Language of document : ECLI:EU:C:2024:579

ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Quinta Secção)

4 de julho de 2024 (*)

«Recurso de decisão do Tribunal Geral — Auxílios de Estado — Zona Franca da Madeira — Concessão de vantagens fiscais às empresas — Regime de auxílios aplicado pela República Portuguesa — Decisões C(2007) 3037 final e C(2013) 4043 final — Decisão adotada pela Comissão Europeia com base no artigo 108.°, n.° 2, primeiro parágrafo, TFUE — Regulamento (UE) 2015/1589 — Artigo 1.°, alínea b), i) e ii) — Conceitos de “auxílio existente” e de “novo auxílio” — Aplicação de um auxílio existente em violação de um requisito que garante a compatibilidade do auxílio com o mercado interno»

No processo C‑736/22 P,

que tem por objeto um recurso de um acórdão do Tribunal Geral nos termos do artigo 56.° do Estatuto do Tribunal de Justiça da União Europeia, interposto em 30 de novembro de 2022,

República Portuguesa, representada por P. Barros da Costa, L. Borrego e A. Soares de Freitas, na qualidade de agentes, assistidos por M. Gorjão Henriques e A. Saavedra, advogados,

recorrente,

sendo a outra parte no processo:

Comissão Europeia, representada por I. Barcew, G. Braga da Cruz e P. Caro de Sousa, na qualidade de agentes,

recorrida em primeira instância,

O TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Quinta Secção),

composto por: E. Regan, presidente de secção, Z. Csehi (relator), M. Ilešič, I. Jarukaitis e D. Gratsias, juízes,

advogado‑geral: A. Rantos,

secretário: A. Calot Escobar,

vistos os autos,

vista a decisão tomada, ouvido o advogado‑geral, de julgar a causa sem apresentação de conclusões,

profere o presente

Acórdão

1        Com o presente recurso, a República Portuguesa pede a anulação do Acórdão do Tribunal Geral da União Europeia de 21 de setembro de 2022, Portugal/Comissão (Zona Franca da Madeira) (T‑95/21, a seguir «acórdão recorrido», EU:T:2022:567), pelo qual o Tribunal Geral negou provimento ao seu recurso baseado no artigo 263.° TFUE e destinado à anulação do artigo 1.°, assim como dos artigos 4.° a 6.° da Decisão C(2020) 8550 final da Comissão Europeia, de 4 de dezembro de 2020, relativa ao regime de auxílios SA.21259 (2018/C) (ex 2018/NN) aplicado por Portugal a favor da Zona Franca da Madeira (ZFM) — Regime III (a seguir «decisão controvertida»).

 Antecedentes do litígio e decisão controvertida

2        Os antecedentes do litígio, conforme reproduzidos nos n.os 2 a 13 do acórdão recorrido, são os seguintes:

«2      O regime da ZFM assume a forma de diversos benefícios fiscais concedidos no âmbito do Centro Internacional de Negócios da Madeira (Portugal), do Registo Internacional de Navios da Madeira e da Zona Franca Industrial […]

3      Este regime foi inicialmente aprovado em 1987 […] pela Decisão da Comissão de 27 de maio de 1987 no processo N 204/86 [SG (87) D/6736] enquanto auxílio com finalidade regional compatível. A sua prorrogação foi posteriormente autorizada pela Decisão da Comissão de 27 de janeiro de 1992 no processo E 13/91 [SG (92) D/1118] e, em seguida, pela Decisão da Comissão de 3 de fevereiro de 1995 no processo E 19/94 [SG (95) D/1287].

4      O regime que lhe sucedeu (a seguir “Regime II”) foi aprovado pela Decisão da Comissão de 11 de dezembro de 2002 no processo N 222A/01.

5      Com base nas Orientações relativas aos auxílios estatais com finalidade regional para o período 2007‑2013 (JO 2006, C 54, p. 13; a seguir “Orientações de 2007”), foi aprovado um terceiro regime (a seguir “Regime III”) pela Decisão da Comissão de 27 de junho de 2007 no processo N 421/2006 (a seguir “Decisão de 2007”), para o período compreendido entre 1 de janeiro de 2007 e 31 de dezembro de 2013. A Comissão aprovou este regime como auxílio ao funcionamento compatível destinado à promoção do desenvolvimento regional e à diversificação da estrutura económica da Madeira (Portugal), enquanto região ultraperiférica na aceção do artigo 299.°, n.° 2, CE (atual artigo 349.° TFUE).

6      O Regime III assume a forma de uma redução do imposto sobre o rendimento das pessoas coletivas (a seguir “IRC”) sobre os lucros resultantes de atividades efetiva e materialmente realizadas na Madeira (3 % de 2007 a 2009, 4 % de 2010 a 2012 e 5 % de 2013 a 2020), de uma isenção de impostos municipais e locais, bem como de uma isenção do imposto sobre a transmissão de bens imóveis para a criação de uma empresa na ZFM, até montantes máximos de auxílio baseados nos limites máximos da base tributável aplicáveis à base tributável anual dos beneficiários. Esses limites máximos são fixados em função do número de postos de trabalho mantidos pelo beneficiário em cada exercício. […]

7      O acesso ao Regime III foi restringido às atividades que figuravam numa lista incluída na Decisão de 2007. Além disso, todas as atividades de intermediação financeira, seguros e atividades auxiliares financeiras e de seguros, bem como todas as atividades do tipo “serviços intragrupo” (centros de coordenação, tesouraria e distribuição), enquanto “serviços prestados a empresas, sobretudo”, foram excluídas do âmbito de aplicação do Regime III.

8      A Decisão da Comissão de 2 de julho de 2013 no processo SA.34160 (2011/N) (a seguir “Decisão de 2013”) aprovou uma versão alterada do Regime III para o período compreendido entre 1 de janeiro e 31 de dezembro de 2013. Esta mantém condições idênticas às previstas no Regime III, sob reserva de um aumento de 36,7 % dos limites máximos da base tributável a que seria aplicável a redução do IRC.

9      Em seguida, a Decisão da Comissão de 26 de novembro de 2013 no processo SA.37668 (2013/N) aprovou a prorrogação até 30 de junho de 2014 do Regime III alterado. A Decisão da Comissão de 8 de maio de 2014 no processo SA.38586 (2014/N) aprovou a prorrogação do referido regime até final de 2014.

10      Em 12 de março de 2015, a Comissão iniciou, ao abrigo do artigo 108.°, n.° 1, TFUE e do artigo 17.°, n.° 1, do Regulamento (CE) n.° 659/1999 do Conselho, de 22 de março de 1999, que estabelece as regras de execução do artigo 108.° TFUE (JO 1999, L 83, p. 1), um exercício de monitorização do Regime III relativo aos anos de 2012 e 2013.

11      Por ofício de 6 de julho de 2018, a Comissão informou a República Portuguesa da sua decisão de dar início ao procedimento formal de investigação previsto no artigo 108.°, n.° 2, TFUE relativamente ao Regime III (JO 2019, C 101, p. 7; a seguir “decisão de dar início ao procedimento formal”).

12      Este procedimento foi aberto devido às dúvidas da Comissão quanto, por um lado, à aplicação das isenções de imposto sobre os rendimentos provenientes de atividades efetiva e materialmente realizadas na Região Autónoma da Madeira (a seguir “RAM”) e, por outro, à ligação entre o montante do auxílio e a criação ou a manutenção de postos de trabalho efetivos na Madeira.

13      No termo do referido procedimento, a Comissão adotou a decisão [controvertida], cujo dispositivo tem a seguinte redação:

Artigo 1.°

O regime de auxílios ‘Zona Franca da Madeira (ZFM) — Regime III’, na medida em que foi aplicado [pela República Portuguesa] em violação da Decisão [de 2007] e da Decisão [de 2013], foi executado ilegalmente [pela República Portuguesa] em violação do artigo 108.°, n.° 3, [TFUE], e é incompatível com o mercado interno.

[...]

Artigo 4.°

1.      [A República Portuguesa] deve proceder à recuperação dos auxílios incompatíveis concedidos ao abrigo do regime referido no artigo 1.° junto dos beneficiários.

[...]

4.      [A República Portuguesa] deve revogar o regime de auxílios incompatível na medida referida no artigo 1.° e cancelar todos os pagamentos pendentes relativos aos auxílios, com efeitos a partir da data de notificação da presente decisão.

Artigo 5.°

1.      A recuperação dos auxílios concedidos ao abrigo do regime previsto no artigo 1.° deve ser imediata e efetiva.

2.      [A República Portuguesa] deve assegurar a execução da presente decisão no prazo de oito meses a contar da data da respetiva notificação.

[...]”»

 Tramitação processual no Tribunal Geral e acórdão recorrido

3        Por petição apresentada na Secretaria do Tribunal Geral em 15 de fevereiro de 2021, a República Portuguesa interpôs um recurso de anulação da decisão controvertida. Por requerimento separado, entregue na Secretaria do Tribunal Geral em 3 de março de 2021, apresentou um pedido de medidas provisórias, que foi indeferido pelo presidente do Tribunal Geral.

4        Em particular, a República Portuguesa alegou, no Tribunal Geral, que a decisão controvertida padecia de várias violações do direito da União, nomeadamente na medida em que qualificava o Regime III de «novo auxílio», na aceção do artigo 1.°, alínea c), do Regulamento (UE) 2015/1589 do Conselho, de 13 de julho de 2015, que estabelece as regras de execução do artigo 108.° [TFUE] (JO 2015, L 248, p. 9), e na medida em que interpretava incorretamente tanto as Decisões de 2007 e de 2013 como os requisitos introduzidos por estas decisões no que respeita à origem dos lucros a que se aplica a redução do IRC e à criação ou manutenção dos postos de trabalho.

5        Através do acórdão recorrido, o Tribunal Geral negou provimento ao recurso na totalidade.

6        Primeiro, nos n.os 90 a 179 do acórdão recorrido, o Tribunal Geral analisou os fundamentos invocados pela República Portuguesa relativos a erros de direito e sobre os pressupostos de facto alegadamente cometidos pela Comissão, na medida em que esta instituição concluiu que a República Portuguesa aplicou o Regime III segundo modalidades diferentes das que tinha notificado e que tinham sido autorizadas pelas Decisões de 2007 e de 2013, conclusão esta que, segundo a República Portuguesa, padecia de três erros.

7        Em particular, antes de mais, nos n.os 151 e 158 do acórdão recorrido, o Tribunal Geral julgou improcedente a argumentação da República Portuguesa segundo a qual esta podia, sem violar as Decisões de 2007 e de 2013, aplicar o Regime III a sociedades efetivamente registadas na ZFM, mas cuja atividade era realizada fora da RAM. Assim, no entender do Tribunal Geral, a Comissão não cometeu um erro de direito na interpretação do requisito, previsto nas Decisões de 2007 e de 2013, segundo o qual, por um lado, as reduções do IRC previstas no Regime III apenas podiam ter por objeto os lucros resultantes de atividades «efetiva e materialmente realizadas na Madeira» e, por outro, o Regime III, conforme aplicado, era contrário a este requisito.

8        Em seguida, o Tribunal Geral declarou, nos n.os 165 e 167 do acórdão recorrido, que o Regime III, conforme aplicado, violava as Decisões de 2007 e de 2013, visto que as autoridades portuguesas não tinham adotado um método capaz de permitir verificar a veracidade e a permanência dos postos de trabalho declarados pelos beneficiários do Regime III.

9        Por último, no n.° 176 do acórdão recorrido, o Tribunal Geral considerou que a Comissão não tinha cometido um erro de apreciação ao declarar que os controlos fiscais efetuados pelas autoridades portuguesas aos beneficiários do Regime III, bem como os dados recolhidos no âmbito desses controlos, não permitiam controlar eficazmente o respeito dos requisitos do Regime III relativos à origem dos lucros aos quais se aplicava a redução do IRC e à criação ou à manutenção de postos de trabalho na RAM.

10      O Tribunal Geral concluiu, nos n.os 177 e 178 do acórdão recorrido, que o Regime III, conforme aplicado, tinha sido executado em violação das Decisões de 2007 e de 2013, de modo que foi substancialmente alterado em relação ao regime autorizado pelas referidas decisões. Por conseguinte, a Comissão teve razão ao concluir pela existência de um auxílio novo ilegal.

11      Segundo, no que respeita à alegada violação dos direitos processuais pelo facto de a Comissão não ter tido em consideração o ofício que a República Portuguesa lhe tinha enviado em 6 de abril de 2018, destinado a contestar a necessidade de dar início ao procedimento formal de investigação, o Tribunal Geral considerou, nos n.os 183 a 185 do acórdão recorrido, que sendo a República Portuguesa a autora deste ofício, esta última não podia utilmente invocar o facto de a falta de menção desse ofício na decisão de dar início ao procedimento formal ter violado os seus direitos de defesa, bem como os princípios da segurança jurídica e da boa administração.

12      Terceiro, nos n.os 203 e 214 do acórdão recorrido, o Tribunal Geral concluiu que não tinha existido uma violação do princípio da proteção da confiança legítima nem do princípio da proteção da segurança jurídica, na medida em que a decisão controvertida ordenou à República Portuguesa que recuperasse os auxílios declarados ilegais e incompatíveis por esta decisão. Por outro lado, nos n.os 215 e 216 do acórdão recorrido, o Tribunal Geral afastou qualquer violação do princípio da boa administração a este título e julgou inadmissível a alegada violação do princípio do Estado de direito, ao abrigo do artigo 76.°, alínea d), do Regulamento de Processo do Tribunal Geral, por não ser apoiada por outra argumentação.

 Pedidos das partes no Tribunal de Justiça

13      Com o seu recurso, a República Portuguesa conclui pedindo que o Tribunal de Justiça se digne:

–        anular o acórdão recorrido e

–        condenar a Comissão nas despesas do presente processo, incluindo as relativas ao processo de medidas provisórias.

14      A Comissão conclui pedindo que o Tribunal de Justiça se digne:

–        negar provimento ao recurso e

–        condenar a República Portuguesa no pagamento das despesas.

 Quanto ao presente recurso

15      A República Portuguesa baseia o seu recurso em dois fundamentos.

16      O primeiro fundamento está dividido em nove partes, relativas, a primeira, a um erro de direito cometido pelo Tribunal Geral ao ter concluído pela existência de um novo auxílio. As partes segunda a quarta são relativas a uma falta de fundamentação e a erros de direito cometidos pelo Tribunal Geral consistentes numa errada interpretação do requisito relativo à origem dos lucros aos quais se aplica a redução do IRC. As partes quinta a oitava são relativas a uma falta de fundamentação, à desvirtuação dos elementos de prova relativos ao requisito da criação ou da manutenção dos postos de trabalho e a uma interpretação errada do referido requisito. A nona parte é relativa a um erro de direito cometido pelo Tribunal Geral por inversão das regras do ónus da prova.

17      O segundo fundamento está dividido em duas partes, relativas, a primeira, a uma violação dos direitos de defesa, dos princípios da segurança jurídica e da boa administração e a uma falta de fundamentação, uma vez que o Tribunal Geral não levou em conta as observações da República Portuguesa apresentadas no procedimento formal de investigação, e, a segunda, a uma violação dos princípios da segurança jurídica, da confiança legítima e da boa administração, visto que o Tribunal Geral confirmou a ordem emitida pela Comissão, dirigida à República Portuguesa, de recuperação dos auxílios declarados ilegais e incompatíveis.

 Quanto às partes segunda a quarta do primeiro fundamento

18      Nas partes segunda a quarta do primeiro fundamento, que devem ser analisadas em primeiro lugar, a República Portuguesa alega, em substância, que o Tribunal Geral interpretou erradamente o requisito relativo à origem dos lucros aos quais se aplica a redução do IRC.

 Argumentos das partes

19      Na segunda parte do primeiro fundamento, a República Portuguesa sustenta que o Tribunal Geral cometeu um erro de direito ao entender, nos n.os 129, 137, 138 e 158 do acórdão recorrido, que a Comissão teve razão ao considerar que o requisito, previsto nas Decisões de 2007 e de 2013, segundo o qual as reduções do IRC previstas no Regime III apenas podiam ter por objeto os lucros resultantes de atividades «efetiva e materialmente realizadas na Madeira», não pode ser interpretado no sentido de que visa atividades realizadas fora da RAM, mesmo por sociedades registadas na ZFM.

20      Em primeiro lugar, a República Portuguesa alega que o Tribunal Geral concluiu erradamente, no n.° 133 do acórdão recorrido, que «resulta do considerando 226 da decisão [controvertida], não contestado pela República Portuguesa, [que] a Comissão “tinha solicitado a introdução, no projeto de lei notificado por Portugal em 28 de junho de 2006, de uma disposição expressa nos termos da qual as reduções do imposto apenas seriam aplicáveis aos lucros resultantes de atividades realizadas na Madeira [e a República Portuguesa] recusou‑se a fazê‑lo por considerar que essa disposição não era necessária, uma vez que essa restrição decorria [do Estatuto dos Benefícios Fiscais]”». A este respeito, a República Portuguesa esclarece que este estatuto constitui a base jurídica dos regimes de auxílios em causa.

21      Segundo a República Portuguesa, conforme especificado nos n.os 243 e 244 da sua petição no Tribunal Geral, o que resulta da correspondência com a Comissão é o contrário. Com efeito, tendo em conta que, no decurso das negociações que precederam o Regime III, as autoridades portuguesas disseram expressamente à Comissão «que não [era] necessário introduzir a cláusula pretendida, dado que tal facto já decorre da lei geral», significa que a Comissão aceitou a posição da República Portuguesa de que os benefícios fiscais do Regime III seriam circunscritos às atividades realizadas pelas empresas licenciadas na Madeira, de acordo com a natureza e a economia do sistema fiscal nacional.

22      Em segundo lugar, a República Portuguesa sustenta que os n.os 126 a 158 do acórdão recorrido incorrem num erro de direito, na medida em que o Tribunal Geral procedeu à interpretação das Decisões de 2007 e 2013 sem ter examinado a notificação efetuada pela República Portuguesa. Esclarece que o requisito relativo à necessidade de as empresas terem «atividades efetiva e materialmente realizadas na Madeira» foi densificado no plano nacional, no artigo 34.° ou no artigo 36.° do Estatuto dos Benefícios Fiscais, que foi previamente notificado à Comissão e por esta aceite quando adotou as suas Decisões de 2007 e de 2013.

23      A este respeito, a República Portuguesa esclarece, primeiro, no âmbito do seu recurso, que o projeto de lei relativo ao Regime III da ZFM foi notificado pela República Portuguesa à Comissão em 28 de junho de 2006 e consta igualmente do anexo à resposta das autoridades portuguesas de 19 de dezembro de 2006 ao pedido de informações adicionais enviado pela Comissão (anexo E.2) (a seguir «resposta das autoridades portuguesas de 19 de dezembro de 2006»). Como base jurídica do futuro Regime III, foi junta à resposta das autoridades portuguesas de 19 de dezembro de 2006 (anexo E.2) uma cópia do Decreto‑Lei n.° 163/2003, de 24 de julho de 2003 (Diário da República, I série‑A, n.° 169, de 24 de julho de 2003), em que foi alterado o artigo 34.° do Estatuto dos Benefícios Fiscais. Aí se diz, no artigo 34.°, n.os 1 a 7, do Decreto‑Lei n.° 163/2003, que os benefícios fiscais são para as «entidades licenciadas na [ZFM]». Por isso, impor‑se‑ia concluir, ao contrário do que fez o Tribunal Geral, que o Regime III foi regularmente notificado e autorizado e que o conceito de «atividades efetiva e materialmente realizadas na Madeira» era coincidente com o licenciamento das empresas, implicando o seu estabelecimento na região.

24      Segundo, na sua réplica, a República Portuguesa explica que resulta do artigo 34.°‑A do projeto de lei relativo ao Regime III notificado à Comissão em 28 de junho de 2006 e junto à réplica como anexo C.1, que o conceito de «atividade material» e efetiva na RAM era coincidente com o licenciamento das empresas. O anexo C.1 foi apenas junto com a réplica, ao abrigo do artigo 128.° do Regulamento de Processo do Tribunal Geral, porquanto a Comissão fez referência expressa ao mesmo na sua resposta.

25      Além disso, nem a Comissão nem o Tribunal Geral contestam que o artigo 36.° do Estatuto dos Benefícios Fiscais, ou o artigo 34.° desse estatuto, seja a norma nacional que implementa o Regime III, e também não põem em causa que essa norma reproduza fielmente aquilo que foi notificado como projeto de lei do que viria a ser o Regime III e que foi expressamente aprovado pela Comissão na sua Decisão de 2007.

26      Em terceiro lugar, a República Portuguesa considera que o Tribunal Geral não cumpriu o seu dever de fundamentação e desvirtuou os elementos de prova ao privilegiar, nos n.os 131 a 133 do acórdão recorrido, a interpretação do conceito de «atividades efetiva e materialmente realizadas na Madeira», no sentido dado a este conceito na decisão controvertida e não no sentido que as autoridades nacionais sempre transmitiram à Comissão.

27      Uma vez que as autoridades portuguesas, como o Tribunal Geral reconheceu no n.° 145 do acórdão recorrido, «nunca [ocultaram] à Comissão que as sociedades com sede ou direção efetiva na ZFM aí eram tributadas pela totalidade dos seus rendimentos», é contraditório afirmar, no n.° 149 do referido acórdão, que «a República Portuguesa não demonstra que, durante o procedimento administrativo que conduziu às Decisões de 2002, 2007 ou 2013, informou expressa e univocamente a Comissão de que, apesar da redação das condições que enquadravam o Regime II ou o Regime III, estes últimos se destinavam a ser aplicados a todas as sociedades registadas na ZFM e a todas as suas atividades, incluindo as exercidas fora da RAM». A abordagem partilhada entre as autoridades portuguesas e a Comissão em relação ao sentido a dar às «atividades efetiva e materialmente realizadas na Madeira» era o que impunha um estabelecimento efetivo da empresa na região, mas não um que distinguia entre lucros gerados por atividades fisicamente executadas no território e outros lucros com proveniência no exterior.

28      Em quarto lugar, a República Portuguesa salienta que o controlo realizado pelas autoridades tributárias é, muitas vezes, seguido de um controlo judicial da aplicação correta destes benefícios. Assim, num Acórdão proferido em 10 de abril de 2013, o Supremo Tribunal Administrativo (Portugal) negou provimento ao recurso de uma entidade licenciada na ZFM, mantendo‑se assim a decisão da Autoridade Tributária em recusar a isenção aplicável, com o fundamento de que a empresa não possuía na ZFM uma estrutura instalada dotada de meios logísticos mínimos.

29      Em quinto lugar, a República Portuguesa alega que o Tribunal Geral concluiu erradamente, no n.° 138 do acórdão recorrido, que «podem ser excluídas do benefício desses mesmos auxílios as atividades exercidas fora das referidas regiões que, por este facto, não são afetadas por esses custos adicionais, mesmo que sejam exercidas por sociedades sediadas nessas mesmas regiões».

30      A República Portuguesa esclarece que os pressupostos em que assentou o estudo do Instituto de Economia dos Países Baixos (ECORYS‑NEI) (Relatório Final de 2 de janeiro de 2004 do Instituto de Economia dos Países Baixos, «Towards a Diversification Strategy for Madeira Autonomous Region — Recommendations to overcome the problem of ultraperipherality» junto aos autos com o anexo E.2) permitem a adequada interpretação da noção de «atividade efetiva e materialmente realizada na Madeira» sem que exista o risco de sobrecompensação dos custos resultantes da ultraperifericidade ou uma violação do princípio da proporcionalidade, tal como exigido nas Orientações de 2007. Com efeito, como resulta dos considerandos 44 a 49 da Decisão de 2007 e das páginas 8, 9, 19, 40, 42, 49 e 50 do estudo do Instituto de Economia dos Países Baixos, a estimativa conservadora de quase 400 milhões de euros de custos adicionais baseava‑se no pressuposto de que a noção de «atividade efetiva e materialmente realizada na Madeira» pressupunha que as empresas apenas tivessem de aí estar licenciadas. A interpretação efetuada no n.° 138 do acórdão recorrido conduz ao esvaziamento do regime da ZFM ao levar a uma mera compensação dos custos adicionais resultantes da ultraperifericidade.

31      Em sexto lugar, a República Portuguesa salienta que o Tribunal Geral concluiu erradamente, no n.° 144 do acórdão recorrido, que a legalidade de uma decisão da Comissão deve ser apreciada apenas no âmbito do artigo 107.° TFUE e não à luz de uma pretensa prática decisória anterior desta. Com efeito, perante a ambiguidade das Decisões de 2007 e de 2013, confessada no n.° 134 do acórdão recorrido, a prática decisória relativa às regiões ultraperiféricas oferece um subsídio interpretativo muito útil para a aplicação do Regime III que não pode ser, sem mais, descartado.

32      Na terceira parte do primeiro fundamento, a República Portuguesa sustenta que o Tribunal Geral não cumpriu o seu dever de fundamentação e incorreu num erro de direito devido a um raciocínio contraditório ao considerar, no n.° 143 do acórdão recorrido, por um lado, que é admissível que «a Comissão possa tomar em consideração textos adotados no âmbito da [Organização de Cooperação e de Desenvolvimento Económicos (OCDE)]», mas, por outro, que as regras da OCDE são absolutamente irrelevantes.

33      No entender da República Portuguesa, que remete, a este respeito, para o n.° 67 das Conclusões da advogada‑geral J. Kokott no processo État luxembourgeois (Informações sobre um grupo de contribuintes) (C‑437/19, EU:C:2021:450), o Tribunal Geral cometeu um erro ao não explicar a coerência entre os requisitos legais internacionais em matéria fiscal da OCDE e a interpretação dada ao conceito de «atividades efetiva e materialmente realizadas na região». Se o tivesse feito, teria concluído que a única interpretação possível era a que foi adotada pelas autoridades nacionais e não a que adotou nos n.os 137 e 138 do acórdão recorrido, ou seja, que «podem ser excluídas do benefício desses mesmos auxílios as atividades exercidas fora das referidas regiões [ultraperiféricas]».

34      Por outro lado, segundo a República Portuguesa, o Tribunal Geral não teve em conta a necessidade e os fins da internacionalização das atividades empresariais na ZFM, o que equivale a desvirtuar o regime ali instituído.

35      Na quarta parte do primeiro fundamento, a República Portuguesa alega que o Tribunal Geral cometeu um erro de direito ao validar, nos n.os 151 e 152 do acórdão recorrido, a conclusão da Comissão de que o Regime III, conforme aplicado, no que respeitava ao requisito relativo à origem dos lucros aos quais se aplicava a redução do IRC, era contrário às Decisões de 2007 e de 2013.

36      Em particular, o Tribunal Geral indicou erradamente, no n.° 152 do acórdão recorrido, que esta conclusão não podia ser posta em causa pela argumentação da República Portuguesa segundo a qual, ao interpretar a expressão «atividades efetiva e materialmente realizadas na Madeira» no sentido de que não visam as atividades exercidas fora dessa região por sociedades registadas na ZFM, a Comissão tomou insuficientemente em consideração os efeitos negativos dos Regimes II e III na RAM, assim como o efeito de arrastamento do Regime III, conforme aplicado, — isto é, o princípio segundo o qual as atividades realizadas fora de uma determinada região podem beneficiar de modo significativo a região em causa — ou ainda violou os princípios da livre circulação.

37      Em primeiro lugar, a República Portuguesa considera que o Tribunal Geral deveria ter considerado a jurisprudência do Tribunal de Justiça sobre o «centro dos interesses principais» de uma empresa, que empresta um subsídio interpretativo útil ao requisito de «atividades efetiva e materialmente realizadas na região» e a jurisprudência da União sobre abuso de direito em matéria fiscal. No caso em apreço, o centro dos interesses principais correspondia ao licenciamento das empresas na ZFM. Ora, ao desconhecer a realidade do investimento estrangeiro e ao artificialmente exigir que as empresas licenciadas na RAM não pudessem ter uma atividade internacional e, mais concretamente, que apenas pudessem beneficiar das deduções fiscais por apelo à sua atividade exclusivamente desenvolvida na RAM, o Tribunal Geral torna ineficiente o regime da ZFM, criando novas exigências sem fundamento legal.

38      Em segundo lugar, a República Portuguesa alega que o Tribunal Geral não interpretou corretamente o conceito de «lucros resultantes de atividades efetiva e materialmente realizadas na Madeira» porque não teve em conta o princípio do efeito de arrastamento, segundo o qual as atividades realizadas fora de uma determinada região podem beneficiar de modo significativo a região em causa. Em contrapartida, não se trata aqui, como resulta erradamente dos n.os 154 a 156 do acórdão recorrido, de invocar o caráter ilegal das Decisões de 2007 e de 2013.

39      Em terceiro lugar, a República Portuguesa considera que o Tribunal Geral cometeu um erro de direito, colidindo a sua interpretação com os princípios fundamentais do direito da União, designadamente com as liberdades de estabelecimento e de circulação de pessoas, de serviços e de capitais, nos termos dos artigos 45.° e seguintes TFUE, da prática decisória da Comissão sobre os auxílios públicos para as regiões ultraperiféricas e da jurisprudência constante do Tribunal de Justiça.

40      Com efeito, não permitir que as empresas licenciadas pudessem ter benefícios fiscais resultantes de atividades que têm desenvolvimentos fora da RAM equivaleria a proibir ou limitar a possibilidade de um trabalhador contratado por uma empresa licenciada na ZFM poder desempenhar a sua atividade profissional noutro Estado‑Membro e limitaria ainda a livre prestação de serviços fora da RAM.

41      Por outro lado, o Tribunal Geral cometeu um erro de direito, por falta de fundamentação, ao ter recusado, nos n.os 156 a 158 do acórdão recorrido, apreciar os fundamentos invocados pela República Portuguesa na medida em que a interpretação dos requisitos do Regime III originava uma violação das liberdades fundamentais.

42      A Comissão contesta a argumentação da República Portuguesa. Considera, em particular, que a contestação, pela República Portuguesa, da apreciação do Tribunal Geral sobre a declaração da República Portuguesa, referida no considerando 226 da decisão controvertida, é inadmissível. O Tribunal Geral baseou essa apreciação, no n.° 133 do acórdão recorrido, na análise dos elementos de facto de que dispunha. Ora, a República Portuguesa não invoca qualquer desvirtuação desses elementos.

 Apreciação do Tribunal de Justiça

43      Em primeiro lugar, no que respeita à alegação da República Portuguesa, conforme resumida nos n.os 20 e 21 do presente acórdão e na qual contesta a apreciação efetuada no n.° 133 do acórdão recorrido, importa notar que, com esta alegação, a República Portuguesa invoca uma desvirtuação de documentos, como a sua correspondência com a Comissão, e a notificação do projeto de lei relativo ao Regime III, sustentando de um modo suficientemente circunstanciado que a apreciação efetuada pelo Tribunal Geral contraria o teor destes documentos. Nestas condições, a alegação suscitada nos referidos números do presente acórdão é admissível, contrariamente ao que refere a Comissão.

44      Quanto ao mérito da referida alegação, cumpre recordar que, no n.° 133 do acórdão recorrido, o Tribunal Geral referiu que, «como resulta do considerando 226 da decisão [controvertida], não contestado pela República Portuguesa, a Comissão “tinha solicitado a introdução, no projeto de lei notificado por Portugal em 28 de junho de 2006, de uma disposição expressa nos termos da qual as reduções do imposto apenas seriam aplicáveis aos lucros resultantes de atividades realizadas na Madeira [e a República Portuguesa] recusou‑se a fazê‑lo por considerar que essa disposição não era necessária, uma vez que essa restrição decorria da base jurídica da ZFM”».

45      Não se pode considerar que, no referido número do acórdão recorrido, o Tribunal Geral tenha procedido a uma desvirtuação que resulte de forma manifesta dos elementos dos autos e que tenha excedido manifestamente os limites de uma apreciação razoável dos elementos de prova ao concluir que a República Portuguesa não contestou o considerando 226 da decisão controvertida.

46      Com efeito, é facto assente que a Comissão solicitou às autoridades portuguesas, por ofício de 9 de novembro de 2006 (anexo K.1 dos autos no Tribunal Geral), «que introduz[issem] uma cláusula que estabele[cesse] que as deduções fiscais previstas no regime se limitam a atividades realizadas na Madeira», e que resulta da resposta das autoridades portuguesas de 19 de dezembro de 2006 que não era necessário introduzir tal cláusula, dado que essa restrição já decorria do Estatuto dos Benefícios Fiscais. Assim, não se afigura de forma manifesta que as conclusões a que o Tribunal Geral chegou no n.° 133 do acórdão recorrido contenham inexatidões materiais.

47      Em segundo lugar, quanto à alegação da República Portuguesa, conforme resumida nos n.os 22 a 25 do presente acórdão, e através da qual este Estado‑Membro contesta a apreciação efetuada nos n.os 126 a 158 do acórdão recorrido, segundo a qual «a Comissão não cometeu um erro de direito na interpretação do requisito, previsto nas Decisões de 2007 e 2013, segundo a qual as reduções do IRC previstas no Regime III apenas podiam ter por objeto os lucros resultantes de atividades “efetiva e materialmente realizadas na Madeira”», há que considerar que a apreciação feita pelo Tribunal Geral relativamente às Decisões de 2007 e de 2013, à correspondência trocada entre a República Portuguesa e a Comissão e à notificação do projeto de lei relativo ao Regime III, não demonstra nenhuma desvirtuação do seu conteúdo.

48      Na medida em que a República Portuguesa acusa o Tribunal Geral de ter procedido a uma interpretação das Decisões de 2007 e de 2013 sem ter examinado a notificação do projeto de lei relativo ao Regime III efetuada pela República Portuguesa, cumpre salientar, por um lado, que não resulta dos autos de que o Tribunal de Justiça dispõe que a República Portuguesa tenha invocado, no Tribunal Geral, um projeto de lei cujo teor se afastasse da interpretação adotada pelo Tribunal Geral nos n.os 126 a 158 do acórdão recorrido.

49      Com efeito, embora a República Portuguesa alegue, no seu recurso, que de acordo com o projeto de lei relativo ao Regime III os benefícios fiscais se destinam às «entidades licenciadas na ZFM», o que é, além disso, determinante para a interpretação das atividades dessas empresas, isto é, que o conceito de «atividades efetiva e materialmente realizadas na Madeira» coincidia com o licenciamento dessas empresas, não deixa de ser certo que a República Portuguesa não demonstrou ter formulado tais afirmações perante o Tribunal Geral.

50      A este respeito, cumpre realçar que, embora a República Portuguesa tenha, é certo, apresentado ao Tribunal Geral a resposta das autoridades portuguesas de 19 de dezembro de 2006 como anexo E.2, a verdade é que não o fez para sustentar uma argumentação como aquela que apresenta agora perante o Tribunal de Justiça. Acresce que o projeto de lei relativo ao Regime III, ao qual a República Portuguesa faz referência para sustentar sua argumentação segundo a qual a interpretação das Decisões de 2007 e de 2013 contrariava o referido projeto, não figurava, conforme admite a República Portuguesa na réplica, como anexo à resposta das autoridades portuguesas de 19 de dezembro de 2006 (anexo E.2).

51      Pelo contrário, esse projeto de lei foi submetido pela primeira vez pela República Portuguesa como anexo C.1 da réplica que esta apresentou ao Tribunal de Justiça. Consequentemente, dado que essa acusação não foi invocada perante o Tribunal Geral, deve ser julgada inadmissível no âmbito do presente recurso (v., neste sentido, Acórdão de 11 de julho de 2006, FENIN/Comissão, C‑205/03 P, EU:C:2006:453, n.os 21 e 22). A admissibilidade do anexo C.1 também não decorre, contrariamente ao que alega a República Portuguesa, do artigo 128.° do Regulamento de Processo do Tribunal Geral, visto que este artigo não é, como resulta do artigo 190.°, n.° 1, do referido Regulamento de Processo, aplicável aos processos de recursos de decisões do Tribunal Geral. Resulta do exposto que o Tribunal Geral não podia cometer um erro de direito ao não ter em conta o teor de um anexo que não lhe tinha sido dado a conhecer.

52      Por outro lado, importa observar que, mesmo que a República Portuguesa tivesse apresentado, no Tribunal Geral, um projeto de lei relativo ao Regime III cujo teor determinasse que este regime se aplicava às «entidades licenciadas na ZFM», tal não implicaria que o Tribunal Geral tivesse excedido manifestamente os limites de uma apreciação razoável dos elementos de prova ao considerar que a Comissão não cometeu nenhum erro de direito na interpretação do requisito, previsto nas Decisões de 2007 e de 2013, segundo o qual as reduções do IRC previstas pelo Regime III apenas podiam ter por objeto os lucros resultantes de atividades «efetiva e materialmente realizadas na Madeira».

53      Com efeito, mesmo admitindo que o projeto de lei relativo ao Regime III restringia a possibilidade de conceder benefícios fiscais, ratione personae, às empresas licenciadas na ZFM, tal não levaria a que a restrição, ratione materiae, prevista nas Decisões de 2007 e de 2013 às atividades dessas empresas licenciadas efetiva e materialmente realizadas na Madeira fosse afetada.

54      Em terceiro lugar, no que respeita à alegação da República Portuguesa, conforme resumida nos n.os 26 e 27 do presente acórdão, importa recordar, a título preliminar, que, em conformidade com os requisitos que decorrem do artigo 256.° TFUE, do artigo 58.°, primeiro parágrafo, do Estatuto do Tribunal de Justiça da União Europeia, bem como do artigo 168.°, n.° 1, alínea d), e do artigo 169.° do Regulamento de Processo do Tribunal de Justiça, um recurso de uma decisão do Tribunal Geral deve indicar de modo preciso os elementos contestados do acórdão cuja anulação é pedida, bem como os argumentos jurídicos em que se apoia especificamente esse pedido, sob pena de inadmissibilidade do recurso ou do fundamento em causa (Acórdão de 23 de novembro de 2021, Conselho/Hamas, C‑833/19 P, EU:C:2021:950, n.° 50 e jurisprudência referida).

55      Mais concretamente, segundo a jurisprudência, não cumpre estes requisitos e deve ser julgado inadmissível um fundamento cuja argumentação não seja suficientemente clara e detalhada para permitir ao Tribunal de Justiça exercer o seu controlo de legalidade, nomeadamente porque os elementos essenciais em que se baseia o fundamento não resultam de forma suficientemente coerente e compreensível do texto do recurso, que está formulado de uma maneira pouco clara a este título. O Tribunal de Justiça também declarou que deve ser julgado manifestamente inadmissível um recurso que não apresente uma estrutura coerente, que se limita a afirmações gerais e que não contém indicações concretas relativamente aos números da decisão recorrida que são suscetíveis de conter erros de direito (v., neste sentido, Acórdão de 15 de abril de 2021, FV/Conselho, C‑875/19 P, EU:C:2021:283, n.° 27 e jurisprudência referida). Também não cumpre os referidos requisitos o recurso que, sem sequer incluir uma argumentação especificamente destinada a identificar o erro de direito que pretensamente vicia o acórdão recorrido, se limita a reproduzir os fundamentos e os argumentos já apresentados no Tribunal Geral. Com efeito, esse recurso constitui, na verdade, um pedido de simples reanálise da petição apresentada no Tribunal Geral, o que escapa à competência do Tribunal de Justiça (Acórdão de 15 de julho de 2021, DK/SEAE, C‑851/19 P, EU:C:2021:607, n.° 32 e jurisprudência referida).

56      Além disso, resulta do artigo 256.° TFUE e do artigo 58.°, primeiro parágrafo, do Estatuto do Tribunal de Justiça da União Europeia que o recurso de uma decisão do Tribunal Geral está limitado às questões de direito. Por conseguinte, o Tribunal Geral tem competência exclusiva para apurar e apreciar os factos pertinentes, assim como para apreciar os elementos de prova. A apreciação destes factos e destes elementos de prova não constitui, assim, exceto em caso de desvirtuação, uma questão de direito sujeita, enquanto tal, à fiscalização do Tribunal de Justiça no âmbito de um recurso de uma decisão do Tribunal Geral. Essa desvirtuação deve resultar de forma manifesta dos documentos dos autos, sem que seja necessário proceder a uma nova apreciação dos factos e dos elementos de prova (Acórdão de 21 de outubro de 2021, Parlamento/UZ, C‑894/19 P, EU:C:2021:863, n.° 46 e jurisprudência referida). Pressupõe que o Tribunal Geral tenha excedido manifestamente os limites de uma apreciação razoável desses elementos de prova. A este respeito, não basta demonstrar que um documento pode ser objeto de interpretação diferente da adotada pelo Tribunal Geral (Acórdão de 28 de janeiro de 2021, Qualcomm e Qualcomm Europe/Comissão, C‑466/19 P, EU:C:2021:76, n.° 44). Para este efeito, incumbe ao recorrente indicar de forma precisa os elementos que considera terem sido desvirtuados pelo Tribunal Geral e demonstrar os erros de análise que, segundo a sua apreciação, terão conduzido a essa desvirtuação (Acórdão de 28 de outubro de 2021, Vialto Consulting/Comissão, C‑650/19 P, EU:C:2021:879, n.° 59 e jurisprudência referida).

57      É à luz das considerações precedentes que importa examinar a presente alegação.

58      Ora, a este respeito, há que considerar, por um lado, que, com a sua argumentação, a República Portuguesa não especifica de modo nenhum as normas jurídicas violadas pelo Tribunal Geral nem a fundamentação em falta e que, no que respeita às desvirtuações alegadas, não indica de forma precisa os elementos que foram desvirtuados pelo Tribunal Geral nem demonstra os erros de análise que, no seu entender, conduziram a essa desvirtuações, contrariamente aos requisitos da jurisprudência recordada nos n.os 54 a 56 do presente acórdão. Limita‑se, na realidade, a requerer uma nova apreciação dos factos e dos elementos de prova para a qual o Tribunal de Justiça não tem competência em sede de recurso de uma decisão do Tribunal Geral, à luz da jurisprudência referida no n.° 55 do presente acórdão. Consequentemente, esta argumentação deve ser julgada inadmissível, em aplicação da jurisprudência recordada no n.° 55 do presente acórdão.

59      Por outro lado, no que respeita à argumentação resumida no n.° 27 do presente acórdão, há que considerar que não existe uma contradição entre os n.os 145 e 149 do acórdão recorrido, uma vez que, conforme foi explicado no n.° 146 do acórdão recorrido, o facto de as sociedades com sede na ZFM serem aí tributadas sobre a totalidade dos seus rendimentos pelas autoridades tributárias da RAM não implica de modo nenhum que os auxílios ao funcionamento concedidos por esta região às referidas sociedades devam necessariamente beneficiar todas as atividades dessas sociedades e não possam ser reservados a uma parte identificada dessas atividades.

60      Em quarto lugar, no que respeita às alegações da República Portuguesa, conforme resumidas nos n.os 28 a 31 do presente acórdão, basta referir que a República Portuguesa não especifica de modo nenhum as normas jurídicas violadas pelo Tribunal Geral. Limita‑se, na realidade, a requerer uma nova apreciação dos factos e dos elementos de prova para a qual o Tribunal de Justiça não tem competência em sede de recurso de uma decisão do Tribunal Geral, à luz da jurisprudência referida no n.° 55 do presente acórdão. Consequentemente, esta argumentação deve ser julgada inadmissível, em aplicação da jurisprudência recordada no n.° 55 do presente acórdão.

61      Em quinto lugar, no que respeita à alegação da República Portuguesa, conforme resumida no n.° 32 do presente acórdão, cumpre observar que o n.° 143 do acórdão recorrido não apresenta nenhuma contradição. Com efeito, contrariamente ao que afirma a República Portuguesa, o Tribunal Geral não indicou, no referido número, que as regras da OCDE em questão eram «absolutamente irrelevantes». Pelo contrário, resulta daquele número que «embora a Comissão possa tomar em consideração textos adotados no âmbito da OCDE, não pode, de modo algum, estar vinculada por estes, nomeadamente na aplicação das regras do Tratado FUE, em particular as relativas aos auxílios estatais».

62      Em sexto lugar, no que respeita às alegações da República Portuguesa, conforme resumidas no n.° 33 do presente acórdão, importa salientar que o facto de as Orientações da OCDE já terem sido utilizadas para interpretar conceitos do direito da União não é suficiente para demonstrar que o Tribunal Geral cometeu um erro de direito no n.° 143 do acórdão recorrido. Em particular, conforme resulta do n.° 67 das Conclusões da advogada‑geral J. Kokott no processo État luxembourgeois (Informações sobre um grupo de contribuintes) (C‑437/19, EU:C:2021:450), as Orientações da OCDE não são juridicamente vinculativas na União, pelo que, contrariamente ao que a República Portuguesa sustenta, não é possível, de modo algum, inferir deste n.° 67 que o n.° 143 do acórdão recorrido contém um erro.

63      Em sétimo lugar, no que respeita à alegação da República Portuguesa, conforme resumida no n.° 34 do presente acórdão, basta referir que a República Portuguesa não especifica de modo nenhum as normas jurídicas que foram violadas pelo Tribunal Geral. Limita‑se, na realidade, a requerer uma nova apreciação dos factos e dos elementos de prova para a qual o Tribunal de Justiça não tem competência em sede de recurso de uma decisão do Tribunal Geral, à luz da jurisprudência referida no n.° 55 do presente acórdão. Consequentemente, esta argumentação deve ser julgada inadmissível.

64      Em oitavo lugar, no que respeita às alegações da República Portuguesa, conforme resumidas nos n.os 35 a 41 do presente acórdão, cumpre salientar, primeiro, que a jurisprudência do Tribunal de Justiça invocada pela República Portuguesa (Acórdãos de 26 de fevereiro de 2019, N Luxembourg 1 e o., C‑115/16, C‑118/16, C‑119/16 e C‑299/16, EU:C:2019:134, bem como de 26 de fevereiro de 2019, T Danmark e Y Denmark, C‑116/16 e C‑117/16, EU:C:2019:135) versa sobre as regras do direito da União aplicáveis à tributação de sociedades coligadas com sede na União. Ora, esta jurisprudência não é relevante para apreciar o alcance das decisões pelas quais a Comissão autoriza regimes de auxílios. Por conseguinte, o Tribunal Geral não pode ser acusado de ter violado a referida jurisprudência no acórdão recorrido.

65      Segundo, no que respeita à alegada violação do «princípio do efeito de arrastamento», basta observar que a República Portuguesa não especifica as normas jurídicas que o Tribunal Geral violou a este respeito, pelo que esta alegação deve ser julgada inadmissível em aplicação da jurisprudência recordada no n.° 57 do presente acórdão.

66      Terceiro, quanto à alegada violação das liberdades de estabelecimento e de circulação de pessoas, de serviços e de capitais, basta referir que a República Portuguesa não apresentou elementos que demonstrem que o Tribunal Geral tenha concluído erradamente, no n.° 157 do acórdão recorrido, pela inadmissibilidade da argumentação que esta tinha apresentado a este título na sua petição no recurso de anulação. Por conseguinte, esta alegação deve ser julgada inoperante.

67      Nestas condições, há que julgar as partes segunda a quarta do primeiro fundamento parcialmente inadmissíveis e parcialmente improcedentes.

 Quanto às partes quinta a oitava do primeiro fundamento

68      Com as partes quinta a oitava do primeiro fundamento, a República Portuguesa alega, em substância, que o Tribunal Geral interpretou erradamente o requisito relativo à criação ou à manutenção de postos de trabalho.

 Argumentos das partes

69      Na quinta parte do primeiro fundamento, a República Portuguesa alega que o Tribunal Geral não cumpriu o seu dever de fundamentação e desvirtuou os elementos de prova ao ter procedido a uma apreciação manifestamente incorreta ou substituído pela sua própria fundamentação a da decisão controvertida, ao declarar, no n.° 165 do acórdão recorrido, que a Comissão não impôs de modo nenhum às autoridades portuguesas o recurso aos métodos de definição de postos de trabalho em «equivalente a tempo inteiro» (ETI) e em «unidades de trabalho anuais» (UTA), tendo‑se limitado a afirmar que estes métodos «constituíam métodos adequados para calcular o número de postos de trabalho».

70      De acordo com a República Portuguesa, os considerandos 171 a 175 da decisão controvertida, bem como os considerandos 40, 41 e 64, ponto 5, da decisão de abertura do procedimento formal, contradizem frontalmente esta interpretação ao terem imposto às autoridades nacionais o recurso aos métodos ETI e UTA. A este respeito, a Comissão não poderia ter alterado drasticamente a sua posição na audiência no processo T‑95/21. Adicionalmente, ao invocar erradamente esses argumentos, por iniciativa própria, e que não têm amparo nos considerandos 171 a 175 da decisão controvertida, que, pelo contrário, impuseram às autoridades nacionais o recurso aos métodos ETI e UTA, o Tribunal Geral desvirtuou a decisão controvertida e excedeu a sua competência de fiscalização jurisdicional, o que constitui uma irregularidade processual e uma violação dos direitos de defesa da República Portuguesa, na medida em que esta não foi previamente convidada a apresentar as suas observações sobre esse fundamento.

71      Na sexta parte do primeiro fundamento, a República Portuguesa alega que o Tribunal Geral cometeu um erro de direito ao declarar, nos n.os 160 e 167 do acórdão recorrido, que a Comissão tinha razão ao considerar que a República Portuguesa estava obrigada a adotar a metodologia de definição dos postos de trabalho em ETI e em UTA, que consta das Orientações de 2007. Com efeito, ao rejeitar, nos n.os 159 a 167 do acórdão recorrido, o método de cálculo adotado pelas autoridades portuguesas, o Tribunal Geral impôs, na prática, às referidas autoridades que tomassem em consideração, para efeitos do cálculo do benefício fiscal, o método ETI.

72      Em primeiro lugar, a República Portuguesa considera que não estava obrigada a adotar a metodologia de definição de postos de trabalho em ETI e em UTA, que consta do considerando 58 das Orientações de 2007, uma vez que esta noção não era aplicável à ZFM.

73      A este título, esclarece, por um lado, que, no que respeita ao Regime III da ZFM, a verificação do cumprimento dos pressupostos da sua concretização deve ser realizada por apelo aos considerandos 76 a 83 da secção 5 das Orientações de 2007, relativa aos auxílios ao funcionamento, e não com base nas regras aplicáveis aos auxílios ao investimento (secção 4 das referidas orientações) na qual se integra o considerando 58. Na ausência de remissão expressa da secção 5 das Orientações de 2007, a metodologia de definição de postos de trabalho em ETI e em UTA não é aplicável aos auxílios ao funcionamento. A República Portuguesa salienta, por outro lado, que, como a Comissão reconhece no considerando 41 da decisão de dar início ao procedimento formal, as Decisões de 2007 e de 2013 não mencionam a utilização da metodologia de definição dos postos de trabalho em ETI e em UTA e também não remetem para a secção 4 das Orientações de 2007.

74      Em segundo lugar, a República Portuguesa alega que o método adotado pelas autoridades portuguesas, segundo o qual constituía um posto de trabalho para efeitos da aplicação do Regime III qualquer emprego, de qualquer natureza jurídica, reconhecido pela legislação portuguesa «independentemente do número de horas, dias e meses de trabalho ativo por ano, declarado pelos beneficiários, incluindo os empregos a tempo parcial ou os de membros do conselho de administração que desenvolvem a sua atividade em mais do que uma sociedade beneficiária do Regime III» é plausível e que, tendo em conta as interações entre a Comissão e a República Portuguesa, esta interpretação decorre do Regime III. A este respeito, baseando‑se numa jurisprudência do Tribunal de Justiça, a República Portuguesa sublinha que o esclarecimento das autoridades nacionais dirigido à Comissão por ofício de 20 de novembro de 2002 (anexo A.2), segundo o qual «a criação de emprego ficará sujeita a todas as normas constantes da legislação laboral vigente em todo o território português» deve ser «considerado como fazendo indissociavelmente parte do regime de auxílios notificado» (Acórdão de 16 de dezembro de 2010, Kahla Thüringen Porzellan/Comissão, C‑537/08 P, EU:C:2010:769, n.° 45).

75      Em terceiro lugar, a República Portuguesa alega que o acórdão recorrido comete um erro de direito, na medida em que o Tribunal Geral aplicou a metodologia prevista na decisão controvertida de definição dos postos de trabalho em ETI e em UTA, quando, pelo contrário, o conceito de posto de trabalho aplicável ao regime da ZFM é aquele que resulta da legislação nacional. Uma vez que o direito da União não adotou um conceito uniforme de «contrato de trabalho» nem, por conseguinte, de «posto de trabalho», cabe a cada Estado‑Membro proceder à densificação destes conceitos também para efeitos da aplicação do regime dos benefícios fiscais às empresas licenciadas na ZFM. Neste âmbito, as autoridades portuguesas têm sempre considerado que o requisito de criação ou manutenção de postos de trabalho por entidades licenciadas para operar na ZFM apenas se cumpre se for celebrado um contrato de trabalho com uma entidade licenciada na ZFM.

76      Além disso, a Decisão de 2007 estabelece que «o regime [se aplica] sem distinção a empresas residentes e não residentes em Portugal». Por outro lado, nos termos da jurisprudência do Tribunal de Justiça, as disposições do direito da União podem ser aplicadas a atividades profissionais exercidas fora do território da União, desde que a relação de trabalho tenha uma conexão suficientemente estreita com o território da União (Acórdãos de 12 de julho de 1984, Prodest, 237/83, EU:C:1984:277, n.° 6; de 27 de setembro de 1989, Lopes da Veiga, 9/88, EU:C:1989:346, n.° 15, e de 29 de junho de 1994, Aldewereld, C‑60/93, EU:C:1994:271, n.° 14).

77      No respeito do princípio da autonomia processual dos Estados‑Membros e com vista a reconhecer‑se que o ordenamento jurídico nacional laboral é apto a respeitar os princípios da equivalência e da efetividade, este princípio deve ser entendido como abrangendo também os casos em que a relação de trabalho se prende de modo suficiente com o direito de um Estado‑Membro e, por conseguinte, com as normas relevantes de direito comunitário (Acórdão de 30 de abril de 1996, Boukhalfa, C‑214/94, EU:C:1996:174, n.° 15).

78      Na sétima parte do primeiro fundamento, a República Portuguesa sustenta que o Tribunal Geral não cumpriu o seu dever de fundamentação e cometeu um erro de direito ao proceder a um raciocínio contraditório quando, por um lado, subscreveu, nos n.os 159 a 162 do acórdão recorrido, o conteúdo dos n.os 168 a 176 da decisão controvertida relativamente à imposição dos métodos ETI e UTA, mas, por outro, afirmou, nos n.os 163 a 167 do acórdão recorrido, que a Comissão «não impôs de modo nenhum às autoridades portuguesas o recurso a esses métodos».

79      Na oitava parte do primeiro fundamento, a República Portuguesa alega que o Tribunal Geral cometeu um erro de direito quando considerou, no n.° 165 do acórdão recorrido, que a Comissão «[se limitou] a afirmar, no considerando 176 [da decisão controvertida], que essas autoridades [nacionais] não tinham adotado um método capaz de permitir verificar a veracidade e a permanência dos postos de trabalho declarados pelos beneficiários do Regime III, conforme aplicado». Com efeito, apenas as normas da legislação nacional laboral eram aplicáveis, e não os métodos ETI e UTA.

80      A Comissão contesta a argumentação da República Portuguesa. Considera, em particular, que a alegação relativa à contestação da apreciação efetuada no n.° 165 do acórdão recorrido é inadmissível, uma vez que a República Portuguesa se limita a expor afirmações genéricas sem qualquer argumentação jurídica que as sustente. Por outro lado, a alegação relativa a uma pretensa contradição entre a apreciação contida nos n.os 163 a 167 do acórdão recorrido, segundo a qual a Comissão não impôs às autoridades portuguesas o recurso aos métodos ETI e UTA, e a apreciação que figura nos n.os 159 a 162 do acórdão recorrido, da qual resulta, segundo a República Portuguesa, a aplicação desses métodos, é inadmissível, tendo em conta que a República Portuguesa se limita a produzir afirmações relativas a essa contradição no acórdão recorrido, sem, todavia, fornecer qualquer argumentação jurídica a esse respeito.

 Apreciação do Tribunal de Justiça

81      Em primeiro lugar, no que respeita à alegação da República Portuguesa, conforme resumida nos n.os 69 e 70 do presente acórdão e mediante a qual contesta a apreciação efetuada no n.° 165 do acórdão recorrido, há que considerar que, com a mesma, a República Portuguesa sustenta de forma suficientemente circunstanciada que a apreciação dos considerandos 171 a 175 da decisão controvertida feita pelo Tribunal Geral contraria o teor deste documento. Nestas condições, a alegação suscitada nos referidos números do presente acórdão é, contrariamente ao que aduz a Comissão, admissível.

82      No que respeita ao mérito desta alegação, relativa a uma desvirtuação da decisão controvertida, há que recordar que, segundo jurisprudência constante do Tribunal de Justiça, uma desvirtuação deve resultar de modo manifesto dos documentos dos autos, sem que seja necessário proceder a uma nova apreciação dos factos e das provas (Acórdão de 13 de julho de 2023, Comissão/CK Telecoms UK Investments, C‑376/20 P, EU:C:2023:561, n.° 142).

83      No caso em apreço, o Tribunal Geral referiu, no n.° 165 do acórdão recorrido, que, «[e]mbora a Comissão tenha efetivamente salientado, no considerando 173 da decisão [controvertida], que os métodos ETI e UTA constituíam métodos adequados para calcular o número de postos de trabalho, não impôs de modo nenhum às autoridades portuguesas o recurso a esses métodos, o que confirmou na audiência, tendo‑se limitado a afirmar, no considerando 176 dessa mesma decisão, que essas autoridades não tinham adotado um método capaz de permitir verificar a veracidade e a permanência dos postos de trabalho declarados pelos beneficiários do Regime III, conforme aplicado».

84      Ora, o referido número do acórdão recorrido não revela nenhuma desvirtuação que resulte de modo manifesto dos documentos dos autos nem que o Tribunal Geral tenha excedido manifestamente os limites de uma apreciação razoável dos elementos de prova.

85      Com efeito, contrariamente ao que a República Portuguesa alega, os considerandos 171 a 176 da decisão controvertida não revelam que o Tribunal Geral tenha cometido um erro manifesto de apreciação quando considerou que esta parte da decisão controvertida não visa impor os métodos ETI e UTA para calcular os montantes do auxílio, mas antes demonstrar que o método de cálculo utilizado pela República Portuguesa não era adequado para verificar a veracidade ou a permanência dos postos de trabalho declarados, embora estivessem disponíveis métodos como os métodos ETI e UTA.

86      Assim, antes de mais, o considerando 171 da decisão controvertida começa por impor o critério segundo o qual o número de postos de trabalho é um parâmetro do montante de auxílio que se deve basear num método objetivo e comprovado utilizado na prática decisória em matéria de auxílios estatais. Em seguida, no considerando 173 da decisão controvertida, a Comissão afirma que o método UTA é um método — e, consequentemente, não o único método — adequado para o efeito. Por último, a Comissão termina a sua análise, nos considerandos 175 e 176 da decisão controvertida, pela observação de que foi o facto de não existir uma definição do conceito de posto de trabalho capaz de contabilizar o número de postos de trabalho criados e mantidos na Madeira que as autoridades portuguesas não estavam em condições de verificar a veracidade nem a permanência dos postos de trabalho declarados, tal como tinha sido solicitado pela Comissão nas suas Decisões de 2007 e de 2013.

87      Em segundo lugar, quanto à alegação da República Portuguesa, conforme resumida nos n.os 71 a 73 do presente acórdão, basta salientar que a mesma assenta na premissa de que, contrariamente ao que o Tribunal Geral declarou no n.° 165 do acórdão recorrido, a decisão controvertida lhe tinha imposto a adoção da metodologia de definição dos postos de trabalho em ETI e em UTA. Ora, o caráter errado desta premissa resulta das observações contidas nos n.os 83 a 85 do presente acórdão.

88      Em terceiro lugar, quanto às alegações da República Portuguesa, conforme resumidas nos n.os 74 a 77 e 79 do presente acórdão, basta referir que as mesmas visam pôr em causa a observação efetuada pelo Tribunal Geral, nos n.os 165 e 166 do acórdão recorrido, no âmbito da sua apreciação soberana dos factos, segundo a qual as autoridades portuguesas não adotaram um método capaz de permitir verificar a veracidade e a permanência dos postos de trabalho declarados pelos beneficiários do Regime III, conforme aplicado, sem invocar nem demonstrar a mínima desvirtuação. Por conseguinte, há que julgar estas alegações inadmissíveis.

89      Em quarto lugar, no que toca à alegação da República Portuguesa, conforme resumida no n.° 78 do presente acórdão, importa considerar que, através da mesma, a República Portuguesa sustenta de forma suficientemente circunstanciada que a apreciação contida nos n.os 163 a 167 do acórdão recorrido, segundo a qual a Comissão não impôs de modo nenhum às autoridades portuguesas o recurso aos métodos ETI e UTA, contraria a apreciação que figura nos n.os 159 a 162 do acórdão recorrido, da qual resulta, segundo a República Portuguesa, a imposição desses métodos. Nestas condições, há que considerar esta alegação admissível, contrariamente ao que alega a Comissão.

90      Quanto ao mérito desta alegação, basta recordar que, conforme resulta dos n.os 83 a 86 do presente acórdão, o Tribunal Geral não excedeu manifestamente os limites de uma apreciação razoável dos elementos de prova ao considerar que a Comissão não impôs de modo nenhum às autoridades portuguesas o recurso aos métodos ETI e UTA, dado que o n.° 160 do acórdão recorrido também faz referência ao requisito segundo o qual o número de postos de trabalho é um parâmetro de cálculo do montante do auxílio que deve assentar em métodos objetivos e verificáveis como os métodos UTA e ETI.

91      Nestas condições, há que julgar as partes quinta a oitava do primeiro fundamento parcialmente inadmissíveis e parcialmente improcedentes.

 Quanto à nona parte do primeiro fundamento

 Argumentos das partes

92      Com a nona parte do primeiro fundamento, a República Portuguesa sustenta que o Tribunal Geral cometeu um erro de direito, nos n.os 168 a 179 do acórdão recorrido, quando inverteu as regras sobre o ónus da prova ao entender que a Comissão tinha fundamento para considerar que as autoridades portuguesas, com base nas declarações apresentadas pelos beneficiários, não estavam em condições de verificar a veracidade nem a permanência dos postos de trabalho declarados, tal como tinha sido solicitado pela Comissão nas suas Decisões de 2007 e de 2013, precisamente devido à ausência de uma metodologia de cálculo comum e objetiva aplicável a todos os casos de relações de trabalho.

93      Segundo jurisprudência constante, transponível para a presente situação, cabe à Comissão demonstrar que a totalidade ou parte dos auxílios que anteriormente autorizou ao abrigo de uma decisão anterior foram utilizados de forma abusiva pelo beneficiário (Acórdão de 11 de maio de 2005, Saxonia Edelmetalle e ZEMAG/Comissão, T‑111/01 e T‑133/01, EU:T:2005:166, n.° 86). Com efeito, se não o demonstrar, esses auxílios devem considerar‑se abrangidos pela sua anterior decisão de aprovação. Ora, a Comissão não identificou concretamente as empresas que beneficiaram de auxílios utilizados de forma abusiva, como lhe cabia.

94      Por outro lado, a República Portuguesa alega que o Tribunal Geral desvirtuou os elementos de prova e inverteu o ónus da prova ao considerar, no n.° 175 do acórdão recorrido, que o exemplo de um controlo fiscal efetuado a uma sociedade registada na ZFM e que deu lugar à aplicação do método UTA não basta para pôr em causa a conclusão a que a Comissão chegou.

95      A Comissão contesta todos os argumentos invocados no âmbito desta parte.

 Apreciação do Tribunal de Justiça

96      No que concerne à nona parte do primeiro fundamento, conforme resumida nos n.os 92 a 94 do presente acórdão e pela qual a República Portuguesa contesta a apreciação efetuada no n.° 175 do acórdão recorrido, há que considerar, em primeiro lugar, que a jurisprudência por ela invocada para sustentar a sua argumentação de que a referida apreciação viola a repartição do ónus da prova não é pertinente para a análise do presente processo. Com efeito, o Acórdão de 11 de maio de 2005, Saxonia Edelmetalle e ZEMAG/Comissão (T‑111/01 e T‑133/01, EU:T:2005:166), tem por objeto o exame da utilização abusiva do montante de auxílios individuais concedidos por um Estado‑Membro a uma ou várias empresas expressamente identificadas. Em contrapartida, o presente processo prende‑se com a aplicação de disposições fiscais, a saber, o Regime III, em violação de decisões da Comissão que autorizam um regime de auxílios.

97      Em segundo lugar, quanto à argumentação da República Portuguesa exposta no n.° 94 do presente acórdão, basta referir que a mesma visa pôr em causa, sem invocar nem demonstrar a mínima desvirtuação, a constatação efetuada pelo Tribunal Geral, no n.° 175 do acórdão recorrido, no âmbito da sua apreciação soberana dos factos, segundo a qual, na impossibilidade de revelar as práticas e os métodos constantes e estabelecidos das autoridades portuguesas que lhes permitam controlar que, em geral, o Regime III é executado em conformidade com as Decisões de 2007 e 2013, o exemplo de um controlo fiscal efetuado a uma sociedade registada na ZFM e que deu lugar à aplicação do método UTA não basta para pôr em causa a conclusão a que a Comissão chegou. Esta argumentação deve, pois, ser julgada inadmissível.

98      Além disso, como o Tribunal Geral sublinhou, em substância, nos n.os 172 e 173 do acórdão recorrido, a impossibilidade de as autoridades portuguesas competentes verificarem o respeito dos critérios especificados pela Comissão nas Decisões de 2007 e de 2013, no que respeita à criação e à manutenção de postos de trabalho na RAM, resulta necessariamente da utilização de critérios diferentes no âmbito do Regime III.

99      Nestas condições, há que julgar a nona parte do primeiro fundamento parcialmente inadmissível e parcialmente improcedente.

 Quanto à primeira parte do primeiro fundamento

 Argumentos das partes

100    Na primeira parte do primeiro fundamento, a República Portuguesa alega que o Tribunal Geral violou o artigo 108.°, n.° 1, TFUE e o artigo 1.°, alínea b), ii), do Regulamento 2015/1589, bem como os artigos 21.° a 23.° deste regulamento, ao declarar, nos n.os 123 e 178 do acórdão recorrido, que um regime de auxílios existente, como o autorizado pelas Decisões de 2007 e de 2013, que foi substancialmente alterado e aplicado em violação das condições de pagamento previamente autorizadas pela Comissão deixa de poder ser considerado autorizado e, por conseguinte, perde integralmente a sua qualificação de «regime de auxílios existente».

101    A República Portuguesa expõe a este respeito que, mesmo que tivesse havido uma violação das condições de pagamento previamente autorizadas pela Comissão, esta instituição deveria ter seguido o procedimento relativo aos auxílios existentes previsto no artigo 108.°, n.° 1, TFUE e nos artigos 21.° a 23.° do Regulamento 2015/1589.

102    Alega que o artigo 4.°, n.° 1, do Regulamento (CE) n.° 794/2004 da Comissão, de 21 de abril de 2004, relativo à aplicação do Regulamento (CE) n.° 2015/1589 do Conselho, que estabelece as regras de execução do artigo 108.° [TFUE] (JO 2004, L 140, p. 1), invocado no n.° 122 do acórdão recorrido, que estipula que a alteração substancial de um auxílio existente torna‑o num auxílio novo, não tem qualquer aplicação à discussão subjacente aos autos que tem que ver com a correta interpretação dos requisitos legais ínsitos às Decisões de 2007 e de 2013.

103    No presente processo, não houve nenhuma alteração legislativa no direito nacional contrária a uma condição prevista nas Decisões de 2007 e de 2013. Pelo contrário, os projetos de diploma nacional, isto é, as alterações ao Estatuto dos Benefícios Fiscais, foram previamente notificados à Comissão e aprovados por esta. Assim, a jurisprudência que resulta do Acórdão de 25 de outubro de 2017, Comissão/Itália (C‑467/15 P, EU:C:2017:799), processo no qual estava em causa uma alteração legislativa que teve por efeito transformar o regime de auxílios autorizado por uma decisão do Conselho da União Europeia em auxílio novo e ilegal, não é pertinente.

104    A República Portuguesa sustenta que as autoridades nacionais estiveram sempre à disposição da Comissão para discutir medidas adequadas a fim de garantir a conformidade do Regime III com o mercado interno. Apresentaram, assim, à Comissão um projeto de despacho a clarificar o conceito de «criação de emprego», para fornecer indicações precisas aos beneficiários, e sugeriram realizar eventuais alterações legislativas, regulamentares e inspetivas ao Regime III, para as quais solicitaram a concordância da Comissão na forma de uma recomendação propondo medidas adequadas ao Estado‑Membro em causa ao abrigo do artigo 22.°, alíneas a) e b), do Regulamento 2015/1589.

105    A Comissão sustenta que esta parte deve ser julgada improcedente.

 Apreciação do Tribunal de Justiça

106    No que respeita à primeira parte do primeiro fundamento, conforme resumida nos n.os 100 a 104 do presente acórdão e na qual a República Portuguesa contesta a apreciação efetuada nos n.os 123 a 125 do acórdão recorrido, cumpre observar que o Tribunal Geral recordou, com razão, no n.° 122 desse acórdão, que um regime de auxílios autorizado, logo existente, deixa de ser abrangido pela decisão que o autorizou e, por conseguinte, constitui um «novo auxílio» quando o Estado‑Membro em causa aplica esse regime de auxílios, autorizado, é certo, pela Comissão, mas segundo modalidades substancialmente diferentes das previstas no projeto de regime de auxílios notificado por esse Estado‑Membro e, por isso, substancialmente diferentes das que foram tomadas em consideração pela Comissão para constatar a compatibilidade desse regime.

107    O Tribunal Geral não cometeu nenhum erro de direito, nos n.os 124 e 125 do acórdão recorrido, ao deduzir desses princípios que havia que determinar se a Comissão tinha tido razão ao concluir que a República Portuguesa tinha aplicado o Regime III em violação das Decisões de 2007 e de 2013 e, consequentemente, ao considerar que esse regime, conforme aplicado, era substancialmente diferente do autorizado por essas decisões e, por isso, constituía um novo auxílio executado por este Estado‑Membro em violação do artigo 108.°, n.° 3, TFUE.

108    Impõe‑se constatar que nenhum dos argumentos apresentados pela República Portuguesa, resumidos nos n.os 100 a 104 do presente acórdão, é suscetível de pôr em causa o mérito do raciocínio desenvolvido pelo Tribunal Geral nos n.os 122, 124 e 125 do acórdão recorrido.

109    Em primeiro lugar, no que respeita à alegação da República Portuguesa, conforme resumida no n.° 103 do presente acórdão, cumpre salientar que é verdade que a República Portuguesa alega, com razão, que, ao contrário do presente processo, em que a aplicação do Regime III se afastava substancialmente do que tinha sido autorizado nas Decisões de 2007 e de 2013, no processo que deu origem ao Acórdão de 25 de outubro de 2017, Comissão/Itália (C‑467/15 P, EU:C:2017:799), estava em causa uma alteração legislativa que tinha por efeito, como resulta do n.° 44 do referido acórdão, transformar o regime de auxílios autorizado por uma decisão do Conselho num auxílio novo e ilegal.

110    No entanto, sem que seja necessário analisar se esta referência jurisprudencial, feita por analogia, é incorreta, basta observar que esse erro, mesmo que tivesse sido demonstrado, não seria suscetível de invalidar o raciocínio desenvolvido pelo Tribunal Geral nos n.os 122, 124 e 125 do acórdão recorrido. Por conseguinte, esta alegação deve ser julgada inoperante.

111    No que respeita, em segundo lugar, à alegação da República Portuguesa, conforme resumida nos n.os 101 e 102 do presente acórdão, cumpre salientar que esta se limita a invocar considerações de natureza geral, sem identificar o erro de direito de que padece o acórdão recorrido quanto à conclusão de que existe um novo auxílio, pelo que deve ser julgada inadmissível, em aplicação da jurisprudência recordada no n.° 55 do presente acórdão. Além disso, relativamente à interpretação dos requisitos contidos nas Decisões de 2007 e de 2013, esta foi abordada no âmbito das partes segunda a nona do primeiro fundamento.

112    Em terceiro lugar, quanto à alegação da República Portuguesa, conforme resumida no n.° 104 do presente acórdão, cumpre sublinhar que, para efeitos da qualificação dos auxílios como «novos auxílios», o que importa é determinar se a República Portuguesa aplicou os auxílios em causa introduzindo alterações substanciais em relação ao Regime III, conforme aprovado nas Decisões de 2007 e de 2013, e não saber se as autoridades portuguesas tentaram sanar a posteriori as violações em causa. Consequentemente, esta alegação é improcedente.

113    Nestas condições, há que julgar a primeira parte do primeiro fundamento parcialmente inadmissível e parcialmente improcedente.

 Quanto à primeira parte do segundo fundamento

 Argumentos das partes

114    Na primeira parte do segundo fundamento, a República Portuguesa alega que o Tribunal Geral cometeu um erro de direito ao não ter concluído, nos n.os 183 e 185 do acórdão recorrido, que a Comissão violou os seus direitos de defesa ao não espelhar, na decisão de dar início ao procedimento formal, a sua concreta posição sobre os argumentos da República Portuguesa antes apresentados, no âmbito do procedimento de monitorização, num ofício de 6 de abril de 2018.

115    No entender da República Portuguesa, este ofício contém argumentos que poderiam determinar que a Comissão não ordenasse a abertura do procedimento formal de investigação. Na medida em que esta decisão de abertura e, por conseguinte, a decisão controvertida poderiam ter tido um conteúdo diferente, é irrelevante, a posteriori, que, como resulta do n.° 186 do acórdão recorrido, «os elementos de direito e de facto que, segundo a República Portuguesa, foram evocados no referido ofício [tenham sido] referidos, nos considerandos 64, 71 a 73, 81 a 88 e 220 da decisão [controvertida], como argumentos apresentados pela República Portuguesa no âmbito do procedimento formal de investigação».

116    A Comissão contesta todos os argumentos invocados no âmbito desta parte.

 Apreciação do Tribunal de Justiça

117    No que respeita à argumentação da República Portuguesa, conforme resumida nos n.os 114 e 115 do presente acórdão e na qual contesta a apreciação efetuada nos n.os 183 e 185 do acórdão recorrido, cumpre recordar que são manifestamente inadmissíveis os argumentos de um recurso que não criticam a decisão proferida pelo Tribunal Geral na sequência de um pedido de anulação de uma decisão, mas a decisão cuja anulação foi pedida no Tribunal Geral (Acórdão de 29 de junho de 2023, TUIfly/Comissão, C‑763/21 P, EU:C:2023:528, n.° 53).

118    Além disso, na medida em que alega, em substância, que, ao não reconhecer uma violação dos seus direitos de defesa, o Tribunal Geral cometeu um erro de direito, impõe‑se constatar que, ao fazê‑lo, a República Portuguesa não indica de forma precisa os elementos criticados do acórdão recorrido nem desenvolve nenhum argumento jurídico que sustente especificamente essa afirmação, pelo que esta parte da primeira parte do segundo fundamento é inadmissível, em conformidade com a jurisprudência recordada no n.° 54 do presente acórdão.

119    A este respeito, cumpre ainda salientar que a República Portuguesa não acusa o Tribunal Geral de ter cometido uma desvirtuação ao declarar, no n.° 186 do acórdão recorrido, que os elementos de direito e de facto que, segundo a República Portuguesa, foram evocados no ofício de 6 de abril de 2018 foram referidos, nos considerandos 64, 71 a 73, 81 a 88 e 220 da decisão controvertida, como argumentos apresentados pela República Portuguesa no âmbito do procedimento formal de investigação. Assim, a argumentação deste Estado‑Membro segundo a qual a decisão de dar início ao procedimento formal e a decisão controvertida poderiam ter tido um conteúdo diferente se os seus argumentos tivessem sido tidos em conta, argumentos esses que é pacífico que foram tidos em consideração na decisão controvertida, deve ser julgada inadmissível, em conformidade com a jurisprudência recordada no n.° 56 do presente acórdão.

120    Nestas condições, há que julgar a primeira parte do segundo fundamento parcialmente inadmissível e parcialmente improcedente.

 Quanto à segunda parte do segundo fundamento

 Argumentos das partes

121    Na segunda parte do segundo fundamento, a República Portuguesa sustenta que o Tribunal Geral julgou erradamente improcedentes, nos n.os 188 a 217 do acórdão recorrido, os fundamentos relativos à violação dos princípios da segurança jurídica, da proteção da confiança legítima e da boa administração, na medida em que se ordenou à República Portuguesa que recuperasse os auxílios declarados ilegais e incompatíveis.

122    Segundo a República Portuguesa, os princípios gerais da segurança jurídica e da confiança legítima opõem‑se a que lhe seja ordenado que recupere os auxílios em causa junto dos beneficiários. Para fundamentar esta afirmação, invoca várias circunstâncias factuais que foram resumidas, em substância, no n.° 189 do acórdão recorrido.

123    Em particular, o Tribunal Geral não cumpriu, nos n.os 188 a 217 do acórdão recorrido, o seu dever de fundamentação na medida em que não se pronunciou sobre o argumento invocado pela República Portuguesa, no n.° 241 da petição inicial no âmbito do recurso de anulação, segundo o qual os princípios da confiança legítima e da segurança jurídica foram violados na decisão controvertida por esta exigir que o critério sobre a criação e a manutenção de postos de trabalho fosse aferido por referência ao conceito de «postos de trabalho» em ETI e em UTA, apesar de tal exigência não constar das Decisões de 2007 e de 2013.

124    A República Portuguesa acrescenta que o facto de a Comissão não ter dado início ao procedimento formal de investigação durante um período relativamente longo gerou certezas e criou uma confiança legítima dos beneficiários que impede a recuperação do auxílio pago anteriormente.

125    A República Portuguesa sustenta ainda, a este respeito, que o Tribunal Geral não cumpriu o seu dever de fundamentação e desvirtuou os elementos de prova por manifesto erro de apreciação ao concluir, no n.° 212 do acórdão recorrido, que a duração de 29 meses do procedimento formal de investigação não pode ser considerada desrazoável, tendo em conta a necessidade de a Comissão tratar o pedido das autoridades portuguesas sobre a confidencialidade da decisão de dar início a esse procedimento, de pedir várias vezes a essas autoridades a comunicação de informações em falta, bem como de tratar as observações do muito grande número de partes interessadas que participaram no procedimento.

126    Primeiro, tendo em conta o lapso de tempo particularmente longo que decorreu entre as diferentes fases do procedimento antes de o inquérito da Comissão sobre o regime da ZFM ter sido concluído, esta instituição violou os princípios da segurança jurídica e da confiança legítima. Segundo, considerando que o Tribunal de Justiça já declarou que um prazo de 26 meses para se pronunciar no âmbito de um procedimento formal de investigação não era admissível e que o princípio da proteção da confiança legítima tornava impossível a recuperação dos auxílios já pagos (Acórdão de 24 de novembro de 1987, RSV/Comissão, 223/85, EU:C:1987:502, n.os 14 a 17), tendo em conta que decorreram 29 meses entre a decisão de dar início ao procedimento formal, adotada em 6 de julho de 2018, e a decisão controvertida, adotada em 4 de dezembro de 2020, a referida jurisprudência também deveria ser aplicada no presente processo. Terceiro, a República Portuguesa salienta que o Código de Boas Práticas da Comissão estipula um período máximo de um ano para o exercício de monitorização do Regime III, iniciado por esta instituição em 12 de março de 2015 e relativo aos anos de 2012 e 2013, que as autoridades nacionais sempre respeitaram os prazos, que houve uma troca de ofícios entre as autoridades nacionais e a Comissão relativa a um aspeto técnico sobre a publicidade que nada tem que ver com a apreciação da Comissão acerca da materialidade, e que a Comissão se limitou a resumir as observações das 102 partes interessadas.

127    A Comissão sustenta que a segunda parte do segundo fundamento é parcialmente inadmissível e parcialmente improcedente.

 Apreciação do Tribunal de Justiça

128    Na segunda parte do segundo fundamento, a República Portuguesa alega, em substância, que o Tribunal Geral violou os princípios da segurança jurídica, da confiança legítima e da boa administração, ao confirmar que era necessário recuperar os auxílios declarados ilegais e incompatíveis.

129    Ora, embora tenha alegado, em termos formais, que o Tribunal Geral cometeu erros de direito, a República Portuguesa convida, na realidade, o Tribunal de Justiça a reexaminar a apreciação dos factos que o Tribunal Geral efetuou nos n.os 188 a 217 do acórdão recorrido. De acordo com a jurisprudência constante recordada no n.° 56 do presente acórdão, a apreciação desses factos escapa à fiscalização do Tribunal de Justiça no âmbito de um recurso de uma decisão do Tribunal Geral. Por conseguinte, a segunda parte do segundo fundamento do recurso deve, nesta medida, ser declarada inadmissível.

130    Quanto à alegação da República Portuguesa, conforme resumida no n.° 123 do presente acórdão, na qual alega que o Tribunal Geral cometeu, nos n.os 188 a 217 do acórdão recorrido, um erro por falta de fundamentação nos n.os 188 a 217, na medida em que não se pronunciou sobre o seu argumento relativo à violação dos princípios da confiança legítima e da segurança jurídica, cumpre recordar que o dever de fundamentação que incumbe ao Tribunal Geral, por força do artigo 36.°, primeiro período, e do artigo 53.°, primeiro parágrafo, do Estatuto do Tribunal de Justiça da União Europeia, não impõe ao Tribunal Geral uma exposição que acompanhe exaustiva e individualmente todos os argumentos articulados pelas partes no litígio. A fundamentação pode, portanto, ser implícita, na condição de permitir aos interessados conhecerem as razões pelas quais o Tribunal Geral não acolheu os seus fundamentos ou os seus argumentos e ao Tribunal de Justiça dispor de elementos suficientes para exercer a sua fiscalização (Despacho de 29 de novembro de 2011, Evropaïki Dynamiki/Comissão, C‑235/11 P, EU:C:2011:791, n.° 66 e jurisprudência referida).

131    Ora, no caso em apreço, as razões pelas quais o Tribunal Geral não acolheu os argumentos da República Portuguesa que lhe foram apresentados no n.° 241 da petição no âmbito do recurso de anulação resultam expressamente dos n.os 165 e 166 do acórdão recorrido, nos quais o Tribunal Geral validou a decisão controvertida, esclarecendo que esta não impôs de modo nenhum às autoridades portuguesas o recurso aos métodos ETI e UTA. Por conseguinte, esta alegação é improcedente.

132    Nestas condições, há que julgar a segunda parte do segundo fundamento parcialmente inadmissível e parcialmente improcedente.

133    Uma vez que nenhum dos fundamentos invocados pela República Portuguesa para fundamentar o seu recurso foram acolhidos, há que negar provimento a este último na íntegra.

 Quanto às despesas

134    Nos termos do artigo 184.°, n.° 2, do Regulamento de Processo do Tribunal de Justiça, se o recurso for julgado improcedente, o Tribunal de Justiça decidirá sobre as despesas.

135    Em conformidade com o artigo 138.°, n.° 1, deste regulamento, aplicável aos processos de recursos de decisões do Tribunal Geral por força do artigo 184.°, n.° 1, do referido regulamento de processo, a parte vencida é condenada nas despesas se a parte vencedora o tiver requerido.

136    Tendo a Comissão pedido a condenação da República Portuguesa e tendo esta sido vencida, há que condená‑la nas despesas.


Pelos fundamentos expostos, o Tribunal de Justiça (Quinta Secção) decide:

1)      É negado provimento ao recurso.

2)      A República Portuguesa é condenada nas despesas.

Regan

Csehi

Ilešič

Jarukaitis

 

Gratsias

Proferido em audiência pública no Luxemburgo, em 4 de julho de 2024.

O Secretário

 

O Presidente de Secção

A. Calot Escobar

 

E. Regan


*      Língua do processo: português.