Language of document : ECLI:EU:F:2015:9

ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DA FUNÇÃO PÚBLICA
DA UNIÃO EUROPEIA
(Primeira Secção)

17 de março de 2015

Processo F‑73/13

AX

contra

Banco Central Europeu (BCE)

«Função pública — Pessoal do BCE — Processo disciplinar — Sanção disciplinar — Despedimento — Direitos de defesa — Acesso ao processo disciplinar — Acesso às informações e documentos relativos a outros serviços — Prazo razoável — Legalidade da composição do Comité Disciplinar — Papel consultivo do Comité Disciplinar — Agravamento da sanção relativamente à sanção que foi recomendada — Dever de fundamentação — Gestão de um serviço — Erro manifesto de apreciação — Proporcionalidade da sanção — Circunstâncias atenuantes — Circunstâncias agravantes — Exceção de ilegalidade»

Objeto:      Recurso interposto nos termos do artigo 36.°, n.° 2, do Protocolo relativo aos Estatutos do Sistema Europeu de Bancos Centrais e do Banco Central Europeu, anexado ao Tratado UE e ao Tratado FUE, no qual AX, designadamente, por um lado, pede a anulação da decisão da Comissão Executiva do Banco Central Europeu (BCE, ou a seguir «Banco»), de 28 de maio de 2013, que lhe aplicou uma sanção disciplinar de despedimento com aviso prévio e, por outro, pede que lhe seja concedido um montante de 20 000 euros a título de compensação do dano moral alegadamente sofrido.

Decisão:      É negado provimento ao recurso. AX suporta as suas próprias despesas e é condenado nas despesas efetuadas pelo Banco Central Europeu.

Sumário

1.      Funcionários — Agentes do Banco Central Europeu — Regime disciplinar — Processo disciplinar — Aplicação por analogia da jurisprudência desenvolvida no âmbito do Estatuto dos Funcionários

[Estatuto dos Funcionários; Condições de Trabalho do Pessoal do Banco Central Europeu, artigo 9.°, alínea c)]

2.      Funcionários — Agentes do Banco Central Europeu — Regime disciplinar — Processo disciplinar — Processo contraditório — Respeito dos direitos de defesa — Comunicação do processo ao interessado — Alcance — Limites

[Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia, artigo 41.°, n.° 2, alínea b);Condições de Trabalho do Pessoal do Banco Central Europeu, artigo 45.°; Regras Aplicáveis ao Pessoal do Banco Central Europeu, artigos 8.3.2 e 8.3.11]

3.      Funcionários — Agentes do Banco Central Europeu — Regime disciplinar — Sanção — Legalidade — Não instauração de processo disciplinar a outro agente por factos análogos — Irrelevância

(Condições de Trabalho do Pessoal do Banco Central Europeu, artigo 45.°; Regras Aplicáveis ao Pessoal do Banco Central Europeu, artigo 8.3.17.)

4.      Funcionários — Agentes do Banco Central Europeu — Regime disciplinar — Processo disciplinar — Respeito dos direitos de defesa — Dever de comunicar ao interessado um relatório preparado por um painel de inquérito antes da abertura do processo disciplinar e que não consta do processo disciplinar — Inexistência

(Regras Aplicáveis ao Pessoal do Banco Central Europeu, artigos 8.3.2 e 8.3.11; Circular n.° 1/2006 do Banco Central Europeu, artigo 6.°, n.° 14)

5.      Funcionários — Agentes do Banco Central Europeu — Regime disciplinar — Processo disciplinar — Comité Disciplinar — Composição — Diretor‑geral ou diretor‑geral adjunto da Direção‑Geral dos Recursos Humanos — Admissibilidade

(Estatuto dos Funcionários, anexo IX, Secção 2; Protocolo relativo aos Estatutos do Sistema Europeu de Bancos Centrais e do Banco Central Europeu, artigo 36.°, n.° 2; Regras Aplicáveis ao Pessoal do Banco Central Europeu, artigos 8.3.5 e 8.3.7)

6.      Funcionários — Agentes do Banco Central Europeu — Regime disciplinar — Processo disciplinar — Respeito dos direitos de defesa — Princípio da presunção de inocência — Alcance

(Condições de Trabalho do Pessoal do Banco Central Europeu, artigo 45.°; Regras Aplicáveis ao Pessoal do Banco Central Europeu, artigo 8.3.15.)

7.      Funcionários — Agentes do Banco Central Europeu — Regime disciplinar — Processo disciplinar — Prazos — Obrigação de a administração agir num prazo razoável — Apreciação

(Regras Aplicáveis ao Pessoal do Banco Central Europeu, artigo 8.3.2.)

8.      Funcionários — Agentes do Banco Central Europeu — Regime disciplinar — Sanção — Dever de fundamentação — Alcance

(Condições de Trabalho do Pessoal do Banco Central Europeu, artigo 45.°; Regras Aplicáveis ao Pessoal do Banco Central Europeu, artigo 8.3.17.)

9.      Funcionários — Agentes do Banco Central Europeu — Regime disciplinar — Sanção — Poder de apreciação da Comissão Executiva — Limites — Respeito pelo princípio da proporcionalidade — Fiscalização jurisdicional — Limites

(Condições de Trabalho do Pessoal do Banco Central Europeu, artigo 45.°; Regras Aplicáveis ao Pessoal do Banco Central Europeu, artigo 8.3.17.)

10.    Funcionários — Agentes do Banco Central Europeu — Direitos e obrigações — Dever de lealdade — Alcance — Demissão de um agente que lesou irremediavelmente a relação de confiança que o ligava ao Banco — Admissibilidade

[Condições de Trabalho do Pessoal do Banco Central Europeu, artigos 4.°, alínea a), e 44.°; Código de Conduta do Banco Central Europeu; artigos 2, 2.2, 4.1, 4.2 e 5.1]

11.    Funcionários — Agentes do Banco Central Europeu — Regime disciplinar — Sanção — Circunstância atenuante — Apreciação no caso de um agente que exerce funções de gestão

(Condições de Trabalho do Pessoal do Banco Central Europeu, artigo 45.°)

12.    Direito da União Europeia — Princípios — Direitos fundamentais — Liberdade de associação — Alcance — Obrigação de negociação coletiva — Inexistência

(Artigo 13.° TUE; Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia, artigo 28.°; Protocolo relativo aos Estatutos do Sistema Europeu de Bancos Centrais e do Banco Central Europeu, artigo 36.1)

1.      Uma vez que, nos termos do artigo 9.°, alínea c), das Condições de Trabalho do Banco Central Europeu, os princípios consagrados nos regulamentos, nas normas e na jurisprudência aplicáveis ao pessoal das instituições da União são devidamente tomados em consideração para interpretar os direitos e obrigações previstos nas referidas Condições de Trabalho, o juiz da União, nos casos em que o processo disciplinar previsto no corpo normativo aplicável aos agentes do Banco apresente alguma analogia com o previsto no Estatuto dos Funcionários da União, pode aplicar por analogia, se tal for necessário, a jurisprudência desenvolvida a respeito do processo disciplinar previsto no Estatuto.

(cf. n.os 102 e 103)

2.      Embora as disposições aplicáveis aos agentes do Banco Central Europeu prevejam, em benefício do agente que é objeto de um processo disciplinar, um acesso, em princípio sem restrições, aos elementos do processo disciplinar, incluindo aos elementos que lhe são favoráveis, aquelas disposições não preveem, no entanto, um acesso ilimitado desse agente a qualquer informação ou a qualquer documento que se encontre nas instalações do Banco ou que possam ser reconstituídos a partir de documentos existentes ou de informações que estão disponíveis nessas instalações. Com efeito, relativamente a este último tipo de informações ou de documentos reconstituídos, que, em princípio, não se pode considerar que fazem parte integrante do processo disciplinar, as regras aplicáveis ao pessoal não preveem que sejam comunicados oficiosamente ao interessado.

O direito de acesso ao processo disciplinar, previsto no corpo normativo aplicável ao pessoal do Banco, respeita as exigências fixadas no direito da União, nomeadamente, no artigo 41.°, n.° 2, alínea b), da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia, bem como na jurisprudência da União em matéria de procedimento disciplinar. Com efeito, é certo que o caráter contraditório de um processo disciplinar, como o que corre perante o Comité Disciplinar do Banco, e os direitos de defesa nesse processo exigem que o interessado e, sendo caso disso, o seu advogado, possam tomar conhecimento de todos os elementos de facto nos quais a decisão disciplinar se baseou, devendo tal suceder em tempo útil para que sejam apresentadas as suas observações. Assim, o respeito pelos direitos de defesa exige que a parte interessada esteja em posição de dar a conhecer utilmente o seu ponto de vista sobre a pertinência dos factos, mas também que possa tomar posição, pelo menos, sobre os documentos em que a instituição da União se baseou e que contenham factos importantes para o exercício dos seus direitos de defesa. No entanto, a exigência de um acesso do interessado aos documentos que lhe digam respeito só pode ser aplicada relativamente a documentos utilizados no processo disciplinar e/ou na decisão final da administração. Por conseguinte, para efeitos do princípio do respeito dos direitos de defesa, a administração não está necessariamente obrigada a fornecer outros documentos.

A este respeito, não incumbe ao Banco nem ao Comité Disciplinar pronunciarem‑se sobre a pertinência ou sobre o interesse que certos documentos poderiam revestir para a defesa de um membro do pessoal, uma vez que não se pode excluir que os documentos que o Banco ou o Comité Disciplinar consideraram não serem pertinentes possam revestir um certo interesse para esse membro do pessoal. Por conseguinte, nem o Banco nem o Comité Disciplinar podem excluir unilateralmente do processo administrativo documentos suscetíveis de serem utilizados pelo interessado na sua defesa.

(cf. n.os 114, 115 e 120)

Ver:

Tribunal de Primeira Instância: acórdãos ICI/Comissão, T‑36/91, EU:T:1995:118, n.° 93; N/Comissão, T‑273/94, EU:T:1997:71, n.° 89; Eyckeler & Malt/Comissão, T‑42/96, EU:T:1998:40, n.° 81; e Kaufring e o./Comissão, T‑186/97, T‑187/97, T‑190/97 a T‑192/97, T‑210/97, T‑211/97, T‑216/97 a T‑218/97, T‑279/97, T‑280/97, T‑293/97 e T‑147/99, EU:T:2001:133, n.os 179 e 185

3.      A responsabilidade de um membro do pessoal do Banco Central Europeu contra o qual foi aberto um processo disciplinar deve ser objeto de uma análise individual e autónoma, ou seja, independente da eventual legalidade ou ilegalidade da decisão ou da não tomada de decisão a respeito de outros membros do pessoal. Assim, para contestar a sanção de que foi objeto, um agente não pode invocar utilmente que não foi dado início a um processo disciplinar relativamente a um ou vários outros agentes por factos análogos àqueles que lhe são imputados.

(cf. n.os 123 e 228)

Ver:

Tribunal de Justiça: acórdãos Williams/Tribunal de Contas, 134/84, EU:C:1985:297, n.° 14, e de Compte/Parlamento, C‑326/91 P, EU:C:1994:218, n.° 52

Tribunal de Primeira Instância: acórdão de Compte/Parlamento, T‑26/89, EU:T:1991:54, n.° 170

4.      O relatório de atividades de um painel de inquérito, constituído pela Comissão Executiva do Banco Central Europeu na sequência de denúncias feitas por uma pessoa que inicialmente revelou à administração certas disfunções no interior de uma divisão da instituição, não pode ser considerado um relatório validado pelo Banco, ao contrário do que sucede com o relatório disciplinar previsto no artigo 8.3.2 das Regras Aplicáveis ao Pessoal, nem se pode considerar que constitui um relatório fundamentado na aceção do artigo 6.°, n.° 14, da Circular n.° 1/2006, que define as regras que regem os inquéritos administrativos no Banco.

Com efeito, atendendo ao caráter preliminar das constatações e conclusões que podem potencialmente constar do relatório de atividades do painel, bem como ao interesse legítimo em preservar o anonimato da pessoa que apresentou as denúncias, este relatório reveste a natureza de uma nota preparatória, redigida antes da abertura de um processo disciplinar. Por conseguinte, enquanto documento interno, esta nota preparatória não faz parte do processo disciplinar e, de acordo com as Regras Aplicáveis ao Pessoal do Banco, a sua comunicação a um membro do pessoal do Banco que é objeto de um processo disciplinar não é necessária para a salvaguarda dos seus direitos de defesa.

Deste modo, o Comité Disciplinar não exerce erradamente o seu poder de apreciação na matéria quando considera que, na medida em que o processo disciplinar contém elementos suficientes tanto sobre os factos imputados ao interessado como em apoio dos argumentos de defesa deste último, a integração deste documento que contém as apreciações provisórias do painel não apresenta uma mais‑valia e prolongará indevidamente o processo. Por outro lado, não se pode considerar que por o Comité Disciplinar ter aceitado requerer ao Banco o referido relatório e examiná‑lo para poder responder a um pedido de acesso por parte do interessado, o referido relatório se transformou entretanto num elemento que faz parte do processo disciplinar e no qual o Comité Disciplinar se baseou no referido relatório para adotar o seu parecer.

Em todo o caso, embora a administração tenha a obrigação de comunicar a uma pessoa que seja alvo de um processo disciplinar os documentos em que expressamente se baseia para adotar uma decisão lesiva e, no que respeita ao Banco, seja obrigada, nos termos do artigo 8.3.11 das Regras Aplicáveis ao Pessoal, a permitir‑lhe tirar cópias de todas as peças processuais, incluindo daquelas que sejam suscetíveis de a absolver, a não divulgação de certos documentos só é suscetível de conduzir à anulação da decisão disciplinar se as acusações formuladas só puderem ser provadas através de uma referência para estes últimos documentos e se, por outras palavras, a não divulgação dos documentos assinalados pela pessoa em causa pôde influenciar, em detrimento desta última, o desenrolar do processo disciplinar e o conteúdo da decisão disciplinar.

(cf. n.os 135 a 139)

Ver:

Tribunal de Justiça: acórdãos R./Comissão, 255/83 e 256/83, EU:C:1985:324, n.° 24, e Tzoanos/Comissão, C‑191/98 P, EU:C:1999:565, n.os 34 e 35

Tribunal de Primeira Instância: acórdãos Y/Tribunal de Justiça, T‑500/93, EU:T:1996:94, n.° 45; N/Comissão, EU:T:1997:71, n.° 92; e E/Comissão, T‑24/98 e T‑241/99, EU:T:2001:175, n.os 92 e 93

5.      O Banco Central Europeu pode, no âmbito da sua autonomia institucional, prever um regime disciplinar que comporte um Comité Disciplinar cujas regras relativas à composição se afastam, mesmo que substancialmente, das que constam da secção 2 do anexo IX do Estatuto dos Funcionários no que respeita ao Conselho de Disciplina previsto para os funcionários e os outros agentes da União. A este respeito, ainda que o artigo 8.3.5 das Regras Aplicáveis ao Pessoal do Banco não preveja o mesmo equilíbrio entre os membros designados pela administração e os membros designados pelos representantes do pessoal, conforme se encontra previsto no Estatuto dos Funcionários, existem, no contexto não estatutário do Banco, garantias suficientes de imparcialidade e de objetividade do parecer que o Comité Disciplinar tem de formular e de adotar, e que em seguida é enviado à Comissão Executiva: em primeiro lugar, a composição do Comité Disciplinar, nomeadamente a origem em vários serviços dos seus membros; em segundo lugar, a circunstância de estar previsto, no artigo 8.3.7 das Regras Aplicáveis ao Pessoal, que as deliberações e os trabalhos do Comité Disciplinar revestem um caráter pessoal e confidencial e que os membros do referido Comité Disciplinar agem a título pessoal e exercem as suas funções com total independência; em terceiro lugar, o caráter colegial das deliberações e, por último, em quarto lugar, a possibilidade de o interessado recusar um dos seus membros.

A este respeito, a circunstância de o diretor‑geral ou de o diretor‑geral adjunto da Direção‑Geral dos Recursos Humanos serem membros de pleno direito do Comité Disciplinar não implica que exerçam ou possam exercer um poder determinante sobre os elementos do pessoal e, consequentemente, sobre as deliberações do Comité Disciplinar. Por outro lado, é aceitável que, num contexto não estatutário como o que caracteriza as relações de trabalho entre o Banco e os seus agentes, os interesses do Banco sejam representados no Comité Disciplinar por tal membro do pessoal, tanto mais que o diretor‑geral da Direção‑Geral dos Recursos Humanos não tem assento na Comissão Executiva, que é o órgão decisório em matéria disciplinar.

Nestas condições, não se pode acusar um dos membros do Comité, de entre os que são designados pela administração, de, por ocasião da audição de uma pessoa que é objeto de um processo disciplinar levado a cabo pelo Comité Disciplinar, ter interrogado o interessado num sentido que essa pessoa considerou ser acusador. Com efeito, essa conduta, caso venha a ser provada, não demonstra forçosamente que tenha havido parcialidade, podendo ser explicada pela vontade de contribuir para o debate de maneira contraditória, confrontando a pessoa em causa com os factos que lhe são imputados. Ora, ainda que a referida pessoa se possa subjetivamente ter apercebido de que as intervenções do diretor‑geral adjunto da Direção‑Geral dos Recursos Humanos, no momento da sua audição, foram formuladas em tom acusador, esse facto não traduz, enquanto tal, uma violação dos direitos de defesa ou do princípio da presunção de inocência.

Também não se pode afirmar perentoriamente que, devido às suas funções, o diretor‑geral ou o diretor‑geral adjunto da Direção‑Geral dos Recursos Humanos se encontra necessariamente numa situação de conflito de interesses, a saber, numa situação em que um agente, no exercício das suas funções, é levado a pronunciar‑se sobre um processo em curso ou sobre uma solução em relação à qual tem um interesse pessoal que é suscetível de comprometer a sua independência. Acresce que o artigo 8.3.5 das Regras Aplicáveis ao Pessoal não atribui a Presidência do Comité Disciplinar ao referido diretor‑geral ou ao referido diretor‑geral adjunto, atribuindo‑a a uma pessoa externa ao Banco, mesmo que essa pessoa não disponha de direito de voto. Em todo o caso, a fiscalização jurisdicional por parte do juiz da União no âmbito de um recurso interposto nos termos do artigo 36.2 do Protocolo sobre os Estatutos do Sistema Europeu dos Bancos Centrais e do Banco permite que seja interposto um recurso adequado e efetivo perante um tribunal independente e imparcial, na aceção do artigo 6.°, n.° 1, da Convenção Europeia para a Proteção dos Direitos Humanos e da jurisprudência do Tribunal Europeu dos Direitos do Homem, que possa remediar, se for o caso, insuficiências e falhas na composição do Comité Disciplinar.

(cf. n.os 148 e 150 a 157)

Ver:

Tribunal de Primeira Instância: acórdãos X/BCE, T‑333/99, EU:T:2001:251; Onidi/Comissão, T‑197/00, EU:T:2002:135, n.° 132; Zavvos/Comissão, T‑21/01, EU:T:2002:177, n.° 336; e Giannini/Comissão, T‑100/04, EU:T:2008:68, n.° 223

Tribunal Geral da União Europeia: acórdão Andreasen/Comissão, T‑17/08 P, EU:T:2010:374, n.° 145

6.      No que respeita ao processo disciplinar aplicável aos agentes do Banco Central Europeu, só pode ser constatada uma violação da presunção de inocência se houver elementos suscetíveis de demonstrar que, desde o início do referido processo e em qualquer caso, a administração já tinha decidido aplicar uma sanção à pessoa em causa, independentemente das explicações fornecidas por essa pessoa. A este respeito, a circunstância de dois membros do Comité Disciplinar se terem exprimido no sentido de que os incumprimentos imputados foram motivados pela prossecução de um interesse pessoal da pessoa em causa não é de nenhum modo suscetível de demonstrar uma violação do princípio da presunção de inocência. Com efeito, semelhante posição constitui apenas o reflexo do princípio da colegialidade dos debates e da possibilidade de emitir uma opinião divergente do parecer definitivo emitido, por maioria, pelo Comité Disciplinar. Do mesmo modo, o facto de a Comissão Executiva ter aceitado manter uma das sanções disciplinares mais pesadas, de entre as previstas nas regras aplicáveis ao pessoal, não demonstra, em si, que a presunção de inocência foi violada no decurso do procedimento disciplinar.

(cf. n.os 162, 166 e 167)

Ver:

Tribunal de Primeira Instância: acórdão Pessoa e Costa/Comissão, T‑166/02, EU:T:2003:73, n.° 56

7.      Em matéria disciplinar, o Banco Central Europeu ou, consoante os casos, o Organismo Europeu de Luta Antifraude têm a obrigação de agir com diligência a partir do momento em que tomam conhecimento de factos e condutas que possam constituir infrações às obrigações que incumbem aos agentes do Banco para apreciar da oportunidade de dar início a um inquérito, e em seguida, em caso de resposta afirmativa, na condução desse inquérito e, no caso do Banco, na condução do processo disciplinar. Por conseguinte, o Banco, quando conduz o processo disciplinar, deve velar para que a adoção de cada ato ocorra num prazo razoável relativamente ao anterior. A este respeito, não está em causa uma violação do princípio do prazo razoável num processo disciplinar em cujo âmbito o tempo decorrido entre cada ato de investigação e o ato seguinte tenha sido absolutamente razoável e em que, nos casos em que se verificou existirem atrasos, estes se ficaram a dever à necessidade de respeitar os direitos de defesa da pessoa em causa e de responder ao elevado número de comentários e observações apresentados pelo seu advogado.

Por outro lado, embora seja verdade que, durante as investigações anteriores à abertura de um processo disciplinar e na pendência do processo disciplinar, a pessoa em causa ficou numa situação de espera e de incerteza, nomeadamente quanto ao seu futuro profissional, este aspeto não pode afetar a validade da decisão disciplinar uma vez que esta situação é inerente a qualquer processo disciplinar e que a abertura deste é justificada pelo interesse da União, que impõe ao Banco, face a alegações que colocam em causa a honestidade dos seus agentes, que tome as medidas que se impõem, incluindo a suspensão da pessoa em causa, para se certificar do caráter irrepreensível da conduta profissional desta.

(cf. n.os 173, 175, 182 e 184)

Ver:

Tribunal de Primeira Instância: acórdãos Teixeira Neves/Tribunal de Justiça, T‑259/97, EU:T:2000:208, n.° 125, e Pessoa e Costa/Comissão, EU:T:2003:73, n.° 66

Tribunal da Função Pública: acórdãos Kerstens/Comissão, F‑12/10, EU:F:2012:29, n.os 124 e 125, e Goetz/Comité das Regiões, F‑89/11, EU:F:2013:83, n.° 126

8.      Em matéria disciplinar, embora a sanção aplicada a um agente do Banco Central Europeu venha a ser, no final, mais severa do que aquela que foi sugerida pelo Comité Disciplinar, atendendo às exigências próprias de qualquer processo disciplinar, a decisão do Banco deve, mesmo no âmbito de uma relação de trabalho puramente contratual, precisar os motivos que conduziram o Banco a afastar‑se do parecer emitido pelo seu Comité Disciplinar. Esta obrigação é respeitada se a Comissão Executiva do Banco explicar as razões pelas quais aplicou uma sanção mais pesada do que aquela a que os membros do Comité Disciplinar haviam chegado a acordo por consenso. A este respeito, a circunstância de a sanção aplicada pela Comissão Executiva corresponder àquela que era a preferida de dois dos quatros membros que possuem direito de voto no Comité Disciplinar não é, em si, suscetível de viciar a decisão disciplinar quando analisada sob o prisma do dever de fundamentação.

Por outro lado, a Comissão Executiva não está vinculada pelo parecer do Comité Disciplinar, como é expressamente indicado no artigo 8.3.17 das Regras Aplicáveis ao Pessoal do Banco. Em consequência, ainda que a maioria do Comité Disciplinar esteja de acordo sobre o facto de, na sua ótica, uma quebra da relação de confiança só poder ser constatada pela Comissão Executiva se esta última entender que a pessoa em causa prosseguiu um interesse pessoal, a Comissão Executiva pode, no âmbito do seu amplo poder de apreciação na definição das próprias exigências em termos de integridade do pessoal do Banco, considerar que a quebra da relação de confiança está consumada, incluindo fora da hipótese sugerida pelo Comité Disciplinar, ou seja, mesmo na falta de provas da prossecução de um interesse pessoal pela pessoa em causa.

(cf. n.os 190, 196 e 197)

Ver:

Tribunal de Justiça: acórdão F./Comissão, 228/83, EU:C:1985:28, n.° 35

Tribunal de Primeira Instância: acórdão N/Comissão, T‑198/02, EU:T:2004:101, n.° 95

Tribunal da Função Pública: acórdão EH/Comissão, F‑42/14, EU:F:2014:250, n.° 132

9.      No que se refere à avaliação da gravidade dos incumprimentos constatados pelo Comité Disciplinar do Banco Central Europeu imputados a um agente do Banco e à escolha da sanção que, atendendo a esses incumprimentos, parece ser a mais adequada, estes decorrem, em princípio, do amplo poder de apreciação do Banco, exceto se a sanção aplicada for desproporcionada relativamente aos factos apurados. Assim, esta instituição tem o poder de efetuar uma apreciação da responsabilidade do seu agente que seja diferente da que foi efetuada pelo seu Comité Disciplinar, tendo também a possibilidade de, em seguida, escolher a sanção disciplinar que considere ser adequada para punir as faltas disciplinares apuradas. Depois de provada a materialidade dos factos, atendendo ao amplo poder de apreciação de que o Banco goza em matéria disciplinar, a fiscalização jurisdicional deve limitar‑se a uma verificação da inexistência de erros manifestos de apreciação e de desvio de poder.

No que se refere à proporcionalidade da sanção disciplinar relativamente à gravidade dos factos apurados, o juiz da União deve tomar em consideração que a determinação da sanção deve assentar numa avaliação global, por parte do Banco, de todos os factos concretos e de todas as circunstâncias específicas de cada caso individual, havendo que recordar que, à semelhança do Estatuto dos Funcionários, o corpo normativo aplicável ao pessoal do Banco, nomeadamente o artigo 45.° das Condições de Trabalho, não prevê nenhuma relação fixa entre as sanções aí indicadas e os diversos tipos de incumprimento possíveis às obrigações profissionais, e que não especifica em que medida a existência de circunstâncias agravantes ou atenuantes deve intervir na escolha da sanção. A este respeito, a administração tem poder para efetuar uma apreciação da responsabilidade do seu agente diferente da que foi efetuada pelo seu Comité Disciplinar, bem como para escolher, em seguida, a sanção disciplinar que considere ser adequada para punir as faltas disciplinares apuradas. Por conseguinte, a análise efetuada pelo juiz de primeira instância limita‑se à questão de saber se a ponderação das circunstâncias agravantes e atenuantes por parte do Banco foi efetuada de forma proporcional, precisando‑se que, aquando desta análise, o juiz não pode substituir pelos seus os juízos de valor efetuados pelo Banco a esse respeito e a respeito da escolha da sanção disciplinar, que pertence a este último.

(cf. n.os 205 a 207 e 245)

Ver:

Tribunal de Primeira Instância: acórdãos Y/Tribunal de Justiça, EU:T:1996:94, n.° 56; Tzikis/Comissão, EU:T:2000:130, n.° 48; E/Comissão, EU:T:2001:175, n.os 85 e 86; X/BCE, EU:T:2001:251, n.os 221 e 222; e Afari/BCE, T‑11/03, EU:T:2004:77, n.° 203

Tribunal Geral da União Europeia: acórdão BG/Provedor de Justiça, T‑406/12 P, EU:T:2014:273, n.° 64

Tribunal da Função Pública: acórdãos Nijs/Tribunal de Contas, F‑77/09, EU:F:2011:2, n.° 132, e EH/Comissão, EU:F:2014:250, n.os 92 e 93

10.    O artigo 4.°, alínea a), das Condições de Trabalho do Pessoal do Banco Central Europeu e os artigos 2, 2.2, 4.1, 4.2 e 5.1 do Código de Conduta do Banco têm por objetivo garantir que os agentes do Banco, através do seu comportamento, deem uma imagem de dignidade conforme com a conduta particularmente correta e respeitável que se pode esperar dos membros do pessoal de uma instituição pública internacional, mesmo quando admitidos numa base contratual. Em particular, a obrigação que figura no referido artigo 4.°, alínea a), de adotar um comportamento conforme com as suas funções e com a natureza de órgão da União do Banco deve ser interpretada no sentido de que impõe ao pessoal deveres, nomeadamente, de lealdade e de dignidade, semelhantes aos que se aplicam aos funcionários da União.

A este respeito, decorre do corpo normativo aplicável ao pessoal do Banco uma obrigação de lealdade do agente do Banco para com o seu empregador institucional, que deve conduzi‑lo, sobretudo se tiver um grau elevado, a fazer prova de um comportamento acima de qualquer suspeita, para que a relação de confiança existente entre o Banco e o próprio seja sempre preservada. Ora, tendo em conta a importância da relação de confiança que existe entre a União e os seus agentes no que respeita tanto ao funcionamento interno da União como à sua imagem externa e à luz da generalidade dos termos das disposições do artigo 4.°, alínea a), das Condições de Trabalho do Pessoal do Banco e das do Código de Conduta, estas cobrem todas as circunstâncias e comportamentos que o agente do Banco deve razoavelmente compreender, atendendo ao seu grau e às funções que exerce, bem como às circunstâncias próprias do caso, que sejam suscetíveis, aos olhos de terceiros, de provocar uma confusão quanto aos interesses prosseguidos pela União que o agente deve servir.

Por outro lado, à luz da sua responsabilidade na condução da política monetária da União, o Banco baseia efetivamente a sua reputação externa num papel de administração que constitua um modelo, que seja eficaz e responsável, o que implica que se rodeie de pessoal dotado de uma integridade irrepreensível. Este facto é, de resto, recordado no artigo 2.2 do Código de Conduta, nos termos do qual os agentes do Banco devem estar conscientes da importância dos seus deveres e das suas missões, tomar em conta a expectativa do público relativamente ao seu comportamento moral, conduzir a sua atuação de maneira a manter e a reforçar a confiança do público no Banco e a contribuir para a eficácia da administração do Banco. Tais obrigações revestem uma importância fulcral para que os objetivos atribuídos a uma instituição bancária sejam atingidos e constituem um elemento essencial do comportamento que o pessoal desta instituição deve observar para preservar a independência e dignidade desta.

Deste modo, no caso de um agente do Banco que desempenhe funções de gestão e tenha responsabilidades acrescidas na preservação da reputação e dos interesses financeiros da instituição e que, no âmbito da prossecução de um interesse pessoal, ordenou que a aquisição de bens se baseasse no orçamento do Banco, o Banco pode considerar que o agente violou irremediavelmente a relação de confiança que o unia ao Banco. Com efeito, nesta situação, o Banco pode, no âmbito do amplo poder de apreciação que lhe é atribuído na definição das suas exigências em termos de integridade do seu pessoal, considerar que, não obstante a intenção do interessado em prosseguir a relação de trabalho, está excluída a possibilidade de restabelecer essa relação de confiança, o que torna, por conseguinte, mais difícil, ou mesmo impossível, o desempenho, com a colaboração desse agente, de missões que a União confia ao Banco. A este respeito, o Banco pode, no âmbito do seu amplo poder de apreciação e à luz da natureza contratual do vínculo de trabalho que o liga ao agente, considerar que uma sanção mais clemente seria insuficiente perante os factos cometidos por uma pessoa que teve a seu cargo um orçamento centralizado importante e que, tendo em consideração a natureza dolosa e grave dos incumprimentos das obrigações profissionais cometidas por um dos seus gestores, de quem se esperava um comportamento exemplar, a relação de confiança foi definitivamente quebrada.

(cf. n.os 209, 210, 231 a 234, 236 e 237)

Ver:

Tribunal de Primeira Instância: acórdãos Williams/Tribunal de Contas, T‑146/94, EU:T:1996:34, n.° 65; N/Comissão, EU:T:1997:71, n.os 127 e 129; Yasse/BEI, T‑141/97, EU:T:1999:177, n.os 108 e 110; Afari/BCE, EU:T:2004:77, n.° 193

Tribunal da Função Pública: acórdão Gomes Moreira/ECDC, F‑80/11, EU:F:2013:159, n.os 63 e 67

11.    Em matéria disciplinar, as eventuais carências dos superiores hierárquicos, no seu papel de supervisão, e dos outros serviços do Banco, na supervisão orçamental e financeira da divisão do interessado, não podem constituir circunstâncias atenuantes do incumprimento das obrigações profissionais imputado a um agente do Banco Central Europeu que exerce funções de gestão, o qual permanece responsável pelos seus atos. Do mesmo modo, embora o Banco seja obrigado, nos termos do artigo 45.° das Condições de Trabalho, a tomar em consideração a conduta do membro do pessoal ao longo de toda a sua carreira, esta tomada em consideração não constitui necessariamente um reconhecimento de uma circunstância atenuante. Ora, pode ser legítimo para o Banco considerar que os factos revestem uma gravidade tal que, mesmo que o desempenho profissional da pessoa em causa tenha sido excecional, essa circunstância não seja relevante. Em particular, não se pode admitir que, a pretexto de contribuir para a realização de poupanças globais substanciais em benefício do orçamento de funcionamento de uma instituição, um agente possa considerar que está dispensado de observar regras elementares de boa gestão orçamental e financeira pelo facto de as suas atividades não autorizadas apenas dizerem respeito a montantes que, face ao volume do orçamento que tem a cargo, são reduzidos. Com efeito, independentemente do montante em causa, todas as despesas públicas devem respeitar as regras de rigor orçamental e contabilístico.

Por outro lado, um argumento segundo o qual a pessoa em causa não beneficiou de uma formação orientada para a gestão orçamental e para as regras de aquisição de bens é inoperante, dado que essa eventual insuficiência não permite que o interessado atue em violação das regras explícitas veiculadas pelo Banco Central Europeu nos seus documentos internos.

(cf. n.os 222, 225 e 226)

Ver:

Tribunal de Justiça: acórdão R./Comissão, EU:C:1985:324, n.° 44

Tribunal de Primeira Instância: acórdãos Z/Parlamento, T‑242/97, EU:T:1999:92, n.° 115; Yasse/BEI, EU:T:1999:177, n.° 114; e X/BCE, EU:T:2001:251, n.° 233

Tribunal da Função Pública: acórdão EH/Comissão, EU:F:2014:250, n.° 119

12.    Nem o artigo 6.°, n.° 2, da Carta Social Europeia, nem o artigo 28.° da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia, nem o artigo 11.° da Convenção Europeia de Proteção dos Direitos Humanos e das Liberdades Fundamentais preveem a obrigação de dar início a um processo de negociação coletiva ou de conferir aos sindicatos, para defesa dos interesses económicos e sociais dos trabalhadores, um poder de codecisão para elaborar as condições de trabalho dos trabalhadores. Assim, as Condições de Trabalho do pessoal do Banco Central Europeu e as Regras Aplicáveis ao referido pessoal podem ser adotadas unilateralmente pelo Banco e podem ser alteradas após consulta do Comité do Pessoal, entendendo‑se que não existe obrigação de agir, nesta matéria, através de convenções coletivas assinadas pelo Banco e pelas organizações sindicais representativas do seu pessoal. Com efeito, enquanto instituição da União referida no artigo 13.° UE e em aplicação do Protocolo sobre os Estatutos do Sistema Europeu de Bancos Centrais e do Banco Central Europeu, este último tem competência para prever, através de regulamentos, as disposições aplicáveis ao seu pessoal.

(cf. n.os 252 e 253)

Ver:

Tribunal da Função Pública: acórdãos Cerafogli/BCE, F‑84/08, EU:F:2010:134, n.° 47, e Heath/BCE, F‑121/10, EU:F:2011:174, n.° 121