CONCLUSÕES DO ADVOGADO‑GERAL
EVGENI TANCHEV
apresentadas em 17 de dezembro de 2020(1)
Processo C‑128/19
Azienda Sanitaria Provinciale di Catania
contra
Assessorato della Salute della Regione Siciliana,
sendo interveniente
AU
[pedido de decisão prejudicial apresentado pela Corte suprema di cassazione (Supremo Tribunal de Cassação, Itália)]
«Auxílios de Estado — Conceitos de “auxílio existente” e de “novo auxílio” — Regulamento (UE) n.o 702/2014 — Auxílios destinados a abranger as despesas de prevenção, controlo e erradicação de doenças dos animais e a compensar as perdas causadas por tais doenças — Regulamento (UE) n.o 1408/2013 — Auxílios de minimis»
1. O litígio no presente processo surge na sequência de uma medida legislativa adotada em 1989 pela Região da Sicília, que previa o pagamento de uma indemnização aos proprietários dos animais abatidos por padecerem de determinadas doenças. Ao longo dos anos, a referida indemnização foi várias vezes financiada através de legislação adotada pela Região da Sicília. AU, um criador siciliano, pediu o pagamento desta indemnização junto dos órgãos jurisdicionais nacionais com base numa lei regional de 2005, que foi a mais recente medida a financiar a indemnização. A questão que se coloca ao Tribunal de Justiça consiste em saber se tal indemnização constitui um auxílio de Estado na aceção do artigo 107.o, n.o 1, TFUE e, em caso afirmativo, se foi concedida em violação do artigo 108.o, n.o 3, TFUE.
2. A dificuldade reside no facto de que, embora a legislação inicial de 1989 e várias leis de financiamento tenham sido objeto de uma decisão de autorização pela Comissão, o mesmo não sucedeu com a Lei de 2005. Coloca‑se, assim, a questão de saber se esta última lei é abrangida pela autorização dada pela Comissão no que respeita à legislação de financiamento anterior.
3. Por conseguinte, o presente processo permite ao Tribunal de Justiça fornecer orientações sobre os conceitos de «novos auxílios», que, como tal, devem ser notificados à Comissão antes de serem aplicados, e de «auxílios existentes», que não estão sujeitos a essa exigência, quer porque já foram autorizados, quer (nomeadamente) porque alteram, em certa medida, auxílios já autorizados.
I. Quadro jurídico
A. Direito da União
4. O artigo 1.o do Regulamento (CE) n.o 659/1999 do Conselho, de 22 de março de 1999, que estabelece as regras de execução do artigo [108.o TFUE] (2) prevê:
«Para efeitos do presente regulamento, entende‑se por:
[…]
b) “Auxílios existentes”:
[…]
ii) O auxílio autorizado, isto é, os regimes de auxílio e os auxílios individuais que tenham sido autorizados pela Comissão ou pelo Conselho;
[…]
c) “Novo auxílio”, quaisquer auxílios, isto é, regimes de auxílio e auxílios individuais, que não sejam considerados auxílios existentes, incluindo as alterações a um auxílio existente;
[…]»
B. Direito italiano
5. O artigo 1.o da Lei Regional da Sicília n.o 12/1989 (3) prevê:
«1. Para o saneamento de explorações de criação de bovinos atingidas por tuberculose, brucelose e leucose, e de ovinos e caprinos atingidas por brucelose, em conformidade com a Lei n.o 615, de 9 de junho de 1964, e com as Leis n.o 33 e 34, de 23 de janeiro de 1968, conforme alteradas e completadas, é concedida indemnização aos proprietários de bovinos abatidos e/ou objeto de eliminação seletiva por padecerem de tuberculose, brucelose e leucose, e de ovinos e caprinos abatidos e/ou objeto de eliminação seletiva por padecerem de brucelose, cumulável com a indemnização prevista nas disposições nacionais em vigor, na medida indicada no quadro anexo à presente lei.
[…]
4. Para os mesmos efeitos que os referidos nos números anteriores e a fim de fomentar a execução das medidas de saneamento das explorações pecuárias, aos veterinários que trabalhem por conta própria e que estejam autorizados a efetuar as operações a que se referem os Decretos ministeriais de 1 de junho de 1968 e 3 de junho de 1968, por cada bovino inspecionado é paga, com a remuneração prevista nas disposições nacionais em vigor, uma compensação de 2 000 liras italianas. Em qualquer caso, o montante total da indemnização não pode exceder 3 000 liras italianas.
5. Para efeitos do presente artigo, são autorizadas despesas de 7 000 milhões de liras italianas para o exercício financeiro em curso e de 6 000 milhões de liras italianas para cada um dos exercícios de 1990 e 1991.»
6. O artigo 25.o, n.o 16, da Lei Regional da Sicília n.o 19/2005 (4) dispõe:
«Para a prossecução dos fins previstos no artigo 1.o da [Lei Regional da Sicília n.o 12/1989], em conformidade com o previsto no artigo 134.o da Lei Regional da Sicília n.o 32, de 23 de dezembro de 2000, é autorizada a despesa de 20 000 000 euros para o pagamento dos montantes devidos pelas Unidades sanitárias locais da Sicília aos proprietários dos animais abatidos por estarem afetados por doenças infeciosas entre os anos 2000 e 2006, bem como para o pagamento da remuneração devida aos veterinários que trabalhem por conta própria envolvidos em atividades de saneamento nesse período. Para efeitos do presente número é autorizada, para o exercício financeiro de 2005, a despesa de 10 000 000 euros (Rubrica 10.3.1.3.2, capítulo 417702). Para os exercícios financeiros posteriores aplica‑se o disposto no artigo 3.o, n.o 2, alínea i), da Lei Regional n.o 10, de 27 de abril de 1999, conforme alterada e completada.»
II. Factos do litígio no processo principal e questões prejudiciais
7. AU, criador de gado, solicitou o pagamento da indemnização prevista, inicialmente, no artigo 1.o da Lei Regional da Sicília n.o 12/1989 e, posteriormente, no artigo 25.o, n.o 16, da Lei Regional da Sicília n.o 19/2005 para os criadores do setor da pecuária obrigados a proceder ao abate de animais infetados por brucelose.
8. AU pediu ao Giudice unico del Tribunale di Catania (Juiz Singular do Tribunal de Primeira Instância de Catânia, Itália) que a Azienda Sanitaria Provinciale di Catania (a seguir «ASPC») fosse condenada no pagamento de 11 930,08 euros, a título de indemnização pelo abate de animais afetados por doenças infeciosas. Por Despacho n.o 81/08, o Giudice unico del Tribunale di Catania (Juiz Singular do Tribunal de Primeira Instância de Catânia) deferiu esse pedido.
9. Em 21 de abril de 2008, a ASPC pediu ao Giudice unico del Tribunale di Catania (Juiz Singular do Tribunal de Primeira Instância de Catânia) a anulação do Despacho n.o 81/08. Por Sentença n.o 2141/2011, de 3/8 de junho de 2011, o Giudice unico del Tribunale di Catania (Juiz Singular do Tribunal de Primeira Instância de Catânia) deferiu o pedido e anulou o Despacho n.o 81/08.
10. Em 23 de julho de 2012, AU interpôs recurso na Corte d’appello di Catania (Tribunal de Recurso de Catânia, Itália), pedindo a anulação da Sentença n.o 2141/2011. Por Acórdão n.o 1469/2013, de 24 de julho de 2013, a Corte d’appello di Catania (Tribunal de Recurso de Catânia) deu provimento ao recurso e procedeu à revisão da Sentença n.o 2141/2011, julgando improcedente o pedido da ASPC de anulação do Despacho n.o 81/08.
11. Na Corte d’appello di Catania (Tribunal de Recurso de Catânia), a ASPC alegou, nomeadamente, que a indemnização prevista no artigo 25.o, n.o 16, da Lei Regional da Sicília n.o 19/2005 constituía um auxílio de Estado que não podia ser executado enquanto a Comissão não o declarasse compatível com o mercado interno, o que não aconteceu. A Corte d’appello di Catania (Tribunal de Recurso de Catânia) julgou improcedente o referido argumento, com base em dois motivos, em primeiro lugar, por Decisão de 11 de dezembro de 2002 (5), a Comissão tinha apreciado a compatibilidade com o mercado interno das leis regionais que, ao longo dos anos e até 1997, financiaram a medida prevista na regra substantiva enunciada no artigo 1.o da Lei Regional da Sicília n.o 12/1989, a saber, o artigo 11.o da Lei Regional da Sicília n.o 40/1997 (6) e o artigo 7.o da Lei Regional da Sicília n.o 22/1999 (7); e, em segundo lugar, considerou que a conclusão da Comissão, nessa decisão, de que essas leis regionais eram compatíveis com o mercado interno se estendia ao artigo 25.o, n.o 16, da Lei Regional da Sicília n.o 19/2005, igualmente destinada a financiar a medida prevista no artigo 1.o da Lei Regional da Sicília n.o 12/1989.
12. Em 7 de março de 2014, a ASPC interpôs recurso do Acórdão da Corte d’appello di Catania (Tribunal de Recurso de Catânia) para a Corte suprema di cassazione (Supremo Tribunal de Cassação, Itália).
13. A Corte suprema di cassazione (Supremo Tribunal de Cassação) suspendeu a instância e submeteu ao Tribunal de Justiça as seguintes questões prejudiciais:
«1) À luz dos [artigos 107.o e 108.o do Tratado TFUE] e das [“Orientações comunitárias para os auxílios de Estado no setor agrícola”] (8), constitui um auxílio de Estado a medida prevista no artigo 25.o, n.o 16, da [Lei Regional da Sicília n.o 19/2005], segundo a qual “para a prossecução dos fins previstos no artigo 1.o da [Lei Regional da Sicília n.o 12/1989], em conformidade com o disposto no artigo 134.o da Lei Regional n.o 32, de 23 de dezembro de 2000, é autorizada a despesa de 20 000 000 euros para o pagamento dos montantes devidos pelas Unidades sanitárias locais da Sicília aos proprietários dos animais abatidos por estarem afetados por doenças infeciosas e contagiosas entre os anos 2000 e 2006, bem como para o pagamento da remuneração devida aos veterinários que trabalhem por conta própria envolvidos em atividades de saneamento nesse período. Para efeitos do presente número, é autorizada, para o exercício financeiro de 2005, a despesa de 10 000 000 euros (Rubrica 10.3.1.3.2, capítulo 417702). Para os exercícios financeiros posteriores aplica‑se o artigo 3.o, n.o 2, alínea i), da Lei Regional n.o 10, de 27 de abril de 1999, conforme alterada e completada”, que, ao favorecer determinadas empresas ou produções, falseia ou ameaça falsear a concorrência?
2) No caso de a medida prevista no artigo 25.o, parágrafo 16, da [Lei Regional da Sicília n.o 19/2005] segundo a qual “para a prossecução dos fins previstos no artigo 1.o da [Lei Regional n.o 12/1989], em conformidade com o previsto pelo artigo 134.o da Lei Regional n.o 32, de 23 de dezembro de 2000, é autorizada a despesa de 20 000 000 euros para o pagamento dos montantes devidos pelas Unidades sanitárias locais da Sicília aos proprietários dos animais abatidos por padecerem de doenças infeciosas e contagiosas entre os anos 2000 a 2006, bem como para o pagamento das remunerações devidas aos veterinários que trabalhem por conta própria envolvidos em atividades de saneamento nesse período. Para efeitos do presente número, é autorizada, para o exercício financeiro de 2005, a despesa de 10 000 000 euros (Rubrica 10.3.1.3.2, capítulo 417702). Para os exercícios financeiros posteriores aplica‑se artigo 3.o, n.o 2, alínea i), da Lei Regional n.o 10, de 27 de abril de 1999, conforme alterada e completada” constituir em princípio um auxílio de Estado que, ao favorecer algumas empresas ou algumas produções, falseia ou ameaça falsear a concorrência pode, todavia, ser considerada compatível com os [artigos 107.o e 108.o TFUE] tendo em conta as razões que levaram a [Comissão] a considerar na [Decisão de 2002], que estando reunidas as condições previstas nas [Orientações comunitárias para os auxílios estatais no setor agrícola], outras medidas de teor análogo estabelecidas no artigo 11.o da Lei Regional da Sicília n.o 40/1997 e no artigo 7.o da Lei Regional 22/1999 eram compatíveis com os artigos [107.o e 108.o TFUE]?»
14. A ASPC, a República Italiana e a Comissão Europeia apresentaram observações escritas. Devido à pandemia por Covid‑19, a audiência agendada para o dia 30 de abril de 2020 foi anulada. Em lugar desta, as questões às quais as partes tinham sido convidadas a responder na audiência foram convertidas em questões para resposta escrita dirigidas aos interessados em conformidade com o artigo 23.o do Estatuto do Tribunal de Justiça da União Europeia. Além disso, no âmbito das medidas de organização do processo previstas no artigo 62.o, n.o 1, do Regulamento de Processo, a República Italiana foi convidada a responder a questões adicionais. A ASPC, a República Italiana e a Comissão responderam às questões nos prazos fixados pelo Tribunal de Justiça.
III. Análise
15. Com a sua primeira questão, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta ao Tribunal de Justiça, em substância, se a indemnização prevista no artigo 1.o da Lei Regional da Sicília n.o 12/1989 a favor dos proprietários dos animais abatidos por estarem afetados por determinadas doenças infeciosas (a seguir «indemnização em causa») e financiada pelo artigo 25.o, n.o 16, da Lei Regional da Sicília n.o 19/2005 constitui um auxílio de Estado na aceção do artigo 107.o, n.o 1, TFUE.
16. Com a sua segunda questão, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta se, em caso de resposta afirmativa à primeira questão, o artigo 25.o, n.o 16, da Lei Regional da Sicília n.o 19/2005 deve ser considerado «compatível com os [artigos 107.o e 108.o TFUE], tendo em conta as razões que levaram a Comissão a considerar na [Decisão de 2002] que […] outras medidas de teor análogo estabelecidas no artigo 11.o da Lei Regional da Sicília n.o 40/1997 e no artigo 7.o da Lei Regional da Sicília n.o 22/1999 eram compatíveis com os [artigos 107.o e 108.o TFUE]» (9).
17. Como pedido pelo Tribunal de Justiça, nas presentes conclusões limitar‑me‑ei a analisar a segunda questão prejudicial. Para efeitos dialéticos, partirei, portanto, do princípio de que a indemnização em causa constitui um auxílio de Estado na aceção do artigo 107.o, n.o 1, TFUE.
A. Competência do Tribunal de Justiça para responder à segunda questão prejudicial
18. A Comissão alega que a segunda questão prejudicial é inadmissível, uma vez que o Tribunal de Justiça não é competente para se pronunciar sobre a compatibilidade das medidas de auxílio com o mercado interno.
19. Considero que o Tribunal de Justiça é competente para responder à segunda questão.
20. É certo que, segundo jurisprudência constante, o Tribunal de Justiça não é competente para se pronunciar sobre a compatibilidade de um auxílio de Estado ou de um regime de auxílios com o mercado interno, sendo a apreciação dessa compatibilidade da competência exclusiva da Comissão, que atua sob a fiscalização do juiz da União (10).
21. Parece‑me, todavia, que, com a segunda questão, como reproduzida no n.o 16, supra, o órgão jurisdicional de reenvio não pergunta ao Tribunal de Justiça se a indemnização em causa é compatível com o mercado interno. Sublinho que o próprio órgão jurisdicional de reenvio observa, no despacho de reenvio, que «não compete ao órgão jurisdicional nacional pronunciar‑se sobre a compatibilidade [da indemnização em causa] com o mercado interno, uma vez que essa apreciação […] é da competência exclusiva da Comissão».
22. À luz da referência feita à Decisão de 2002 na segunda questão, parece‑me que o órgão jurisdicional de reenvio pretende antes saber se o artigo 25.o, n.o 16, da Lei Regional da Sicília n.o 19/2005 é abrangido pela referida decisão, pelo que essa medida não tinha de ser notificada e autorizada pela Comissão antes de ser aplicada.
23. A este respeito, observo que, no âmbito do sistema de controlo dos auxílios de Estado, o procedimento difere consoante se trate de um auxílio «existente» — o que, como será explicado a seguir, seria o caso da indemnização em causa, se se considerar que é abrangida pela Decisão de 2002 — ou de um «novo» auxílio. Enquanto, nos termos do artigo 108.o, n.o 3, TFUE, os novos auxílios devem ser notificados à Comissão atempadamente e não podem ser executados antes da adoção de uma decisão final por parte desta; os auxílios existentes podem, por força do artigo 108.o, n.o 1, TFUE, ser regularmente executados, enquanto a Comissão não tiver declarado a sua incompatibilidade. Por conseguinte, ao contrário dos novos auxílios, não é necessário notificar os auxílios existentes à Comissão (11).
24. Por conseguinte, afigura‑se que, com a sua segunda questão, o órgão jurisdicional de reenvio manifesta dúvidas sobre a questão de saber se, uma vez que medidas análogas foram autorizadas anteriormente pela Decisão de 2002, o artigo 25.o, n.o 16, da Lei Regional da Sicília n.o 19/2005 constitui um auxílio existente na aceção do artigo 1.o, alínea b), do Regulamento n.o 659/1999.
25. Contrariamente ao que defende a Comissão, segundo a jurisprudência, o Tribunal de Justiça pode fornecer ao órgão jurisdicional de reenvio elementos de interpretação que lhe permitam determinar se uma medida nacional constitui um auxílio existente ou um novo auxílio na aceção do direito da União (12).
26. Concluo que o Tribunal de Justiça é competente para responder à segunda questão prejudicial.
B. Apreciação da segunda questão prejudicial
27. Em primeiro lugar, analisarei se o artigo 25.o, n.o 16, da Lei Regional da Sicília n.o 19/2005 constitui um auxílio existente que, como tal, não deve ser notificado antes da sua execução. Em segundo lugar, dado que não considero que seja esse o caso, verificarei se, como defende o Governo italiano, tal medida pode, no entanto, estar isenta da obrigação de notificação prevista no artigo 108.o, n.o 3, TFUE, por beneficiar da isenção por categoria prevista pelo Regulamento (UE) n.o 702/2014 da Comissão (13), ou se, como sugere a Comissão, a indemnização pode estar isenta dessa mesma obrigação por constituir um auxílio de minimis na aceção do Regulamento (UE) n.o 1408/2013 da Comissão (14).
1. O artigo 25.o, n.o 16, da Lei Regional da Sicília n.o 19/2005 constitui um auxílio existente?
28. A ASPC alega que o artigo 25.o, n.o 16, da Lei Regional da Sicília n.o 19/2005 é incompatível com os artigos 107.o e 108.o TFUE. Na sua opinião, tal deve‑se ao facto de: em primeiro lugar, essa medida não ter sido notificada à Comissão; em segundo lugar, na Decisão de 2002, a Comissão ter considerado que tinham sido aplicadas medidas análogas em violação do artigo 108.o, n.o 3, TFUE; e, em terceiro lugar, a Decisão de 2002 vincular os órgãos jurisdicionais nacionais.
29. O Governo italiano alega que o artigo 25.o, n.o 16, da Lei Regional da Sicília n.o 19/2005 deve ser considerado compatível com os artigos 107.o e 108.o TFUE. Segundo o Governo italiano, esta disposição preenche as condições previstas no artigo 26.o do Regulamento n.o 702/2014 e está, portanto, isenta da obrigação de notificação prevista no artigo 108.o, n.o 3, TFUE. Entende que a referida disposição deve ser considerada compatível com o mercado interno, uma vez que, na Decisão de 2002, a Comissão declarou que outras medidas análogas eram abrangidas pelo âmbito de aplicação do artigo 107.o, n.o 3, alínea c), TFUE. Esta constatação deve ser confirmada no que diz respeito ao artigo 25.o, n.o 16, da Lei Regional da Sicília n.o 19/2005.
30. A Comissão não apresenta observações sobre o mérito da segunda questão, que, na sua opinião, é inadmissível.
31. Considero que as medidas analisadas no âmbito da Decisão de 2002 constituem auxílios existentes, mas que o artigo 25.o, n.o 16, da Lei Regional da Sicília n.o 19/2005 constitui uma alteração dessas medidas que não é de natureza puramente formal ou administrativa, pelo que deve ser considerado um novo auxílio e, como tal, deve ser notificado antes da sua execução.
32. Conforme referido no n.o 23, supra, é pacífico que a qualificação de uma medida de auxílio de Estado como auxílio existente ou novo auxílio tem consequências importantes no que se refere ao seu tratamento processual.
33. Nos termos do artigo 108.o, n.o 3, TFUE, os novos auxílios devem ser notificados e autorizados pela Comissão antes de serem executados. Novos auxílios concedidos sem a autorização da Comissão são ilegais. Nesse caso, a Comissão deve examinar a compatibilidade desse auxílio com o mercado interno e, caso conclua que não é compatível, deverá ordenar a sua recuperação, a menos que tal seja contrário a um princípio geral de direito da União (15). Cabe aos órgãos jurisdicionais nacionais retirar todas as consequências necessárias da violação do artigo 108.o, n.o 3, TFUE, em conformidade com o seu direito nacional, quer no que se refere à validade dos atos de execução das medidas de auxílio, quer à restituição dos apoios financeiros concedidos em violação dessa disposição (16).
34. No que diz respeito aos auxílios existentes, decorre do artigo 108.o, n.o 1, TFUE que, quando a Comissão considerar que um regime de auxílios existente não é, ou deixou de ser, compatível com o mercado interno, a Comissão deve propor as medidas adequadas ao Estado‑Membro em causa, tal como a alteração ou a supressão desse regime. Quando o Estado‑Membro aceitar essas medidas, fica obrigado a aplicá‑las. Quando o Estado‑Membro não aceitar as medidas propostas, a Comissão pode dar início ao procedimento formal de investigação (17). Daqui decorre que um auxílio existente não deve ser notificado e pode ser regularmente executado enquanto a Comissão não declarar a sua incompatibilidade com o mercado interno (18).
35. Embora o conceito de auxílio existente seja mencionado no artigo 108.o, n.o 1, TFUE, este não o define. Deve, portanto, recorrer‑se às definições contidas no direito derivado e, especialmente, ao Regulamento n.o 659/1999.
36. Nos termos do artigo 1.o, alínea b), do Regulamento n.o 659/1999, entende‑se por auxílio existente, nomeadamente, «[o] auxílio autorizado», isto é, «os regimes de auxílio e os auxílios individuais que tenham sido autorizados pela Comissão ou pelo Conselho» [ponto ii) dessa disposição] (19).
37. O artigo 1.o, alínea c), do Regulamento n.o 659/1999 define «novo auxílio» como «quaisquer auxílios […] que não sejam considerados auxílios existentes, incluindo as alterações a um auxílio existente». As alterações aos auxílios existentes são definidas no artigo 4.o, n.o 1, do Regulamento (CE) n.o 794/2004 da Comissão (20) como «qualquer modificação que não seja de natureza puramente formal ou administrativa destinada a não afetar a apreciação da compatibilidade da medida de auxílio com o mercado [interno]».
38. Nos termos do segundo período do artigo 4.o, n.o 1, do Regulamento n.o 794/2004, «qualquer aumento até 20 % do orçamento inicial de um regime de auxílios existente não é considerado como uma alteração de auxílio existente». Em conformidade com o artigo 4.o, n.o 2, deste regulamento, os aumentos de mais de 20 % do orçamento de um regime de auxílios autorizado constituem modificações que devem ser notificadas à Comissão.
39. Segundo a jurisprudência, as seguintes medidas foram consideradas alterações aos auxílios existentes que não são de natureza puramente formal ou administrativa e, portanto, constituem novos auxílios: o alargamento (ou a restrição) do grupo de beneficiários de um regime de auxílio aprovado; a prorrogação da vigência desse regime; ou (sujeito ao limite de 20 % referido no número anterior) aumentos no orçamento atribuído ao regime (21).
40. No que diz respeito aos beneficiários do regime de auxílios autorizados, o Tribunal de Justiça considerou que constitui um novo auxílio: a alteração dos critérios segundo os quais são identificados os beneficiários elegíveis para uma redução do imposto sobre a energia (anteriormente apenas empresas ativas na produção de bens, mais tarde também prestadores de serviço) (22); o alargamento às empresas de Veneza e de Chioggia (Itália) de um regime de auxílios existente para a redução dos encargos sociais no Mezzogiorno (Itália) (23); e a restrição do âmbito ratione personae do regime fiscal aplicável aos clubes desportivos profissionais (anteriormente qualquer clube, depois apenas os quatro clubes desportivos profissionais com resultado positivo no exercício fiscal anterior) (24).
41. No que diz respeito às prorrogações dos prazos de um regime de auxílios aprovado, pode ser feita referência, por exemplo, ao Acórdão de 9 de setembro de 2009, Diputación Foral de Álava e o./Comissão (T‑227/01 a T‑229/01, T‑265/01, T‑266/01 e T‑270/01, EU:T:2009:315, n.os 232 a 234), confirmado em sede de recurso (25), no qual o Tribunal Geral considerou que a alteração, em primeiro lugar, da duração dos créditos fiscais existentes, em segundo lugar, das suas condições de elegibilidade (e, portanto, do grupo de beneficiários) e, em terceiro lugar, da base tributável e da percentagem desses créditos, constituíam um novo auxílio. Do mesmo modo, o Tribunal de Justiça considerou que a prorrogação por 14 meses da aplicação de uma tarifa de eletricidade preferencial, decorrente de um despacho de medidas cautelares de um órgão jurisdicional nacional, constituía um novo auxílio (26).
42. No que diz respeito aos aumentos do orçamento de um regime de auxílios aprovado, importa referir que, segundo a jurisprudência, o conceito de «orçamento de um regime de auxílios», na aceção do artigo 4.o, n.o 1, do Regulamento n.o 794/2004, não está limitado ao montante dos auxílios efetivamente alocados. Esse conceito deve, pelo contrário, ser interpretado no sentido de que abrange o montante global orçamentado, ou seja, as verbas na posse do organismo encarregado da concessão dos auxílios em causa para efeitos desta concessão, tal como foram notificadas à Comissão pelo Estado‑Membro em causa e por ela aprovadas (27).
43. Assim, o Tribunal de Justiça considerou que as seguintes medidas constituem alterações que não eram de natureza puramente formal ou administrativa: um aumento do orçamento atribuído a um regime de auxílios autorizado num montante superior a 50 % (com uma prorrogação por dois anos desse regime) (28); um aumento do orçamento notificado para o regime de auxílios autorizado, que ascendeu a 10 milhões de euros, em mais 10 milhões de euros (29); e um aumento do produto de taxas que financiam vários regimes de auxílios relativamente às previsões notificadas à Comissão (salvo se esse aumento fosse inferior ao limite de 20 % previsto no artigo 4.o, n.o 1, do Regulamento n.o 794/2004) (30). Em contrapartida, considerou‑se que a alteração do regime de financiamento da radiodifusão pública de um Estado‑Membro que consiste em substituir uma taxa audiovisual, devida a título da posse de um aparelho de receção audiovisual, por uma contribuição audiovisual devida a título da posse de uma habitação ou de um estabelecimento profissional, não constituía uma alteração de um auxílio existente. O Tribunal de Justiça constatou que a substituição da taxa audiovisual pela contribuição audiovisual não conduziu a um aumento substancial da compensação recebida pelos radiodifusores públicos (31).
44. No caso em apreço, conforme referido no n.o 11, supra, na Decisão de 2002, a Comissão decidiu não levantar objeções ao artigo 11.o da Lei Regional da Sicília n.o 40/1997 nem ao artigo 7.o da Lei Regional da Sicília n.o 22/1999 (a seguir «medidas de 1997 e 1999»).
45. Devo esclarecer que o objetivo das medidas de 1997 e 1999 era financiar a indemnização prevista no artigo 1.o da Lei Regional da Sicília n.o 12/1989. As medidas fazem referência expressa a essa disposição. O artigo 11.o da Lei Regional da Sicília n.o 40/1997 autorizou uma despesa no montante de 16 mil milhões de liras italianas (ITL) para o pagamento da indemnização devida pelos animais abatidos em 1993, 1994, 1995, 1996 e 1997 (32). O artigo 7.o da Lei Regional da Sicília n.o 22/1999 autorizou uma despesa adicional de 20 mil milhões de liras italianas para o mesmo fim (33). Recordo que — com base nos documentos na posse do Tribunal de Justiça — as medidas de 1997 e 1999 não parecem ter tido nenhuma incidência no direito à indemnização ou nas características dessa indemnização, tal como definidas no artigo 1.o da Lei Regional da Sicília n.o 12/1989.
46. Na Decisão de 2002, a Comissão considerou que as medidas de 1997 e 1999 constituíam auxílios de Estado na aceção do artigo 107.o, n.o 1, TFUE. Contudo, tratava‑se de auxílios compatíveis com o mercado interno, dado que cumpriam as quatro condições estabelecidas nos pontos 11.4.2 a 11.4.5 das Orientações comunitárias para os auxílios estatais no setor agrícola (34). Em primeiro lugar, segundo a Decisão de 2002, as autoridades italianas alegaram que as doenças que foram objeto das medidas de 1997 e 1999, a saber, tuberculose, brucelose e leucose, preocupavam as autoridades públicas e faziam parte de um quadro regulamentar nacional destinado a prevenir, controlar e erradicar tais doenças. Em segundo lugar, a Decisão de 2002 afirma que, segundo as autoridades italianas, tanto as medidas de 1997 como as de 1999 tinham objetivos preventivos e compensatórios. Em terceiro lugar, esta decisão indica, ainda segundo as autoridades italianas, que as medidas de 1997 e 1999 eram compatíveis com os objetivos e as disposições da União em matéria veterinária. Em quarto lugar, segundo a Decisão de 2002, as autoridades italianas sublinharam que os auxílios concedidos ao abrigo das medidas de 1997 e 1999 colmatavam 50 % dos prejuízos sofridos pelos criadores, sendo que uma verba adicional de 30 % (no que se refere aos bovinos) ou de 50 % (no que diz respeita aos ovinos e caprinos) seria paga mediante indemnização concedida ao abrigo de medidas nacionais e não regionais. Consequentemente, seriam compensados 80 % dos danos sofridos pelos proprietários de bovinos e 100 % dos danos sofridos pelos proprietários de ovinos e caprinos. A Decisão de 2002 sublinha ainda que, segundo as autoridades italianas, qualquer risco de sobrecompensação só se verificaria em relação a animais adultos e de baixo valor genético. A Comissão observou, a este respeito, que um certo grau de sobrecompensação era aceitável em casos individuais, em que essa sobrecompensação resultava de exigências de simplicidade administrativa em que milhares de pedidos individuais deviam ser tratados.
47. Consequentemente, a Comissão concluiu, embora lamentando que as medidas de 1997 e 1999 tenham sido aplicadas em violação do artigo 108.o, n.o 3, TFUE (35), que estas eram abrangidas pelo âmbito de aplicação do artigo 107.o, n.o 3, alínea c), TFUE sendo, por conseguinte, compatíveis com o mercado interno.
48. Daqui decorre que as medidas de 1997 e 1999 devem ser consideradas um regime de auxílios autorizado e, portanto, um auxílio existente na aceção do artigo 1.o, alínea b), subalínea ii), do Regulamento n.o 659/1999.
49. É, portanto, necessário analisar se o artigo 25.o, n.o 16, da Lei Regional da Sicília n.o 19/2005 constitui uma alteração das medidas de 1997 e 1999 que não seja de natureza puramente formal ou administrativa na aceção do artigo 1.o, alínea c), do Regulamento n.o 659/1999 e do artigo 4.o, n.o 1, do Regulamento n.o 794/2004.
50. Importa recordar que, segundo a jurisprudência, enquanto derrogações ao princípio geral da incompatibilidade dos auxílios de Estado com o mercado interno, enunciado no artigo 107.o, n.o 1, TFUE, as decisões da Comissão que autorizam um regime de auxílios devem ser objeto de interpretação estrita (36).
51. Na minha opinião, o artigo 25.o, n.o 16, da Lei Regional da Sicília n.o 19/2005 constitui uma alteração do regime de auxílios autorizado pela Decisão de 2002 que não é de natureza puramente formal ou administrativa.
52. Com efeito, o artigo 25.o, n.o 16, da Lei Regional da Sicília n.o 19/2005 tem por objeto o financiamento da indemnização prevista no artigo 1.o da Lei Regional da Sicília n.o 12/1989, à qual faz referência expressa. Para o efeito, autoriza a despesa de 20 milhões de euros para os animais abatidos entre 2000 e 2006. Sob reserva de verificação pelo órgão jurisdicional de reenvio e à semelhança das medidas de 1997 e 1999 (37), o artigo 25.o, n.o 16, da Lei Regional da Sicília n.o 19/2005 não parece ter nenhuma incidência no direito à indemnização em causa ou nas suas características.
53. Daqui decorre que o artigo 25.o, n.o 16, da Lei Regional da Sicília n.o 19/2005 tem por objeto, em primeiro lugar, prever uma prorrogação da indemnização controvertida (devida aos proprietários dos animais abatidos entre 2000 e 2006; ao passo que as medidas de 1997 e 1999 só se aplicavam aos animais abatidos entre 1993 e 1997) e, em segundo lugar, aumentar o orçamento atribuído a essa indemnização (em 20 milhões de euros; ao passo que as medidas de 1997 e 1999 autorizavam uma despesa de 36 mil milhões de liras italianas, ou seja, de aproximadamente 18 592 448 euros) (38).
54. Por conseguinte, o aumento do orçamento atribuído ao regime de auxílios, tal como reproduzido na Decisão de 2002, afigura‑se muito superior ao limite de 20 % fixado pelo artigo 4.o, n.os 1 e 2, do Regulamento n.o 794/2004 (39). Isto, obviamente, sob reserva da sua verificação pelo órgão jurisdicional de reenvio. Caso este confirme que o aumento ultrapassa o limite de 20 %, importará concluir que o artigo 25.o, n.o 16, da Lei Regional da Sicília n.o 19/2005 não constitui uma alteração de natureza puramente formal ou administrativa do regime autorizado na Decisão de 2002. Por maioria de razão, seria esse o caso, uma vez que o aumento do orçamento atribuído ao regime de auxílios existente é acompanhado de uma prorrogação de seis anos desse regime. Isto decorre igualmente da jurisprudência referida nos n.os 41 a 43, supra.
55. Além disso, observo que medidas de teor análogo ao artigo 25.o, n.o 16, da Lei Regional da Sicília n.o 19/2005 e às medidas de 1997 e 1999, ou seja, medidas cujo objetivo era financiar a indemnização prevista no artigo 1.o da Lei Regional da Sicília n.o 12/1989, foram notificadas à Comissão, que decidiu não levantar objeções a seu respeito. Segundo as informações constantes da Decisão de 2002 (40) — confirmadas pelo Governo italiano em resposta às medidas de organização do processo —, foi, em primeiro lugar, o caso da Lei Regional da Sicília n.o 5/1993 (41), que autorizou a despesa de 10 mil milhões de liras italianas (cerca de 5 milhões de euros), aprovada por Decisão de 2 de abril de 1993 (42), e, em segundo lugar, da Lei Regional da Sicília n.o 28/1995 (43), que autorizou a despesa de 16 mil milhões de liras (cerca de 9,7 milhões de euros), aprovada por Decisão de 15 de setembro de 1995 (44). Isto corrobora a minha conclusão de que o artigo 25.o, n.o 16, da Lei Regional da Sicília n.o 19/2005, tal como outras medidas de financiamento, constitui um novo auxílio que deve ser notificado à Comissão antes da sua aplicação.
56. Constato ainda que o artigo 1.o da Lei Regional da Sicília n.o 12/1989, que parece ser a regra substantiva que prevê a indemnização em causa (45), foi, ele próprio objeto de uma decisão da Comissão de não levantar objeções (a seguir «Decisão de 1989») (46). A este respeito, sublinho que a questão de saber se o artigo 25.o, n.o 16, da Lei Regional da Sicília n.o 19/2005 deve ser considerado uma alteração de natureza puramente formal ou administrativa a um auxílio existente deve ser apreciada em relação à Decisão de 2002, e não à Decisão de 1989. Com efeito, a alteração diz respeito, nomeadamente, ao orçamento atribuído ao regime de auxílios autorizado, que foi aumentado várias vezes, sendo o último aumento objeto da autorização concedida pela Decisão de 2002.
57. Concluo daí que uma medida nacional, como é o caso do artigo 25.o, n.o 16, da Lei Regional da Sicília n.o 19/2005, cujo único objetivo é aumentar o orçamento atribuído a um regime de auxílios autorizado e prorrogar em seis anos esse regime, constitui uma alteração de um auxílio existente na aceção do artigo 1.o, alínea c), do Regulamento n.o 659/1999, salvo se esse aumento for inferior ao limite de 20 % previsto no artigo 4.o, n.o 1, segundo período, do Regulamento n.o 794/2004, o que compete ao órgão jurisdicional de reenvio verificar.
58. Daqui decorre que o artigo 25.o, n.o 16, da Lei Regional da Sicília n.o 19/2005 devia ter sido notificado e autorizado pela Comissão antes de ser aplicado, em conformidade com o artigo 108.o, n.o 3, TFUE.
59. É pacífico que o artigo 25.o, n.o 16, da Lei Regional da Sicília n.o 19/2005 não foi notificado à Comissão.
60. No entanto, conforme referido no n.o 27, supra, o artigo 25.o, n.o 16, da Lei Regional da Sicília n.o 19/2005 teria sido isento da obrigação de notificação se, como afirma o Governo italiano, tivesse beneficiado da isenção por categoria prevista no Regulamento n.o 702/2014, ou se, conforme sugere a Comissão, tivesse constituído um auxílio de minimis na aceção do Regulamento n.o 1408/2013. Analisarei a seguir se é o que sucede no caso em apreço.
2. O artigo 25.o, n.o 16, da Lei Regional da Sicília n.o 19/2005 está isento da obrigação de notificação nos termos do Regulamento n.o 702/2014 ou do Regulamento n.o 1408/2013?
61. Constato que, nas suas observações escritas, o Governo italiano alegou que o artigo 25.o, n.o 16, da Lei Regional da Sicília n.o 19/2005 é abrangido pelo âmbito de aplicação do Regulamento n.o 702/2014. Segundo o referido Governo, este regulamento é aplicável ratione temporis ao caso em apreço devido ao seu artigo 51.o e, conforme referido no n.o 29, supra, o artigo 25.o, n.o 16, da Lei Regional da Sicília n.o 19/2005 preenche as condições enunciadas no artigo 26.o do Regulamento n.o 702/2014.
62. Através de medidas de organização do processo, o Tribunal de Justiça perguntou aos interessados referidos no artigo 23.o do Estatuto do Tribunal de Justiça se o Regulamento n.o 702/2014 era aplicável ratione temporis ao presente processo e se o artigo 25.o, n.o 16, da Lei Regional da Sicília n.o 19/2005 cumpria as condições estabelecidas no artigo 26.o desse regulamento.
63. Em resposta a estas questões, a ASPC alegou que o artigo 25.o, n.o 16, da Lei Regional da Sicília n.o 19/2005 não era abrangido pelo âmbito de aplicação do Regulamento n.o 702/2014, tal como definido no seu artigo 1.o Em qualquer caso, essa legislação regional não preenchia as condições estabelecidas no artigo 26.o do Regulamento n.o 702/2014.
64. O Governo italiano reiterou a sua posição resumida no n.o 61, supra.
65. A Comissão alegou que o Regulamento n.o 702/2014 era aplicável ratione temporis, mas que era pouco provável que o artigo 25.o, n.o 16, da Lei Regional da Sicília n.o 19/2005 preenchesse as condições estabelecidas no artigo 26.o desse regulamento.
66. Atendendo às informações limitadas constantes dos autos, não me é possível determinar se as condições do Regulamento n.o 702/2014 estão preenchidas no presente processo. Contudo, tentarei fornecer algumas orientações ao órgão jurisdicional de reenvio.
67. Em primeiro lugar, conforme alegam o Governo italiano e a Comissão, o Regulamento n.o 702/2014 parece ser aplicável ratione temporis ao caso em apreço.
68. O Regulamento n.o 702/2014 entrou em vigor em 1 de julho de 2014 (47), ou seja, muito provavelmente (48) depois do pagamento da indemnização em causa a AU (49).
69. No entanto, o artigo 51.o, n.o 1, do Regulamento n.o 702/2014 declara que é aplicável aos «auxílios individuais concedidos antes da sua entrada em vigor», desde que tais auxílios respeitem as condições nele previstas.
70. Portanto, sob reserva do cumprimento de tais condições, o que incumbe ao órgão jurisdicional de reenvio verificar, o referido regulamento é aplicável ao presente processo (50).
71. Em segundo lugar, importa recordar que, nos termos do artigo 3.o do Regulamento n.o 702/2014, os auxílios individuais concedidos ao abrigo de regimes de auxílios são compatíveis com o mercado interno e estão isentos da obrigação de notificação nos termos do artigo 108.o, n.o 3, TFUE desde que satisfaçam as condições estabelecidas no capítulo I e as condições específicas aplicáveis à categoria pertinente estabelecidas no capítulo III desse regulamento.
72. No que diz respeito às condições estabelecidas no capítulo I do Regulamento n.o 702/2014, observo, especialmente, que nenhum dos limiares de notificação enumerados no artigo 4.o desse regulamento parece ser aplicável; que a indemnização em causa cumpre a condição de transparência, uma vez que consiste numa subvenção (v. artigo 5.o, n.o 2, alínea a); e que, uma vez que se destina a compensar os danos sofridos pelos proprietários dos animais abatidos, não é necessária a prova de um efeito de incentivo (v. artigo 6.o, n.o 5, alínea d).
73. No que diz respeito às condições estabelecidas no capítulo III do Regulamento n.o 702/2014, a categoria de auxílio pertinente é a definida no artigo 26.o, que diz respeito, nomeadamente, aos auxílios destinados a cobrir custos de prevenção, controlo e erradicação de doenças dos animais e a compensar as perdas causadas por tais doenças.
74. Em primeiro lugar, o Governo italiano alega, a este respeito, que o artigo 25.o, n.o 16, da Lei Regional da Sicília n.o 19/2005 se inscreve num programa nacional de prevenção, controlo ou erradicação das doenças dos animais em questão, nos termos do artigo 26.o, n.o 2, do Regulamento n.o 702/2014. Observo que o artigo 1.o da Lei Regional da Sicília n.o 12/1989, a Decisão de 2002 e a resposta da ASPC às questões escritas do Tribunal de Justiça fazem referência a outra indemnização prevista pela legislação nacional — não regional — e que é complementar à indemnização em causa (51).
75. Em segundo lugar, as doenças dos animais para as quais é concedida indemnização nos termos do artigo 25.o, n.o 16, da Lei Regional da Sicília n.o 19/2005, a saber, a tuberculose e a leucose (no que diz respeito aos bovinos) e brucelose (no que diz respeito aos bovinos, ovinos e caprinos), são referidas na lista de doenças dos animais estabelecida pela Organização Mundial da Saúde Animal (52), conforme exigido pelo artigo 26.o, n.o 4, do Regulamento n.o 702/2014.
76. Em terceiro lugar, a Comissão alega que, no presente processo, não se encontra preenchida a condição prevista no artigo 26.o, n.o 6, do Regulamento n.o 702/2014, de que os auxílios sejam pagos no prazo de quatro anos a contar da data da ocorrência das despesas ou perdas provocadas por doenças dos animais. A este respeito, observo que a indemnização em causa foi provavelmente paga a AU na melhor das hipóteses em 2008 (53) e que, segundo as observações escritas da ASPC, dizia respeito a animais abatidos a partir de 2003. Se assim fosse, pelo menos parte da indemnização em causa teria sido paga a AU, em violação do artigo 26.o, n.o 6, do Regulamento n.o 702/2014. O que, uma vez mais, cabe ao órgão jurisdicional de reenvio verificar.
77. Em quarto lugar, a ASPC alega que a indemnização em causa não respeita a condição prevista no artigo 26.o, n.os 7 e 8, do Regulamento n.o 702/2014, uma vez que, em vez de abranger as despesas elegíveis enumeradas nessas disposições, visa apenas compensar os criadores pelos danos sofridos. Além disso, segundo a ASPC, o cálculo da indemnização em causa por referência à espécie, ao sexo e à idade dos animais não preenche a condição prevista no artigo 26.o, n.o 9, do mesmo regulamento, que determina que o cálculo deve ser feito em relação ao valor de mercado dos animais abatidos.
78. Na minha opinião, a argumentação da ASPC não é convincente. Independentemente do argumento do Governo italiano de que a indemnização em causa pode ser preventiva e também compensatória, observo que os auxílios na aceção do artigo 26.o do Regulamento n.o 702/2014 podem ter por único objeto a compensação dos criadores pelo abate de animais. Com efeito, esta disposição, nos termos do seu primeiro parágrafo, abrange não só os auxílios às pequenas e médias empresas «pelas despesas realizadas no quadro da prevenção, controlo e erradicação» de doenças dos animais mas também os auxílios «destinados a compensar estas empresas pelas perdas causadas pelas doenças dos animais» (54). Além disso, parece‑me que o artigo 26.o, n.os 7, 8 e 9, do Regulamento n.o 702/2014 se aplica a diferentes medidas. Enquanto o artigo 26.o, n.o 7, diz respeito a «medidas de prevenção», o artigo 26.o, n.o 8, diz respeito a «medidas de erradicação», e o artigo 26.o, n.o 9, aplica‑se a «auxílios destinados a compensar os danos provocados por doenças dos animais». Por conseguinte, caso o artigo 25.o, n.o 16, da Lei Regional da Sicília n.o 19/2005 tenha por único objetivo, como alega a ASPC, a indemnização dos criadores pelo abate de animais, a indemnização concedida nessa base deveria ser calculada em conformidade com o artigo 26.o, n.o 9, do Regulamento n.o 702/2014, ou seja, por referência ao «valor de mercado dos animais abatidos» e à correspondente «perda de rendimentos». Neste caso, as despesas elegíveis enumeradas no artigo 26.o, n.os 7 e 8, não podem ser tidas em conta, porque os referidos números se aplicam a outros tipos de medidas de auxílio. Por último, não vejo por que razão, como alega a ASPC, a espécie, o sexo e a idade dos animais abatidos não devem ser considerados fatores relevantes para efeitos de determinação do seu valor de mercado.
79. Em quinto lugar, o órgão jurisdicional de reenvio deverá verificar se, conforme alega a ASPC, não houve nenhum reconhecimento oficial de um surto, como exige o artigo 26.o, n.o 10, do Regulamento n.o 702/2014.
80. Em sexto lugar, observo que, na Decisão de 2002, a Comissão fez prova de clemência no que respeita à exigência, prevista no artigo 26.o, n.o 13, do Regulamento n.o 702/2014 (55), de que os auxílios concedidos ao abrigo do artigo 26.o «e quaisquer outros pagamentos recebidos pelo beneficiário» sejam limitados a 100 % das despesas elegíveis (no caso em apreço, 100 % do valor de mercado e da correspondente perda de rendimento). Tal como referido no n.o 46, supra, nessa decisão, a Comissão admitiu, por razões de simplicidade administrativa, que pode existir um certo grau de sobrecompensação em casos individuais.
81. Por conseguinte, se o órgão jurisdicional de reenvio considerar que as condições enunciadas no capítulo I e no artigo 26.o do Regulamento n.o 702/2014 estão reunidas no presente processo, tal significará que as autoridades italianas não violaram o artigo 108.o, n.o 3, TFUE ao não notificar o artigo 25.o, n.o 16, da Lei Regional da Sicília n.o 19/2005 antes da sua aplicação.
82. Em contrapartida, se o órgão jurisdicional de reenvio considerar, nomeadamente à luz do n.o 76, supra, que as referidas condições não estão preenchidas, daqui decorre que essa legislação terá sido aplicada em violação do artigo 108.o, n.o 3, TFUE. No entanto, conforme referido no n.o 60, supra, o artigo 25.o, n.o 16, da Lei Regional da Sicília n.o 19/2005 teria sido, ainda assim, executado de forma coerente com esta disposição se, como sugeriu a Comissão na sua resposta às questões do Tribunal de Justiça, constituísse um auxílio de minimis na aceção do Regulamento n.o 1408/2013.
83. A este respeito, observo que, embora esse regulamento tenha entrado em vigor em 1 de janeiro de 2014 (56), parece ser aplicável ratione temporis por força do seu artigo 7.o, n.o 1. Nos termos desta disposição, à semelhança do artigo 51.o, n.o 1, do Regulamento n.o 702/2014, o Regulamento n.o 1408/2013 «aplica‑se a auxílios concedidos antes da sua entrada em vigor se o auxílio preencher os requisitos [nele previstos]». Assim, o raciocínio desenvolvido a respeito do Regulamento n.o 702/2014 também pode ser desenvolvido a respeito do Regulamento n.o 1408/2013 (57).
84. Nos termos do artigo 3.o, n.o 1, do Regulamento n.o 1408/2013, considera‑se que as medidas de auxílio «não preenchem todos os critérios estabelecidos no [artigo 107.o, n.o 1, TFUE], pelo que estão isentas da obrigação de notificação prevista no [artigo 108.o, n.o 3, TFUE], se reunirem as condições estabelecidas no [referido regulamento]».
85. A indemnização concedida a AU, que ascende a 11 930,08 euros, não excede o limite máximo de minimis estabelecido no artigo 3.o, n.o 2, do Regulamento n.o 1408/2013 (assumindo que, ao longo de um período de três exercícios fiscais, a AU não beneficiou de auxílios adicionais que, cumulados com os acima referidos, excedessem o limite máximo de minimis). Compete ao órgão jurisdicional de reenvio verificar se o montante cumulativo dos auxílios de minimis concedidos às empresas agrícolas em Itália não excede o limite nacional estabelecido no artigo 3.o, n.o 3, e no anexo a esse regulamento.
86. Concluo do exposto que uma medida nacional como o artigo 25.o, n.o 16, da Lei Regional da Sicília n.o 19/2005 pode estar isenta da obrigação de notificação prevista no artigo 108.o, n.o 3, TFUE, desde que satisfaça as condições estabelecidas no capítulo I e no artigo 26.o do Regulamento n.o 702/2014, especialmente a condição prevista no artigo 26.o, n.o 6, de que o auxílio seja pago no prazo de quatro anos a contar da data da ocorrência das despesas ou perdas provocadas por doenças dos animais, o que cabe ao órgão jurisdicional de reenvio verificar. Tal medida pode, além disso, estar isenta da obrigação de notificação se respeitar as condições estabelecidas no Regulamento n.o 1408/2013, o que cabe igualmente ao órgão jurisdicional de reenvio verificar.
IV. Conclusão
87. À luz do que precede, proponho que o Tribunal de Justiça responda à segunda questão submetida pela Corte suprema di cassazione (Supremo Tribunal de Cassação, Itália) da seguinte forma:
1) Uma medida nacional como a que está em causa no processo principal, cujo único objetivo é aumentar o orçamento atribuído a um regime de auxílios autorizado e prever uma prorrogação de seis anos desse regime, constitui uma alteração dos auxílios existentes na aceção do artigo 1.o, alínea c), do Regulamento (CE) n.o 659/1999 do Conselho, de 22 de março de 1999, que estabelece as regras de execução do artigo [108.o TFUE], salvo se esse aumento for inferior ao limite de 20 % previsto no artigo 4, n.o 1, segundo período, do Regulamento (CE) n.o 794/2004 da Comissão, de 21 de abril de 2004, relativo à aplicação do Regulamento (CE) n.o 659/1999 do Conselho que estabelece as regras de execução do artigo [108.o TFUE], o que compete ao órgão jurisdicional de reenvio verificar.
2) Tal medida pode estar isenta da obrigação de notificação prevista no artigo 108.o, n.o 3, TFUE, desde que reúna as condições estabelecidas no capítulo I e no artigo 26.o do Regulamento (UE) n.o 702/2014 da Comissão, de 25 de junho de 2014, que declara certas categorias de auxílios no setor agrícola e florestal e nas zonas rurais compatíveis com o mercado interno, em aplicação dos artigos 107.o e 108.o TFUE, especialmente a condição prevista no artigo 26.o, n.o 6, desse regulamento, de que os auxílios sejam pagos no prazo de quatro anos a contar da data da ocorrência das despesas ou perdas provocadas por doenças dos animais, que cabe ao órgão jurisdicional de reenvio verificar. Essa medida pode ainda estar isenta da obrigação de notificação se respeitar as condições estabelecidas no Regulamento (UE) n.o 1408/2013 da Comissão, de 18 de dezembro de 2013, relativo à aplicação dos artigos 107.o e 108.o do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia aos auxílios de minimis no setor agrícola, que também cabe ao órgão jurisdicional de reenvio verificar.