Language of document : ECLI:EU:T:2003:246

1\PAL\MYDOCU~1\WP51\_T2000\T00_0158\ARRET.SEC~

ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DE PRIMEIRA INSTÂNCIA (Terceira Secção)

30 de Setembro de 2003 (1)

«Concorrência - Concentrações - Admissibilidade - Mercado da televisão por assinatura e mercado dos serviços de televisão interactiva digital - Sérias dúvidas quanto à compatibilidade com o mercado comum - Compromissos assumidos no decurso da fase I da apreciação - Prazos - Alteração dos compromissos - Insuficiência dos compromissos»

No processo T-158/00,

Arbeitsgemeinschaft der öffentlich-rechtlichen Rundfunkanstalten der Bundesrepublik Deutschland (ARD), com sede em Colónia (Alemanha), representada por P. Mailänder e A. Bartosch, advogados, com domicílio escolhido no Luxemburgo,

recorrente,

contra

Comissão das Comunidades Europeias, representada por P. Wiedner, na qualidade de agente, com domicílio escolhido no Luxemburgo,

recorrida,

apoiada pela sociedade

KirchPayTV GmbH & Co KGaA, com sede em Unterföring (Alemanha), representada por K. Metzlaff, advogado, com domicílio escolhido no Luxemburgo,

e pela sociedade

British Sky Broadcasting Group plc (BSkyB), com sede em Isleworth (Reino Unido), representada por S. Wisking e D. Livingston, solicitors, com domicílio escolhido no Luxemburgo,

intervenientes,

que tem por objecto um pedido de anulação da decisão da Comissão SG (2000) D/102552, de 21 de Março de 2000 (Processo COMP/JV.37), que declara compatível com o mercado comum e com o Acordo sobre o Espaço Económico Europeu a operação de concentração pela qual a BSkyB adquiriu o controlo comum da KirchPayTV, nos termos do artigo 6.°, n.° 1, alínea b), do Regulamento (CEE) n.° 4064/89 do Conselho, de 21 de Dezembro de 1989, relativo ao controlo das operações de concentração de empresas (JO L 395, p. 1),

O TRIBUNAL DE PRIMEIRA INSTÂNCIA

DAS COMUNIDADES EUROPEIAS (Terceira Secção),

composto por: M. Jaeger, presidente, K. Lenaerts e J. Azizi, juízes,

secretário: D. Christensen, administradora,

vistos os autos e após a audiência de 9 de Janeiro de 2002,

profere o presente

Acórdão

Quadro jurídico

1.
    Nos termos do artigo 1.°, o Regulamento (CEE) n.° 4064/89 do Conselho, de 21 de Dezembro de 1989, relativo ao controlo das operações de concentração de empresas (JO L 395, p. 1), rectificado (JO 1990, L 257, p. 13), e alterado pelo Regulamento (CE) n.° 1310/97 do Conselho, de 30 de Junho de 1997 (JO L 180, p. 1, a seguir «Regulamento n.° 4064/89» ou «regulamento relativo às concentrações») é aplicável às operações de concentração de dimensão comunitária definidas nos n.os 2 e 3 do mesmo artigo.

2.
    Nos termos do artigo 6.°, n.° 1, alínea b), do Regulamento n.° 4064/89, se a Comissão verificar que a operação de concentração notificada, apesar de abrangida pelo regulamento, não suscita sérias dúvidas quanto à sua compatibilidade com o mercado comum, decidirá não se opor a essa operação de concentração e declará-la-á compatível com o mercado comum (a seguir «fase I»).

3.
    Nos termos do artigo 6.°, n.° 1, alínea c), do Regulamento n.° 4064/89, pelo contrário, se a Comissão verificar que a operação de concentração notificada é abrangida pelo regulamento e suscita sérias dúvidas quanto à sua compatibilidade com o mercado comum, decidirá dar início ao processo (a seguir «fase II»).

4.
    Nos termos do artigo 6.°, n.° 2, do referido regulamento:

«Se a Comissão verificar que, na sequência das alterações introduzidas pelas empresas em causa, uma operação de concentração notificada deixou de suscitar sérias dúvidas na acepção da alínea c) do n.° 1, pode decidir declarar a concentração compatível com o mercado comum nos termos da alínea b) do n.° 1.

A Comissão pode acompanhar a sua decisão tomada nos termos da alínea b) do n.° 1 de condições e obrigações destinadas a garantir que as empresas em causa cumpram os compromissos perante ela assumidos para tornar a concentração compatível com o mercado comum.»

5.
    Nos termos do artigo 18.°, n.° 1, do Regulamento (CE) n.° 447/98 da Comissão, de 1 de Março de 1998, relativo às notificações, prazos e audições previstos no Regulamento n.° 4064/89 (JO L 61, p. 1), «[o]s compromissos propostos à Comissão pelas empresas em causa nos termos do n.° 2 do artigo 6.° do Regulamento [...] n.° 4064/89, que os interessados pretendam que constitua a base de uma decisão ao abrigo do n.° 1, alínea b), do referido artigo, devem ser apresentados à Comissão, o mais tardar, três semanas após a data de recepção da notificação».

6.
    Na comunicação da Comissão sobre as soluções passíveis de serem aceites nos termos do Regulamento n.° 4064/89 e do Regulamento n.° 447/98 (JO 2001, C 68, p. 3, a seguir «comunicação sobre as soluções»), a Comissão expõe as orientações que pretende seguir em matéria de compromissos.

Factos na origem do litígio

7.
    Em 22 de Dezembro de 1999, as sociedades British Sky Broadcasting Group plc (a seguir «BSkyB») e Kirch Vermögensverwaltungs GmbH & Co KG (a seguir «KVV»), notificaram um projecto de concentração à Comissão, em conformidade com o artigo 4.° do Regulamento n.° 4064/89, como alterado pelo Regulamento (CE) n.° 1310/97 do Conselho, de 30 de Junho de 1997 (JO L 180, p. 1), e rectificado (JO 1998, L 40, p. 17, a seguir «Regulamento n.° 1310/97»). Este projecto previa a aquisição pela BSkyB, em comum com a KVV, do controlo da empresa KirchPayTV GmbH & Co KGaA (a seguir «KirchPayTV»).

8.
    A empresa BSkyB é uma empresa britânica que exerce as suas actividades no domínio dos meios de comunicação social, principalmente nos dos serviços de televisão analógica e digital difundidos no Reino Unido e na Irlanda via satélite e cabo e, acessoriamente, no domínio da televisão terrestre digital no Reino Unido. A BSkyB comercializa os seus próprios canais de televisão por assinatura, directamente ou por intermédio de empresas de difusão por cabo ou por antena. Detém igualmente uma participação na British Interactive Broadcasting/Open, que oferece serviços de televisão interactiva digital no Reino Unido. A BSkyB fornece, enfim, toda uma gama de serviços ligados à televisão.

9.
    Aquando da notificação, a BSkyB não estava presente, na Alemanha, nos mercados da televisão por assinatura, da televisão interactiva digital e da aquisição dos direitos de televisão.

10.
    A KirchPayTV, sociedade alemã, era, aquando da notificação, controlada exclusivamente pela KVV, ela própria filial a 100% do grupo Kirch, grupo de meios de comunicação social que exercia as suas actividades nos domínios da televisão gratuita, do comércio de direitos sobre os programas desportivos e as obras de ficção, da produção de filmes e de emissões de televisão, da televisão para empresas, da televisão por assinatura, bem como da prestação de serviços técnicos ligados à televisão por assinatura.

11.
    A notificação do projecto de concentração de 22 de Dezembro de 1999 foi publicada no Jornal Oficial de 11 de Janeiro de 2000 (JO C 7, p. 5). No mesmo dia, a recorrente recebeu da Comissão um pedido de informações nos termos do qual devia apresentar, antes de 14 de Janeiro de 2000, as suas observações quanto às repercussões do projecto de concentração na concorrência.

12.
    A recorrente comunicou à Comissão, no prazo fixado, que o projecto de concentração em causa conduziria, em seu entender, um reforço da posição dominante da KirchPayTV nos mercados da televisão por assinatura, da aquisição de direitos sobre os programas e da prestação de serviços técnicos ligados à televisão por assinatura, bem como ao surgimento de uma posição dominante no mercado dos serviços de televisão interactiva digital. A recorrente expressou também o seu receio de que a aproximação entre a Kirch e a BSkyB provocasse um reforço da integração vertical das empresas participantes nos mercados em causa e uma restrição da concorrência entre Estados-Membros, nomeadamente nos domínios da aquisição de programas de televisão e dos serviços de televisão interactiva digital.

13.
    Em 21 de Janeiro de 2000, a recorrente comunicou à Comissão observações complementares e aprofundadas sobre o assunto. Pediu que a Comissão proibisse a concentração notificada porque era incompatível com o mercado comum. Subsidiariamente, referiu que uma eventual autorização da operação deveria ser sujeita a exigências e condições mínimas.

14.
    A pedido da Comissão, a recorrente comunicou-lhe, por carta de 22 de Fevereiro de 2000, as exigências, condições ou compromissos contratuais públicos que considerava necessários, na perspectiva do direito da concorrência, no processo de concentração em causa.

15.
    A recorrente reiterou a sua opinião segundo a qual não estavam reunidas as condições de uma autorização do projecto de concentração e formulou, subsidiariamente, uma série de propostas de compromissos que as partes na operação de concentração, em sua opinião, deviam de qualquer forma aceitar.

16.
    As partes na operação de concentração comunicaram à Comissão um conjunto de compromissos. Esta pediu à recorrente, em 29 de Fevereiro de 2000, que apresentasse as suas observações sobre esses compromissos até 2 de Março de 2000.

17.
    Na sua resposta de 2 de Março de 2000, a recorrente criticou essas propostas de compromissos por serem apenas a promessa de a KirchPayTV não abusar da posição dominante.

18.
    Em 14 de Março de 2000, a Comissão solicitou à recorrente que apresentasse, até às 13 horas do dia 15 de Março de 2000, as suas observações sobre uma primeira versão modificada do conjunto de compromissos. A recorrente apresentou um comentário sucinto.

19.
    A Comissão não comunicou à recorrente e não a convidou a apresentar observações sobre uma segunda versão modificada do conjunto de compromissos, de que a recorrente teve conhecimento, em 18 de Março de 2000, por intermédio de terceiros.

20.
    Por decisão de 21 de Março de 2000 (a seguir «decisão impugnada»), a Comissão aprovou sob condições, nos termos do artigo 6.°, n.° 1, alínea b), e do artigo 6.°, n.° 2, do Regulamento n.° 4064/89, bem como do artigo 57.° do Acordo sobre o Espaço Económico Europeu (EEE), a concentração em causa.

A decisão impugnada

21.
    Na decisão impugnada, a Comissão examinou o efeito da operação de concentração nos três mercados em causa, ou sejam, o da televisão por assinatura, o da televisão interactiva digital e o da aquisição dos direitos de televisão.

O mercado da televisão por assinatura

22.
    Nos termos dos considerandos 23 a 27, a televisão por assinatura constitui um mercado diferente do da televisão gratuita, quer dizer, a televisão privada financiada pela publicidade e a televisão pública financiada pelas taxas e pelas receitas publicitárias. Segundo a Comissão, o mercado da televisão por assinatura é de dimensão nacional.

23.
    A Comissão refere que a KirchPayTV, por intermédio da sociedade Premiere, detém um quase monopólio para o fornecimento de serviços de televisão por assinatura na Alemanha. Refere também que a BSkyB domina o mercado da televisão por assinatura no Reino Unido. No considerando 51, a Comissão conclui que a operação suscita sérias dúvidas quanto à sua compatibilidade, na medida em que reforça a posição dominante da KirchPayTV no mercado da televisão por assinatura na Alemanha. Efectivamente, a Comissão considera que devido às receitas financeiras e ao saber-fazer da BSkyB, a KirchPayTV está em condições de manter a sua posição dominante no mercado. A este respeito, expõe que:

«Entrada de recursos financeiros e saber-fazer

50.    As próprias partes reconhecem que a KirchPayTV tem necessidade ‘de uma injecção importante de fundos’ para desenvolver as suas actividades. Consideraram que o investimento total solicitado pela KirchPayTV era de [...], com prejuízos a liquidar no montante de [...]. Segundo a notificação, a KirchPayTV não foi capaz de se financiar através do mercado. Para além dos recursos financeiros, a BSkyB também fornecerá os seus conhecimentos de ‘marketing’ e o seu saber-fazer de que, segundo informações transmitidas à Comissão por determinados operadores do mercado, a KirchPayTV tanto carece.

    Atendendo aos custos significativos das operações nesse mercado, em especial à necessidade de transformar os serviços analógicos em serviços digitais ao longo dos próximos anos, a Comissão tem sérias dúvidas quanto à questão de saber se a KirchPayTV seria capaz de manter a sua posição no mercado da televisão por assinatura na Alemanha caso esta operação não tivesse lugar. Por exemplo, a não modernização dos seus serviços de televisão por assinatura de acordo com as expectativas do mercado ou a incapacidade de manter o controlo sobre o conteúdo necessário da televisão por assinatura podia levar a um aumento significativo das possibilidades de acesso a médio prazo de terceiros. Nos termos do artigo 2.°, n.° 1, alínea b), do regulamento relativo ao controlo das operações de concentração, o poder económico e financeiro das partes são factores a que a Comissão deve atender quando da avaliação dos efeitos de uma operação de concentração sobre a concorrência. Importa também sublinhar que a Comissão, num certo número de decisões, sustentou que a operação de concentração que consista numa injecção de recursos financeiros importantes pode conduzir à criação ou ao reforço duma posição dominante.»

24.
    Por outro lado, nos considerandos 52 a 72, a Comissão examinou também a questão da eliminação da potencial concorrência. Nesse âmbito, no considerando 54, concluiu que nem a BSkyB nem nenhuma outra empresa podia penetrar no mercado alemão da televisão por assinatura a «curto ou médio prazo». Esta conclusão baseia-se nas seguintes quatro razões principais:

-    a predominância da televisão gratuita na Alemanha dificulta o desenvolvimento significativo da televisão por assinatura;

-    a Kirch controla, por intermédio da BetaResearch, a infra-estrutura de descodificação (o descodificador d-box) e a tecnologia necessária para o controlo do acesso na Alemanha;

-    a BSkyB não dispõe de programas apropriados para o mercado alemão;

-    uma entrada no mercado alemão da televisão por assinatura exige o envolvimento de enormes meios financeiros.

25.
    No considerando 70, a Comissão concluiu que, a «curto ou médio prazo», a BSkyB não era um potencial candidato a entrar no mercado em causa.

O mercado dos serviços de televisão interactiva digital

26.
    Refere que, actualmente, os serviços de televisão interactiva digital não estão disponíveis na Alemanha. Todavia, a Comissão refere que a KirchPayTV actuará nesse mercado num futuro próximo. A Comissão refere também que, pelo menos, quatro empresas suplementares preparam a sua entrada no mercado num futuro próximo: a Bertelsmann, a recorrente, a UPC e o Primacom group. A BSkyB é a única empresa na Europa que tem experiência directa no mercado dos serviços de televisão interactiva digital.

27.
    Os operadores nesse mercado não são, em princípio, os fornecedores dos produtos e serviços oferecidos e comprados pelos consumidores. Os operadores fornecem uma «plataforma» através da qual os vendedores ou fornecedores de conteúdo efectuam a promoção e a venda dos seus produtos e serviços. Por conseguinte, são esses vendedores que, em primeiro lugar, constituem a procura e, portanto, o lucro dos operadores. Os serviços que geralmente podem ser oferecidos em matéria de televisão interactiva digital são, nomeadamente, os serviços bancários ao domicílio, as compras ao domicílio, os serviços de férias e de viagens.

28.
    Embora a Comissão refira que o mercado dos serviços de televisão interactiva digital constitui um mercado distinto do da televisão por assinatura, assinala, no entanto, que este último pode ser o mercado «alavanca» dos serviços de televisão interactiva digital. Na medida em que a televisão por assinatura propõe programas exclusivos, permite efectivamente aos operadores atrair um número importante de telespectadores com rendimentos superiores à média. Os dois mercados eram distintos mas complementares. O mercado geográfico era, também aqui, um mercado nacional.

29.
    Quanto aos serviços de televisão interactiva digital, a Comissão refere que, como a Kirch controla a infra-estrutura de descodificação predominante na Alemanha (o descodificador d-box), que é igualmente necessário para a prestação dos serviços de televisão interactiva digital, possui já uma vantagem concorrencial importante para a oferta desses serviços. A Comissão é de opinião que a concentração poderia favorecer ainda mais a criação de uma posição dominante, investindo a BSkyB os meios financeiros necessários e o saber-fazer adquirido no mercado britânico. A Comissão tem também quanto a este aspecto sérias dúvidas quanto à compatibilidade da operação com o mercado comum.

O mercado da aquisição dos direitos de difusão

30.
    Os filmes e eventos desportivos são os produtos centrais da televisão por assinatura e é necessário ser titular dos direitos intelectuais sobre esses produtos a fim de ter programas suficientemente atractivos para convencer os potenciais assinantes a pagar pela recepção de serviços televisivos.

31.
    A aquisição dos direitos de difusão faz-se ainda ao nível nacional, e mesmo para uma região linguística (ou «de língua comum»), ou seja, neste caso, o mercado alemão ou de língua alemã. Certos direitos sobre os eventos desportivos são em contrapartida adquiridos para toda a Europa e vendidos seguidamente por país. Assim, podia existir um mercado geográfico distinto para os direitos desportivos pan-europeus. Todavia, a Comissão considera que não é necessário definir o mercado ainda com mais precisão no caso em apreço.

32.
    A Comissão referiu que a Kirch dominava o mercado da aquisição dos direitos na Alemanha (através de acordos exclusivos a longo prazo), enquanto a BSkyB dominava esse mercado no Reino Unido.

33.
    A Comissão não teceu dúvidas relativamente ao mercado da aquisição dos direitos de televisão. Nomeadamente, considera improvável a acumulação das aquisições efectuadas respectivamente pela KirchPayTV e pela BSkyB.

Os compromissos

34.
    Tendo em conta os compromissos propostos pelas partes, que eram, segundo a Comissão, susceptíveis de dissipar as suas sérias dúvidas quanto à compatibilidade da operação de concentração com o mercado comum no que diz respeito ao seu efeito nos mercado de televisão por assinatura e no mercado dos serviços de televisão interactiva digital, a Comissão autorizou a operação de concentração em conformidade com o artigo 6.°, n.° 1, alínea b), do Regulamento n.° 4064/89.

Tramitação processual e pedidos das partes

35.
    Por petição apresentada na Secretaria do Tribunal de Primeira Instância em 13 de Junho de 2000, a recorrente interpôs o presente recurso.

36.
    Por requerimento apresentado na Secretaria do Tribunal de Primeira Instância em 29 de Setembro de 2000, a KirchPayTV pediu para intervir em apoio dos pedidos da Comissão. Por despacho de 11 de Dezembro de 2000, esse pedido de intervenção foi deferido.

37.
    Por requerimento apresentado na Secretaria do Tribunal de Primeira Instância em 23 de Novembro de 2000, a BSkyB pediu para intervir em apoio dos pedidos da Comissão. Por despacho de 19 de Fevereiro de 2001, esse pedido de intervenção foi deferido.

38.
    A recorrente conclui pedindo que o Tribunal se digne:

-    anular a decisão da Comissão de 21 de Março de 2000 proferida no processo COMP/JV.37;

-    condenar a Comissão nas despesas.

39.
    A Comissão conclui pedindo que o Tribunal se digne:

-    julgar o recurso inadmissível ou, a título subsidiário, negar-lhe provimento;

-    condenar a recorrente nas despesas.

40.
    A KirchPayTV conclui pedindo que o Tribunal se digne:

-    julgar o recurso inadmissível ou, a título subsidiário, negar-lhe provimento;

-    condenar a recorrente nas despesas.

41.
    A BSkyB conclui pedindo que o Tribunal se digne:

-    julgar o recurso inadmissível ou, a título subsidiário, negar-lhe provimento;

-    condenar a recorrente nas despesas, incluindo as da BSkyB.

Quanto à admissibilidade

Quanto à legitimidade da recorrente para interpor o recurso

Argumentos das partes

42.
    A recorrente sustenta que a decisão impugnada lhe diz directa e individualmente respeito na acepção do artigo 230.°, quarto parágrafo, CE.

43.
    A Comissão expressa dúvidas quanto ao facto de a recorrente ser individualmente abrangida pela decisão impugnada.

44.
    Considera que a participação no processo administrativo, mesmo a pedido da Comissão, não pode justificar, só por si, que a decisão impugnada diga directa e individualmente respeito à empresa, especialmente quando, como no caso em apreço, numerosas outras empresas também se expressaram durante o processo ou foram consultadas pela Comissão. A apreciação de uma operação de concentração implica, por definição, contactos regulares com numerosas empresas.

45.
    Alega que a recorrente, actualmente, só opera no mercado da televisão gratuita, não abrangido pela decisão impugnada. Igualmente, as obrigações invocadas pela recorrente de atingir objectivos para adopção das tecnologias de difusão digital apenas dizem respeito, de qualquer modo, a esse mercado.

46.
    Em contrapartida, nenhum elemento permite pensar que a recorrente pretende entrar no mercado de televisão por assinatura, abrangido pela decisão impugnada. Assim, nem sequer podia ser qualificada de concorrente potencial nesse mercado.

47.
    Poderia, no máximo, ser considerada uma concorrente potencial no mercado futuro dos serviços da televisão interactiva digital. Ora, a esse título, seria apenas uma das numerosas concorrentes potenciais nesse mercado futuro. Esta conclusão não pode ser colocada em causa pela circunstância de participar no desenvolvimento de uma plataforma técnica concorrente.

48.
    No respeitante ao argumento da recorrente relativo ao facto de a decisão impugnada lhe dizer individualmente respeito porque o reforço da posição dominante no mercado da televisão por assinatura tem repercussões na posição ocupada pelas partes no mercado dos serviços técnicos para a televisão digital e, portanto, através dele, no mercado da televisão digital gratuita, a Comissão afirma que, se, segundo a jurisprudência, o facto de ser apenas uma concorrente, além disso apenas potencial, no mercado examinado na decisão impugnada é insuficiente, só por si, para se considerar que a decisão lhe diz individualmente respeito, o mesmo se passa, por maioria de razão, relativamente a uma empresa presente num mercado que nem sequer é objecto da decisão.

49.
    Quanto aos compromissos assumidos pelas partes na operação de concentração, a Comissão considera que, se a recorrente considera ter direitos, o mesmo se passaria relativamente a todos os terceiros que pretendessem invocar esses compromissos.

50.
    A Comissão conclui que a requerente é apenas uma das numerosas empresas que são concorrentes potenciais ou clientes dos participantes na concentração. A sua situação não é, portanto, diferente da de todas as empresas que entram em linha de conta como concorrentes (potenciais) da KirchPayTV ou que operam em mercados vizinhos. A requerente não é, portanto, como a recorrente no processo que deu origem aos acórdãos Air France I (acórdão do Tribunal de Primeira Instância de 19 de Maio de 1994, Air France/Comissão, denominado «Air France I», T-2/93, Colect., p. II-323, n.° 82), e Air France II (acórdão do Tribunal de Primeira Instância de 24 de Março de 1994, Air France/Comissão, denominado «Air France II», T-3/93, Colect., p. II-121, n.° 45), a única concorrente das empresas participantes na concentração. Além disso, a sua situação não estava, como a da recorrente no processo que deu origem ao acórdão Air France I, já referido, n.° 82, claramente caracterizada em relação à operação de concentração em causa, relativamente a outras empresas que actuam no mesmo sector.

51.
    A KirchPayTV contesta que a decisão impugnada diga directamente respeito à recorrente. Para esse efeito, faz referência ao acórdão Air France I, já referido, n.° 80, para daí deduzir que o facto de a decisão lhe dizer directamente respeito na acepção do artigo 230.°, quarto parágrafo, CE pressupõe estar activa nos mercados a que a decisão impugnada se refere. Ora, a decisão impugnada só afecta a recorrente no que se refere à sua posição no mercado da televisão digital gratuita, no qual é uma concorrente potencial, mas que não é o objecto da decisão impugnada.

52.
    A KirchPayTV contesta também que a decisão impugnada diga individualmente respeito à recorrente.

53.
    A este respeito, alega, em primeiro lugar, que a simples participação no processo administrativo não é suficiente para individualizar a recorrente.

54.
    O objectivo da exigência de legitimidade para interpor um recurso de anulação, que é apenas o de admitir os recursos de modo limitado, já não seria atingido se a mera participação num processo de concentração fosse considerada um critério bastante. Com efeito, tendo em consideração o número importante de participantes nesses processos, o número de pessoas com legitimidade para interpor um recurso seria excessivamente grande.

55.
    A KirchPayTV contesta, em segundo lugar, que os compromissos assumidos pelas partes na operação de concentração sejam susceptíveis de individualizar a recorrente. Com efeito, esses compromissos podem beneficiar uma multitude de concorrentes e não apenas a recorrente.

56.
    A KirchPayTV contesta, em terceiro lugar, que a participação da recorrente na associação Free Universe Network (a seguir «FUN»), seja susceptível de a individualizar. Com efeito, a FUN não constitui uma plataforma técnica potencialmente concorrente mas uma simples associação de interesses cujo objectivo é impor certas soluções técnicas para efeitos da exploração de plataformas técnicas. A FUN, enquanto simples associação de interesses, não pode, portanto, ser individualmente abrangida pela decisão impugnada. Por maioria de razão, a simples participação da recorrente nessa associação não permite deduzir que a decisão lhe diz individualmente respeito.

57.
    A KirchPayTV refere, em quarto lugar, que a recorrente é uma associação de trabalho de instituições públicas de radiodifusão. Ora, segundo jurisprudência constante, uma associação que foi criada para defesa de interesses comuns de um grupo de membros não é individualmente abrangida por uma decisão que prejudica interesses comuns desse grupo (despacho do Tribunal de Justiça de 18 de Dezembro de 1997, Sveriges Betodlares e Henrikson/Comissão, C-409/96 P, Colect., p. I-7531, n.° 45, e acórdão do Tribunal de Primeira Instância de 11 de Fevereiro de 1999, Arbeitsgemeinschaft Deutscher Luftfahrt-Unternehmen e Hapag-Lloyd/Comissão, T-86/96, Colect., p. II-179, n.os 55 e segs.). Uma associação deste tipo não pode, nomeadamente, interpor recurso quando os seus membros, como no caso em apreço, não têm o direito de o fazer.

Apreciação do Tribunal

58.
    Nos termos do artigo 230.°, quarto parágrafo, CE, «[q]ualquer pessoa singular ou colectiva pode interpor [...] recurso das decisões de que seja destinatária e das decisões que, embora tomadas sob a forma de regulamento ou de decisão dirigida a outra pessoa, lhe digam directa e individualmente respeito».

59.
    Não sendo a recorrente destinatária da decisão impugnada que é unicamente dirigida às partes na concentração, há que examinar se a decisão diz directa e individualmente respeito à recorrente.

60.
    Contrariamente ao que sustenta a KirchPayTV, o carácter directo da afectação não pode ser contestado. Com efeito, uma vez que permite a realização imediata da operação de concentração projectada, a decisão impugnada pode introduzir uma modificação imediata da situação dos mercados em causa, que apenas depende da mera vontade das partes (v. acórdão Air France II, já referido, n.° 80, e acórdão do Tribunal de Primeira Instância, de 3 de Abril de 2003, BaByliss/Comissão, T-114/02, ainda não publicado na Colectânea, n.° 89).

61.
    Assim, há que examinar se a decisão impugnada diz individualmente respeito à recorrente.

62.
    Segundo jurisprudência constante, só pode considerar-se que uma decisão diz individualmente respeito a uma pessoa que não seja o seu destinatário se essa decisão «a atingir em razão de determinadas qualidades que lhe são específicas ou de uma situação de facto que a caracteriza em relação a qualquer outra pessoa e, por isso, a individualiza de modo análogo ao do destinatário» (acórdãos do Tribunal de Justiça de 15 de Julho de 1963, Plaumann/Comissão, 25/62, Colect. 1962-1964, p. 281, e de 10 de Dezembro de 2002, Comissão/Camar e Tico, C-312/00 P, Colect., p. I-11355, n.° 73, e a jurisprudência aí referida).

63.
    No caso em apreço, há que examinar em que medida a participação da recorrente no processo e a afectação da sua posição no mercado são susceptíveis de a individualizar, em conformidade com o artigo 230.° CE.

64.
    Em primeiro lugar, quanto à participação no processo, o Tribunal refere que a recorrente recebeu, em 11 de Janeiro de 2000, um pedido de informações da Comissão, nos termos do artigo 11.° do Regulamento n.° 4064/89, em que esta lhe pedia que lhe comunicasse, no prazo de três dias, as suas observações quanto às repercussões do projecto de concentração na concorrência. Por carta de 14 de Janeiro de 2000, a recorrente apresentou as informações solicitadas.

65.
    Em 21 de Janeiro de 2000, ou seja, no prazo de dez dias fixado na publicação do projecto de concentração no Jornal Oficial, em conformidade com o artigo 4.°, n.° 3, do Regulamento n.° 4064/89, a recorrente enviou à Comissão uma nota de observações complementares sobre as consequências da operação de concentração em causa para a situação concorrencial dos mercados em questão, bem como para a sua própria situação.

66.
    Em 22 de Fevereiro de 2000, a pedido dos serviços da Task-force «Controlo das operações de concentração entre empresas», a recorrente enviou novamente à Comissão uma nota muito pormenorizada repetindo as suas observações sobre todos os aspectos sensíveis do processo de concentração e, embora mantendo que a concentração projectada não era compatível, expondo as condições, exigências ou compromissos necessários que deviam, em sua opinião, ser impostos no caso de a Comissão decidir não se opor à concentração. Estas propostas eram relativas às condições de abertura dos mercados em causa e diziam respeito, especialmente, ao acesso não discriminatório de descodificadores diferentes do d-box a todos os programas de televisão e a todos os serviços interactivos, ao acesso de outros operadores aos direitos sobre os programas da KirchPayTV e ao impedimento de uma influência indirecta do grupo Kirch sobre a utilização da infra-estrutura por cabo de banda larga da Deutsche Telekom AG.

67.
    Lendo a decisão impugnada, verifica-se que a Comissão faz referência, por dez vezes, às observações de terceiros (considerandos 49, 50, 53, 57, 71, 73, 75, 77, 79 e 84 da decisão impugnada) e a maior parte delas são respeitantes a questões que foram expressamente suscitadas pela recorrente nas notas de observações que enviou à Comissão durante o processo administrativo.

68.
    Assim, a recorrente afirmou, na nota de 22 de Fevereiro de 2000, que a Kirch, sozinha, não era financeiramente suficientemente poderosa para empreender, só por si, o desenvolvimento de serviços digitais e, nas suas notas de 14 e 21 de Janeiro de 2000, que a BSkyB possuía uma experiência e um saber-fazer incomparáveis no marketing e na distribuição da televisão por assinatura de que o acordo previa a cessão. Ora, no considerando 49 da decisão impugnada, a Comissão afirma que um determinado número de terceiros sustentaram que a operação de concentração reforçaria a posição dominante da KirchPayTV no mercado alemão da televisão por assinatura proporcionando-lhe recursos financeiros importantes e um saber-fazer. Nos considerandos 50 e seguintes da decisão impugnada, a Comissão, com base nestas considerações, concluiu pela existência de sérias dúvidas.

69.
    Em seguida, no considerando 53 da decisão impugnada, a Comissão refere que um determinado número de terceiros sugeriam que a BSkyB era a empresa mais plausível de entrar no mercado alemão da televisão por assinatura, o que tinha sido mencionado pela recorrente na sua nota de 14 de Janeiro de 2000.

70.
    Do mesmo modo, no considerando 75 da decisão impugnada, a Comissão referiu, como tinha sublinhado a recorrente na nota de 21 de Janeiro de 2000, que a entrada da KirchPayTV no mercado dos serviços da televisão digital interactiva corria o risco de criar uma posição dominante, ao impor a sua tecnologia d-box como descodificador-tipo na Alemanha.

71.
    Por último, no considerando 84 da decisão impugnada, a Comissão responde ao argumento dos terceiros relativo ao poder de compra da Kirch para a aquisição dos direitos de retransmissão, problemática suscitada pela recorrente nas suas notas de 14 e 21 de Janeiro de 2000.

72.
    Conclui-se que a Comissão se baseou, na decisão impugnada, em numerosos argumentos que a recorrente invocara durante o processo administrativo.

73.
    Por outro lado, a Comissão pediu à recorrente que lhe comunicasse a sua opinião sobre eventuais compromissos susceptíveis de afastar as sérias dúvidas colocadas pela concentração e as propostas da recorrente foram, pelo menos parcialmente, inseridas na decisão impugnada.

74.
    A Comissão também apresentou à recorrente as duas primeiras versões dos compromissos para observações. Em resposta às questões escritas do Tribunal, a Comissão precisou a este respeito que, exceptuado o caso da recorrente, apenas duas outras empresas, a Bertelsmann AG e a Universal Studios Inc., tinham também recebido cópia das duas primeiras versões dos compromissos, tendo, além disso, a Bertelsmann, diferentemente da recorrente, recebido a terceira e última versão destes.

75.
    Além disso, há que observar que as cartas enviadas pela recorrente à Comissão não constituem unicamente uma diligência unilateral e não solicitada, tendo-a a Comissão, por várias vezes, convidado a apresentar as suas observações.

76.
    Conclui-se que a recorrente participou activamente no processo. Como sublinha justificadamente a Comissão, embora a simples participação no processo não seja na verdade suficiente, só por si, para provar que a decisão diz individualmente respeito à recorrente, em especial no domínio das concentrações, cuja apreciação minuciosa exige contactos com numerosas empresas, a participação activa no processo administrativo constitui um elemento tomado em consideração, inclusive no domínio mais específico do controlo das concentrações, para estabelecer, em conjunção com outras circunstâncias específicas, a admissibilidade do recurso (acórdão BaByliss/Comissão, já referido, n.° 95). É tanto mais assim quanto1\PAL\MYDOCU~1\WP51\_T2000\T00_0158\ARRET.SEC~ no presente caso, como foi referido supra, essa participação activa influenciou a tramitação do processo e, pelo menos em parte, o conteúdo do acto impugnado, tanto no que se refere à determinação das sérias dúvidas colocadas pela concentração, como no que diz respeito aos compromissos necessários, segundo a Comissão, para as afastar (v., neste sentido, acórdão do Tribunal de Justiça de 28 de Janeiro de 1986, Cofaz/Comissão, 169/84, Colect., p. 391, n.os 24 e 25).

77.
    Em segundo lugar, quanto à afectação da posição da recorrente no mercado, há que recordar, de imediato, que a concentração em causa é relativa ao mercado da televisão por assinatura e que está apurado que a recorrente não está presente nesse mercado. A própria recorrente comunicou, numa carta de 22 de Fevereiro de 2000 dirigida à Comissão, que a «ARD public broadcasting stations are neither mandated nor considering to enter the PayTV market».

78.
    Todavia, a circunstância de a recorrente não poder ser considerada uma concorrente, nem mesmo uma potencial concorrente da KirchPayTV no mercado da televisão por assinatura, não implica necessariamente que a decisão não lhe diga individualmente respeito. Por um lado, mesmo que a actividade da KirchPayTV esteja centrada na televisão por assinatura, este mercado é apenas um dos três mercados em que a Comissão considerou que a concentração reforçava a posição dominante do grupo Kirch. Por outro lado, do mesmo modo que os potenciais concorrentes das partes na concentração podem ter legitimidade para pedir a anulação da decisão de aprovação no caso de mercados oligopolistas (v., neste sentido, acórdãos do Tribunal de Primeira Instância de 27 de Novembro de 1997, Kaysersberg/Comissão, T-290/94, Colect., p. II-2137, e BaByliss/Comissão, já referido), quando, como no caso em apreço, uma empresa em posição de monopólio vê a sua posição reforçada por uma concentração, um recurso de anulação de um operador presente apenas nos mercados vizinhos ou a montante ou a jusante pode, em determinadas circunstâncias, ser também admissível.

79.
    No caso em apreço, os cinco elementos a seguir enunciados são susceptíveis de provar a afectação da posição da recorrente: a existência de uma certa concorrência entre a televisão gratuita e a televisão por assinatura; a convergência no futuro entre a televisão gratuita e a televisão por assinatura devido à digitalização; os efeitos da concentração nos serviços de televisão interactiva digital; a participação da recorrente no projecto FUN e a aquisição dos direitos de retransmissão.

- A existência de uma certa concorrência entre a televisão gratuita e a televisão por assinatura

80.
    Mesmo que o mercado da televisão gratuita, no qual opera a recorrente, constitua, como foi exposto nos considerandos 23 a 25 da decisão impugnada, um mercado diferente do mercado da televisão por assinatura, apesar disso, a decisão reconhece expressamente, no considerando 56, que existe uma determinada interacção entre esses dois mercados. A decisão refere efectivamente, no âmbito da apreciação das barreiras à entrada no mercado alemão da televisão por assinatura, que este último mercado dificilmente se desenvolve devido ao poder do mercado da televisão gratuita.

81.
    Conclui-se que, na medida em que a concentração tem por objectivo reforçar o poder financeiro da Kirch através da entrada de recursos e de saber-fazer da BSkyB para lhe permitir desenvolver e modernizar as suas actividades no domínio da televisão por assinatura, é susceptível de dar origem a certas repercussões no mercado da televisão gratuita. Ora, a recorrente é uma das duas empresas de televisão pública activas no mercado da televisão gratuita na Alemanha e é, além disso, uma das principais operadoras nesse mercado. Em especial, pode-se esperar que, se a Kirch conseguir, após a concentração, atrair novos assinantes, a recorrente sofra perdas de espectadores e veja assim diminuir as suas receitas publicitárias. Conclui-se que, sob este aspecto, a decisão impugnada é susceptível de afectar a recorrente.

- A convergência no futuro entre a televisão gratuita e a televisão por assinatura devido à digitalização

82.
    A decisão impugnada reconhece também, no considerando 25, que, com a digitalização, se pode esperar que, no futuro, a televisão por assinatura e a televisão gratuita convirjam em certa medida.

83.
    Além disso, sendo a televisão por assinatura o único domínio em que a televisão digital se pôde desenvolver actualmente, a posição dominante da KirchPayTV no mercado da televisão por assinatura repercute-se no mercado da televisão digital.

84.
    Ora, a recorrente, em virtude das suas obrigações de serviço público, é obrigada a atingir os objectivos do Estado para a introdução das tecnologias de difusão digital.

85.
    Assim, mesmo que a concentração se verifique no mercado da televisão por assinatura, é susceptível de afectar a posição concorrencial da recorrente no futuro mercado da televisão gratuita digital na Alemanha.

- Os efeitos da concentração nos serviços de televisão interactiva digital

86.
    Resulta dos considerandos 30 a 41 e 73 a 80 da decisão impugnada que a operação em causa pode afectar o futuro mercado dos serviços de televisão interactiva digital. A Comissão considera efectivamente, a este propósito, nos considerandos 32, 40 e 94, que o mercado da televisão por assinatura constitui uma «alavanca» para o desenvolvimento desse mercado na medida em que a televisão por assinatura propõe programas exclusivos que permitem aos operadores de serviços de televisão interactiva atrair um número importante de telespectadores com altos rendimentos. Tendo a concentração por efeito reforçar a posição da Kirch no mercado da televisão por assinatura (considerando 50), também a reforçará, assim, no futuro mercado dos serviços de televisão interactiva. Ora, segundo o considerando 73, a recorrente é um dos quatro operadores que anunciou a sua intenção de desenvolver serviços interactivos num futuro próximo.

87.
    Por outro lado, a instalação de uma infra-estrutura técnica para a transmissão dos serviços de televisão interactiva digital exige importantes investimentos. A decisão impugnada refere, a este respeito, no considerando 75, que a concentração pode reduzir substancialmente as possibilidades de entrada no mercado de terceiros na medida em que vai permitir à Kirch entrar no mercado antes de qualquer outro operador e, deste modo, aumentar substancialmente as barreiras à entrada ao estabelecer a d-box como descodificador-tipo na Alemanha.

88.
    Assim, a concentração pode afectar a posição da recorrente enquanto interveniente futura no mercado dos serviços de televisão interactiva digital, na medida em que, por um lado, reforça o concorrente potencial Kirch e, por outro, acentua a dependência da recorrente relativamente à tecnologia da Kirch, necessária para a entrada nesse mercado.

- A participação da recorrente no projecto FUN

89.
    É um facto que a oferta de serviços de televisão digital, independentemente de se tratar de televisão por assinatura, de televisão gratuita ou de televisão interactiva, necessita de uma determinada tecnologia. Actualmente, a única tecnologia utilizada na Alemanha para a transmissão por cabo de sinais digitais é a tecnologia desenvolvida pela BetaResearch, uma filial da Kirch, e efectuada pela BetaDigital, uma outra filial da Kirch, e a Deutsche Telekom, que possui uma licença da BetaResearch para exploração da tecnologia da Kirch. Ora, a recorrente é a única operadora de televisão a participar na associação FUN, constituída por empresas que contribuem todas, de maneira diferente (designadamente, com uma tecnologia de interferência, um descodificador, um guia de programa electrónico, etc.), para a elaboração de uma segunda plataforma digital na Alemanha. Esta associação tem por objectivo realizar uma plataforma alternativa aberta, quer dizer, não funcionando com um sistema de controlo de acesso certificado, diferentemente da da KirchPayTV. A posição dominante da KirchPayTV no mercado dos serviços técnicos para a televisão digital, que resulta da detida no mercado dos serviços ligados à televisão por assinatura, pode tornar mais difícil o desenvolvimento da plataforma FUN. Por isso, a recorrente é particularmente abrangida pelas repercussões da concentração em causa.

- A aquisição dos direitos de retransmissão

90.
    Na medida em que a concentração reforça o poder financeiro da Kirch e as suas ligações com a BSkyB, uma outra compradora importante de direitos de retransmissão, não se pode excluir que afecte a recorrente enquanto compradora desses direitos.

91.
    Segundo os considerandos 81 e 83 da decisão impugnada, a Kirch e a BSkyB dominam, respectivamente, os mercados alemão e britânico da aquisição dos direitos de retransmissão de filmes e dos principais eventos desportivos, dispondo a BSkyB, além disso, de certos direitos de retransmissão na Alemanha.

92.
    Nos considerandos 85 e seguintes da decisão impugnada, a Comissão, na verdade, concluiu que a concentração não suscitava sérias dúvidas nesse mercado, salientando, nomeadamente, que não dava origem nem a um reforço significativo da posição dominante da Kirch nem a um risco de colusão entre as sociedades-mãe da KirchPayTV.

93.
    Todavia, por um lado, a recorrente, durante o processo administrativo, afirmou o seu receio de a concentração poder conduzir a um reagrupamento da procura relativa à aquisição de direitos dos filmes e dos eventos desportivos no mercado alemão, e as partes na concentração assumiram um compromisso reputado impedir esse facto e, por outro, a recorrente contestou no Tribunal tanto o carácter suficiente desse compromisso como o facto de a Comissão se ter limitado, na decisão impugnada, a tomar conhecimento desse compromisso sem lhe conferir a qualidade de condição necessária à aprovação da concentração.

94.
    Nestas condições, a recorrente, que é concorrente das partes na concentração no mercado da aquisição dos direitos de retransmissão para o mercado alemão, é também afectada pela decisão impugnada.

95.
    Resulta de todas as considerações precedentes que, através da sua participação qualificada no processo administrativo, durante o qual a recorrente formulou observações que determinaram parcialmente o conteúdo da decisão impugnada, bem como a natureza dos compromissos, e a afectação específica da sua posição nos mercados da televisão digital, dos serviços de televisão interactiva digital, dos serviços técnicos para a televisão digital e da aquisição dos direitos de retransmissão, a decisão impugnada diz directa e individualmente respeito à recorrente e, portanto, o recurso é admissível.

Quanto às condições do artigo 44.°, n.° 1, do Regulamento de Processo

96.
    Em primeiro lugar, a Comissão alega que a petição é inadmissível na medida em que faz referência, indiferenciadamente, à argumentação do processo administrativo ou não expõe de modo claramente suficiente os argumentos jurídicos.

97.
    Deve-se observar que a referência à argumentação desenvolvida durante o processo administrativo não pode tornar o recurso inadmissível. Em contrapartida, como o Tribunal de Primeira Instância já decidiu, «não compete ao Tribunal procurar e identificar, nos anexos, os elementos que poderia considerar como constituindo o fundamento do recurso, uma vez que os anexos têm uma função puramente probatória e instrumental» (acórdão do Tribunal de Primeira Instância de 7 de Novembro de 1997, Cipeke/Comissão, T-84/96, Colect., p. II-2081, n.° 34), não há que ter em consideração argumentos suscitados pela recorrente durante o processo administrativo e não incluídos na petição.

98.
    Em segundo lugar, a Comissão considera que a petição não cumpre as exigências do artigo 44.°, n.° 1, alíneas c) ou e) do Regulamento de Processo, na medida em que os fundamentos não são explanados ou na medida em que a recorrente não produz o mínimo elemento comprovativo das suas afirmações. Sendo estas censuras relativas não à admissibilidade do próprio recurso mas às dos diferentes fundamentos, serão tratadas no âmbito da apreciação destes últimos.

Quanto ao mérito

99.
    Em apoio do seu recurso, a recorrente invoca cinco fundamentos baseados, em primeiro lugar, num erro de apreciação dos factos na perspectiva do artigo 2.°, n.os 3 e 4, do Regulamento n.° 4064/89, em segundo lugar, na violação do artigo 6.°, n.° 2, do Regulamento n.° 4064/89, em terceiro, na insuficiência dos compromissos, em quarto, num vício processual que resulta do facto de não dar início ao processo nos termos do artigo 6.°, n.° 1, alínea c), do Regulamento n.° 4064/89 e, em quinto, numa redução inadmissível dos direitos de participação de terceiros no processo.

Quanto ao primeiro fundamento, baseado num erro de apreciação dos factos na perspectiva ao artigo 2.°, n.os 3 e 4, do Regulamento n.° 4064/89

Argumentos das partes

100.
    A recorrente afirma que a Comissão concluiu, no que diz respeito ao efeito de operação de concentração na concorrência existente no mercado da televisão por assinatura na Alemanha, no considerando 54 da decisão impugnada, baseando-se em argumentos expostos nos considerandos 56 a 70, que nem a BSkyB nem nenhuma outra empresa, serão, a curto e médio prazo, um concorrente potencial da KirchPayTV nesse mercado.

101.
    Observa que essa conclusão está em contradição com aquela a que chegou a Comissão no considerando 50 da decisão impugnada, no qual expôs que tinha sérias dúvidas quanto à capacidade da KirchPayTV manter a sua posição no mercado da televisão por assinatura na Alemanha se a operação de concentração não pudesse realizar-se e que, se a KirchPayTV não mantivesse a sua posição nesse mercado, as condições de acesso a este último poderiam melhorar significativamente a médio prazo para terceiros.

102.
    Assim, censura à Comissão o facto de ter avaliado o efeito da operação de concentração na potencial concorrência nesse mercado referindo-se exclusivamente ao statu quo existente no momento da decisão, portanto, à existência de uma posição dominante incontestada da KirchPayTV, em vez de se referir à evolução que, segundo a sua própria conclusão, essa posição teria a médio prazo se não houvesse a operação de concentração.

103.
    Critica esta forma de avaliar a potencial concorrência, que se refere, no que diz respeito à determinação da posição no mercado da empresa objecto da operação de concentração e, por conseguinte, à importância do obstáculo à entrada no mercado de potenciais concorrentes que essa posição constitui, ao statu quo e não tem em consideração a evolução futura provável dessa posição.

104.
    Considera que esta forma de avaliar a potencial concorrência constitui uma apreciação errada dos factos que impede uma apreciação correcta da operação de concentração na perspectiva do artigo 2.°, n.os 3 e 4, do regulamento relativo às concentrações.

105.
    A recorrente precisa que não contesta nenhum dos elementos de facto invocados pela Comissão nos considerandos 56 a 70 da decisão impugnada, em apoio da sua tese segundo a qual nem a BSkyB nem nenhuma outra empresa podem ser consideradas potenciais concorrentes da KirchPayTV.

106.
    Em resposta ao argumento da KirchPayTV, baseado no facto de a Comissão ter, na sua análise do efeito da operação de concentração na potencial concorrência entre a KirchPayTV e a BSkyB, ou de outras empresas, tomado em consideração um prognóstico a médio prazo e não se ter fundamentado no statu quo, a recorrente concede que a Comissão, ao proceder a essa análise, tomou efectivamente em consideração, em parte, uma perspectiva a médio prazo. No quadro dessa análise, a Comissão, todavia, não tomou em consideração a circunstância, que ela própria salientou no considerando 50 da decisão impugnada, de que não existindo uma importante entrada de capital na KirchPayTV, as condições de acesso de terceiros ao mercado alemão da televisão por assinatura poderiam melhorar de modo significativo a médio prazo. Em vez de tomar em consideração essa diminuição a médio prazo dos obstáculos ao acesso ao mercado, pelo contrário, baseou-se na posição dominante actual da KirchPayTV nos domínios tecnológicos e de conteúdo de programas para concluir pela ausência de potencial concorrência. Nesse sentido, teria avaliado a potencial concorrência com base no statu quo.

107.
    A recorrente contesta a procedência dos argumentos da BSkyB, baseados no facto de a importância do mercado da televisão gratuita na Alemanha constituir um obstáculo importante ao acesso de potenciais concorrentes ao mercado da televisão por assinatura nesse país e no facto de o insucesso da KirchPayTV não favorecer o acesso de potenciais concorrentes a esse mercado, mas constituir, pelo contrário, um elemento dissuasor destes últimos e que ilustra a importância objectiva dos obstáculos ao acesso a esse mercado.

108.
    Com efeito, estes argumentos eram puramente hipotéticos e, por conseguinte, manifestamente irrelevantes. Só as considerações jurídicas realmente expostas pela Comissão na decisão impugnada, e não as que poderia expor, são pertinentes para apreciar se a Comissão violou o artigo 2.°, n.° 3, do regulamento relativo às concentrações.

109.
    Além disso, a importância do mercado alemão da televisão gratuita é apenas um argumento entre os quatro expostos pela Comissão para contestar a existência de uma potencial concorrência no mercado alemão da televisão por assinatura. Não resulta de nenhum trecho da decisão impugnada que a Comissão considerou que o mercado alemão da televisão gratuita tinha, a este respeito, uma importância específica particular. Do mesmo modo, a Comissão não referiu que o insucesso da KirchPayTV teria um efeito dissuasor nos potenciais concorrentes.

110.
    A Comissão sustenta, a título principal, que o fundamento é inadmissível.

111.
    Por um lado, o fundamento é inadmissível na medida em que, de maneira indiferenciada, faz referência à argumentação apresentada pela recorrente durante o processo administrativo. A Comissão refere-se a este respeito nomeadamente à seguinte passagem, inserida na página 6 da petição: «Relativamente ao recurso, a recorrente repete também a sua argumentação em relação à Comissão relativa à apreciação e ao controlo necessário da concorrência contra os efeitos da concentração em causa.»

112.
    Por outro lado, a petição não expõe de modo suficientemente claro os argumentos jurídicos. A recorrente limita-se a fazer várias observações, nomeadamente, que a Comissão teria modificado a sua prática decisória, ajudado a KirchPayTV a consolidar de modo duradouro a sua posição dominante e excluído injustificadamente a BSkyB como potencial concorrente. No entanto, não explica em que medida a apreciação da Comissão na decisão impugnada estava errada.

113.
    A título subsidiário, a Comissão, apoiada pela KirchPayTV e pela BSkyB, considera que o fundamento não é procedente.

Apreciação do Tribunal

114.
    Quanto ao argumento da Comissão segundo o qual o fundamento é inadmissível, há que observar que, embora a petição não seja muito explícita, dela resulta, todavia, que a recorrente suscita o fundamento baseado num erro de apreciação dos factos na perspectiva do artigo 2.°, n.os 3 e 4, do Regulamento n.° 4064/89, na medida em que a Comissão não considerou a BSkyB como uma potencial concorrente. Por outro lado, a circunstância de a recorrente não ter apoiado a sua afirmação segundo a qual a BSkyB devia ser considerada uma potencial concorrente da KirchPayTV faz parte da apreciação quanto ao mérito. Conclui-se que o fundamento é admissível.

115.
    A recorrente sustenta, essencialmente, que a Comissão efectuou uma apreciação errada dos factos sob a perspectiva do artigo 2.°, n.° 3, do Regulamento n.° 4064/89, ao afirmar, no considerando 54 da decisão impugnada, que nem a BSkyB nem nenhuma outra empresa podia entrar no mercado alemão da televisão por assinatura, quando reconhecera, no considerando 50 da decisão impugnada, que não havendo as injecções financeiras resultantes da concentração, a KirchPayTV não estaria em condições de realizar os investimentos necessários para conservar a sua posição dominante actual nesse mercado. A recorrente censura a Comissão de não ter tido em consideração a fraqueza financeira da KirchPayTV e de ter cometido um erro ao não considerar a BSkyB como uma potencial concorrente.

116.
    Deve-se referir, em primeiro lugar, que, contrariamente ao que sustenta a recorrente, as considerações expostas nos considerandos 50 e 54 não são contraditórias.

117.
    Por um lado, as apreciações efectuadas nesses dois considerandos não se referem ao mesmo período. Com efeito, enquanto a melhoria das condições de entrada no mercado por terceiros só é referida, no considerando 50, a médio prazo, a afirmação, feita no considerando 54, segundo a qual nem a BSkyB nem nenhuma outra empresa são potenciais concorrentes, refere-se unicamente a um período que vai do curto ao médio prazo, portanto, um período mais curto do que o referido no considerando 50.

118.
    Por outro lado, o considerando 50 da decisão impugnada é formulado de modo hipotético, limitando-se a Comissão a indicar que «a não modernização [pela KirchPayTV] dos seus serviços de televisão por assinatura para responder às expectativas do mercado ou [a sua] impossibilidade de manter o controlo sobre o conteúdo necessário para a televisão por assinatura, poderia melhorar sensivelmente as condições de acesso ao mercado».

119.
    Por outro lado, também resulta dos próprios termos do considerando 54 da decisão impugnada que, contrariamente à alegação da recorrente, a Comissão não se baseou, na sua análise do efeito da operação de concentração sobre a concorrência, no statu quo, mas fez um prognóstico a curto ou médio prazo.

120.
    Em segundo lugar, há que recordar que a afirmação feita no considerando 54 da decisão impugnada, segundo a qual, nem a BSkyB nem outra empresa serão a curto ou médio prazo um potencial concorrente da KirchPayTV no mercado da televisão por assinatura na Alemanha, baseia-se, como é referido no considerando 55 da decisão impugnada, em quatro fundamentos principais desenvolvidos nos considerandos 56 a 70 da decisão impugnada, ou sejam, a importância da televisão gratuita na Alemanha (considerandos 56 e 57 da decisão impugnada), o controlo pelo grupo Kirch da estrutura de descodificação e da tecnologia de descodificação utilizadas na Alemanha (considerandos 58 a 64 da decisão impugnada), o controlo pelo grupo Kirch de importantes direitos de retransmissão de filmes e de eventos desportivos, que tornam difícil o acesso de um potencial concorrente aos conteúdos em questão (considerandos 65 a 67 da decisão impugnada), e o carácter pouco provável de uma entrada a curto ou médio prazo da BSkyB no mercado em causa devido à importância considerável dos investimentos necessários (considerando 68 a 70 da decisão impugnada).

121.
    Ora, a recorrente, como expressamente admitiu na réplica, não contesta nenhum destes quatro elementos.

122.
    No entanto, a recorrente sustenta que, devido à debilidade financeira da Kirch que não lhe permite realizar os investimentos suficientes nos programas, bem como na infra-estrutura técnica, as barreiras à entrada no mercado teriam de tal modo diminuído que a BSkyB deve ser considerada uma potencial concorrente.

123.
    Esta censura não é procedente, uma vez que a recorrente não demonstra em que medida a debilidade financeira do grupo Kirch permitiria, só por si, e não obstante os argumentos apresentados pela Comissão, concluir pela existência de uma potencial concorrência no mercado em causa a curto ou médio prazo.

124.
    Há que salientar a este respeito que a debilidade financeira da KirchPayTV só pode, no máximo, ter incidência em dois dos quatro fundamentos invocados pela Comissão para apoiar a inexistência da potencial concorrência, ou seja, o controlo que a Kirch exerce na Alemanha sobre a infra-estrutura de descodificação e na técnica de decifragem, bem como no acesso ao conteúdo dos programas. Longe de prejudicar os outros dois fundamentos baseados na importância do mercado da televisão gratuita na Alemanha e na necessidade de meios financeiros consideráveis, as dificuldades financeiras da Kirch, pelo contrário, só demonstram o seu mérito. Efectivamente, esse insucesso envolveria o risco de dissuadir outras empresas de penetrar nesse mercado e confirmaria a existência e a importância de obstáculos a esse acesso que são independentes da posição da KirchPayTV.

125.
    Assim, a circunstância de, perante a força da televisão gratuita na Alemanha, a KirchPayTV não conseguir atingir o limiar de rentabilidade, apesar do facto de deter uma posição dominante na infra-estrutura e nos conteúdos dos programas e do facto de ser a única operadora no mercado de televisão por assinatura, pode desencorajar qualquer entrada no mercado de outro operador.

126.
    Do mesmo modo, o insucesso financeiro da KirchPayTV apenas reforça o mérito do argumento baseado na necessidade de dispor de meios consideráveis para entrar no mercado. Ora, a recorrente não contestou a afirmação, contida nos considerandos 68 e 69 da decisão impugnada, segundo a qual sendo a BSkyB obrigada a investir somas consideráveis para se estabelecer como operadora de serviços de televisão digital no Reino Unido e construir uma plataforma por satélite, impondo-se face à concorrência, não consegue obter as receitas necessárias para entrar num novo mercado a priori deficitário.

127.
    Conclui-se que a argumentação da recorrente, baseada no facto de que a falta de novos meios financeiros colocados à disposição da KirchPayTV após a operação de concentração potenciais concorrentes acederiam ao mercado em questão, assenta na premissa não demonstrada de que o insucesso financeiro da KirchPayTV nesse mercado seria um elemento que favorecia o acesso ao mercado de potenciais concorrentes.

128.
    Resulta das considerações precedentes que o fundamento assente no facto de a Comissão ter cometido um erro de apreciação, ao considerar que a BSkyB não podia ser considerada uma potencial concorrente a curto ou médio prazo, não é procedente.

129.
    De qualquer modo, o fundamento é irrelevante na medida em que a Comissão concluiu, nos considerandos 51 e 92 da decisão impugnada, que a operação de concentração suscitava sérias dúvidas, na medida em que reforçava a posição dominante da KirchPayTV no mercado da televisão por assinatura na Alemanha devido aos recursos financeiros trazidos pela BSkyB. A afirmação, efectuada no considerando 54 da decisão impugnada, segunda a qual não há potencial concorrência a curto ou médio prazo, não é, portanto, o suporte necessário da decisão impugnada e não pode, assim, dar origem à sua anulação.

130.
    Há que recordar, a este respeito, que, nos termos do artigo 2.°, n.° 2, do Regulamento n.° 4064/89, devem ser declaradas compatíveis com o mercado comum as operações de concentração que não criem ou não reforcem uma posição dominante de que resultem entraves significativos para a concorrência efectiva no mercado comum ou numa parte substancial deste. Conclui-se que, quando uma concentração cria ou reforça uma posição dominante, a Comissão deve, apesar disso, autorizar a operação se esta não tiver por consequência entravar a concorrência efectiva de modo significativo (v., neste sentido, acórdão Air France I, já referido, n.os 78 e 79; acórdãos do Tribunal de Primeira Instância de 25 de Março de 1999, Gencor/Comissão, T-102/96, Colect., p. II-753, n.os 170, 180 e 193; e de 6 de Junho de 2002, Airtours/Comissão, T-342/99, Colect., p. II-2585, n.° 58).

131.
    Tendo a Comissão afirmado que a operação suscitava sérias dúvidas, teve necessariamente de considerar que tinha por efeito entravar significativamente a concorrência e, uma vez que está apurado que a KirchPayTV está em posição de monopólio no mercado da televisão por assinatura na Alemanha, essa restrição de concorrência só pode ser respeitante à potencial concorrência. Conclui-se que, apesar da afirmação de ausência de potencial concorrência feita no considerando 54 da decisão impugnada, uma vez que a Comissão suscitou sérias dúvidas e impôs compromissos, há que referir que a decisão assenta, não obstante, na premissa de que existia uma potencial concorrência, ainda que apenas a longo prazo, e que a concentração teve por efeito entravá-la.

132.
    Resulta das considerações precedentes que o primeiro fundamento, baseado na apreciação errada dos factos, na medida em que a BSkyB devia ser considerada uma potencial concorrente, não é procedente.

Quanto ao segundo fundamento, baseado na violação do artigo 6.°, n.° 2, do Regulamento n.° 4064/89

Argumentos das partes

133.
    A recorrente recorda que no caso em apreço a operação de concentração foi declarada compatível com o mercado comum nos termos do artigo 6.°, n.° 1, alínea b), do regulamento relativo às concentrações, durante a fase I do controlo das concentrações depois de as empresas em causa terem assumido compromissos.

134.
    Salienta que o facto de declarar uma operação de concentração compatível com o mercado comum com base em compromissos das empresas em causa durante a fase I do controlo das concentrações, que constituía uma prática corrente da Comissão vivamente criticada na doutrina, só recentemente tem base legal formal no novo artigo 6.°, n.° 2, do regulamento relativo às concentrações, inserido pelo Regulamento n.° 1310/97.

135.
    Observa que o Regulamento n.° 1310/97 envolveu o recurso a essa faculdade de condições restritivas, só sendo possível, como resulta do considerando 8 dos fundamentos do regulamento em causa «quando o problema em termos de concorrência seja rapidamente identificável e possa ser facilmente sanado [...]».

136.
    Considera que esta restrição do recurso à faculdade em questão corresponde à sistemática do artigo 6.°, n.° 1, do regulamento relativo às concentrações, que dispõe que se a Comissão verificar que a operação de concentração suscita sérias dúvidas quanto à sua compatibilidade com o mercado comum, decidirá dar início à fase II do controlo das concentrações. Segundo a recorrente, é precisamente nos casos em que os problemas de concorrência suscitados pela operação de concentração não preenchem os critérios definidos pelo considerando 8 do Regulamento n.° 1310/97 que a Comissão deve dar início à fase II do controlo.

137.
    A recorrente reconhece que a Comissão dispõe, quanto à questão de saber se um problema de concorrência é «rapidamente identificável e pode ser facilmente sanado», de um vasto poder de apreciação, sujeito a uma fiscalização unicamente marginal por parte do Tribunal de Primeira Instância (v., neste sentido, acórdão do Tribunal de Justiça de 17 de Novembro de 1987, BAT e Reynolds/Comissão, 142/84 e 156/84, Colect., p. 4487, n.° 62).

138.
    Refere que a legitimidade desta interpretação não foi colocada em causa nem pela Comissão nem pela BSkyB, mas apenas pela KirchPayTV, cujos argumentos todavia contesta.

139.
    A este respeito, em resposta ao argumento KirchPayTV, baseado no facto de a tese da recorrente não ter em consideração o princípio da proporcionalidade e o princípio da celeridade, a recorrente replica, por um lado, que esses princípios são respeitados pelo novo artigo 6.°, n.° 2, do regulamento relativo às concentrações. Ora, o considerando 8 do Regulamento n.° 1310/97 constituía precisamente um limite ao princípio da celeridade. Por outro lado, a KirchPayTV cometia um erro ao basear o seu raciocínio na premissa de que sempre que os compromissos propostos durante a fase I do controlo forem suficientes, o início da fase II desse controlo era desproporcionado. Com efeito, segundo a recorrente, é apenas quando o problema de concorrência pode ser rapidamente identificado e facilmente sanado que a Comissão está em condições de apreciar, desde a fase I do controlo, se os compromissos são susceptíveis de dissipar as suas sérias dúvidas quanto à compatibilidade da operação de concentração com o mercado comum. Em contrapartida, se a Comissão tinha a possibilidade de concluir, desde o final da fase I do controlo, que as suas dúvidas estão dissipadas, mesmo que as condições precisadas pelo considerando 8 do Regulamento n.° 1310/97 não sejam respeitadas, a Comissão seria então levada a aceitar de modo precipitado importantes compromissos que se pressupõe resolverem problemas de concorrência muito complexos, unicamente para evitar às empresas em causa o início da fase II do controlo.

140.
    Em resposta ao argumento da KirchPayTV baseado no facto de o prazo fixado à Comissão para examinar os compromissos propostos ser quase tão pequeno no decurso da fase II do controlo, ou seja, quatro semanas, como o respeitante ao decurso da fase I desse controlo, ou seja, três semanas, a recorrente critica, por um lado, que esta argumentação não precise qual o alcance jurídico que deve ser reconhecido ao considerando 8 do Regulamento n.° 1310/97, nem por que razão este considerando é desprovido de âmbito jurídico. Por outro lado, a KirchPayTV não tem em conta o facto de o prazo de apreciação de quatro semanas da fase II do controlo ser precedido de um prazo de três meses que começa a correr a partir do início da fase II do controlo, sendo este último precedido do prazo da fase I do controlo. Ora, durante os três primeiros meses da fase II do controlo, a Comissão tem a possibilidade de analisar aprofundadamente os problemas de concorrência suscitados. Em contrapartida, se pretender declarar a operação de concentração compatível com o mercado comum com base em compromissos assumidos pelas empresas em questão desde o fim da fase I do controlo só dispõe, no total, de um prazo de seis semanas a partir da notificação da operação para adoptar uma decisão definitiva.

141.
    Em resposta ao argumento da KirchPayTV, assente no facto de que resulta do «Livro Verde» da Comissão relativo à revisão do regulamento relativo às concentrações [COM(96) 19 final de 31 de Janeiro de 1996], que a Comissão considerou que, para o controlo dos compromissos apresentados durante a fase I do controlo, era suficiente um prazo de duas semanas, a recorrente alega que esta passagem (n.° 126) deve ser interpretada com e à luz da afirmação feita pela Comissão (n.° 123) de que a aceitação de compromissos durante a fase I do controlo só é concebível «[...] para as operações onde o problema da concorrência está bem definido e limitado em relação à totalidade do projecto, em que esse problema pode ser facilmente sanado e em que o respeito dos compromissos não seja difícil de controlar».

142.
    A recorrente considera que, no caso em apreço, as exigências expressas no considerando 8 do Regulamento n.° 1310/97 não foram respeitadas. Considera, no caso vertente, que os problemas de concorrência suscitados pela operação de concentração não eram rapidamente identificáveis e não podiam ser facilmente sanados.

143.
    Para justificar esta tese, refere-se, em primeiro lugar, à circunstância de que, num passado recente, três outras operações de concentração relativas a empresas do grupo Kirch e relativas aos mercados alemães de televisão por assinatura e dos serviços técnicos administrativos a eles ligados foram declaradas incompatíveis com o mercado comum: Decisão 94/922/CE da Comissão, de 9 de Novembro de 1994 (processo IV/M. 469 - MSG Media Service) (JO L 364, p. 1, a seguir «decisão MSG Media Service»); Decisão 1999/153/CE da Comissão, de 27 de Maio de 1998 (processo IV/M.993 - Bertelsmann/Kirch/Premiere) (JO 1999, L 53, p. 1, a seguir «decisão Bertelsmann/Kirch/Premiere»), e Decisão 1999/154/CE da Comissão, de 27 de Maio de 1998 (processo IV/M.1027 - Deutsche Telekom/BetaResearch) (JO 1999, L 53, p. 31, a seguir «decisão Deutsche Telekom/BetaResearch»).

144.
    Considera que esta circunstância, só por si, prova que os problemas de concorrência que surgiram nesses mesmos mercados, por ocasião do presente processo e tendo, por outro lado, em sua opinião, semelhanças com os três precedentes, não são nem limitados nem fáceis de resolver.

145.
    Precisa que não sustenta que haja uma identidade entre os factos que estiveram na base das três decisões de proibição e os que deram origem à decisão de autorização impugnada no presente processo. Em sua opinião, há todavia, uma identidade entre os efeitos na concorrência que seriam ocasionados, em caso de autorização, pelas operações de concentração proibidas pelas referidas três decisões e os causados pela operação de concentração autorizada pela decisão impugnada.

146.
    Nota que as três referidas decisões e a decisão impugnada no caso em apreço suscitaram o problema idêntico do reforço da posição dominante do grupo Kirch nos mercados da televisão por assinatura e da aquisição dos direitos de televisão, bem no mercado, analisado pela primeira vez na decisão impugnada, dos serviços de televisão interactiva digital.

147.
    Salienta que esse reforço da posição dominante do grupo Kirch acentuou-se mesmo depois da adopção das três referidas decisões pela aquisição pela KirchPayTV, do canal de televisão por assinatura Premiere do grupo Bertelsmann e do Canal+ SA, e pela transferência dos activos do canal de televisão digital por assinatura DF1 para a Premiere.

148.
    A dificuldade comum nos quatro processos era a de apreciar correctamente a relevância dos serviços técnicos e administrativos a favor da televisão digital e, nesse contexto, o controlo exercido pelo grupo Kirch sobre a técnica de descodificação através do descodificador d-box.

149.
    A recorrente observa, a este respeito, que, nas decisões Bertelsmann/Kirch/Premiere (considerando 139) e Deutsche Telekom/BetaResearch (considerandos 64 e 78), as operações de concentração foram nomeadamente declaradas incompatíveis com o mercado comum porque os compromissos propostos pelas empresas em causa não permitiram pôr em causa o controlo, pelo grupo Kirch, da técnica de descodificação. Em contrapartida, na decisão impugnada no caso em apreço, a Comissão adoptou uma posição radicalmente diferente, ao aceitar compromissos que, no entanto, não permitiriam pôr em causa esse controlo.

150.
    A recorrente considera que esta alteração radical de posição obriga a optar por uma das seguintes duas conclusões, ou a Comissão tinha, no caso em apreço, dificuldades para apreciar correctamente os problemas de concorrência suscitados pela operação de concentração, o que significaria que estes não são rapidamente identificáveis, ou identificou correctamente os problemas de concorrência suscitados. Nesta última hipótese, a circunstância de os compromissos propostos nos processos que deram origem às decisões Bertelsmann/Kirch/Premiere e Deutsche Telekom/BetaResearch terem sido recusados enquanto os propostos no presente processo, sendo similares, foram aceites, obrigava a concluir que embora os problemas da concorrência suscitados nestes processos fossem identificáveis não podiam ser facilmente sanados.

151.
    Nas duas hipóteses, as condições que autorizam a Comissão a aceitar compromissos durante a fase I do controlo das concentrações não teriam sido respeitadas.

152.
    A recorrente contesta o argumento apresentado tanto pela KirchPayTV como pela BSkyB, assente no facto de as três decisões que precederam a do caso em apreço comprovarem a experiência adquirida pela Comissão na análise e na resolução dos problemas de concorrência que podem ser suscitados por operações de concentração nos mercados em causa e serem, portanto, contrariamente à argumentação da recorrente, um indício de que os problemas de concorrência podiam, no caso em apreço, ser facilmente identificáveis e sanados. A este respeito, a recorrente interroga-se sobre como é que as partes intervenientes podem explicar o facto de a Comissão ter considerado, em 1998, que o problema do reforço da posição dominante do grupo Kirch no mercado da televisão por assinatura na Alemanha só podia ser resolvido através da renúncia desse grupo ao controlo exercido sobre o sistema de descodificação d-box, quando, menos de dois anos mais tarde, em presença de condições de mercado idênticas, considera, sem outra fundamentação, que esse problema pode igualmente ser resolvido não havendo tais compromissos.

153.
    A recorrente refere-se, em segundo lugar, ao facto de a Comissão ser chamada, no caso em apreço, a resolver a questão de saber se e, se for caso disso, como, tendo em conta a existência de uma actual situação monopolística e a ameaça de uma situação monopolística futura, seria possível manter a abertura dos mercados para potenciais concorrentes futuros e evitar que outros operadores nesses mercados, obrigados a recorrer aos serviços monopolizados para o desenvolvimento das suas próprias actividades, ficassem vinculados pelo comportamento dos detentores do monopólio. Conclui que os problemas de concorrência suscitados pela operação de concentração eram extremamente complexos e, portanto, não podiam ser rapidamente identificáveis e facilmente sanados.

154.
    A recorrente alega, em terceiro lugar, que a complexidade dos problemas de concorrência suscitados resulta das conclusões da própria decisão impugnada. Salienta, a este respeito, que a Comissão aí exprime, por duas vezes, nos considerandos 51 e 80, que a operação de concentração levanta sérias dúvidas quanto à sua compatibilidade com o mercado comum, pois podia, por um lado, reforçar a posição dominante do grupo Kirch no mercado de televisão por assinatura na Alemanha (considerando 51) e, por outro, criar uma posição dominante, mesmo um monopólio, no futuro um mercado dos serviços de televisão interactiva digital (considerando 80).

155.
    A recorrente refere-se, em quarto lugar, ao número, à complexidade e ao carácter muito controverso dos compromissos propostos pelas empresas em causa, bem como às alterações que se sucederam durante o processo.

156.
    Contestado, a este respeito, o argumento da BSkyB segundo o qual quanto maior for o número de compromissos das empresas em causa, mais fácil será a resolução dos problemas de concorrência, considera, pelo contrário, que quanto mais as empresas em causa devam propor compromissos para resolver os problemas de concorrência, mais difícil e complexa será a sua resolução.

157.
    Por último, a recorrente refuta o argumento da BSkyB segundo o qual a circunstância de ter, nas suas observações durante o processo, sugerido compromissos susceptíveis de dissipar as dúvidas sérias quanto à compatibilidade da operação de concentração com o mercado comum, é um indício de que os problemas de concorrência suscitados podiam ser facilmente sanados. Com efeito, por um lado, apresentou as suas propostas apenas a título subsidiário e porque para isso foi expressamente convidada pela Comissão, ao passo que, pelo contrário, nas suas observações, expôs sobretudo de modo muito pormenorizado por que razões considerava que a operação de concentração devia necessariamente ser declarada incompatível com o mercado comum. Por outro lado, o argumento da BSkyB assenta na premissa de que qualquer operação de concentração cujos problemas de concorrência podem ser sanados por compromissos implica necessariamente que esses problemas são facilmente sanáveis. Esta premissa é manifestamente errada. Com efeito, se se justificasse, os compromissos assumidos durante a fase I do controlo, se fossem aceites, deveriam necessariamente sê-lo durante essa mesma fase, opondo-se então o respeito do princípio da proporcionalidade ao início de uma fase II de controlo.

158.
    A Comissão considera que o fundamento é inadmissível na medida em que a recorrente não expõe de modo suficientemente claro os argumentos jurídicos. O fundamento não estava de modo algum fundamentado, antes assentando numa vaga referência à prática relativa ao controlo das operações de concentração.

159.
    A Comissão e as intervenientes sustentam que o fundamento é inadmissível e, de qualquer modo, improcedente.

Apreciação do Tribunal

160.
    Quanto ao argumento da Comissão segundo o qual o fundamento é inadmissível na medida em que a recorrente não expõe de maneira suficientemente clara a sua fundamentação, tendo em conta o facto de se limitar a fazer vagamente referência à prática relativa ao controlo das operações de concentração, sem nenhuma fundamentação, há que referir que, mesmo que seja verdade que a petição não seja muito explícita, permite, apesar disso, verificar que a recorrente suscita o fundamento relativo à violação do artigo 6.°, n.° 2, do Regulamento n.° 4064/89. Por outro lado, a circunstância de a recorrente não ter fundamentado suficientemente a sua argumentação releva do mérito e não da admissibilidade.

161.
    A recorrente sustenta, essencialmente, que a Comissão não podia aprovar a concentração no âmbito da fase I do processo de apreciação, tendo em consideração os compromissos, na medida em que os problemas de concorrência não eram rapidamente identificáveis e não podiam ser facilmente sanados.

162.
    A este respeito, há que recordar a título liminar que, na versão inicial, o Regulamento n.° 4064/89 não continha uma disposição expressa relativa à aceitação pela Comissão de compromissos na fase I, apenas prevendo, o artigo 8.°, n.° 2, a possibilidade de a Comissão declarar uma concentração compatível quando os compromissos propostos pelas partes permitissem afastar sérias dúvidas no âmbito da fase II. O artigo 6.°, n.° 2, relativo às decisões da fase I, não continha uma disposição equivalente, o que parecia implicar que, quando a Comissão considerasse que uma concentração suscitava dúvidas sérias, não tinha outra escolha senão dar início à fase II. Apesar disso, tendo em conta, nomeadamente, os princípios da proporcionalidade e da celeridade que caracterizam o processo de controlo das concentrações, a Comissão, na prática, aprovou várias operações de concentração na fase I, quando os compromissos propostos pelas partes permitiam resolver os problemas de concorrência.

163.
    O Regulamento n.° 1310/97 alterou o regulamento relativo às concentrações, com o objectivo, nomeadamente, de introduzir uma disposição que prevê expressamente a possibilidade de a Comissão aprovar uma concentração na fase I tendo em conta os compromissos propostos pelas partes. O considerando 8 do Regulamento n.° 1310/97 tem a seguinte redacção: «[c]onsiderando que, na fase II do processo, a Comissão pode declarar uma concentração compatível com o mercado comum na sequência de compromissos assumidos pelas partes que sejam proporcionais à restrição de concorrência e o eliminem completamente; que há igualmente que aceitar compromissos na fase I do processo, quando o problema em termos de concorrência seja rapidamente identificável e possa ser facilmente sanado». Nos termos do artigo 6.°, n.° 2, do regulamento relativo às concentrações, alterado pelo Regulamento n.° 1310/97, relativo à apreciação efectuada pela Comissão na fase I, «[s]e a Comissão verificar que, na sequência das alterações introduzidas pelas empresas em causa, uma operação de concentração notificada deixou de suscitar sérias dúvidas na acepção do n.° 1, alínea c), pode decidir declarar a referida operação compatível com o mercado comum em conformidade com o n.° 1, alínea b)».

164.
    Conclui-se que o presente fundamento suscita duas questões. A primeira questão é a de saber se o artigo 6.°, n.° 2, permite, como sustenta a recorrente, só aceitar compromissos na fase I quando o problema de concorrência for rapidamente identificável e possa ser facilmente sanado, em conformidade com o considerando 8 do Regulamento n.° 1310/97 ou, como sustenta a Comissão, se podem ser aceites compromissos a partir da fase I, mesmo que o problema não seja rapidamente identificável ou não possa ser facilmente sanado, desde que permitam concluir que a concentração já não suscita sérias dúvidas, do mesmo modo que no âmbito da fase II. A segunda questão, que é respeitante, em contrapartida, à qualificação jurídica dos factos, é a de saber se o problema de concorrência colocado pelo projecto de concentração em causa pode ser considerado rapidamente identificável e susceptível de ser facilmente sanado.

165.
    O Tribunal considera que há que começar pela apreciação da segunda questão.

166.
    Na petição, a recorrente limita-se a alegar, em apoio deste fundamento, que a Comissão suscitou sérias dúvidas e que, no passado, proibiu três operações de concentração nos mercados em causa.

167.
    Este argumento baseado no facto de a Comissão ter referido que a concentração suscitava sérias dúvidas quanto à sua compatibilidade com o mercado comum é manifestamente desprovido de fundamento. Com efeito, foi apenas quando a Comissão considerou que a concentração que examinou suscitava sérias dúvidas que as partes foram convidadas a apresentar compromissos para dissipar as referidas dúvidas. Por hipótese, os compromissos têm sempre por objectivo dissipar sérias dúvidas e tornar o projecto de concentração compatível com o mercado comum. Conclui-se que o facto da Comissão ter suscitado sérias dúvidas não pode de modo algum demonstrar que os problemas de concorrência colocados no caso em apreço não eram rapidamente identificáveis ou não podiam ser facilmente sanados.

168.
    Quanto à alegação da recorrente segundo a qual os problemas de concorrência colocados pelo projecto de concentração em causa não eram rapidamente identificáveis, há que observar que, em resposta ao pedido de informações da Comissão de 11 de Janeiro de 2000, a recorrente expressou a sua opinião segundo a qual, nomeadamente, a concentração conduziria a um reforço da posição dominante da KirchPayTV nos mercados da televisão por assinatura, da aquisição de direitos sobre programas e da prestação de serviços técnicos ligados à televisão por assinatura e, face à grande proximidade existente entre os serviços técnicos ligados à prestação de serviços de televisão por assinatura e os ligados à prestação de serviços de televisão interactiva digital (caixa set-top, revista de programas de televisão electrónica, serviço de acesso condicional), a posição dominante do grupo Kirch na Alemanha constituía um obstáculo importante ao acesso ao mercado de todos os potenciais concorrentes no mercado dos serviços de televisão interactiva digital. Verifica-se assim que, apenas num prazo de apenas três dias, a recorrente estava em condições de identificar os principais potenciais problemas de concorrência que a Comissão também precisamente identificou na decisão impugnada. Nestas condições, a recorrente não pode pretender que o projecto de concentração colocava problemas de concorrência que não eram rapidamente identificáveis.

169.
    Quanto à circunstância de a Comissão ter já adoptado no passado três decisões de proibição de operações de concentração nos mercados em causa, em primeiro lugar, há que sublinhar que qualquer operação de concentração deve ser examinada em função do seu próprio impacto no mercado. Assim, a mesma operação de concentração notificada de novo depois de uma proibição podia, se for caso disso, ser autorizada se as condições do mercado tivessem evoluído de tal modo que já não era incompatível com o mercado comum. Assim, a comparação entre diferentes casos de concentração só pode, eventualmente, ser pertinente no caso de se demonstrar que coloca os mesmos problemas de concorrência e é respeitante a mercados em que as condições não evoluíram e têm as mesmas características.

170.
    Conclui-se que a simples alegação, não especificada de outra forma de que a Comissão já proibiu outras concentrações em mercados de televisão na Alemanha não é susceptível de demonstrar que a Comissão não podia aceitar compromissos na fase I, no âmbito da concentração em causa. Por esta simples razão, a crítica da recorrente não é procedente.

171.
    Além disso, há que salientar que as decisões invocadas pela recorrente não são pertinentes na medida em que são respeitantes a partes diferentes e em que os mercados em causa e os problemas de concorrência colocados não são comparáveis.

172.
    A decisão Bertelsmann/Kirch/Premiere era respeitante, na verdade, como no caso em apreço, ao mercado da televisão por assinatura na Alemanha, mas era referente a uma concentração entre as duas únicas empresas que operam no mercado alemão, a Bertelsmann e a Kirch, ao passo que a presente decisão é respeitante à participação da empresa activa no mercado britânico da televisão por assinatura, a BSkyB, numa empresa que opera no mercado alemão. Uma vez que está apurado que os mercados da televisão por assinatura devem ser delimitados do ponto de vista nacional, ou pelo menos linguístico, a concentração em causa não implica nenhuma sobreposição de partes de mercado, mas unicamente o reforço da posição dominante da KirchPayTV após a injecção de meios financeiros da BSkyB. Conclui-se que os problemas de concorrência colocados nestes dois processos não podem ser comparados.

173.
    A decisão Deutsche Telekom/BetaResearch não era respeitante aos mercados examinados no caso em apreço. A operação, que era concomitante à referida na decisão Bertelsmann/Kirch/Premiere, dava à Deutsche Telekom o acesso à tecnologia de descodificação da Kirch para alimentar as suas redes de cabo, fazendo desta a única disponível no mercado alemão, tanto para satélite como para cabo, de modo que a Deutsche Telekom, operadora dominante do cabo, ficaria em condições de bloquear o surgimento no cabo de qualquer concorrente ao leque digital difundido por satélite pela Premiere.

174.
    A decisão MSG Media Service era respeitante à criação de uma posição dominante no mercado dos serviços técnicos para a televisão por assinatura na Alemanha, que também originou o aparecimento de uma posição dominante no mercado da televisão por assinatura. Portanto, também não é comparável à decisão impugnada no caso em apreço, relativa a um melhor acesso aos recursos financeiros.

175.
    A alegação da recorrente, na réplica, segundo a qual os factos nos três processos eram na verdade diferentes dos do caso em apreço, mas que os efeitos dessas concentrações na concorrência seriam idênticos aos aqui em causa se tivessem sido autorizados, apenas confirma que os problemas colocados nos processos em questão não são comparáveis. Assim, as concentrações nesses três processos tinham por efeito criar monopólios ao agrupar diferentes actividades concorrenciais ou complementares das partes, ao passo que, no caso em apreço, o problema resulta do reforço da posição da KirchPayTV após as injecções financeiras da BSkyB.

176.
    De qualquer forma, não se verifica, e a requerente aliás não o sustenta, que a Comissão tenha adoptado essas três decisões de proibição porque os problemas de concorrência não eram rapidamente identificáveis ou não podiam ser facilmente sanados pelos compromissos na fase I. Com efeito, essas decisões foram adoptadas após a fase II, não porque os problemas não eram rapidamente identificáveis ou não podiam ser facilmente sanados mas porque os compromissos propostos pelas partes não eram suficientes para dissipar as sérias dúvidas e tornar a concentração compatível com o mercado comum. Ora, como a própria recorrente sublinhou, o presente fundamento não deve ser confundido com a questão, debatida no quadro do terceiro fundamento, de saber se os compromissos propostos e inseridos na decisão impugnada são suficientes.

177.
    Longe de demonstrar que os problemas de concorrência colocados no caso em apreço não eram rapidamente identificáveis e não podiam ser facilmente sanados, as três decisões invocadas pela recorrente testemunham, pelo contrário, que a Comissão tinha um conhecimento aprofundado do sector. Na verdade, como acaba de ser recordado, as repercussões desses três projectos de concentração nas condições de concorrência eram diferentes das colocadas no caso em apreço, mas essas três decisões anteriores já haviam dado à Comissão a oportunidade de examinar os problemas de concorrência nos mercados alemães da televisão por assinatura, dos serviços técnicos e dos direitos de retransmissão dos filmes e dos eventos desportivos.

178.
    Vista a rica experiência retirada pela Comissão desses processos anteriores, bem como de uma outra série de decisões da Comissão, não citadas pela recorrente, entre as quais, em especial, o processo British Interactive Broadcasting/Open (processo IV/36.539), relativo à criação de uma empresa conjunta que fornece no Reino Unido serviços de televisão interactiva com a participação simultânea do operador de televisão por assinatura BSkyB com o seu domínio dos direitos de difusão e dos serviços técnicos ligados ao descodificador e do operador dominante no sector das comunicações, a British Telecom, o argumento baseado na tecnicidade da matéria não está fundamentado. Importa, além disso, observar que a alta tecnicidade do assunto e o facto de os compromissos serem extensos e complexos não excluem, só por si, que as sérias dúvidas da Comissão quanto à compatibilidade da operação de concentração com o mercado comum possam ser facilmente dissipadas. Além disso, embora um domínio técnico possa realmente parecer complexo à primeira vista para um leigo na matéria, o mesmo não se passa necessariamente com os profissionais do sector, entre os quais se destacam evidentemente as partes em causa e os terceiros interessados que estão perfeitamente em condições, se necessário fosse, de informar a Comissão. De resto, o regulamento não faz qualquer distinção entre as operações de concentração segundo o domínio a que se referem.

179.
    Do mesmo modo, não pode ser retirado nenhum argumento do grande número de compromissos apresentados pelas partes, podendo esse número também indicar que os compromissos permitiram solucionar todos os aspectos dos problemas de concorrência colocados pelo projecto de concentração.

180.
    Por último, o argumento da recorrente baseado na posição dominante detida pela KirchPayTV ou, de um modo mais geral, pelo grupo Kirch não está fundamentado. Com efeito, o grau de domínio não constitui, só por si, a prova de que o problema não pode ser facilmente sanado.

181.
    Resulta das considerações precedentes que, sem que seja necessário responder à questão de saber se os compromissos só podem ser aceites no decurso da fase I se os problemas de concorrência forem rapidamente identificáveis e poderem ser facilmente sanados ou se basta que permitam dissipar as dúvidas sérias colocadas pela concentração, o segundo fundamento deve ser julgado improcedente, uma vez que não está provado que a Comissão tenha cometido um erro manifesto ao considerar que o problema não era rapidamente identificável e facilmente sanável.

Quanto ao terceiro fundamento, baseado na insuficiência dos compromissos

182.
    A recorrente sustenta que os compromissos aceites pela Comissão são insuficientes para dissipar as sérias dúvidas quanto à compatibilidade da operação de concentração com o mercado comum. Em apoio deste fundamento, faz críticas comuns a todos os compromissos, críticas específicas aos diferentes compromissos e críticas baseadas na inexistência de certos compromissos alegadamente indispensáveis.

Observações comuns a todos os compromissos

- Argumentos das partes

183.
    A recorrente expõe, em primeiro lugar, que o controlo das concentrações deve representar uma mais-valia em relação ao controlo geral dos abusos de posição dominante previsto pelo artigo 82.° CE, isto é, não apenas evitar o abuso de uma posição dominante mas também impedir o surgimento ou o reforço dessa mesma posição dominante [v., neste sentido, considerando 137 da Decisão 2001/98/CE da Comissão, de 13 de Outubro de 1999, que declara uma operação de concentração incompatível com o mercado comum e com o funcionamento do acordo sobre o Espaço Económico Europeu (processo IV/M.1439 - Telia/Telenor) (JO 2001, L 40, p. 1)].

184.
    Daqui conclui que um compromisso que só tem por objectivo prometer não abusar de uma posição dominante não permite que o controlo das concentrações represente uma mais-valia relativamente ao controlo previsto pelo artigo 82.° CE. Com efeito, esse compromisso apenas tem por objectivo evitar comportamentos que, de qualquer modo, são proibidos pelo artigo 82.° CE, isto é, a exploração abusiva de uma posição dominante, mas não é susceptível de impedir o surgimento ou o reforço dessa posição dominante, o que é, no entanto, o objectivo do controlo das concentrações.

185.
    Para que este objectivo seja atingido, é necessário que os compromissos propostos pelas partes sejam o reflexo exacto dos problemas de concorrência suscitados pela operação de concentração.

186.
    Considera que os compromissos propostos apenas constituem promessas de não abusar das posições dominantes verificadas pela Comissão, mas não são susceptíveis de impedir o surgimento ou o reforço dessas posições dominantes. Daí deduz que não eram susceptíveis de dissipar as sérias dúvidas da Comissão quanto à compatibilidade da operação de concentração com o mercado comum. Portanto, a Comissão não os deveria ter aceite, mas sim dar início à fase II do controlo.

187.
    A recorrente contesta o argumento da KirchPayTV baseado no facto de os compromissos vincularem as empresas do grupo Kirch, no caso concreto a BetaDigital, a Gesellschaft für digitale Fernsehdienste GmbH (a seguir «BetaDigital») e a BetaResearch, Gesellschaft für die Entwicklung und Vermarktung digitaler Infrastrukturen GmbH (a seguir «BetaResearch»), que não têm por si só uma posição dominante nos mercados em que são activas, de modo que o objectivo dos compromissos ultrapassa a promessa de não abusar de uma posição dominante.

188.
    A este respeito, a recorrente reconhece, no que diz respeito à BetaDigital, que a posição desta, que explora a plataforma técnica de difusão por satélite do grupo Kirch, diminuiu pela importância, na Alemanha, da difusão por cabo, comparada à por satélite. Todavia, considera que há que ter em conta o facto de a plataforma técnica de difusão por cabo ser realmente explorada por uma empresa que não faz parte do grupo Kirch, a MSG MediaServices GmbH, uma filial da Deutsche Telekom, mas que utiliza a técnica de descodificação da BetaResearch, que faz parte do grupo Kirch. Com a preocupação da abertura dos mercados de televisão por assinatura na Alemanha e dos serviços de televisão interactiva digital, ou seja, de serviços cuja difusão só poderia razoavelmente ser feita através dos dois modos de transmissão, por cabo e por satélite, simultaneamente, seria indispensável velar no sentido de essa técnica de descodificação não ser utilizada de modo exclusivo pela MSG MediaServices GmbH.

189.
    Em segundo lugar, a recorrente alega que os compromissos estão em contradição com a comunicação da Comissão sobre as soluções. Aí, a Comissão interpretando o acórdão Gencor/Comissão, já referido, declara que qualquer compromisso deve poder ser efectivamente aplicado e em prazos curtos e que os compromissos não devem necessitar de controlo ulterior uma vez que foram implementados (n.° 10). Ora, no caso em apreço e contrariamente a este princípio, os compromissos necessitariam de um controlo a médio e longo prazo.

190.
    Em terceiro lugar, a recorrente observa que os compromissos apenas vinculam o grupo Kirch. Ora, a BSkyB, através do cumprimento de determinadas condições, teria a faculdade de assumir o controlo único da KirchPayTV e, portanto, de ocupar uma posição dominante sem estar vinculada, em contrapartida, pelos compromissos objecto da decisão impugnada.

191.
    A Comissão e as intervenientes sustentam que estas críticas não são procedentes.

- Apreciação do Tribunal

192.
    Há que recordar, em primeiro lugar, que, nos termos do artigo 6.°, n.° 2, do Regulamento n.° 4064/89, se a Comissão verificar que, depois dos compromissos propostos pelas partes, uma operação de concentração já não suscita sérias dúvidas, pode declarar a referida operação compatível com o mercado comum nos termos do artigo 6.°, n.° 1, alínea b). Visando o regulamento impedir a criação ou o reforço de estruturas de mercado susceptíveis de entravar de modo significativo a concorrência efectiva no mercado comum, os compromissos propostos devem ser susceptíveis de dissipar as dúvidas sérias que, segundo a Comissão, a operação de concentração em causa coloca a esse respeito.

193.
    Como resulta da jurisprudência, a Comissão só tem competência para aceitar compromissos susceptíveis de impedir o surgimento ou reforço da posição dominante que identificou no âmbito da sua análise da operação de concentração. Para verificar se esse critério é respeitado, há que examinar os compromissos caso a caso, sem colocar a questão de saber se o compromisso pode ser qualificado de compromisso de comportamento ou de compromisso estrutural. Embora os compromissos de carácter estrutural sejam, em princípio, preferíveis aos compromissos de comportamento, na medida em que impedem definitivamente, ou pelo menos duravelmente, a criação ou o reforço da posição dominante e não necessitam de medidas de vigilância a médio ou a longo prazo, no entanto, não se pode excluir, a priori, que compromissos à primeira vista de natureza comportamental, como o acesso a uma infra-estrutura essencial em condições não discriminatórias, sejam igualmente de natureza a impedir a criação ou o reforço de uma posição dominante (acórdão Gencor/Comissão, já referido, n.° 319).

194.
    Por outro lado, dadas as apreciações económicas complexas que a Comissão é levada a efectuar no exercício do poder de apreciação de que dispõe para avaliar os compromissos propostos pelas partes na concentração, compete à recorrente, para obter a anulação de uma decisão que aprova uma concentração, pelo facto de os compromissos serem insuficientes para dissipar as sérias dúvidas, demonstrar a existência de um manifesto erro de apreciação cometido pela Comissão (acórdão do Tribunal de Primeira Instância de 3 de Abril de 2003, Royal Philips Electronics/Comissão, T-119/02, Colect., p. II-14331\PAL\MYDOCU~1\WP51\_T2000\T00_0158\ARRET.SEC~, n.° 78).

195.
    É à luz destes princípios que há que examinar o fundamento baseado na insuficiência dos compromissos.

196.
    No caso em apreço, a afirmação da Comissão segundo a qual com a operação de concentração em causa corre-se o risco de reforçar a posição dominante do grupo Kirch no mercado alemão da televisão por assinatura e de criar uma posição dominante desse grupo no futuro mercado dos serviços de televisão interactiva digital assenta na existência de um entrave ao acesso de terceiros ao referido mercado. A recorrente não contesta as sérias dúvidas descritas na decisão impugnada e não alega que a concentração suscita outras sérias dúvidas, sustentando apenas que os compromissos eram insuficientes para eliminar as referidas dúvidas.

197.
    Para dissipar essas sérias dúvidas, a Comissão exigiu e aceitou um importante conjunto de compromissos. O objectivo desses compromissos era resolver os problemas de concorrência identificados, diminuindo os entraves ao acesso ao mercado no que diz respeito à oferta dos serviços de televisão por assinatura e impedir que a KirchPayTV utilize em seu benefício o seu alegado domínio no mercado dos serviços de televisão por assinatura no âmbito das actividades que exerce no mercado dos serviços de televisão interactiva digital. Essencialmente, a primeira parte desses compromissos é respeitante ao livre acesso ao mercado dos vendedores de programas (compromissos n.os 1 a 5). A segunda parte dos compromissos tem por objectivo reduzir os limiares de acesso ao mercado pelos operadores de plataformas técnicas e fornecer, por esse facto, possibilidades suplementares de difusão de programas através de plataformas concorrentes (compromissos n.os 6 a 10). Assim, verifica-se, à primeira vista, que o conjunto de compromissos teve por efeito uma redução consequente dos limiares de acesso ao mercado e dissipar, deste modo, as sérias dúvidas colocadas pelo reforço da posição dominante da KirchPayTV resultante da operação de concentração.

198.
    No âmbito da primeira parte, a recorrente faz três críticas gerais relativas a todos os compromissos.

199.
    Em primeiro lugar, quanto à censura relativa ao facto de os compromissos serem apenas simples promessas de não abusar das posições dominantes verificadas pela Comissão, há que observar, antes de mais, que embora os compromissos possuam sobretudo a natureza de um compromisso de comportamento, apesar disso, têm carácter estrutural na medida em que pretendem resolver um problema estrutural que é o do acesso ao mercado por terceiros. Assim, a Comissão podia razoavelmente concluir que a celebração de acordos Simulcrypt, a abertura a terceiros da interface de programação do descodificador d-box, a realização do padrão DVB-MHP e a concessão de licenças no respeitante à tecnologia do descodificador d-box, bem como ao seu fabrico permitem e reforçam a concorrência de forma consequente, nos diferentes níveis da infra-estrutura digital. Conclui-se que os compromissos não podem ser qualificados de simples compromissos de comportamento inaptos para resolver os problemas de concorrência identificados pela Comissão.

200.
    Na medida em que, como foi acima referido, os compromissos implicam a abertura à concorrência da estrutura de difusão digital nos diferentes níveis, têm um alcance muito mais alargado do que a simples proibição de abusar de uma posição dominante.

201.
    É preciso referir, em seguida, que a questão não é a de determinar se as obrigações resultantes dos compromissos decorrem alegadamente do artigo 82.° CE, mas efectivamente se os referidos compromissos podem resolver os problemas ocasionados pela concentração. Ora, é necessário referir que, na petição, a recorrente só abstractamente põe em causa o carácter apropriado dos compromissos e não examina a sua proporcionalidade em relação aos problemas de concorrência que a Comissão claramente identificou.

202.
    Por outro lado, a recorrente não demonstra que os compromissos não representam uma mais-valia em relação ao controlo geral dos abusos de posição dominante nos termos do artigo 82.° CE. Com efeito, no âmbito do controlo geral dos abusos de posição dominante nos termos do artigo 82.° CE, a prova de uma posição dominante no mercado em causa e de um abuso dessa posição deve ser feita pela Comissão e pelos terceiros. Em contrapartida, os compromissos impostos como condição de uma decisão de aprovação de uma concentração têm por efeito transferir o ónus da prova do seu cumprimento para as empresas abrangidas pela operação em causa. Nessa medida, os compromissos ultrapassam o controlo geral previsto pelo artigo 82.° CE.

203.
    A este respeito, de resto, deve-se referir que não havendo compromissos seria necessário adoptar um procedimento nacional ou comunitário nos termos do artigo 82.° CE, cujo resultado seria incerto e, de qualquer forma, mais difícil de impor. Os operadores jurídicos seriam assim confrontados com uma maior insegurança jurídica. Pelo contrário, os compromissos impõem obrigações pormenorizadas, a satisfazer em prazos curtos, cujo cumprimento é assegurado por um processo de arbitragem efectivo e vinculativo que inverte o ónus da prova em detrimento do grupo Kirch. Deste modo, os compromissos proporcionam uma maior segurança jurídica do que o artigo 82.° CE.

204.
    Também é necessário referir que a recorrente também não provou que estavam reunidas as condições de aplicação do artigo 82.°

205.
    Assim, embora resulte da decisão que a KirchPayTV detém uma posição dominante no mercado alemão da televisão por assinatura, a recorrente não demonstrou, nem mesmo alegou, em que medida teria abusado dessa posição dominante. Em contrapartida, o conjunto de compromissos vai permitir reduzir consideravelmente, a partir de agora, as barreiras à entrada de terceiros tanto no mercado da televisão por assinatura como nos mercados adjacentes.

206.
    Do mesmo modo, como sublinha justificadamente a KirchPayTV, os compromissos vinculam um determinado número de empresas do grupo Kirch que exercem as suas actividades noutros mercados diferentes dos referidos na decisão impugnada e, relativamente às quais não se provou que detêm uma posição dominante nos mercados em causa nem naqueles em que são activas.

207.
    Assim, os compromissos n.os 1 a 3 dirigem-se à BetaDigital que explora a plataforma técnica de difusão por satélite do grupo Kirch através da qual são difundidos os programas da KirchPayTV e os de outros organismos de radiodifusão. Sendo a difusão por satélite muito mais reduzida na Alemanha do que a difusão por cabo e sendo a plataforma técnica de difusão por cabo explorada por uma empresa estranha ao grupo Kirch, a MSG MediaServices GmbH, filial da Deutsche Telekom, não parece, à primeira vista, que a BetaDigital goze de uma posição dominante no mercado dos serviços técnicos.

208.
    A recorrente também não provou que as características do mercado em causa e a posição que aí detêm as empresas do grupo Kirch são de tal ordem que as condições restritivas exigidas para aplicação da jurisprudência relativa às infra-estruturas essenciais estão reunidas no caso em apreço nem, a fortiori, que permitiriam impor-lhes a esse título obrigações ou sanções susceptíveis de facilitar, na mesma medida que os compromissos, a abertura dos mercados à concorrência.

209.
    Além disso, a sanção aplicada ao não cumprimento de obrigações no âmbito de compromissos é mais eficaz do que para as obrigações legais nos termos do artigo 82.° CE. Efectivamente, resulta do artigo 8.°, n.° 5, do Regulamento n.° 4064/89 que a Comissão pode revogar a decisão que tomou se as empresas envolvidas não respeitarem as obrigações previstas na referida decisão. O artigo 82.° CE não prevê essa sanção.

210.
    Em segundo lugar, quando o argumento segundo o qual os compromissos não são aceitáveis na medida em que impõem um controlo a médio prazo, há que salientar que a comunicação sobre as soluções não tem o significado e o alcance que lhe atribui a recorrente.

211.
    No n.° 10 da comunicação sobre as soluções, a Comissão, salientando que uma vez realizada a operação de concentração as condições de concorrência que se pretendem assegurar no mercado só podem ser verdadeiramente restabelecidas quando os compromissos forem preenchidos, prevê que os compromissos devem ser susceptíveis de uma execução eficaz e a curto prazo e que não devem obrigar a um controlo ulterior uma vez que foram executados. Esta precisão não tem por objectivo proibir qualquer controlo pela Comissão da execução dos compromissos, mas assegurar que os compromissos sejam aptos para resolver os problemas de concorrência colocados pela operação de concentração de modo que, depois da sua execução, não necessitem, além disso, de um controlo permanente por parte da Comissão.

212.
    Ora, no caso em apreço, há que referir que os compromissos prevêem uma série de medidas precisas destinadas a abrir o acesso aos diferentes mercados e um processo de arbitragem em casos de dificuldades de execução.

213.
    Em terceiro lugar, quanto ao argumento relativo ao facto de o acordo notificado prever também o controlo único da KirchPayTV pela BSkyB, basta recordar que a decisão impugnada é apenas respeitante à aquisição em comum da KirchPayTV pela BSkyB e a Kirch. O controlo da KirchPayTV apenas pela BSkyB constituiria um novo projecto de concentração que deveria ser notificado à Comissão e ser objecto de uma nova apreciação.

214.
    Resulta das considerações precedentes que as censuras feitas no âmbito da primeira parte não são procedentes.

Observações específicas a determinados compromissos

- Acesso de terceiros à plataforma Kirch (compromissos n.os 1 a 3)

1. Argumentos das partes

215.
    A recorrente considera que os compromissos de permitir a terceiros interessados aceder à plataforma técnica do grupo Kirch, ou seja, de oferecer serviços técnicos em condições equitativas, apropriadas e não discriminatórias, constituem apenas a simples repetição da obrigação legal a que, em conformidade com a jurisprudência do Tribunal de Justiça, está sujeita qualquer empresa que ocupe uma posição dominante no mercado e que forneça equipamento de que outras têm necessidade a fim de estarem em condições de exercer a sua actividade económica. Recorda, a este respeito, que, quando o fornecedor de uma infra-estrutura indispensável à prestação de outros serviços em mercados subordinados está em posição dominante, e que essa infra-estrutura não pode ser reproduzida pelos outros operadores a um custo economicamente aceitável, tem a obrigação de conceder a estes últimos o acesso à infra-estrutura em causa (acórdãos do Tribunal de Justiça de 6 de Abril de 1995, RTE e ITP/Comissão, C-241/91 P e C-242/91 P, Colect., p. I-743, n.os 48 e segs., e de 26 de Novembro de 1998, Bronner, C-7/97, Colect., p. I-7791, n.os 23 e segs.).

216.
    Esses compromissos teriam, assim, unicamente por efeito tornar mais difícil o abuso, pela KirchPayTV, da sua posição dominante sem todavia colocar em causa o reforço dessa posição dominante provocado pela operação de concentração. Por conseguinte, seriam insuficientes.

217.
    A recorrente acrescenta que os compromissos implicam, a médio e longo prazo, um controlo ulterior da Comissão, que é contrário ao acórdão Gencor/Comissão, já referido, e à comunicação sobre as soluções.

218.
    Contesta a alegação da KirchPayTV de que o mercado dos serviços técnicos não era afectado pela operação de concentração. Com efeito, esta alegação está em contradição com o facto, reconhecido pela KirchPayTV, de que os compromissos, ao permitirem aos potenciais concorrentes aceder aos serviços técnicos oferecidos pelo grupo Kirch, têm por objectivo resolver os problemas de concorrência suscitados pela operação de concentração. Por este meio, a KirchPayTV reconhece tacitamente que a abertura do mercado dos serviços técnicos é de importância capital para assegurar o acesso, dos potenciais concorrentes, aos mercados da televisão por assinatura e aos serviços de televisão interactiva digital.

219.
    A Comissão e as intervenientes consideram que a censura não é procedente.

2. Apreciação do Tribunal

220.
    A recorrente alega essencialmente que os compromissos destinados a permitir aos terceiros interessados aceder à plataforma técnica do grupo Kirch constituem apenas a execução da obrigação imposta, pelo artigo 82.° CE, a qualquer empresa em posição dominante no mercado, de colocar os seus serviços técnicos à disposição de terceiros, para lhes permitir entrar em concorrência com ela. Assim, contesta a suficiência dos compromissos.

221.
    Estes três primeiros compromissos do grupo Kirch destinam-se a permitir aos fornecedores de conteúdo aceder ao mercado da televisão por assinatura e dos serviços de televisão interactiva digital. Garantem o acesso, em condições equitativas, apropriadas e não discriminatórias, à plataforma técnica por satélite do grupo Kirch, a fim de que os seus serviços digitais possam ser recebidos pela d-box. A esse título, os três compromissos têm, portanto, um efeito estrutural. Não se limitam a ser uma promessa de não abusar de uma posição dominante, na acepção do artigo 82.° CE e não se revelam, em si mesmos, inadequados para resolver os problemas de concorrência que o projecto de concentração suscita no caso em apreço.

222.
    Por outro lado, há que referir que os diferentes serviços são todos propostos separadamente, que existe uma obrigação de manter uma contabilidade distinta para cada serviço e de permitir aos terceiros aceder à contabilidade num prazo de duas semanas, que o grupo Kirch é obrigado a revelar os preços e as condições de venda e que está sujeito a uma obrigação de cooperação, bem como a uma obrigação de igualdade de tratamento dos terceiros em relação às empresas do grupo.

223.
    Do mesmo modo, os compromissos vinculam um determinado número de empresas do grupo Kirch que exercem as suas actividades noutros mercados diferentes dos referidos pela decisão impugnada, e, relativamente aos quais não está provado que detêm uma posição dominante nem no mercado em causa nem nos mercados em que são activas. Assim, essas empresas não estão abrangidas pelo âmbito de aplicação do artigo 82.° CE. Por conseguinte, não se pode considerar que o objectivo dos compromissos seja de não violar o artigo 82.° CE.

224.
    Esta conclusão não é colocada em causa pelo facto de o artigo 82.° CE abranger igualmente, em casos excepcionais, problemas concorrenciais de tipo estrutural, comparáveis aos que deram origem aos compromissos (acórdãos do Tribunal de Justiça de 21 de Fevereiro de 1973, Europemballage e Continental Can/Comissão, 6/72, Colect., p. 109; RTE e ITP/Comissão, já referido, n.os 48 e segs., e Bronner, já referido, n.os 23 e segs.).

225.
    Resulta da jurisprudência referida, que só há abuso quando a recusa de acesso a uma infra-estrutura fundamental à prestação de outros serviços em mercados dependentes tem por efeito suprimir toda a concorrência no mercado a jusante, sem que isso possa ser justificado objectivamente.

226.
    No caso em apreço, a recorrente não provou que a Kirch dispõe dessa infra-estrutura que lhe impunha o respeito das referidas obrigações.

227.
    Pelo contrário, há que salientar que, por um lado, a transmissão de sinais digitais pode ser efectuada através de redes por cabo ou por satélite. O projecto FUN tem precisamente por objectivo desenvolver uma plataforma alternativa mas que apenas será operacional para a retransmissão via satélite. Ora, a decisão impugnada refere, no considerando 62, que, na Alemanha, a transmissão por satélite não é comparável à transmissão por cabo, na medida em que o operador de televisão que só utiliza a primeira apenas pode abarcar um terço das habitações. Por outro lado, a Kirch só detém, em matéria de transmissão por cabo, a tecnologia utilizada nas redes por cabo que pertencem à Deutsche Telekom.

228.
    Resulta das considerações precedentes que a censura não tem fundamento.

Abertura do acesso ao sistema d-box da Kirch para aplicações de terceiros (compromisso n.° 4)

- Argumentos das partes

229.
    A recorrente alega, em primeiro lugar, que a abertura do acesso ao sistema d-box da Kirch, para aplicações de terceiros, apenas constitui a repetição de uma obrigação legal que, em conformidade com a jurisprudência relativa ao artigo 82.° CE, existe de qualquer forma. Alega, a este respeito, que, dado que, como resulta da decisão impugnada (considerandos 61 e segs.), o sistema d-box implica já uma posição de monopólio, está de qualquer forma sujeito ao controlo geral dos abusos de posição dominante previsto pelo artigo 82.° CE. Acrescenta que o compromisso em causa não contém uma obrigação absoluta de permitir o acesso, mas é acompanhado da reserva de a Kirch e os terceiros se colocarem de acordo sobre condições equitativas, apropriadas e não discriminatórias. Assim, esse compromisso apenas instaura um controlo de comportamento duradouro, como já existe, em conformidade com o artigo 82.° CE, para as empresas que ocupam uma posição dominante, sem proporcionar, a este respeito, nenhuma mais-valia aos terceiros.

230.
    A recorrente expõe, em último lugar, que só uma cessão, pelo grupo Kirch, do seu controlo do sistema d-box seria suficiente.

231.
    Alega, a este respeito, por um lado, que o compromisso em nada altera o facto de a Kirch conservar o controlo sobre o desenvolvimento tecnológico do sistema d-box. Observa, a este respeito, que, nas decisões Bertelsmann/Kirch/Premiere (considerandos 37 a 39) e Deutsche Telekom/BetaResearch (considerandos 56 a 61), a Comissão declarou as operações de concentração em causa incompatíveis com o mercado comum tendo em vista, nomeadamente, impedir que a tecnologia do sistema d-box se torne o único padrão digital utilizado no espaço de língua alemã, o que conduziria a que qualquer outro potencial explorador de um sistema de controlo de acesso dependesse da política em matéria de licenças da empresa BetaResearch, que faz parte do grupo Kirch. O compromisso em causa não poria termo ao controlo da Kirch sobre a infra-estrutura tecnológica e à consequência que daqui decorre, isto é, o facto de os terceiros dependerem da concessão de uma licença pelo grupo Kirch. A recorrente recorda, a este respeito, que, nas decisões Bertelsmann/Kirch/Premiere (considerando 139) e Deutsche Telekom/BetaResearch (considerando 64), a Comissão recusou compromissos comparáveis ao do caso em apreço, pela razão de que não eram susceptíveis de pôr em causa o controlo, pelo grupo Kirch, sobre a tecnologia do sistema d-box.

232.
    Nesta ordem de ideias, a recorrente recusa o argumento da Comissão, baseado no facto de as decisões Bertelsmann/Kirch/Premiere e Deutsche Telekom/BetaResearch não serem comparáveis ao presente processo. Esses processos eram na verdade diferentes do vertente no respeitante aos factos, mas não no que diz respeito aos problemas de concorrência suscitados, que se colocavam sob a mesma forma em todos os processos.

233.
    Por outro lado, a recorrente observa que o compromisso não respeita os critérios que a Comissão elaborou na sua comunicação sobre as soluções. Recorda que nessa comunicação se refere: «Quando o problema de concorrência resultar do controlo de tecnologias essenciais, a alienação dessa tecnologia constitui a solução preferida, uma vez que suprime uma relação duradoura entre a entidade resultante da concentração e os seus concorrentes. No entanto, a Comissão pode aceitar acordos de licença (de preferência licenças exclusivas sem restrições em termos de domínio de utilização para o licenciado), como alternativa à alienação, nos casos em que, por exemplo, esta última entravaria uma investigação eficiente em curso. [...]» (n.° 29).

234.
    Daí conclui que, no caso em apreço, o problema da posição dominante da KirchPayTV nos mercados da televisão por assinatura e dos serviços de televisão interactiva digital só poderia, em princípio, ser resolvido se o grupo Kirch tivesse cedido completamente o controlo sobre a tecnologia de descodificação, essencial para o acesso a esses mercados, o que implicaria a cessão, pelo grupo Kirch, do controlo da empresa BetaResearch. Acrescenta que em nenhum momento as partes na operação de concentração apresentaram argumentos justificando uma derrogação ao princípio enunciado na comunicação sobre as soluções, nomeadamente à hipótese nela referida do entrave pela cessão da continuação das investigações em curso.

235.
    Por último, a recorrente contesta o argumento da KirchPayTV baseado no facto de o compromisso ter por efeito permitir a terceiros fornecer os seus serviços através da d-box sem serem obrigados a obter, previamente, uma licença ou uma autorização do grupo Kirch. Com efeito, o compromisso não abrange a técnica do controlo de acesso e não põe, portanto, em causa a necessidade técnica dos terceiros celebrarem com o grupo Kirch um acordo relativo à aplicação dessa técnica, no caso concreto os acordos Simulcrypt. Essa consequência podia ser evitada se, como tinha pedido a recorrente durante o processo administrativo, o grupo Kirch tivesse aceitado a instalação na d-box de uma interface comum, o que este último todavia recusou de forma veemente.

236.
    A Comissão e as intervenientes consideram que a censura não é procedente.

- Apreciação do Tribunal

237.
    A recorrente sustenta que a abertura do acesso ao sistema d-box não é suficiente. Alega, a este respeito, que o sistema d-box, que implica já uma posição no monopólio, está de qualquer modo sujeito ao controlo geral dos abusos de posição dominante previsto no artigo 82.° CE. Por outro lado, a recorrente alega que só uma cessão pelo grupo Kirch do seu controlo do sistema d-box seria suficiente.

238.
    Importa salientar que o controlo exercido pela Kirch sobre a infra-estrutura tecnológica não é alterado pelo projecto de concentração.

239.
    É necessário recordar que, através do quarto compromisso, a Kirch assegura que a interface que permite as aplicações (o sistema d-box) será aberto a terceiros, ocasionando assim a emissão de aplicações suplementares, tais como os guias de programas.

240.
    É necessário referir que a recorrente não explica por que razões só a cessão pelo grupo Kirch do seu controlo exercido sobre o sistema d-box seria suficiente para dissipar as dúvidas colocadas pela concentração.

241.
    Importa, além disso, recordar que, o mercado da tecnologia de descodificação digital não é abrangido pela operação de concentração. Além disso, como o compromisso tem por efeito permitir a terceiros fornecer os seus serviços através da d-box, independentemente de qualquer licença ou autorização do grupo Kirch, o controlo sobre esse sistema, que implica o seu desenvolvimento ulterior, não é susceptível de impedir os terceiros de aceder aos mercados da televisão por assinatura e dos serviços de televisão interactiva digital.

242.
    Quanto ao argumento da recorrente segundo o qual o compromisso constitui apenas a repetição de uma obrigação legal decorrente do artigo 82.° CE, há que o rebater pelas razões a seguir expostas.

243.
    Assim, a censura relativa a esse compromisso não é procedente.

244.
    Esta conclusão não pode ser posta em causa pelo argumento da recorrente segundo o qual a Comissão recusou compromissos comparáveis aos do caso em apreço, nas decisões Bertelsmann/Kirch/Premiere e Deutsche Telekom/BetaResearch, pela razão de que não eram susceptíveis de pôr em causa o controlo do grupo Kirch sobre a tecnologia do sistema d-box. Com efeito, como acima se expôs, a concentração em causa e os problemas de concorrência que suscita não podem efectivamente ser comparados aos que são objecto dessas três decisões.

245.
    Além disso, para determinar se a Comissão cometeu um erro manifesto de apreciação, há que verificar se se podia considerar que o conjunto dos compromissos propostos permite regular os problemas de concorrência identificados e não determinar se um compromisso, visto isoladamente, foi considerado insuficiente numa outra operação de concentração. No caso em apreço, a Comissão conclui nos termos da fase I que os compromissos dissipavam as sérias dúvidas suscitadas pela operação de concentração. Com efeito, o objectivo do compromisso é permitir aos terceiros interessados desenvolver aplicações para a televisão interactiva digital na plataforma técnica da Kirch. Tendo em conta, nomeadamente, a interoperacionalidade das aplicações, não se revela que a Comissão cometeu um erro manifesto de apreciação ao considerar que esse compromisso envolvia também a abertura do mercado da televisão digital.

246.
    Conclui-se que a censura não é procedente.

Interoperacionalidade das aplicações (compromisso n.° 5)

- Argumentos das partes

247.
    A recorrente considera que o compromisso de assegurar a interoperacionalidade das aplicações constitui simplesmente o complemento necessário do compromisso acabado de invocar, mais não fazendo do que acrescentar um elemento suplementar ao controlo permanente de comportamento e que não é susceptível de resolver o problema de concorrência, já referido nas decisões Bertelsmann/Kirch/Premiere e Deutsche Telekom/BetaResearch, bem como na decisão impugnada (nomeadamente no considerando 61), que consiste no controlo exercido pelo grupo Kirch sobre o sistema d-box.

248.
    A Comissão e as intervenientes consideram que a censura não é procedente.

- Apreciação do Tribunal

249.
    Através deste quinto compromisso, o grupo Kirch pretende assegurar a interoperacionalidade das aplicações, quer dizer, a existência de um padrão comum, o MHP.

250.
    Há que recordar que compromissos de natureza comportamental podem ser aceites se tiverem efeitos estruturais, quer dizer, se forem susceptíveis de impedir o surgimento ou o reforço de uma posição dominante (acórdão Gencor/Comissão, já referido).

251.
    A recorrente não demonstrou que o compromisso em causa não pertence a essa categoria. Pelo contrário, a interoperacionalidade das aplicações pretende assegurar que os terceiros interessados possam desenvolver aplicações para a televisão interactiva digital susceptíveis de serem utilizadas em várias plataformas técnicas. A instalação de plataformas técnicas concorrentes é concebível, contrariamente ao que sustenta a recorrente, uma vez que o projecto da associação FUN visa precisamente desenvolver essa plataforma técnica.

252.
    Além disso, a obrigação de realizar o padrão DVB-MHP não exige, contrariamente ao que sustenta a recorrente, um controlo permanente dos comportamentos, visto que a interface-padrão abrirá, de modo estrutural, o mercado aos fornecedores de aplicações concorrentes. Com efeito, qualquer empresa de desenvolvimento poderá, por esse facto, desenvolver programas de aplicação prontos a ser utilizados e proporcionar serviços correspondentes, independentemente de qualquer licença ou autorização do grupo Kirch.

253.
    Por outro lado, a conjugação dos quarto e quinto compromissos permite uma abertura do mercado às aplicações.

254.
    De qualquer forma, é necessário referir que a recorrente não faz prova de que a Comissão cometeu um erro manifesto de apreciação.

255.
    Resulta das considerações precedentes que a censura não é procedente.

Interoperacionalidade das plataformas concorrentes (compromisso n.° 6)

- Argumentos das partes

256.
    A recorrente sustenta que o compromisso pela qual o grupo Kirch se compromete a zelar pela celebração de acordos Simulcrypt com os exploradores de plataformas técnicas concorrentes não é susceptível de pôr em causa a posição dominante que o grupo Kirch possui no mercado dos serviços técnicos, que inclui também os sistemas de controlo de acesso, graças ao sistema protegido de acesso condicional da d-box. O compromisso constituiria uma obrigação de comportamento à qual o grupo Kirch estava de qualquer forma vinculado, por força do artigo 82.° CE, e não representava, assim, uma mais-valia em relação ao controlo geral dos abusos de posição dominante previsto por esse artigo.

257.
    Com efeito, o conteúdo da obrigação de comportamento a que o grupo Kirch se comprometeu é particularmente vago. Em primeiro lugar, o grupo Kirch compromete-se apenas a tudo fazer a fim de garantir que os acordos Simulcrypt entrem o mais depressa possível em vigor. Em seguida, o cumprimento desse compromisso depende do facto de o explorador de uma plataforma técnica concorrente colaborar na medida do objectivamente necessário, de esse explorador obter condições equitativas e apropriadas e, por último, de a segurança jurídica do sistema de acesso condicional não ser susceptível de pôr em perigo o sistema correspondente da d-box.

258.
    Além disso, segundo a recorrente, o compromisso, que implica a celebração de acordos Simulcrypt entre os exploradores de plataformas concorrentes e a BetaResearch, filial do grupo Kirch, pressupõe sempre a boa vontade do grupo Kirch. Ora, a existência dessa boa vontade por parte do grupo Kirch é duvidosa, uma vez que este último difunde também programas e corre o risco de ser lesado nessa qualidade pela celebração de acordos Simulcrypt, por efeito dos quais a difusão de programas concorrentes é facilitada. Assim, existia risco de conflito entre os interesses da prestadora de serviços técnicos, a BetaResearch, e os do difusor de programas do grupo que a controla. A independência das decisões de negócios da BetaResearch não estava, portanto, garantida.

259.
    A recorrente observa, a este respeito, que esse risco de abuso foi analisado e denunciado pela Comissão nas suas decisões Bertelsmann/Kirch/Premiere (considerando 58) e Deutsche Telekom/BetaResearch (considerando 38). Remete também para as más experiências que teria tido a associação FUN na altura de uma tentativa de negociar um acordo Simulcrypt com o grupo Kirch.

260.
    Por último, observa que o compromisso pressupõe a existência de sistemas de acesso condicional concorrentes, relativamente aos quais, todavia, não se vislumbra a forma como poderiam entrar no mercado.

261.
    A recorrente responde ao argumento da KirchPayTV baseado no facto de os acordos Simulcrypt serem apenas concluídos entre plataformas técnicas, embora, no domínio da difusão por cabo, o grupo Kirch não explore essa plataforma, precisando que a mais importante plataforma técnica neste domínio, a MSG MediaServices GmbH, utiliza exclusivamente a tecnologia desenvolvida pelo grupo Kirch.

262.
    Salienta, a respeito da observação da KirchPayTV baseada no surgimento recente de novas plataformas técnicas no domínio da difusão por cabo, que esse elemento não existia no momento da decisão impugnada, que é, portanto, irrelevante e que, mesmo actualmente, esse surgimento ainda não ocorreu verdadeiramente, tendo em conta as obrigações a que a Deutsche Telekom, proprietária da maior parte da rede por cabo e, por intermédio da sua filial MSG MediaServices GmbH, que explora a mais importante plataforma técnica nesse domínio de difusão, submeteu os potenciais exploradores de plataformas concorrentes. Remete, a este respeito, para as importantes dificuldades sentidas pelo operador da plataforma concorrente, a PrimaCom, para celebrar um acordo Simulcrypt com a MSG MediaServices GmbH.

263.
    A Comissão e as intervenientes consideram que a censura não é procedente.

- Apreciação do Tribunal

264.
    Este sexto compromisso destina-se a abrir a d-box a outros canais de televisão por assinatura e aos serviços interactivos digitais.

265.
    O grupo Kirch comprometeu-se, assim, a celebrar acordos Simulcrypt com operadores de plataformas técnicas que utilizam outros sistemas de codificação. É necessário recordar que o processo da Simulcrypt permite a utilização de diferentes sistemas de codificação sem que o cliente tenha necessidade de vários descodificadores para descodificar o sinal captado através da troca das chaves de codificação entre os operadores de plataformas. Assim, todos os programas correspondentes podem ser captados com um único descodificador.

266.
    Este compromisso tem por objectivo garantir a instalação de plataformas técnicas concorrentes permitindo, quando um prestador de serviços técnicos pretenda utilizar um sistema de codificação concorrente, a captação através da d-box pelo processo Simulcrypt. A Comissão e as intervenientes afirmaram, sem serem contraditadas pela recorrente, que os prestadores de serviços técnicos, por este facto, têm a possibilidade de escolher livremente o seu sistema de codificação e que a concorrência entre os operadores de plataformas técnicas, mas também a do mercado de descodificadores, é reforçada por esse compromisso.

267.
    Por outro lado, há que recordar que qualquer compromisso constitui uma obrigação legal cuja violação pode conduzir, eventualmente, a Comissão a revogar a autorização da concentração. A circunstância, de resto não provada pela recorrente, de que a Kirch poderia não manifestar boa vontade para cumprir o compromisso, não é susceptível de provar que a Comissão cometeu um erro manifesto de apreciação ao considerar que o compromisso é susceptível de resolver os problemas de concorrência.

268.
    Além disso, o compromisso em causa não é isolado e deve ser visto no contexto global do conjunto dos compromissos assumidos pelo grupo Kirch, em especial com o que prevê uma outra plataforma técnica para a programação de televisão por assinatura da Kirch.

269.
    Conclui-se que esta censura não é procedente.

Acesso de outras plataformas técnicas aos serviços de televisão por assinatura da Kirch (compromisso n.° 7)

- Argumentos das partes

270.
    A recorrente expõe, em primeiro lugar, que o compromisso pelo qual o grupo Kirch se obriga a comercializar os seus programas de televisão por assinatura, igualmente através de outras plataformas técnicas, por meio, nomeadamente, de acordos Simulcrypt, não é susceptível de pôr em causa a posição dominante que o grupo Kirch detém nos mercados da televisão por assinatura e dos serviços técnicos correspondentes e não representa nenhuma mais-valia em relação ao controlo dos abusos de posição dominante previsto pelo artigo 82.° CE.

271.
    Com efeito, em primeiro lugar, esse compromisso, em vez de facilitar o acesso de plataformas concorrentes no mercado, limita-se a pressupor a existência destas últimas e a proporcionar-lhes uma boa conduta em conformidade com o direito dos cartéis.

272.
    Em segundo lugar, a aplicação dessa proposta, de boa vontade, é feita em condições particularmente vagas.

273.
    Em terceiro lugar, o compromisso dava azo a um conflito de interesses que punha em causa a sua eficácia. Com efeito, ao obrigar o grupo Kirch a comercializar os seus programas de televisão por assinatura através de plataformas técnicas concorrentes, obrigá-lo-ia a adoptar decisões que seriam, eventualmente, contrárias aos seus próprios interesses de operador de programas. Nestas circunstâncias, era duvidoso que o compromisso fosse lealmente executado. A recorrente recorda que a Comissão referiu correctamente essa circunstância nas decisões Bertelsmann/Kirch/Premiere e Deutsche Telekom/BetaResearch.

274.
    A este respeito, a recorrente alega, antes de mais, a má experiência da associação FUN, ao pretender estabelecer uma plataforma técnica concorrente, à qual foi recusado, pela KirchPayTV, contrariamente ao compromisso em questão e sob falsos pretextos, o acesso à proposta de televisão por assinatura do grupo Kirch. Refere, em seguida, as dificuldades sentidas pela plataforma técnica de difusão por cabo PrimaCom para celebrar com o grupo Kirch um acordo Simulcrypt. Por último, salienta que não existe, actualmente, qualquer exemplo de solução tecnicamente praticável de Simulcrypt entre sistemas de descodificação diferentes.

275.
    A recorrente alega, em segundo lugar, que o compromisso necessita de um controlo de comportamento posterior, contrário ao acórdão Gencor/Comissão, já referido, e à comunicação sobre as soluções.

276.
    A Comissão e as intervenientes consideram que a censura não é procedente.

- Apreciação do Tribunal

277.
    Através do seu sétimo compromisso, o grupo Kirch obriga-se a comercializar os seus programas de televisão por assinatura também através de outras plataformas técnicas, nomeadamente, por meio de acordos Simulcrypt.

278.
    É necessário referir que esse compromisso facilita o acesso ao mercado dos operadores de plataformas técnicas concorrentes e favorece, assim, indirectamente a concorrência entre fornecedores de televisão por assinatura, permitindo a estes últimos difundir, através dessas plataformas técnicas, os seus programas com os programas de televisão por assinatura do grupo Kirch.

279.
    Por um lado, relativamente ao argumento da recorrente sobre as dificuldades alegadamente por ela encontradas na aplicação do compromisso n.° 7, enquanto co-operadora da plataforma alternativa FUN, é necessário salientar que a FUN, segundo as afirmações das intervenientes, não contestadas pela recorrente, não deu início ao processo de arbitragem previsto nos compromissos.

280.
    Por outro lado, em relação ao argumento da recorrente baseado no facto de que o compromisso n.° 7 não tem por efeito abrir o mercado, antes pressupondo já a existência de plataformas técnicas concorrentes, há que salientar novamente que os compromissos não podem ser vistos isoladamente.

281.
    Ora, como alegou a Comissão, o acesso ao mercado de uma plataforma técnica será facilitado pela interoperacionalidade das plataformas técnicas concorrentes através da garantia de acordos Simulcrypt (compromisso n.° 6), pela colocação à disposição dos programas de televisão por assinatura do grupo Kirch (compromisso n.° 7), bem como, se for caso disso, pela colocação à disposição da tecnologia do sistema da d-box através de uma licença (compromisso n.° 8). Os compromissos n.os 6 e 7 têm, assim, por objectivo permitir a um concorrente de televisão por assinatura operar numa plataforma técnica diferente da oferecida pela Kirch.

282.
    Por conseguinte, as censuras relativas ao compromisso n.° 7 não são procedentes.

A utilização da tecnologia do sistema d-box por outras plataformas concorrentes (compromisso n.° 8)

- Argumentos das partes

283.
    A recorrente considera que o compromisso do grupo Kirch de conceder a operadores de plataformas concorrentes o acesso à tecnologia do sistema d-box não é susceptível de pôr em causa a posição dominante do grupo Kirch sobre o desenvolvimento tecnológico deste sistema.

284.
    A este respeito, observa, em primeiro lugar, que a Comissão tinha sido recusado um compromisso do mesmo tipo nas decisões Bertelsmann/Kirch/Premiere (considerando 139) e Deutsche Telekom/BetaResearch (considerando 64), pela razão de que não era susceptível de pôr termo a essa posição dominante. Considera que a decisão impugnada não contém nenhuma fundamentação explicando porque, no presente processo, se impõe uma apreciação diferente sob a perspectiva do direito da concorrência quando a situação de facto é idêntica à dos processos já referidos.

285.
    Em segundo lugar, alega que o compromisso está em contradição com as condições definidas pelo director da Task-force «Controlo das operações de concentração entre empresas» como condições prévias à aceitação de compromissos desse tipo (Drauz, G.-H., «Remedies under the merger regulation», International antitrust law & policy, Fordham Corporate Law Institute, New York, 1996, pp. 219 a 238, v. pp. 225 e segs.), em especial com aquelas por força das quais:

-    o licenciante não deverá estar em condições de se subtrair ao efeito da licença concedida recusando, por exemplo, uma assistência técnica importante;

-    o licenciante não deverá exigir do titular desta última uma taxa exagerada; e

-    a Comissão não deverá ser obrigada a exercer um controlo permanente sobre o cumprimento do contrato de licença, como a verificação do carácter apropriado das taxas de exploração.

286.
    A este respeito, a recorrente observa, antes de mais, que é apenas a referência às condições apropriadas e não discriminatórias que se considera impedir a fixação de taxas exageradas para a exploração das licenças, em seguida, que o compromisso não contém disposições específicas relativas ao domínio da assistência técnica e, por último e sobretudo, que o compromisso envolve a Comissão num controlo permanente de comportamento.

287.
    Acrescenta que este controlo permanente dos comportamentos é contrário à comunicação sobre as soluções.

288.
    Em resposta ao argumento da KirchPayTV baseado no facto de a existência desse controlo permanente dos comportamentos ser contraditada pela existência de um processo de arbitragem que envolve uma inversão do ónus da prova em detrimento do grupo Kirch, a recorrente salienta que esses elementos não põem em questão a existência desse controlo e que a necessidade de um processo de arbitragem prova, pelo contrário, a existência desse controlo.

289.
    Em terceiro lugar, a recorrente expõe que a decisão contém uma contradição interna na medida em que, por um lado, aceita o compromisso em causa e, por outro, refere a existência de importantes riscos de abuso na política de licenças que será provavelmente seguida pela BetaResearch, filial do grupo Kirch, nas suas relações com os potenciais concorrentes da KirchPayTV no mercado dos serviços de televisão interactiva digital e faz mesmo referência a casos de abusos concretos assinalados por terceiros interessados (considerando 37 da decisão impugnada).

290.
    A recorrente contesta o argumento da KirchPayTV baseado no facto de os operadores de plataformas técnicas terem a possibilidade de escolher ou a tecnologia do sistema d-box com base no compromisso em causa, ou uma tecnologia concorrente e aguardar os assinantes da d-box através de acordos Simulcrypt. Com efeito, as más experiências da FUN e da PrimaCom no âmbito das suas tentativas de negociar acordos Simulcrypt com o grupo Kirch provam o carácter manifestamente inapropriado da segunda parte da alternativa.

291.
    A Comissão e as intervenientes consideram que a censura não é procedente.

- Apreciação do Tribunal

292.
    Há que recordar que este compromisso visa conceder a operadores de plataformas concorrentes o acesso à tecnologia do sistema d-box.

293.
    Facilita assim a instalação de plataformas técnicas concorrentes e igualmente, por esse facto, o acesso ao mercado por parte dos fornecedores de conteúdos concorrentes, o que é susceptível de promover a concorrência no mercado da televisão por assinatura.

294.
    O argumento da recorrente baseado na contradição entre a decisão impugnada e as decisões Bertelsmann/Kirch/Premiere e Deutsche Telekom/BetaResearch não pode ser acolhido pelas razões acima expostas.

295.
    Quanto à afirmação da recorrente segundo a qual o compromisso em causa envolve um controlo permanente de comportamentos que é contrário à comunicação sobre as soluções, basta assinalar que todos os litígios relativos ao cumprimento dos compromissos devem ser objecto de uma arbitragem que garanta um controlo suficiente. Por outro lado, há que recordar que os terceiros insatisfeitos com a execução do compromisso podem recorrer a um processo de arbitragem no âmbito do qual o grupo Kirch terá o ónus da prova. Assim, embora a execução do compromisso seja objecto de um controlo, este não será, todavia, da competência da Comissão.

296.
    Em relação ao argumento da recorrente baseado no facto de o compromisso estar em contradição com as condições definidas numa publicação do director da Task-force «Controlo das operações de concentração entre empresas» como condição prévia à aceitação de compromissos desse tipo, basta salientar que as declarações de um funcionário que não reflictam nenhuma posição oficial da Comissão não a podem vincular.

297.
    Por último, o argumento da recorrente segundo o qual, ao aceitar o compromisso, a Comissão não teve em consideração o risco de abuso de posição dominante pela BetaResearch no âmbito da concessão das licenças de exploração do sistema d-box, deve também ser rejeitado. Com efeito, por um lado, os operadores de plataformas técnicas têm a liberdade de escolher uma tecnologia concorrente e esperar os assinantes do sistema d-box através de acordos Simulcrypt. Por outro, como foi afirmado supra, o compromisso em causa não deve ser considerado isoladamente, mas como parte de um conjunto de compromissos garantidos por encargos e condições correspondentes, nomeadamente um processo de arbitragem vinculativo.

298.
    Assim, a censura relativa ao compromisso n.° 8 não é procedente.

Produção de descodificadores «de sistema múltiplo» (compromisso n.° 9)

- Argumentos das partes

299.
    A recorrente salienta que o compromisso de conceder licenças em relação ao que se convencionou designar por descodificadores de sistema múltiplo está igualmente em contradição com a apreciação da Comissão nas decisões anteriores Bertelsmann/Kirch/Premiere (considerando 139) e Deutsche Telekom/BetaResearch (considerando 64), segundo a qual esse compromisso não era susceptível de afastar as dúvidas do ponto de vista do direito da concorrência, dado que não tinha por efeito retirar à Kirch o controlo do desenvolvimento tecnológico. Considera que a alteração de apreciação na perspectiva do direito do controlo das concentrações, quando a situação de facto é idêntica, não está de modo algum fundamentada pela Comissão.

300.
    Esse domínio só poderia ser colocado em causa se a Comissão tivesse imposto ao grupo Kirch a obrigação suplementar de permitir aos titulares das licenças de fabrico da d-box aí integrar não apenas sistemas de codificação concorrentes, mas também uma interface comum. Com efeito, a integração de sistemas de codificação concorrentes era uma solução totalmente insuficiente, dado que obrigaria os operadores de plataformas técnicas que utilizam esses sistemas de codificação concorrentes a celebrar acordos Simulcrypt com o grupo Kirch e não poria, assim, em causa o domínio do grupo Kirch sobre o sistema de d-box.

301.
    A este respeito, contesta a afirmação da Comissão segundo a qual o compromisso envolve a possibilidade de integrar na d-box uma interface comum.

302.
    A Comissão e as intervenientes consideram que a censura não é procedente.

- Apreciação do Tribunal

303.
    O objectivo deste nono compromisso é proporcionar aos fabricantes de descodificadores licenças para o desenvolvimento do descodificador d-box, permitindo-lhes integrá-lo noutros sistemas de controlo de acesso, incluindo uma interface comum. Por interface comum importa entender um sistema de módulos previsto em cada d-box que acciona as diferentes formas de descodificação.

304.
    É necessário observar que a recorrente não demonstrou que este compromisso não é susceptível de garantir que os futuros assinantes da d-box possam também ser abrangidos por outros sistemas de codificação. O compromisso n.° 9 destina-se, assim, a abrir o mercado aos operadores de plataformas técnicas, aos fornecedores de conteúdos, aos fabricantes potenciais da d-box, mas também aos fornecedores de sistemas de codificação.

305.
    Por outro lado, cabe recordar que o presente processo não é comparável ao contexto que deu origem às decisões Bertelsmann/Kirch/Premiere e Deutsche Telekom/BetaResearch. Não se tratando de uma situação de facto idêntica, a Comissão não tinha a obrigação de fundamentar especialmente a sua decisão.

306.
    Assim, a presente censura deve ser rejeitada.

Passagem do sistema analógico para o sistema digital (compromisso n.° 10)

- Argumentos das partes

307.
    A recorrente considera que o compromisso de proporcionar um descodificador digital (d-box) a qualquer assinante da KirchPayTV que só dispõe de um descodificador analógico não é susceptível de facilitar o acesso dos operadores interessados aos mercados de televisão por assinatura e dos serviços de televisão interactiva digital e de oferecer os seus serviços a esses assinantes. Com efeito, esse acesso dos terceiros aos mercados em causa através da d-box necessitaria, devido à rejeição da solução da interface comum, pelo menos, da celebração de acordos Simulcrypt com o grupo Kirch, que, todavia, os recusa.

308.
    A Comissão e as intervenientes consideram que a censura não é procedente.

- Apreciação do Tribunal

309.
    Há que assinalar que a recorrente não contesta que o compromisso em causa, que consiste em proporcionar um descodificador digital (d-box) a qualquer assinante da KirchPayTV que só disponha de um descodificador analógico, garante que os assinantes da Premiere disponham de um descodificador digital e que os fornecedores de programas não sejam excluídos do mercado, devido ao facto de difundirem digitalmente os seus programas. Evita que as actividades de operadores concorrentes nos mercados em causa sejam entravadas devido à utilização pelos consumidores de descodificadores analógicos não adequados a esse tipo de actividades. Assim, a recorrente não provou em que medida a Comissão cometeu um erro manifesto de apreciação ao considerar que este compromisso permite a abertura do mercado aos operadores concorrentes.

310.
    Assim, a censura relativa a esse compromisso deve ser rejeitada.

Limitação das capacidades suplementares nas redes por cabo (compromisso n.° 11)

- Argumentos das partes

311.
    A recorrente considera que o compromisso por força do qual a KirchPayTV se compromete não apresentar, até 31 de Dezembro de 2000, pedidos de atribuição de capacidade digital suplementar nas redes por cabo não é susceptível de pôr em causa o domínio tecnológico do mercado pelo grupo Kirch. Também não é susceptível de afastar a preocupação, expressa pela Comissão na decisão impugnada (considerando 78), surgida devido à utilização pela Deutsche Telekom da tecnologia da BetaResearch, pertencente ao grupo Kirch, para difusão digital de programas de televisão nas redes por cabo de banda larga. Recorda que esta preocupação tinha por objecto o receio do surgimento de uma posição dominante da KirchPayTV no mercado dos serviços de televisão interactiva digital.

312.
    Observa que estas preocupações se revelaram entretanto de tal forma pertinentes que a Deutsche Telekom e o grupo Kirch têm actualmente a intenção de gerir a BetaResearch enquanto empresa comum, projecto que foi notificado ao Bundeskartellamt.

313.
    Contesta a afirmação da Comissão segundo a qual teria tido a intenção de querer impor obrigações a um operador terceiro à operação de concentração, no caso concreto, a Deutsche Telekom. A sua tese era simplesmente a de que o compromisso não é susceptível de afastar as sérias dúvidas quanto à compatibilidade da operação de concentração com o mercado comum expressas pela Comissão na decisão impugnada (considerando 78).

314.
    A Comissão e as intervenientes consideram que a censura não é procedente.

- Apreciação do Tribunal

315.
    O compromisso de não apresentar mais pedidos de atribuição de capacidade digital suplementar nas redes por cabo até 31 de Dezembro de 2000 tem por objectivo pôr termo aos receios que a proposta de televisão por assinatura da Kirch ocupe demasiado espaço na rede por cabo, de modo que já não restaria espaço suficiente para as propostas de terceiros.

316.
    A censura da recorrente à Comissão pelo facto de não ter imposto à Deutsche Telekom que utilizasse, em relação às suas redes por cabo, uma tecnologia diferente da da Kirch, deve ser rejeitada. Com efeito, a Deutsche Telekom é um terceiro em relação à operação de concentração em causa, de modo que a Comissão não lhe pode impor obrigações no âmbito do presente processo.

317.
    Além disso, a operação de concentração em causa não tem qualquer ligação com a decisão de a Deutsche Telekom utilizar a tecnologia da Kirch na sua rede por cabo.

318.
    Por outro lado, a observação feita pela recorrente a respeito do projecto de criação de uma empresa comum entre a Deutsche Telekom e a BetaResearch é irrelevante e os problemas de concorrência que esse projecto possa eventualmente suscitar não têm qualquer ligação com a decisão impugnada.

319.
    Assim, a censura da recorrente deve ser rejeitada.

Observações que criticam a inexistência de determinados compromissos que são indispensáveis

320.
    A recorrente censura a Comissão de não ter imposto certos compromissos que tinha sugerido durante o processo administrativo (cartas da recorrente de 22 de Fevereiro de 2000, de 2 de Março de 2000 e de 15 de Março de 2000) e que seriam, em sua opinião, susceptíveis de dissipar as dúvidas mais importantes sentidas pela própria Comissão quanto à compatibilidade da operação de concentração com o mercado comum, sem, todavia, ser suficiente para provar essa compatibilidade.

321.
    Critica o argumento da KirchPayTV baseado no facto de os compromissos n.os 1 a 5 serem suficientes, de os compromissos n.os 6 a 9, relativos à abertura do mercado dos serviços técnicos, não serem mesmo necessários e, por maioria de razão, outros compromissos que têm um alcance ainda mais importante também não serem necessários. Com efeito, ao considerar os compromissos n.os 6 a 9 não necessários, a KirchPayTV não tem em consideração a importância do domínio, pelo grupo Kirch, da tecnologia do sistema d-box para a abertura dos mercados da televisão por assinatura e dos serviços de televisão interactiva digital. Além disso, na lógica do argumento, seria necessário anular a decisão impugnada por ter imposto compromissos não necessários.

Não existência de um compromisso destinado a equipar o descodificador d-box com uma interface comum

- Argumentos das partes

322.
    A recorrente sustenta que foi injustificadamente que não se impôs às partes na operação de concentração o compromisso, por ela sugerido, de munir o descodificador d-box de uma interface comum.

323.
    Expõe a este respeito que, com base nos compromissos aceites, os operadores concorrentes da KirchPayTV só poderão difundir os seus programas via descodificador d-box recorrendo ao sistema de acesso condicional desenvolvido pela BetaResearch que pertence ao grupo Kirch, isto é, a BetaCrypt, que só têm o direito de utilizar depois de terem celebrado um acordo Simulcrypt com a BetaResearch. Ora, a necessidade de concluir um acordo Simulcrypt torna esses operadores dependentes da BetaResearch, e o grupo Kirch poderia abusar dessa posição, a fim de salvaguardar os seus interesses nos mercados de televisão por assinatura e dos serviços de televisão interactiva digital, prejudicando por esse meio os seus potenciais concorrentes nesses mercados.

324.
    A recorrente salienta que esse risco foi denunciado pela Comissão nas suas decisões Bertelsmann/Kirch/Premiere (considerando 58) e Deutsche Telekom/BetaResearch (considerando 38), bem como pelo Departamento Federal do Ambiente, dos Transportes, da Energia e da Comunicação suíço numa decisão de 8 de Novembro de 1999 relativa à operadora suíça de televisão por assinatura Teleclub AG, de que a KirchPayTV detém 40% do capital e em que utiliza também o descodificador d-box.

325.
    Acrescenta que esse risco se tornou entretanto ainda mais importante após o controlo do canal de televisão por assinatura Premiere apenas pelo grupo Kirch e pela fusão desse canal com a DF1 para formar a Premiere World. Recorda também, nesse contexto, as dificuldades práticas com que se depararam certos operadores, entre os quais a FUN, para celebrar acordos Simulcrypt com a BetaResearch.

326.
    Alega que, para evitar esse risco, propôs que o grupo Kirch fosse obrigado a equipar o descodificador d-box com uma interface comum, permitindo a recepção, através do mesmo descodificador, de programas codificados com diferentes sistemas condicionais de acesso. Essa solução, o Multicrypt, evitaria os inconvenientes atrás mencionados, ao permitir a operadores concorrentes difundir os seus programas protegidos através de sistemas de acesso condicionais diferentes do utilizado pelo grupo Kirch, através da d-box, sem terem de celebrar acordos Simulcrypt com esse grupo.

327.
    Em resposta aos argumentos da KirchPayTV, a recorrente contesta que a Directiva 95/47/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 24 de Outubro de 1995, relativa à utilização de normas para a transmissão de sinais de televisão (JO L 281, p. 51; a seguir «Directiva 95/47»), que é a directiva de harmonização adoptada com base nos artigos 47.°, n.° 2, CE, 55.° CE e 95.° CE, limite o poder de apreciação da Comissão quanto aos compromissos que há que aceitar no âmbito do controlo das concentrações. Contesta também a pertinência, no quadro do controlo das concentrações, de argumentos baseados nas vantagens práticas, do ponto de vista do consumidor final, da solução Simulcrypt por oposição à solução Multicrypt.

- Apreciação do Tribunal

328.
    Importa recordar, a título liminar, que a Comissão dispõe de um vasto poder de apreciação para apreciar a necessidade de obter compromissos para dissipar as sérias dúvidas colocadas por uma operação de concentração.

329.
    Conclui-se que não compete ao Tribunal substituir a apreciação da Comissão, devendo a sua fiscalização limitar-se a verificar se a Comissão não cometeu um erro manifesto de apreciação. Em especial, a não tomada em consideração dos compromissos sugeridos pela recorrente não prova só por si que a decisão impugnada esteja viciada de erro manifesto de poderem igualmente ser aceites apreciação e a circunstância de que outros compromissos poderiam igualmente ter sido aceites, mesmo que fossem mais favoráveis para a concorrência, não pode conduzir à anulação da decisão, na medida em que a Comissão podia razoavelmente concluir que os compromissos inseridos na decisão permitem dissipar as sérias dúvidas.

330.
    A recorrente sustenta que a Comissão deveria ter imposto um compromisso destinado a equipar o descodificador d-box com uma interface comum em vez de um compromisso que prevê um acordo de Simulcrypt.

331.
    A este respeito, é necessário salientar, antes de mais, que o processo de codificação Simulcrypt e o da interface comum permitem ambos evitar que um telespectador assinante de canais protegidos por sistemas diferentes de controlo de acesso deva utilizar vários descodificadores. Aliás, as duas soluções são consideradas equivalentes na Directiva 95/47.

332.
    Do mesmo modo, a recorrente não contestou a afirmação da KirchPayTV segundo a qual a solução do Simulcrypt oferece uma série de vantagens em relação à interface comum. Assim, a KirchPayTV expôs, por um lado, que o processo Simulcrypt assegura uma maior protecção contra a pirataria informática e, por outro, que a interface comum impõe ao espectador que adquira, além do descodificador, os módulos correspondentes aos diferentes sistemas condicionais de acesso e de mudar de módulo antes de poder visionar os programas codificados através de um sistema de acesso diferente. Observa também que a utilização de uma interface comum não permite o acesso à população actual de d-box.

333.
    Por outro lado, como foi referido supra, a censura da recorrente segundo a qual o compromisso que prevê a celebração de acordos Simulcrypt não é suficiente para resolver os problemas de concorrência colocados no caso em apreço, não é procedente.

334.
    Nestas condições, não se pode considerar que a Comissão cometeu um erro manifesto de apreciação ao não prever um compromisso relativo à interface comum.

Inexistência de um compromisso a respeito das eventuais relações entre a BetaResearch e a Deutsche Telekom

- Argumentos das partes

335.
    A recorrente censura a Comissão de não ter tido em consideração a sua sugestão de impor um compromisso destinado a proibir que se estabeleçam vínculos entre a BetaResearch e a Deutsche Telekom, independentemente de serem abrangidos pelo direito das sociedades ou pelo direito dos contratos, que teriam por objectivo assegurar que o padrão tecnológico desenvolvido pela BetaResearch se tornasse o único a ser utilizado nas redes por cabo de banda larga da Deutsche Telekom que controla a maior partes das redes disponíveis. Expõe que a perspectiva desses vínculos é fonte de sérias preocupações, que foram expostas pela Comissão na decisão Deutsche Telekom/BetaResearch (considerandos 33 e segs.).

336.
    Em resposta ao argumento da Comissão, baseado no facto de que não podia impor obrigações jurídicas a terceiros, a recorrente salienta que a Comissão podia efectivamente impor ao grupo Kirch que interviesse junto da Deutsche Telekom para que esta última pusesse termo a uma autorização exclusiva do padrão tecnológico desenvolvido pela BetaResearch. Considera que no caso de o grupo Kirch não estar em condições de respeitar esse compromisso, a Comissão deveria declarar esse incumprimento e manter as dúvidas quanto ao respeito do direito da concorrência que tinha expressamente formulado na decisão impugnada a respeito dessa utilização exclusiva (considerando 61 da decisão impugnada).

337.
    Acrescenta que a Comissão até agora não se opôs ao projecto da Deutsche Telekom e do grupo Kirch gerir a BetaResearch enquanto empresa comum, quando esse projecto implica duas empresas em posição dominante.

338.
    Em resposta ao argumento da KirchPayTV baseado no facto de o risco de utilização pela Deutsche Telekom do padrão tecnológico desenvolvido pela BetaResearch ser neutralizado pela venda de uma parte importante das redes por cabo da banda larga da Deutsche Telekom, a recorrente alega que o momento e as modalidades dessa venda não estavam fixados no momento da adopção da decisão impugnada e que actualmente também não estão.

- Apreciação do Tribunal

339.
    A recorrente censura a Comissão de não ter imposto restrições relativamente a uma eventual ligação entre a Deutsche Telekom e a BetaResearch.

340.
    A este respeito, é necessário observar, em primeiro lugar, que a censura não é procedente, uma vez que, na petição, a recorrente limitou-se a acusar a Comissão de não ter tomado em conta a sua proposta destinada a proibir essa ligação sem expor de modo algum, nem a fortiori demonstrar, as razões pelas quais seria necessário um compromisso nesse sentido para dissipar as sérias dúvidas da Comissão a respeito do projecto de concentração em causa.

341.
    Em segundo lugar, há que referir que a Comissão não podia, de qualquer forma, dar seguimento à proposta da recorrente, uma vez que não pode aceitar um compromisso a cargo de terceiros ao projecto de concentração no âmbito de uma decisão adoptada nos termos do Regulamento n.° 4064/89.

342.
    Em terceiro lugar, a censura da recorrente visa, segundo o seu título, a não proibição de uma eventual ligação entre a Deutsche Telekom e a BetaResearch. A recorrente, como especificou na réplica, remete a este respeito para um processo apresentado no Bundeskartellamt alemão e no qual a Deutsche Telekom e a BetaResearch prevêem formar uma empresa comum. É necessário observar que os eventuais problemas de concorrência colocados por esse projecto não têm qualquer ligação com a decisão impugnada e que as objecções da recorrente a esse respeito devem ser dirigidas à autoridade competente para se pronunciar sobre o referido projecto.

343.
    Em quarto lugar, na medida em que a recorrente parece também querer pôr em causa, na réplica, a utilização exclusiva actual pela Deutsche Telekom da tecnologia desenvolvida pela BetaResearch nas suas redes por cabo, há que observar, por um lado, que essa censura é inadmissível porque é nova ou, pelo menos, não está em conformidade com as exigências do artigo 44.°, n.° 1, alínea c), do Regulamento de Processo do Tribunal de Primeira Instância e, por outro, que a decisão da Deutsche Telekom de utilizar a tecnologia da BetaResearch nas redes por cabo tinha sido adoptada antes da concentração que é objecto da decisão impugnada e não tem qualquer relação com esta.

344.
    Resulta das considerações precedentes que a censura não é procedente.

Inexistência de um compromisso impondo o desbloqueio dos programas, da tecnologia e do equipamento

- Argumentos das partes

345.
    A recorrente censura a Comissão de não ter acolhido a sua sugestão de impor ao grupo Kirch, por um lado, que propusesse o descodificador d-box a clientes que desejassem ver apenas programas de operadores terceiros e não desejassem subscrever uma assinatura dos programas pagos propostos pela KirchPayTV, ou seja, a Premiere World, e, por outro, permitir aos clientes poderem receber a Premiere World através de equipamentos concorrentes à d-box. Segundo a recorrente, esses compromissos teriam por efeito pôr termo à integração vertical existente no caso em apreço, entre a tecnologia e os programas.

346.
    A recorrente alega que, não existindo esse desbloqueio entre programas, tecnologia e equipamentos, os operadores que desenvolvessem ou fornecessem uma tecnologia concorrente à da d-box não teriam muitas oportunidades de êxito, dado que não estão em condições de poder assegurar a difusão através da sua tecnologia do único programa de televisão por assinatura completo actualmente proposto no mercado, ou seja, a Premiere World. Recorda a este respeito o carácter nefasto, do ponto de vista do direito da concorrência, do surgimento ou da manutenção de um domínio do mercado em matéria de tecnologia, como a Comissão reconheceu nas suas decisões Bertelsmann/Kirch/Premiere (considerandos 56 e segs.) e Deutsche Telekom/BetaResearch (considerandos 33 e segs.) a respeito do impacto do sistema d-box controlado pelo grupo Kirch. Observa também que a própria Comissão referiu na sua comunicação sobre as soluções que quando, como no caso em apreço, o problema de concorrência está ligado ao controlo de uma tecnologia essencial, a cessão da tecnologia em questão constitui a melhor solução (considerandos 29 e 30).

347.
    Contesta o argumento da Comissão relativo ao facto de o desbloqueio entre programas, tecnologia e equipamento estar já assegurado pelos compromissos que têm por objecto permitir aos terceiros o acesso à plataforma técnica da Kirch (compromissos n.os 1 a 3) e a plataformas técnicas concorrentes, o acesso aos serviços de televisão por assinatura da KirchPayTV (compromissos n.° 7). Expõe a este respeito que estes compromissos são ineficazes e remete para as críticas expostas a seu respeito. Recorda, nomeadamente, a propósito do compromisso n.° 7, as consideráveis dificuldades práticas encontradas pela plataforma técnica alternativa FUN para obter o acordo do grupo Kirch para ter acesso aos programas da Premiere World.

- Apreciação do Tribunal

348.
    A recorrente sustenta que a Comissão deveria ter previsto um compromisso impondo à Kirch, por um lado, que propusesse o descodificador d-box a clientes que não desejassem subscrever uma assinatura dos programas pagos propostos pela KirchPayTV e, por outro, permitir a esses assinantes receber os seus programas através de um equipamento diferente do descodificador d-box.

349.
    Convém salientar a este respeito que os compromissos n.os 1 a 3, que prevêem o acesso de terceiros à plataforma técnica da Kirch, por um lado, e o compromisso n.° 7, que prevê o acesso de outras plataformas técnicas aos serviços de televisão por assinatura da Kirch, por outro, têm precisamente por objectivo assegurar o acesso dos concorrentes terceiros. Ora, as censuras da recorrente relativas à alegada insuficiência desses compromissos para dissipar as sérias dúvidas suscitadas pela Comissão foram já rejeitadas supra.

350.
    Deve-se referir, por outro lado, que a recorrente não demonstrou, nem mesmo expôs, em que medida, vistas as diferentes medidas de abertura dos mercados resultantes de todos os compromissos previstos pela decisão, seria, além disso, necessário acrescentar o compromisso que ela propusera.

351.
    Conclui-se que a recorrente não demonstrou que a Comissão cometeu um erro manifesto de apreciação e que a censura não é procedente.

352.
    Esta conclusão não pode ser colocada em causa pelo argumento, formulado pela recorrente na réplica, segundo a qual a plataforma técnica FUN tinha dificuldades em obter da Kirch o acesso aos seus programas de televisão por assinatura, a Premiere World. Os compromissos prevêem efectivamente, de modo pormenorizado, um processo de arbitragem que permite, nomeadamente, a adopção de medidas vinculativas, para resolver os problemas dessa natureza, e no caso de se verificar, no fim desse processo, que a Kirch não cumpriu os compromissos, a Comissão tem a possibilidade de revogar a decisão impugnada em conformidade com o artigo 8.°, n.° 5, do Regulamento n.° 4064/89.

353.
    Resulta de todas as considerações precedentes que o terceiro fundamento não é procedente.

Quanto ao quarto fundamento, baseado num vício processual que resulta do facto de não se ter dado início ao processo nos termos do artigo 6.°, n.° 1, alínea c), do Regulamento n.° 4064/89

Argumentos das partes

354.
    A recorrente considera que, em conformidade com o artigo 6.°, n.° 2, do regulamento relativo às concentrações, conjugado com o considerando 8 do Regulamento n.° 1310/97, a Comissão apenas pode aceitar compromissos durante a fase I do controlo quando os problemas de concorrência sejam rapidamente identificáveis e possam ser facilmente sanados e é apenas nesse caso que a Comissão pode não dar início ao processo nos termos do artigo 6.°, n.° 1, alínea c), do regulamento relativo às concentrações.

355.
    A este respeito, recorda que a Comissão expressou, na decisão impugnada, sérias dúvidas quanto à compatibilidade da operação de concentração com o mercado comum (v., nomeadamente, os considerandos 51 e 80). Além disso, remete para os seus argumentos baseados na extrema complexidade tanto dos problemas de concorrência suscitados pela operação de concentração como dos compromissos propostos e no carácter manifestamente inapropriado dos compromissos aceites. Daqui conclui que os problemas de concorrência suscitados no caso em apreço não eram rapidamente identificáveis e não podiam ser facilmente sanados e que, por conseguinte, a Comissão não podia renunciar a iniciar o processo nos termos do artigo 6.°, n.° 1, alínea c), do regulamento relativo às concentrações.

356.
    A recorrente considera que o não início do processo em causa constitui um vício processual.

357.
    Em apoio desta tese, refere-se também ao acórdão do Tribunal de Primeira Instância de 10 de Maio de 2000, SIC/Comissão (T-46/97, Colect., p. II-2125). Expõe que nesse acórdão, proferido no quadro de um processo de auxílios de Estado, o Tribunal de Primeira Instância anulou a decisão da Comissão que recusou qualificar os financiamentos criticados por um queixoso de auxílios de Estado sem dar início ao processo formal previsto no artigo 88.°, n.° 2, CE. Salienta que em apoio desta conclusão, o Tribunal de Primeira Instância salientou as sérias dificuldades dessa qualificação e o facto de a recusa de dar início ao processo formal ter privado o queixoso da oportunidade de participar no processo apresentando observações. Considerando que o problema colocado no caso em apreço, embora integrando o controlo das concentrações e não dos auxílios de Estado é, essencialmente, comparável a esse processo e tem mesmo uma complexidade efectivamente mais importante que aquele processo, considera que seria ainda mais indispensável dar início ao processo no caso em apreço.

358.
    Salienta que a interpretação do artigo 6.°, n.° 1, alínea c), do regulamento relativo às concentrações, proposta pela KirchPayTV não tem em consideração o considerando 8 do Regulamento n.° 1310/97 e o carácter manifestamente inapropriado dos compromissos aceites no caso em apreço.

359.
    Em resposta ao argumento da KirchPayTV baseado na não pertinência do acórdão SIC/Comissão, já referido, devido nomeadamente às diferenças entre o processo que rege os auxílios de Estado e o que rege o controlo das concentrações, a recorrente precisa que o não início do processo nos termos do artigo 6.°, n.° 1, alínea c), do regulamento relativo às concentrações teve, nomeadamente, por efeito privá-la dos direitos processuais alargados que resultam o artigo 18.°, n.° 4, do Regulamento n.° 4064/89.

360.
    A Comissão e as intervenientes concluem pela improcedência do fundamento.

Apreciação do Tribunal

361.
    A recorrente invoca três argumentos em apoio do seu fundamento segundo o qual a Comissão era obrigada a dar início à fase II do processo.

362.
    Em primeiro lugar, quanto ao argumento baseado no facto de a Comissão ter verificado que o projecto de concentração suscitava sérias dúvidas, há que recordar que o artigo 6.°, n.° 1, alínea c), do regulamento relativo às concentrações, que dispõe que a Comissão é obrigada a dar início ao processo, se verificar que a operação de concentração suscita sérias dúvidas quanto à sua compatibilidade com o mercado comum, prevê expressamente que essa obrigação é exercida sem prejuízo do n.° 2 desse artigo. Ora, este último, prevê precisamente a faculdade de a Comissão não dar início ao processo acima referido e declarar a operação compatível com o mercado comum se verificar que, na sequência das alterações introduzidas pelas partes, a referida operação deixou de suscitar sérias dúvidas.

363.
    Conclui-se que a circunstância de a Comissão ter considerado que a concentração suscitava sérias dúvidas não implica que era obrigada a dar início à fase II do processo, uma vez que as partes apresentaram compromissos que permitem dissipar as dúvidas. Ora, a Comissão referiu, no considerando 94 da decisão impugnada, que os compromissos apresentados pelas partes dissipavam as sérias dúvidas.

364.
    Em segundo lugar, importa recordar que os argumentos da recorrente segundo os quais, por um lado, a Comissão não podia aceitar os compromissos na fase I, na medida em que os problemas de concorrência não podiam ser rapidamente identificáveis, e, por outro, os compromissos não permitiam afastar as sérias dúvidas colocadas pelo projecto de concentração, foram já rejeitados, respectivamente, no âmbito do segundo e do terceiro fundamento.

365.
    Por último, é necessário referir que o terceiro argumento baseado na comparação com o processo que deu origem ao acórdão SIC/Comissão, já referido, não tem fundamento, na medida em que os procedimentos de apreciação pela Comissão nos termos do artigo 6.° do regulamento relativo às concentrações não podem ser equiparados aos efectuados nos termos do artigo 88.° CE.

366.
    Em especial, há que recordar, antes de mais, que, ao nível da fase preliminar do processo em matéria de auxílios de Estado, os terceiros interessados não têm qualquer direito de participar no processo. Cabe observar, em seguida, que se a Comissão verificar, durante o exame prévio previsto no artigo 88.° CE, que o projecto constitui um auxílio na acepção do artigo 87.°, n.° 1, CE e que, nessa medida, existem dúvidas quanto à sua compatibilidade com o mercado comum, é obrigada a dar início ao processo formal, ao passo que, como foi exposto supra, se a Comissão considerar que uma operação de concentração suscita sérias dúvidas, não é obrigada a dar início à fase II se as alterações da operação de concentração ou os compromissos das empresas em causa permitirem dissipar as referidas dúvidas.

367.
    Resulta das considerações precedentes que o quarto fundamento deve ser julgado improcedente.

Quanto ao quinto fundamento, baseado na redução inadmissível dos direitos de participação de terceiros no processo

Argumentos das partes

368.
    A recorrente sustenta que a Comissão violou os direitos de participação dos terceiros no processo, na medida em que aceitou compromissos propostos pelas partes na concentração tão tardiamente que a recorrente não pôde atempadamente tomar posição.

369.
    A recorrente recorda que o artigo 18.°, n.° 1, do Regulamento n.° 447/98 dispõe que os compromissos propostos à Comissão pelas empresas em causa nos termos do n.° 2 do artigo 6.° do Regulamento n.° 4064/89 e que os interessados pretendem que constitua a base de uma decisão ao abrigo do n.° 1, alínea b), do referido artigo, devem ser apresentados à Comissão, no prazo de três semanas após a data de recepção da notificação.

370.
    Interpreta esta disposição no sentido de impor que todos os compromissos que as partes desejem propor deverem obrigatoriamente ser comunicados à Comissão no prazo de três semanas a contar da data de recepção da notificação. Só as modificações menos e rapidamente identificáveis podem ainda ser consideradas, em seguida, aceitáveis.

371.
    Justifica esta interpretação com três argumentos.

372.
    Em primeiro lugar, recorda que resulta do artigo 10.°, n.° 6, do regulamento relativo às concentrações que se a Comissão não tomar qualquer decisão nos termos do artigo 6.°, alínea b), no prazo de seis semanas, considera-se que a operação de concentração foi declarada compatível com o mercado comum. Daqui deduz, se se aceitar que as empresas abrangidas pela operação de concentração podem modificar, sem restrição, os seus compromissos após o decurso do prazo de três semanas previsto pelo artigo 18.°, n.° 1, do Regulamento n.° 447/98, relativo às notificações, têm a possibilidade de propor modificações significativas pouco antes do termo do prazo de seis semanas e impelir, deste modo, a Comissão à autorização, por não se ter manifestado, prevista no artigo 10.°, n.° 6, do regulamento relativo às concentrações.

373.
    Em segundo lugar, a interpretação proposta justifica-se em relação ao considerando 8 do Regulamento n.° 1310/97, segundo o qual a Comissão só pode aceitar compromissos durante a fase I do processo quando o problema de concorrência for rapidamente identificável e possa ser facilmente sanado. A recorrente refere-se a este respeito também à comunicação sobre as soluções, na qual a Comissão refere, no n.° 37, que, dado que as soluções propostas na fase I do controlo se destinam a proporcionar uma resposta clara a uma preocupação de concorrência facilmente identificável, só podem ser aceites pequenas alterações.

374.
    A este respeito, a recorrente refuta o argumento da KirchPayTV segundo o qual as alterações destinadas a tomar em consideração as observações de terceiros não constituem um indício de que os problemas de concorrência suscitados pela operação de concentração não são rapidamente identificáveis ou que não podem ser facilmente sanados. Com efeito, a Comissão só tem o direito de tomar em consideração as observações dos terceiros para exigir das partes modificações dos compromissos propostos se essas observações colocarem em dúvida a possibilidade de declarar a operação de concentração compatível com o mercado comum. Modificações importantes e frequentes dos compromissos propostos na sequência das observações de terceiros são, assim, o reflexo de dificuldades importantes suscitadas pela operação de concentração.

375.
    Em terceiro lugar, a interpretação sugerida é confirmada pela circunstância de o artigo 18.°, n.° 1, do Regulamento n.° 447/98, relativo às notificações, não prever a possibilidade de a Comissão prorrogar o prazo de apresentação dos compromissos, e isto contrariamente ao n.° 2 desse mesmo artigo que diz respeito aos compromissos propostos no decurso da fase I.

376.
    Por conseguinte, tendo em conta estas considerações, a recorrente conclui que a Comissão já não podia, em princípio, tomar em consideração alterações aos compromissos propostos depois do decurso do prazo previsto pelo artigo 18.°, n.° 1, do Regulamento n.° 447/98, isto é, no caso em apreço, depois de 29 de Fevereiro de 2000.

377.
    A recorrente observa que a Comissão, apesar disso, teve em consideração, depois dessa data, duas modificações do conjunto de compromissos, que são essenciais e que, por razões táticas evidentes, apenas foram apresentadas muito pouco tempo antes do termo do prazo de seis semanas previsto pelo artigo 10.°, n.° 1, do Regulamento n.° 4064/89.

378.
    Considera que, ao fazê-lo, a Comissão reduziu, de modo inadmissível, os direitos de participação dos terceiros no processo. Vê confirmada esta afirmação pelo facto de lhe ter sido fixado um prazo de apenas 24 horas a respeito da primeira modificação do conjunto de compromissos, e de não ter tido a possibilidade de apresentar observações a respeito da segunda alteração desse conjunto de compromissos.

379.
    A recorrente precisa que não invoca a violação do direito dos terceiros serem ouvidos. No entanto, contesta a pertinência dos argumentos da Comissão e da KirchPayTV destinados a pôr em dúvida que ela tivesse esse direito. Contesta, por essa mesma razão, a pertinência da referência feita pela KirchPayTV ao artigo 16.°, n.° 1, do Regulamento n.° 447/98, e do argumento baseado no facto de não estar previsto nenhum prazo para a audição de terceiros nos termos do artigo 18.°, n.° 4, do Regulamento n.° 4064/89.

380.
    Neste mesmo contexto, alega que o acórdão Kaysersberg/Comissão, já referido, invocado pela Comissão para sustentar o seu argumento baseado no carácter muito reduzido dos direitos de terceiros durante o processo de controlo das concentrações, não é pertinente porque é respeitante a factos anteriores à entrada em vigor do Regulamento n.° 447/98, e, por conseguinte, do artigo 18.°, n.° 1, deste último, que fixou o prazo durante o qual os compromissos podem ser propostos. A recorrente observa a este respeito, que o Tribunal salienta expressamente no referido acórdão, no n.° 141, essa inexistência de disposição que imponha um prazo, referindo que isso implicava que a Comissão não estivesse, no caso em apreço, em condições de recusar proceder à apreciação de compromissos propostos mesmo tardiamente. Daí deduz que aqui se impõe a conclusão inversa.

381.
    A Comissão, apoiada pela KirchPayTV, conclui pela não procedência da argumentação da recorrente relativa a este fundamento.

Apreciação do Tribunal

382.
    Há que recordar que as partes na concentração notificaram a operação de concentração de modo completo em 7 de Fevereiro de 2000 e propuseram compromissos à Comissão em 29 de Fevereiro de 2000 e duas versões alteradas destes últimos em 14 e 16 de Março de 2000.

383.
    Há que recordar que, nos termos do artigo 18.°, n.° 1, do Regulamento n.° 447/98:

«Os compromissos propostos à Comissão pelas empresas em causa nos termos do n.° 2 do artigo 6.° do Regulamento [...] n.° 4064/89, que os interessados pretendam que constitua a base de uma decisão ao abrigo do n.° 1, alínea b), do referido artigo, devem ser apresentados à Comissão, o mais tardar, três semanas após a data de recepção da notificação.»

384.
    No caso em apreço, tendo a notificação sido declarada completa pela Comissão em 7 de Fevereiro de 2000, o prazo para propor compromissos à Comissão durante a fase I expirava em 29 de Fevereiro de 2000, nos termos do método de contagem dos prazos definido nos artigos 6.° a 9.° e 18.°, n.° 3, do Regulamento n.° 447/98. Daqui resulta que a versão inicial dos compromissos foi apresentada à Comissão dentro dos prazos fixados pelo artigo 18.°, n.° 1, do Regulamento n.° 447/98.

385.
    Todavia está apurado que a versão inicial dos compromissos não é a que finalmente foi aceite pela Comissão na decisão impugnada e que tanto a versão modificada dos compromissos como a sua versão final foram apresentadas pelas partes depois de 29 de Fevereiro de 2000. Há que, portanto, examinar se a Comissão tinha o direito de aceitar os referidos compromissos.

386.
    A este respeito, o Tribunal já decidiu que o artigo 18.°, n.° 1, do Regulamento 447/98, deve ser interpretado no sentido de que, embora as partes numa concentração não possam obrigar a Comissão a tomar em consideração compromissos e as respectivas alterações ocorridas depois do prazo de três semanas, em contrapartida, a Comissão, se considerar ter o tempo necessário para os examinar, deve estar em condições de autorizar a concentração vistos os referidos compromissos, mesmo que ocorram alterações depois do prazo de três semanas (acórdão Royal Philips Electronics/Comissão, já referido, n.° 239).

387.
    Daqui resulta que a Comissão tinha o direito de aceitar a versão alterada dos compromissos e a sua versão final para além do prazo de três semanas previsto pelo artigo 18.°, n.° 1, do Regulamento n.° 447/98, não sendo o prazo para ela vinculativo.

388.
    É um facto que, nos termos do n.° 37 da comunicação sobre as soluções, a Comissão referiu:

«Se a apreciação revelar que os compromissos propostos não são suficientes para dissipar as preocupações de concorrência suscitadas pela concentração, as partes serão informadas desse facto. Dado que as soluções propostas na fase I se destinam a proporcionar uma resposta clara a uma preocupação de concorrência facilmente identificável, só podem ser aceites pequenas alterações aos compromissos propostos. Tais alterações, apresentadas como uma resposta imediata ao resultado das consultas, incluem clarificações, precisões e/ou outras melhorias que assegurarão que os compromissos são viáveis e efectivos.»

389.
    Todavia, a referida comunicação deve ser interpretada à luz do artigo 18.°, n.° 1, do Regulamento n.° 447/98.

390.
    Conclui-se que a Comissão, se considerar ter o tempo necessário para examinar as modificações feitas aos compromissos para além desse prazo, deve estar em condições de autorizar a concentração vistos os compromissos alterados.

391.
    De qualquer modo, há que observar que as alterações aceites no caso em apreço pela Comissão, depois do prazo de três semanas, eram limitadas na acepção do n.° 37 da comunicação, quer dizer, foram «apresentadas como uma resposta imediata ao resultado das consultas, incluem clarificações, precisões e/ou outras melhorias que assegurarão que os compromissos são viáveis e efectivos».

392.
    A este respeito, há antes de mais que salientar que a recorrente não demonstrou nem indicou nos seus articulados ou durante a fase oral do processo, quais as modificações essenciais que foram feitas depois do prazo de três semanas, mas se limita simplesmente a afirmar que essas modificações foram feitas.

393.
    De modo geral, resulta da comparação da versão inicial dos compromissos, apresentada no prazo de três semanas, com a primeira modificação desses compromissos e a versão final dos compromissos aceites pela Comissão, que nem a abordagem global da Comissão destinada a abrir o acesso ao mercado nem a própria essência de cada um dos compromissos foram alteradas. Além disso, resulta que a versão alterada e a sua versão final dos compromissos são uma «melhoria» em relação à versão inicial, tendo precisamente em vista ter em consideração as observações formuladas por terceiros, nomeadamente pela recorrente.

394.
    Quanto às alterações introduzidas pela versão modificada da versão inicial, em relação aos três primeiros compromissos que são respeitantes ao acesso de terceiros à plataforma da Kirch, consistem, nomeadamente, em alargar a categoria dos destinatários desses compromissos a todos os terceiros interessados e não a limitá-la aos operadores de televisão e a especificar mais a obrigação de cooperação com o destinatário da proposta a que está sujeita a sociedade em causa do grupo Kirch, que inclui a obrigação de divulgar as informações relativas ao sistema de acesso condicional e aos serviços técnicos num prazo de um mês a contar do pedido escrito do terceiro interessado.

395.
    No respeitante ao quarto compromisso relativo ao acesso ao sistema d-box da Kirch para aplicações de terceiros, as alterações feitas pela versão final consistiram, principalmente, em subordinar o acesso ao sistema de exploração da d-box através da Application Programming Interface, conhecida sob o nome de DVB Multimedia Home Platform (MHP) (a seguir «API»), na condição de a Kirch e os terceiros se porem de acordo quanto às condições equitativas, apropriadas e não discriminatórias. Por outro lado, as novas disposições relativas aos testes a que os terceiros podem submeter a sua aplicação não modificam o âmbito do compromisso.

396.
    Por conseguinte, há que referir que a própria essência do compromisso que consiste em abrir mais o acesso de terceiros ao sistema d-box da Kirch não é alterada e as modificações constituem melhorias na acepção do n.° 37 da comunicação sobre as soluções.

397.
    Quanto ao quinto compromisso que é respeitante à interoperacionalidade das aplicações por intermédio da API, as alterações efectuadas na versão final limitaram-se a alterar o prazo em que essa interoperacionalidade deve ser efectiva e a garantir que não foi solicitada nenhuma licença suplementar para o desenvolvimento das aplicações compatíveis com a MHP.

398.
    Quanto ao sexto compromisso, relativo à interoperacionalidade de plataformas concorrentes, a versão final do compromisso limita-se simplesmente a precisar melhor as condições a que a Kirch sujeita a oferta de celebração dos acordos Simulcrypt com todos os fornecedores de sistemas de acesso condicional digital. Assim, a Kirch compromete-se a tudo fazer a fim de garantir que os acordos Simulcrypt entrem em vigor o mais breve possível e já não no prazo de doze meses. O cumprimento deste compromisso depende, além disso, do facto de o fornecedor do sistema de acesso condicional e a Kirch colaborarem «tanto quanto for objectivamente necessário». Trata-se efectivamente de modificações que não alteram nem a natureza nem a essência do compromisso.

399.
    Quanto ao sétimo compromisso que diz respeito ao acesso de outras plataformas técnicas aos serviços de televisão por assinatura da Kirch, há que referir que o facto de acrescentar a condição de não discriminação entre os assinantes que captam a televisão através da plataforma técnica da Kirch e os assinantes que captam a televisão através de outras plataformas à obrigação de a Kirch vender os seus serviços de televisão por assinatura directamente aos subscritores (ou assinantes), constitui uma melhoria da versão inicial desse compromisso mas não modifica o seu âmbito ou a sua natureza.

400.
    Quanto ao oitavo compromisso relativo à utilização da tecnologia do sistema d-box por outras plataformas concorrentes, há que referir que as alterações feitas à versão inicial constituem uma melhoria desse compromisso na medida em que as condições relativas às garantias que deviam oferecer os terceiros foram substituídas pela concessão de uma licença numa base razoável e não discriminatória a todos os terceiros interessados que fizerem esse pedido.

401.
    No que diz respeito ao nono fundamento, relativo à produção de descodificadores de «sistema múltiplo», as alterações feitas consistiram em precisar melhor o âmbito do compromisso da Kirch e contribuíram para facilitar o acesso dos terceiros. Com efeito, na versão modificada desse compromisso, a Kirch comprometeu-se a não impedir os fabricantes de introduzir nesses descodificadores um sistema de acesso condicional para um terceiro e a não recusar fornecer os subscritores (ou os assinantes) dos seus serviços de televisão por assinatura apenas pela razão de que desejavam utilizar um sistema d-box com essa capacidade. A versão final acrescenta que a Kirch se compromete a não impor aos fabricantes outras restrições susceptíveis de os impedir de fabricar descodificadores que contenham sistemas de acesso condicional suplementares.

402.
    Apenas foram acrescentados os compromisso n.os 10 e 11, que são respeitantes, respectivamente, à passagem do sistema analógico para o sistema digital e ao limite das capacidades suplementares nas redes por cabo. Todavia, comparados com os nove outros compromissos, não se pode considerar que este aditamento constitua uma modificação essencial, na medida em que esses compromissos têm apenas por objectivo reforçar o acesso de terceiros aos diferentes mercados em causa, o que os nove primeiros compromissos tiveram precisamente por objectivo assegurar.

403.
    Com efeito, o compromisso relativo à passagem do sistema analógico para o sistema digital, que tem por objectivo evitar que as actividades dos terceiros interessados no mercado da televisão por assinatura ou dos serviços interactivos digitais sejam entravadas devido à utilização pelos consumidores de descodificadores analógicos não convenientes a esse tipo de actividades, não pode ser considerado uma modificação essencial mas, pelo contrário, uma melhoria que permite melhorar o acesso dos terceiros ao sistema da Kirch.

404.
    Do mesmo modo, o último compromisso da Kirch no sentido de não solicitar mais espaços numéricos por cabo até 31 de Dezembro de 2000, que tem por objectivo evitar que a proposta da televisão por assinatura da Kirch não esteja em posição de força em relação às propostas provenientes de terceiros, não pode ser considerado uma modificação essencial mas, pelo contrário, uma melhoria da versão inicial dos compromissos destinada a torná-los praticáveis e reais.

405.
    Em relação a todas estas considerações, a versão modificada dos compromissos e a sua versão final podem ser consideradas modificações limitadas que, nos termos do n.° 37 da comunicação sobre as soluções, podem ser aceites pela Comissão para além do prazo previsto no artigo 18.°, n.° 1, do Regulamento n.° 447/98.

406.
    De resto, a recorrente repetiu várias vezes, nos seus articulados, que as alterações em causa constituíam «modificações tácticas incessantes de compromissos já totalmente inadequados e insuficientes na sua forma inicial». Estas afirmações conduzem à conclusão de que a recorrente se opõe na realidade aos compromissos iniciais e não às alterações a eles feitas após as observações de terceiros, com o objectivo de os tornar reais e praticáveis, e que nem a natureza nem o âmbito dos referidos compromissos foram alterados.

407.
    Resulta das considerações precedentes que as alterações feitas aos compromissos iniciais eram limitadas na acepção do n.° 37 da comunicação sobre as soluções.

408.
    Contudo, importa ainda examinar se, como alega a recorrente, a aceitação pela Comissão das modificações aos compromissos iniciais após o prazo de três semanas, prejudicou os seus direitos processuais.

409.
    A este respeito, é necessário referir, antes de mais, que a recorrente, antes de ser informada pela Comissão, em 29 de Fevereiro de 2000, das propostas de compromissos da BSkyB e da Kirch, na sua qualidade de terceiro, foi associada ao processo e foi-lhe enviado um pedido de informações da Comissão em 11 de Janeiro de 2000, nos termos do qual devia apresentar as suas observações quanto à repercussão do projecto de concentração na concorrência. Essas observações foram apresentadas em 14 e 21 de Janeiro de 2000 e foram seguidas de uma reunião com a Direcção-Geral da Concorrência em 9 de Fevereiro de 2000.

410.
    Além disso, o Tribunal salienta que, a pedido da Comissão, a recorrente enviou-lhe, por carta de 22 de Fevereiro de 2000, a sua exposição das exigências, condições ou compromissos contratuais públicos que considerava necessários nos termos do direito da concorrência.

411.
    O Tribunal salienta igualmente que a recorrente foi convidada a dar a sua opinião, como refere na sua petição inicial, sobre os compromissos iniciais num prazo ligeiramente inferior a 48 horas, bem como sobre o primeira versão das modificações a eles feitas no prazo de 24 horas.

412.
    Assim, na sua carta de 2 de Março de 2000, a recorrente criticou o facto de os compromissos propostos inicialmente pelas partes no projecto de concentração não constituírem mais do que a promessa da KirchPayTV de não abusar da posição dominante. A recorrente mais uma vez reiterou a sua opinião segundo a qual, mesmo tendo em consideração compromissos mais vastos, o projecto de concentração não era conforme ao direito comunitário.

413.
    A recorrente também teve a possibilidade de apresentar as suas observações sobre a primeira versão de modificações pela sua carta de 15 de Março de 2000. Mais uma vez reiterou o seu receio quanto ao reforço da posição dominante da Kirch no mercado da televisão por assinatura na Alemanha e quanto à criação de um quase monopólio no que diz respeito ao fornecimento das plataformas técnicas e dos serviços. Solicitou também alterações relativas às modalidades dos compromissos para abrir mais o acesso ao mercado das set-top box diferentes das d-box e abrir o sistema da Kirch ao MHP-padrão, sem condições de prazo nem condições e encargos comerciais discriminatórios.

414.
    Vistas as considerações precedentes, há que declarar que a Comissão ouviu os terceiros durante a fase I inclusivamente a recorrente.

415.
    Por conseguinte, há que afirmar que a recorrente teve efectivamente condições para dar a conhecer a sua posição quanto ao alcance e à natureza dos compromissos que, em sua opinião, deveriam ser assumidos pelas partes na concentração e impostos a título de condições ou encargos pela Comissão.

416.
    Ora, no acórdão Kaysersberg/Comissão, já referido, o Tribunal considerou, no n.° 119, que o interesse legítimo dos terceiros, como a recorrente, de darem a conhecer o seu ponto de vista sobre os efeitos prejudiciais da concentração sobre a concorrência ficou plenamente salvaguardado quando estes puderam, com base no conjunto das informações que lhes foram transmitidas pela Comissão durante o processo iniciado nos termos do artigo 6.°, n.° 1, alínea c), do Regulamento n.° 4064/89 e, nomeadamente, das propostas de compromissos apresentadas pelas empresas em causa, dar a conhecer o seu ponto de vista sobre as modificações que se pretendiam introduzir no projecto de concentração para dissipar as sérias dúvidas existentes quanto à sua compatibilidade com o mercado comum. Com efeito, neste caso, há garantias suficientes de que as considerações expostas pelas empresas terceiras concorrentes são susceptíveis, eventualmente, de ser tomadas em conta pela Comissão para apreciar a regularidade da concentração com o direito comunitário e determinar, em especial, se os compromissos propostos pelas empresas em causa lhe parecem suficientes para esse efeito.

417.
    Quanto à circunstância de a recorrente ter apenas disposto de um prazo de cerca de 24 horas para comentar as primeiras alterações aos compromissos iniciais, há que sublinhar que o artigo 18.°, n.° 4, do Regulamento n.° 4064/89 e o Regulamento n.° 447/98, não prevêem nenhuma obrigação específica quanto à duração do prazo fixado pela Comissão. Neste contexto, o Tribunal já decidiu, no acórdão Kaysersberg/Comissão, já referido, que:

«[...] a simples circunstância de a recorrente ter apenas disposto do prazo de dois dias úteis para apresentar as suas observações quanto às modificações propostas pela [partes] ao projecto de concentração não é, neste caso, susceptível de provar que o seu direito de ser ouvida, conferido pelo artigo 18.°, n.° 4, do Regulamento n.° 4064/89, foi violado pela Comissão. Esta interpretação impõe-se tanto mais que, embora o interesse legítimo dos terceiros qualificados a serem ouvidos possa exigir que estes disponham de um prazo suficiente para esse efeito, essa exigência deve, no entanto, ser adaptada ao imperativo de celeridade que caracteriza a economia geral do Regulamento n.° 4064/89 e que exige à Comissão que respeite prazos estritos para adoptar a decisão final, sem o que a operação é considerada compatível com o mercado comum.»

418.
    Por estas mesmas razões, e a fortiori tratando-se de uma decisão da Comissão tomada durante a fase I, a circunstância de a recorrente só ter disposto de um prazo ligeiramente inferior a 24 horas para comentar alterações aos compromissos iniciais que lhe foram comunicados, não podia afectar a legalidade da decisão.

419.
    Além disso, a recorrente não invoca nenhum elemento que possa demonstrar em que medida um prazo mais longo lhe teria dado a possibilidade de formular mais observações a respeito da primeira versão de alterações dos compromissos propostas pela BSkyB e a Kirch de modo a dar a conhecer a sua posição quanto ao carácter suficiente ou não dos compromissos; limita-se a censurar à Comissão a insuficiência do prazo concedido. A este respeito, é pertinente afirmar que as críticas da recorrente no Tribunal são essencialmente as mesmas que as formuladas durante o processo administrativo.

420.
    Conclui-se que a censura relativa à insuficiência do prazo concedido à recorrente para apresentar observações sobre os compromissos propostos pelas partes na concentração e sobre as modificações a eles feitas não é procedente.

421.
    No que diz respeito à censura baseado no facto de a segunda versão de modificações não ter sido comunicada à recorrente e de, por conseguinte, não ter estado em condições de apresentar as suas observações sobre as referidas modificações aos compromissos iniciais, importa, antes de mais, recordar, como foi exposto supra, que a recorrente teve condições de dar a conhecer a sua posição quanto ao alcance e à natureza dos compromissos que, em sua opinião, deveriam ser assumidos pelas partes na concentração e impostos como condições ou encargos pela Comissão a fim de a operação ser considerada compatível com o mercado comum.

422.
    Além disso, resulta do acórdão Kaysersberg/Comissão, já referido, n.° 120, que, na fase II, a Comissão não é obrigada, nos termos do artigo 18.°, n.° 4, do Regulamento n.° 4064/89, a comunicar aos terceiros qualificados, para parecer prévio, a versão definitiva dos compromissos que foram assumidos pelas empresas em causa com base nas objecções emitidas pela Comissão, na sequência, nomeadamente, das observações recolhidas junto de terceiros sobre as propostas de compromissos formuladas pelas empresas em questão.

423.
    Tal é a fortiori o caso no que diz respeito a uma decisão da Comissão tomada no termo da fase I.

424.
    Do mesmo modo, no que diz respeito à censura da recorrente baseada na insuficiência do prazo para apresentar as suas observações, a recorrente não invoca nenhum elemento alusivo a considerações que poderia fazer quanto à segunda versão de modificações.

425.
    Conclui-se que o quinto fundamento não é procedente.

426.
    Resulta de tudo o que precede que deve ser negado provimento ao recurso na sua integralidade.

Quanto às despesas

427.
    Nos termos do artigo 87.°, n.° 2, do Regulamento de Processo do Tribunal de Primeira Instância, a parte vencida deve ser condenada nas despesas se a parte vencedora o tiver requerido. Tendo a recorrente sido vencida, há que decidir que suportará, além das suas próprias despesas, as da Comissão e as das intervenientes, KirchPayTV e BSkyB, em conformidade com os seus pedidos neste sentido.

Pelos fundamentos expostos,

O TRIBUNAL DE PRIMEIRA INSTÂNCIA (Terceira Secção)

decide:

1.
    É negado provimento ao recurso.

2.
    A recorrente suportará as suas próprias despesas, bem como as efectuadas pela Comissão e as intervenientes, KirchPayTV e BSkyB.

Jaeger
Lenaerts
Azizi

Proferido em audiência pública no Luxemburgo, em 30 de Setembro de 2003.

O secretário

O presidente

H. Jung

K. Lenaerts

Índice

    Quadro jurídico

II - 2

    Factos na origem do litígio

II - 3

    A decisão impugnada

II - 5

        O mercado da televisão por assinatura

II - 6

        O mercado dos serviços de televisão interactiva digital

II - 7

        O mercado da aquisição dos direitos de difusão

II - 8

        Os compromissos

II - 8

    Tramitação processual e pedidos das partes

II - 9

    Quanto à admissibilidade

II - 9

        Quanto à legitimidade da recorrente para interpor o recurso

II - 10

            Argumentos das partes

II - 10

            Apreciação do Tribunal

II - 12

                - A existência de uma certa concorrência entre a televisão gratuita e a televisão por assinatura

II - 16

                - A convergência no futuro entre a televisão gratuita e a televisão por assinatura devido à digitalização

II - 16

                - Os efeitos da concentração nos serviços de televisão interactiva digital

II - 17

                - A participação da recorrente no projecto FUN

II - 17

                - A aquisição dos direitos de retransmissão

II - 18

        Quanto às condições do artigo 44.°, n.° 1, do Regulamento de Processo

II - 19

    Quanto ao mérito

II - 19

        Quanto ao primeiro fundamento, baseado num erro de apreciação dos factos na perspectiva ao artigo 2.°, n.os 3 e 4, do Regulamento n.° 4064/89

II - 19

            Argumentos das partes

II - 19

            Apreciação do Tribunal

II - 22

        Quanto ao segundo fundamento, baseado na violação do artigo 6.°, n.° 2, do Regulamento n.° 4064/89

II - 25

            Argumentos das partes

II - 25

            Apreciação do Tribunal

II - 30

        Quanto ao terceiro fundamento, baseado na insuficiência dos compromissos

II - 35

            Observações comuns a todos os compromissos

II - 35

                - Argumentos das partes

II - 35

                - Apreciação do Tribunal

II - 37

            Observações específicas a determinados compromissos

II - 41

                - Acesso de terceiros à plataforma Kirch (compromissos n.os 1 a 3)

II - 41

        1. Argumentos das partes

II - 41

        2. Apreciação do Tribunal

II - 42

            Abertura do acesso ao sistema d-box da Kirch para aplicações de terceiros (compromisso n.° 4)

II - 43

                - Argumentos das partes

II - 43

                - Apreciação do Tribunal

II - 45

            Interoperacionalidade das aplicações (compromisso n.° 5)

II - 46

                - Argumentos das partes

II - 46

                - Apreciação do Tribunal

II - 47

            Interoperacionalidade das plataformas concorrentes (compromisso n.° 6)

II - 48

                - Argumentos das partes

II - 48

                - Apreciação do Tribunal

II - 49

            Acesso de outras plataformas técnicas aos serviços de televisão por assinatura da Kirch (compromisso n.° 7)

II - 50

                - Argumentos das partes

II - 50

                - Apreciação do Tribunal

II - 51

            A utilização da tecnologia do sistema d-box por outras plataformas concorrentes (compromisso n.° 8)

II - 52

                - Argumentos das partes

II - 52

                - Apreciação do Tribunal

II - 53

            Produção de descodificadores «de sistema múltiplo» (compromisso n.° 9)

II - 54

                - Argumentos das partes

II - 54

                - Apreciação do Tribunal

II - 55

            Passagem do sistema analógico para o sistema digital (compromisso n.° 10)

II - 55

                - Argumentos das partes

II - 55

                - Apreciação do Tribunal

II - 55

            Limitação das capacidades suplementares nas redes por cabo (compromisso n.° 11)

II - 56

                - Argumentos das partes

II - 56

                - Apreciação do Tribunal

II - 56

        Observações que criticam a inexistência de determinados compromissos que são indispensáveis

II - 57

            Não existência de um compromisso destinado a equipar o descodificador d-box com uma interface comum

II - 58

                - Argumentos das partes

II - 58

                - Apreciação do Tribunal

II - 59

            Inexistência de um compromisso a respeito das eventuais relações entre a BetaResearch e a Deutsche Telekom

II - 60

                - Argumentos das partes

II - 60

                - Apreciação do Tribunal

II - 60

            Inexistência de um compromisso impondo o desbloqueio dos programas, da tecnologia e do equipamento

II - 61

                - Argumentos das partes

II - 61

                - Apreciação do Tribunal

II - 62

        Quanto ao quarto fundamento, baseado num vício processual que resulta do facto de não se ter dado início ao processo nos termos do artigo 6.°, n.° 1, alínea c), do Regulamento n.° 4064/89

II - 63

            Argumentos das partes

II - 63

            Apreciação do Tribunal

II - 64

        Quanto ao quinto fundamento, baseado na redução inadmissível dos direitos de participação de terceiros no processo

II - 65

            Argumentos das partes

II - 66

            Apreciação do Tribunal

II - 68

    Quanto às despesas

II - 75


1: Língua do processo: alemão.