôs completa e correctamente a referida disposição, tomando as medidas adequadas para evitar a poluição ou deterioração dos habitats fora das ZPE.

181    Em face dos diferentes elementos de prova, apreciados globalmente, impõe‑se concluir que não é isso que sucede no presente processo.

182    Assim, no que respeita às licenças emitidas no âmbito do sistema de redução integrada da poluição pela Environmental Protection Agency, não é contestado, como refere a Comissão, que esse sistema apenas abrange uma gama limitada de actividades poluentes e não contém nenhuma referência específica às considerações ornitológicas previstas no artigo 4.° da directiva «aves». Além do mais, verifica‑se que a Irlanda se refere à transposição da Directiva 96/61/CE do Conselho, de 24 de Setembro de 1996, relativa à prevenção e controlo integrados da poluição (JO L 257, p. 26), que tem outros objectivos. Consequentemente, a legislação nacional relativa às referidas licenças não pode ser considerada uma transposição suficiente do artigo 4.°, n.° 4, segundo período, da directiva «aves».

183    Quanto ao condicionalismo do pagamento único no âmbito da política agrícola comum, a Irlanda alega que as diferentes exigências em matéria de gestão, primeiro elemento‑chave desse condicionalismo, referidas no artigo 4.° do Regulamento (CE) n.° 1782/2003 do Conselho, de 29 de Setembro de 2003, que estabelece regras comuns para os regimes de apoio directo no âmbito da política agrícola comum e institui determinados regimes de apoio aos agricultores e altera os Regulamentos (CEE) n.° 2019/93, (CE) n.° 1452/2001, (CE) n.° 1453/2001, (CE) n.° 1454/2001, (CE) n.° 1868/94, (CE) n.° 1251/1999, (CE) n.° 1254/1999, (CE) n.° 1673/2000, (CEE) n.° 2358/71 e (CE) n.° 2529/2001 (JO L 270, p. 1), e cuja lista consta do Anexo III desse regulamento, serão introduzidas progressivamente ao longo de três anos, a partir de 1 de Janeiro de 2005. Esse Estado‑Membro precisa que a lista dessas exigências regulamentares inclui uma referência à directiva «aves». Ora, por motivos idênticos aos referidos no n.° 74 do presente acórdão, a introdução progressiva das referidas exigências no direito interno não pode ser levada em conta.

184    O mesmo vale para o segundo elemento‑chave desse condicionalismo do pagamento único, relacionado com as boas condições agrícolas e ambientais a que se refere o artigo 5.° do Regulamento n.° 1782/2003 e cujas exigências mínimas devem ser definidas com base no quadro fixado no Anexo IV desse regulamento, devendo as medidas de transposição desse artigo entrar em vigor apenas a partir de 1 de Janeiro de 2005.

185    Quanto às medidas tomadas no âmbito do programa de protecção ambiental dos campos agrícolas, destinadas a recompensar os agricultores que exercem as actividades agrícolas de forma ecológica, para suscitar melhorias ambientais nas explorações existentes, a Comissão admite que as mesmas apresentam vantagens para as aves selvagens, na medida em que permitem evitar a poluição e a deterioração dos habitats. Porém, é pacífico que esse sistema não é globalmente aplicável a todas as terras agrícolas ou territórios não classificados como ZPE. Logo, não se pode considerar, de modo nenhum, que as referidas medidas transpõem o artigo 4.°, n.° 4, segundo período, da directiva «aves».

186    Os argumentos relativos ao programa de gestão dos detritos agrícolas (Farm Waste Management Scheme) e à legislação em matéria de ordenamento do território, incluindo as disposições relativas à avaliação do impacto ambiental, também são de rejeitar. Com efeito, a Irlanda não introduziu, em nenhum dos referidos textos, qualquer consideração ornitológica nos termos do artigo 4.°, n.° 4, segundo período, da directiva «aves».

187    Por último, no que respeita ao Wildlife Act, não se pode deixar de observar que a única disposição dessa lei que é relevante neste contexto, citada pela Irlanda no decurso do processo, é o artigo 11.°, n.° 1. Porém, esta disposição não é suficientemente precisa para se poder considerar que garante a transposição do artigo 4.°, n.° 4, segundo período, da directiva «aves».

188    Em segundo lugar, há que verificar se a Comissão demonstrou que a Irlanda, na prática, não se esforçou suficientemente para evitar a poluição ou deterioração dos habitats fora das ZPE.

189    A este respeito, importa recordar que a Comissão indica, como exemplo, os habitats do cuco (Cuculus canorus), da laverca‑comum (Alauda arvensis), da andorinha das chaminés (Hirundo rustica) e da andorinha das barreiras (Riparia riparia), espécies dispersas que constam da «lista laranja» do inventário Birds of Conservation Concern in Ireland, publicado em 1999 pela BirdWatch Ireland e pela Royal Society for the Protection of Birds. Este inventário indica que as referidas espécies sofrem muito com a evolução das práticas agrícolas. Ademais, a Comissão refere‑se ao relatório Ireland’s Environment 2004 elaborado pela Environmental Protection Agency, que atribui a deterioração geral dos habitats na Irlanda a um conjunto de desenvolvimentos.

190    Além do mais, não se pode deixar de observar que o simples facto de terem sido estabelecidos um determinado número de programas e de medidas regulamentares, como sustenta a Irlanda, não prova que um Estado‑Membro se tenha esforçado suficientemente para evitar a poluição ou deterioração dos habitats. Com efeito, como salientou a advogada‑geral no n.° 111 das suas conclusões, um esforço sério, ou seja, a tomada de todas as medidas razoáveis para alcançar o resultado pretendido, exige uma actuação orientada para um objectivo.

191    No caso vertente, verifica‑se que as medidas tomadas pela Irlanda são medidas parciais e dispersas, das quais só algumas favorecem a conservação das populações de aves em causa, mas que não constituem um todo coerente.

192    Esta conclusão é corroborada pelo facto de a Irlanda não ter recusado o conteúdo do inventário Birds of Conservation Concern in Ireland publicado em 1999 nem o do relatório Ireland’s Environment 2004, dois estudos ornitológicos acima mencionados, apresentados pela Comissão.

193    Por conseguinte, em face de todos os elementos de prova apresentados pela Comissão, conclui‑se que a Irlanda não transpôs nem aplicou completa e correctamente o disposto no artigo 4.°, n.° 4, segundo período, da directiva «aves». Consequentemente, verifica‑se o incumprimento imputado nesta acusação.

 Quanto à quinta acusação, relativa à transposição e aplicação insuficientes do artigo 6.°, n.os 2 a 4, da directiva «habitats»

194    A quinta acusação diz respeito, no tocante às ZPE designadas por força da directiva «aves», à não adopção, pela Irlanda, de todas as medidas exigidas para dar cumprimento ao disposto no artigo 6.°, n.os 2 a 4, da directiva «habitats». Esta acusação tem também por objecto a transposição insuficiente do artigo 6.°, n.° 2, dessa directiva no que respeita à utilização, para fins recreativos, de todos os sítios referidos nessa disposição.

 Observações preliminares

195    O artigo 7.° da directiva «habitats» prevê que as obrigações decorrentes do artigo 6.°, n.os 2 a 4, substituem as decorrentes do artigo 4.°, n.° 4, primeiro período, da directiva «aves», no respeitante às zonas de protecção especial classificadas nos termos do artigo 4.°, n.° 1, dessa directiva ou analogamente reconhecidas nos termos do artigo 4.°, n.° 2, da referida directiva a partir da data da entrada em aplicação da directiva «habitats» ou da data da classificação ou do reconhecimento pelo Estado‑Membro nos termos da directiva «aves», se esta última data for posterior.

196    Daqui se conclui que o artigo 6.°, n.os 2 a 4, da directiva «habitats» é aplicável às ZPE da Irlanda desde 10 de Junho de 1994, data do termo do prazo de transposição dessa directiva nesse Estado‑Membro, ou desde a data da respectiva classificação ou reconhecimento nos termos da directiva «aves», se esta última data for posterior.

 No que respeita à transposição e aplicação insuficientes do artigo 6.°, n.° 2, da directiva «habitats»

–       Argumentos das partes

197    A Comissão entende que a Irlanda não transpôs nem aplicou correctamente, até 10 de Junho de 1994 ou após essa data, o artigo 6.°, n.° 2, da directiva «habitats» a todas as zonas classificadas nos termos do artigo 4.°, n.° 1, da directiva «aves» ou reconhecidas nos termos do artigo 4.°, n.° 2, da mesma directiva.

198    A Comissão sustenta que, nos termos do regulamento «habitats», o qual, segundo afirma a Irlanda, dá aplicação ao artigo 6.°, n.° 2, da directiva «habitats», a capacidade de combater as actividades potencialmente nefastas dos proprietários fundiários depende, em larga medida, dos avisos de que estes são notificados no momento em que é proposta a classificação de um zona como sítio abrangido pelo artigo 6.°, n.° 2, da directiva «habitats». O artigo 14.° do referido regulamento atribui ao Ministro competente o poder de emitir avisos e impor condições quanto à utilização dos solos. Porém, esse poder depara‑se com duas limitações.

199    A primeira dessas limitações é uma limitação de jure, na medida em que o artigo 14.° do regulamento «habitats» está redigido de modo a só se aplicar às ZPE designadas após a entrada em vigor desse regulamento, pelo que não se aplica às ZPE designadas antes dessa data. No caso das ZPE existentes, não está prevista a notificação aos proprietários fundiários de avisos que lhes indiquem expressamente as actividades que carecem de autorização por força da legislação de transposição, pelo que essas zonas não beneficiam do sistema de luta contra as actividades nefastas.

200    A segunda é uma limitação de facto, na medida em que o referido regulamento não foi aplicado a todas as ZPE.

201    Segundo a Comissão, na falta de qualquer recurso a avisos restritivos, não há, na legislação irlandesa, nenhum dispositivo que permita dar plenamente efeito ao disposto no artigo 6.°, n.° 2, da directiva «habitats» no tocante aos terrenos do domínio público situados dentro de uma ZPE. Entende também que, nos casos em que essas actividades têm lugar em terrenos que pertencem ao domínio público ou sobre os quais o Estado exerce controlo, a legislação nacional não prevê nenhuma obrigação legal expressa que imponha às autoridades competentes para regular essas actividades a obrigação de tomarem medidas de execução para garantir a observância do disposto no artigo 6.°, n.° 2, da referida directiva.

202    A Comissão dá como exemplo de actividade que infringe o artigo 6.°, n.° 2, da directiva «habitats» a apanha mecânica de berbigão não autorizada na ZPE de Bannow Bay e invoca também o ordenamento prejudicial da ZPE de Glen Lough.

203    A Irlanda rejeita todas as alegações da Comissão e observa que, além da disposição constante do artigo 14.° do regulamento «habitats», o artigo 13.°, n.° 3, desse regulamento, que se aplica simultaneamente às zonas especiais de conservação e às ZPE, transpõe o artigo 6.°, n.° 2, da directiva «habitats». A Irlanda refere também, para os mesmos efeitos, o disposto nos artigos 17.° e 18.° do regulamento «habitats» e mantém a posição de que as leis sobre as praias (Foreshore Acts) permitem garantir a protecção das ZPE.

–       Apreciação do Tribunal de Justiça

204    Recorde‑se desde já que o artigo 6.°, n.° 2, da directiva «habitats», tal como o artigo 4.°, n.° 4, primeiro período, da directiva «aves», exige aos Estados‑Membros a adopção de medidas adequadas para evitar, nas zonas classificadas nos termos do n.° 1 do referido artigo 4.° ou reconhecidas nos termos do n.° 2 desse mesmo artigo, a deterioração dos habitats e as perturbações que afectem significativamente as espécies para as quais as ZPE foram designadas ou reconhecidas (v., neste sentido, acórdão de 13 de Junho de 2002, Comissão/Irlanda, C‑117/00, Colect., p. I‑5335, n.° 26).

205    Relativamente ao argumento da Irlanda de que o artigo 13.°, n.° 3, do regulamento «habitats» transpõe o artigo 6.°, n.° 2, da directiva «habitats», não se pode deixar de observar que o único objectivo do referido artigo 13.°, n.° 3, é o de impor ao Ministro competente a obrigação de tomar as disposições úteis para evitar a deterioração dos habitats naturais e dos habitats de espécies e as perturbações que afectam as espécies para as quais essas zonas foram designadas, pelo que essa disposição só tem efeitos quando esse Ministro exerce uma responsabilidade directa nas ZPE em causa. Ora, no regime do regulamento «habitats», o artigo 13.°, n.° 3, desse regulamento vem juntar‑se às disposições dos artigos 4.° e 14.° do mesmo regulamento, que prevê um sistema de responsabilidade do proprietário de prédios rústicos, com base em avisos. No presente processo, uma vez que não foram emitidos avisos para todas as ZPE, não se pode considerar que o artigo 13.°, n.° 3, do regulamento «habitats» assegure a transposição suficiente do artigo 6.°, n.° 2, da directiva «habitats».

206    No que diz respeito ao argumento de que o artigo 14.° do regulamento «habitats» prevê a fiscalização das operações assim como das actividades cuja lista consta de um aviso notificado pelo Ministro competente nos termos do artigo 4.° desse regulamento e segundo o qual as actividades repertoriadas só podem ser efectuadas mediante autorização do Ministro ou ao abrigo do acordo de gestão previsto no artigo 12.° do mesmo regulamento, basta observar que o artigo 14.° também assenta na existência de um aviso. Logo, pelo motivo referido no número anterior, não se pode considerar que esta última disposição assegure a suficiente transposição do artigo 6.°, n.° 2, da directiva «habitats».

207    Quanto ao argumento de que o artigo 17.° do regulamento «habitats» autoriza o Ministro competente a recorrer aos órgãos jurisdicionais para obter destes a proibição das operações ou actividades que se afigurem, face à avaliação realizada, nefastos a um sítio europeu, incluindo uma ZPE, e de que o artigo 18.° do referido regulamento atribui um poder análogo ao Ministro competente caso uma operação ou uma actividade nefasta a uma ZPE seja efectuada numa zona situada fora dessa ZPE, há que observar, como a Comissão sustenta acertadamente e a advogada‑geral sublinhou no n.° 127 das suas conclusões, que essas disposições não permitem evitar a deterioração dos habitats naturais e dos habitats de espécies nem as perturbações significativas que afectam as espécies para as quais as zonas em causa foram designadas.

208    Com efeito, apesar de a Irlanda referir, na sua tréplica, que os poderes do Ministro competente, descritos no número anterior, podem ser utilizados para requerer imediatamente medidas de reparação através de uma providência cautelar, impõe‑se observar que, forçosamente, essas disposições só podem ser aplicadas depois de as actividades em causa já terem tido início e, deste modo, já se terem verificado eventuais deteriorações. Além disso, o Ministro competente não pode proibir unilateralmente uma actividade nefasta e os poderes supramencionados pressupõem que tenha sido efectuada uma avaliação adequada do impacto dessa actividade no ambiente antes de ser requerida a respectiva proibição judicial. A protecção reactiva das ZPE pode ser consideravelmente atrasada por estas etapas processuais. Estas disposições não garantem de modo nenhum a protecção das ZPE contra as actividades dos particulares, pois essa protecção exige que estes sejam preventivamente impedidos de exercerem actividades eventualmente prejudiciais.

209    Por conseguinte, de modo algum se pode considerar que os artigos 17.° e 18.° do referido regulamento constituem uma transposição suficiente do artigo 6.°, n.° 2, da directiva «habitats».

210    Também não se pode acolher o argumento da Irlanda de que as leis sobre as praias permitem garantir a protecção das ZPE. A este respeito, basta notar que as referidas leis só permitem garantir a protecção das zonas costeiras e que, por isso, não se aplicam às ZPE situadas fora dessas zonas.

211    Por último, no que respeita à apanha mecânica de berbigão não autorizada na ZPE de Bannow Bay, referida pela Comissão como exemplo de uma actividade que infringe o artigo 6.°, n.° 2, da directiva «habitats», há que considerar, como observou a advogada‑geral no n.° 140 das suas conclusões, que se trata de uma mera ilustração que não é objecto da acção. Em todo o caso, a Comissão não apresentou nenhum elemento susceptível de provar a existência de incumprimento neste ponto.

212    Daqui se conclui que a Irlanda não transpôs correctamente, até 10 de Junho de 1994 ou após essa data, o artigo 6.°, n.° 2, da directiva «habitats» em todas as zonas classificadas nos termos do artigo 4.°, n.° 1, da directiva «aves» ou reconhecidas nos termos do artigo 4.°, n.° 2, da mesma directiva.

213    Por conseguinte, há que considerar a acusação procedente quanto a este ponto.

 No que respeita à transposição insuficiente do artigo 6.°, n.° 2, da directiva «habitats» no domínio das actividades recreativas

–       Argumentos das partes

214    A Comissão entende que a Irlanda não transpôs suficientemente o artigo 6.°, n.° 2, da directiva «habitats» no que respeita à utilização, para fins recreativos, de todos os sítios a que essa disposição se refere. A Comissão considera que a legislação irlandesa apenas abrange as actividades dos proprietários de prédios rústicos e que essa legislação enferma de várias lacunas relativamente à prevenção dos danos causados aos habitats por aqueles que utilizam os terrenos para fins recreativos. A aplicação dos artigos 14.° e 17.° do regulamento «habitats» não deu lugar à elaboração de listas exaustivas de actividades proibidas. Além disso, os mecanismos do artigo 17.° do referido regulamento são de natureza reactiva e nenhuma outra disposição legislativa referida pela Irlanda parecer proteger as ZPE contra as actividades recreativas desenvolvidas pelos utilizadores.

215    Não obstante as referências às propostas de alterações legislativas úteis, incluindo o projecto de lei de 2004 relativo à segurança marítima (Maritime Safety Bill 2004), a Irlanda contesta o argumento de que a legislação actual é insuficiente no tocante à concretização do artigo 6.°, n.° 2, da directiva «habitats» no âmbito da utilização, para fins recreativos, de terrenos situados nas ZPE. Esse Estado‑Membro explica que as autoridades nacionais têm o poder de fiscalizar as actividades recreativas e as outras actividades exercidas em sítios europeus por pessoas diferentes do proprietário fundiário e de aplicar sanções. Neste contexto, esse Estado‑Membro refere o disposto no artigo 4.°, n.° 3, alínea b), do regulamento «habitats» e nos artigos 14.°, 17.° e 18.° desse regulamento, o Wildlife Act e a Lei de 1994 da justiça penal (ordem pública) [Criminal Justice (Public Order) Act 1994].

–       Apreciação do Tribunal de Justiça

216    Quanto ao argumento da Irlanda de que o disposto no artigo 14.° do regulamento «habitats», que limita a realização de operações ou actividades, não é reservado aos proprietários, ocupantes ou titulares de uma licença, mas aplica‑se a todas as pessoas, desde que a operação ou actividade tenha sido mencionada num aviso emitido nos termos do artigo 4.°, n.° 2, do referido regulamento, basta notar que o artigo 14.°, n.° 3, do mesmo regulamento não permite demandar terceiros que não tenham tido conhecimento do referido aviso. Com efeito, estes últimos podem invocar o motivo de «desculpa razoável» a que se refere esta última disposição. Por isso, a transposição do artigo 6.°, n.° 2, da directiva «habitats» não é, pelo menos, suficientemente precisa.

217    Quanto ao argumento da Irlanda de que o processo previsto nos artigos 17.° e 18.° do regulamento «habitats» é um processo separado e distinto, que pode ser desencadeado contra qualquer pessoa e não depende do conteúdo de um dado «aviso», cumpre observar que não é garantido que esse processo possa ser aplicado às pessoas que não receberam o aviso previsto no artigo 4.° do referido regulamento. Ademais, como o Tribunal acaba de referir no nos n.os 208 e 209 do presente acórdão, o referido processo só constitui uma medida reactiva e, consequentemente, não se pode considerar que os artigos 17.° e 18.° do regulamento «habitats» garantam a transposição suficiente do artigo 6.°, n.° 2, da directiva «habitats».

218    Quanto ao argumento de que o Wildlife Act prevê, nos seus artigos 22.°, 23.° e 76.°, a possibilidade de actuar quando haja uma perturbação manifesta e deliberada dos locais de reprodução ou de repouso de um animal selvagem protegido e em caso de perturbação de aves protegidas em período de nidificação e de que os poderes atribuídos por essa lei incluem a faculdade de apreender o material e os veículos utilizados pelos infractores, basta observar que é pacífico que a referida lei não abrange todos os prejuízos susceptíveis de serem causados por quem utilize os sítios para fins recreativos.

219    Por último, no que respeita ao argumento de que a violação da propriedade privada foi requalificada como delito penal no direito interno pelo artigo 19.°‑A da Lei de 1994 da justiça penal (ordem pública) e de que as penas aplicadas em caso de condenação podem consistir em multas e perda dos veículos e do material, importa recordar que, no âmbito da directiva «habitats», que contém regras complexas e técnicas no domínio do direito do ambiente, os Estados‑Membros estão especialmente obrigados a garantir que as respectivas legislações destinadas a assegurar a transposição dessa directiva sejam claras e precisas (v. acórdão de 20 de Outubro de 2005, Comissão/Reino Unido, C‑6/04, Colect., p. I‑9017, n.° 26).

220    Ora, decorre do exame das disposições penais sobre a violação da propriedade invocadas pela Irlanda que estas não estão expressamente ligadas à protecção dos habitats naturais e dos habitats das espécies contra a deterioração e contra as perturbações que afectem as espécies e que, portanto, não são concebidas para evitar os danos causados aos habitats pela utilização das ZPE para fins recreativos. Consequentemente, essas disposições não constituem uma concretização clara e precisa das disposições da directiva «habitats» susceptível de satisfazer plenamente a exigência da segurança jurídica.

221    Por conseguinte, há que considerar a acusação igualmente procedente quanto a este ponto.

 No que respeita à transposição e aplicação insuficientes do artigo 6.°, n.os 3 e 4, da directiva «habitats»

–       Argumentos das partes

222    A Comissão alega que a Irlanda não transpôs nem aplicou correctamente o artigo 6.°, n.os 3 e 4, da directiva «habitats».

223    No que respeita à transposição, a Comissão sustenta que a legislação interna não contém disposições destinadas a garantir que os planos, por oposição aos projectos, sejam avaliados nos termos do artigo 6.°, n.os 3 e 4, da directiva «habitats». Por outro lado, a legislação nacional não prevê a aplicação adequada dessas disposições comunitárias a projectos situados fora das ZPE, mas que têm efeitos significativos no interior dessas ZPE.

224    No que respeita à aplicação, a Comissão considera que a Irlanda não se assegura, de forma sistemática, de que os planos e projectos susceptíveis de afectar significativamente as ZPE, individualmente ou em conjugação com outros planos e projectos, são sujeitos a uma avaliação prévia adequada.

225    A Irlanda sustenta que nenhuma medida nem nenhum projecto decorrente de um plano podem produzir efeitos, de direito e de facto, sem terem sido sujeitos a uma avaliação. Ainda que os planos possam encorajar determinadas actividades, não dispensam nem obstam às fiscalizações aplicáveis a sítios sujeitos aos regimes regulamentares correspondentes. Não têm influência na aceitação ou não de um projecto que possa ter efeitos num sítio. Um plano ou projecto, antes de poder ser aplicado a um sítio, é sujeito, em primeiro lugar, a um procedimento de avaliação completo no âmbito do regime regulamentar previsto no regulamento «habitats», do regulamento do ordenamento ou doutro regime regulamentar, nos termos do disposto na directiva «habitats». Consequentemente, nenhum plano ou projecto pode ser aplicado a um sítio sem ter sido sujeito a avaliação.

–       Apreciação do Tribunal de Justiça

226    Quanto à transposição do artigo 6.°, n.os 3 e 4, da directiva «habitats», há que recordar antes de mais que o Tribunal de Justiça já considerou que o artigo 6.°, n.° 3, da referida directiva sujeita a exigência de uma avaliação adequada dos efeitos de um plano ou projecto à condição de haver uma probabilidade ou um risco de esse plano ou projecto afectar o sítio em causa de modo significativo. Tendo em conta, em especial, o princípio da precaução, tal risco existe quando não se possa excluir, com base em elementos objectivos, que o referido plano ou projecto afecta o sítio em causa de modo significativo (acórdão de 20 de Outubro de 2005, Comissão/Reino Unido, já referido, n.° 54 e jurisprudência aí referida).

227    Daqui se conclui que a directiva «habitats» exige que qualquer plano ou projecto seja sujeito a uma avaliação adequada dos seus efeitos quando não se possa excluir, com base em elementos objectivos, que o referido plano ou projecto afecte o sítio em causa de modo significativo.

228    Quanto a este aspecto, a Irlanda sustenta que os planos são sujeitos a uma avaliação adequada dos seus efeitos num sítio, nos termos dos artigos 27.° a 33.° do regulamento «habitats», que prevêem a avaliação de diferentes projectos de desenvolvimento («various development proposals»). Porém, a Irlanda não demonstrou que esses projectos constituem planos, na acepção do artigo 6.°, n.° 3, da directiva «habitats».

229    Em seguida, a Irlanda alega que a Lei de 2000 sobre o ordenamento e o desenvolvimento (Planning and Development Act 2000) introduziu exigências quanto à consideração de determinados planos, nomeadamente as orientações relativas ao ordenamento regional, os planos de desenvolvimento e os planos locais susceptíveis de terem efeitos significativos no ambiente. Desde 1 de Janeiro de 2001, cada um dos referidos planos deve incluir informações relativas aos efeitos da respectiva execução que possam ser significativos para o ambiente. Esta exigência foi incluída em antecipação dos termos da Directiva 2001/42/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 27 de Junho de 2001, relativa à avaliação dos efeitos de determinados planos e programas no ambiente (JO L 197, p. 30). Ora, apesar da existência desta legislação, não se pode admitir que a Irlanda tenha cumprido as obrigações resultantes do artigo 6.°, n.° 3, da directiva «habitats». Com efeito, a obrigação constante da referida lei sobre o ordenamento e o desenvolvimento só diz respeito às informações sobre os efeitos que possam ser significativos para o ambiente, quando o artigo 6.°, n.° 3, da directiva «habitats» exige uma avaliação prévia dos efeitos dos planos de ordenamento.

230    Por outro lado, a Irlanda alega também que aplica as avaliações previstas na Directiva 85/337/CEE do Conselho, de 27 de Junho de 1985, relativa à avaliação dos efeitos de determinados projectos públicos e privados no ambiente (JO L 175, p. 40; EE 15 F6 p. 9), e na Directiva 2001/42, também transposta pelo Regulamento de 2004 relativo à avaliação ambiental de determinados planos e programas das Comunidades Europeias [European Communities (Environmental Assessment of certain Plans and Programmes) Regulations 2004], e pelo Regulamento de 2004 relativo à avaliação ambiental estratégica do ordenamento e do desenvolvimento (Planning and Development Strategic Environmental Assessment Regulations 2004).

231    Ora, estas duas directivas contêm disposições relativas ao procedimento de deliberação, sem vincularem os Estados‑Membros quanto à decisão final, e só dizem respeito a determinados projectos e planos. Em contrapartida, nos termos do artigo 6.°, n.° 3, segundo período, da directiva «habitats», um plano ou projecto só pode ser autorizado depois de as autoridades nacionais se terem assegurado de que não afectará a integridade do sítio. Por conseguinte, as avaliações previstas na Directiva 85/337 ou na Directiva 2001/42 não podem substituir o procedimento previsto no artigo 6.°, n.os 3 e 4, da directiva «habitats».

232    Por último, quanto à afirmação da Comissão de que a legislação irlandesa não prevê a aplicação adequada do artigo 6.°, n.os 3 e 4, da directiva «habitats» a projectos situados fora das ZPE, mas que têm efeitos significativos no interior dessas ZPE, basta observar que é pacífico que o relatório da avaliação do impacto ambiental, que deve ser encomendado pelos particulares interessados, que suportam o respectivo custo, de 15 000 euros no mínimo, só é exigido para plantações de mais de 50 ha, quando a superfície média das plantações na Irlanda é de cerca de 8 ha.

233    Resulta, pois, do exposto que, uma vez que a legislação irlandesa não sujeita os planos a uma avaliação adequada dos seus efeitos nas ZPE, o artigo 6.°, n.os 3 e 4, da directiva «habitats» não foi objecto de uma transposição suficiente para a ordem jurídica interna da Irlanda.

234    Consequentemente, há que julgar a acção procedente quanto a este ponto.

235    Quanto à aplicação do artigo 6.°, n.os 3 e 4, da directiva «habitats», a Comissão invoca os exemplos dos projectos de aquicultura e das obras de drenagem no interior da ZPE de Glen Glough. Por conseguinte, importa examiná‑los sucessivamente.

236    Em primeiro lugar, quanto aos projectos de aquicultura, a Comissão invoca, no essencial, o estudo Review of the Aquaculture Licensing System in Ireland, efectuado em 2000 pela BirdWatch Ireland, para considerar que a Irlanda, sistematicamente, não avaliou correctamente os projectos situados nas ZPE ou susceptíveis de terem efeitos numa ZPE, desrespeitando o artigo 6.°, n.os 3 e 4, da directiva «habitats». Neste contexto, a Comissão sublinha a importância de uma peritagem prévia para efeitos da avaliação do impacto de um projecto nos objectivos de conservação fixados para a ZPE em causa.

237    Importa precisar que esse estudo examina 271 autorizações de projectos de aquicultura emitidas pelo Ministério das Comunicações, da Marinha e dos Recursos Naturais durante o período compreendido entre Junho de 1998 e Dezembro de 1999 e 46 pedidos relativamente aos quais estava pendente uma decisão desse ministério. Além disso, 72 autorizações e 9 pedidos de autorização pendentes de decisão dizem respeito a projectos de aquicultura situados numa ZPE ou próximo desta. As autorizações emitidas dizem respeito, em 84% dos casos, a viveiros de ostras ou de berbigão.

238    Recorde‑se também que, nos termos do artigo 6.°, n.° 3, primeiro período, da directiva «habitats», qualquer plano ou projecto não directamente relacionado com a gestão do sítio e não necessário para essa gestão será objecto de uma avaliação adequada das suas incidências no mesmo à luz dos objectivos de conservação desse sítio, quando não se possa excluir, com base em elementos objectivos, que tal plano ou projecto afecte o referido sítio de modo significativo, individualmente ou em conjugação com outros planos e projectos (acórdão de 7 de Setembro de 2004, Waddenvereniging e Vogelbeschermingsvereniging, C‑127/02, Colect., p. I‑7405, n.° 45).

239    Ora, o referido estudo efectuado pela BirdWatch Ireland expõe vários dos potenciais e nefastos efeitos da conquilicultura, entre os quais a perda de zonas de alimentação e as perturbações causadas pela intensificação da actividade humana, e refere que, mesmo quando o projecto de aquicultura se situa dentro de uma ZPE, os habitats das aves são pouco protegidos. Por sua vez, a Irlanda não afirma que nenhum projecto de aquicultura tem efeitos nas ZPE.

240    Daqui se conclui que o procedimento de autorização deveria ter incluído uma avaliação adequada dos efeitos de cada projecto particular. A este respeito, não se pode deixar de observar que a Irlanda se contentou em afirmar, sem dar exemplos precisos, que o procedimento irlandês de autorização dos viveiros aquícolas, incluindo as suas disposições sobre consultas, prevê, na realidade, a consideração em detalhe de todos os aspectos de um projecto de desenvolvimento de aquicultura, antes de ser tomada decisão sobre se o mesmo deve ou não ser autorizado.

241    Por isso, há que considerar que a Irlanda não garante de forma sistemática que os projectos de aquicultura susceptíveis de afectar ZPE de modo significativo, individualmente ou em conjugação com outros projectos, são sujeitos a uma avaliação prévia adequada.

242    Esta conclusão é corroborada pelo facto de a Irlanda não ter apresentado, para contestar o incumprimento imputado pela Comissão, avaliações científicas escritas concretas que indiquem que foi efectuado um exame ornitológico prévio detalhado dos projectos de aquicultura.

243    Ora, por força do artigo 6.°, n.° 3, da directiva «habitats», uma avaliação adequada dos efeitos do plano ou do projecto no sítio em questão implica que, antes da sua aprovação, sejam identificados, tendo em conta os melhores conhecimentos científicos na matéria, todos os aspectos do plano ou do projecto que possam, por si só ou em conjugação com outros planos ou projectos, afectar os objectivos de conservação desse sítio. As autoridades nacionais competentes só autorizam uma actividade no sítio protegido desde que tenham a certeza de que esta é desprovida de efeitos prejudiciais para a integridade desse sítio. Assim acontece quando não subsiste nenhuma dúvida razoável do ponto de vista científico quanto à inexistência de tais efeitos (v. acórdão Waddenvereniging e Vogelbeschermingsvereniging, já referido, n.° 61).

244    Quanto ao argumento da Irlanda de que não fora exigida nenhuma avaliação do impacto ambiental para as conquiliculturas, porque estas são de dimensões modestas e só têm um efeito limitado no ambiente, a Comissão tem razão quando afirma que isso não constitui um motivo suficiente para não avaliar os efeitos de semelhante plano ou projecto. Com efeito, o artigo 6.°, n.° 3, primeiro período, da directiva «habitats» exige, como o Tribunal acaba de recordar no n.° 238 do presente acórdão, uma avaliação adequada de qualquer plano ou projecto em conjugação com outros planos e projectos.

245    Resulta também da jurisprudência do Tribunal que a não consideração do efeito cumulativo dos projectos tem o resultado prático de a totalidade dos projectos de um certo tipo poder ser subtraída à obrigação de avaliação, quando os mesmos, considerados globalmente, são susceptíveis de ter efeitos significativos no ambiente (v., por analogia, acórdão de 21 de Setembro de 1999, Comissão/Irlanda, C‑392/96, Colect., p. I‑5901, n.° 76).

246    Por último, quanto ao argumento da Irlanda de que uma autorização de manutenção para os projectos de desenvolvimento executados sem autorização prévia é compatível com a directiva «habitats», basta notar que não se pode considerar que a avaliação de um desenvolvimento já consumado seja equivalente à avaliação de um plano ou projecto, na acepção do artigo 6.°, n.° 3, primeiro período, da directiva «habitats».

247    Consequentemente, há que considerar a acusação procedente quanto a este ponto.

248    Em segundo lugar, relativamente às obras de drenagem na ZPE de Glen Lough, a Comissão alega que a Irlanda, contrariando o disposto no artigo 6.°, n.os 3 e 4, da directiva «habitats», deu execução, em 1992 e 1997, a um projecto de drenagem susceptível de afectar significativamente a ZPE de Glen Lough, sem ter efectuado previamente uma avaliação adequada desse projecto nem ter aplicado um procedimento decisório adequado, o que causou uma deterioração dos habitats, em infracção ao artigo 6.°, n.° 2, da referida directiva. Além disso, a Irlanda não apresentou elementos que mostrem que foram tomadas medidas para obviar a essa deterioração.

249    A título preliminar, não se pode deixar de observar que, à data das obras de drenagem efectuadas pelo Office of Public Works (Serviço das Obras Públicas) em 1992, a directiva «habitats» ainda não era aplicável. Consequentemente, as referidas obras não integram o objecto da presente acção.

250    Além disso, resulta da jurisprudência do Tribunal que o facto de um plano ou projecto ter sido autorizado segundo o procedimento previsto no artigo 6.°, n.° 3, da directiva «habitats» torna desnecessária, tratando‑se de uma intervenção sobre o sítio protegido objecto do referido plano ou projecto, uma aplicação concomitante da norma de protecção geral objecto do n.° 2 do mesmo artigo (acórdão Waddenvereniging e Vogelbeschermingsvereniging, já referido, n.° 35).

251    Consequentemente, no que respeita à acusação relativa às obras de drenagem efectuadas em 1997, há que verificar se essas actividades podem infringir o artigo 6.°, n.os 3 e 4, da directiva «habitats».

252    A violação do artigo 6.°, n.os 3 e 4, da referida directiva pressupõe que as obras de drenagem em causa constituem um projecto não directamente ligado ou necessário à gestão do sítio, mas susceptível de afectar esse sítio de forma significativa, individualmente ou em conjugação com outros planos ou projectos.

253    A este respeito, é pacífico que essas obras constituem um projecto e que não estão directamente ligadas nem são directamente necessárias à gestão do sítio. Daqui se conclui que, nos termos da jurisprudência recordada no n.° 226 do presente acórdão, deveriam ser objecto de uma avaliação dos seus efeitos nos objectivos de conservação fixados para a ZPE de Glen Lough se não se pudesse excluir, com base em elementos objectivos, que afectam o sítio de forma significativa, individualmente ou em conjugação com outros planos ou projectos.

254    Tendo em conta, em especial, o princípio da precaução, que é um dos fundamentos da política de protecção de nível elevado prosseguida pela Comunidade no domínio do ambiente, nos termos do artigo 174.°, n.° 2, primeiro parágrafo, CE e à luz do qual deve ser interpretada a directiva «habitats», em caso de dúvida quanto à inexistência de efeitos significativos, deve‑se proceder a tal avaliação (v. acórdão Waddenvereniging e Vogelbeschermingsvereniging, já referido, n.° 44).

255    Resulta dos autos que a ZPE de Glen Lough, que tem uma superfície de cerca de 80 ha e foi classificada em 1995, é um sítio de invernada importante para espécies de aves migradoras na região central da Irlanda. Essa zona abrigava, concretamente, um número importante, à escala mundial, de cisnes‑bravos (Cygnus cygnus) e apresenta especial interesse para as aves, devido à sua água.

256    Ora, no presente processo, a Irlanda, após ter sublinhado que as obras em questão eram apenas obras de manutenção de canais de drenagem existentes, no âmbito de um regime de drenagem anterior à classificação do sítio de Glen Lough como ZPE, e que as mesmas não tinham tido efeitos significativos nos habitats das aves selvagens nessa ZPE, reconhece, na contestação, que a manutenção da drenagem do Silver River pelo Office of Public Works em 1997 parece ter reduzido os tempos de resposta hidrológica e, por isso, a utilização do sítio pelos cisnes selvagens.

257    Por isso, conclui‑se que a Irlanda, ao não avaliar os efeitos das obras de manutenção dos canais de drenagem nos objectivos de conservação da ZPE de Glen Lough antes da respectiva realização, violou o artigo 6.°, n.° 3, primeiro período, da directiva «habitats».

258    Em seguida, resulta do artigo 6.°, n.° 3, segundo período, da directiva «habitats» que, num caso como o do presente processo, as autoridades nacionais competentes, tendo em conta as conclusões da avaliação adequada dos efeitos das referidas obras no sítio em causa, à luz dos objectivos de conservação deste último, só poderiam ter autorizado tal actividade desde que tivessem a certeza de que esta era desprovida de efeitos prejudiciais para a integridade desse sítio, o que aconteceria se não subsistisse nenhuma dúvida razoável do ponto de vista científico quanto à inexistência de tais efeitos (v. acórdão Waddenvereniging e Vogelbeschermingsvereniging, já referido, n.° 67).

259    Devido à simples falta da avaliação dos efeitos das obras de manutenção dos canais de drenagem efectuadas em 1997 no sítio, como observou a advogada‑geral no n.° 182 das suas conclusões, uma autorização seria ilegal por força do artigo 6.°, n.° 3, segundo período, da directiva «habitats». De resto, a exposição da Irlanda mostra, como se referiu no n.° 256 do presente acórdão, que uma autorização não era possível, visto que as obras em causa eram susceptíveis de afectar a ZPE de Glen Lough de forma significativa. Dado que a conservação das zonas de invernada dos cisnes‑bravos é o objectivo essencial dessa ZPE, a integridade da referida zona foi efectivamente afectada, na acepção do artigo 6.°, n.° 3, segundo período, da directiva «habitats».

260    Daqui resulta também que, apesar das conclusões negativas da avaliação dos efeitos no sítio, uma autorização nos termos do artigo 6.°, n.° 4, da directiva «habitats» só seria possível na falta de soluções alternativas e no caso de esse projecto dever ser realizado por razões imperiosas de elevado interesse público, desde que o Estado‑Membro tomasse todas as medidas compensatórias necessárias para garantir a protecção da coerência global da Natura 2000.

261    A este respeito, mesmo que se admita, como salientou a advogada‑geral no n.° 183 das suas conclusões, que a drenagem é de interesse público, basta notar que, de acordo com o artigo 6.°, n.° 4, da directiva «habitats», esse interesse só pode justificar a deterioração da ZPE na falta de soluções alternativas.

262    Ora, a própria Irlanda refere que o National Parks and Wildlife, após ter instalado, em 1998, ao longo do percurso do Silver River na ZPE um dique que retém a água do lago, mas permite a esse rio desempenhar o seu papel de drenagem arterial para os terrenos a montante, celebrou um contrato para a reparação desse dique e instalação de um escorregadouro hidráulico e de um escoadouro para o tubo de descarga, no início de 2005. Isso permitiria, segundo aquele Estado‑Membro, a estrita regulação do nível da água do lago, sendo estabelecido um estatuto hidrológico para optimizar a utilização do lago pelo cisne‑bravo. Porém, a Irlanda não aduziu argumentos que demonstrem que essas soluções alternativas não podiam ser postas em prática antes da realização das obras de manutenção dos canais de drenagem em 1997.

263    Daqui se conclui que a Irlanda, contrariando o disposto no artigo 6.°, n.os 3 e 4, da directiva «habitats», deu execução, em 1997, a um projecto de drenagem susceptível de afectar significativamente a ZPE de Glen Lough, sem ter efectuado previamente uma avaliação adequada desse projecto nem ter aplicado um procedimento decisório adequado, o que causou uma deterioração dos habitats, em infracção ao artigo 6.°, n.° 2, da referida directiva.

264    Consequentemente, a acusação também é procedente quanto a este ponto.

265    Nestes termos, há que julgar procedente a quinta acusação.

 Quanto à sexta acusação, relativa à não transposição do artigo 10.° da directiva «aves»

 Argumentos das partes

266    A Comissão alega que a utilização do presente [na versão francesa] do artigo 10.° da directiva «aves» impõe aos Estados‑Membros a obrigação de incentivar as investigações necessárias para fins da protecção, da gestão e da exploração populacional de todas as espécies de aves referidas no artigo 1.° da referida directiva. Ora, as disposições regulamentares nacionais relevantes não traduzem essa obrigação. A posição do direito interno é, pelo menos, ambígua.

267    Segundo afirma, a letra do Wildlife Act faz da promoção das investigações uma actividade facultativa para o Ministro competente.

268    Inversamente, a Irlanda considera que não faltou à sua obrigação de incentivar as investigações. Afirma que a sua legislação não é lacunar, que o artigo 11.°, n.° 3, do Wildlife Act constitui uma transposição suficiente do referido artigo 10.° para o direito nacional e reflecte plenamente, ou até ultrapassa, o grau de obrigação imposto por essa disposição comunitária.

 Apreciação do Tribunal de Justiça

269    Refira‑se desde já que a leitura da letra do artigo 11.°, n.° 3, do Wildlife Act permite afirmar que essa disposição prevê a possibilidade de o Ministro competente efectuar ou mandar efectuar os trabalhos de investigação que considere úteis para o exercício das funções que lhe são conferidas pela referida lei. Pelo contrário, a referida disposição não define, para o Ministro competente, nenhuma obrigação de incentivar essas actividades.

270    Ora, como a Comissão sustenta, com razão, o artigo 10.° da directiva «aves» estabelece a obrigação de os Estados‑Membros incentivarem as investigações necessárias para fins da protecção, da gestão e da exploração populacional de todas as espécies de aves referidas no artigo 1.° da referida directiva.

271    Daqui se conclui que não se pode considerar que a Irlanda tenha transposto o artigo 10.° da directiva «aves» para a sua ordem jurídica interna.

272    Esta conclusão não pode ser posta em causa pelo argumento da Irlanda de que o papel do Ministro competente ainda é mais ampliado pelo artigo 11.°, n.° 1, do Wildlife Act. Com efeito, esta disposição mais não faz do que declarar que compete àquele garantir a conservação da vida selvagem e promover a conservação da diversidade biológica.

273    Há ainda que afastar o argumento da Irlanda de que a utilização do termo «may» («pode»), no que respeita à interpretação do direito nacional, não significa necessariamente que o Ministro competente pode discricionariamente decidir efectuar ou não trabalhos de investigação.

274    A este respeito, basta notar que a jurisprudência nacional que o referido Estado‑Membro menciona não indica que essa interpretação seja sistemática e tão‑pouco se reporta especificamente à disposição nacional em causa.

275    Consequentemente, há que considerar procedente a sexta acusação.

276    Por todo o exposto, há que declarar que a Irlanda:

–        Por não ter classificado, desde 6 de Abril de 1981, nos termos do artigo 4.°, n.os 1 e 2, da directiva «aves», todos os territórios mais apropriados em número e em extensão para as espécies mencionadas no anexo I, com excepção dos destinados a assegurar a conservação do ganso da Gronelândia, assim como para as espécies migratórias cuja ocorrência seja regular, não referidas no anexo I, com excepção dos destinados a assegurar a protecção do abibe‑comum, do perna‑vermelha‑comum, da narceja‑comum e do maçarico‑real;

–        Por não ter assegurado que, desde 6 de Abril de 1981, as disposições do artigo 4.°, n.° 4, primeiro período, da directiva «aves» seriam aplicadas em zonas que deviam ter sido classificadas como ZPE por força da referida directiva;

–        Por não ter transposto e aplicado completa e correctamente as disposições do artigo 4.°, n.° 4, segundo período, da directiva «aves»;

–        Por não ter tomado todas as medidas necessárias para dar cumprimento ao disposto no artigo 6.°, n.° 2, da directiva «habitats», no que respeita a todas as ZPE classificadas nos termos do artigo 4.°, n.° 1, da directiva «aves» ou reconhecidas nos termos do artigo 4.°, n.° 2, da mesma directiva;

–        Por não ter tomado todas as medidas necessárias para dar cumprimento ao disposto no artigo 6.°, n.° 2, da directiva «habitats», no que respeita à utilização, para fins recreativos, dos sítios que devem ficar abrangidos pelo referido artigo;

–        Por não ter tomado todas as medidas necessárias para dar cumprimento ao disposto no artigo 6.°, n.os 3 e 4, da directiva «habitats», no que respeita aos planos;

–        Por não ter tomado todas as medidas necessárias para dar cumprimento ao disposto no artigo 6.°, n.° 3, da directiva «habitats», no que respeita à autorização dos projectos de aquicultura;

–        Por não ter tomado todas as medidas necessárias para dar cumprimento ao disposto no artigo 6.°, n.os 2 a 4, da directiva «habitats», no que respeita às obras de manutenção dos canais de drenagem na ZPE de Glen Lough; e

–        Por não ter tomado todas as medidas necessárias para dar cumprimento ao disposto no artigo 10.° da directiva «aves»;

não cumpriu as obrigações que lhe incumbem por força dos artigos 4.°, n.os 1, 2 e 4, e 10.° da directiva «aves» e do artigo 6.°, n.os 2 a 4, da directiva «habitats».

 Quanto às despesas

277    Por força do disposto no artigo 69.°, n.° 2, do Regulamento de Processo, a parte vencida é condenada nas despesas se a parte vencedora o tiver requerido. Tendo a Comissão pedido a condenação da Irlanda e tendo esta sido vencida no essencial dos seus fundamentos, há que condená‑la nas despesas.

278    Nos termos do n.° 4, primeiro parágrafo, do mesmo artigo do Regulamento de Processo, os Estados‑Membros que intervenham no processo devem suportar as respectivas despesas. Assim, há que decidir que a República Helénica e o Reino de Espanha suportam as respectivas despesas.

Pelos fundamentos expostos, o Tribunal de Justiça (Segunda Secção) decide:

1)      A Irlanda:

–        Por não ter classificado, desde 6 de Abril de 1981, nos termos do artigo 4.°, n.os 1 e 2, da Directiva 79/409/CEE do Conselho, de 2 de Abril de 1979, relativa à conservação das aves selvagens, na redacção dada pela Directiva 97/49/CE da Comissão, de 29 de Julho de 1997, todos os territórios mais apropriados em número e em extensão para as espécies mencionadas no anexo I, com excepção dos destinados a assegurar a conservação do ganso da Gronelândia (Anser albifrons flavirostris), assim como para as espécies migratórias cuja ocorrência seja regular, não referidas no anexo I, com excepção dos destinados a assegurar a protecção do abibe‑comum (Vanellus vanellus), do perna‑vermelha‑comum (Tringa totanus), da narceja‑comum (Gallinago gallinago) e do maçarico‑real (Numenius arquata);

–        Por não ter assegurado que, desde 6 de Abril de 1981, as disposições do artigo 4.°, n.° 4, primeiro período, da Directiva 79/409, na redacção dada pela Directiva 97/49, seriam aplicadas em zonas que deviam ter sido classificadas como zonas de protecção especial por força da referida directiva;

–        Por não ter transposto e aplicado completa e correctamente as disposições do artigo 4.°, n.° 4, segundo período, da Directiva 79/409, na redacção dada pela Directiva 97/49;

–        Por não ter tomado todas as medidas necessárias para dar cumprimento ao disposto no artigo 6.°, n.° 2, da Directiva 92/43/CEE do Conselho, de 21 de Maio de 1992, relativa à preservação dos habitats naturais e da fauna e da flora selvagens, no que respeita a todas as zonas de protecção especial classificadas nos termos do artigo 4.°, n.° 1, da Directiva 79/409, na redacção dada pela Directiva 97/49, ou reconhecidas nos termos do artigo 4.°, n.° 2, da mesma directiva;

–        Por não ter tomado todas as medidas necessárias para dar cumprimento ao disposto no artigo 6.°, n.° 2, da Directiva 92/43, no que respeita à utilização, para fins recreativos, dos sítios que devem ficar abrangidos pelo referido artigo;

–        Por não ter tomado todas as medidas necessárias para dar cumprimento ao disposto no artigo 6.°, n.os 3 e 4, da Directiva 92/43, no que respeita aos planos;

–        Por não ter tomado todas as medidas necessárias para dar cumprimento ao disposto no artigo 6.°, n.° 3, da Directiva 92/43, no que respeita à autorização dos projectos de aquicultura;

–        Por não ter tomado todas as medidas necessárias para dar cumprimento ao disposto no artigo 6.°, n.os 2 a 4, da Directiva 92/43, no que respeita às obras de manutenção dos canais de drenagem na zona de protecção especial de Glen Lough; e

–        Por não ter tomado todas as medidas necessárias para dar cumprimento ao disposto no artigo 10.° da Directiva 79/409, na redacção dada pela Directiva 97/49;

não cumpriu as obrigações que lhe incumbem por força dos artigos 4.°, n.os 1, 2 e 4, e 10.° da Directiva 79/409, na redacção dada pela Directiva 97/49, e do artigo 6.°, n.os 2 a 4, da Directiva 92/43.

2)      A acção é julgada improcedente quanto ao restante.

3)      A Irlanda é condenada nas despesas.

4)      A República Helénica e o Reino de Espanha suportam as respectivas despesas.

Assinaturas


* Língua do processo: inglês.