Language of document : ECLI:EU:T:2002:245

ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DE PRIMEIRA INSTÂNCIA (Segunda Secção)

9 de Outubro de 2002 (1)

«Marca comunitária - Regulamento (CE) n.° 40/94 - Desenho aplicado na superfície dos produtos - Motivo absoluto de recusa - Carácter distintivo - Direito a ser ouvido»

No processo T-36/01,

Glaverbel , com sede em Bruxelas (Bélgica), representada por S. Möbus, advogado,

recorrente,

contra

Instituto de Harmonização do Mercado Interno (marcas, desenhos e modelos) (IHMI), representado por A. di Carlo e G. Schneider, na qualidade de agentes,

recorrido,

que tem por objecto um pedido de anulação da decisão da Primeira Câmara de Recurso do Instituto de Harmonização do Mercado Interno (marcas, desenhos e modelos) de 30 de Novembro de 2000 (processo R 137/2000-1),

O TRIBUNAL DE PRIMEIRA INSTÂNCIA

DAS COMUNIDADES EUROPEIAS (Segunda Secção),

composto por: R. M. Moura Ramos, presidente, J. Pirrung e A. W. H. Meij, juízes,

secretário: J. Palacio González, administrador,

vista a petição apresentada na Secretaria do Tribunal de Primeira Instância em 19 de Fevereiro de 2001,

vista a contestação apresentada na Secretaria do Tribunal de Primeira Instância em 7 de Maio de 2001,

após a audiência de 27 de Fevereiro de 2002,

profere o presente

Acórdão

     Antecedentes do litígio

1.
    Em 24 de Abril de 1998, a recorrente apresentou um pedido de marca comunitária para um sinal descrito como «um desenho aplicado na superfície dos produtos» no Instituto de Harmonização do Mercado Interno (marcas, desenhos e modelos) (a seguir «Instituto»), nos termos do Regulamento (CE) n.° 40/94 do Conselho, de 20 de Dezembro de 1993, relativo à marca comunitária (JO 1994, L 11, p. 1), com as alterações subsequentes.

2.
    A marca para a qual foi pedido o registo apresenta-se, observada a reprodução fornecida com o pedido, como um desenho abstracto destinado a ser aplicado na superfície dum produto em vidro.

3.
    Os produtos para os quais o registo da marca é pedido são abrangidos pelas classes 11, 19 e 21, na acepção do Acordo de Nice relativo à Classificação Internacional dos Produtos e Serviços para efeitos do registo de marcas, de 15 de Junho de 1957, tal como revisto e alterado, e correspondem, para cada uma destas classes, à seguinte descrição:

-    «Instalações sanitárias; chuveiros, cabinas de chuveiro, paredes de chuveiros, tabiques para chuveiros; prateleiras de frigorífico, prateleiras de frigorífico feitas de vidro; peças e acessórios para os artigos atrás referidos», abrangidos pela classe 11;

-    «Materiais de construção não metálicos; vidro de construção; vidro com relevos; envidraçamento; janelas e portas não metálicas; folhas, placas, painéis, paredes e vidro para construção, para mobiliário e para decoração de interiores e de exteriores; biombos e divisórias de vidro; peças e acessórios para os artigos atrás referidos», abrangidos pela classe 19;

-    «Vidraria; vidro em bruto ou semiacabado (com excepção do vidro de construção); vidro com relevos; folhas e placas de vidro em bruto ou vidro semitrabalhado para utilização no fabrico de instalações sanitárias, chuveiros, cabinas de chuveiro, paredes de chuveiros, tabiques para chuveiros, prateleiras de frigorífico, unidades espelhadas, divisórias de construção, biombos de construção, portas, portas de guarda-louças e mobiliário; utensílios ou recipientes para uso doméstico ou para a cozinha (não em metais preciosos nem em plaqué); tábuas de cozinha para cortar; peças e acessórios para os artigos atrás referidos», abrangidos pela classe 21.

4.
    Por decisão de 24 de Janeiro de 2000, o examinador indeferiu o pedido de registo ao abrigo do artigo 38.° do Regulamento n.° 40/94, em virtude de o sinal submetido a registo não ter carácter distintivo na acepção do artigo 7.°, n.° 1, alínea b), do Regulamento n.° 40/94 e de as provas apresentadas pela recorrente não permitirem concluir pela existência de carácter distintivo do sinal adquirido pelo uso na acepção do artigo 7.°, n.° 3, do mesmo regulamento.

5.
    Em 4 de Fevereiro de 2000, a recorrente interpôs recurso da decisão do examinador para o Instituto, de acordo com o disposto no artigo 59.° do Regulamento n.° 40/94.

6.
    Por decisão de 30 de Novembro de 2000 (a seguir «decisão impugnada»), notificada à recorrente em 20 de Dezembro de 2000, a Primeira Câmara de Recurso negou provimento ao recurso.

7.
    A Câmara considerou essencialmente que o sinal submetido a registo não possuía carácter distintivo porque seria entendido pelo consumidor visado como uma das aparências funcionais possíveis dum tipo determinado de vidro e, assim, era inadequado para indicar a origem comercial dos produtos em causa. Relativamente ao carácter distintivo adquirido pelo uso, a Câmara considerou especialmente que não estava provado tal uso em toda a Comunidade.

Pedidos das partes

8.
    O recorrente conclui pedindo que o Tribunal se digne:

-    anular ou reformar a decisão da Câmara de Recurso;

-    condenar o Instituto nas despesas.

9.
    O Instituto conclui pedindo que o Tribunal se digne:

-    negar provimento ao recurso;

-    condenar a recorrente nas despesas.

Questão de direito

10.
    A recorrente invoca três fundamentos, apoiados na violação do artigo 7.°, n.° 1, alínea b), do Regulamento n.° 40/94, na violação do direito de ser ouvido e na violação do artigo 7.°, n.° 3, do mesmo regulamento.

Quanto ao fundamento da violação do artigo 7.°, n.° 1, alínea b), do Regulamento n.° 40/94

Argumentos das partes

11.
    A recorrente alega que todos os tipos de marcas devem ser tratados da mesma forma. Recorda que o regulamento reconhece expressamente que a forma de um produto pode constituir uma marca e que não se trata de determinar o que é habitual num domínio particular, mas de saber se a marca pedida está desprovida de qualquer carácter distintivo.

12.
    A recorrente alega que as provas que apresentou relativamente ao carácter distintivo adquirido pelo uso demonstram que os consumidores são capazes de entender, e a tal estão habituados, este tipo de sinal utilizado como indicação da origem comercial de um produto.

13.
    A recorrente observa que a única hipótese que poderia justificar a análise da Câmara de Recurso baseada na aparência funcional do vidro seria a hipótese de o processo técnico produzir necessariamente a marca pedida, hipótese que não se verifica no presente caso. Com efeito, existem várias possibilidades para obter um vidro opaco sem utilizar o sinal em causa. A recorrente contesta também que a marca pedida seja vista principalmente como uma característica funcional dos produtos em causa.

14.
    A recorrente sublinha que, no caso vertente, a marca pedida não é um motivo simples, tal como um círculo ou um quadrado, mas um desenho complexo e fantasioso. Alega que um consumidor pode claramente identificar a origem comercial de uma placa de vidro graças ao desenho pedido como marca e distinguir este vidro particular das placas de vidro de outros fabricantes que não ostentem este desenho.

15.
    A recorrente observa que o Instituto das Marcas do Benelux, que aprecia os pedidos de registo com base em fundamentos absolutos de recusa que são substancialmente os mesmos que os utilizados pelo Instituto, aceitou a marca e que o Instituto registou outras marcas menos complexas e menos fantasiosas do que o sinal pedido.

16.
    O Instituto sublinha, em primeiro lugar, que o artigo 7.°, n.° 1, alínea b), do Regulamento n.° 40/94 exige não apenas um grau de carácter distintivo suficiente, que pode resultar da aparência do produto, mas também que o sinal seja adequado para exercer a função de indicador da origem comercial dos produtos em causa.

17.
    Considera, em segundo lugar, por um lado, que o desenho aplicado sobre as placas de vidro é desprovido de qualquer carácter distintivo, na medida em que o motivo é banal e limita-se a um tipo de desenho que é habitual para estes produtos. Por outro lado, o Instituto alega que um desenho muito complexo ou ornamental não poderá ser distintivo se for impossível ao consumidor médio memorizá-lo.

18.
    Em terceiro e último lugar, o Instituto sublinha que a natureza do produto e a forma como é utilizado devem ser tomadas em conta. Neste caso concreto, do ponto de vista do consumidor, o desenho é técnica e esteticamente funcional. Para identificar a origem comercial do produto, o consumidor visado observará as marcas figurativas ou dirigir-se-á ao comerciante. Além disso, o sinal submetido a registo não contém quaisquer elementos que sejam susceptíveis de atrair a atenção do consumidor e ser memorizados por este.

Apreciação do Tribunal

19.
    Deve observar-se em primeiro lugar que um desenho aplicado na superfície de um produto é susceptível de constituir uma marca comunitária, na medida em que seja adequado para distinguir os produtos ou serviços de uma empresa dos de outra empresa.

20.
    Contudo, a aptidão geral de uma categoria de sinais para constituir uma marca não implica que os sinais dessa categoria possuam necessariamente carácter distintivo na acepção do artigo 7.°, n.° 1, alínea b), do Regulamento n.° 40/94 em relação a um produto determinado.

21.
    Os sinais desprovidos de carácter distintivo a que se refere o artigo 7.°, n.° 1, alínea b), do Regulamento n.° 40/94 são incapazes de exercer a função essencial da marca, isto é, identificar a origem do produto ou do serviço, para assim permitir que o consumidor que adquire o produto ou o serviço que a marca designa faça, no momento de uma aquisição posterior, a mesma escolha se a experiência for positiva, ou outra escolha se a experiência for negativa.

22.
    O carácter distintivo de um sinal só pode ser apreciado, por um lado, relativamente aos produtos ou aos serviços para os quais é pedido o registo e, por outro, relativamente à percepção que dele tem o público relevante.

23.
    Seguidamente, deve observar-se que o artigo 7.°, n.° 1, alínea b), do Regulamento n.° 40/94 não faz distinção entre os sinais de natureza diferente. Todavia, a percepção do público relevante não é necessariamente a mesma no caso de um sinal constituído por um desenho aplicado na superfície de um produto ou no caso de uma marca nominativa ou figurativa que consista num sinal independente do aspecto dos produtos que designa. Efectivamente, se o público está habituado a apreender imediatamente as marcas nominativas ou figurativas como sinais identificadores da origem comercial do produto, não se passa necessariamente o mesmo quando o sinal se confunde com o aspecto exterior do produto para o qual é pedido o sinal.

24.
    Finalmente, deve observar-se que os desenhos aplicados na superfície de um produto podem ter várias funções, nomeadamente técnica, decorativa ou indicativa da origem comercial do produto. A este propósito, na medida em que o público relevante apreenda o sinal como uma indicação da origem comercial do produto, o facto de esse sinal preencher várias funções em simultâno é irrelevante para o seu carácter distintivo.

25.
    Neste caso, os produtos de vidraria em causa interessam tanto aos profissionais da construção civil como ao público em geral. Por isso, o público relevante é constituído pelo consumidor médio, normalmente informado e razoavelmente atento e advertido (v., neste sentido, acórdão do Tribunal de Justiça de 22 de Junho de 1999, Lloyd Schuhfabrik Meyer, C-342/97, Colect., p. I-3819, n.° 26).

26.
    O desenho é constituído pela aplicação, na superfície de uma placa de vidro, de pequenos traços repetidos infinitamente qualquer que seja a superfície da placa. Na medida em que é aplicado na totalidade de uma das superfície do produto, confunde-se com o aspecto exterior do próprio produto. Com efeito, apreendido globalmente, este desenho não apresenta qualquer elemento específico susceptível de reter a atenção imediata do consumidor como indicação de origem comercial do produto em questão. O sinal pedido, reproduzindo o aspecto do vidro, traduz características evidentes do produto, fazendo com que seja entendido, antes de mais, como um meio técnico que garante a opacidade do vidro.

27.
    A este propósito, a Câmara de Recurso concluiu com razão que, por um lado, o público relevante não tem o hábito de considerar os desenhos aplicados na superfície de placas de vidro como uma indicação de origem comercial do produto e, por outro, o desenho não é reconhecível à primeira vista como uma indicação da origem comercial do produto mas como um elemento funcional do mesmo.

28.
    Além disso, deve observar-se que o carácter complexo e fantasioso do desenho pedido, sublinhado pela recorrente, não é suficiente para provar o carácter distintivo deste desenho. Com efeito, esse carácter apresenta-se mais como resultante de um acabamento estético ou decorativo do que como pretendendo indicar a origem comercial dos produtos. Por outro lado, a complexidade global do desenho, bem como a sua aplicação na superfície externa do produto, não permitem fixar os pormenores especiais deste desenho nem apreendê-lo sem, ao mesmo tempo, apreender as características intrínsecas do produto. Assim, o desenho pedido não poderá ser fácil e imediatamente memorizado pelo público relevante como sinal distintivo.

29.
    No que respeita aos esclarecimentos dados na audiência pela recorrente segundo os quais o desenho deixa uma impressão de pele, de onda brilhante ou ainda de impressão digital, deve observar-se que, embora se considere que o consumidor médio pode memorizar sinais complexos, apenas os fixa com base em elementos específicos, memorizáveis, e que apreende como indicador da origem comercial o produto. Ora, o consumidor médio não tem o hábito de apreender como sinal distintivo uma simples impressão deixada pelo aspecto exterior de um produto.

30.
    Além disso, a impressão que deixa o desenho não é estável. Com efeito, esta impressão é susceptível de ser apreendida de forma muito diferente em função do ângulo de visão, da intensidade da luz ou da qualidade do vidro e não permitirá, por isso, identificar os produtos da recorrente e distingui-los dos que tenham outra origem comercial.

31.
    Por consequência, deve concluir-se que o sinal pedido não permitirá ao consumidor reconhecer este sinal como sinal distintivo quando este consumidor for chamado a fazer a sua escolha no momento de uma aquisição posterior dos produtos em causa.

32.
    Esta conclusão não é infirmada pela argumentação da recorrente segundo a qual o consumidor pode identificar o sinal pedido porque os seus produtos são comercializados há muito tempo e os especialistas não podem deixar de reconhecer que, imprimidos desta forma, estes produtos provêm da recorrente. Com efeito, por um lado, esta argumentação constitui uma análise ligada ao carácter distintivo adquirido pelo uso e não ao carácter distintivo intrínseco do desenho pedido e, por outro, os especialistas, profissionais da construção ou da indústria do vidro, não podem ser considerados os únicos que constituem o público relevante dos produtos em questão.

33.
    Deve acrescentar-se que o facto de existirem vários processos técnicos e outro desenhos disponíveis para tornar um vidro opaco não permite provar que o consumidor entenderá o sinal submetido a registo como indicando a origem comercial dos produtos.

34.
    Além disso, quanto à existência duma decisão que admite a susceptibilidade de registo do sinal como marca no Benelux, deve recordar-se que, como resulta da jurisprudência, o regime comunitário das marcas é um sistema autónomo cuja aplicação é independente de qualquer sistema nacional [acórdão do Tribunal de 5 de Dezembro de 2000, Messe München/IHMI (electronica), T-32/00, Colect. p. II-3829, n.° 47]. Por consequência, o registo de um sinal como marca comunitária deve ser apreciado exclusivamente com base na regulamentação comunitária pertinente. Por isso, o Instituto e, se for caso disso, o juiz comunitário não estão vinculados pelas decisões proferidas em certos Estados-Membros que admitem ser este mesmo sinal susceptível de registo como marca.

35.
    Ademais, quanto ao argumento da recorrente apoiado nas decisões anteriores do Instituto que admitem o carácter distintivo das formas do produto enquanto tais, deve precisar-se que as decisões da Câmara de Recurso respeitantes ao registo de um sinal enquanto marca comunitária assentam na aplicação do Regulamento n.° 40/94. Por conseguinte, a legalidade das decisões das Câmaras de Recurso deve ser apreciada apenas à luz deste regulamento, tal como é interpretado pelo órgão jurisdicional comunitário, e não com base numa prática decisória anterior destas.

36.
    Resulta do exposto que o argumento da recorrente baseado numa existência de decisões anteriores, nomeadamente da decisão R 104/1999-3 da Terceira Câmara de 28 de Outubro de 1999, que admite o carácter distintivo de formas enquanto tais é irrelevante. Além do mais, a recorrente não apresenta nem decisões do Instituto que se pronunciem sobre sinais idênticos ou semelhantes ao sinal em causa, nem argumentos substanciais que possam retirar-se dessas decisões.

37.
    Resulta das considerações anteriores que a Câmara de Recurso teve razão ao considerar que o sinal em causa é desprovido de carácter distintivo na acepção do artigo 7.°, n.° 1, alínea b), do Regulamento n.° 40/94. Daí resulta que o presente fundamento deve ser julgado improcedente.

Quanto à violação do direito de ser ouvida

Argumentos das partes

38.
    A recorrente observa que a Câmara de Recurso não aceitou a análise do examinador quanto à aquisição pelo uso do carácter distintivo do sinal pedido. A Câmara de Recurso recusou-se, todavia, a considerar que o sinal pedido tinha adquirido carácter distintivo pelo uso baseando-se em fundamentos novos, suscitados por sua própria iniciativa. A recorrente alega que, na medida em que estas objecções foram suscitadas pela primeira vez pela Câmara de Recurso e levadas ao seu conhecimento pela decisão impugnada, não pôde em nenhuma fase do processo, apresentar observações sobre estas objecções.

39.
    O Instituto alega que os direitos da recorrente não foram violados, na medida em que a Câmara de Recurso se limitou a avaliar as provas apresentadas pela recorrente de uma maneira diferente da utilizada pelo examinador. Desde o início do processo, a recorrente tinha sido advertida da necessidade de apresentar as provas do uso do sinal pedido relativamente a todo o território comunitário.

40.
    O Instituto observa, por outro lado, que o examinador e a Câmara de Recurso chegaram à conclusão de que as provas apresentadas não eram suficientes para provar a aquisição do carácter distintivo. Alega que as diferenças na avaliação das provas pelo examinador e pela Câmara não são equivalentes a uma mudança dos fundamentos de recusa opostos à recorrente.

41.
    O Instituto considera que as provas submetidas pela recorrente eram inteligíveis e que não era necessário conceder-lhe um prazo para recolher provas adicionais.

42.
    Além disso, o Instituto acrescenta que os debates na Câmara de Recurso foram conduzidos em conformidade com os artigos 38.° n.° 3, e 61.°, n.° 2, do Regulamento n.° 40/94. No que respeita ao artigo 61.°, n.° 2, deste regulamento, o Instituto alega que, no presente processo, não existiam comunicações, na acepção dessa disposição, da Câmara de Recurso ou de outras partes. Por conseguinte, esta disposição não se aplica no caso vertente, onde apenas está em causa uma questão de avaliação das provas.

Apreciação do Tribunal

43.
    No caso vertente, é evidente que o examinador indeferiu o pedido de registo depois de ter considerado a pretensão da recorrente segundo a qual a marca tinha adquirido o carácter distintivo pelo uso em conformidade com o artigo 7.°, n.° 3, do Regulamento n.° 40/94. A este propósito, concluiu que os documentos justificativos apresentados pela recorrente tinham demonstrado que o desenho pedido era utilizado como elemento decorativo e que os produtos eram comercializados sob a marca nominativa CHINCHILLA.

44.
    Na decisão impugnada, a Câmara de Recurso declarou não aprovar esta conclusão do examinador, na medida em que a mesma não se baseava numa análise específica das provas apresentadas. Seguidamente, concluiu que o sinal pedido não tinha adquirido carácter distintivo pelo uso, observando que os documentos apresentados não eram suficientes para concluir a favor da recorrente, na medida em que, por um lado, emanavam de profissionais estabelecidos apenas em três Estados-Membros e, por outro, revelavam das vendas pouco significativas em cinco outros Estados-Membros.

45.
    Considerando os argumentos utilizados pela recorrente de forma global, deve observar-se que esta sustenta, essencialmente, que foi violado o seu direito a ser ouvida, na medida em que não pôde apresentar observações quanto às considerações que justificaram a não aceitação pela Câmara de Recurso do carácter distintivo adquirido do sinal pedido, nem perante o examinador nem perante a Câmara de Recurso.

46.
    Deve observar-se que, na medida em que detectou um erro na apreciação efectuada pelo examinador, a Câmara de Recurso podia, nos termos do artigo 62.°, n.° 1, do Regulamento n.° 40/94, exercer as competências deste ou remeter-lhe o processo para lhe ser dado seguimento.

47.
    Daí resulta que, quando a Câmara de Recurso opta por não remeter o processo ao examinador, dispõe das mesmas competências e está sujeita às mesmas obrigações deste, nomeadamente à obrigação de só poder recusar um pedido depois de ter sido dada ao recorrente possibilidade de apresentar as suas observações em conformidade com os artigos 38.°, n.° 3, e 73.° do Regulamento n.° 40/94.

48.
    No caso vertente, tendo optado por exercer as competências do examinador, a Câmara de Recurso não podia recusar o pedido de registo, como não poderia tê-lo feito o examinador, sem colocar a recorrente em condições de apresentar a suas observações sobre o raciocínio em questão, baseado nas vendas pouco significativas do produto em causa em certos Estados-Membros e na extensão geográfica limitada das declarações fornecidas a este propósito, uma vez que este raciocínio não tinha sido apresentado anteriormente à recorrente.

49.
    O Instituto não pode alegar que a avaliação das provas do carácter distintivo adquirido pelo uso se reduzia a uma simples verificação da inexistência de elementos de prova no que respeita à totalidade do território comunitário que a recorrente devia ter obrigatoriamente fornecido. Com efeito, o exame pela Câmara de Recurso não se reduzia a uma simples verificação da inexistência dessas provas no que respeita a certos Estados-Membros, mas incluía também a interpretação do alcance dos elementos de prova relativos a outros Estados-Membros, interpretação sobre a qual a recorrente devia ter tido oportunidade de apresentar observações. A este propósito, a decisão impugnada mostra, aliás, que a prova do uso não deve necessariamente abranger todos os Estados-Membros.

50.
    Resulta do exposto que, não tendo dado à recorrente a possibilidade de tomar posição de modo útil sobre o raciocínio seguido pela primeira vez na decisão impugnada, relativamente à aplicação do artigo 7.°, n.° 3, do Regulamento 40/94, a Câmara de Recurso violou o direito da recorrente a ser ouvida.

51.
    Nestas condições, o fundamento baseado na violação do direito de ser ouvida deve ser acolhido. Por conseguinte, a decisão deve ser anulada, sem que o Tribunal tenha necessidade de analisar a justeza do terceiro fundamento, baseado na violação do artigo 7.°, n.° 3, do Regulamento n.° 40/94.

Quanto às despesas

52.
    Nos termos do n.° 2 do artigo 87.° do Regulamento de Processo, a parte vencida deve ser condenada nas despesas, se a parte vencedora o tiver requerido. Tendo o Instituto sido vencido, há que condená-lo a suportar as suas próprias despesas, bem como as efectuadas pela recorrente, em conformidade com o pedido desta.

Pelos fundamentos expostos,

O TRIBUNAL DE PRIMEIRA INSTÂNCIA (Segunda Secção)

decide:

1.
    A decisão da Primeira Câmara de Recurso do Instituto de Harmonização do Mercado Interno (marcas, desenhos e modelos) de 30 de Novembro de 2000 (processo R 137/2000-1) é anulada.

2.
    O Instituto suportará as suas próprias despesas, bem como as efectuadas pela recorrente.

Moura Ramos
Pirrung
Meij

Proferido em audiência pública no Luxemburgo, em 9 de Outubro de 2002.

O secretário

O presidente

H. Jung

R. M. Moura Ramos


1: Língua do processo: inglês.