Language of document : ECLI:EU:T:2018:679

ACÓRDÃO DO TRIBUNAL GERAL (Segunda Secção)

15 de outubro de 2018 (*)

«Marca da União Europeia — Processo de oposição — Pedido de marca nominativa da União Europeia MINERAL MAGIC — Marca nominativa nacional anterior MAGIC MINERALS BY JEROME ALEXANDER — Motivo relativo de recusa — Artigo 8.o, n.o 3, do Regulamento (CE) n.o 207/2009 [atual artigo 8.o, n.o 3, do Regulamento (UE) 2017/1001]»

No processo T‑7/17,

John Mills Ltd, com sede em Londres (Reino Unido), representada por S. Malynicz, QC,

recorrente,

contra

Instituto da Propriedade Intelectual da União Europeia (EUIPO), representado por A. Lukošiūtė e D. Hanf, na qualidade de agentes,

recorrido,

sendo a outra parte no processo na Câmara de Recurso do EUIPO, interveniente no Tribunal Geral,

Jerome Alexander Consulting Corp., com sede em Surfside, Flórida (Estados Unidos), representada por T. Bamford e C. Rani, solicitors,

que tem por objeto um recurso interposto da decisão da Primeira Câmara de Recurso do EUIPO de 5 de outubro de 2016 (processo R 2087/2015‑1), relativa a um processo de oposição entre a Jerome Alexander Consulting e a John Mills,

O TRIBUNAL GERAL (Segunda Secção),

composto por: M. Prek (relator), presidente, E. Buttigieg e B. Berke, juízes,

secretário: X. Lopez Bancalari, administrador,

vista a petição entrada na Secretaria do Tribunal Geral em 5 de janeiro de 2017,

vista a resposta do EUIPO apresentada na Secretaria do Tribunal Geral em 31 de março de 2017,

vistas as alegações da interveniente entradas na Secretaria do Tribunal em 3 de abril de 2017,

após a audiência de 5 de fevereiro de 2018,

visto o despacho de 13 de março de 2018 relativo à reabertura da fase oral do processo,

vista a questão escrita que o Tribunal Geral submeteu às partes e as respostas destas entradas na Secretaria do Tribunal Geral em 30 de março e 4 de abril de 2018,

vista a decisão de 11 de abril de 2018 de encerramento da fase oral do processo,

profere o presente

Acórdão

 Antecedentes do litígio

1        Em 18 de setembro de 2013, a recorrente, John Mills Ltd, apresentou um pedido de registo de marca da União Europeia no Instituto da Propriedade Intelectual da União Europeia (EUIPO), ao abrigo do Regulamento (CE) n.o 207/2009 do Conselho, de 26 de fevereiro de 2009, sobre a marca da União Europeia (JO 2009, L 78, p. 1), conforme alterado [substituído pelo Regulamento (UE) 2017/1001 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 14 de junho de 2017, sobre a marca da União Europeia (JO 2017, L 154, p. 1)].

2        A marca cujo registo foi pedido é o sinal nominativo seguinte:

MINERAL MAGIC

3        Os produtos para os quais este registo foi pedido incluem‑se na classe 3, na aceção do Acordo de Nice relativo à Classificação Internacional dos Produtos e dos Serviços para o registo de marcas, de 15 de junho de 1957, conforme revisto e alterado, e correspondem à seguinte descrição: «Loções capilares; produtos abrasivos; sabões; produtos de perfumaria; óleos essenciais; cosméticos; produtos para limpar e tratar da pele, do couro cabeludo e dos cabelos; desodorizantes para uso pessoal (perfumaria)».

4        O pedido de marca da União Europeia foi publicado no Boletim de Marcas Comunitárias 2014/14, de 23 de janeiro de 2014.

5        Em 23 de abril de 2015, a interveniente, Jerome Alexander Consulting Corp., deduziu oposição ao registo da marca requerida para os produtos referidos no n.o 3 supra, nos termos do artigo 41.o do Regulamento n.o 207/2009 (atual artigo 46.o do Regulamento n.o 2017/1001).

6        A oposição baseava‑se nas seguintes marcas anteriores:

–        a marca nominativa americana MAGIC MINERALS BY JEROME ALEXANDER n.o 4274584, que designa os seguintes produtos: «Pó facial que contém minerais»;

–        a marca nominativa americana MAGIC MINERALS, não registada, que designa os seguintes produtos: «Cosméticos».

7        Os fundamentos de oposição invocados eram os referidos no artigo 8.o, n.o 3, do Regulamento n.o 207/2009 (atual artigo 8.o, n.o 3, do Regulamento n.o 2017/1001).

8        Por decisão de 18 de agosto de 2015, a Divisão de Oposição indeferiu a oposição.

9        Em 15 de outubro de 2015, a interveniente interpôs no EUIPO recurso da decisão da Divisão de Oposição, ao abrigo dos artigos 58.o a 64.o do Regulamento n.o 207/2009 (atuais artigos 66.o a 71.o do Regulamento n.o 2017/1001).

10      Por decisão de 5 de outubro de 2016 (a seguir «decisão impugnada»), a Primeira Câmara de Recurso do EUIPO anulou a decisão da Divisão de Oposição e, com base no artigo 8.o, n.o 3, do Regulamento n.o 207/2009, recusou o registo da marca pedida.

11      Em primeiro lugar, a Câmara de Recurso registou o facto de que a interveniente renunciava a basear a sua oposição na marca americana, não registada, MAGIC MINERALS e que, como tal, se limitava a invocar a marca nominativa americana MAGIC MINERALS BY JEROME ALEXANDER.

12      Em segundo lugar, a Câmara de Recurso mencionou o objetivo do artigo 8.o, n.o 3, do Regulamento n.o 207/2009 — evitar o desvio de uma marca pelo agente do titular da mesma — e os requisitos que, segundo a mesma, deveriam estar reunidos para que uma oposição possa proceder com fundamento nessa disposição, a saber, que o oponente devia ser titular da marca anterior, que o requerente da marca devia ser ou ter sido o agente ou o representante do titular acima mencionado, que o pedido devia ter sido apresentado em nome do agente ou do representante sem o consentimento do titular e sem que haja razões legítimas que justifiquem os comportamentos do agente ou do representante e que o pedido deveria dizer respeito a sinais e a produtos idênticos ou semelhantes.

13      Em terceiro lugar, a Câmara de Recurso analisou concretamente se estavam preenchidos os critérios que permitem a procedência da oposição com fundamento no artigo 8.o, n.o 3, do Regulamento n.o 207/2009. Em primeiro lugar, no que se refere à existência de uma relação agente/mandante, a Câmara de Recurso sublinhou que os termos «agente» e «representante» deviam ser interpretados em sentido lato. No caso em apreço, observou que o contrato de distribuição entre as partes previa que a recorrente se encarregaria de distribuir os produtos da interveniente na União. Salientou ainda que figuravam no contrato disposições relativas ao caráter exclusivo do contrato, uma cláusula de não concorrência, e disposições relativas aos direitos de propriedade intelectual da interveniente. Considerou que os elementos de prova, a saber, notas de encomenda, entre as quais uma com data de dois meses antes do pedido de registo da marca pedida, apresentados pela interveniente, comprovavam a existência de uma relação comercial significativa que ia além da simples relação normal entre fornecedor e distribuidor. Concluiu então pela existência de uma relação comercial, efetiva e durável, criadora de uma obrigação geral de confiança e de lealdade, à data de depósito da marca pedida e que a recorrente era um agente na aceção do artigo 8.o, n.o 3, do Regulamento n.o 207/2009.

14      Em quarto lugar, a Câmara de Recurso sublinhou que o artigo 8.o, n.o 3, do Regulamento n.o 207/2009 visava, além dos casos em que os produtos ou serviços comparados eram idênticos, aqueles em que eram semelhantes. Salientou que, no caso em apreço, os produtos abrangidos pelos sinais em conflito eram idênticos — os «cosméticos» objeto da marca pedida englobavam o «pó facial que contém minerais» objeto da marca anterior — ou semelhantes — uma vez que os outros produtos objeto da marca pedida tinham ligações com os produtos objeto da marca anterior, dado que podem ser compostos por ingredientes idênticos, são frequentemente produzidos pelas mesmas empresas e propostos conjuntamente nas drogarias e nas mesmas lojas de venda a retalho.

15      Sobre os sinais, a Câmara de Recurso considerou que eram semelhantes. Em primeiro lugar, salientou a semelhança notória entre os dois primeiros elementos nominativos («magic» e «minerals») da marca anterior e os elementos nominativos da marca pedida. Seguidamente, salientou que a marca anterior era suscetível de ser percebida pelo público relevante como um sinal composto por dois elementos: o elemento «by jerome alexander» seria percebido como a identificação da empresa‑mãe, ou seja, a entidade responsável pelo produto, e o elemento «magic minerals» seria provavelmente percebido como a identificação do próprio produto ou da linha de produtos. Por último, considerou que o facto de o United States patent and trademark office (USPTO, Instituto de Patentes e Marcas dos Estados Unidos da América) não ter levantado objeções ao registo da marca MAGIC MINERALS BY JEROME ALEXANDER, apesar da existência da marca MINERAL MAGIC COSMETICS, não significava contudo que não existisse nenhum risco de confusão entre as duas. Salientou, com efeito, que o titular da marca MINERAL MAGIC COSMETICS devia ter deduzido oposição a esse respeito. Tendo em conta todos estes elementos, a Câmara de Recurso deferiu a oposição baseada no artigo 8.o, n.o 3, do Regulamento n.o 207/2009.

 Tramitação processual e pedidos das partes

16      A recorrente conclui pedindo que o Tribunal Geral se digne:

–        anular a decisão impugnada;

–        condenar o EUIPO e a interveniente nas despesas.

17      O EUIPO conclui pedindo que o Tribunal Geral se digne:

–        negar provimento ao recurso na íntegra;

–        condenar a recorrente nas despesas efetuadas pelo EUIPO.

18      A interveniente conclui pedindo que o Tribunal Geral se digne:

–        negar provimento ao recurso na íntegra;

–        confirmar a decisão impugnada;

–        condenar a recorrente nas suas próprias despesas e nas da interveniente e do EUIPO.

 Questão de direito

19      A recorrente invoca, em substância, um fundamento único de recurso, relativo à violação do artigo 8.o, n.o 3, do Regulamento n.o 207/2009, que se subdivide em três argumentos. O primeiro baseia‑se no facto de a Câmara de Recurso ter considerado erradamente que a recorrente era um agente ou um representante, na aceção da referida disposição, do titular da marca anterior. No âmbito do segundo argumento, alega que a Câmara de Recurso cometeu um erro de direito ao considerar que o artigo 8.o, n.o 3, do Regulamento n.o 207/2009 era aplicável apesar de os sinais em conflito serem meramente semelhantes, e não idênticos. O terceiro argumento baseia‑se no facto de a Câmara de Recurso ter considerado erradamente que a referida disposição era aplicável, apesar de os produtos abrangidos pela marca anterior não serem idênticos aos abrangidos pela marca pedida.

20      O Tribunal Geral considera que há que apreciar, em primeiro lugar, o segundo argumento, relativo à aplicação errada do artigo 8.o, n.o 3, do Regulamento n.o 207/2009 no caso de sinais semelhantes.

21      A recorrente alega que a Câmara de Recurso considerou erradamente que bastava que a marca anterior fosse meramente semelhante — mas não igual — à marca pedida para que o artigo 8.o, n.o 3, do Regulamento n.o 207/2009 pudesse ser invocado. Salienta igualmente que a Câmara de Recurso tomou em consideração, erradamente, a perspetiva do público da União, ao passo que o público visado pela marca nominativa americana anterior é o público americano.

22      O EUIPO, apoiado pela interveniente, contesta os argumentos da recorrente. Considera que uma interpretação estritamente literal do artigo 8.o, n.o 3, do Regulamento n.o 207/2009 implicaria que esta disposição só pudesse ser aplicada no caso de os sinais serem idênticos e levaria a torná‑la inoperacional. Com efeito, considera que a requerente da marca poderia subtrair‑se à sua aplicação alterando ligeiramente a marca anterior e que esta situação prejudicaria seriamente os interesses do titular da marca anterior. Considera que, se a marca fosse registada, apesar da semelhança entre os dois sinais, o titular da marca contestada estaria em condições de impedir qualquer registo posterior e qualquer uso da marca anterior pelo titular inicial. Ora, o objetivo da disposição acima referida é precisamente evitar o desvio de uma marca pelo agente do titular da mesma, na medida em que o agente pode explorar os conhecimentos e a experiência adquiridos durante a relação comercial e, por conseguinte, tirar indevidamente partido dos esforços e do investimento feitos pelo próprio titular da marca. Importa, em seu entender, interpretar esta disposição de forma diferenciada para proteger eficazmente o titular legítimo contra as práticas desleais dos seus representantes, alargando a sua aplicação para além da identidade estrita. A comparação dos sinais efetuada à luz do artigo 8.o, n.o 1, alíneas b), do Regulamento n.o 207/2009 [atual artigo 8.o, n.o 1, alíneas b), do Regulamento n.o 2017/1001] e a efetuada à luz do artigo 8.o, n.o 3, do referido regulamento não são necessariamente as mesmas. Alega que a comparação dos sinais nos termos do artigo 8.o, n.o 3, do Regulamento n.o 207/2009 é centrada nos interesses do titular da marca anterior. No caso em apreço, a Câmara de Recurso não aplicou o critério da semelhança do artigo 8.o, n.o 1, alíneas b), do Regulamento n.o 207/2009, tendo apreciado, em função da natureza específica dos sinais, se estes podiam ser considerados «essencialmente» semelhantes, de modo que os interesses legítimos do titular da marca seriam prejudicados e que a recorrente poderia retirar indevidamente proveito da sua relação com o referido titular. Por conseguinte, devido à natureza específica dos sinais em causa que o artigo 8.o, n.o 3, do Regulamento n.o 207/2009 é aplicável no presente caso, além dos casos de sinais idênticos.

23      Há que recordar que, segundo o artigo 8.o, n.o 3, do Regulamento n.o 207/2009, «[a]pós oposição do titular da marca, será recusado o registo de uma marca que tenha sido pedido por um agente ou por um representante do titular da marca, em seu próprio nome e sem o consentimento do titular».

24      Esta disposição não faz expressamente referência a um requisito de identidade ou de semelhança entre a marca do titular e a marca pedida pelo agente ou o representante.

25      Todavia, o artigo 8.o, n.o 3, do Regulamento n.o 207/2009 deve ser entendido no sentido de que tem por objetivo evitar o desvio da marca do titular pelo agente ou pelo seu representante, uma vez que esses agentes e representantes podem explorar os conhecimentos e a experiência adquiridos durante a relação comercial que mantiveram com o titular e, por conseguinte, tirar indevidamente partido dos esforços e do investimento feitos pelo próprio titular da marca [v., neste sentido, Acórdão de 29 de novembro de 2012, Adamowski/IHMI — Fagumit (FAGUMIT), T‑537/10 e T‑538/10, EU:T:2012:634, n.o 22]. Portanto, esta disposição exige, em substância, que exista uma relação direta entre a marca do titular e aquela cujo registo é pedido pelo agente ou pelo representante em seu próprio nome. Essa relação só pode existir se as marcas em questão corresponderem.

26      Neste sentido, os trabalhos preparatórios do regulamento sobre a marca comunitária fornecem esclarecimentos úteis acerca das intenções do legislador e vão no sentido da interpretação segundo a qual a marca anterior e a marca pedida devem ser idênticas — e não meramente semelhantes — para que o artigo 8.o, n.o 3, do Regulamento n.o 207/2009 possa ser aplicado.

27      Com efeito, como recorda a recorrente, o legislador da União tinha inicialmente considerado, no anteprojeto do regulamento sobre a marca comunitária, que a disposição em causa também podia aplicar‑se em caso de um sinal semelhante. Todavia, esta possibilidade não foi incluída na versão final do artigo 8.o, n.o 3, do Regulamento (CE) n.o 40/94 do Conselho, de 20 de dezembro de 1993, sobre a marca comunitária (JO 1994, L 11, p. 1).

28      De igual modo, no Documento n.o 11035/82 do Conselho da União Europeia, de 1 de dezembro de 1982, no qual figura um resumo das conclusões do Grupo de Trabalho sobre o Regulamento sobre a marca comunitária no âmbito do Conselho, o grupo de trabalho indicou expressamente que não tinha adotado a proposta de uma delegação no sentido de a disposição em causa fosse igualmente aplicada no caso de marcas «semelhantes» para produtos «similares».

29      A este respeito, na sua resposta à questão escrita colocada pelo Tribunal Geral, o EUIPO alegou, por um lado, que esse excerto dos trabalhos preparatórios não podia ser interpretado no sentido de que o Conselho teria simplesmente recusado estabelecer «em termos positivos» que a disposição em causa devia aplicar‑se quando as marcas são idênticos ou semelhantes e, por outro, que esse excerto devia ser entendido no contexto caracterizado pelo facto de os serviços da Comissão Europeia terem sugerido utilizar a expressão «idênticos ou semelhantes» na versão do anteprojeto de regulamento. Esta argumentação deve ser rejeitada.

30      Com efeito, em primeiro lugar, a circunstância de o legislador ter renunciado por duas vezes a mencionar de forma expressa que a disposição deveria aplicar‑se também no caso das marcas semelhantes — a primeira, ao alterar o anteprojeto de regulamento sobre esse ponto, a segunda, ao rejeitar expressamente o pedido de uma delegação — demonstra suficientemente a sua intenção a este respeito.

31      Em segundo lugar, resulta da formulação que figura no documento n.o 11035/82, que é a proposta enquanto tal da delegação em causa, no sentido de que esta disposição se aplica igualmente às marcas semelhantes, que foi rejeitada e não, contrariamente ao que é sugerido pelo EUIPO, a simples proposta de indicar as palavras «idênticos ou semelhantes» nessa disposição.

32      Em terceiro lugar, no mesmo documento n.o 11035/82, o Grupo de Trabalho salientou que tinha dado o seu acordo para que a disposição em causa fosse interpretada no sentido de que se aplica internacionalmente, na aceção do artigo 6.o‑F da Convenção de Paris para a Proteção da Propriedade Industrial, de 20 de março de 1883, conforme revista e alterada.

33      A este respeito, há que sublinhar que a União é parte no Acordo sobre os Aspetos dos Direitos de Propriedade Intelectual relacionados com o Comércio (ADPIC), de 15 de abril de 1994 (JO 1994, L 336, p. 214), que constitui o anexo 1 C do Acordo que institui a Organização Mundial do Comércio (OMC) (JO 1994, L 336, p. 3), e que o artigo 2.o do referido acordo remete para várias disposições substantivas da Convenção de Paris, designadamente o artigo 6.o‑F. Como tal, e como aliás sublinhou o próprio EUIPO na sua resposta à questão do Tribunal Geral, a União é obrigada a interpretar o artigo 8.o, n.o 3, do Regulamento n.o 207/2009, na medida do possível, à luz da letra e da finalidade desse acordo (v., neste sentido, Acórdão de 16 de novembro de 2004, Anheuser‑Busch, C‑245/02, EU:C:2004:717, n.o 42), e, portanto, do artigo 6.o‑F da Convenção de Paris.

34      Este artigo prevê que, se o agente ou representante da pessoa que é titular de uma marca num dos países da União para a proteção da propriedade industrial pedir, sem a autorização do titular, o registo «dessa» marca em seu próprio nome, num ou em vários destes países, o titular tem o direito de se opor ao registo solicitado. Esta disposição, conforme se encontra redigida, só pode ser interpretada no sentido de que a marca do titular e que foi apresentada por um agente ou representante devem ser as mesmas. Importa precisar que a versão inglesa desta disposição também se compreende também no sentido que a marca do titular e que foi apresentada por um agente ou por um representante deste devem ser idênticas. Com efeito, esta versão refere‑se ao titular «de uma» marca («the proprietor of a mark») e refere em seguida o registo d’«a» marca («the registration of the mark»), sendo que esta última só se pode entender como sendo a do titular.

35      Tendo em conta a inexistência de ambiguidade da letra do artigo 6.o‑F da Convenção de Paris, o EUIPO não pode retirar argumentos dos trabalhos preparatórios desta Convenção para defender que este artigo também deve ser interpretado no sentido de que abrange os casos em que os sinais são apenas semelhantes.

36      Em quarto lugar, o EUIPO tenta retirar argumentos da presença das menções «identidade ou semelhança» no artigo 8.o, n.o 1, alínea b), do Regulamento n.o 207/2009 e da inexistência de tais menções no n.o 3 desta disposição para defender que o seu âmbito de aplicação não se limita aos casos de identidade rigorosa das marcas em causa. Ora, a inexistência dessas menções deve antes ser entendida no sentido de que foi evidente para o legislador que esta disposição visava os casos em que a marca pretendida pelo agente é a do seu titular e, portanto, por definição, idêntica, de modo que lhe pareceu desnecessário especificá‑lo.

37      Resulta do que precede que, no espírito do legislador da União, o artigo 8.o, n.o 3, do Regulamento n.o 207/2009 só pode aplicar‑se se a marca do titular e a marca pedida pelo agente ou representante deste forem idênticas e não meramente semelhantes.

38      Neste contexto, é de recordar que, no que se refere ao nível de exigência requerido para que se possa considerar que sinais são idênticos, resulta da jurisprudência que um sinal é idêntico a outro quando reproduz, sem os alterar nem acrescentar, todos os elementos que o constituem a ou quando, considerado no seu conjunto, apresenta diferenças tão insignificantes que podem passar despercebidas aos olhos de um consumidor médio, que raramente tem a possibilidade de proceder a uma comparação direta entre os sinais, devendo confiar na imagem não perfeita que conservou na memória [Acórdão de 3 de dezembro de 2015, TrekStor/IHMI — Scanlab (iDrive), T‑105/14, não publicado, EU:T:2015:924, n.o 62].

39      No mesmo sentido, sublinhe‑se que, de forma mais indireta, a questão da identidade dos sinais foi igualmente objeto de exame no âmbito da apreciação da utilização séria de uma marca. O artigo 15.o do Regulamento n.o 207/2009 (atual artigo 18.o do Regulamento n.o 2017/1001) dispõe que a utilização da marca sob uma forma que difere daquela sob a qual foi registada é igualmente considerado utilização desde que os elementos que diferem não alterem o caráter distintivo da marca, independentemente de a marca na forma utilizada estar também registada em nome do titular. O objetivo desta disposição é permitir ao titular acrescentar ao sinal as variações que, sem lhe alterarem o caráter distintivo, permitam adaptá‑lo melhor às exigências de comercialização e de promoção dos produtos ou dos serviços em causa. Contudo, a diferença deve residir em elementos insignificantes e os sinais, tal como são utilizados e foram registados, devem ser globalmente equivalentes [v., neste sentido, Acórdão de 23 de fevereiro de 2006, Il Ponte Finanziaria/IHMI — Marine Enterprise Projects (BAINBRIDGE), T‑194/03, EU:T:2006:65, n.o 50].

40      Por conseguinte, há que determinar se os sinais em conflito são idênticos na aceção do Acórdão de 3 de dezembro de 2015, iDrive (T‑105/14, não publicado, EU:T:2015:924), referido no n.o 38 supra, tendo em consideração os critérios estabelecidos no Acórdão de 23 de fevereiro de 2006, BAINBRIDGE (T‑194/03, EU:T:2006:65), referido no n.o 39 supra.

41      A este respeito, resulta do n.o 33 da decisão impugnada que a Câmara de Recurso considerou que a marca pedida era diferente da marca anterior na medida em que a ordem das palavras «mineral» e «magic» foi invertida e que não incluía nem a letra «s» nem a expressão «by Jerome alexander» e que, com este fundamento, os sinais em conflito deviam ser considerados semelhantes. Esta conclusão deve ser acolhida. Com efeito, é manifesto que, no caso em apreço, os sinais em conflito não são idênticos, o que é aliás confirmado por todas as partes nos seus articulados. A inexistência de identidade entre os sinais é aliás tão óbvia que se impõe independentemente da diferença de perceção que o consumidor médio em causa pode ter segundo o território em que está estabelecido.

42      Uma vez que os sinais em conflito não são idênticos, há que entender que a Câmara de Recurso considerou erradamente que podia basear‑se no artigo 8.o, n.o 3, do Regulamento n.o 207/2009 para recusar o registo da marca pedida.

43      Tendo em conta o que precede, e sem que seja necessário pronunciar‑se sobre os primeiro e terceiro argumentos, há que julgar procedente o fundamento único, relativo à violação do artigo 8.o, n.o 3, do Regulamento n.o 207/2009 e, como tal, anular a decisão impugnada.

 Quanto às despesas

44      Nos termos do artigo 134.o, n.o 1, do Regulamento de Processo do Tribunal Geral, a parte vencida é condenada nas despesas se a parte vencedora o tiver requerido. Nos termos do artigo 134.o, n.o 2, do mesmo regulamento, se forem várias as partes vencidas, o Tribunal Geral decide sobre a repartição das despesas.

45      No caso em apreço, tendo o EUIPO e a interveniente sido vencidos, há que condenar cada um a suportar, além das suas próprias despesas, metade das despesas efetuadas pela recorrente.

Pelos fundamentos expostos,

O TRIBUNAL GERAL (Segunda Secção)

decide:

1)      A decisão da Primeira Câmara de Recurso do Instituto da Propriedade Intelectual da União Europeia (EUIPO) de 5 de outubro de 2016 (processo R 2087/20151) é anulada.

2)      O EUIPO suportará as suas próprias despesas, bem como metade das despesas efetuadas pela John Mills Ltd.

3)      A Jerome Alexander Consulting Corp. suportará as suas próprias despesas, bem como metade das despesas efetuadas pela John Mills.

Prek

Buttigieg

Berke

Proferido em audiência pública no Luxemburgo, em 15 de outubro de 2018.

Assinaturas


*      Língua do processo: inglês.