Language of document : ECLI:EU:C:2022:965

ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Terceira Secção)

8 de dezembro de 2022 (*)

«Reenvio prejudicial — Cooperação judiciária em matéria penal — Diretiva (UE) 2016/343 — Reforço de certos aspetos da presunção de inocência e do direito de comparecer em julgamento em processo penal — Artigo 8.o, n.o 1 — Direito de o arguido comparecer no próprio julgamento — Artigo 47.o, segundo parágrafo, e artigo 48.o, n.o 2, da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia — Direito a um processo equitativo e direitos de defesa — Inquirição das testemunhas de acusação na ausência do arguido e do seu advogado aquando da fase pré‑contenciosa do processo penal — Impossibilidade de inquirir as testemunhas de acusação na fase judicial desse processo — Legislação nacional que permite a um órgão jurisdicional penal basear a sua decisão no depoimento anterior das referidas testemunhas»

No processo C‑348/21,

que tem por objeto um pedido de decisão prejudicial apresentado, nos termos do artigo 267.o TFUE, pelo Spetsializiran nakazatelen sad (Tribunal Criminal Especial, Bulgária), por Decisão de 3 de junho de 2021, que deu entrada no Tribunal de Justiça em 4 de junho de 2021, no processo penal contra

HYA,

IP,

DD,

ZI,

SS,

sendo interveniente:

Spetsializirana prokuratura,

O TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Terceira Secção),

composto por: K. Jürimäe, presidente de secção, M. Safjan (relator), N. Piçarra, N. Jääskinen e M. Gavalec, juízes,

advogado‑geral: A. M. Collins,

secretário: A. Calot Escobar,

vistos os autos,

vistas as observações apresentadas:

–        em representação de IP, por H. Georgiev, advokat,

–        em representação de DD, por V. Vasilev, advokat,

–        em representação da Comissão Europeia, por M. Wasmeier e I. Zaloguin, na qualidade de agentes,

ouvidas as conclusões do advogado‑geral na audiência de 7 de julho de 2022,

profere o presente

Acórdão

1        O pedido de decisão prejudicial tem por objeto a interpretação do artigo 6.o, n.o 1, e do artigo 8.o, n.o 1, da Diretiva (UE) 2016/343 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 9 de março de 2016, relativa ao reforço de certos aspetos da presunção de inocência e do direito de comparecer em julgamento em processo penal (JO 2016, L 65, p. 1), bem como do artigo 47.o, segundo parágrafo, da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia (a seguir «Carta»).

2        Este pedido foi apresentado no âmbito de um processo penal instaurado contra HYA, IP, DD, ZI e SS (a seguir, em conjunto, «arguidos em causa») por infrações cometidas em matéria de imigração clandestina.

 Quadro jurídico

 Direito internacional

3        O artigo 6.o da Convenção Europeia para a Proteção dos Direitos Humanos e das Liberdades Fundamentais, assinada em Roma em 4 de novembro de 1950 (a seguir «CEDH»), sob a epígrafe «Direito a um processo equitativo», dispõe:

«1.      Qualquer pessoa tem direito a que a sua causa seja examinada, equitativa e publicamente, num prazo razoável por um tribunal independente e imparcial, estabelecido pela lei, o qual decidirá, quer sobre a determinação dos seus direitos e obrigações de carácter civil, quer sobre o fundamento de qualquer acusação em matéria penal dirigida contra ela. […]

[…]

3.      O acusado tem, como mínimo, os seguintes direitos:

[…]

d)      Interrogar ou fazer interrogar as testemunhas de acusação e obter a convocação e o interrogatório das testemunhas de defesa nas mesmas condições que as testemunhas de acusação;

[…]»

 Direito da União

4        Os considerandos 22, 33, 34, 36, 41 e 47 da Diretiva 2016/343 têm a seguinte redação:

«(22)      O ónus da prova da culpa dos suspeitos e dos arguidos recai sobre a acusação, e qualquer dúvida deverá ser interpretada em favor do suspeito ou do arguido. A presunção de inocência seria violada caso houvesse uma inversão do ónus da prova, sem prejuízo dos poderes ex officio do tribunal competente em matéria de apreciação dos factos e da independência dos órgãos judiciais na apreciação da culpa do suspeito ou do arguido, e da utilização de presunções de facto ou de direito em relação à responsabilidade penal de um suspeito ou de um arguido. […]

[…]

(33)      O direito a um processo equitativo constitui um dos princípios fundamentais de uma sociedade democrática. Este direito está na base do direito dos suspeitos ou dos arguidos de comparecerem em julgamento e deverá estar garantido em toda a União.

(34)      Se, por motivos alheios à sua vontade, o suspeito ou o arguido não puderem comparecer no julgamento, deverão poder requerer nova data para o mesmo no prazo previsto no direito nacional.

[…]

(36)      Em determinadas circunstâncias, a decisão sobre a culpa ou a inocência do suspeito ou do arguido é passível de ser proferida mesmo se estes não comparecerem em julgamento. […]

[…]

(41)      O direito de comparecer no julgamento só pode ser exercido se uma ou mais audiências forem realizadas. Isto significa que o direito de comparecer no julgamento não é aplicável se as regras processuais nacionais não previrem audiências. […]

[…]

(47)      A presente diretiva respeita os direitos e os princípios fundamentais reconhecidos pela Carta e pela CEDH, nomeadamente a proibição da tortura e de penas ou tratamentos desumanos ou degradantes, o direito à liberdade e à segurança, o respeito pela vida privada e familiar, o direito à integridade do ser humano, o respeito pelos direitos da criança, a integração das pessoas com deficiências, o direito de ação e o direito a um tribunal imparcial, o direito à presunção de inocência e os direitos de defesa. Deverá ter‑se especialmente em conta o artigo 6.o [TUE], nos termos do qual a União reconhece os direitos, as liberdades e os princípios enunciados na Carta e nos termos do qual os direitos fundamentais, tal como garantidos pela CEDH e como resultam das tradições constitucionais comuns aos Estados‑Membros, constituem princípios gerais do direito da União.»

5        O artigo 2.o desta diretiva, sob a epígrafe «Âmbito de aplicação», dispõe:

«A presente diretiva aplica‑se às pessoas singulares que são suspeitas da prática de um ilícito penal ou que foram constituídas arguidas em processo penal e a todas as fases do processo penal, isto é, a partir do momento em que uma pessoa é suspeita da prática de um ilícito penal ou é constituída arguida ou é suspeita ou acusada de ter cometido um alegado ilícito penal, até ser proferida uma decisão final sobre a prática do ilícito penal e essa decisão ter transitado em julgado.»

6        O artigo 6.o da referida diretiva, sob a epígrafe «Ónus da prova», prevê, no seu n.o 1:

«Os Estados‑Membros asseguram que recai sobre a acusação o ónus da prova da culpa do suspeito ou do arguido, sem prejuízo da obrigação que incumbe ao juiz ou ao tribunal competente de procurarem elementos de prova, tanto incriminatórios como ilibatórios, e do direito da defesa de apresentar provas em conformidade com o direito nacional aplicável.»

7        O artigo 8.o desta diretiva, sob a epígrafe «Direito de comparecer em julgamento», dispõe, nos seus n.os 1 e 2:

«1.      Os Estados‑Membros asseguram que o suspeito ou o arguido tem o direito de comparecer no próprio julgamento.

2.      Os Estados‑Membros podem prever que um julgamento passível de resultar numa decisão sobre a culpa ou inocência de um suspeito ou de um arguido pode realizar‑se na sua ausência, desde que:

a)      o suspeito ou o arguido tenha atempadamente sido informado do julgamento e das consequências da não comparência; ou

b)      o suspeito ou o arguido, tendo sido informado do julgamento, se faça representar por um advogado mandatado, nomeado por si ou pelo Estado.»

 Direito búlgaro

 Lei Relativa ao Ministério da Administração Interna

8        Resulta das disposições conjugadas do artigo 72.o, n.o 1, e do artigo 73.o da zakon za Ministerstvoto na vatreshnite raboti (Lei Relativa ao Ministério da Administração Interna), de 28 de maio de 2014 (DV n.o 53, de 27 de junho de 2014, p. 2), na sua versão aplicável ao litígio no processo principal, que uma pessoa suspeita de ter cometido uma infração pode ser detida durante um período de 24 horas antes da sua constituição como arguido.

 NPK

9        Nos termos do artigo 12.o do Nakazatelno‑protsesualen kodeks (Código de Processo Penal, a seguir «NPK»), o processo judicial é de natureza contraditória e a defesa tem os mesmos direitos do que a acusação.

10      Em conformidade com o artigo 46.o, n.o 2, ponto 1, e com o artigo 52.o do NPK, a fase pré‑contenciosa do processo penal é conduzida pelas autoridades de investigação, sob a supervisão do Ministério Público.

11      Como resulta da decisão de reenvio, em conformidade com o artigo 107.o, n.o 1, e os artigos 139.o e 224.o do NPK, a testemunha é inquirida na fase pré‑contenciosa do processo penal, com vista à recolha de provas, geralmente sem a presença do arguido e do seu advogado. Em conformidade com o artigo 280.o, n.o 2, do NPK, lido em conjugação com o seu artigo 253.o, a testemunha é, em seguida, novamente inquirida na audiência, na presença do arguido e do seu advogado, que têm então a oportunidade de lhe pôr as suas próprias questões.

12      O artigo 223.o do NPK, sob a epígrafe «Inquirição de testemunhas perante um juiz», prevê, nos seus n.os 1 e 2:

«1.      Quando houver o risco de a testemunha não poder comparecer perante o tribunal devido a uma doença grave, um período prolongado de ausência do país ou por outras razões que impossibilitem a sua comparência na audiência de julgamento, bem como quando seja necessário proceder à verificação do depoimento de testemunha que seja de especial importância para a descoberta da verdade material, a inquirição será levada a cabo perante um juiz do tribunal de primeira instância competente ou do tribunal de primeira instância em cuja circunscrição a ação corre termos. Nessas circunstâncias, o processo não é submetido ao juiz.

2.      A autoridade responsável pela fase pré‑contenciosa do processo deve assegurar a comparência da testemunha e a possibilidade de o arguido e, se for caso disso, o seu defensor, participarem na inquirição.»

13      O artigo 281.o do NPK, sob a epígrafe «Leitura do depoimento das testemunhas», dispõe, nos seus n.o 1, ponto 4, e n.o 3:

«1.      Os depoimentos de uma testemunha, recolhidos no mesmo processo perante um juiz no âmbito da fase pré‑contenciosa do processo ou perante outra composição do tribunal, serão lidos [na audiência] quando:

[…]

4)      a testemunha não puder ser notificada ou tenha falecido;

[…]

3.      Nas situações previstas no n.o 1, pontos 1 a 6, o depoimento de uma testemunha prestado perante uma autoridade responsável pela fase pré‑contenciosa do processo será lido [na audiência] quando o arguido e o seu defensor, se este tiver sido autorizado ou nomeado, tiverem participado na inquirição. Se houver vários arguidos, a leitura dos depoimentos das testemunhas que versem sobre as acusações deduzidas contra eles carece do consentimento dos arguidos que não foram notificados para a inquirição ou que tenham apresentado razões devidamente justificadas para a sua não comparência.»

 Tramitação do processo principal e questão prejudicial

14      Os arguidos em causa, entre os quais figuram agentes da polícia nas fronteiras do Aeroporto de Sófia (Bulgária), são objeto de ação penal por infrações em matéria de imigração clandestina.

15      IP, DD, SS e HYA foram detidos na noite de 25 de maio de 2017 e foram constituídos arguidos no dia seguinte. ZI foi detida em 31 de maio de 2017 e constituída arguida no mesmo dia. Posteriormente, os arguidos em causa foram postos em prisão preventiva e foi‑lhes assegurada a assistência de um advogado.

16      Na fase pré‑contenciosa do processo penal, os serviços do Ministério Público responsáveis pela investigação inquiriram vários nacionais de países terceiros, a saber, MM, RB, KH, HN e PR (a seguir, em conjunto, «testemunhas em causa»), cuja entrada ilegal no território búlgaro tinha sido facilitada pelos arguidos em causa.

17      Uma parte das inquirições foi conduzida perante um juiz. Assim, MM e RB foram ouvidos perante um juiz, respetivamente, em 30 de março de 2017 e em 12 de abril de 2017, KH em 26 de maio de 2017, HN em 30 de março de 2017 e PR em 30 de março de 2017, bem como em 12 de abril de 2017.

18      Devido à sua permanência ilegal no território búlgaro, as testemunhas em causa foram objeto de procedimentos administrativos com vista ao seu afastamento.

19      Na fase pré‑contenciosa do processo penal, SS e DD pediram expressamente para inquirir MM. O Ministério Público não deu seguimento a esses pedidos.

20      Em 19 de junho de 2020, o Spetsializirana prokuratura (Procuradoria com competência especializada, Bulgária), considerando que os crimes imputados aos arguidos em causa eram procedentes, intentou uma ação no Spetsializiran nakazatelen sad (Tribunal Criminal Especial, Bulgária) com vista à sua condenação penal.

21      Como resulta da decisão de reenvio, as tentativas desse órgão jurisdicional de convocar as testemunhas em causa para efeitos da sua inquirição na presença dos arguidos em causa e da sua defesa revelaram‑se infrutíferas, quer porque não foi possível determinar o seu lugar de residência, quer porque tinham sido afastados do território búlgaro, quer porque tinham abandonado voluntariamente o país. Assim, segundo o referido órgão jurisdicional, não há possibilidade de as testemunhas em causa poderem ser inquiridas pessoalmente na fase judicial do processo.

22      Na audiência que decorreu no órgão jurisdicional de reenvio em 9 de abril de 2021, o Ministério Público pediu, ao abrigo do artigo 281.o, n.o 1, do NPK, que fossem lidos os depoimentos que as testemunhas em causa tinham prestado na fase pré‑contenciosa do processo penal, para que esses depoimentos fizessem parte dos elementos de prova com base nos quais o referido órgão jurisdicional decidirá quanto ao mérito.

23      O órgão jurisdicional de reenvio tem dúvidas quanto à compatibilidade com o direito da União da aplicação dessa disposição nacional nas circunstâncias do caso em apreço e interroga‑se sobre a questão de saber se é obrigado a não aplicar a mesma no processo principal.

24      A este respeito, indica que os depoimentos das testemunhas em causa constituem um elemento determinante para apreciar a culpa dos arguidos em causa e que o seu julgamento dependerá, em larga medida, da questão de saber se e, sendo caso disso, em que medida se pode basear nas informações contidas nesses depoimentos.

25      Especifica que a referida disposição nacional visa evitar o risco de que uma testemunha não possa ser inquirida na fase judicial do processo penal ao prever que esta possa ser inquirida, durante a fase pré‑contenciosa desse processo, perante um juiz. O papel deste último, que não dispõe dos autos, consiste, nomeadamente, em garantir a legalidade formal da inquirição. Nesse caso, quando um suspeito já foi acusado, este será informado da inquirição da testemunha e é‑lhe oferecida a possibilidade de participar no mesmo.

26      No entanto, como se verifica no caso em apreço, essa legislação nacional é, na prática, contornada. Com efeito, basta que, na fase pré‑contenciosa do processo penal, a testemunha seja inquirida perante um juiz no prazo de 24 horas compreendido entre a detenção do suspeito e a sua constituição como arguido para que nem este último, na medida em que ainda não foi objeto de uma constituição de arguido formal, nem o seu advogado tenham o direito de participar na referida inquirição.

27      Nestas circunstâncias, o Spetsializiran nakazatelen sad (Tribunal Criminal Especial) decidiu suspender a instância e submeter ao Tribunal de Justiça a seguinte questão prejudicial:

«É compatível com o artigo 8.o, n.o 1, e com o artigo 6.o, n.o 1, da Diretiva 2016/343, [lido] em conjugação com os seus considerandos 33 e 34, bem como com o artigo 47.o, n.o 2, da Carta, uma lei nacional que prevê que o direito do arguido de [comparecer em] julgamento é respeitado e o Ministério Público cumpre devidamente a sua obrigação de provar a culpa do arguido quando, durante a fase de julgamento do processo penal, são introduzidos os depoimentos de testemunhas obtidos na fase pré‑contenciosa do processo, que não podem ser inquiridas por razões objetivas e que só o foram pela acusação, perante um juiz, mas sem a participação da defesa, e a acusação já poderia ter permitido a participação da defesa nessa inquirição na fase pré‑contenciosa, mas não o fez?»

28      Por ofício de 5 de agosto de 2022, o Sofiyski gradski sad (Tribunal da cidade de Sófia, Bulgária) informou o Tribunal de Justiça de que, na sequência de uma alteração legislativa que entrou em vigor em 27 de julho de 2022, o Spetsializiran nakazatelen sad (Tribunal Criminal Especial) foi dissolvido e certos processos penais pendentes neste último órgão jurisdicional, incluindo o processo principal, foram transferidos a partir dessa data para o Sofiyski gradski sad (Tribunal da cidade de Sófia).

 Quanto à questão prejudicial

29      A título preliminar, importa recordar que, em conformidade com o artigo 52.o, n.o 3, da Carta, na medida em que esta contém direitos correspondentes aos direitos garantidos pela CEDH, o sentido e o âmbito desses direitos são iguais aos conferidos por essa Convenção. Ora, como resulta das Anotações relativas à Carta dos Direitos Fundamentais (JO 2007, C 303, p. 17), o artigo 48.o, n.o 2, da Carta, segundo o qual é garantido a todo o arguido o respeito dos direitos de defesa, corresponde ao artigo 6.o, n.o 3, da CEDH. Por conseguinte, a questão prejudicial deve igualmente ser analisada à luz do artigo 48.o, n.o 2, da Carta.

30      Nestas condições, há que compreender que, com a sua questão, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta, em substância, se o artigo 6.o, n.o 1, e o artigo 8.o, n.o 1, da Diretiva 2016/343, lidos em conjugação com o artigo 47.o, segundo parágrafo, e com o artigo 48.o, n.o 2, da Carta, devem ser interpretados no sentido de que se opõem à aplicação de uma legislação nacional que permite a um órgão jurisdicional nacional, quando não seja possível inquirir uma testemunha de acusação na fase judicial de um processo penal, basear a sua decisão sobre a culpa ou inocência do arguido no depoimento da referida testemunha obtido numa audiência perante um juiz durante a fase pré‑contenciosa desse processo, mas sem a participação do arguido ou do seu advogado.

31      No que respeita, em primeiro lugar, ao artigo 6.o, n.o 1, da Diretiva 2016/343, esta disposição prevê que os Estados‑Membros asseguram que recai sobre a acusação o ónus da prova da culpa do suspeito ou do arguido.

32      É certamente verdade que o artigo 6.o, n.o 1, da Diretiva 2016/343, que regula a repartição do ónus da prova (v., neste sentido, Acórdão de 28 de novembro de 2019, Spetsializirana prokuratura, C‑653/19 PPU, EU:C:2019:1024, n.o 31), se opõe, como resulta do considerando 22 desta diretiva, a que o referido ónus seja transferido da acusação para a defesa. No entanto, como salientou o advogado‑geral no n.o 61 das suas conclusões, este artigo 6.o, n.o 1, não estabelece as modalidades segundo as quais a acusação deve demonstrar a culpa de um arguido nem as modalidades segundo as quais esse arguido deve, no exercício dos seus direitos de defesa, poder contestar as provas apresentadas pela acusação na fase judicial do processo penal.

33      Nestas condições, há que concluir que o artigo 6.o, n.o 1, da Diretiva 2016/343 não se aplica a uma legislação nacional como a que está em causa no processo principal.

34      Em segundo lugar, no que respeita ao artigo 8.o, n.o 1, da Diretiva 2016/343, esta disposição prevê que os Estados‑Membros asseguram que o suspeito ou o arguido tem o direito de comparecer no próprio julgamento.

35      A este respeito, importa recordar, por um lado, que, em conformidade com o artigo 2.o da Diretiva 2016/343, esta é aplicável às pessoas singulares que sejam suspeitas ou arguidas em processo penal. Abrange todas as fases do processo penal, a partir do momento em que uma pessoa é suspeita da prática de um ilícito penal ou é constituída arguida ou é suspeita ou acusada de ter cometido um alegado ilícito penal, até ser proferida uma decisão final sobre a prática do ilícito penal e essa decisão ter transitado em julgado.

36      Por outro lado, decorre do artigo 8.o, n.o 2, da Diretiva 2016/343, lido à luz dos considerandos 36 e 41 da mesma, que, por força do seu direito de comparecer em julgamento, um arguido deve poder comparecer pessoalmente nas audiências realizadas no âmbito do julgamento de que é objeto.

37      Como salientou o advogado‑geral, em substância, no n.o 38 das suas conclusões, o órgão jurisdicional de reenvio interroga‑se sobre o conteúdo e as modalidades de exercício, na fase judicial do processo penal, do direito de comparecer em julgamento. Com efeito, é verdade que a tomada em consideração, para efeitos da decisão sobre a culpa ou inocência de um arguido, do depoimento de uma testemunha de acusação inquirida na ausência dessa pessoa e do seu advogado na fase pré‑contenciosa do processo penal, sem que estes tenham a possibilidade de inquirir ou de fazer inquirir essa testemunha na fase judicial desse processo, não priva o arguido da possibilidade de comparecer pessoalmente nas audiências realizadas no âmbito do julgamento de que é objeto. Contudo, em tal hipótese, o papel do arguido limita‑se a assistir passivamente à leitura do conteúdo dos depoimentos feitos por essa testemunha, conforme consignados na ata de uma audição na qual não pôde participar aquando da fase pré‑contenciosa do processo penal.

38      Nestas condições, importa, num primeiro momento, determinar se, além do direito de comparecer pessoalmente nas audiências realizadas no âmbito do julgamento de que é objeto o arguido, o direito de comparecer no próprio julgamento, consagrado no artigo 8.o, n.o 1, da Diretiva 2016/343, confere igualmente a essa pessoa o direito de inquirir ou fazer inquirir as testemunhas de acusação na fase judicial do processo penal.

39      A este respeito, há que recordar que, nos termos do considerando 47 da Diretiva 2016/343, esta respeita os direitos fundamentais e os princípios reconhecidos pela Carta e pela CEDH, incluindo o direito a um processo equitativo, a presunção de inocência e os direitos de defesa.

40      Como resulta do considerando 33 desta diretiva, o direito de os suspeitos ou arguidos comparecerem no próprio julgamento assenta no direito a um processo equitativo, consagrado no artigo 6.o da CEDH, ao qual correspondem, como precisam as Anotações relativas à Carta, o artigo 47.o, segundo e terceiro parágrafos, bem como o seu artigo 48.o Por conseguinte, o Tribunal de Justiça deve assegurar que a sua interpretação destas últimas disposições assegura um nível de proteção que não viola o garantido pelo artigo 6.o da CEDH, conforme interpretado pelo Tribunal Europeu dos Direitos Humanos [Acórdão de 15 de setembro de 2022, DD (Repetição da inquirição de uma testemunha), C‑347/21, EU:C:2022:692, n.o 31 e jurisprudência referida].

41      A este respeito, resulta da jurisprudência do Tribunal Europeu dos Direitos Humanos que a comparência do arguido tem uma importância crucial para efeitos de um processo penal equitativo e que a obrigação de garantir o direito de o arguido estar presente na sala de audiências é um dos elementos essenciais do artigo 6.o da CEDH (v., neste sentido, TEDH, Acórdão de 18 de outubro de 2006, Hermi c. Itália, CE:ECHR:2006:1018JUD001811402, § 58).

42      Mais especificamente, o Tribunal Europeu dos Direitos Humanos declarou que, à luz dos direitos de defesa garantidos, nomeadamente, pelo artigo 6.o, n.o 3, alínea d), da CEDH, a faculdade de o arguido participar na audiência implica o direito de essa pessoa participar efetivamente no seu julgamento (v., neste sentido, TEDH, 5 de outubro de 2006, Marcello Viola c. Itália, CE:ECHR:2006:1005JUD004510604, §§ 52 e 53, e TEDH, 15 de dezembro de 2011, Al‑Khawaja e Tahery c. Reino Unido, CE:ECHR:2011:1215JUD002676605, § 142), na medida em que o direito de uma pessoa inquirir ou fazer inquirir testemunhas de acusação, referido nesta disposição, constitui um aspeto específico do direito a um processo equitativo garantido no artigo 6.o, n.o 1, da CEDH (v., neste sentido, TEDH, 19 de fevereiro de 2013, Gani c. Espanha, CE:ECHR:2013:0219JUD006180008, § 36).

43      Além disso, o Tribunal de Justiça salientou que a possibilidade de o arguido ser confrontado com as testemunhas na presença do juiz que, ao proferir a decisão final, decide sobre a culpa ou inocência dessa pessoa, constitui um dos elementos importantes de um processo penal equitativo na medida em que a avaliação da credibilidade de uma testemunha é uma tarefa complexa, que, normalmente, não pode ser realizada através de uma simples leitura do conteúdo dos seus depoimentos, conforme consignadas nas atas das audiências (v., neste sentido, Acórdão de 29 de julho de 2019, Gambino/Hyka, C‑38/18, EU:C:2019:628, n.os 42 e 43).

44      Decorre das considerações precedentes que o direito de comparecer no próprio julgamento, consagrado no artigo 8.o, n.o 1, da Diretiva 2016/343, deve ser garantido de modo que possa ser exercido, na fase judicial do processo penal, segundo modalidades que respeitem as exigências de um processo equitativo. Assim, este direito não se limita a garantir a simples presença do arguido nas audiências realizadas no âmbito do processo de que é objeto, mas exige que essa pessoa esteja em condições de participar efetivamente no mesmo e de exercer, para esse efeito, os direitos de defesa, entre os quais figura o direito de inquirir ou fazer inquirir as testemunhas de acusação nessa fase judicial.

45      Com efeito, como salientou, em substância, o advogado‑geral no n.o 43 das suas conclusões, uma interpretação mais restritiva do artigo 8.o, n.o 1, da Diretiva 2016/343 no sentido de que o direito de comparecer no próprio julgamento se limita a garantir que o arguido possa comparecer pessoalmente nas audiências realizadas no âmbito do julgamento de que é objeto teria como consequência privar o direito fundamental a um processo equitativo do seu conteúdo essencial.

46      Nestas condições, num segundo momento, há que determinar se o artigo 8.o, n.o 1, da Diretiva 2016/343, lido em conjugação com o artigo 47.o, segundo parágrafo, e o artigo 48.o, n.o 2, da Carta, se opõe a que um juiz penal aplique uma legislação nacional por força da qual, quando uma testemunha é, por razões objetivas, impossibilitada de assistir à fase judicial do processo penal, esse juiz pode proceder à leitura do depoimento, prestado por essa testemunha perante um juiz durante a fase pré‑contenciosa do processo, a fim de se pronunciar sobre a culpa ou inocência do acusado, incluindo quando este não tenha sido constituído arguido no momento em que a audiência dessa testemunha ocorreu, e nem ele nem o seu advogado tenham podido participar na mesma.

47      Ora, a aplicação dessa legislação nacional é suscetível de lesar o direito de comparecer no próprio julgamento, conforme definido no n.o 44 do presente acórdão.

48      Assim, cabe ao órgão jurisdicional de reenvio apreciar, em conformidade com os elementos de interpretação fornecidos pelo Tribunal de Justiça, se a aplicação da legislação nacional em causa no processo principal é compatível com as referidas disposições do direito da União.

49      Com efeito, importa recordar que o artigo 267.o TFUE não legitima o Tribunal de Justiça a aplicar as normas do direito da União a uma determinada situação, mas apenas a pronunciar‑se sobre a interpretação dos Tratados e dos atos adotados pelas instituições da União. Em conformidade com jurisprudência constante, o Tribunal pode, porém, no âmbito da cooperação judiciária estabelecida por esse artigo, com base nos elementos dos autos, fornecer ao órgão jurisdicional nacional os elementos de interpretação do direito da União que possam ser‑lhe úteis para a apreciação dos efeitos de uma determinada disposição deste [Acórdão de 2 de março de 2021, A. B. e o. (Nomeação de juízes para o Supremo Tribunal —Recursos), C‑824/18, EU:C:2021:153, n.o 96 e jurisprudência referida].

50      A este respeito, há que recordar que, em conformidade com o artigo 52.o, n.o 1, da Carta, podem ser introduzidas restrições ao exercício dos direitos nela consagrados, desde que essas restrições sejam previstas por lei, respeitem o conteúdo essencial desses direitos e, na observância do princípio da proporcionalidade, sejam necessárias e correspondam efetivamente a objetivos de interesse geral reconhecidos pela União, ou à necessidade de proteção dos direitos e das liberdades de terceiros.

51      Em primeiro lugar, no que se refere ao requisito segundo o qual qualquer restrição ao exercício dos direitos fundamentais deve estar prevista na lei, este implica que a possibilidade de ter em conta depoimentos de testemunhas ausentes deve estar prevista no quadro jurídico nacional pertinente. Sob reserva das apreciações que incumbem a este respeito ao órgão jurisdicional de reenvio, parece ser este o caso do litígio no processo principal.

52      Em segundo lugar, quanto ao respeito pelo conteúdo essencial dos direitos fundamentais do arguido, há que considerar que esse conteúdo essencial é respeitado desde que os depoimentos de testemunhas ausentes só possam ser tidas em conta em circunstâncias limitadas, por motivos legítimos e no respeito pela equidade do processo penal, considerado na sua globalidade.

53      A este respeito, importa precisar que essa apreciação está em conformidade com a jurisprudência pertinente do Tribunal Europeu dos Direitos Humanos, da qual resulta que a utilização como prova de depoimentos de testemunhas recolhidos na fase pré‑contenciosa do processo penal não é, por si só, incompatível com o artigo 6.o, n.o 1 e n.o 3, alínea d), da CEDH, sob reserva do respeito dos direitos de defesa, uma vez que estes exigem, regra geral, que seja dada ao acusado uma possibilidade adequada e suficiente de contestar os testemunhos de acusação e de inquirir os seus autores, seja no momento do seu depoimento ou numa fase posterior (v., neste sentido, TEDH, 15 de dezembro de 2015, Schatschaschwili c. Alemanha, CE:ECHR:2015:1215JUD000915410, § 105 e jurisprudência referida).

54      Em terceiro lugar, quanto à observância do princípio da proporcionalidade, este exige que as restrições que podem ser introduzidas por atos do direito da União a direitos e liberdades consagrados na Carta não ultrapassem os limites do que é adequado e necessário à satisfação dos objetivos legítimos prosseguidos ou da necessidade de proteção dos direitos e liberdades de terceiros, entendendo‑se que, quando haja uma escolha entre várias medidas adequadas, se deve recorrer à menos restritiva (v., neste sentido, Acórdão de 8 de dezembro de 2022, Orde van Vlaamse Balies e o., C‑694/20, n.o 41 e jurisprudência referida).

55      Para verificar o respeito por esse princípio, cabe ao órgão jurisdicional de reenvio determinar se há um motivo sério que justifique a não comparência da testemunha e se, na medida em que o depoimento desta última pode constituir o fundamento único ou determinante de uma eventual condenação do arguido, há elementos de compensação, nomeadamente garantias processuais sólidas, suficientes para contrabalançar as dificuldades causadas a essa pessoa e ao seu advogado pela tomada em consideração do referido depoimento e para assegurar a equidade do processo penal no seu conjunto (v., neste sentido, TEDH, 15 de dezembro de 2011, Al‑Khawaja e Tahery c. Reino Unido, CE:ECHR:2011:1215JUD002676605, § 152, e TEDH, 15 de dezembro de 2015, Schatschaschwili c. Alemanha, CE:ECHR:2015:1215JUD000915410, § 107, e TEDH, 7 de junho de 2018, Dimitrov e Momin c. Bulgária, CE:ECHR:2018:0607JUD003513208, § 52).

56      A este respeito, cabe, antes de mais, ao órgão jurisdicional de reenvio verificar se a ausência de uma testemunha de acusação na fase judicial do processo penal é justificada por um motivo sério, como o falecimento, o estado de saúde, o receio de testemunhar ou a impossibilidade de a localizar, uma vez que esse órgão jurisdicional é obrigado, quanto a esta última hipótese, a desenvolver todos os esforços que se possam razoavelmente esperar do mesmo para assegurar a comparência dessa testemunha (v., neste sentido, TEDH, 15 de dezembro de 2015, Schatschaschwili c. Alemanha, CE:ECHR:2015:1215JUD000915410, § 119 a 121 e jurisprudência referida).

57      Em seguida, deve considerar‑se que o depoimento de uma testemunha ausente na fase judicial do processo penal, quando seja admitido como prova nessa fase, mas recolhido anteriormente a esta, constitui o fundamento único da condenação do arguido se essa prova testemunhal for a única a pesar contra ele. Este fundamento deve ser considerado determinante na hipótese de a referida prova testemunhal ser de tal importância, que pode conduzir à decisão sobre o processo, sendo certo que, se o depoimento da testemunha ausente for suscetível de ser corroborado por outros elementos de prova, a apreciação do carácter determinante desse depoimento depende da força probatória desses outros elementos, na medida em que, quanto mais importante for, menos o depoimento da testemunha ausente é suscetível de ser considerado determinante (v., neste sentido, TEDH, 15 de dezembro de 2015, Schatschaschwili c. Alemanha, CE:ECHR:2015:1215JUD000915410, § 123 e jurisprudência referida).

58      Por último, relativamente à existência de elementos de compensação, estes devem permitir uma apreciação correta e equitativa da fiabilidade de um testemunho não verificado e dizem respeito, mais especificamente, à maneira como o órgão jurisdicional de julgamento aprecia o depoimento não verificado da testemunha ausente, a produção de provas concordantes na fase judicial do processo penal e a sua força probatória, bem como as medidas processuais adotadas para compensar o facto de a testemunha não ter podido ser diretamente contra‑interrogada na fase judicial do processo penal (v., neste sentido, TEDH, 15 de dezembro de 2015, Schatschaschwili c. Alemanha, CE:ECHR:2015:1215JUD000915410, § 125 a 131 e jurisprudência referida, e TEDH, 7 de junho de 2018, Dimitrov e Momin c. Bulgária, CE:ECHR:2018:0607JUD003513208, § 53). Quanto a este último aspeto, uma garantia processual suscetível de compensar as dificuldades causadas à defesa em razão da ausência da testemunha na fase judicial do processo penal pode consistir em ter dado a essa pessoa ou ao seu advogado a possibilidade de inquirir uma testemunha na fase pré‑contenciosa do mesmo processo (v., neste sentido, TEDH, 10 de fevereiro de 2022, Al Alo c. Eslováquia, CE:ECHR:2022:0210JUD003208419, § 56 e jurisprudência referida).

59      No caso em apreço, importa, primeiro, recordar que a impossibilidade de localizar uma testemunha com vista à sua convocação na fase judicial do processo penal constitui, em princípio, um motivo sério, na aceção da jurisprudência recordada no n.o 56 do presente acórdão, nomeadamente quando essa testemunha já não reside no território do Estado‑Membro em causa e as tentativas de a localizar, designadamente através da Interpol, continuem infrutíferas.

60      Segundo, incumbe ao órgão jurisdicional de reenvio verificar se, em caso de condenação dos arguidos em causa, a sua decisão pode basear‑se exclusivamente ou de maneira determinante, na aceção da jurisprudência recordada no n.o 57 do presente acórdão, nos depoimentos feitos pelas testemunhas em causa durante a fase pré‑contenciosa do processo penal.

61      Terceiro, cabe ao órgão jurisdicional de reenvio determinar se há, no caso em apreço, elementos de compensação suficientes para contrabalançar as dificuldades causadas aos arguidos em causa e à sua defesa pela eventual tomada em consideração, como prova, dos depoimentos feitos pelas testemunhas em causa durante a fase pré‑contenciosa do processo penal, na aceção da jurisprudência recordada no n.o 58 do presente acórdão, nomeadamente a possibilidade de os arguidos em causa e a sua defesa inquirirem as testemunhas em causa na fase pré‑contenciosa do processo penal e a existência de uma via de recurso contra uma eventual decisão de indeferimento.

62      Atendendo a todos os fundamentos precedentes, há que responder à questão submetida, que o artigo 8.o, n.o 1, da Diretiva 2016/343, lido em conjugação com o artigo 47.o, segundo parágrafo, e o artigo 48.o, n.o 2, da Carta, deve ser interpretado no sentido de que se opõe à aplicação de uma legislação nacional que permite a um órgão jurisdicional nacional, quando não seja possível inquirir uma testemunha de acusação na fase judicial de um processo penal, basear a sua decisão sobre a culpa ou a inocência do arguido no depoimento da referida testemunha obtido na audiência realizada perante um juiz no decurso da fase pré‑contenciosa desse processo, mas sem a participação do arguido ou do seu advogado, a menos que haja um motivo sério que justifique a não comparência da testemunha na fase judicial do processo penal, que o depoimento dessa testemunha não constitua o fundamento único ou determinante da condenação do arguido e haja elementos de compensação suficientes para contrabalançar as dificuldades causadas a essa pessoa e ao seu advogado pela tomada em consideração do referido depoimento.

 Quanto às despesas

63      Revestindo o processo, quanto às partes na causa principal, a natureza de incidente suscitado perante o órgão jurisdicional de reenvio, compete a este decidir quanto às despesas. As despesas efetuadas pelas outras partes para a apresentação de observações ao Tribunal de Justiça não são reembolsáveis.

Pelos fundamentos expostos, o Tribunal de Justiça (Terceira Secção) declara:

O artigo 8.o, n.o 1, da Diretiva (UE) 2016/343 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 9 de março de 2016, relativa ao reforço de certos aspetos da presunção de inocência e do direito de comparecer em julgamento em processo penal, lido em conjugação com o artigo 47.o, segundo parágrafo, e o artigo 48.o, n.o 2, da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia,

deve ser interpretado no sentido de que:

se opõe à aplicação de uma legislação nacional que permite a um órgão jurisdicional nacional, quando não seja possível inquirir uma testemunha de acusação na fase judicial de um processo penal, basear a sua decisão sobre a culpa ou a inocência do arguido no depoimento da referida testemunha obtido na audiência realizada perante um juiz no decurso da fase précontenciosa desse processo, mas sem a participação do arguido ou do seu advogado, a menos que haja um motivo sério que justifique a não comparência da testemunha na fase judicial do processo penal, que o depoimento dessa testemunha não constitua o fundamento único ou determinante da condenação do arguido e haja elementos de compensação suficientes para contrabalançar as dificuldades causadas a essa pessoa e ao seu advogado pela tomada em consideração do referido depoimento.

Assinaturas


*      Língua do processo: búlgaro.